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ISSN ISSN ISSN ISSN 1664 1664 1664 1664-5243 5243 5243 5243 Literário, sem frescuras! Ano 3 Ano 3 Ano 3 Ano 3 - Setembro/ Setembro/ Setembro/ Setembro/Outubro de 2012 Outubro de 2012 Outubro de 2012 Outubro de 2012—Edição no. Edição no. Edição no. Edição no. 17 17 17 17 ®

VARAL 17 SET 2012

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Revista Varal do Brasil. Literária, sem frescuras! Edição de setembro de 2012.

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Literário, sem frescuras!

Ano 3 Ano 3 Ano 3 Ano 3 ---- Setembro/Setembro/Setembro/Setembro/Outubro de 2012Outubro de 2012Outubro de 2012Outubro de 2012————Edição no. Edição no. Edição no. Edição no. 17171717

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Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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LITERÁRIO, SEM FRESCURAS

Genebra, verão/outono de 2012

No. 17 bbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbmmmmm

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EXPEDIENTE Revista Literária VARAL DO BRASIL

NO. 16 - Genebra - CH - ISSN 1664ISSN 1664ISSN 1664ISSN 1664----5243 5243 5243 5243

Copyright Vários Autores

O Varal do Brasil é promovido, organizado e rea-lizado por Jacqueline Aisenman

Site do VARAL: www.varaldobrasil.com

Blog do Varal: www.varaldobrasil.blogspot.com

Textos: Vários Autores

Colunas:

Daniel Ciarlini

Fabiane Ribeiro

Sheila Ferreira Kuno

Ilustrações: Vários Autores

Desenhos animais: © ddraw - Fotolia com

Desenhos crianças/estações: © J-Sho - Fotolia

Foto capa: © Chepko Danil - Fotolia com

Foto contracapa: © fotogestoeber - Fotoliacom

Muitas imagens encontramos na internet sem ter o nome do autor citado. Se for uma foto ou um desenho seu, envie um e-mail aqui para a gente e teremos o maior prazer em divulgar o seu ta-lento.

Revisão parcial de cada autor

Revisão geral VARAL DO BRASIL

Composição e diagramação:

Jacqueline Aisenman

A distribuição ecológica, por e-mail, é gratuita. A revista está gratuitamente para download em seus site e blog.

Se você deseja participar do VARAL DO BRASIL NO. 18 envie seus textos até 10 de outubro de 2012 para: [email protected]

O tema da edição no. 18 será livre.

O CURTIDOR DE PELES Por Wilton Porto Quando garoto, curtia o sol, Que curtia as peles estendidas no chão. Curtindo as peles, também curtia os sonhos, De um dia nesta vida ter um lugar ao sol. O sol que curtia as peles Muito mais curtia os sonhos De ser mais que um curtidor de peles Na pele em que vivia. O sol é vida, o sol é sonho, Mas viver no sol não é a única vida; Se Curtir as peles é oportunidade, Oportunidade não é só em peles. Viver ao sol – eis o verdadeiro curtir. Curtiu e curte na pele que é dele. Porém, para curtir, o que se curte Nesta vida tão curta, Antes, é viver no sol, Pois só ganha a vida quem nada repele. (Do livro O CURTIDOR DE PELES).

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Convidamos as pessoas que gostam de escrever para falar da infância e o convite foi aceito por muitos! Então aqui estamos, falando não só da Nossa Infância, mas da infância de todos. Desde as infâncias felizes até a mais triste delas.

Lembrar da infância não é fácil para todo mundo, assim também é falar dela. O que para muitos é algo gostoso e que pode se repetir escrevendo o que vem da memória, para outros pode ser doloroso demais. Por isto agradecemos a tantos que vieram, atenderam o apelo e falaram da infância com alegria ou com tristeza.

Quando se pensa em criança é automático: pensamos em doces! Vida doce, festa, tudo doce! Então fomos buscar algumas receitas culinárias que visitassem nosso paladar infantil, aquele que, como um pequeno pecado, muitas vezes ainda provamos e adoramos!

Como vocês devem ter percebido nossas férias foram alegremente interrompidas pela edição de um especial, o Varal do Amor. Foram publicados cinquenta autores. Mas recebemos muitos, muitos mais. E a sugestão de fazer uma sequência. Quem sabe? Quem sabe não faremos em breve? Atendemos com alegria, em meio a todas as histórias e poemas sobre a infância, o chamado da seriedade de uma publicação científica e publicamos o artigo de André Valério Sales intitulado Particularidade, Universalidade e Singularidade: definindo conceitos fundamentais para a Meto-dologia da Pesquisa em Ciências Sociais e que por ele será apresentado na universidade que frequenta. Talvez um sonho de criança que se realiza! Em meio a tantas alegrias, uma notícia triste vem fazer parte do Varal. Nossa Livraria, infeliz-mente, encerrou suas atividades. Não foi possível manter o sonho de comercializar nossa nova literatura, nossos novos autores aqui na Europa! Constatamos que pouquíssimos brasileiros aqui na Suíça buscam esta literatura. A grande maioria ainda se atém aos autores consagrados ou prefere apenas adquirir os livros diretamente no Brasil quando vai em visita. Desta forma, profundamente tristes, fechamos as portas desta livraria que tinha o sonho de ver seus autores brilhando por aqui! Mas nem tudo foi perdido, pois depois do sucesso que foi nossa participa-ção no 26o. Salão Internacional do Livro de Genebra, os livros, cedidos por grande parte dos escritores presentes na livraria, estão sendo doados a várias bibliotecas suíças que demonstra-ram imenso interesse nos exemplares. São os novos autores brasileiros cruzando fronteiras através do Varal do Brasil! Estamos com as inscrições abertas para a seleção de textos para o livro Varal Antológico 3. Surpresos com a variedade e quantidade de textos a ler, nossos examinadores estão felizes de observar a qualidade destes mesmos textos. E começamos a lamentar que as vagas sejam limi-tadas! Você ainda tem tempo para se inscrever e pode solicitar o regulamento através do nosso e-mail [email protected] . O livro Varal Antológico 3 terá revisão completa incluída e edi-toração pela Design Editora, símbolo de qualidade na edição de livros no Brasil. Amigos do Varal, nos preparamos para, em novembro, festejar nossos três anos de revista. Tra-remos o tema livre, festejaremos juntos. Esperando você para a festa de novembro, deixamos aqui esta revista especial sobre a infância! Uma boa leitura! Sua equipe do Varal

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◊ AFONSO MARTINI

◊ ANA MARIA ROSA

◊ ANA ROSENROT

◊ ANDRÉ VALÉRIO SALES

◊ ARLETE TRENTINI DOS SANTOS

◊ AUDELINA MACIEIRA

◊ CARLA RENATA JORGE NEVES

◊ CARLOS CONRADO

◊ CARLOS PINA

◊ CLÉO REIS

◊ CRISTINA CACOSSI

◊ DANIEL C. B. CIARLINI

◊ DHIOGO JOSÉ CAETANO

◊ EDNA PIDNER

◊ ELIANE ACCIOLY

◊ EMÉRITA ANDRADE

◊ ELISE SCHIFFER

◊ EVELYN CIESZYNSKI

◊ FABIANE RIBEIRO

◊ FANI

◊ FELIPE CATTAPAN

◊ FRANCY WAGNER

◊ GERMANO MACHADO

◊ GUACIRA MACIEL

◊ HELENA AKIKO KUNO

◊ HELIO SENA

◊ HERNANDES LEÃO

◊ ISABEL CRISTINA SILVA VARGAS

◊ IVANE LAURETE PEROTTI

◊ JACQUELINE AISENMAN

◊ JOSANE MARY AMORIM

◊ JOSÉ CAMBINDA DALA

◊ JOSÉ CARLOS PAIVA BRUNO

◊ JOSÉ HILTON ROSA

◊ JOSSELENE MARQUES

◊ JU PETEK

◊ JULIA REGO

◊ KARINE ALVES RIBEIRO

◊ KRISIANE DE PAULA

◊ LARIEL FROTA

◊ LENIVAL NUNES ANDRADE

◊ LEONILDA YVONNETI SPINA

◊ LÓLA PRATA

◊ LÚCIA AMÉLIA BRULHARDT

◊ LUDMILA RODRIGUES

◊ LUIZ CARLOS AMORIM

◊ LUNNA FRANK

◊ MARCELO BENINI

◊ MARCOS TOLEDO

◊ MARCOS TORRES

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◊ MADAL

◊ MARIA EUGÊNIA

◊ MARIA MOREIRA

◊ MARIANE EGGERT DE FIGUEIREDO

◊ MARILU F. QUEIROZ

◊ MARINA VALENTE

◊ MARINEY K

◊ MÁRIO OSNY ROSA

◊ MYRTHES NEUSALI SPINA DE MORAIS

◊ MARIO REZENDE

◊ MORGANA GAZEL

◊ NORÁLIA DE MELLO CASTRO

◊ ODENIR FERRO

◊ RAIMUNDO CANDIDO TEIXEIRA FILHO

◊ RENATA IACOVINO

◊ RITA DE OLIVEIRA MEDEIROS

◊ RO FURKIM

◊ ROBERTO ARMORIZZI

◊ ROZELENE FURTADO DE LIMA

◊ SANDRA BERG

◊ SARAH VENTURIM LASSO

◊ SHEILA FERREIRA KUNO

◊ SILVIO PARISE

◊ SONIA NOGUEIRA

◊ SONIA RODRIGUES

◊ VALDECK ALMEIDA DE JESUS

◊ VALQUIRIA GESQUI MALAGOLI

◊ VO FIA

◊ WILTON PORTO

◊ YARA DARIN

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UM PEDAÇO DO CÉU

Por Ana Maria Rosa

Eu era muito criança. Devia ter uns seis

anos, mas ainda me lembro daquela tarde. A trovoa-

da veio muito rápida: de repente, o céu se fez negro,

e um vento forte começou a sacudir a copa das árvo-

res. Logo nossa mãe mandou que entrássemos. Fe-

chou as portas e janelas, cobriu os santos e os espe-

lhos. Nós queríamos ver a chuva, porém ela nos fez

ficar quietos em seu quarto. Amedrontada, sentou-se

toda encolhida na cama passando as contas do rosá-

rio e rezando bem baixinho. Ficamos em silêncio

ouvindo o ribombar dos trovões e as pancadas da

chuva no telhado. Parecia que o mundo estava se

acabando – diria minha mãe mais tarde. Nós, ao

contrário dela, não tínhamos medo algum e adoráva-

mos chuva forte com relâmpagos e trovões. Mas,

daquela vez, fiquei um pouco amedrontada com a

violência da trovoada. Quando, finalmente, a chuva

amainou, saímos do quarto. Era de tardinha, e a casa

estava quase às escuras. Caminhávamos tateando as

paredes do corredor tentando enxergar através da

penumbra. Logo, percebemos que a chuva e a venta-

nia haviam feito muitos estragos, pois havia muita

sujeira e telhas quebradas pelo chão. Ao chegarmos

à sala de jantar, percebemos que algo extraordinário

havia acontecido: o vento destelhara a cumeeira.

Não sei o que os outros viram, mas o que vi

jamais esquecerei.

Fiquei parada no último degrau do corredor,

fora do tempo, olhando aquele cenário irreal: a mesa

grande, preta de tão encardida; as cadeiras escuras,

fantasmagóricas; fuligem e pedaços de telha espa-

lhados por toda parte; o espelhinho do lavatório co-

berto com uma toalhinha branca; a bacia de esmalte

cheia de água amarela; a pequena cristaleira com o

vidro quebrado expando os pratos de visita... A sala

e os objetos, tudo, envolto numa penumbra azulada

e, ao mesmo tempo, banhado de luz. Não havia can-

deeiro aceso nem luz do sol. As janelas e portas es-

tavam fechadas. Mas uma luminosidade suave e

acinzentada clareava tudo. Olhei e vi o teto, negro

de fuligem, com um buraco enorme e azulado. Por

aquele buraco, entrava – na sala – o céu cinza-claro,

quase prateado, lavado de chuva...

Não sei por quanto tempo quedei-me ali, re-

verente, olhando aquele pedaço de céu... e admiran-

do aqueles objetos pela primeira vez – em toda sua

pobreza – envoltos numa feiura que, naquele mo-

mento, me parecia inexplicavelmente bela. Aproxi-

mei-me da mesa: o céu estava perto e pairava sobre

minha cabeça. Como era possível aquilo? O céu

sempre fora tão inatingível, tão distante... E agora

estava tão perto, tão pequenino... meu céu. Achei

que poderia tocá-lo com a mão se conseguisse uma

escada bem alta para subir na cumeeira da casa...

Olhei mais um pouco e vi que sobre a mesa,

nas cadeiras, no chão, em toda parte, havia pequeni-

nas pedrinhas transparentes – cristaizinhos de luz...

Quando eu os colocava na palma da mão (tão frios),

logo eles desapareciam. Alguém falou em chuva de

granizo. Disseram que aquelas pedrinhas eram de

gelo. Gelo!? Na boca, elas derretiam... Eram de

água!

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Saí para o terreiro, e o chão estava salpicado

por uma infinidade delas. O terreiro estava ilumina-

do por milhares de pontos de luz, como se fossem

pedras preciosas ou pequeninos pedacinhos de estre-

las. Eu escolhia os maiores, punha-os na mão e fica-

va olhando até vê-los sumirem rapidamente restan-

do apenas uma porçãozinha de água... Olhava ao

meu redor, e o mundo inteiro estava parado. Não

existia nenhum movimento: as quixabeiras, impassí-

veis, sobre o tapete de frutinhas escuras; as folhas

das bananeiras, rasgadas, imóveis; os porcos quietos

como as varas negras do chiqueiro; as galinhas e os

perus, extáticos, a contemplar, filosóficos, aquele

mundo novo; o pássaro, preso na gaiola, encolhia-se

em seu terno negro sem vontade de fugir... Não ha-

via nenhuma cor: o capim, as juremas, os mandaca-

rus, os umbuzeiros e até as flores haviam descolori-

do. E o céu cinza-prata – agora imenso – continuava

próximo, redondo, abraçando tudo ao redor. O mun-

do inteiro era uma fotografia em preto e branco.

Houve um momento em que minhas irmãs

entraram, e fiquei sozinha lá fora. Só eu – uma cri-

ança – sozinha naquele imenso mundo ártico... E

escutei as árvores, e escutei o gado, e escutei o ven-

to, e escutei a fonte, e escutei o riacho. Não havia

nenhum som, apenas o Silêncio.

Voltei à sala e olhei novamente cada coisa:

os móveis, os objetos, as paredes, as portas, as jane-

las, o telhado, o chão... E, de novo, era como se os

visse pela primeira vez. Olhava meu pedaço de céu,

limitado pelas telhas, projetando-se para o infinito, e

meu coração se regozijava como se tocado por algo

sagrado. Uma vez li (Não me lembro quem disse,

mas foi alguém do grupo que construiu Pampulha)

que a Poesia às vezes passa num lugar – suave e fur-

tiva – quase como uma brisa. Porém, por alguns ins-

tantes, pode-se perceber sua presença. Acho que,

naquela tarde, a Poesia entrou pelo buraco no telha-

do, iluminou os móveis toscos da sala, assoprou a

água amarela da bacia, mirou-se nos cristaizinhos de

granizo e fugiu... Foi embora antes que a escuridão,

já instalada na cozinha, invadisse a sala; antes que a

menina de cabelos encaracolados, sentada no baten-

te do corredor, pudesse compreender por que queria

guardar – como um tesouro – aquela sensação de

beleza... de mágica. Lembro-me de que fugi pela

penumbra do corredor e quedei-me na sala de visi-

tas, bem perto do lampião. Em meu coração, havia

uma imensa vontade de chorar. Teria a menina des-

coberto a efemeridade da vida?

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Minha infância

Por Luiz Carlos Amorim

Esta noite acordei com a chuva batendo na minha janela. Não fiquei contrariado por ter acordado com o barulho dos pingos contra o vidro, porque gosto de chuva. Sempre gostei. Gosto de dormir com o tambori-lar dos pingos no telhado (morei a maior parte da minha vida em casas, graças a Deus!) ou na janela. Que eu me lembre, só fico chateado quando chove muito nas épocas da florescência do ipê, do jacatirão, do flamboaiã, da azaleia e do olho de boneca (um tipo de orquídea comum, em nossa região), pois as flores caem mais depressa porque ficam pesadas com o excesso de água e porque apodrecem.

E quando a chuva me pega desprevenido no meio da rua, no inverno.

Mas como dizia, choveu esta noite e os pingos na janela fizeram com que me reportasse a minha infância, já um tanto distante. O tamborilar que agora me traz uma sensação de paz e melancolia, naqueles tempos de garoto, idos tempos, fazia com que eu e meus irmãos grudássemos nossos narizes nos vidros das janelas e olhássemos para fora, com uma vontade enorme de sair e brincar, descalços, na água que corria ao lado da casa e junto da calçada.

Nossa mãe, no entanto, alerta, nos detinha. Mas em ela se descuidando um segundo, lá estávamos nós, fa-zendo festa debaixo da chuva, jogando água um no outro, estancando-a em pequenos lagos e soltando bar-quinhos de papel na corredeira, os cabelos escorridos e a roupa encharcada, com aquele ar de felicidade que só criança tem.

Aqueles dias se foram e eu não corro mais na chuva. Quando me molho ao apanhar chuva, fico aborrecido por que vou chegar molhado em algum lugar. Não consigo mais ser criança como antes. E gostaria de po-der. Porque acho que ainda sou um pouquinho criança dentro deste corpo que vai envelhecendo e ficando cansado.

Amanhã, quem sabe, talvez eu saia descalço e de peito nu, a cantar pela chuva. Se você encontrar um ma-luco molhado cantando e dançando na chuva, não se assuste. Pode ser que seja eu.

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LEMBRANÇAS

Por Carla Renata Jorge Neves

Busco agora na memória Lembranças da minha infância:

Aos seis anos de idade, Mesmo com toda adversidade,

Posso ver muita alegria Por ter podido um dia,

Estudar com a tia Estela Linda, amiga e sincera!

Chego agora aos oito anos, No romper de outra etapa,

Tenho agora a tabuada, Sem conversa, sem bagunça,

Tia Fauza com firmeza, Faz o aluno com certeza, Aprender a matemática!

Já na flor da mocidade,

Aos quatorze anos de idade, Vejo agora a alegria Na aula de geografia:

Senhor Jorge com seu mapa Ministrando suas aulas, Com toda propriedade!

Diferente de outras aulas, Aguardava ansiosa,

Por saber que neste dia, Muito mais aprenderia; Através da geografia, O mundo conheceria,

Numa viagem maravilhosa! Ao final desta viagem,

Louvo a Deus por ter um dia, Me levado à escola,

Onde os meus mestres queridos, Me ensinavam a toda hora, Não somente a disciplina,

Mas amor e alegria!

Hoje eu trago na bagagem, Estas lembranças comigo,

Que me fazem voltar no tempo Relembrando bons momentos, Que passei com meus amigos!

Tudo isso me levou, Quando na minha escolha,

A escolher Pedagogia, Para poder fazer um dia,

Algo pela educação, Dando contribuição,

À criança, jovem e adulto, Tornando-os bons cidadãos!

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BALÕES EM SÃO JOÃO

Por Yara Darin

Balões em São João

Balões aos ares

Balões multicores

Que outrora no céu brilhavam, me fasci-navam.

Sentia-me em liberdade, sensação de feli-cidade

Amores de verdade!

Lembro o céu junino todo estrelado

As fogueiras , bandeiras e rojões

Que alegravam o meu coração

Quando em dia de São João !

Tão belos balões já não existem mais

Tão-pouco tenho as alegrias de outrora

E as que ficaram , tão somente

São lembranças saudosas , gostosas

De uma época feliz de criança

Que o tempo não volta jamais...

Art de Analice Rodrigues Uchôa

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Oração de uma criança abandonada

Por Carlos Conrado

Querido Papai do Céu, Não sei se o senhor tem barba Mas sei que não é igual a eu!...

Queria estar contigo agora Pois aí deve ter pão de sobra E um lugar coberto neste céu,

Para eu me deitar quando estiver cansado, Nestas nuvens parecidas com algodão.

Senhor por ti junto minhas mãos E peço sabedoria de gente grande.

Papai do Céu eu quero Que eu e meus irmãos possamos

Ir à escola e deixar De pedir esmola para sempre.

Dizem que o senhor Ama todo mundo, que não rouba e nem mente,

Por isto vou te amar. Não tenho muito a te oferecer,

Mas mesmo que eu continue nas ruas, Eu vou te honrar e agradecer

Pois tu és o meu super-herói!... Senhor se eu me comportar

Talvez eu ganhe mais Que uma bicicleta, talvez,

Eu ganhe um lar. Querido Papai do Céu Abençoa todo mundo.

Dá-me uma mãe para amar, Um peixinho e um cachorro E diz a quem precisa escutar

Que o amor não é só namorar.

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Por Fabiane Ribeiro

Conto 5 – A lenda dos olhos e da saudade

“Diz um velho pescador que há um tempo que não se conta, por aquelas bandas, existiu um jovem rapaz que costumava caminhar a beira-mar em todo fim de tarde. Ele levava sempre consigo uma gaita e a tocava, enquanto contemplava a imensidão das águas e o vazio do horizonte.

O rapaz disse ao sábio que seu coração o guiara até aquela praia. Então, ele ia para lá, todos os dias, na esperança de encontrar os motivos.

Até que um dia, do mar ela surgiu. Uma bela moça. Alguns dizem por aí que era uma sereia. Ou-tros dizem que era um anjo do mar. Mas para aque-le rapaz era apenas a dona do seu coração. Uma vez ao ano, ela surgia e o arrastava até as profundezas. Então, juntos, eles contemplavam as maiores mara-vilhas da natureza: o mundo que existe abaixo das águas do oceano, onde nenhum ser humano jamais estivera.

Em todos os outros dias do ano, o rapaz sen-tava-se junto a um rochedo e tocava sua gaita. Ele sabia que a moça podia ouvi-lo, de onde estivesse. Ele apenas gostava de tocar para ela... E, a cada pôr-do-sol em que ela não vinha, ele derramava uma lágrima no oceano, que se mesclava por entre as águas infinitas.

Por décadas, eles encontraram-se apenas uma vez ao ano. Até que a moça não apareceu. No

ano seguinte, ela também não veio; nem no próxi-

mo...

Anos se passaram sem que ele tivesse notí-cias de sua amada. Ele já estava velho e cansado, quando, deitou-se na areia da praia e pediu que o mar carregasse seus olhos para que ela pudesse en-contrá-los. Dona de tudo o que ele já havia visto de mais belo, ela continuaria a guiá-lo por entre as mais lindas e inexploradas maravilhas da natureza. Assim, há um tempo que não se conta, nasceu, junto ao mar, a saudade e também o primeiro ser humano que não era mais dono de sua visão”.

Maria Isabel, a coordenadora do grupo, fe-chou o livro escrito em braile, dizendo:

— Essa é a lenda dos olhos e da saudade. Ela nos faz imaginar a vida do primeiro deficiente visual que existiu no mundo. Claro, é só uma histó-ria. Como temos observado ao longo de nossa reu-nião, assim como o rapaz da lenda, nós também ve-mos o mundo, apenas de forma diferente...

Verdade ou não, em certo canto do mundo, em uma praia distante de tudo, os viajantes costu-mavam dizer que podiam ouvir o som de uma gaita a tocar, sem que ninguém estivesse por lá...

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O CLUBE DOS VIRA-LATAS é uma organização não governa-

mental, sem fins lucra"vos, que mantém em seu abrigo ho-

je mais de 400 animais que são cuidados e alimentados dia-

riamente. Boa parte desses animais chegou ao Clube após

atropelamentos, acidentes, maus tratos e abandono. Nosso

obje"vo é resgatá-los das ruas, tratá-los e conseguir um lar

responsável para que eles possam ter uma vida feliz.

Por que ajudar os animais?

Você sabia que no Brasil milhões de cães e gatos vi-

vem nas ruas, passando fome, frio e todos os "pos

de necessidades? Cerca deles 70% acabam em abri-

gos e 90% nunca encontrarão um lar. Parte será ví"-

ma ainda de atropelamentos, espancamentos e to-

dos os "po de maus tratos.

Infelizmente, não é possível solucionar este proble-

ma da noite para o dia. A castração dos animais de

rua é uma solução para diminuir as futuras popula-

ções mas não resolve o problema do agora. Sendo

assim, algumas coisas que você pode fazer para aju-

dar um animal carente hoje:

Adotar um animal de maneira responsável

Voluntariar-se em algum abrigo.

Doar alimento (ração) e/ou remédios para abrigos.

Contribuir financeiramente com ONGs.

Nunca abandonar seu animal

Como o Clube vive? Somente de doações. Todas as

nossas contas são públicas, assim como extratos

bancários e notas fiscais.

Como ajudar o Clube? Para manter esses mais de

400 peludos em nosso abrigo, contamos hoje ape-

nas o trabalho dos voluntários e com o dinheiro de

doações. Todos podem ajudar, seja divulgando o

Clube, seja adotando um animal ou mesmo doando

dinheiro, ração ou medicamentos. Qualquer doação,

de qualquer valor por menor que seja, é bem-vinda.

As contas do Clube bem como o des+no de todo o

dinheiro estão abertas para quem quiser

BRADESCO (banco 237 para DOC)

Agência: 0557

CC: 73.760-7

Titular: Clube dos Vira-Latas

CNPJ: 05.299.525/0001-93 Ou

Banco do Brasil (banco 001 para DOC)

Agência: 6857-8

CC: 1624-1

Titular: Clube dos Vira-Latas

CNPJ: 05.299.525/0001-93

(Saiba mais sobre o Clube em h p://fr-

fr.facebook.com/ClubeDosViraLatas?ref=ts)

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Meus animais de infância

Por Renata Iacovino

Desde criança sempre ouvi que gato tem sete vidas. E uma das histórias que me fez crer nisto, aconteceu em casa, mas eu apenas ouvi falar, por-que era muito pequena, ou talvez, nem nascida.

Soube que meu pai – até então, um não apre-ciador da raça felina domesticada – atirou pela jane-la de seu quarto, nosso gato Pelé, a uma altura de mais ou menos 5 metros. O bichano sobreviveu, co-mo se nada tivesse acontecido. Que bom! Pelo me-nos não foi daquela vez.

Mas tal antipatia durou pouco.

Lembro-me sempre cercada de gatos, em casa. E testemunhei muitos deles no colo de meu pai, no sofá com a gente, enfim, verdadeiros donos e donas do pedaço.

Manoela veio como verdadeira rainha. Filhos dela também conviveram conosco, como o Riveli-no, o Bado, o Saci...

Mas um vira-lata, em especial, era meu xodó (e creio, vice-versa). O Brito, que depois virou Britz, que depois virou... ah, bem, deixa pra lá, eram tantos os nomes e apelidos que eu dava para um único gato, que em minha memória estas coisas até se confundem, hoje em dia.

O Brito, ou Britz, ou... chegava da rua estropi-ado, sem um pedaço da orelha, muitas vezes, e vi-nha correndo ao meu encontro. Era um amor só. To-do sujo, com resquícios da farra, parecia saber que somente eu toleraria aquilo.

E quantas vezes ele desaparecia! Dois, três, quatro dias! Nós ficávamos preocupados, querendo saber seu paradeiro. E de repente lá estava ele. Da-quele jeito amassado, sujo e cambaleante, mas, cla-ro, sempre com muita energia para recomeçar a far-ra gatuna. Um vira-lata branco e preto, um autêntico corinthiano, pois nesta época o Corinthians era uma de minhas paixões.

Minha avó – que morava conosco – tratava de todos os gatos e animais de casa, com especial cari-nho. Preparava “altos banquetes” para os felinos. Naquela época não existia essa coisa de ração. Ela ia à feira, comprava sardinhas e fazia um preparo todo especial para eles. Quando estava na hora do almoço e os bichanos não se encontravam por perto, ela tinha um ritual de chamá-los, ao que prontamen-

te era atendido. Vinham de onde estivessem ao ou-vir a voz de minha avó.

Bom, com relação à dinastia canina, o primei-ro que me lembro é do Sheike, um pequinês. Mor-reu velhinho. Antes dele tiveram outros. Mas não me recordo, apenas de ouvir falar e pelas fotografi-as.

Depois do Sheike, veio o Snoopy, uma mistu-ra de fox paulistinha com sei lá o quê. Amoroso, mas sofreu muito, e todos sofremos junto, claro. Ele teve sinomose.

Então veio o Ringo, este sim, um fox paulisti-nha. Muito alegre e brincalhão, mas com uma per-sonalidade muito forte. Ele tinha uma característica interessante: quando ia comer, gostava que o provo-cassem, até que ficasse bem nervoso e então comia loucamente, latindo, rosnando e mostrando os den-tes. Gostava de tomar água na torneira do quintal. Bastava abrirmos a torneira e ele estar por perto, pronto, já vinha dar bocadas nela com uma gana que, a nós parecia estar se machucando, tamanha a força que imprimia no gesto. Mas teve vários pro-blemas de saúde. O problema na coluna o fez ficar curvado, até que não podia mais saltar o tanto que gostava. Teve uma alergia que lhe tomou o corpo inteiro, ocasionando falhas na pelagem rala, típica de sua raça.

Outros animais habitaram nossa casa: dois grandes jabotis (ou cágados) que viveram muitos anos no quintal e tinham, dentre suas preferências alimentí-cias, mamão e banana.

Neste mesmo quintal, dentro de um enorme aquário construído no chão, em círculo, muitos pei-xes dividiram aquele espaço, durante muitos anos.

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Recordo-me que uma das coisas que mais me divertia era quando íamos limpar o aquário. Que farra! Mexer com água sempre foi algo que me atraiu, e fazer todo aquele procedimento, abrindo o batoque, escoando a água, tirando os peixes, limpando tudo, enchendo novamente o aquário (que nada tinha a ver com os aquários domésticos que conhecemos) e colocando os peixes de volta ao seu habitat, tudo aquilo era bem divertido e envolvia a todos nós. Acontece que, quase sempre, após a limpeza, algum peixinho morria, estranhando a água tão limpa.

Este aquário cercava um grande viveiro, onde tínhamos periquitos de várias cores. Eu achava que aquele era um espaço enorme para as pequenas aves.

Na parte de baixo do quintal, próximo de onde os jabotis ficavam, havia um galinheiro. Não cheguei a conhecer as galinhas. Apenas ouvi falar, também. Este espaço depois se transformou num orquidário.

Lembro-me da goiabeira, dos limoeiros, das roseiras, da erva-cidreira, da hortelã, do manjericão e dos inúmeros insetos que ali habitavam.

Recordações da casa da Rangel Pestana, lugar em que vivi boa parte de minha vida.

INFÂNCIA

Por Audelina Macieira

Bonecas ao chão Carrinhos na estante meu conjunto de chá

na sala de visita de minha mãe. Velotrol abusado

eu deixo sempre tudo espalhado pela casa e não arrumo nada

sou criança. Mamãe me acuda

Ai! Ai! Ai! Quero merendar

biscoitos recheados vou tomar banho com a Lili

minha boneca de pano a noite vou falar com papai do céu

que quando eu crescer quero ser bailarina.

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Por Francy Wagner

Junho. Mês das quadrilhas! Santo Antonio, São Jo-ao e São Pedro!

Bolo de milho, canjica, pé-de-moleque,...

Sabores da minha infância. Sabores do interior do Ceara, da querida terrinha, onde se pula, dança, brinca, corre, toma banho de lagoa, de riacho, de rio, de mar, de chuva...

Pé-de-Moleque, escurinho, dentro da palha da bana-neira... daquela touceira que fica logo ali, no rego de agua que sai da pia da cozinha. Nunca falta água pra bananeira. E foi justo ali que nasceu aquele pe de tomate frondoso, que a mãe vai catar um tomate bem maduro pra temperar a panela do frango... aquele carijó... almoço do domingo!

Pé-de-Moleque, temperado com erva doce que o moleque foi correndo comprar na venda do tio Jar-bas.

Pé-de-Moleque, enfeitado de castanha de caju, da-quelas que o moleque ajudou o pai a juntar debaixo do cajueiral, assou na palha do coqueiro, o mesmo coqueiro do qual a mae quebrou o coco para tempe-rar a tapioca de manha bem cedo. Castanha inteira é pra venda, quebrada ou murcha é pra boca... do mo-leque.

“Ah! Se se quebrar bem muita!”- sonha o moleque enquanto vai tirando o miolo da castanha quente e ficando com os dedos escurecidos, igualzinho ao seu pe, ali sentado ao lado da mãe e da irmã, debai-xo do cajueiro “da cozinha”, onde corre mais vento, um ventinho fresco da tarde...

Ta escurecendo, a mãe levanta e diz que vai passar um café fresquinho. Aquele torrado no tacho, pisa-do no pilão e coado no saco de pano de algodão. Ai que gostoso.

Café quentinho e tapioca com coco!- também bem cedinho... e o cheirinho da tapioca que a mãe assa e poe no pau, pra ficar durinha, crocante igual a bis-coito.

Assim o moleque tem forca de correr o dia todo... vai pra escola de bicicleta e no recreio joga bola com a molecada, tudo parente e amigo, primo, filho do padrinho, primo do primo do pai, da mãe, ... uma família grande...

Pé-de-moleque, gostoso torrado no forno da casa de farinha... pelo tio Manoel, que faz os melhores da cidade! Ele também é o melhor pra torrar a farinha, o melhor forneiro da região. O moleque ajuda o tio quando ele deixa.... torrar farinha é trabalho de res-ponsabilidade. Tem que saber o ponto certo pra nao deixar a farinha crua nem queimada. E o moleque fica ali, aprendendo o ponto certo... quando cansa, corre e vai brincar de pião ou de bilha com os pri-mos. Farinhada é uma festa.

No final de semana, quando o pai não grita pra fazer nada, o moleque escapole cedo e vai pra lagoa.

Lagoa cheia.

Inverno bom.

Fartura na porta do terreiro.

Pular da tabua, nadar ate o fundo, dar tainha na agua. Depois correr e se salgar de areia só para tirar em seguida noutra tainha.

A mãe chega mais tarde com as meninas e coma-dres. Ficam mais no raso.

A mãe nem se preocupa com o moleque. Aprendeu a nadar ainda bebe de colo, ali mesmo nas aguas da lagoa... assim como a molequinha mais nova, que agora mesmo aprende a andar e cair sentada na bei-ra d'água, e todos acham muita graça da braveza da

menininha.

Compadre Pedro vai matar um porco no sábado. Já convidou todo mundo conhecido para a matança...

os homens vão logo de madrugadinha. A comadre

Pé-de-Moleque

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só chega mais tarde, para ajudar a prima com o sarrabulho. E a molecada fica no cajueiral do terreno, brin-cando.

Os pês vai ficar escurinhos, pretinhos... da cor do bolo: Pé-de-moleque!

Da cor nossa de cada dia, pois tira o chinelo para correr e pegar o frango do almoço do domingo. Aquele carijó, grandão que já tá querendo pegar as galinhas e briga toda hora com o galo... mãe não quer ele de reprodutor não.

“Vai moleque, pega o frango carijó e bota no grajau!”- grita a mãe do pé da porteira da cozinha.

E la vai o moleque, na carreira, atrás do frango ligeiro, que da cada rabiada, que deixa o moleque ali no pé da moita. A mãe solta a “Traíra”, a cachorra da casa, pra ajudar. Sem a ajuda da Traíra o moleque não pe-ga o frango hoje não... acaba escapulindo pro mato, aí... adeus!

Traíra segura o frango, mas não fere.

O Carijó vai ficar no grajau até domingo cedinho, pra limpar. Agora a mãe vai botar só milho pra ele co-mer... e talvez um restinho do farelo...a sobra do balde da comida do porco... que também esta na engorda pro batizado da pequena... vai ser na festa da santa. A mãe fez uma promessa.

Só a tardinha a mãe grita: “Vai tomar banho menino, limpar esses pês e lavar a chinela! E não vai mais pro terreiro hoje não!”

Já faz tempo que o pai vendeu umas sacas de castanhas e comprou a televisão com a parabólica. Mas ele só deixa assistir depois que faz o dever de casa.

O moleque so vai fazer o dever de casa, depois que toma banho a tardinha... quando a mãe grita! Nas sex-tas ele escapole cedo, pois a mãe vai pro terço na casa da comadre e ele vai brincar de bilha com os pri-mos.

É mais divertido do que ficar ali, sentado na frente da televisão assistindo aquelas novelas. Novelas são para as mulheres... ele quer ser macho igual ao pai.

Mas ainda esta muito cedo pra tomar uma meiotas na bodega do Chico. Então o jeito é brincar de bilha e apostar com quem vai dançar quadrinha esse ano. Ele esta pensando na prima, a Marli, filha da tia Janete. Ela ta ficando danada de bonita. E ele tá deixando de ser... moleque!

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VOCÊ SABIA? A revista VARAL DO BRASIL circula no Brasil do Amazonas ao Rio Grande do Sul...

Também leva seus autores pelos cinco continentes!

Quer divulgação melhor? Venha fazer parte do VARAL! Literário, sem frescuras!

E-mail: [email protected]

Site: www.varaldobrasil.com Blog: www.varaldobrasil.blogspot.com

Peraltices de menina

Por Lúcia Amélia Brüllhardt

Ela era uma menina muito sapeca que mordia todas as outras meninas na escola, fazendo amizades somente com os meninos.

Certo dia, esteve precisando de dinheiro, e ninguém

arranjava, então a menina peralta foi à feira do troca – troca, ven-der seu gatinho de estimação, chamado 'Foen'. Um vizinho a viu e avisou à família dela. Graças a Deus, ninguém comprou o coi-tado.

Certa vez, na cidade em que morava, havia chegado a época do carnaval. Em cidades de interior, costumavam sair os papangus, homens vestidos de urso. Só que Lúlú ( apelido da menina peral-ta ) jamais

havia visto um mascarado, nem fantasiado de urso. Estavam andando na feira, quando aparece um cara ves-tido de diabo e outro de urso. Lúcia estava com mais duas crianças e ambas correram. Um menino se bor-rou todo e ela desmaiou, chegando a casa quieta, sem acordar ninguém, passando o maior sufoco, pois os outros dois haviam se perdido na feira.

Em uma outra ocasião, ela foi a uma cidade chamada Capoeiras, em dia de feira ( no interior do Nordeste). Lá havia uma convenção de partidos políticos. Sua mãe, na época, era escrivã eleitoral e estava presente. Lúlú vai até ela e pede dinheiro, porém a mãe nada lhe dá. Não esperou mais.

Pegou o pandeiro de uma pessoa com necessidades especiais, (um cego), começou a cantar e tocar no meio da feira. Pegou as rapaduras de um senhor e saiu vendendo, mas não ficou com o dinheiro, deu o dinheiro das rapaduras vendidas ao cego.

Aí que saudade dos meus tempos de criança, onde a inocência, humildade e esperança reinavam em meu coração.

Aí que saudade das peraltices de outrora, que com o passar dos anos ficam somente registrados no livro da memória.

Aquela menina peralta ainda habita em meu ser, amo muito ela e sempre que tenho oportunidade deixo ela reviver e fazer suas PERALTICES DE MENINA.

Esta menina peralta hoje se chama Lúcia Amélia Brüllhardt.

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VARAL ANTOLÓGICO 3

Abriram-se as inscrições para a seleção para o livro VARAL ANTOLÓGICO 3 a ser lançado em 2013.

Os interessados deverão enviar textos (no mínimo um, no máximo 5) num total de quatro pági-nas A5, letra Times New Roman 12, espaço 1.

Todos os textos serão examinados por uma Comissão Examinadora composta de escritores e críticos que acompanham e/ou participam do Varal do Brasil.

Os textos selecionados serão comunicados por e-mail a cada autor e farão parte do livro Varal Antológico 3 mediante participação cooperativa.

O tema será livre e os textos podem ser: contos, crônicas ou poemas (todos os três em todas as suas variações).

Para o regulamento completo escrever para : [email protected]

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Vale à pena estudar

Por Helena Akiko Kuno

Jennifer era uma garota muito estudiosa, mas nos últimos tempos estava muito distraída. Um dia sua pro-fessora Isabel aplicou uma prova de Matemática e enquanto Jennifer respondia as questões, suas amigas Sofia e Rute não paravam de lhe pedi as respostas.

No dia seguinte a professora entregou a prova corrigida e quando Jennifer pegou a sua, ela não quis acredi-tar, a nota era 4,5 !!!.

Jennifer ficou tão preocupada que passou mal. Sua mãe Keila foi correndo buscá-la na escola e a levou ao médico. Como havia muitas crianças na clinica, Jennifer demorou a ser atendida, tem-po suficiente para ela melhorar, o que foi constatado pelo médi-co. No entanto, o médico alertou que poderia ser um resfriado que estaria por vir.

À noite em casa, Jennifer contou a sua mãe que havia tirado nota baixa na prova de Matemática. Ao receber a notícia sua mãe fi-cou brava, mas resolveu ajudá-la entregando todos os dias 10 páginas de lições até a próxima prova.

No dia da segunda prova de Matemática, Jennifer disse para suas amigas:

- Não me peçam respostas porque eu não vou dar, pois já foi mal na outra prova.

Então suas amigas colaboraram e não pediram respostas.

No dia seguinte, a professora novamente entregou a prova corrigida e quando Jennifer recebeu a sua, ela gritou:

- Jennifer, 10 !!!

Jennifer festejou dentro da sala de aula e todos ficaram felizes.

Jennifer não parava de gritar:

◊ Vale à pena estudar!!!

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O Riacho *

Por Ana Rosenrot Acho que eu devia ter no máximo sete anos; estava passando o feriado− como sempre fazía-mos−, no sítio de meus avós e estava fazendo o que mais gostava naquele tempo: andar descalça dentro do riacho. Sabia que levaria a maior bronca da minha mãe se fosse pega, pois ela havia me proibido de fazer aquilo, por considerar a brincadeira boba e perigosa. Não que eu corresse um sério risco de me afogar, já que o riacho não tinha mais que um palmo de profundidade, mas ela temia que eu me machucasse com alguma coisa cortante ou perfu-rante, que eventualmente poderia haver na areia que lhe cobria o fundo. O problema é que eu não conseguia resistir à sensação deliciosa de caminhar naquela areia fria, enquanto o movimento da água −geladíssima− massageava meus pés, as flores que nasciam na margem, perfumavam tudo ao redor, era tanta cor e tanta luz, que minha imaginação corria solta, cri-ando milhões de aventuras. Naquele dia em especial, o lugar estava lin-do, havia chovido à semana toda e agora o sol bri-lhava novamente, criando reflexos coloridos no fun-do do riacho; eu queria aproveitar cada segundo, antes que alguém sentisse minha falta ou que mi-nhas primas mais velhas −e muito chatas− chegas-sem, tomando conta de tudo e querendo dar or-dens; o que sempre acabava com as minhas brin-cadeiras. Então andei para o lado mais afastado, onde as árvores ocultavam a visão do riacho e afundei os pés na areia com vontade; foi quando senti uma dor repentina, um cutucão na sola do pé direito e percebi imediatamente que estava ferida; fui pulando num pé só e sentei-me na margem, pa-ra poder ver o que tinha realmente acontecido, fi-quei em pânico quando vi o que era: um caco de vidro estava fincado dentro da carne do pé e eu não conseguia puxá-lo para fora, nem podia ter noção do seu tamanho, pois somente uma ponti-nha estava visível. Mesmo sem ter nenhum sangue saindo, fi-quei morrendo de medo e quis gritar por ajuda, mas como queria a todo custo evitar um castigo pela desobediência, fiquei quieta apesar da dor; saí do riacho, andando o melhor que pude, calcei minhas sandálias, fui para dentro da casa dos meus avós e passei o restante do dia sentada, as-sistindo televisão; o que fez com que todos estra-nhassem, pois quando eu ia ao sítio, não parava quieta nem por um minuto e naquele dia até as provocações das minhas primas – como elas eram chatas−, eu aguentei calada; várias vezes me per-guntaram se eu estava bem e forçosamente eu

mentia que sim. À noite, na hora de dormir, quase não consegui chegar até a cama, à dor era tanta, meu coração dava a impressão de estar batendo no meu pé, que estava cada vez mais inchado; eu sabia que precisava fazer alguma coisa, mas continuava relu-tante em pedir ajuda; foi quando ouvi a porta do quarto abrir-se suavemente e vi minha avó aproxi-mar-se segurando sua enorme caixa de primeiros socorros −minha velha conhecida−, sentar-se na beirada da cama, segurar meu pé delicadamente, examinar o local, pegar uma pinça grande na cai-xa, arrancar o caco de vidro num único puxão, lim-par o sangue, aplicar mercúrio-cromo –o que doeu mais− e colocar um pequeno curativo; livrando-me finalmente daquele tormento. Fiquei ainda mais feliz por saber que não sofri sozinha, pois minha avó e eterna cúmplice me observara o dia todo e esperou a hora certa para salvar-me, como sem-pre. Depois ela levantou-se, deu-me um beijo na testa e me fez prometer nunca mais fazer aquilo novamente; isso se tornou mais um de nossos mui-tos segredos. E claro, eu cumpri a promessa com prazer, pelo menos até o feriado seguinte. Como sinto saudades desta época especial; hoje, após tantos anos, não existem mais meus avós, nem o amor verdadeiro, ou aquela cumplici-dade desinteressada, que deixamos de encontrar quando nos tornamos adultos; o riacho secou e a

realidade muitas vezes assusta; mas minha infância

viverá para sempre, escondida bem no fundo da mi-nha alma, que jamais deixará de ser criança. *Para meus saudosos avós S.O. e M.I.O.

A autora com um ano de idade

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CARRO DE BOI

Por Vó Fia Durante o ano todo Cidinha estudava no Grupo Escolar Quincas Tenório, o único exis-tente na cidade de São João da Serra; ela fre-quentava as aulas do turno da manhã, voltava para casa e depois do almoço brincava um pouco na rua com as crianças vizinhas, em se-guida ia ajudar sua mãe no trabalho diário de fazer doces, sequilhos, roscas e bolos de en-comenda para as festas do lugar, dona Isaltina era a melhor doceira da região.

Ajudando sua mãe a pequena Cidinha ajuntava o útil ao agradável, útil porque estava aprendendo uma profissão e agradável porque ela gostava de ajudar dona Isaltina no preparo dos doces; estudando e trabalhando, a menina esperava ansiosa pelas férias de fim de ano, época em que ia para a Fazenda Casa Verde de propriedade de seu tio Lucio, lá ela se di-vertia muito, mas o que mais gostava era do carro de bois.

Aquele carro enorme puxado por três jun-tas de bois era o sonho de Cidinha, ela passa-va o ano todo esperando a hora de ser levada por ele até a fazenda e criando coragem para fazer um pedido inusitado ao severo tio, mas os dias passavam, as férias terminavam e o misterioso pedido não era feito, mas naquele ano ela se chegou ao tio e disse: tio Lucio me deixa conduzir os bois do carro? Ele tomou um susto e disse: onde já se viu?

Com a insistência da sobrinha ele explicou: meninas não conduzem bois de carro, esse é um serviço reservado aos homens, por isso se diz que o condutor se chama carreiro e o meni-no que vai à frente se chama candieiro, tudo no masculino, entendeu Cidinha? Entender ela entendeu, mas desistir não desistiu, porque ela sempre sonhara em conduzir um carro de bois; o carreiro era o Francelino e o candieiro era o Tinim.

Os dois eram amigos da menina e duran-te a lida carreando coisas variadas, deixavam que ela viajasse de carona em cima da carga e varias vezes foram advertidos pelo patrão, que não achava próprio de mocinhas aquela ma-nia; pela amizade Francelino resolveu ensinar os mistérios da condução dos bois a Cidinha e em pouco tempo ela com um chucho na

mão, conduzia com perfeição as parelhas de bois e sabia o nome de todos.

Quando seu tio descobriu ficou zangado e disse: vamos ver se você aprendeu mesmo, carregou o carro com sacas de milho e man-dou que ela guiasse os bois até o pátio da fa-zenda, ela fez tudo certo e o tio achou muita graça no final; para alegria de Cidinha ele per-mitiu que ela conduzisse o carro carregado até a cidade e foi um divertimento para a comuni-dade a passagem de um carro de bois, condu-zido por uma menina.

Cidinha estava no céu, usando a vara de ferrão com sabedoria ela enfileirava os bois, de vez em quando tirava o chapéu de palha que usava e cumprimentava o alegre publico, seu tio todo orgulhoso seguia atrás do carro e se aproveitava do sucesso da sobrinha, distribu-indo sorrisos para todos; chamando os bois pelos nomes ela os enfileirava e seguiam em perfeita ordem e o carro pesado cantava com os eixos untados de óleo.

De repente apareceu dona Isaltina muito zangada, tomou a vara de ferrão da filha, di-zendo: era só o que faltava, uma filha carrean-do como um moleque, mocinhas de família não trabalham como carreiro ou carreira, sei lá co-mo dizer; lugar de menina é na escola estu-dando ou na cozinha aprendendo arte culinária para ganhar a vida e no futuro agradar ao ma-rido; virou-se para o irmão e disse: Cidinha não volta mais em sua fazenda Lucio e nunca vou te perdoar, ai terminou o sonho da menina.

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FAÇA SUA ESTA CAUSA!

ADOTAR É ANIMAL

AJUDANIMAL, GRUPO DE AJUDA E AMPARO

AOS ANIMAIS DO ABC

www.ajudanimal.org.br

PARTICIPAÇÃO NO VARAL

• E em novembro, aniversário do Varal! A revista Varal do Brasil completará 3 anos e conta com você para festejar! O tema será livre e você po-de se inscrever até 10 de outubro (as inscrições podem ser encerradas antes, dependendo do número de participantes).

• E para janeiro de 2013 vamos falar da natureza, do planeta, dos animais, da vida: em janeiro nosso tema será o Planeta Terra, porque falar de nosso planeta nunca será demais! Textos até dez de dezembro.

Você pode escrever na forma que desejar: verso ou prosa! Haicai? Trova? Poema? Crônica? Conto? Mi-niconto? Soneto? Que outras mais você faz? Mostre pra gente!

Traga sua poesia, sua visão da vida, seus sonhos, para o VARAL!

Venha conosco!

Varal do Brasil: Literário, sem frescuras!

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Nossa infância

Por Karine Alves Ribeiro

Nossa infância é nosso começo, começamos grandes ou começamos pequenos.

Às vezes nos ferem tantas regras, que parecem inúteis e quando crescemos, são a nossa salvação.

Nossa infância serena, alegre, intensa, livre com horário para voltar para casa, ou desligar a TV. Tudo isso é saudável...

Nossa infância agredida, pisada, humilhada, violentada, trucidada, esquecida, esta é podridão...

Sim, apodrece-se o fruto antes mesmo de cair no chão...

Colhe-se o limo, se não há aderência entre pais e filhos, irmãos e irmãs.

O Amor é criança

de olhos vivos, alegres, tranquilos.

Criança é luz acesa, praiana, colorida.

Luz é Deus, é vida,

é criança que renasce cheia de amor.

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BRIGADEIRO

Ingredientes

1 colher(es) (sopa) de manteiga

2 lata(s) de leite condensado

1 xícara(s) (chá) de chocolate granulado

4 colher(es) (sopa) de chocolate em pó

Modo de preparo

Numa panela junte o leite condensado, a manteiga e o chocolate em pó. Misture bem até incorporar tudo. Leve ao fogo brando mexendo sempre. Utilize panela de

fundo grosso. Quando a massa começar a se desprender do fundo da panela (o tem-po varia de acordo com a panela) passe a massa para um prato untado com mantei-

ga e deixe esfriar. Unte as mãos com manteiga e enrole os brigadeiros, passando-os no granulado.

Coloque em forminhas de papel.

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PÉROLAS AOS PORCOS

A louca percebe-se tão vivida,

Lamenta a falta de força e reclama

Já não aguenta o peso pra empurrar na subida,

Nem segurar a carga, pra na descida

Evitar que escorregue e caia na lama!

Por Lariel Frota

-O dia hoje será bem divertido hein? Acho da hora vocês se juntarem pra uma boa comilan-ça. Igual no nosso condomínio, não precisa de muito motivo pra uma churrascada.

-No nosso caso o motivo principal é um tra-balho importante, depois a gente aproveita para colocar a conversa em dia, e saborear as coisas bo-as que as mulheres preparam no fogão a lenha!

-Já sei vão vacinar os porquinhos do tio Roberto né?

-Oito leitoas deram cria, e ele está com uma porção de leitõezinhos pra vacinar, vamos dar uma força. Daí a gente fica sabendo das novidades, as mulheres trocam receitas e a criançada brinca, na-quela correria danada de um lado pro outro.

-Todo mundo se dá bem no final né? Vô você já alimentou porcos?

-Claro Guto, muitas vezes. Hoje já não crio porcos, mas não é pra me gabar não, a minha cria-ção era conhecida como a mais bem cuidada da re-gião.

-Então você já deu pérolas pros seus porcos comerem?

-Pérolas aos porcos?

-Sim vô.. Escutei a mamãe falando pro papai que não adiantava ele falar daquele jeito com por-teiro do prédio, que é o mesmo que dar péro-las pros porcos.

-Ah, isso é um ditado popular, uma metáfora.

Você não aprendeu isso na escola?

-Aquele negócio doido de falar uma coisa que-rendo dizer outra né? Mas vô você não respon-deu minha pergunta: deu ou não pérolas pros seus porcos?

-Você não acabou de dizer que sabe o que é um ditado popular, uma metáfora? Então “dar pérolas aos porcos” quer dizer que não adianta dar pra uma pessoa, alguma coisa da qual ela não precisa, ou que não conhece o valor. Os porcos são bastante gulosos, comem de tudo que encontram, por isso engordam tão rápido. Pérolas são joias que agra-dam muito as mulheres, os porcos até podem en-golir, mas isso não vai fazer diferença nenhuma. Elas serão eliminadas junto com as fezes e vão se misturar naquela lama toda.

-Eca!!! Que nojo!! .....Vô, se as pérolas são joias que podem até entrar na barriga do porco, fazem uma viagem grande lá dentro e depois saem junto com o coco inteirinhas, elas continuam sendo valiosas, ou se transformam em coco também?

-É disso que to falando. Como elas não se transformam em alimento, são eliminadas exata-mente como foram engolidas, ou seja, se eram pé-rolas verdadeiras, continuam tendo o valor que as pérolas verdadeira têm!

-Só que muuuuuuitas sujas e fedorentas né?

-Mas o valor delas não mudou concorda? É só lavar bem direitinho e pronto.

-Hum...entendi....mas se ninguém nunca achar as pérolas que os porcos por acaso engoliram, e de-pois cag…ops, desculpe ai, eliminaram no meio daquela sujeira toda do chiqueiro….

-Elas continuarão sendo pérolas valiosas, escon-didas, camufladas, enterradas, mas ainda assim se-rão para sempre, pérolas valiosas.

-Vô, nossa que vento forte!. Levantou um montão de folha seca, viu que legal, aquela ali pare-ce uma pipa voando bem alto, ufa!!! Está tudo voando iiuuuuuuuuuuuuu!!!!

-É mesmo tempo de bater essas ventanias. Fe-cha os olhos até o vento passar. Tem muito cisco voando, se um deles entra no olho arde que é uma barbaridade.

-Ainda bem que passou rápido! Olha vô fez até nuvem de pó bem fininho, será que essa poeira toda pode chegar lá no meio daquelas nuvens branqui-nhas???

-Isso é difícil de saber você não acha?

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-Seria bem legal heim? Já pensou, um punhado de terra fininha subir, subir bem alto e che-gar nas estrelas?

-Mesmo chegando lá, continuaria sendo apenas uma nuvem de pó, não virariam estrelas.

-Igual as pérolas no meio do coco dos porcos né?

-Como assim?

-Ora vô preste atenção: se a pérola continua sendo pérola, não perde seu valor mesmo enterrada na su-jeira, o pó de terra não ganha valor, nem brilho, mesmo que chegue bem alto!!! Sabe mais o que acabei de descobrir?

-Não, mas estou bem curioso pra saber.

-Acho que a mamãe falou errado sobre o tal ditado popular.Se as palavras que meu pai falou pro por-teiro eram tão valiosas como as pérolas, ficarão enterradas bem no fundão da cabeça dele, escondi-dinhas por muito tempo. Quem sabe um dia fuçando a caixa de pensamentos ele não desenterra e final-mente entende o valor delas né????

RECEITA DE BALA DE GOMA (JUJUBAS)

Ingredientes: 1 colher (sobremesa) de essência do mesmo sabor da gelatina 3 envelopes de gelatina sem sabor (35 gramas) 2 copos de água

1 caixa de gelatina com sabor (85 gramas) 1 kg de açúcar cristal Modo de Fazer: Dissolva a gelatina sem sabor em 2 copos de água, adicione a gelatina com sabor e mexa até dis-solver. Leve ao fogo por 1 min., não esquecendo de sempre estar mexendo. Após, adicione o açúcar e mexa para dissolver bem. Coloque a essência e mexa até ferver. Despeje a calda em um prato untado com óleo. Deixe descansar por 24 horas fora da geladeira.

Corte as balas em cubinhos e passe no açúcar cristal. Guarde as balas por 3 dias antes de consu-

mir, esse período é necessário para que a bala adquira mais consistência.

Fonte: h p://www.mundodasdicas.net/

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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Minha Avó Passarinho

Por Marcelo Benini

O que há de mais remoto no mundo são as avós.

Antes delas, pairam apenas sombra, bruma e esque-

cimento. Quando estiveres dirigindo à noite, em

alguma estrada vicinal a caminho de casa, e se, por

meio minuto, apagares completamente os faróis do

carro, entrarás em contato com teus antepassados

que espreitam para tomar posse de ti. Se vires um

cavalo baio atravessando a estrada, sabereis que é

uma sombra vinda do mundo que antecede as avós.

As avós são como um Tratado de Tordesilhas entre

vivos e mortos: à esquerda delas é melhor não pores

os pés para não imolar o descanso dos esquecidos.

As avós, entretanto, tornam o mundo tangível. De-

pois delas é que começa a grande aventura de ser

menino.

Tinha um pouco de medo de minha avó e repugna-

vam-me a pele encarquilhada, a voz rascante e a

tosse provocada pelo excesso de cigarros. Criança

tem, entre tantas maldades, essa de não compreen-

der e amar os velhos. Mas um dia eles se vão e aí

começam os arrependimentos. Eu me senti culpado

por desejar que ela não aparecesse nunca enquanto

eu me regalava em sua cadeira de balanço. Também

me arrependi de tantas vezes ter jogado futebol per-

to dos seus vasos de gerânio. Sei que ela nunca me

perdoou por isso e pelas marcas de bola deixadas

nos muros brancos da casa, que, confesso, me de-

ram enorme prazer.

Minha avó morreu de enfisema pulmonar. Antes,

porém, definhou vários anos sobre a cama. Aos

poucos foi perdendo a lucidez, variando, o que fi-

nalmente me fez entender a poesia que há nas avós.

Seu enterro foi uma ocasião de reencontros. A famí-

lia reunida e os tantos conhecidos formavam uma

pequena multidão exultante na dor e na alegria. Do

lado de dentro da sala onde se dava o velório, havia

contrição, choro e corações cheios de saudade. Do

lado de fora, abraços, casos relembrados e até al-

guns risos ousados demais para a ocasião. Tenho

certeza que naquele dia minha avó soube compreen-

der as contradições humanas.

Somente quando fecharam o caixão é que nos de-

mos conta de que a perderíamos para sempre. Que

nunca mais tomaríamos café com bolo na mesa de

sua cozinha. Que nunca mais seus filhos se reuniri-

am na varanda para contar as histórias da infância.

O cortejo subiu em silêncio as ruelas íngremes do

cemitério de Cataguases. Passamos pela sepultura

onde meu avô descansava e, alguns metros além,

paramos para o definitivo adeus. Vi o choro nos

olhos de alguns tios e a perplexidade nos olhos de

alguns primos que, como eu, eram enfim apresenta-

dos à morte.

Quando o caixão desceu, houve grande tristeza.

Eram os últimos instantes do dia e o sol já se ia por

de trás do morro. Em frente à cova havia um peque-

no arbusto iluminado pelos raios do fim da tarde.

Inesperadamente, um passarinho pousou no arbusto,

virou o pescocinho e cantou com tanta doçura que

comoveu a todos. Cantou breve e voou como fazem

sempre os passarinhos. Percebi então que minha

avó havia partido.

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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HISTÓRIA DE UM AMOR E UM NOME

Por Norália de Mello Castro

Nossa Infância é o tema proposto para o Varal

do Brasil de setembro 2012. Tema difícil para

mim, que posso dividir em duas histórias distin-

tas:

1ª. Filha de um espírita convicto que brigou com

seu irmão cônego católico, o inventor do nome

Norália, por ter roubado sua filha para batizar,

sem autorização dos pais, o que resultou num

romance escrito pelo pai, de uma briga ferrenha

entre os irmãos, através de inúmeras cartas es-

critas, com filosofias diferentes. Norália só vol-

tou a ver o tio padrinho aos 8 anos de idade. Esta

briga aguçou na menina e na jovem toda uma

procura da VERDADE, que até hoje procura

mais e mais. Tornou-se a eclética que é, nem ca-

tólica, nem espírita.

Do pai ficou marcado o seu conceito de Liberda-

de, principalmente a religiosa. Ele pregava que

religião é de fórum íntimo de cada ser humano, e

que cada um escolhe a Verdade que melhor lhe

responder.

2º. A outra história marcante de sua infância, foi

a de seu próprio nome, escrita para o Love Qui-

lts, grupo de bordadeiras ao qual pertence, e que

hoje apresenta aqui.

(História escrita para o grupo Love Quilts, para ex-

plicar o significado do nome.)

Hoje vou contar uma história de amor em

tópicos, para melhor compreensão, e, também, con-

trolar a emoção intensa dessa história em mim.

SÉCULO XX:

DÉCADA DE VINTE

No final da década de 20, a família estava

encantada por conhecer a bela esposa de um de seus

rapazes: jovem, bonita, simpática, muito comunica-

tiva, essa jovem conquistou totalmente a família do

marido. E sua primeira viagem ao Sul de Minas foi

total sucesso.

Quando souberam que a bela jovem tinha

uma irmã, começaram a brincar em casar a irmã

com mais outro rapaz da família.

Um dos rapazes gostava de brincar com jun-

ção de nomes e fazer monogramas. Por sinal, ele

desenhava monogramas belíssimos! Um dia, entrou

cozinha adentro, eufórico, gritando:

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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A bela jovem Francelina era minha tia;

Magnólia, minha mãe; Noraldino, meu pai. O espo-

so de minha tia era primo de meu pai.

Quando “fizeram” o casamento de meu pai,

lá no Sul de Minas, ele era ainda um jovem adoles-

cente e minha mãe uma garota de seus 12 anos de

idade, morando em Capela Nova, hoje Betim, parte

da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

E a brincadeira parou por aí... Mas, hoje,

pensando nesse episódio, imagino que tais nomes

tenham mexido na sensibilidade do adolescente en-

volvido, até mesmo inspirado – e muito! – suas fan-

tasias amorosas.

DÉCADA DE TRINTA

Noraldino, meu pai, um lindo jovem, vem

para a Capital, para continuar seus estudos e fazer

faculdade. Vai à casa do Primo, da Francelina, e lá

conhece a “famosa” irmã, Magnólia, uma linda jo-

vem loira de olhos azuis, no auge de seus 17 ani-

nhos. Meu pai, ainda estudante de Direito, traba-

lhando como bancário, perdidamente apaixonado,

começa a namorar Magnólia e se casam um ano

depois.

Esperando seu primeiro filho, Noraldino

conta para Magnólia a invenção do nome da filha

que ele gostaria de ter e ambos sonham com a vinda

da Norália. Magnólia, até então, não sabia dessa

história. Mas, quem chegou... foi um menino! Não

se decepcionaram com a chegada do menino, pois

planejaram logo ter outro filho, para vir a menina.

E Norália chegou no segundo parto de Magnólia,

que acabou tendo 6 filhos ao todo.

DÉCADA DE 50

Norália, jovem muito ruiva e muito branca,

meio tímida, mas alegre, tem um choque grande

com o nome que recebera. Este nome e a sua ima-

gem jovem muito ruiva, faziam-na ser vista como

estrangeira, uma gringa legítima dos países do Nor-

te, com um nome diferenciado. Era comum lhe per-

guntarem de que país era. Ela levava na brincadeira

e respondia:

- Sou uma gringa legítima!

Era comum também lhe perguntarem

“Como?”, ao dizer ao interessado como se chama-

va.

Ao telefone, então, era um desastre: e lá vi-

nha o “Como?”

Por isso, na maioria das vezes, ela respon-

dia:

- Nora, apenas Nora.

E o assunto morria por ai. Porém, Norália

gostava muito de ter o nome Norália: de tão fácil

grafia, mas de pronúncia que confundia.

Norália veio a ter uma grande decepção

mesmo quando aquele lindo jovem moreno que na-

morava, por quem era apaixonada, chegou a ela um

dia e disse:

- Encontrei o seu nome no livro O Egípcio.

Ele está lá inteirinho.

- É mesmo? – respondeu ela – Vou procu-

rar, vou ler o livro.

E o apaixonado sorriu. Ele lhe chamava de

Lia, abreviatura de seu nome que é “nora” mais

“lia”. Era Lia pra cá e pra lá, nos passeios, nos

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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nos bailes, nos cinemas... e como Norália era apai-

xonada! Adquiriu imediatamente o livro e – sôfrega

– devorou suas mais de 500 páginas. Entretanto, a

personagem com o seu nome não aparecia! Quase

no final do livro, de repente, Norália parou, sua res-

piração sumiu, ela ficou em estado de choque.

- Então é isso?! Não sou personagem?! Sou

um mundo de estrume?

Trêmula, fria, respiração desenfreada, ela

sentiu o ódio entrando dentro dela, com uma força

extraordinária, da raiva à mais profunda indigna-

ção. Ela, pela primeira vez, não foi ao encontro do

jovem moreno: odiava-o ao extremo. No livro, nu-

ma passagem, um personagem “ficara atolado até

as lias”, num bom Português quer dizer: “ficara ato-

lado até as fezes”.

E Norália mandou o jovem moreno à merda.

Terminou aí essa história de amor juvenil.

DÉCADA DE 60

Desde o episódio do livro, Norália começou

a pesquisar e observar seu nome tão diferente. Não

conheceu ninguém com o mesmo nome; nem em

listas do Tribunal Eleitoral, encontrou alguma No-

rália. As pessoas continuavam a perguntar

“COMO?” quando ouviam o seu nome. Amigos

tinham mania de pôr apelidos nela: Lia, Nora,

Norô, Nono, Lalaia, Nô; e assim foi que chegou a

contabilizar 21 apelidos! Porém, constatou também

que os apelidos não colavam. Normalmente quem o

punha é que a chamava assim. Teve até gente que

achou que seu nome fosse pseudônimo. Norália

deixava as coisas acontecerem e pronto.

Noraldino adorava contar essa história do

nome da filha: ele amara Magnólia antes mesmo de

conhecê-la; dizia que tinha de casar-se com ela para

que Norália existisse.

- Mas, gente, – dizia Noraldino, soltando

gargalhadas – o nome da filha já existia, mas ela

nasceu 4 anos depois que casei com a minha Mag-

nólia! – e gargalhava – Sim, 4 anos depois! A mi-

nha Magnólia era pura! – e gargalhava.

Ele adorava contar sua história, seu amor

por sua esposa e o nascimento precoce de Norália.

Noraldino é nome de origem árabe; e Mag-

nólia, de origem romana. O nome de origem roma-

na na família é compreensível, pois temos ascen-

dência italiana; contudo, o nome de origem árabe,

nunca entendi, pois não temos nenhum ancestral

árabe. Ou será que temos e não sei? O nome de

meu pai veio por causa de um famoso da família,

que foi senador e governador interino de Minas, na

década de 40, mas que, acima de tudo, foi um gran-

de educador, que fez as bases do Ensino que temos

hoje. Noraldino tinha muito orgulho de seu nome

igual ao do primo famoso. Tinha orgulho mesmo.

Mas, ao seu nome, o mais próximo que No-

rália encontrou, foi numa revista argentina lançada

nessa década em Buenos Aires: Norali, revista fe-

minina. Penso que o pai Noraldino queria que a

filha ficasse famosa, assim como o primo famoso:

que fardo ela carregava!

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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DÉCADA DE 90

Finalmente, Norália encontrou uma outra

Norália, dentista, no interior de Minas. Ao saber

dessa, identificou rapidamente a mãe dela, que co-

nhecera quando ainda criança e – por coincidência

– casou-se com outro Noraldino. Essa mãe conhe-

cia a história do nome Norália e com o esposo cha-

mado Noraldino foi fácil para ela dar este nome

para a segunda filha. Já o nome Norália, não mais

pesava a ela: a vida correu, outros amores vieram e

ela passou a achar tudo natural com o seu nome.

Na Internet, encontrou outras Norálias, no-

me usado, embora não comum, em países latinos e

na América Central; encontrou uma menininha em

Samoa e uma empresa na Noruega. Mas, Norália

continuava quase que única: em nenhum grupo so-

cial em que esteve, encontrou igual.

SÉCULO XXI

Ano de 2009

Ao fazer o FLICKR na Internet, Norália

queria que saísse o seu nome: flickr Norália e, pela

primeira vez, viu seu nome ser rejeitado, porque já

existia outro flicker Norália. Pela primeira vez, en-

controu uma barreira por existir outra Norália. Sen-

tiu alegria e curiosidade; esta última levou-a a pes-

quisar.

Encontrou três Norálias: uma argentina, ou-

tra como substantivo comum (não entendeu muito o

quê isso quer dizer e nem se interessou; (pensou:

“Talvez fosse igual às lias...”) e uma escritora na

Turquia, que parece ser cristã. Ainda irá fazer mais

pesquisa, principalmente da Norália Turca...

Fato é que este inesperado e único encontro

com outras Norálias fez levantar esta história: uma

história de amor único de meus pais, que viveram

54 anos juntos até a morte dele. Foram felizes, vivi-

am em harmonia; nunca vi meus pais brigarem,

nunca brigavam na frente dos filhos. Meu pai foi

um eterno apaixonado por Magnólia, totalmente

dedicado à esposa e filhos; a família vinha sempre

em primeiro lugar para qualquer tomada de decisão

sua. E Magnólia foi uma companheira e tanto, total-

mente vivendo para a família e meu pai.

E, eu, Norália, filha de Noraldino e Magnó-

lia, ao escrever tudo isto, percebo, mais uma vez,

como fui amada por meus pais: deram-me um lindo

e diferente nome para marcarem – e muito! – sua

história de amor, que começou antes deles se co-

nhecerem.

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Confiança no meu pai

Por: Valdeck Almeida de Jesus

Meu pai era analfabeto e por isso trabalhava na ro-ça, derrubando madeira, carregando peso e servindo de burro de carga para fazendeiros. A lembrança que tenho dele era toda tarde chegando do trabalho, cansado, com uma roupa surrada e suja de terra. Eu e minha irmã Valquíria ficávamos sentados na porta esperando por ele, o Velho João, como chamáva-mos o nosso saudoso pai.

De longe avistávamos e corríamos para encontrá-lo antes mesmo de ele chegar em casa. Nos bolsos ele sempre trazia balas, compradas na venda de "Seu Júlio", que ficava no caminho para casa. Era uma festa. Eu e minha irmã ficávamos muito alegres com aquele presente de todos os dias.

Uma vez eu fiz alguma travessura da qual não me recordo e meu pai puxou o cinto para me dar uma surra. Eu estava na porta da frente, que tinha uma escada de dois degraus para descer. De tanto medo de apanhar eu me joguei escada abaixo, caí e ralei toda a barriga, que ficou sangrando. Meu pai disse "vem, que eu não vou te bater mais". Confiei no que ele disse e fui até ele, que me pegou e fez carinhos. Esta foi a lição que aprendi, a confiar no meu pai. Quando ele dizia uma coisa, ele cumpria.

Nossa vida foi muito dura, difícil, de falta de comi-da e de tudo. Mas aprendemos que a vitória não vem fácil, sem uma luta, sem um planejamento. Meu pai era um lutador e esta garra a gente apren-deu logo cedo. Em tempo de chuva, nossa casa alu-gada se enchia de água e éramos obrigados a correr para nos abrigar na casa de vizinhos.

A solidariedade entre pessoas que necessitam até do básico para sobreviver sempre é mais forte. Mas aprendemos que não é somente nos momentos difí-ceis que devemos ser companheiros e solidários. No dia a dia, até nas horas alegres, devemos estar jun-tos, somando, compartilhando, dividindo, oportuni-zando a cada irmão ou amigo a vencer, ser vitorio-so.

Viver em comunidade exige dedicação e planeja-mento, sempre. Assim, cada um somando o pouco que tem, vai construindo, tecendo uma sociedade mais justa e mais igualitária, menos preconceituosa e menos segregadora. A união eu aprendi dentro de casa, quando a pouca comida era dividida por todos, para que nenhum ficasse com fome... Minha mãe

sempre soube dividir o pouco que meu pai conse-guia trazer para dentro de casa. E, assim, a gente vivia, viveu e sobreviveu a todas as intempéries, mesmo as mais difíceis.

A união nos manteve um grupo coeso, marchando junto, com o mesmo objetivo: sobreviver junto. Ho-je, cada um a seu modo, tenta levar adiante as lições daqueles tempos difíceis e quase insuportáveis. Atu-almente eu patrocino pessoas que passam por situa-ções semelhantes as que passei, e incentivo seres humanos a se tornarem melhores, a se estabelece-rem no mundo, graças ao incentivo à leitura e à es-crita.

Muitas vezes, apoio de outras formas, que não vem ao caso relatar aqui. Mas a vida é isso, uma corrente em que cada um tem uma importância e um valor. Se um fraqueja, o dever dos demais é se unir àquele menos resistente para que ele prossiga e faça a cor-rente não se quebrar... Afinal, se um se perde o res-tante pode sucumbir junto. Então, não resta alterna-tiva senão ser um corpo só, junto com todos os ou-tros corpos... e seguir, sempre, num único objetivo, qual seja o do bem comum.

Em tempos de egoísmo e falta de solidariedade, pa-rece utópico se pensar em coletividade. Mas não posso deixar o sonho dos meus pais se diluírem na falta de crença das pessoas, nem posso desanimar diante de mentiras e falsidades. Meu objetivo na vida é muito maior do que curtir momentos e ter prazer fugaz. Penso para a eternidade e planejo mi-nha vida pensando num horizonte cada vez mais real. O horizonte da vida eterna, do amor e da paz.

MEU PAI

Meu pai, João Alexandre de Jesus, era um trabalha-dor braçal. Pouco eu sei dele, somente que nasceu em Santo Antônio de Jesus, cidade localizada no recôncavo baiano. Dali ele partiu para Jequié, co-nhecida como Cidade Sol, onde conheceu minha mãe Paula Almeida de Jesus e se casou. Antes, po-rém, ele já tinha esposado outra mulher, com a qual teve seis filhos.

Um homem firme, rude, mas ao mesmo tempo hu-mano e carinhoso. Muitas saudades do meu velho... O que me consola é que as lições que ele me passou jamais serão esquecidas. Ele foi um exemplo de ho-nestidade, perseverança e persistência. Apesar de não ter condições de estudar, incentivou quando eu fui para a escola. O sonho dele e de minha mãe, Paula Almeida de Jesus, também falecida, era que os filhos trilhassem um caminho menos árduo na vida.

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E, graças ao esforço deles, todos os oito filhos conseguiram se dar bem e conquistar um lugar ao sol.

Hoje eu moro em Salvador, minha irmã Ivonete mora em Santo Amaro da Purificação, Valquíria e Vivaldo moram em Jequié, Valdecy mora em Vitória da Conquista e Valdir, Valmir e Vitório moram em São Paulo. Todos bem de vida, graças aos estudos. É uma vitória que poucas famílias alcançam. Mas, graças a Deus, nossa família se orgulha de sua origem e não esquece o passado, exemplo para nosso futuro e de nossos filhos. Assim, trilhando o caminho indicado pelos meus pais, sigo em frente e incentivo a tantos quantos eu encontro pela vida a estudar e a lutar por seus sonhos.

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Infância

Por Sarah Venturim Lasso

Infância tem cheiro De terra molhada Pé de moleque

Pipoca quentinha Feita pela vovó

Infância tem gosto

De brigadeiro de panela De chuva

Bolinho de chuva Em dia cinza

Correndo frenético Com pé no chão

Infância tem cor

Que chega a pintar a língua Com pirulito azul Tem cor de fruta

Colhida de cima da árvore Ouvindo mamãe mandar descer!

Infância tem tempo

De correr Dormir

E fazer o dever Tem tempo de acabar...

Poxa!

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O PÉ DE GOIABA

Por Fani

Naquela época vivíamos muito bem, papai tinha seu emprego renumerado e bom, casado com uma es-posa dedicada, trabalhadeira, bastante esforçada que essa pessoa que estou falando é minha senhora mãe que sempre na lida estava ali a lavar roupas para hotéis e ainda cuidava de sua pensão que na lógica comiam mais de vinte pessoas por almoço e no jan-tar.

Minha vida era cheia de compromissos em casa que papai colocava afazeres aplicados diariamente, éra-mos cinco irmãos, mais cinco primos e cinco que mamãe cuidava e moravam conosco, a escola do meu pai era dura e de uma boa educação, a sua voz nos trazia respeito em casa, tudo era feito com con-sultas a ele, e nada se fazia de qualquer jeito eu ti-nha naquela época seis anos de idade, mas enten-dia perfeitamente bem o que ele determinava para todos fazerem. Ah! Ah! !Ah! Que problemas arru-mava aquele que não cumpria as regras das obriga-ções estipuladas por papai, gente! Tem um ditado que diz: se correr o bicho pega e se ficar o bicho ai! ai! ai!. O castigo era severo! O Sr. Orozino não ali-sava nem um pouquinho, olha! Se bem que aquela época era melhor do que hoje para educar filhos, somos gratos por ter pais como os nossos, todos gostam da gente pela educação que recebemos dos nossos pais. E, por falar nisso eu tinha um costume de me esconder em cima das galhas de um pé de goiaba que tinha bem lá no fundo do nosso quintal. Sabe o que eu ia fazer lá? Adivinha? Estudar tran-

quilamente! Achava ali mais seguro e em paz.

Mas havia um porém: papai já tinha me avisado que o couro ia cantar se por acaso eu o desobedece e subisse em cima do pé de goiaba ,mesmo assim continuava às escondidas subindo e descendo dele;

esse pé de goiaba me ajudou muito obtive tanto su-cessos nas provas da escola, eu nunca repeti de ano sempre estudei e levei a sério os estudos, com sete anos já desenhava e pintava cada coisas incríveis e bordava também, até ensinava papai suas tarefas de escola, naquela época era o Mobral que ele fazia, eu preenchia seus fichários de trabalho nome por nome e não errava nenhum, ele levava para consultar com sua professora e ela dizia: Sr. Orozino está de para-béns sua filha tão pequena mas...inteligente muito inteligente! Voltando ao assunto do pé de goiaba certo dia meu pai chegou de viagem, porque ele era funcionário federal e viajava muito, era trabalhador da máquina de trem da REFER- a famosa ESTRA-DA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL.

Esse senhor moreno, meu pai Orozino, não parava! Viajava, viajava... era o ganha pão dele então tinha muita responsabilidade. Nunca vi ele faltar ao traba-lho e em casa era fiel, sempre nos deu o melhor e nunca deixou faltar nada absolutamente nada .Veja bem, não há nada oculto que não seja revelado uma frase certa, e dando continuidade naquele assunto sobre o pé de goiaba, foi feio... desobedeci a auto-ridade de meu pai e minha mãe subindo como sem-pre no pé de goiaba. Mas... não foi fácil não. Um dia ele chegou adiantado dois dias antes e me pegou bem lá no alto das galhas do famoso pé de goiaba. Chegando dentro de casa ele perguntou a minha mãe onde eu estava, e ela disse: está lá nos fundos do quintal, a minha dedicação era tanta em estudar que não o vi quando ele chegou, afinal era um local secreto e proibido por ele. Quando ouvi a sua voz o chão estremeceu e as galhas balançavam de tanto que era o meu medo, não deu outra aconteceu aqui-lo chamado agora você vai apanhar, gente foi um couro de rebenque que a fumaça levantava, nossa fiquei muitos dias desapontada e com vergonha, apesar de ser tão pequena! Mas pense: ele tinha fa-lado, tinha avisado, quem perdeu foi eu pela a deso-bediência a ele, porque era o meu pai é quem estava

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me educando ,tenho certeza que se ele desse mole hoje eu não seria quem eu sou. O meu papai já é falecido, só que nunca vou me esquecer dele. Pos-so garantir que tive uma infância bonita, cheia de vida, caprichos e bem estar, roupas lindas eu tive, calçados bons, alimentação nem se fala só de pri-meira qualidade, meu pai era cauteloso com a gen-te, cuidava bem mesmo, entre os cinco eu sou a última-famosa caçula da casa. Posso dizer que a nossa infância foi maravilhosa, tudo de bom E tem mais, gosto muito de crianças e no que eu puder ajudá-la na infância me esforço a conversar e a dar atenção para elas, o diálogo trás uma convivência bonita e gostosa. Presta atenção quando uma crian-ça se aproxima de alguém ela sempre dá um sorri-so, não tem malícia de nada, dá uma bala para ela, ela pega; um doce ou um chocolate é motivo de

alegria para toda criança.

Com o Senhor meu pai, nos reuníamos os cinco filhos e a nossa mãe para contar histórias fantásti-cas, nossa que legal era aquele tempo, tempo que não voltam mais! Tinha umas piadas que ele conta-va a gente quase morria de tanto rir e assim a nossa amizade era sadia, não havia confusão dentro de casa graças a Deus . Creio que uma infância de-senfreada deixa marcas na vida da criança, é bem por isso que tratar bem, cuidar bem, principalmente na educação em todas as áreas da vida na infância deve ser tratada com carinho, amor e dedicação e dar se o respeito isso é muito bom com certeza só faz bem aos pais e aos filhos,

Deixo aqui um recadinho: quando papai e mamãe batem ou corrigem é por bem da criança desde que seja necessário isso, jamais ficar magoados ou tris-tes porque apanhou, apanhou porque mereceu, pai e mãe são direção de Deus na vida de cada criança, seja na infância, na adolescência, na juventude se bem pode dizer para o resto da vida somos ligados aos nossos pais, posso dizer mais um pouquinho hoje sou casada, mãe de três filhos, avó de quatros netos, e tenho a minha mamãe que cuido e muito bem, ainda sou criança de vez em quando brinco com ursinhos, jogo bola com os meus cachorros, e eu e meu esposo brincamos de pequi é gostoso ser infantil quase que um pouco

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MUITO CEDO Por Marcos Torres

São seis horas da manhã.

Uma banana amassada com uma xícara de café,

enquanto mamãe dorme no silêncio do quarto.

Sair sem barulho

em meio ao silêncio de uma rua deserta.

A jornada é longa,

o ronco da fome aumenta,

o caminho para o Saber tem um preço.

Bate a campainha da escola

no mesmo compasso do ronco da fome.

O Conhecimento tem um preço, não é barato!

Os dias vão passando junto com a mesma jornada.

A peleja é dura e o sol é quente. É duro o Conhecer!

Brigas, interesses, discussão, inveja, traição, amizade...

Erudição é um valor que não tem moeda.

É muito cedo para um homem que nada sabe...

O menino vai para a escola pensando...

Em busca da solidão.

O Conhecimento é um ato solitário,

assim como acordar às seis da manhã,

em busca de um corpo sem vida e um Ser abstrato.

O intelecto é um alimento cuja fome continua.

A sabedoria é um manancial onde a sede não acaba.

Essa criança busca nas palavras

Um “amor platônico” num lugar inatingível.

Consciência traz poder, e o poder é para quem tem fome.

O menino cresceu e se tornou perigoso.

Instrução é uma arma perigosa.

As palavras se agruparam

para fazer de uma criança um Ser faminto.

Fim de aula, volta pra casa.

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NOSSA INFÂNCIA

Por Sonia Nogueira

Não queria se lembrar, evitava falar

de perdas, perdi a mãe antes de completar

dois anos. Ficou na lembrança um só ato: a

mamãe está dormindo.

Dormindo... Acomodada, pálida,

inerte naquele apertado? E foi-se sem beijo,

abraço... A dor nunca passou...

Meu pai foi mãe, amigo de todas as

horas. Do cuidado à noite pa-

ra forrar com aponta do lençol

o bumbum frio de urina, do

leite mugido bem cedo, ainda

na rede e mostrava o bigode

de espuma, para acalmar o

choro pela insatisfação ao me

acordar, mas terminava em risos a agrados.

Até voltar novamente a rede, dormir o tanto

que o sono persistisse.

O rio detrás da casa correndo em

constante desafio, nas enchentes, início do

ano. Água barrenta, com galhos, molambos,

madeira, destroços, quem sabe cobras ema-

ranhadas, arrastados pela correnteza. Tudo

isso não causava temor, o nado pela manhã

ou à tardinha era sagrado, até o nariz ficar

vermelho do assuar e olhos irritados pelo

excesso de banho.

Melancia comida com as mãos, lá

no roçado, sentada no chão, com tanta li-

berdade e gostosura que o abdome ficava

saliente de tão cheio, logo esvaziava a bexi-

ga, era mais água que fibras.

Além do povoado, as casas ficavam

dispersas, a maioria simples, outras poucas

de melhor estrutura. Ia com a avó para a

casa da tia Maria, casada com marido de

pouca audição, grosseiro, gritava ao chamá-

la.

A tia Maria oferecia leite com sal.

Estranho, só tomava com açúcar! Fazia ca-

reta e recusava. Melhor o feijão que parecia

papa de tão cozido, gostoso que só comen-

do, com rapadura ou melancia ou carne as-

sada na brasa.

Brincadeiras de roda no meio

da rua, na areia, de esconder,

até cansar e suar. O banho na

calçada, o pai jogava um bal-

de de água, sem sabonete, en-

rolava com toalha, aquecia o

corpo no colo, em seguida deitava na rede.

O sono chegava de súbito sem pensar, era

só dormir.

As festas de santos: São Francisco,

em outubro; Nossa senhora da Conceição,

em dezembro, no Giqui; Nossa Senhora

Santana, em Jaguaruana, Nossa Senhora da

Boa Viagem, em Itaiçaba; São Sebastião

em Aracati, com roupas e calçados novos,

muita gente de cidades e povoados vizi-

nhos, sem esquecer as quermesses, fui rai-

nha certa vez e ganhei no partido verde.

Saudade de tudo que a lembrança

arquiva, mas a marca que permanece viva,

a mãe que o vazio nunca preencheu.

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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Bolinho de chuva (por Mercearia do Conde)

Fonte: h p://vilamulher.terra.com.br

Ingredientes: 3 xícaras (chá) de farinha de trigo 3 colheres (sopa) de açúcar 1 pitada de sal 1 colher (sopa) de fermento em pó 2 colheres (sopa) de leite 1 colher (sopa) de manteiga 3 ovos 1 colher de (sopa) de queijo parmesão ralado Erva-doce a gosto Óleo para fritar Açúcar e canela em pó

Modo de preparo: Misture a manteiga e o açúcar, acrescente os ovos um a um, ponha aos poucos o trigo já peneirado com o fermento e misture. Acrescente o sal, a erva-doce e o queijo ralado. Mexa mais um pouco. Frite em óleo quen-te, pingando aos poucos com colher de chá. Abaixe o fogo, quando o óleo estiver muito quente. Depois salpique os bolinhos já prontos com o açúcar e canela.

Rendimento: 10 porções

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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INFÂNCIA

Por Rita de Oliveira Medeiros

De posse do meu novo brinquedinho, viajei para um tempo distante, quando tinha algo em torno de 3 ou 4 anos de idade. Morávamos na “casa da dona Celina”, para onde fomos quando minha mãe morreu.

Minha nova mãe bordava à máquina, no mes-mo quarto onde dormia com meu pai. Eu, dormia no mesmo quarto com eles, porque a casa não tinha muitos quartos e éramos em oito pessoas. Ainda tenho lembrança da minha cama, pequena, ao lado da deles, porém, transversalmente. No quarto, havia uma janela alta, minha mãe precisava subir na cama para falar com a prima Maninha, que era sua vizi-nha, também bordadeira.

Como faziam os trabalhos juntas, numa da-quelas tardes, ela parou de bordar e foi na casa da prima e amiga, fazer algo que não sei o que era. Mais do que depressa eu pulei para a banqueta, lem-bro que era alta.... e comecei a bordar.

Só que, para bordar, era necessário movimen-tar o bastidor com as duas mãos e eu deixei o dedo indicador no meio do bastidor, próximo demais da agulha. Bordei alguns segundos e logo a agulha traiçoeira entrou firme na unha do dedo indicador direito

- Ô manhêêê.... deve ter sido um grito muito agudo!

Engraçado, não lembro da dor no momento de retirar a agulha do meu dedo. Pobre mãe! Chovia, ela veio correndo. O sangue deve ter manchado o

tecido, quem sabe, teve até que pagar pelo tecido, pois manchas de sangue não saem com muita facili-dade.

Esta dor, contudo, não deve ter sido tão forte a ponto de me fazer desistir de bordar, porque eu ainda repeti a façanha mais uma vez! Novamente, o mesmo grito! A mesma correria.

E ela não teve outra alternativa a não ser, me ensinar a bordar. Primeiro, o cordonê, depois os bordados maiores. Durante algum tempo eu bordei. Cheguei até mesmo a receber o elogio máximo de uma virginiana perfeccionista:

- Olha só, Roldão! O cordonê dela é melhor do que o meu!

Contudo, minha alegria durou pouco. Embora adorasse bordar, ela quase não me permitia, seja porque precisava estar bordando o tempo todo, eram muitas encomendas, seja porque as linhas eram sempre muito caras, e mesmo que eu pedisse as sobras, ela nunca as dava, porque dizia que ia precisar!

Mas, ainda acho que ela teve mesmo foi ciú-mes! Do seu bordado, daquela arte tão preciosa, que ela fazia tão bem. Como estava sempre junto com ela, ouvia embevecida, as suas conversas com a pri-ma, a Maninha, sobre como fazer, o que fazer, quando fazer! Era um universo fascinante! Trans-formar um pedaço de pano em algo tão bonito de se ver! E os jogos de cama, em bordado Richillieu, então? E os bichinhos, tão mimosos ficavam, nos enxovais de bebê que elas faziam? Ninguém borda-va como aquelas duas!

- Qués ver, Maria, fais assim, ó!

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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O tempo passando e eu, sempre curingando, per-guntando como fazer. Ficava ao seu lado, olhando prá ela bordar, via suas caretas, acompanhei sua vi-são, acabando, pouco a pouco, naquele labor notur-no, até 2 ou 3 horas da madrugada. Tudo tinha que ser sempre muito perfeito, nada mais ou menos.

Havia também os serões que elas faziam. Eram sempre antes da Festa de Santo Antônio dos Anjos. Sim, a Opa vermelha. Tinha um emblema do Santíssimo Sacramento, bordado em fios dourados. Ficava lindo, o meu pai, vestido naquele traje: terno marrom, sob a opa vermelha. E lá se ia ele, todo faceiro e, aos meus olhos, lindo de morrer!

Outro serão, era em 7 de setembro! Elas bor-davam os bolsos dos uniformes do Colégio Ana Gondin e, às vezes, do Jerônimo Coelho! Viravam as noites bordando, na casa da Maninha. Eu ia junto com eles. As vezes, ela e o pai voltavam para casa e me deixavam dormindo naquela cama de casal, tão grande! E eu, sempre tão medrosa de dormir sozi-nha, nem ligava quando me acordava, no outro dia, sem eles.

Até que, passados alguns anos, quase chegan-do ao final do Ginásio, eu devo ter falado algo co-mo bordar com ela, ou bordar pra fora também! A resposta foi taxativa:

-Não! Tu não vais bordar para fora coisa nenhuma, que isto não é vida! Vais é trabalhar num escritório, que é isto que tu vais gostar! Tu nasceste foi prá isto!

E assim, com esta sentença, adormecida foi, minha vocação para bordadeira!

Mas, no meu coração, permanecem aquelas imagens, que soam quentinhas, de tão boas que são. Nem a lembrança da agulha enfiada no meu indica-dor me remete a alguma dor.... muito pelo contrário, apenas me lembra de quão obstinada eu era, e isto me faz bem.

O seu exemplo de esmero, aquele primor de bordado, o avesso mais do que perfeito que ela fazia e ostentava com tanto orgulho, foram meu espelho, para as coisas que fiz, para os trabalhos que realizei. Nunca comprei bordados prontos, nenhum me agra-dava, porque sempre ia direto ao avesso: terrível!

Agora, semi aposentada, estou diante desta máquina de costura, tão novinha, me vendo nova-mente naquela expectativa de poder fazer algo tão belo quanto os bordados que ela fazia. Talvez, seja uma forma de reviver aqueles momentos de prazer, de reencontrar-me com a mãe que tive, sem nunca poder realmente ter!

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Portão da garagem...

Por José Carlos de Paiva Bruno

Hoje, de súbito, guardando meu jipe em garagem principal de nosso lar, fui assaltado pelas quimeras da minha infância querida... “Que os anos não tra-zem mais Casimiro”...

Avançando meu bólido, eu miro, em frente ao ipê gateway da lembrança...

Renovo d'alma esperança... Transportado do tempo que avança e nunca se cansa...

Ali, bem ali, quanta porrada de bola de capotão... Lúdica em controle no ar... Eu, mais Pitaluga, Nié-res, Tony, Fernando, Zé Alberto; às vezes Jair, Bi-

ronha e Vadão... Só porradão, e o portão “gol” re-sistiu a um time que nunca desistiu... Goleiro que defendesse, vinha pra linha artilheiro desse...

Só admitia-se três toques no “ar”... Esta era a farra do sábado matinal...

Liberada por mamãe consoante o aproveitamento no colégio estadual... Onde concursado reinava, dis-pensado do “admissão”, aquela transição de outrora, entre o primário e o ginásio...

Bom, este nerd eclético, sacaneado nas festas de família, onde meus primos ganhavam brinquedos, e este que voz fala, em maioria das vezes livros, li-vros, livros... Mas eu me vingava, sendo quase sem-pre primeiro no colégio, ao que ponderava minha velha querida – em sua forma de amar – não fez mais que sua obrigação, “queria ver se não honrasse o nome limpo de seu pai, te passo o

chicote menino...”, e assim prosseguindo, sempre inquieto e arguindo, será que a mãe tá me seguindo? Quando eu driblava a babá, entrando no cursinho de inglês à tardinha... Esperando ela dar uma volti-nha... Escapava matreiro para o fliperama de vidro e suas mágicas cinco bolas de aço... Eu traço, na coincidência de final, ou na habilidade na moral... hehehe... Botar meu nome no recorde do eletrome-cânico prazer... Por vezes flagrado em “tilt”... aiai... O “coro” comia...

Eu nunca desistia... Me lavava na pia, tirando o giz da sinuca, evitando inspeção de conduta...

Pois que da obrigatória “aula particular” também fugia... Ia pro barzinho do seu Zé, ou do seu Aristi-des, na ladeira... Aprendendo sinuca faceira, com Waldecy do Tufick ou do BB João Faria... Mestre da covardia... Sinuca dando “sinuca”, pra complicar

minha cuca! Mas eu safo fui aprendendo... Matar de “efeito”, retrucar em pleito... Cantar a caçapa do oeste, devolver a “sinuca” ao mestre, ouvindo “seu peste”... Sem nunca apostar dinheiro, não é estilo deste faceiro...

Tinha também o “totó”, aquele futebol de mão gi-rando, perto do armazém do seu Oto Periardi, cama-rada o velho, liberava pra mim em conta da mãe; de

bolinhas de gude, pra búlicas rudes; linha 10 pra

pipa, até mesmo um grude... Fazia minhas pipas extras caprichadas, aí vendia pra comprar figurinha, torcendo pelas “carimbadas”, ganhando brindes em completar, até no “bafo” ganhar...

Mas, nem tudo são rosas, golpe do destino, vira adulto menino... Já contei em outro conto, em

meus onze anos, meu pranto, em verdade mais meu espanto... pois que olhei pro lado lado e todos cho-ravam meu Pai, por outro também, então... não dá pra chorar neném, primogênito vai à luta,

esta plena disputa... Trabalhando precoce, cresce e coce, tosse... Lá pelos meus doze anos,

talvez treze, atreve... Sortilégio breve, loira linda leve... Eu também jogava voleibol, ela sempre lá assistindo aos treinos e partidas; até que um dia

abordou este pueril... Fim do treino, ela vem de mansinho, “Oi”... “Você tem namorada?”... Ela be-la, em debutar espera, dois dedos mais alta,

lábios que empresto de Iracema; eu peralta, em mi-

nha virgindade convidado pra ribalta...

Respondi “hamham”, em momento não, necessária mentira aflição; caminhando juntos, à saída

do colégio, perto de prédio velho... Correios em abençoar, natureza em desembaraçar, ela então... Pega minha mão, entregando seus lábios aos meus, Pirineus...

Subida da adrenalina, umidade que fascina... Natu-ral rosa mulher menina,

fazendo homem menino, causo do destino... Como um brinde vespertino! Tim Tim...

Sou sempre assim, aprendiz de mim... Preste mun-dão afora, menino sem demora...

Sistemático amigo leal, respirando travessuras, nun-ca amarguras... Bem dizia Paulo Freire...

É caminhando que se faz o caminho! Porque feli-cidade é assim, poder olhar pra trás,

construindo a virtude em frente, porque a vida é chapa quente... Mas há portão que “guente”!

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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Retorno à infância

Por Josselene Marques

Este ano a Semana Santa foi superespecial para mim. Depois de muitos anos, reencontrei al-guém que me fez voltar à memória os meus seis anos de idade.

O momento exato do flashback foi um “30 de Setembro”. Todos os anos, nesse dia, declarado feriado municipal em homenagem à data da liberta-ção dos escravos mossoroenses no ano de 1883, acontecem os tradicionais desfiles cívicos. Como de praxe, eu e mais algumas centenas de crianças fo-mos representar as nossas escolas. No local de con-centração, enquanto esperávamos a nossa vez de desfilarmos, acabei me impacientando e resolvi passear pelas imediações – atitude da qual me arre-pendi poucos minutos depois.

A cidade estava bastante movimentada – lotada de turistas. Centenas de pessoas se desloca-vam em várias direções à procura de um lugar me-lhor para assistirem ao desfile.

Após me distanciar apenas alguns metros, de repente, eu me vi cercada de estranhos, que ca-minhavam em grupos e com relativa pressa. Eu era pequenota e andava com certa dificuldade em meio àqueles adultos. Houve vezes que, por pouco, não fui “atropelada” por eles. Justamente por tentar es-quivar-me e sair ilesa dessa multidão, afastei-me mais do que devia e perdi o ponto de referência. Na verdade, não conhecia bem aquele trecho da cidade. Conscientizei-me do tamanho da minha imprudên-cia quando constatei que havia me perdido dos meus pares.

De olhos arregalados, a ponto de chorar, se-gui em frente, mesmo sem saber qual seria o meu destino. Nesse momento de aflição, fiz o que é pe-culiar a toda pessoa que tem fé: pedi a ajuda de Deus e, como por milagre, surgiu na minha frente um rosto conhecido: o de Tia Ceição (Maria da Conceição Silva) – a professora das minhas irmãs. Corri ao seu encontro e pedi que me ajudasse a vol-tar para a concentração. Sorrindo, ela me disse para ficar calma e concordou em me conduzir ao local de onde jamais eu deveria ter saído sozinha. En-quanto nos dirigíamos para lá, ela perguntou quem

havia me levado para o desfile. Eu respondi que fora o meu pai, pois minha mãe ficara em casa cui-dando dos meus irmãos mais novos.

Enquanto isso, na concentração, as professo-ras já haviam dado por minha falta e avisado ao meu pai, que começou a me procurar pelas ruas ad-jacentes. Devido à ajuda do meu “anjo salvador”, não teve muita dificuldade para me encontrar. Foi a minha sorte, pois até que ele foi muito compreensi-vo comigo (fez apenas um pequeno sermão – a fim de que eu entendesse o risco que corri. Como res-posta, asseverei a ele que isso jamais se repetiria. Por fim, a travessura foi relevada). Nosso encontro se deu, exatamente, na lateral de um prédio onde, atualmente, funciona o Banco do Brasil da Avenida Alberto Maranhão.

Minutos depois, após ser abraçada pelos co-legas que se preocuparam comigo, desfilei com ale-gria redobrada: primeiro, por poder representar a minha escola e, segundo, por não ter entrado para a lista de crianças desaparecidas.

Rever a querida Tia Ceição – a quem serei eternamente grata – me fez relembrar esse episódio da infância e chegar a uma conclusão: Deus me ama e protege desde sempre – não me envergonho de professar a minha fé. De mais a mais, como nada acontece por acaso, com esse "susto", aprendi a prudenciar. Desde então, na medida do possível, tenho procurado evitar tudo que seja passível de erro, dor ou dano e, por isso mesmo, vivo em paz comigo e com as pessoas que me cercam.

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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Onde estão meus sapatinhos?

Por Rozelene Furta do de Lima

Aqueles pretos de verniz

Que eu só usava em dia feliz ...

Era só calçá-los e viajávamos num segundo

Para qualquer lugar do mundo

Enfrentei bruxas, beijei sapos,

Transformei carruagens e trapos,

Fui presa em grutas

Envenenada por frutas

Onde estão meus sapatinhos

Com eles entrava em qualquer recinto

Meus sapatinhos sabiam sair de labirintos.

Visitei reinos, conheci muita gente.

Sapatos grandes são muito exigentes!

Eles não vão, nós é que os levamos

Não se importam por onde andamos

Solidão de menina... Vai passando

Solidão de mulher... Vai ficando

Só sapatinhos sabem fazer a diferença

Não conhecem a dúvida nem a descrença

Estrelinha grande amarelinha

Deixa eu ser pequenininha

Escolher um nome desigual

Ir para fundo do quintal

Sentada no balanço atravessar o túnel da ilusão

Pegar o trem numa nuvem de algodão

E ir... ir... ir ... até encontrar a fada madrinha

Pedir a ela outra mágica varinha

Mas, onde estão meus sapatinhos?! ...

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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ANTES DA MEIA-NOITE

Por Hélio Sena

“À meia-noite em ponto, os espíritos dos mortos se levantam de suas sepulturas e vão espalhar o medo e o terror sobre o mundo dos pobres vivos... Eu vou contar, agora, uma histó-ria terrível para vocês; uma história de assom-bração acontecida há muito, muitíssimo tem-po... Então, estão preparados para fazer xixi nas calças de tanto medo? Olhem lá, hem! Quem não conseguir dormir hoje à noite, não será por minha culpa! Eu já avisei que é uma história apavorante, sem dúvida uma das mais brabas que já contei para alguém... Estão pre-parados?”

...

Não, ninguém chegou a fazer xixi nas calças. Ou, pelo menos, ninguém admitiu isso – e quem seria louco de admitir uma coisa des-sas?!... Mas a história da minha Tia era real-mente de arrepiar! Ouvimos tudo em silêncio, o coração tuc-tuc, tuc-tuc, tuc-tuc... Eu mesmo – estou certo disso! – fui um dos que não conse-guiram dormir naquela noite. A toda hora eu acordava sonhando com elementos da história – fosse o fantasma do enforcado, a menina de cara pálida que gostava da lua cheia, as gali-nhas azuis falantes, ou os gritos histéricos das mulheres ao ouvirem passos em cima do telha-do...

...

Agora, sou eu quem conta histórias para os outros... Sou escritor – e sei que devo isso à Tia Bilu, a melhor contadora de histórias que já conheci! Seu repertório parecia que nunca ia ter fim – e olha que eram três ou quatro histó-rias toda noite! Uma vez perguntei onde ela aprendera tantas histórias, e ela disse (gesticulando mais que o normal) que as ouvira de sua avó, que, por sua vez, as tinha ouvido de sua própria avó – e assim por diante... Não sei, não, mas, para mim, ela inventava todas aquelas peripécias... Só sei que, quando a noi-te caía, lá estávamos nós, meninos e meninas – e até adultos da vizinhança! –, fazendo festa ao seu redor; e então ela desfiava um rosário de histórias de todos os tipos possíveis e im-possíveis: casais apaixonados, monstros ala-

dos, malandros espertalhões, almas penadas... As minhas preferidas sempre foram mesmo as de terror – como aquela que não me deixou dormir direito... Engraçado: eu morria de medo, mas gostava disso! Não consigo explicar direito essa sensação que até hoje me acompanha, seja escrevendo uma história assombrada ou vendo filmes de terror na calada da noite... Acho que lá no fundo me agrada sentir aquele friozinho na espinha, será isso?!?

...

Tia Bilu morreu aos 92 anos. Morreu que nem um passarinho, como já disse alguém que, no momento, não lembro quem. Pois esta noite faz exatos 13 anos que ela se foi... Coinciden-temente, estou escrevendo meu décimo tercei-ro livro – que será, por motivos óbvios, dedica-do a ela. O livro chama-se “Histórias Maravilho-sas da Tia Bilu”, e é um apanhado das princi-pais histórias contadas por minha querida Tia – histórias que, apesar do tempo (eu era apenas um garotinho quando as ouvi!), jamais esqueci ou vou esquecer... Agora, quero compartilhá-las com meus leitores, e espero que eles gos-tem tanto de lê-las quanto eu gostei de ouvi-las...

...

Hoje – graças a Deus e à minha Tia – sou um autor de sucesso. São 12 obras publi-cadas (Tia não leu nenhuma, ela não sabia ler, mas admirava as capas e sentia orgulho de ter um sobrinho-filho escritor), e milhares de leito-res fiéis em todo o país que expressam seu ca-rinho através de e-mails, cartas, telefonemas... Ontem mesmo, recebi um e-mail de uma garota perguntando quando sairá meu novo romance, “Afinal” – suspirava ela – “já tem dois anos que o Sr. não publica uma linhazinha sequer!” Res-pondi o e-mail, evidentemente: “Até o fim do ano, Diandra. Quem sabe no Natal... Pode es-perar!”

...

Mas meu editor está deveras apreensivo acerca deste meu novo livro. Ele acha que, pa-ra quem publicou 12 títulos bem-sucedidos no segmento “suspense e terror”, será correr um risco desnecessário lançar uma obra tão diver-gente... “Imagine só”, disse ele, “o choque que será para o seu leitor – acostumado a ler ‘A Ca-sa Sombria’, ‘Pacto Mortal’, ‘Terror e Êxtase’... – de repente se deparar com ‘Histórias Maravi-lhosas da Tia Bilu’! Cara, você não percebe o

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perigo, não, Fontana?!” “Aderbal, meu ami-go, eu preciso correr este risco!”, respondi sorrindo...

...

“Tia Bilu, onde você estiver, este no-vo livro será para você... Para você e para mim! Se meus leitores não gostarem, fazer o quê, né? Depois escrevo outro para eles... Ando mesmo com umas ideias para um novo romance, que, a princípio, se cha-mará ‘Calafrios à Meia-Noite’. Acho que esta história promete, de verdade!... Mas isso, Tia, é intento para daqui a alguns me-ses, talvez alguns anos; sei que ainda te-nho bastante tempo pela frente, sou ape-nas um homem a meio caminho da maturi-dade... Por enquanto, estou vivendo as nossas histórias maravilhosas, revivendo as noites felizes da minha infância ao seu lado... E tudo isso, Tia, pode acreditar – está me fazendo um bem danado!...”

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O DOCE DOM DE SER CRIANÇA

Por Hernandes Leão

Oh! Como é bom ser Criança... Viver sem preocupações, sem tentações Viver e viver intensamente Ser o símbolo da esperança Ser a causa constante das motivações E ter a vida inteira pela frente... Quando criança, imaginava um mundo melhor Cheio de belezas constantes Desprovido de injustiças e podridão Até as cores pareciam ser mais vivas, não existia o pior! Ah! Como é boa a inocência, e suas variantes... A todo momento, quando caia, alguém estendia a mão Não conseguia, enxergar a luxúria desenfreada Muito menos, a dolorosa malícia Ataúdes definitivos, da infância e juventude Mas por outro lado, para o adulto é o portal de entrada Quando criança achava que o mundo... era, só delícia! Que era, só satisfação, e ausência de maldade Enganara-me, sobre a visão do porvir e suas vicissitudes Mas a visão da criança, inspira ainda hoje, o que seremos... Impulsiona-nos à uma busca pessoal Sobre nossas fantasias, e suas magnitudes Sobre a reflexão do que nós colheremos... Pois o cultivo das qualidades, é essencial Mesmo se tinha uma visão equivocada da vida Não me arrependo; o que importa é o caminho O trajeto e a jornada das experiências... A oportunidade, de socorrer a ferida Garantindo assim, a boa escrita do celeste pergaminho E garantir o sucesso das vivências Ser criança, é ser a esperança da humanidade É carregar a chama constante da felicidade!

É viver somente exalando a bondade Mesmo que de forma contraproducente Mesmo que não consiga, erigir a nobreza da mente E executar ações falhas pela frente... Vai ter valido a pena ser um petiz Um ser pequenino no tamanho Mas um ser gigantesco na Alma Para ser Mestre, antes tem que ser um aprendiz Na infância não existe perda, somente ga-nho... Já que o Espírito, vive só em calma Queria só mais uma vez... ter essa confiança Sentir segurança, nas mãos dos condutores Olhar pra cima, e ver o desenho das nuvens Ter o poder natural, e não viver só na lem-brança Sentir a presença do anjo da guarda; não sentir dores... As crianças são a misericórdia dos homens!... Criança... és mesmo, a perfeição Divina! O desejo mais evidente da redenção O Dom exequível e sublime da oportunidade Criança, tem a benevolência, és sua mina! É a recíproca do aprendizado e evolução Enfim, é a extrema força, aparentando fragilidade... Sem as crianças, não mais haveria o mundo Criança é o pleno exercício da criação! São os salvadores do destino... Sem elas, o homem seria somente um moribundo Para nós, elas deveriam ser a salvação! Basta observar, sua conduta; aí, o ser, é um mero peregrino!...

Con�da no livro: PAPIROS D'ALMA E OS PERGAMINHOS

DO TEMPO

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BEIJINHO DE FESTA

h p://tudodebolo.com.br/

Ingredientes--

• duas colheres de sopa de margarina ou manteiga sem sal • duas latas de leite condensado

• uma embalagem de coco fresco ralado açúcar e cravos da índia.

Modo de preparar o beijinho de festa

Se você sabe fazer brigadeiro já vai achar super fácil azer um beijinho. Em uma panela tradicional coloque a margarina ou com o leite condensado e o coco ralado e misture tudo antes mesmo de levar ao fogão. Já no fogo baixo, vá me-xendo tudo sempre até desgrudar da panela, o que pode ser visto inclinando um pouco a panela para o lado ainda mexendo. Depois que estiver um pouco menos quente, vá fazendo as bolinhas com a mão e depois coloque um pouco de queijo ralado por cima e um cravo da índia por unidade. Algumas pessoas ainda enro-

lando o beijinho e colocam açúcar por cima, mas fica ao seu critério.

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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Doce Infância

Por Isabel Cristina Silva Vargas

De sonhos tão imaginados e,

Encantadas ilusões de menina,

Infância de pura inocência,

De delicadas bonecas de porcelana,

Do jogo de amarelinha, do pião e bilboquê,

Das brincadeiras na garagem

Ao som de inesquecíveis músicas

De anos que se tornaram dourados

Infância de muitos aromas

-De chuva na terra seca-

E, de muitos sabores

-Dos doces de minha avó-

Do figo, das balas, de guaco e de hortelã,

Infância de mulheres guerreiras

Minha mãe, minha dinda e minha tia

Que me prepararam para o futuro

Das grandes alegrias e imensas tristezas

Que mesmo sem perceber

Ensinaram-me sobre os grandes revezes da vida

Dos quais resultei viva, apesar das mutilações .

Infância que não retorna

Mas, que recordei na infância de meus filhos

Tão diferente da minha

Porém , para eles igualmente doce

Infância, doce período de vida

Que me ensina um novo viver

Na infância de meus netos .

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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Nossa Infância

Por Lenival de Andrade

Venho aqui nestes versos

Sem nunca serem adversos

Falar de um tempo super saudoso

Gostoso, vitorioso e vistoso

Para nós também honroso

Tempo maravilhoso e inesquecível

E também lindo e incrível

Que não voltará jamais

Pois o tempo não volta atrás

Nunca em época nenhuma.

Mas as lembranças ninguém apagará

Sempre guardadas em nossa memória estará

Nos enchendo de saudades e boas recorda-ções

Onde começavam inocentemente nossas pai-xões

Bela passagem para a adolescência

Alguns meninos já começavam a namorar as coleguinhas.

As meninas brincavam de boneca

Algumas delas enrolavam sabugo de milho em um pano

E os meninos jogavam time de botão

Aumentando a emoção

Querendo sempre ser campeão

Time de botão também era chamado de Fute-bol de Mesa

Quem podia pagava a despesa.

Naquele belo tempo

Sem nenhum contratempo

Aos seis anos começávamos a estudar

Esperávamos a hora do recreio para lanchar

Aproveitar, não perder tempo e brincar

Trocávamos o lanche na hora do recreio

Não se fazia feio

No fim, começo ou no meio

Quem podia estudava nos melhores colégios.

Também jogava-se futebol com bola canari-nho

Às vezes no dedo entrava um espinho

Deitávamos e o tirava em nosso ninho

Ou com bola dente de leite descalço no meio da rua

Que era minha e era sua

No inverno tomávamos banho na chuva

Com um bom suco de uva.

Os casamentos dos nossos pais

Duravam muito mais e tínhamos muita paz

Obedecíamos aos nossos queridos maiorais

Pois DEUS razão maior da nossa existência e obediência

Nos dava sabedoria, força, vigor, paciência e competência

Nesse maravilhoso tempo

Que foi assim sem nenhuma ganância

A nossa infância.

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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ENTRE OS MORROS DA MINHA INFÂNCIA

Por Jacqueline Aisenman

Passo a passo em minha mente vou pisando as ruas. Foram muitos carnavais. Muitas despedidas e mui-tos reencontros. Muitas festas, muitas tristezas. Mui-tas chuvas caíram leves ou ruidosas e com elas lava-ram os paralelepípedos e meu rosto e minhas vivên-cias. Cresci menina-menino. Brincando de casinha e de Tarzan. De casinha brincava fazendo comidi-nha em loucinhas de barro ou em louças plásticas imitando a vó tão fina. De Tarzan iniciava uma luta feminista pois ser a Jane não me agradava muito: queria ser herói, pular de cipó em cipó e salvar os fracos. Minha infância, viajando entre estados, conhe-ceu as hortênsias azuis e os caminhos longos no Pa-raná. Viu as estradas e as montanhas de Santa Cata-rina. Muitos hotéis, muitas estradas. Mas foi quando ela estacionou entre os verdes morros da Laguna, morros que volteiam a cidade como um colar natu-ral, que minha infância abriu asas. Tinha amigas para brincar de boneca de verdade: Beijoca, Amiguinha, Gui-Gui (esta última que ria, ria e eu adorava ouvir o seu riso que me fazia rir também!). E tinha amigas para brincar de bonecas de papel, recortadas de revistas ou compradas na banca, aquelas que já vinham com roupinha... Uma vez vi um tio meu (se ele ler vai lem-brar...) muito bravo. Ele que nunca ficava bravo co-migo. Estava viajando e encontrei sob sua cama um monte de revistas. Que alegria eu fiquei!! Naquelas revistas havia algo inédito: muitas, muitas bonequi-nhas sem roupa precisando urgentemente ser recor-tadas para ganhar roupinhas desenhadas por mim! Foram dúzias de novas bonecas para minha caixinha e depois dúzias de tapas e castigos de minha mãe por arruinar uma coleção de revistas que, como eu poderia saber, eram apenas para adultos!

Uma outra vez, brincando de ré de esconder, aquela de correr e gritar “33” quando chegava do esconde-rijo antes da pessoa para quem sobrasse procurar.

Pois é, corri tanto e tão rápido que me joguei na pa-rede com os dois braços e gritei feliz: 33 (ou era 31?)!!! E entortei os dois pulsos que ficaram enfai-xados durante um bom momento! Tem aquela vez que, muito danada que eu era, joguei a sandália de uma amiga no meio da rua. Ela me mandou buscar e eu não fui. Ela foi, pegou e em seguida jogou a minha. Mandei buscar, ela não foi e minha reação foi espontânea: uma surra separada apenas pela mãe dela que, a esta altura, já estava acostumada com meu comportamento nem sempre muito adequado às boas meninas! Naquela época minhas respostas vinham mais rápidas pelas mãos do que pelos lábios.

Pendurada em cipós e em meus sonhos vivia brin-cando pelas ruas: desfile de modas no Jardim da ci-dade, jogo de vôlei improvisado em terreno baldio, “roubos” de alface, peras, goiabas... E a receita que adorava: comer a pera com a alface e sal. Para hor-ror das amigas e meu deleite. Uma vez me deram uma linda pitanga. “Come, é pitanga docinha”. Comi. Engoli. E foi muito gelo para acalmar meu desespero de ter comi-do uma enorme pimenta vermelha. Claro que quem me deu apanhou muito depois que os gelos que o tio Paulo me deu acalmaram minha dor e minha raiva!

Minha primeira bicicleta não durou uma semana. Aquele objeto especial e alaranjado que minha mãe me deu com muito custo partiu em poucos dias. Al-guém simplesmente levou, nunca devolveu e me deixou chorando muito mais do que a semana que tinha passado.

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Gostava de ir à praia, subir o morro com as amigas, os amigos e, claro, sempre alguém de mais velho que se responsabilizava (pobre de quem!) por nós. Num destas vezes a responsável era minha mãe. Lembro até hoje dos seus gritos na beira do mar: “Sai daí menina! Sai daí já! Não tá vendo o quanto está fundo! Volta já pra cá! Ah, mas eu te pego!” E eu lá, testando as ondas, navegando as águas fundas daquele mar grosso cheio de espumas brancas.

Mas na praia também gostava de me jogar das dunas, altas dunas, e chegar embaixo parecendo um filé à milanesa! Ou de brincar de se enterrar deixan-do apenas a cabeça de fora! E os castelos, quantos castelos! Cidades inteiras para serem levadas pelas ondas vorazes! Amava a escola, tanto no Paraná quanto na Laguna. Passei por várias, lembro com carinho dos professores e tenho a certa impressão de que todos eram anjos bons. Como dona Marta, aquela criatura doce que me abriu os braços quando, no final já do terceiro ano primário, cheguei tímida para uma nova fase da minha vida. Tive tantos colegas! Muitos de-les chegaram à vida adulta e, coisa fantástica, são amigos que guardo até hoje. Aliás, foi nesta fase que também fui colocada numas aulas de catequese para fazer primeira comu-nhão. Oh, senhor, o caos tinha chegado. Infernizei tal qual um diabinho as aulas da boa irmã Analuzia que fazia o que podia para me conter. E na véspera da primeira comunhão fui me confessar com o Pa-dre Claudino. - Pode começar minha filha! - Começar o que?

- A contar os pecados! - Pecados? – respondi do alto dos meus nove anos. E ele todo paciente respondeu: - Faz assim, vou dizendo os pecados e vais me dizendo se fez ou não! Concordei e saí depois da “cabaninha do pa-dre” toda feliz pois minhas peras e goiabas tinham me rendido algumas ave-marias e pais-nossos.

Mas não podia ser diferente e no dia da comunhão, depois de espernear pois meu vestido era curto e eu queria comprido, ainda aprontei na festa. Todos to-mando café e comendo bolo e eu sem parar. Até que um dos meninos, completamente sem querer, derra-mou café na minha alva vestimenta. Foi o mote pra agarrar o coitado e começar a bater. Festa encerrada a irmã pediu discretamente para minha mãe me tirar dali. Mais uma vez tinha conseguido diria minha mãe. Embora pelas ruas vivesse sempre correndo e quebrando (não exatamente recordes), pulando e brincando, em muitos momentos escolhia a reclusão quase total. E me enfiava em meu quarto para recor-tar, colar, escrever, ler. Ficava lá, ouvia o chamado dos amigos mas não queria simplesmente responder. Queria uma paz que eu nem sabia exatamente o que é que era. Num destes dias, do quarto ouvi baterem na porta e minha mãe vir da cozinha resmungando: “- O que será que ela aprontou agora???”. E eu, do meu cantinho: - Não fui eu não mãe, tô aqui no quarto! Mas ela já estava na porta respondendo que provavelmente eu não estava. Ou talvez nem tivesse sido pra mim! Minha mãe passou poucas e boas comigo. Ela e meu pai. Sob meu ar semi-meigo, havia uma pe-ralta que se dividia em períodos com a menina estu-diosa e calma. -Aviãoooooo! Traz mais um irmãozinhoooo pra mimmmm! - Deus me livre, gritou minha mãe! se ao menos eu soubesse que fosse como teu irmão... Mas só de pensar que pode vir como tu... (era a tra-quina deixando rastros!).

Minha mãe na casa dá vó Marta me dando uns cu-tucões embaixo da mesa ou por trás da vó para eu parar de comer:

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- Deixa a menina comer, Terezinha! - Mas mãe, ela já comeu demais!!! E eu lá, agarrada no aguidal (era assim que eu chamava o tal alguidar) de barro preenchido com pirão daquele feijão inigualável e aquela arraia seca e ensopada que eu amava de paixão!! - Chachá se eu fosse tu pagava o hospital por mês, ela vive aqui dentro esta menina – dizia o Dr. Os-car para um pai todo chateado. - Pois é... E eu deitada na mesa, o braço inteiro aberto depois de atravessar uma porta de vidro na casa de minha vó esperando para ser costurada. E fui. Mais de trinta pontos. Aliás, o Dr. Oscar tinha razão. Na minha in-fância fui assim, mais ou menos, uma campeã de pequenos e médios acidentes. A vó Yvonne que me tomava as lições, me ensinava, me cobrava: - E a capital da Itália é... - Roma... Para depois, quando estivessem entre amigos poder dizer o quanto a netinha era inteligente: sabia as capitais de todos os lugares no Brasil e no mun-do (juro que já esqueci 90%!). Os natais na casa da tia Elisa, tão carinhosa;

os quibes da vovó Diba; o piano que eu adorava

jurar que um dia iria aprender e ali ensaiava sem tom. Os primos maternos e paternos que aprendi a amar a vida inteira mas que algumas vezes odiei como se faz com quaisquer amigos de verdade! Descansava da atribulada vida de criança no colo de meu avô Abelardo. Sua calma me invadia e me dava tudo o que eu precisava para ser apenas o peixinho doce que ele amava tanto. Perto dele eu tinha não só a segurança, mas a certeza de que po-dia ser criança porque ele estava lá, para o que des-se e viesse com seu amor maior do que o mundo.

* Este texto faz parte do livro “Entre os Morros da

Minha Infância, publicado em 2010.

ENTRE OS MORROS DA MINHA

INFÂNCIA

Um livro de Jacqueline Aisenman

Entre os Morros da Minha Infância está à ven-

da com renda cem por cento rever"da ao Hos-

pital de Caridade Senhor Bom Jesus dos Pas-

sos de Laguna, Santa Catarina.

Encontre aqui:

Hospital de Caridade Senhor Bom Jesus Passos

R. Osvaldo Aranha, 280, Centro

Cep: 88790-000, Laguna SC

Fones: Central telefônica: (0xx)48 3646-0522 /

DPVAT: (0xx)48 3646-1237 / Fax: (0xx)48 3644

-0728 h p://www.hospitallaguna.com.br/

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Nossa infância

Por José Hilton Rosa

Infâncias divididas e planejadas

Evoluindo através de séculos, alcançando o vinte e um

A primeira vigiada e exemplar

A segunda sem vigília, liberal e contemporânea

Futuro orientado com brincadeiras personalizadas

O contraste na outra infância,

acompanhada por terceiros, limites não observados.

Na infância observada, os pais com poderes na educação,

na infância liberada, punição para aqueles que educam.

O contraste na obediência familiar, secular.

Infância privilegiada, fim da obediência do lar, contemporânea

No século anterior, os pilares da formação sustentavam a honestidade

No vinte e um, infância globalizada com formação terceirizada, digitalizada,

futuro arranhado, desestruturado, poderes totais, sem deveres, cidadania incerta.

Recordando e destacando para o crescimento leal, o respeito aos direitos e deveres.

O ócio, abonação, tudo fácil, o caminho para o mundo fugaz, mundo globalizado

Com competição e esperteza, a amizade fácil se desfaz

Na infância secular, a educação vinha do lar, a informação da escola

Na infância globalizada, a educação vem dos holofotes,

o professor além de ensinar tem que educar.

A escola foi transformada em instituição de ressocialização, da incerteza e do medo

Nossa infância, adultos gerados em cada infância, espelho de cada cultura.

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MEUS AVÓS ENCANTADOS!

Por Josane Mary Amorim

[...] Quando terminei minha narrativa, meus

pensamentos estavam lá atrás. Voltei à rua Maraca-

já, nº 25, para minha infância. Vi o quintal da vovó,

tão seguro e gostoso, tão cheio de antigos pés de

manga, abacate, goiaba; vi de novo os muitos pés

de copos-de-leite, os antúrios, vi o verde festivo das

samambaias, das flores-beijinhos; pude sentir o gos-

to da couve-flor que vovó colhia e, depois, refogava

com bastante alho; tão gostoso!

Fui trazida de volta daquelas minhas doces

memórias, quando ouvi o terapeuta dizer: “Vamos

dar início às perguntas? [..]

Ao chegar em casa fui para o meu quarto,

precisava de isolamento total, de recompor as mi-

nhas forças, meu equilíbrio. Fui buscar abrigo em

recordações maravilhosas. Pensei no quintal da vo-

vó outra vez. Lembrei-me da sombra maravilhosa

que o gigantesco pé de jaca fazia naquele quintal.

Revi as mangueiras da casa de trás, casa da educada

Nilce. Lembrei-me de que a mamãe costumava se

sentar embaixo daqueles pés de manga e se deliciar

com elas! Mamãe adorava lambuzar a mão enquan-

to chupava mangas, e eram muitas que caíam da-

quele pé. Lembrei-me dos muitos cozinhadinhos

que fiz à sombra do abacateiro, usando como pane-

linhas as colherinhas medidas que vinham dentro

das latas de leite em pó, que a vovó usava. Lembrei-

me dela, lavando roupas para a família da Leda, co-

mo fonte extra de renda. Eu a vi mexer com uma

colher de pau comprida a roupa que fervia num ta-

cho enorme, preto, assentado sobre uma pilha baixa

de tijolos; ali era o fogão de lenha, e ficava embaixo

de um pequena área coberta, junto com as lenhas.

Roupa branca a vovó fazia questão de alvejar,

lavava tudo com muito capricho. Vi-me sentada de

novo, ao lado do meu primo, perto daquele tacho,

ambos com a tabuada na mão. Lembrei-me de que,

certa vez, a vovó tinha usado aquela colher de pau

para nos futucar, nos lembrar de que aquela não era

hora de rir ou de brincar com o barro, “aquela era

hora de estudar a tabuada!”. Eu adorava fazer bolo-

tinhas com o barro! Eu e meu primo gargalhávamos

o tempo todo! Minha avó era uma mulher simples,

dedicada, tímida e forte igual a um touro! Lembrei-

me também do feijão delicioso que ela cozinhava

semanalmente, naquele tacho, pude sentir aquele

cheiro maravilhoso mais uma vez. Vovó sabia que

eu gostava de tomar o caldo do feijão, meu pratinho

estava sempre reservado! Lembrei-me dos muitos

pique e esconde com meu primo e meu tio; meu es-

conderijo era na goiabeira, plantada ao lado da casa.

Lembrei-me do meu avô, aquele caboclo alto, boni-

to, com um enorme dragão tatuado em todo o braço

esquerdo. Lembrei-me do vovô fumando o cachim-

bo, e das várias imagens de pai de santo que possuía

no quartinho dele. Vovó e vovô moravam na mes-

ma casa, porém, há anos separados, não se falavam

mais. Vovô tinha um Centro de Umbanda. Lembrei-

me de que, certa vez, ouvi a vovó insinuar que o

marido era homossexual.

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Aquele assunto nunca foi importante para mim, eu era uma criança, adorava o meu avô do jeito que ele

era, e a mamãe também; eles conversavam muito. Meu avô era maravilhoso, risonho, personalidade forte, e

tinha a cor de jambo! Quando abria um garrafão de vinho, daqueles de cinco litros, costumava dizer que

teríamos de bebê-lo todo, e isso era sempre uma festa! Ele me adorava, chamava-me: Eninha. Também me

lembrei daquele triste dia, quando ele estava no trem indo ao Rio de Janeiro. Dia que roubaram e mataram

meu querido avô. Minha mãe e meu irmão esperavam por aquele trem, para lhe acenarem adeus da janela

da nossa casa. Naquele dia, eu estava participando de uma apresentação de dança na escola. Eu tinha 12

anos, foi um choque terrível receber aquela notícia. Apesar dessa última lembrança, como eu era feliz!...

[...]

Conto re"rado do romance ‘Mevrouw Jane’, de autoria da autora

A primeira leitura ninguém esquece

Por Elise Schiffer

Há mais ou menos 48 anos atrás, no Bairro de Nova Iguaçu, uma região muito pobre bem no interior do Rio de Janeiro, minha família (meus pais e duas filhas) seguiu numa Lotação (ônibus antigo da época) para a casa de meus avós. Neste período de nossas vidas tínhamos o hábito de visitá-los uma vez por mês.

Acreditem era uma viagem, o trajeto levava duas horas de Nova Iguaçu a Vicente de Carvalho, local ainda mais mais pobre que o nosso, se que é possível imaginar.

Neste época eu estava encantada com a leitura, juntar consoantes com vogais era algo mágico, mas eu ainda não conseguia juntar rapidamente as silabas para ler uma palavra, lembro-me que eu lia pedaços de tudo que encontrava a minha frente.

Neste dia eu estava sentada a janela da lotação, posição que escolhi para poder soletrar as letras que formam os nomes das lojas.

Não posso precisar bem o período do ano, mais lembro-me que a lotação estava cheia e fazia muito calor, só que no Rio de Janeiro faz calor o ano todo.

No meio do caminho a lotação parou na estação do bairro de Nilópolis, enquanto algumas pessoas desciam e outras subiam na lotação, foi neste pequeno espaço de tempo que eu avistei uma palavra escrita na parede da estação com tinta (era uma pichação, como se fala hoje), a palavra tinha 3 sílabas e eu as so-letrei e li bem alto. Só que era um palavrão. Meu pai me repreendeu enquanto todos os passageiros riam, mais eu repetia a palavra com orgulho sem saber o significado, juntar as sílabas e ler aquela palavra foi algo mágico.

Hoje eu estou com 53 anos e minha mãe esta com 79 anos e apesar do tempo transcorrido ela ainda lembra deste incidente. Desde então nunca mais parei de ler.

Peço desculpas a todos por não citar a palavra.

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O Engenho de Açúcar dos meus bisavós

Por Guacira Maciel

Quando criança ia passar férias lá na fazenda

e me lembro como se ainda estivesse diante dos

meus olhos, da reprodução de um retrato a bico de

pena desse senhor bigodudo - Duarte Pacheco Pe-

reira - que mais me amedrontava, pois não sabia o

que, exatamente, fazia ali na parede daquela miste-

riosa sala. Mas isso parecia já não ter a menor im-

portância...

O velho solar ancestral construído sobre uma

elevação que lhe conferia certa imponência era tão

fantástico com aquela infinidade de janelas azuis

(ou verdes?), cujos peitoris assentados sobre pare-

des de 1.00m de largura, acomodavam deitado o

meu corpo de criança, onde gostava de ficar a so-

nhar. Acho que já existia em mim, de forma latente,

o gosto pela arte, pois comumente estava fora da

realidade do que ocorria à minha volta; me sentia

uma sinhazinha em seu “feudo”, instalado nos ve-

lhos salões em desuso, da parte de trás do assom-

broso casarão, com o assoalho já carcomido em sua

parte central e que, ao sentir o peso dos nossos cor-

pos, correndo ao brincar de esconde-esconde, gemia

pedindo sossego.

Lá, brincava de esconder com irmãos e pri-

mos e às vezes, como me distraia encarnando algum

personagem de outra época, que vivia nas histórias

que ouvia das minhas tias e empregados, e também

no meu vivo imaginário, nunca era encontrada, fi-

cando para trás nas brincadeiras. Quando dava por

mim estava sozinha e com medo dos fantasmas que

os supersticiosos diziam morar por ali. Os que eu

via – não apenas imaginava – não eram fantasmas;

mas lindas mulheres, sendo eu mesma uma delas,

rodopiando em vestidos de seda parecendo verda-

deiras borboletas emergindo das vaporosas saias

sustentadas por anáguas com aspecto de asas colori-

das; os colos cintilantes com as pedrarias ostenta-

das, elas imitavam pombas arrulhantes, corando aos

elogios dos seus admiradores. Bem, não sei se seria

assim, verdadeiramente, já que entre essa época e

agora, quando resolvi registrar essa história, já se

passou muito tempo e poderei estar descrevendo

uma imagem acrescida de outras experiências, leitu-

ras, filmes (inclusive imagens, por exemplo, de “E o

Vento Levou...), e mais aquela impressão que a gen-

te tem quando olha para um passado tão puro vivido

na nossa infância.

Um pouco abaixo, fora do casarão, ao seu

lado direito, ficava o curral, onde, pelas quase ma-

drugadas, ainda de pijamas de flanela ia beber leite

cru “pra ficar forte”, e observar, encantada, o azáfa-

ma dos vaqueiros sob a orientação de Ernesto, neto

de escravos do antigo Engenho. O velho vaqueiro-

mor distribuía as ordens em lamentoso tom de voz,

remanescente, talvez, das lembranças retidas na sua

memória, sobre o dia-a-dia da senzala, cujas casas,

já em ruínas ainda conheci, habitadas por velhíssi-

mos descendentes de escravos que não tiveram ou-

tro lugar para morar após se verem livres do vergo-

nhoso estado de escravidão em que foram jogados.

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Mas como desconhecia todas essas mazelas na pureza da infância, achava doce adormecer na fazen-

da. As lembranças do ocaso contêm ainda hoje o som da brisa fresca nos canaviais e o cheiro doce da cana-

de-açúcar ao receber o bafejo dos ventos noturnos; dos gritos dos vaqueiros colocando o gado dentro do

curral para passar a noite; do canto dos grilos e dos sapos – a mim, me sabia a canto – além, lá pelas tantas,

dos barulhos do velho casarão, feitos por seus ativos habitantes noturnos; alguma coisa entre ratos e fantas-

mas, personagens das histórias contadas pelos empregados, sobre escravos arrastando grilhões e entoando

cânticos saudosos que falavam da sua terra natal, de onde haviam sido brutalmente arrancados pela ganân-

cia e o desrespeito, muitas vezes com a conivência do seu próprio povo.

O amanhecer, não menos gostoso, exalava um cheiro que prenunciava as delícias que teríamos ao

fartíssimo café . Aliado àquele barulho tão característico, ouvíamos ao longe o burburinho da lida dos em-

pregados. O ranger musical do carro de boi transportando a cana recém ceifada dos pés, ao ritmo cansado

da parelha de animais, e o chiar das palhas se arrastando malemolente no chão por onde o carro passava

entre buracos e saliências do barro vermelho do massapé, a caminho da usina; dos gritos dos vaqueiros se-

parando o gado para levar aos pastos; dos bezerros gritando por se verem afastados das gordas tetas de suas

mães, que agora teriam outras bocas para alimentar. Mas da cozinha...ah!...dali vinha o melhor de todos os

barulhos e cheiros, como aquele do café que em breve agasalharia os nossos ávidos estômagos de crianças,

com banana frita, queijos caseiros, cuscuz, beiju na manteiga, coalhada e outras delícias.

Tempos de criança

Por Maria Moreira

Nossa infância de ternura Se foi e deixou saudades

Da turma e das travessuras Que nos seguiu para mocidade

Nossos tempos de peraltice

Levando a vida de brincadeira Nas poucas hora de chatice

Abrindo a boca numa berreira

Para escola chutado latinhas La vão meninos levantando poeira Que belo tempo e que turminha! Que inocência tão passageira.

Verdes horas desfrutando a vida

Na corrida do tempo lá se foi! Foi tão rápido como em descida

Deixando Saudades que ainda dói

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Bolo de Chocolate

http://www.tocadacotia.com

Se você não tem muita prática na cozinha, mas gostaria de preparar uma receita simples e saborosa, confira nossa sugestão de bolo de chocolate.

Ingredientes da Massa

• 1 xícara (chá) de leite • 1 xícara (chá) de óleo • 2 ovos • 2 xícaras (chá) de farinha de trigo • 1 xícara (chá) de achocolatado em pó • 1 xícara (chá) de açúcar 1 colher (sopa) de fermento em pó

Ingredientes da Cobertura

• 2 colheres (sopa) de manteiga • 3 colheres (sopa) de achocolatado em pó • 3 colheres (sopa) de açúcar 5 colheres (sopa) de leite

Modo de Preparo (MASSA)

Coloque todos os ingredientes sólidos ( trigo, achocolatado, açúcar e fermento) da massa no liquidificador e bata por alguns minutos. Assim que tudo estiver bem misturado, acrescente os ingredientes líquidos (leite e óleo). Depois que a mistura estiver bem homogênea, unte uma forma com farinha e manteiga e despeje a massa. A massa ficará no forno por cerca de 20 minutos, tudo depende da potência de seu forno.

Modo de Preparo (COBERTURA)

Coloque a manteiga na panela e em seguida misture o leite, açúcar e o achocolatado em pó até que a mis-tura fique consistente. Assim que a cobertura estiver pronta, despeje-a sobre a massa que estava no forno.

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INSCRIÇÕES ABERTAS

1) DA SELEÇÃO E DA PARTICIPA-ÇÃO

1.1. O Varal Antológico é promovido pelo VA-RAL DO BRASIL ®, revista literária eletrônica realizada na Suíça (ISSN 1664-5243).

1.2 Serão consideradas abertas as inscrições a partir de 20 de julho até 20 de setembro de 2012. Caso o número de participantes ideal seja atingido, as inscrições poderão ser encer-radas mais cedo.

1.3. Poderão participar da antologia todas as pessoas físicas maiores de 18 anos, ou meno-res com permissão do responsável, de qual-quer nacionalidade ou residentes em qualquer país, desde que escrevam na língua portugue-sa.

1.4. A coletânea terá tema livre e será com-posta por diversos gêneros literários, o escritor podendo enviar contos, poemas, trovas, hai-cais, sonetos e crônicas ou outros.

2) DA ACEITAÇÃO DOS TEXTOS

2.1. Serão aceitos textos em língua portugue-sa, com tema livre, em formato A4, espaços de 1,5, fonte Times New Roman de tamanho 12 e que não ultrapassem quatro páginas. Os tex-tos deverão vir acompanhados dos dados de inscrição (ver abaixo).

2.2. Não serão aceitos textos que pertençam ao universo de personagens já existentes cria-dos por outro autor. Também não serão acei-tos textos politica ou religiosamente tendencio-sos, que expressem conteúdo racista, precon-ceituoso, que façam propaganda política ou contenham intolerância religiosa de culto ou ainda possuam caráter pornográfico. Também não serão aceitos textos que possam causar danos a terceiros ou que divulguem produtos ou serviços alheios.

2.3 Os textos não deverão ter ilustrações ou gráficos.

2.4 Serão recusados os textos que não vierem na formatação requisitada, assim como os tex-tos que chegarem colados no corpo do e-mail.

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2.5. Os textos recebidos serão examinados por uma banca formada pela equipe do VA-RAL DO BRASIL ® e alguns escritores e/ou críticos convidados. A avaliação se dará com base nos seguintes critérios: criatividade e ori-ginalidade do texto, assim como a qualidade do mesmo.

2.6 Os textos deverão vir acompanhados de uma pequena biografia. A biografia, escrita na terceira pessoa, deverá conter no máximo cin-co linhas (A5, letra Times New Roman 12, es-paço 1.5). Lembre-se sempre que numa bio-grafia, como em muito na vida, menos é mais.

2.7. Os textos devidamente formatados deve-rão ser enviados para o e-mail: [email protected], juntamente com os dados de inscrição e demais documen-tos de autorização. 2.8. Ao se inscrever na Antologia o autor auto-riza automaticamente a veiculação de seu tex-to, sem ônus para a revista VARAL DO BRA-SIL ® nos meios de comunicação existentes ou que possam existir com a intenção de divul-gar a antologia.

3) SOBRE AS INSCRIÇÕES PARA A SELEÇÃO:

3.1. As inscrições para a Antologia serão aber-tas no dia 20 de julho 2012 e encerradas no dia 20 de setembro de 2012, podendo ser en-

cerradas antes, caso o número de textos rece-bidos e avaliados sejam aprovados antes da data, no formato e padrão já descritos. O livro será publicado em 2013. As inscrições só po-derão ser feitas pelo e-mail [email protected] OS NOMES DOS SELECIONADOS SERÃO DIVULGADOS NO DIA 30 DE SETEMBRO POR E-MAIL.

3.2. Para participar os candidatos deverão, além de enviar um ou mais textos de acordo com as regras estabelecidas neste regulamen-to, fornecer o formulário anexo preenchido.

3.3. Só serão aceitas inscrições através dos procedimentos previstos neste regulamento. Os dados fornecidos pelos participantes, no momento das inscrições, deverão estar corre-tos, claros e precisos. É de total responsabili-dade dos participantes a veracidade dos da-dos fornecidos à organização da Antologia.

3.4. Todo autor é proprietário dos direitos auto-rais dos textos por ele enviados para publica-ção no livro e cuja autoria seja comprovada pela declaração enviada;

3.5. Em caso de fraude comprovada, o texto será excluído automaticamente da antolo-gia. Cada autor responderá perante a lei por plágio, cópia indevida ou outro crime relacio-nado ao direito autoral.

3.6 Todo autor é livre para divulgar, preparar lançamentos, noites de autógrafos, individuais ou em conjunto, do livro VARAL ANTOLÓGI-CO 3, desde que se responsabilize por todas as despesas - preparativos para lançamento, custos administrativos e convites, compra de exemplares a mais do que os recebidos pela participação – pertencendo também ao partici-pante o valor das vendas dos livros em ques-tão. Para tanto, o participante apenas deverá entrar em contato com a revista através do e-mail [email protected] para que o nú-mero de exemplares lhe seja enviado median-te pagamento (preço da editora / remessa), notando-se aqui a antecedência requerida. O VARAL DO BRASIL® reserva-se o direito de estar ou não presente nos lançamentos orga-nizados pelo autor.

Lançamento Varal 2 em Brumadinho

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3.7. Os participantes concordam em autorizar, pelo tempo que durar a antologia com a edito-ra, que a organização faça uso do seu texto, suas imagens, som da voz e nomes em mídias impressas ou eletrônicas para divulgação da Antologia, sem nenhum ônus para os organi-zadores, e para benefício da maior visibilidade da obra e seu alcance junto ao leitor.

4) DO PAGAMENTO PELO SISTEMA DE COTAS

4.1. A participação se dará no sistema de co-tas, sendo que cada autor deverá proceder ao pagamento da seguinte forma: (a) Cada autor pagará o valor de R$ 550,00 (quinhentos e cinquenta reais) que podem ser pagos à vista ou

(b) em duas parcelas de R$ 290,00, sendo o primeiro pagamento até 31 de outubro de 2012 e o segundo e último pagamento até 30 de no-vembro de 2012.

(c) O pagamento deverá ser feito no caso do autor receber comunicação comprovando a aprovação do (s) seu (s) texto (s)

4.2. A cada depósito o comprovante deve ser enviado para o e-mail [email protected]

4.3. O recebimento do pagamento total dá ao autor a garantia de sua participação na coletâ-nea. O não recebimento de nenhuma parcela até o dia 10 de novembro de 2012 anula a par-ticipação do autor.

4.4. O pagamento parcial do valor cooperativo não dá direito à participação no livro. Caso o autor não termine o pagamento acordado, será substituído por outro participante e comunica-do através de e-mail.

4.5. No dia 20 de dezembro considerar-se-á o livro fechado.

4.6. O (s) depósito (s) deverá (ão) ser feito (s) em nome de:

*Estas coordenadas serão fornecidas por e-mail

*É imperativo que o comprovante de depósito seja enviado para nosso e-mail para confirma-ção do pagamento.

4.7. Não haverá prorrogação dos prazos de depósito em respeito a todos os participantes selecionados. Pequenos atrasos podem ser considerados desde que avisados através do e-mail [email protected] e em acordo com a equipe organizadora.

4.8. Os participantes receberão um total de 10 exemplares da Antologia por participação.

O livro terá aproximadamente 250 páginas no formato padrão (14 x 21 cm)

Capa nas medidas 14 x 21 cm fechado; Lami-

nação BOPP Fosca (Frente);

Capa em Supremo 250g/m² com 4 x 0 cores;

Miolo

Fechado em Pólen Soft 80g/m² com 1 x 1 co-res

Lançamento do Varal 1 em Florianópolis

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Os serviços prestados serão de editoração completa:

Leitura e seleção

Revisão

Projeto gráfico

criação de capa

ISBN e ficha cartográfica

impressão

4.9. A presente antologia será editada pela Design Editora com o selo editorial Varal do Brasil, será registrada e receberá ISBN , mas cada autor é responsável por registrar suas obras.

4.10. A remessa dos exemplares para o ende-reço do autor que não se encontrar presente quando do lançamento do livro será paga pelo mesmo, independente do valor pago pela par-ticipação. A remessa acontecerá após o lança-mento do livro e o autor deverá solicitar o valor do frete pelo e-mail

[email protected]

5) OUTRAS INFORMAÇÕES

5.1. Dúvidas relacionadas a esta antologia e seu regulamento poderão ser enviados para o e-mail [email protected] 5.2. Todas as dúvidas e casos omissos neste regulamento serão analisados por uma comis-

são composta pela equipe organizadora e sua decisão será irrecorrível.

5.3. Para todos os efeitos legais, o participante da presente Antologia, declara ser o legítimo autor dos textos por ele inscritos, isentando os organizadora a editora de qualquer reclama-ção ou demanda que porventura venha a ser apresentada em juízo ou fora dele.

5.4. O VARAL DO BRASIL ® reserva-se o di-reito de alterar qualquer item desta Antologia, bem como interrompê-la, se necessário for, fazendo a comunicação expressa aos partici-pantes.

5.5. A participação nesta Antologia implica na aceitação total e irrestrita de todos os itens deste regulamento.

5.6. A data prevista para a entrega dos exem-plares do livro VARAL ANTOLÓGICO 3 é du-rante o lançamento do mesmo em 2013 (data a ser agendada) e pelos correios em média vinte a trinta dias após o lançamento (O autor se responsabilizará por pagar o frete caso de-seje receber seus livros pelos correios). Será oportunamente discutida uma noite de autó-grafos organizada pela revista VARAL DO BRASIL ®

5.7 Em caso de, por motivos de força maior, não puder ser realizado um lançamento físico do livro VARAL ANTOLÓGICO 3, os livros po-derão ser requisitados pelos autores através do e-mail [email protected] após aviso por parte do VARAL DO BRASIL ® e um ou mais lançamentos virtuais poderão ser realizados. 5.8. Os livros ficarão à disposição na editora para serem solicitados por TRÊS meses após o lançamento e/ou aviso aos autores por parte do VARAL DO BRASIL ®. Após esta data con-siderar-se-á que o autor não deseja receber os livros e os mesmos poderão ser doados a alguma escola, biblioteca ou outros.

5.9. O fórum para qualquer recurso é situado em Genebra, Suíça.

Lançamento do Varal 2 em Salvador

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Pipagaio

Por Valquíria Gesqui Malagoli

Meus irmãos, no quintal,

pegavam linha, bambu,

cola e papel vegetal

branco, vermelho, azul...

Faziam papagaios de papel,

enquanto o de verdade os via.

Mas, os de mentira iam ao céu...

enquanto o verdadeiro os assistia.

Eu falava: “voa, Loro! Voa alto!”.

Só que ele, ah, nem me escutava.

Apenas, no poleiro, dava um salto,

e, rodopiando, assoviava.

– “Mãe, por que o Loro não voa?”,

eu tagarelava igual a um papagaio.

E a mamãe: “isso não é à toa...

o loro tem medo de raio!”.

Daí, meu pai me distraía:

– “É papagaio ou pipa, filha?”.

Mas, antes de eu responder, ele já ria:

– “É pipagaio. E não usa pilha!”.

Foto de Valquiria Gesqui Malagoli

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Piloto, o cão amigo Por Arlete Trentini dos Santos Pilotinho chegou na casa família Giotti ainda um bebê cão, um filhotinho. Cheio de graça conquistou a família. Era brincalhão e também bagunceiro. Gostava de dormir na lareira. Ela nem era usada mesmo, e para ele era um cantinho bem aconchegante. Pilotinho e Daniel se divertiam juntos. Rolavam na grama ,brincavam de bola, corriam atrás de borboletas até ficarem de língua de fora. Os dois é claro... Um dia na volta da escola Daniel viu que tinham construído uma casinha no jardim para Piloti-nho. Daniel não gostou desta ideia ,e quis saber o porque. O pai e a mãe explicaram que Piloto já era grandinho, e que estava estragando as coisas da ca-sa. Daniel choramingou e disse:- quando eu faço alguma coisa errada vocês me explicam que não é certo, mas vocês não me colocam na rua. Ele não sabe que esta fazendo bobagem, ele pensa que tudo é brincadeira. E vocês dizem que o cão é o melhor amigo do homem. Quando vem um amigo aqui em casa , ele não fica no jardim, ele vem para sala. O Piloto é ,ou não é, nosso amigo? -Muito bem, Daniel, nós também somos responsáveis por nossos amigos. Amizade é uma coisa muito preciosa, e deve ser cultivada . E em resposta as suas perguntas, vamos lá: Pilotinho pode continuar dormindo aqui nesta sala, na lareira, mas só se você se comprometer a deixar o pote da água e da ração sempre bem limpinhos, e levar este cão a fazer suas neces-sidades na rua. Nós entendemos que você ama muito o Pilotinho, e quem ama também cuida. A casinha ficará lá no jardim. Um dia Pilotinho pode querer morar lá. Ele até pode ter uma família ,mas isso só na casinha dele, certo? Sorrisos ,latidos e rabinho abanando. Uma cena muito divertida.

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I N F Â N C I A

Por Emérita Andrade Ramos

As asas da cotovia,

Juntas formavam um par.

O teu canto, cotovia,

Jamais irei escutar...

Lembro-me quando criança,

Aquela infinita beleza,

Sabiás e rouxinóis,

Brejeirice camponesa...

Mas, a cotovia triste,

Com seu canto apaixonado,

Gorjeava solitária,

No mamoeiro do lado...

Oh! Tardes da minha infância,

Carinho arrebatador...

Mesmo agora, meia-idade,

Sinto ainda o teu sabor!

Ovos batidos com açúcar,

Com canela pra enfeitar.

Com que volúpia lambia

As colheres do manjar...

Oh! Ventura deleitosa,

Sempre à memória tornai:

A hora da Ave-Maria,

E o carinho de papai.

NOSSAS CRIANÇAS

Por Cléo Reis

O sol forte bronzeou a juventude

na areia alheia ao mundo rude

O mar tentou curar corpos idosos,

donos de olhares ainda esperançosos

A “ gata” acha que todos olharam

as suas curvas de beleza ideal

O “gato” tem certeza que inventaram

a musculação que o torna imortal

Plúmbeas nuvens surgiram para a elite,

indignada no seu veraneio

pela excursão do farofeiro

Não perceberam no verão vivo, de alma nua,

que o céu chorou : água da casa de

pau-a-pique

e chorou o céu, p´ra banhar as crianças de rua

h p://espacoescolar.com.br

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NO MUNDO DA

FICÇÃO CIENTÍFICA Por Daniel C. B. Ciarlini

O invento de Matias

Hoje o tempo não é mais o da rapidez, da modernidade. Já não existe mais a poéti-ca do presente, que pertencia tão bem a Car-los Drummond de Andrade. Percebemos que todo o progresso científico não deveria interfe-rir em nossas artes e costumes. Vivemos, por-tanto, o tempo da nostalgia, onde tudo tem seu passo para celebrar aquilo que um dia fora querido por nossos antepassados. Um ser, po-rém, nunca se adaptara. Ele era Matias.

Foi mais ou menos no ano de 2413 que o conheci. Rosto pálido, nuca acentuada, pou-cos cabelos e olhar impreciso. Era um homem, sem dúvida, misterioso, de poucas palavras e raros amigos. Naquele tempo, se não me en-gano, ainda contávamos com os arcaicos sis-temas de climatização artificial programados por botões. Em Parnaíba, por exemplo, existi-am os dias de tempestade, os dias de sol e aqueles de pouca chuva, apenas para resfriar. Tudo se controlava. Nos tempos de seca, um pouco de chuva; nos tempos de frio, um pouco de calor.

As plantações eram as que mais res-pondiam às benesses da ciência.

Além das alterações gênicas que forta-leciam as espécies vegetais, contava-se com o sistema climático de apoio. Logo, em pouco tempo, tornava-se a cultura vegetal o negócio mais lucrativo da cidade. Todos os lavradores eram cientistas, não tinham outra formação a não ser o de doutorado em suas áreas especí-ficas. Viviam em condições agradáveis, sem-pre experimentando. Ao contrário do que se pensava nos séculos de antanho, as comidas não tenderam a ser artificiais, mas orgânicas em demasia e em abundância.

E em que parte entra a figura de Mati-

as? Bem, Matias era um desses lavradores. Lavrador e cientista, necessário que se refor-ce. E dos mais avançados. Desenvolvera o que se tinha de mais moderno na região: os processadores universais de energia contínua. Em outras palavras, o afamado moto-contínuo sonhado desde o século XVIII, com uma enor-me diferença: sendo universal, o seu processo de síntese energética podia advir de qualquer matéria existente neste mundo ou em outro, já que toda matéria encerra energia. Diziam os mais otimistas que a geringonça podia usar até as forças siderais, o que não passava de exagero. O certo era que a invenção de Matias mudou o rumo da humanidade. Os processa-dores universais foram responsáveis por tirar o homem da idade da roda para a sua fase mais madura na tecnologia, pois que a velha roda para funcionar necessitava de gastos energéti-cos.

O aparelho de fato conseguia sintetizar positivamente energia a partir de tudo. Até do nada, como falavam. Podia usar a força gravi-tacional, a força dos ventos, das marés, do ca-lor, da água, enfim, tudo aquilo que encontras-se no seu raio de abrangência com capacida-de de exceder a sua vida útil. Um sistema inte-ligente que depois de finalizado não prejudica-ria a matéria ou a não matéria da qual se utili-zava.

– Sr. Matias, não pretendes exportar a ideia?

– Para onde? – questionou ele.

– Para as grandes ligas internacionais, o mundo cairia diante de teus pés.

– Pouco importa – esnobava –, a grande cen-telha da ciência humana não é válida aos infa-mes de carteirinha. Ela não passa de um flash e, ademais, ando já bastante ocupado com

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outras ideias que me têm tirado o sono há duas semanas.

– E podemos saber do que se tra-ta?, nossa comitiva anda realmente inte-ressada nas tuas descobertas.

– Tempo ao tempo, homens, tempo ao tempo.

Não pudera, porém, desenvolver a ideia como pensava. Em mais duas sema-nas Matias havia envelhecido vinte anos. Mostrava-se cansado. Diziam que o gênio da tecnologia estava agora esgotado e que o saldo positivo de sua inteligência sequer fora capaz de criar algo que o permitisse a longevidade. Cientistas e médicos sabendo de seu problema tentavam consultá-lo, mas Matias não os atendia. As portas de seu laboratório, sempre fechadas. Estava trabalhando nos últimos ajustes dos pro-cessadores. Dentro de dois meses estari-am no mercado.

Um fato inusitado, entretanto, acon-teceu. Acordei esta manhã sabendo de uma notícia das mais tristes, o mundo se ressentia: a morte de Matias. Motivo? En-velhecimento precoce. Os cientistas exami-naram o seu corpo e logo descobriram: os tais processadores haviam sugado toda a energia vital do cientista. Tornando-os uni-versais o gênio se esqueceu que os huma-nos poderiam sofrer com as consequên-cias.

Somente ontem, depois de três dias, conseguiram desativar a tal máquina. Par-naíba respira melhor e os velhos de outrora parecem mais vivos e menos doentes, pro-vavelmente durarão mais uns 150 anos, isso se suportarem aos anseios dos ali-mentos não iodados.

CREANÇA

Por Roberto Armorizzi

Neologismo gentil,

que me faz pueril

e meu mundo, invade;

creança,

é criança saudade,

de um outro tempo,

de uma tenra idade...

Hoje ela chega

em tempo – tempestade.

Por fim, sofro com intensidade,

ao saber

que o mundo aparenta bondade.

O que salva?

pura beldade,

criança – realidade,

não como nós,

adultos – desamor – pouquidade.

Ela avança, em futuro se lança,

ao não ser mais criança,

para crer – ser – bonança,

creança,

amor, bela idade,

confiança,

fraternidade,

só criança alcança,

de verdade!

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SONS DA MINHA INFÂNCIA

Por Carlos Roberto Pina de Carvalho

Sons da minha infância

O apito das fábricas

No Ipiranga.

O garrafeiro que passava todos os dias,

O amolador de facas,

O bolacheiro que vinha as quintas e sábados,

O verdureiro.

Sons gravados na memória

O sino da igreja,

Do sorveteiro,

Do velho do realejo,

Do menino do algodão doce.

Sons impossíveis

De serem esquecidos

Pois dentro de mim

Tornou-se cicatriz!

h p://do-alto-da-pedra.blogspot.ch

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Infâncias Por Morgana Gazel Você sorri um sorriso dourado protegido entre paredes sólidas cama macia, barriga nutrida inocência e folguedos. Caminhõezinhos tantos dificultam o trânsito no quarto. Indumentária do time da família jogos que a inteligência incentivam coração sem mágoas acumuladas. Na adolescência você diz: “Vou a Disney.” Você me olha tristonho face de borralheiro enquanto o estômago reclama. Seus brinquedos quebrados foram tirados do lixão da cidade. Trapos, pedaços de papelão são sua cama. No coração mágoa e ódio guardados. Na adolescência, você grita: “Passa a grana aí, meu irmão!” A arma roubada na mão.

SÓ O AMOR DE MÃE

Por MOR

O que escutei retratar Só o calor de uma mãe Poderia tudo enfrentar Aquele fruto do amor

Um bebe pequenino

Que cabia em sua mão Era tão miudinho

Enrolado em algodão

Boca bem pequena Nem conseguia mamar

O maior problema Logo ele ensinar

Aquela boquinha abrir Para o mamilo sugar O gosto de leite sentir Para logo alimentar

Sua traqueia estreita Logo ao respirar.

Um assovio se ajeita A juriti imitar.

Deste bebe cuidar

De uma mãe o calor. Tudo a justificar

Com seu grande amor.

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MEDITAÇÃO (DEPOIS DO BANHO)

Por Ro Furkim

Os arabescos de Matisse são cabelos ao vento, nos quais me agarro e viajo de volta à infância. Junção dos Sessenta com os Setenta. Acontecia uma revolução estética que eu só viria a conhecer tarde demais. Por ora havia treliças de madeira separando copas de cozinhas. Numa das residências Calheiros um cheiro maravilhoso de sopa de legumes picados a miúdo com caldo abundante e enrique-cida com bonitos ossos de boi. Nunca vou entender criança que não come pedaços de cebola cozida. Eu às vezes estava lá esperando minha irmã terminar o serviço para irmos embora. Não me lembro bem por que ia lá. Decerto para farejar essa sopa vespertina, praxe de todas as melhores residências. Minha irmã adolescente fora instruída no preparo enquanto a patroa ocupava-se a costurar para as cli-entes abastadas de Maceió _ entre as quais uma menininha chamada Rosane que viria a ser Primeira Dama do Brasil. Eu aguardava assistindo à Pantera Cor de Rosa, que, fato curioso: tinha muita fome e recortava um peixe de uma revista, fritava-o, comia e jogava fora a espinha. Se não me engana demais a memória. Engraça-do ela também ter miragem de comida. Muitos anos de-pois leio Clarice Lispector a mencionar a fome brasileira daqueles dias. O cartoon é de Hollywood, mas a função da televisão sempre foi catar coisas do mundo todo para dar espelho à gente.

Pelas treliças acho que se infiltravam azedinhas,

capuchinhas, avencas, samambaias, acácias. Arabescos enfim. Como os arcos da cadeira de balanço do patrão.

E os da poltrona de fios do titio Pedro, aposentado

da Petrobrás, cuja casa exalava carne de panela tempe-rada com cominho e pimenta do reino moída na hora. O molho com colorau untava e avermelhava o arroz nos bocados remexidos no prato. Com garfo. Nalguns ensola-rados domingos em que mamãe arranjava uma desculpa para subirmos à visita no bairro do Farol. Chuveiro no banheiro e azulejos floreados de um lazuli que se repetia na parede da igreja de Santo Antônio. Na praça, depois da missa vespertina, tudo se azulava pelas lâmpadas flu-orescentes dos postes. Os buquês de roletes de cana exibiam tom misteriosamente festivo, espetados numa tábua perfurada, para se venderem a centavos escassos.

Havia um piano, vez em quando? Devia haver, alguém tomava lições. Ou é projeção minha, só

porque Alba Cristina era todos os dias levada ao colégio particular pela babá, que noutras horas borda-va sentada atrás do balaústre. Faltava-me assunto com a prima, qualquer tema em comum para desen-volver brincadeira. De segundo grau, porém. O pai, Nelson, é que era primo de mamãe. Funcionário público de algum status, a julgar pelo estilo de vida. De quais temas, por sua vez, deviam partir as con-versações com a lavadeira analfabeta, não sei. Não me lembro de haver reparado. E o odor evocado pela casa já não é de alguma comida. É só respiração de vida burguesa, tranquila, aprazível e “normal”.

Embora no quadro de Matisse a sensualidade da escultura nua contraste com a rotina burguesa,

mas sem rosto, sem ver, sem ouvir, sem falar, inerte quanto ao tédio, eu sou aquela pequena chama da vela.

Sei lá. Orientalismo, papel de parede ocre com vinho, madeira escura e trepadeiras, cercas vi-vas, arabescos azuis... até hoje me matam.

Ilustração de Ro Furkim

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Particularidade, Universalidade e Singularidade: definindo conceitos

fundamentais para a Metodologia da Pesquisa em Ciências Sociais

Por André Valério Sales1

1. Introdução:

Este ensaio foi escrito no âmbito de meus estudos acerca da Cultura Urbana na sociedade ca-pitalista contemporânea, área das ciências sociais à qual venho dedicando-me há alguns anos. Com ele busco contribuir para o debate atual acerca de uni-versalismo e particularismos, intentando esclarecer as definições do que vem a ser: particularidade, uni-versalidade e singularidade, no sentido de ajudar na reflexão sobre as respostas possíveis que são colo-cadas pelas interrogações presentes no debate dobre tais definições e seus usos na análise de fatos con-temporâneos, a base do texto é o tema da metodolo-gia de pesquisa em Ciências Sociais.

É de interesse tanto da Sociologia quanto da História, na atualidade, a questão dos conflitos e contradições entre atitudes e movimentos sociais de caráter particularistas ou universalistas. Principal-mente no plano político-social do Brasil de hoje (2012), quando um representante da “classe” traba-lhadora, e do Partido dos Trabalhadores, ascendeu recentemente ao poder, enquanto Presidente do pa-ís, Luís Inácio Lula da Silva (por dois mandatos: 2003-2006 e 2007-2010), conseguindo também re-passar o maior cargo do Brasil para outra petista, a atual Presidenta, Dilma Rousseff (2011-2014). Nes-te contexto, retomam-se com mais intensidade os debates sobre particularismos e universalismos; co-

mo já observou o célebre historiador francês Jac-ques Le Goff, a universalidade é um valor “cuja res-sonância política é clara” (1990: 193). E nós, os crí-ticos sociais do presente, não devemos nos ausentar destas polêmicas e nem mesmo inserirmo-nos nelas sem um claro entendimento destes conceitos e de suas interligações com a realidade social.

Tomando então o exemplo dos dois Presi-dentes da República citados, utilizo aqui seus papéis sociais, delegados pela maioria da população que os elegeu, como pretexto para iniciar a discussão, e inicio perguntando: até onde poderiam ir os desejos e interesses pessoais (singulares), de Luís Inácio, quando ocupou tal cargo, assim como até onde po-dem ir as vontades singulares da pessoa de Dilma

Rousseff quando ocupa agora a Presidência da Re-pública?

Até que ponto se diferenciam e entram em conflito os interesses particulares de “uma classe” social (no caso, a classe trabalhadora, representada pelo Partido dos Trabalhadores) com os de outros segmentos sociais, como as classes médias e altas (as elites)? E em quais momentos é preciso que uma classe social, que esteja no poder, abandone seus interesses particularistas de classe, em favor das necessidades universais do conjunto da sociedade brasileira?

Minha intenção aqui não é a de responder a estas perguntas, mas, ajudar ao leitor a refletir so-bre as respostas possíveis a elas; e o modo melhor

que vislumbro, de contribuir para essas reflexões tão fundamentais hoje, é buscando tornar mais inte-ligíveis os principais conceitos aí envolvidos, ou seja, definindo: particularidade, singularidade e uni-versalidade.

Ao se consultar os dicionários mais co-muns, os mais socializados no país, nota-se que são bastante sintéticos: por exemplo, o célebre Aurélio (de bolso) conceitua o universal como se referindo ao universo, ao que é mundial, àquilo que é comum a todos os homens; ou ainda, “a um grupo dado”; o

singular, por sua vez, é o que pertence a um, ao número que indica uma só coisa ou pessoa; singula-

rizar é “tornar singular, particular ou específico”; e

o conceito de particular , é o relativo a apenas cer-tos seres vivos ou a certa(s) pessoa(s) ou coisa(s), é o relativo a “uma pessoa qualquer” (ver Mini-Aurélio, Ferreira, 2001). Já o Dicionário Houaiss, considerado por muitos como “o melhor” do Brasil, conceitua o uni-versal enquanto algo que é “comum, relativo ou pertencente ao universo inteiro”, algo “comum a todos os componentes de determinada classe ou grupo” (2009: 1907); o singular refere-se àquilo que “se aplica a um único sujeito”, e também coloca “particularizar” como sinônimo de singularizar (id.: 1750); e particular é “próprio ou de uso exclusivo de alguém; privativo, privado”, sendo sinônimo,

inclusive, de “um indivíduo qualquer” (id.: 1439).

———————————————————

1 Tem graduação (UECE, 1991) e mestrado (UFPB, 1996) em Serviço Social. Cursa, desde 2000, enquanto aluno especial, disciplinas do doutoramento em Sociologia (PPGS/UFPB).

2 Ver, por exemplo: Gabriel Cohn, “Introdução”, In: COHN, G. (Org.), Weber – Sociologia (2002); e Leopoldo Waizbort, As aventuras de Georg Simmel (2000).

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A princípio, o leitor pode confundir-se in-teiramente e até mesmo desistir de entender os esses três conceitos, pois segundo um dos Dicionários mais usados no Brasil (Aurélio), assim como de acordo com aquele geralmente considerado “o me-lhor” do país (Houaiss): o particular diz respeito a certas pessoas (grupos, portanto), certas coisas, no plural, mas também poderia ser relacionado a uma pessoa qualquer (no singular), um indivíduo. Já o singular, é o que pertence a um só, a um único su-jeito, mas, ao mesmo tempo, singularizar é definido como o mesmo que “tornar particular”, particulari-zar. Já o universal seria o que é comum “a todos os homens”, e ao mesmo tempo, pode ser tido como o que é comum a todos que pertencem a uma classe ou “um grupo”.

Na verdade, se sairmos dos Dicionários comuns e adentrarmos às disquisições filosóficas ou sociológicas mais aprofundadas, encontraremos jus-tamente essa mesma mistura, essas mesmas contra-dições, porém, entenderemos também que há, por fim, uma relação de complementaridade entre o sin-gular e o particular, entre particular e universal, as-sim como podem ser complementares entre si a sin-gularidade e a universalidade, como veremos a se-guir.

2. As três definições segundo as Ciências Sociais:

No âmbito das Ciências Sociais contemporâneas, o pensador múltiplo Georg Lukács, de origem húnga-ra, escreveu em 1957 um livro dedicado inteiramen-te à elucidação da categoria da particularidade : Introdução a uma estética marxista: Sobre a catego-ria da particularidade, e é a partir deste autor que busco um esclarecimento melhor acerca da defini-ção dos três conceitos em questão. Lukács (1885-1971) foi amigo dos sociólogos Georg Simmel, Max Weber, Karl Mannheim, Tönnies, dentre ou-tros (Frederico, 1998: 9); também participou dos

cursos de Georg Simmel na Universidade de Ber-lim, na Alemanha, entre 1909-1910, chegando a ser “o aluno favorito de Simmel e assíduo frequenta-dor da sua casa” (Netto, 1981: 11, grifo meu). To-dos estes intelectuais, na maioria sociólogos e filó-sofos a um só e mesmo tempo, participavam de gru-pos de estudo (Schiur – seminário particular), aos domingos, variando suas presenças nas casas de uns e de outros. Isto significa que o contato de Georg Lukács com a Sociologia, de modo algum, era su-perficial.

Em seu livro sobre a categoria da particu-laridade, o escritor húngaro expõe vários exemplos de situações que demonstram o que vem a ser o sin-gular, o particular e o universal. No capítulo central

de seu trabalho, no qual ele define detalhadamente a categoria da particularidade e, em consequência, seus complementos obrigatórios, o singular e o uni-versal, Lukács (1978: 76) inicia definindo que o singular é o que é próprio ao indivíduo, ao especifi-camente pessoal; já o particular refere-se aos “interesses de classe”; e o universal, aos “interesses de toda a sociedade”.

Já de outra forma, o autor em questão exemplifica as relações entre as três categorias teó-ricas, ligando-as então ao conceito de Trabalho. Se-gundo ele: considerando-se o trabalho em si mes-mo, pode-se designar a “divisão da produção social em seus grandes gêneros, agricultura, indústria, etc., como divisão do trabalho em geral”; enquanto divi-

são do trabalho em particular, a divisão destas clas-ses de produção pode ser feita “em espécies e su-bespécies”; e, finalmente, de maneira singular, pode

-se pensar a “divisão do trabalho dentro de uma ofi-cina como divisão do trabalho em detalhe” (id.: 96, grifado no original).

Continuando seus exemplos, para melhor explicitar os três conceitos em análise, e ainda refe-rindo-se às relações de trabalho sob o capitalismo, Lukács observa que entre o capitalista e o operário há uma terceira coisa (como pode ser o caso da Concorrência), uma coisa particular, portanto, que faz o intermédio entre dois seres singulares. Ou ain-da: esta não é, portanto, uma relação de simples in-divíduos, puramente pessoal, mas mediatizada por um terceiro, que é fruto das relações sociais (id.: 119).

Sendo assim, o que se apreende até aqui, a partir dos exemplos citados pelo autor, é que as re-lações dialéticas (contraditórias, mas também com-plementares) entre singularidade, particularidade e universalidade, expressam-se na realidade da vida cotidiana de cada ser social, no dia a dia das nossas relações sociais, o que lhes retira a possibilidade de serem considerados como definições apenas abstra-tas, pertencentes unicamente aos debates intelectu-ais de economistas, filósofos, sociólogos, etc. Acrescenta ainda o pensador húngaro que apesar do idealismo hegeliano, há que se admitir que foi “Hegel quem primeiro colocou o problema do parti-cular de maneira correta e multilateral ” (Lukács, 1978: 73, grifado por mim), e para fugir àquele mo-do idealista de conceber tais definições, é preciso ressaltar, de antemão, que as três “categorias lógi-cas” aqui em questão dizem respeito à “situações objetivas” na sociedade, e não no pensamento. Elas são fruto “da realidade que lhes corresponde” (id.: 75), são categorias históricas portanto, completa-mente opostas às categorias reflexivas idealistas e puramente subjetivas.

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As definições de singular, particular e uni-versal somente se tornam históricas porque o inte-lecto humano consegue “elevar a conceito o movi-mento concreto” do real (id.: 88). Somente desta forma, então, é que tais categorias podem servir de instrumento para se compreender “o desenvolvi-mento vital da realidade em seu movimento, em sua complexidade” (id.: 87): se elas forem representa-ções concretas do próprio mundo objetivo (id.: 75).

Postos esses aspectos diferenciados que podem assumir as relações entre a tríade em discus-são, voltemos agora ao exemplo concreto da parti-cularidade da classe trabalhadora no Brasil, como no caso citado inicialmente, ao se tratar das vonta-des pessoais e dos interesses de classe do ex-Presidente da República (Lula), da atual Presidenta (Dilma) e de seu partido político (o PT), relacionan-do-os com as necessidades universalistas de toda a sociedade brasileira: sobre este assunto, o ponto de vista lukacsiano é o de que “Somente em nome dos direitos universais da sociedade pode uma classe particular reivindicar para si mesma o domínio uni-versal” (Lukács, 1978: 77, grifos meus).

A partir dessa afirmação, lanço outra per-gunta para ser refletida: em se considerando a pers-pectiva de sociedade (socialista?) do Partido dos Trabalhadores, será que a “classe particular” que se encontra no poder – já há uma década – vem conse-guindo pôr de lado os seus interesses particularistas, e exercer um “domínio” verdadeiramente em nome dos “direitos universais” e dos interesses universa-listas do conjunto da sociedade brasileira?

Há que se esclarecer que Lukács usa, neste ponto de seus escritos, exemplos ligados a política, ao trabalho e às classes sociais, no entanto, toda a discussão a seguir tem a ver com seu método de es-tudo e análise, cujos propósitos são universais e re-ferem-se, portanto, às categorias teóricas de singular-particular-universal como instrumentos lógicos de análise que podem ser utilizados por qualquer pes-quisador social, sejam eles ligados à Sociologia, Filosofia, História, etc.

Passo agora à discussão específica acerca de cada uma das três definições aqui explicitadas, que são, como já citado, categorias teóricas, porém lógicas e concretas a um mesmo tempo, que somen-te por estarem presentes na realidade cotidiana das relações sociais é que podem ser elevadas ao racio-cínio lógico humano, ao nosso pensamento e à nos-sa reflexão.

3. A Universalidade:

Entendeu-se, até aqui, que há uma mistura

– dialética – entre as noções de singularidade, parti-

cularidade e universalidade, que as relações entre elas são contraditórias ao mesmo tempo em que são também complementares. Especificamente sobre a definição de universalidade, é preciso afirmar que há perigo à vista quando se faz dela um mero con-ceito vazio. O universalismo é necessário, seguindo nosso exemplo, à classe que esteja no poder, seja ela de procedência elitista ou operária; a universali-

dade deixa de existir, observa Georg Lukács (1978: 88), quando é uma característica “pensada apenas em uma forma particular”. Como antes citado, esse problema, apesar de parecer “exclusivamente lógi-co”, depois de Hegel passa a ser distinguido en-quanto “um problema da estrutura e do desenvolvi-mento da sociedade” (id.: 82).

Sendo assim, as relações entre universali-dade e particularidade “têm uma função de grande monta”, pois o particular representa “a expressão lógica das categorias de mediação entre os homens singulares e a sociedade” (id.: 93). E nessa proble-mática da relação dialética entre universal e particu-lar, lembrando de nosso exemplo sobre a tríade Pre-sidente da República-Partido Político-Conjunto da Sociedade, é necessário, nas palavras de Lukács, sempre “esclarecer a forma concreta de sua relação [universal-particular], caso por caso, em uma deter-minada situação social, com respeito a uma determi-nada relação da estrutura econômica”, e mais ainda: é decisivo que se busque “descobrir em que medida e em que direção as transformações históricas modi-ficam esta dialética”. Também é preciso “estudar e descrever, de um modo historicamente concreto (...) e com exatidão, estas relações e suas trans-formações”. Somente se cumprindo esta “tarefa importante”, é que se finda descobrindo “que as contradições concretas assim percebidas devem ser compreendidas, do ponto de vista lógico-metodológico, como casos concretos e expressões de uma dialética de universal e particular” (id.: 91-92, grifos meus). E esta dialética concreta de uni-versal e particular é, desse modo, uma “arma meto-dológica”, é um “instrumento para esclarecer as co-nexões reais” entre os fenômenos sociais em análise (id.: 95).

Para Lukács, a linha fundamental do mo-vimento de pensamento dialético dá-se em um mo-vimento irresistível, em “uma aproximação progres-siva que conduz do puramente singular ao universal através do particular”, de forma indutiva, portanto, o que significa que “todos os conceitos e processos mentais, têm o seu ponto de partida na realidade objetiva [social e histórica] independente da consci-ência” (id.: 102-103).

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Ensina o pensador húngaro que a universa-lidade está sempre “em uma contínua tensão com a singularidade”, além de estar também em uma “contínua conversão em particularidade”. Da mes-ma maneira, e de modo inverso, a particularidade está sempre em contínua tensão com o universal e em contínua conversão em singularidade. Ou seja, as relações entre essa tríade são sempre múltiplas e contraditórias, e quanto mais autêntica e profunda-mente os nexos da realidade, suas conexões e con-tradições, “forem concebidos sob a forma da univer-salidade”, de forma mais exata e mais concreta “poderá ser compreendido também o singular” (id.: 104).

Vamos discorrer agora especialmente so-bre a definição filosófica/sociológica de singulari-dade.

4. A Singularidade:

Ainda a partir do trabalho de Lukács,

aprendemos que o conhecimento e a compreensão da singularidade “não pode ocorrer separadamente das suas múltiplas relações com a particularidade e com a universalidade”; essas relações múltiplas já

estão contidas na imediaticidade do singular, “no imediatamente sensível de cada singular”, e tanto a realidade como a essência da singularidade “só po-de ser exatamente compreendida quando estas me-diações (as relativas particularidades e universalida-des) ocultas na imediaticidade são postas à luz”, o que significa, também, que “esta aproximação ao singular enquanto tal pressupõe o conhecimento mais desenvolvido possível das relativas universali-dades e particularidades”. O singular, portanto, “precisamente como singular, é conhecido tão mais seguramente e de um modo tão mais conforme à verdade (...) quanto mais rica e profundamente fo-rem iluminadas as suas mediações para com o uni-versal e o particular” (1978: 106-107).

O que se apreende então, até esse ponto, especificamente acerca das relações entre singulari-dade e universalidade, é que suas ligações na reali-dade são inseparáveis, apesar de opostas entre si. Tais categorias lógicas estão presentes no real em unidade dialética, mas, ao mesmo tempo, há uma conexão contraditória entre elas, não havendo, desse modo, espaço para identidade entre uma e outra, por serem opostas; contudo, o singular não existe senão

em sua relação com o universal. Segundo Lukács, o “movimento dialético da realidade, tal como ele se reflete no pensamento humano, é assim um incon-trolável impulso do singular para o universal e des-te, novamente, para aquele” (id.: 110).

Sendo assim, as categorias lógicas da par-ticularidade, singularidade e universalidade não são idênticas, ao contrário, há entre elas uma “nítida e precisa distinção”, mas isto não exclui que possa haver “passagens e conversões” dialéticas tanto en-tre universalidade e particularidade, como entre sin-gularidade e particularidade. Mas nosso pensador húngaro adverte que essas distinções, ainda que pre-sentes na realidade cotidiana de todo ser humano, são pouco desenvolvidas “no modo de pensar da vida cotidiana” (id.: 110).

No próximo item, passamos à explicitação do significado da categoria teórico-metodológica da particularidade, a mais discutida por Lukács em seu livro Introdução a uma estética marxista: Sobre a categoria da particularidade (de 1957), além do au-xílio na compreensão do conceito de mediações.

5. A Particularidade – Um Campo de mediações:

Como bem esclarece Lukács, na vida coti-

diana, no conjunto das relações sociais, a particula-ridade “se confunde, em sua determinação e delimi-tação, ora com o universal ora com o singular”, e é por isso que “na construção científica e filosófica, os extremos são desenvolvidos antes do que os meio mediadores [as particularidades]” (1978: 110, grifos meus), assim definida, a particularidade é “um membro intermediário com características bas-tante específicas” (id.: 112).

Por tudo isso, continua o filósofo húngaro, é que somente pode existir “uma autêntica e verda-deira aproximação à compreensão adequada da rea-lidade”, uma relação verdadeiramente dialética en-tre teoria e prática, se houver clareza: dessa “tensão dos pólos, constantemente em ato”; se houver o en-

tendimento da “constante conversão dialética recí-proca das determinações e dos membros intermedi-ários que têm função mediadora”; e se for compre-endido que há esta “união entre os pólos”, ainda que seja uma união tensa e contraditória. Portanto, a ta-refa do intelectual é, tal como assinala Lukács, não julgar a realidade em análise, e nem descrevê-la ou explicá-la da forma que o intelectual queria que fosse, ou da forma que o real deveria ser, mas ten-tar elevar à consciência a “exata relação dos homens para com a realidade objetiva” (id.: 111).

Ou ainda, o pesquisador deve observar, na realidade concreta/cotidiana, como as relações soci-ais se processam, sem que os seus valores pessoais, seus desejos e interesses influenciem nos tratamento dos dados observados/coletados por ele. Por exem-plo, refletindo sobre a cultura popular, Augusto Arantes (1987:57) propõe-se a que, neste seu livro “se projete o foco de atenção sobre o que as culturas

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efetivamente são, ou melhor, sobre como elas são produzidas, sobre os processos através dos quais elas se constituem e o que elas expressam, e não sobre o que elas foram, seriam ou deveriam ser” (grifado por mim).

Deste modo, Lukács enfatiza que o movi-mento do singular ao universal, assim como seu contrário: do universal ao singular, “é sempre medi-atizado pelo particular”. A particularidade é então “um membro intermediário real, tanto na realida-de objetiva quanto no pensamento que a refle-te” (id.: 112, os grifos são meus).

Não é por acaso, acrescenta o autor, que a tríade singular-particular-universal se tenha tornado formalmente dominante, este fato “não é casual, já que início, meio e conclusão descrevem a estrutura formal necessária de qualquer operação mental”. Também, é preciso lembrar que “a relação de forma e conteúdo é uma relação mais próxima e mais con-vergente no início e na conclusão do que no meio”, e este meio, por sua vez, é “uma expressão comple-xiva e sintética de todo o conjunto de determinações que mediatizam o início e a conclusão” (id.: 113).

Lukács ressalta que nenhum dos movimen-tos aludidos acima são “pontos firmes”. Do mesmo modo que a particularidade – que é na verdade um “inteiro campo de mediações” –, também “início e conclusão (universalidade e singularidade) de modo algum são pontos firmes no sentido estrito da pala-vra”, pois “o desenvolvimento do pensamento e dos conhecimentos têm precisamente a tendência a transferi-los cada vez mais”. Todavia, se se leva em consideração corretamente o movimento dialético do particular ao universal, assim como da universa-lidade à particularidade, observa-se que “o meio mediador (a particularidade ) pode menos ser um ponto firme, um membro determinado, e tampouco dois pontos ou dois membros intermediários (...) mas sim em certa medida, um campo inteiro de mediações” (id.: 113, grifos meus).

A cada passo que a construção do conheci-mento vai sendo aperfeiçoado pelo pesquisador, po-de-se “alargar este campo [de mediações], inserindo na conexão momentos dos quais precedentemente se ignorava que funções tinham na relação entre uma determinada singularidade e uma determinada uni-versalidade”. Assim como também se pode diminuir esse campo de mediações, composto pelas particula-ridades, “na medida em que uma série de determina-ções mediadoras – que até um dado momento eram concebidas como sendo independentes uma da outra e autônomas – são agora subordináveis a uma única determinação” (Lukács, 1978: 113).

Torna-se claro, desta maneira, que o parti-cular “não é simplesmente o membro pontual da

mediação em uma tríade, mas sim uma espécie de campo de mediação para o universal (e, em certos casos particulares, para o singular)” (id.: 116, grifo meu).

A partir de uma série de pesquisas, cada uma voltada para o esclarecimento de um novo as-pecto particular do problema, em suas característi-cas específicas, pode surgir (graças ao aprofunda-mento destes novos aspectos particulares) outra con-cepção diferente, que venha a alargar e aprofundar mais ainda o seu conceito, elevando-o a um nível superior de universalidade; de tal modo que “A cui-

dadosa análise do particular é apenas um meio para alcançar este grau superior de universalidade”, bus-cando-se esta ampliação da universalidade do con-ceito (id.: 114-115). Isto significa que, através de mediações, em se conhecendo momentos particula-res novos, a universalidade dos conceitos envolvi-dos no problema é ampliada e tornada superior ao que antes se conhecia.

Após todas essas considerações, Lukács (1978: 116) afirma que seria enganoso concluir-se que “o particular é uma amorfa e inarticulada faixa de ligação entre o universal e o singular (...) as coi-sas não são assim”. O campo de mediações tratado aqui é naturalmente articulado, e cada etapa que o conhecimento leva a compreender em tal campo pode, apenas por aproximação, “ser claramente de-terminada e fixada, do mesmo modo que podem ser fixadas a universalidade e a singularidade”. Tam-bém o fato de que, em muitos casos, “deva-se fixar uma inteira cadeia de membros particulares da me-diação, a fim de ligar corretamente entre si a univer-salidade e a singularidade”, demonstra que, de modo algum, a particularidade tenha um caráter amorfo.

A partir do prisma da linguagem, continua o pensador húngaro, são bastante precisos os signifi-cados de singular e universal, já a expressão particu-laridade pode querer dizer muitas coisas: “ela desig-na tanto o que impressiona, o que salta à vista, o que se destaca (em sentido positivo ou negativo), como o que é específico; ela é usada, notadamente em fi-

losofia, como sinônimo de ‘determinado’, etc.” Contudo, esta oscilação que pode existir no signifi-cado do particular “não é casual, mas tampouco ele indica um amorfismo fugidio; ele diz respeito ape-

nas ao caráter sobretudo posicional da particularida-de”. A particularidade que aqui se busca esclarecer representa, com relação ao singular: “uma universa-lidade relativa, e, com relação ao universal, uma singularidade relativa”, e esta relatividade posicio-nal “não deve ser concebida como algo estático, mas sim como um processo. A própria conversão, por nós assinalada deste ‘termo médio’ em um dos ex-tremos já implica este caráter processual” (id.: 117,

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grifo meu). A particularidade, desse modo, é um prin-

cípio do movimento do conhecimento, e enquanto “momentos particularidades mediadores”, ela tem, na sociedade, “uma existência relativamente bem delimitada, uma figura própria” (id.: 118). Decidin-do-se o pesquisador por eliminar a particularidade, e operar apenas com os extremos (singular e univer-sal), enfatiza Lukács, é “deformante”, assim como o fizeram, por exemplo, os pré-socráticos, Aristóteles, a filosofia burguesa, etc. Estes, buscaram “afastar idealmente da vida dos homens, justamente com o particular, as determinações sociais”, passando por cima, como no caso da filosofia burguesa, do cará-ter de classe da sociedade capitalista; e esta tendên-

cia afirmava que “o homem deve sempre ser com-preendido como singular, excluindo-se todas as me-diações da socialidade de sua existência, afastando-se qualquer particularidade mediadora” (id.: 119-120).

Em se tratando das relações dialéticas e das mediações existentes entre singularidade-particularidade-universalidade, a eliminação da particularidade é, por fim, uma luta contra a obje-tividade, constata Lukács, desconsiderá-la é lutar contra a concreticidade e contra a apreensão correta da dialeticidade das relações sociais (1978: 120).

6. Conclusão:

Acredito que o objetivo deste ensaio – o

de contribuir para o esclarecimento das categorias teóricas de singular, particular e universal – foi atin-gido. Como foi visto durante o texto, o nosso co-nhecimento comum acerca de tais conceitos, assim como dos significados postos pelos Dicionários mais utilizados no país, não são suficientes para um entendimento mais aprofundado acerca das relações existentes entre particularidade, universalidade e singularidade.

Demonstrou-se também, como é rica a definição de particularidade , tão usada pela maio-ria das pessoas com o sentido banal de “individualidade”, o que faz com que se perca qua-se que totalmente a sua significância teórico-ontológica; enquanto que, na verdade, a particulari-

dade abrange um campo inteiro de mediações, que se encontram a meio caminho (mas não em uma posição fixa) entre o singular e o universal. Deve o pesquisador observar que estas mediações por vezes se aproximam mais da universalidade e, às vezes, tornam-se mais próximas ao singular.

O que importa afinal, é que ao se debater hoje as definições ontológico-sociais de particula-rismos e universalismos, haja um tanto mais de se-

gurança sobre o que significam tais categorias lógi-cas.

E, principalmente, aprendemos aqui que os interesses particularistas, em sendo interesses de apenas uma “classe social” que se encontre no po-der (como no exemplo citado, do Governo do ex-Presidente Lula e da atual Presidenta Dilma, ambos filiados ao Partido dos Trabalhadores), poderiam e deveriam ser convertidos em interesses universalis-tas, voltados para o bem-estar da maioria da popula-ção brasileira. Assim como também, fomos levados a compreender que, às vezes, um discurso que a princípio seja universalista pode esconder interes-ses eminentemente particularistas, noutras pala-vras: pode ocorrer que aquilo que se apresenta co-mo universalismo hoje, venha a converter-se, ama-nhã (prejudicialmente à toda a sociedade), em inte-resses particulares de apenas uma classe, um grupo ou segmento social!

_________________________________________________

3 Apesar de indelevelmente presentes neste texto, não me interessa discutir aqui nem a perspectiva de classe e nem o método lukacsianos, mas apenas demonstrar a sua contribui-ção para o debate acerca das três definições em análise. Este é um texto sobre Metodologia de Pesquisa e Análise, e não so-bre as concepções marxistas, ainda que cite Marx, Lukács, o conceito de “classe social”, etc. Mesmo assim, volto a citar Jacques Le Goff (1990: 192) quando, concordando com o so-ciólogo-filósofo francês Raymond Aron (1905-1983), afirma que “Marx deu, do dinamismo permanente, constitutivo da economia capitalista, uma interpretação que ainda hoje conti-nua válida”.

7. Referências:

ARANTES, Antonio Augusto. O Que é Cultura Popular. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

COHN, Gabriel. “Introdução”. In: COHN, G. (Org.). Weber – Sociologia. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2002.

FERREIRA, Aurélio B. H. Mini-Aurélio Século XXI: Escolar. 4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

FREDERICO, Celso. Lukács: Um clássico do século XX. São Paulo: Moderna, 1998. HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portugue-sa. Rio de Janeiro: Objetiva/Instituto Antônio Houaiss, 2009.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. São Paulo: EdUni-camp, 1990. (trad. Bernardo Leitão et. al.).

LUKÁCS, Georg. Introdução a uma estética marxista: Sobre a categoria da particularidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. (trad. Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder).

PAULO NETTO, José (Org.). Lukács. São Paulo: Ática, 1981.

WAIZBORT, Leopoldo. As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: USP/PPGS/Ed. 34, 2000.

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BOLO SIMPLES

Fonte: http://tudogostoso.uol.com.br/

Ingredientes

• 2 xícaras de açúcar • 3 xícaras de farinha de trigo • 4 colheres de margarina bem cheias • 3 ovos • 1 1/2 xícara de leite aproximadamente 1 colher (sopa) de fermento em pó bem cheia

Modo de Preparo

1. Bata as claras em neve

2. Reserve

3. Bata bem as gemas com a margarina e o açúcar

4. Acrescente o leite e farinha aos poucos sem parar de bater

5. Por último agregue as claras em neve e o fermento

6. Coloque em forma grande de furo central untada e enfarinhada

7. Asse em forno médio, pré - aquecido, por aproximadamente 40 minutos Quando espetar um palito e sair limpo estará assado

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Particularidade, Universalidade, Singularidade: Qual o Significado Destes Conceitos? Este ensaio pretende contribuir para o debate atual sobre universalismo e particularismo, esclarecendo me-lhor o significado dos conceitos de particularidade, universalidade e singularidade, na intenção de ajudar na reflexão acerca das respostas possíveis que são colocadas pelas interrogações postas pelo debate aludido. Palavras-Chave: Particularidade, Universalidade, Singularidade.

Particularity, Universality, Singularity: Which the Signification of This Concepts? This essay tries to contribute for the actual discussion about universalism and particularism, elucidating the signification of particularity, universality and singularity, intending to aid in the reflection about the an-swers who the debate to ask. Keywords: Particularity, Universality, Singularity.

A N D O R I N H A S

Por Afonso Martini As andorinhas vão e voltam – veraneiam. Quando há frio excessivo no sul, sobem serras, Procuram lazer turístico em outras terras; quando cansam, pousam aqui e acolá – passeiam. Aos amigos que encontram nessa revoada, Com abraços e sorrisos gentis presenteiam. Mais amizades e laços de amor semeiam, Quando da terra natal estão afastadas. E assim vivem a vida, encantada, feliz, Entre dormires e acordares no caminho E cumprem sua sina de eterno aprendiz. Vêm do sul; vão ao norte – em outro escaninho; Sua alminha se veste de novo verniz ... e se amam; ... e se beijam com muito carinho.

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Vítima de Pedófilos

Por Dhiogo José Caetano

Quanto medo.

Não entendia o comportamento daqueles monstros que conviviam à minha volta. Eu era simplesmente uma criança mas, mesmo assim, aqueles seres me atormentavam.

Fui perseguido, obrigado a fazer coisas que nem mesmo eu sabia o que era. Mas, dentro de mim, sentia que era algo errado e que não deveria ser fei-to. Mas aqueles monstros me obrigavam, me ame-açavam. E eu era obrigado a fazê-lo.

Eu me sentia culpado. Tinha medo e vergonha, tam-bém. Mas me sentia obrigado.

Dentro de mim um desalinho, pois sabia que algo errado estava acontecendo mas, ao mesmo tempo, tinha medo de contar e omitia pra mim mesmo aquela cena terrível.

Não fui violentado graça a Deus, mas foram inúme-ras as vezes que me deparei com pessoas ditas ho-nestas e humanas, que olharam pra mim, uma sim-ples criança e diziam, olhando para o seu membro genital: “eu deixo você pegar”.

Não foi uma só pessoa; foram algumas pessoas em

momentos diferentes da minha vida. Eu me sentia mal, me considerando culpado, um verdadeiro lixo.

Nada aconteceu no meu corpo físico, mas na alma ficaram as marcas de uma experiência que nunca será esquecida.

Fui utilizado como parte da fantasia sexual de indi-víduos que se diziam humanos mas que, na verdade, não passavam de seres irracionais, monstros da pior espécie.

Acreditava que tudo acontecera comigo, era porque tinha que acontecer; mas viver tal experiência é um

estigma que fica registrado na alma.

No decorrer da vida, encarei essa cruel realidade e sobrevivi e, hoje, busco defender pessoas que, como eu, foram traumatizadas por monstros que não res-peitam ninguém.

Diga não à pedofilia.

Pois podemos ver ainda na atualidade a coisa acon-tecer em todos os lugares e de variadas formas, mas com um único ser; os mais especiais, puros e frá-

geis também: as nossas crianças que são usadas e humilhadas por monstros em forma de seres huma-

nos.

A cada esquina um olhar enigmático, mas louco!

A cada passo um medo e, na garganta, um sufoco.

A cada momento nada se pensa, sobre o que aconte-ceu, o nosso corpo pode ser pertença de quem abu-sos tece. Mas tudo silencia e nada nos descansa quando surge um novo dia e alguém se apropria da doçura da alma de uma criança.

Por isso respeite as crianças. Seja humano e se colo-que no lugar das mesmas, assim você verá, ou me-lhor, sentirá na pele o medo, o desalinho da alma.

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Simplicidade da infância

Por Evelyn Cieszynski

- O que você tá desenhando?

- Nós duas. É um presente pra você.

- Mas você esqueceu uma coisa.

- O quê?

- Não somos do mesmo tamanho.

- Isso não importa. Gosto de você do mesmo

jeito.

Não era um desenho perfeito. Era a imagem de

como duas crianças se viam. Estavam de mãos da-

das, e um grande sorriso no rosto de cada uma.

- Por que você não desenha o gatinho que

achamos ontem?

- E onde posso desenhar ele, do meu ou do seu

lado?

- Desenha no meio, assim ele será de nós duas.

E começou a desenhar com seu lápis preto, um

gatinho de olhos e orelhas grandes, parecia assus-

tado, exatamente como estava quando o encontra-

ram.

- Agora termina com um arco-íris bem colori-

do.

- Mas eu não tenho lápis colorido, só esse preto

que ganhei da minha vó.

- Não precisa de lápis colorido. É só imaginar

que tá colorido. Se nós pensarmos que o arco-íris

tá colorido, ele estará.

- Tá bom. E vou desenhar também borboletas

de todas as cores. E também vou desenhar o sol

brilhando.

Ela começou a traçar vários riscos que não ti-

nham muito significado. Era um monte de borrão

em uma folha que não estava mais branca.

- Terminei.

- Vamos colar na parede do meu quarto. O de-

senho vai enfeitar tudo.

E foi exatamente o que aconteceu. O desenho

deu vida às paredes de madeira sem pintura. O

quarto era pequeno e mal iluminado, mas o dese-

nho fez o lugar ganhar outra aparência.

- Agora vamos brincar!

- Eu conto e você se esconde.

Trocaram um olhar cúmplice. Nada diminuiria

aquela amizade entre duas meninas tão inocentes.

O desenho era marca disso. A imaginação faria

com que elas fossem o que quisessem: duas crian-

ças e um arco-íris.

Desenho: h p://jenspira"on-now.blogspot.ch/

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Nossa Infância

Por Germano Dias Machado

Minha infância foi com muita dor Embora estivesse nela também o amor

Minha infância é hoje recordação Do tempo em que era sem saber

O que o mundo é, Desilusão e Ascenção

Minha infância teve sorrisos, mas também decepções

Diversidades entre pai europeu duro E mãe brasileira coração amolecido

Amolecido de benquerença Longe vai minha infância

Oitenta e seis anos sonhando Com infância.

Infância que se foi Mas ficou e ficará

No sentimento Na memória

No ser Ao mesmo tempo alegre e triste

Sem lança em riste

Minha infância perdura em mim Com todo Freudismo

E com todo Junguismo Sensual e ao mesmo tempo espiritual...

Que faz a infância nesta Minha ancianidade?

Ela, porém, fica...

Na foto, o autor

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O CACHORRO QUE FALAVA INGLÊS

Por Ivane Laurete Perotti

Plínio morava em um bairro que não tinha rede de esgoto. A água suja corria a céu aberto em uma vala que os meninos menores chamavam de “rio”.

Foi nesse “rio” que ele aprendeu a brincar em grupo, a dividir os poucos brinquedos feitos de papelão e madeira, a correr com os cachorros que não tinham dono. Parecia que esse tempo ficara muito longe, especialmente se olhado da janela de seu barraco, em uma noite quente, iluminada pelos vaga-lumes, invadida pelo barulho dos grilos e do canto das cigarras.

Seus amigos o convidaram para “pescar o boi”, uma espécie de brincadeira que só era feita pelos maiores. Existia certo perigo em correr atrás de alguém que estava com os olhos vendados. Especialmente naquele terreno cheio de lixo e bu-racos e coisas velhas jogadas fora. Mas era a brin-cadeira do momento. Ele até acreditava que o no-me não era bem aquele, mas seus amigos gosta-vam de fazer diferente, então, diziam criar nomes e brincadeiras novas que eram mais antigas do que a idade somada de todos eles juntos.

Mas nem mesmo um “bem-feito” Plínio quis dizer quando viu seu irmão menor ser levado de roldão pelo grupo que corria. O pequeno caiu e levantou choramingando. Foi Duque quem o socorreu com uma lambida e um abano de rabo solidário. Grato, o menininho voltou para mais perto da porta do barraco como que segurando o cachorro por uma coleira invisível.

Será que Duque havia contado o segredo e agora o seu irmão menor também... não! Duque não falaria nada para ninguém, até mesmo porque, ninguém acreditaria nele.

Mas, para não ficar em dúvida, Plínio saiu da janela pulando-a como sempre fazia. Seus pas-sos pareciam pesados para um menino de apenas doze anos de idade. Tudo parecia pesar muito nos últimos dias: até sua língua colara entre os dentes, e seus lábios haviam esquecido de abrir e fechar.

Ainda assim, sentindo alguma coisa que não sabia explicar, sentou perto de seu irmão en-quanto este dizia ao Duque:

_Você é um cachorrinho bom. Nunca vá embora daqui. Vou encontrar uma caixa seca para você dormir.

Duque, sereno como sempre, disse ao Plí-

nio em bom e perfeito inglês (aqui traduzido para exercitar a leitura...) o que ele já esperava:

_ Não entendo porque não chamou seu irmão. Você sabe que ele poderia estar machuca-do agora. Aquela brincadeira é para os meninos maiores. Quando é que vai voltar a conversar?

É claro que a voz do cachorro era suave e doce, típica voz canina, na raça dos vira-latas. Essa raça aprende desde cedo a interpretar os estados emo-cionais dos seres humanos, a reconhecer a tensão do ambiente, a distinguir um sorriso maroto de um sorriso bondoso – mesmo quando os dois saem da mesma boca, um depois do outro. Eles aprendem a ler o mundo que os rodeia e se descobrem capa-zes das mais impraticáveis adaptações. Daí a raça vencer qualquer “pedigree” em uma competição de sabedoria e sobrevivência. Os vira-latas eram es-peciais. Tão especiais ao ponto de acompanhar um ser humano por uma vida inteira sem esperar recompensa. No fundo eles sabiam que a recom-pensa era só uma falta de oportunidade humana. Sabiam disso e viviam de esperança: chegaria o momento em que sua raça subiria ao “podium”... com certeza chegaria. Mas antes disso, precisava dar conta de orientar o seu fiel amiguinho. Plínio estava silencioso demais até mesmo para um pré-adolescente. Duque conhecera outros na mesma fase.

O silêncio era uma forma de dizer mais alto o que não conseguiam gritar.

Ele entendia bem dessas coisas, por isso emprestava sua voz para o amiguinho.

Com o único detalhe a se observar que sua língua era o “inglês”.

Nascera em um navio mercante, daque-les que só aportam para descarregar mercadorias. Em um dia de muita chuva, após perder uma parti-da de cartas, Duque resolveu descer para o cais no qual o navio aportara.

Descera e nunca mais voltara.

Descobrir o calor do sol com os pés fir-mes na terra era uma experiência que ele queria manter para o resto de seus dias.

Cansado das marés da vida, encontrara Plínio sentado em uma calçada suja, enquanto es-perava pelo pai, um estivador não muito forte para a profissão.

Mas, isso era coisa que ele ainda não en-tendia bem.

Aprenderia com o tempo.

Quando disse a primeira palavra:

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_ Hello, boy! (opa!... esquecemos do trato: _ Olá, menino!).

Teve o silêncio como resposta.

Precisou de muito jeito para mostrar cari-nho e se fazer ouvir.

Curiosamente Plínio o ouviu.

Ouviu e entendeu como se falassem a mesma língua.

As palavras só saíam da boca de Duque, mas Plínio falava com os olhos.

Tinha olhos profundos e inteligentes que diziam conhecer mais lugares do que ele próprio conhecera enquanto fora marinheiro de porão.

Plínio falava em silêncio, o que não queria dizer que ele não falasse.

Muito pelo contrário. Suas palavras preci-savam ser ouvidas de um modo nada tradicional.

E isso era uma coisa um pouco difícil para os seres humanos acostumados com aquilo que parece igual.

Enquanto falava com Plínio, foi observando como ele construía cuidadosamente o seu discur-so.

Era notável! Cada expressão de sua face valia por longas frases, por um bom grito, por uma risada aberta, por um choro molhado.

Cada revirada de olhos valia por listas de palavras coloridas, ou não!

Às vezes, sabia que ele precisava ficar qui-eto para ouvir a própria voz, em outras, preferiria que a fase do “eu-não-falo-para-me-ouvirem-falar!” acabasse logo. Era difícil falar inglês em bom ca-chorrês para um menino em fase de “casulo”.

Foi o irmãozinho de Plínio que interrompeu seus devaneios.

_ Plínio!?Eu quero um algodão-doce... dá?

_ Yes, children, yes! I do... ou seja, sim, cri-ança, sim. Eu lhe dou um algodão-doce, desde que eu possa comprá-lo, bem entendido.

Dando voltas ao redor de si mesmo, Duque deixou claro que não iria desistir de “dar” o doce para o menino.

Plínio tinha certeza disso, conhecia muito e muito bem o seu amigo canino.

Remexeu nos bolsos furados para ganhar tempo, pois há muito estava sem nenhuma moedi-nha. A última delas entregara a sua mãe para com-pletar o dinheiro do ônibus até a cidade.

Olhou para o rosto do irmão menor e se já não falava nada, sentiu vontade de estar ainda mais distante.

Eram os olhinhos de uma criança que pedia um algodão-doce.

Mas doces custam dinheiro e ele não tinha nada.

Como dizer não a ele se exatamente essa palavra era a que estava atravessada em sua gar-ganta a cortar-lhe o ar, a alegria, a apertar como se tivesse dedos fortes e... como dizer sem dizer?

Outra vez o pedido:

_ Mano... compra?!

Duque podia sentir a tensão aumentar.

E a bicicleta com o mastro colorido se afas-tava balançando os doces amarrados, como que dizendo: “... depressa!... ande! compre agora, pois eu só volto amanhã!”

Ela não pararia a menos que alguém a cha-masse.

Foi aí que teve a ideia e pôs-se a latir para a roda de trás.

Latiu, correu, mordeu e, parou o vendedor em plena rua esburacada.

_ Cachorro louco! Larga daí! – vociferava o doceiro balançando seus balões coloridos.

As crianças que estavam por perto se apro-ximaram todas de uma vez.

Plínio e seu irmão tentaram puxar Duque para longe, sem sucesso.

Dentes, baba de cachorro, rosnados e até latidos de “eu sou mau” emprestavam à cena um ar de filme de Charles Chaplin.

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Quanto mais os dois irmãos tentavam tirar o cachorro do pneu, mais seus dentes enterravam-se na borracha.

_ De quem é este animal? De quem?_ berra-va o vendedor.

_ É nosso, tio! – respondia em seguida o ir-mãozinho de Plínio.

Por mais de dez minutos, por entre os gritos de alguns e as risadas de outros, o vendedor solta-va a mesma pergunta e o menininho respondia a mesma resposta.

Não se sabe quem cansou primeiro.

Mas foi o vendedor que propôs:

_ Quem tirar este bicho de minha bicicleta ga-nha um algodão. Quem...

Nem teve tempo de repetir.

O pequeno que já estava segurando o rabo de Duque, tomou o cachorro

no colo. Milagrosamente o vira-lata soltou-se da borracha _ agora babada_, em silêncio absoluto. Silêncio total, completo!

Plínio olhava atônito para o irmão menor e para o cachorro empoleirado em seu colo.

Com a mãozinha por entre as patas de Du-que, o menino pegou o algodão-doce e agradeceu.

Outras crianças seguiram em alarido a bici-cleta que se esforçava para chegar à esquina en-quanto o vendedor soltava palavras de tamanho muito longo para serem escritas aqui.

Com boa parte do algodão na boca, o ir-mão menor de Plínio voltou para a porta do barra-co.

Duque profetizou em alto inglês (já traduzi-do):

_ Esse menino nasceu para a política. Sa-be a hora certa de pedir e de aceitar. Veja só com que satisfação se lambuza nesse doce gosmento...

Plínio ameaçou mover os lábios, mas a cola invisível vinha de dentro, de muito fundo de sua alma e não era assim tão fácil retirá-la.

Gostou de ver o irmão lambuzado de açúcar

colorido.

Era um irmão muito querido, chamava-se Bené, nome que já fora de seu avô nordestino.

Duque não precisou dizer mais nada.

Acomodaram-se os dois junto a Bené e as-sim ficaram pelos poucos minutos que durou o res-to do algodão-doce.

Com o fim do dia, vinha o silêncio maior.

Era o momento em que Plínio procurava por razões alheias ao seu entendimento.

Gostava de ficar olhando as estrelas por detrás das nuvens grossas, de procurar por algum sinal no céu que indicasse uma novidade.

Qual? Não sabia.

Apenas sentia vontade de estar ali, quase sem estar, como uma espécie de viagem sem fron-teiras, sem ruídos, sem medos, sem perguntas, apenas o céu para escorregar devagarzinho, sem pressa.

Nessas horas, a única companhia era Du-que.

O cachorro também viajava pelas lembran-ças boas e saudosas do seu tempo de marinheiro.

O período da escola era o mais difícil.

Duque não podia entrar e Plínio ficava so-zinho, muito sozinho.

Seus colegas eram falantes, barulhentos, gostavam de brincar, jogar, brigar, discutir.

Conversavam sobre todos os assuntos e de nenhum deles Plínio participava. Não por falta de procura, mas com o tempo, todos foram acei-tando e acostumando-se com o seu silêncio.

Então, ficava olhando tudo de longe, co-mo que vivendo com os olhos o que nem os lábios nem as pernas conseguiam mobilizar.

Estava assim há um tempo longo demais para um menino.

Duque lembrava-lhe constantemente que precisa-va viajar com os pés no chão; que as suas ideias deveriam ser compartilhadas, que deveria pergun-tar suas dúvidas, dizer de seus sentimentos, mos-trar a língua vez ou outra, piscar o olho para al-guém.

Assim como que se pudesse rir de si mesmo, conversar com seus botões (é só uma ex-pressão, modo de dizer, mas valeria o esforço ten-tar se isso lhe fizesse bem).

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No final da aula, Plínio era esperado por uma enxurrada de observações.

Duque não se calava até o amigo en-trar em casa.

Durante o almoço que era muito rápi-do e simples, Duque permanecia deitado em silên-cio, tentando compreender o silêncio que Plínio construíra.

Nenhuma resposta em palavras era dada em nenhum momento.

A mãe, mais apreensiva, dizia que o me-nino estava com um problema grave.

Já o pai, que também fora menino há muito tempo atrás e ainda lembrava de como era interessante crescer, respondia que era coisa de menino.

Logo passaria.

Só Bené tentava obter uma resposta:

_ O Duque comeu sua língua, comeu? Fala... diz que eu vou buscar outra para você. Comeu?...

Uma espécie de cócegas roçava sua boca na hora em que ouvia a repetida pergunta do irmão menor.

Às vezes pensava que essas cócegas esta-vam correndo depressa demais e explodiriam em sua boca abrindo seus lábios outra vez.

Em momentos assim, abaixava a cabeça assustado, imaginando que todas as palavras não ditas sairiam de uma vez só pela sua boca e junto com elas as risadas, os gritos, os choros.

Era muito estranho e ao mesmo tempo conhecido demais.

Era algo que já fazia parte dele sem ser exatamente dele.

Era como descobrir um outro morador den-tro de sua cabeça cheia de pensamentos.

A tarde era interminável.

Bené ainda não frequentava a escola e en-tão ficava sob sua responsabilidade.

Achava difícil cuidar do irmão que tinha tan-ta vontade de correr e brincar e ainda mais, que sentia fome o tempo inteiro, e que fazia tantas per-guntas.

Era Duque quem lhe ajudava nos momentos mais cruciais:

_ Let’s go! ... ou seja: vamos! Vamos Plínio. Corra atrás de seu irmão porque ele acha que no “rio” tem tubarão.

E tinha: o “rio” arrastava todo o tipo de sujeira .

Não era impossível para uma criança ima-ginar um tubarão em plena vala de esgoto.

Deveria ele explicar que “aquilo” não pas-sava de água suja e poluída?

Se explicasse, Bené não teria mais onde brincar e inventar estórias.

Nem ele e nem as demais crianças do bairro.

Se achava perigoso deixá-las próximas ao lixo que boiava? Com certeza, mas conseguia sempre que seu irmão ficasse à margem do “rio” e não entrasse na água contaminada.

Mas o mesmo não podia dizer das ou-tras crianças. Era comum adoecerem por causa do esgoto. Era muito comum.

Naquela tarde, Plínio pensou que nada poderia ser diferente.

As crianças brincavam a sua frente en-quanto ele ouvia Duque falar sobre sua necessida-de de “abrir-se” para as conversas, para as parti-das de futebol, para...

_ Hey!... ops! Ei! Quem é aquela que dobra a esquina? É a sua prima Marina? Quem é? Quem é?

Os olhos de Plínio não se voltaram para responder no silêncio eloquente das palavras au-sentes.

Seu pescoço ainda estava no mesmo lugar: voltado para a esquina onde sua prima Mari-na caminhava junto a uma outra menina que nunca vira antes.

Faltou terra embaixo de seus pés.

Elas caminhavam para eles como se apenas isso tivessem para fazer.

E se aproximavam animadamente, muito rapidamente, sem dar-lhe tempo para escavar um buraco fundo e esconder-se dentro.

Buracos, buracos, buracos... a rua estava cheia deles mas as suas pernas resolveram não obedecer.

E Duque, “bobificado” olhando para sua prima desatara a falar em um inglês tão rápido que não era possível entender.

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E agora?, pensava Plínio. Cadê sua mãe? Não era hora de ela chegar? Por que não estava ali quando ele precisava dela?

Tudo girava desordenadamente ao seu redor. Até seu irmão parecia magnetizado por aquelas duas meninas que invadiam o bairro e resolvera soltar a pipa que segurava.

Ah!não! cadê a chave da porta? Cadê a porta? Onde ficava sua...

Não deu tempo para nada.

Foi o tempo que lhe engoliu a vontade, as forças e o sangue.

A terra afundou seus pés muito vagaro-samente a ponto de gerar-lhe uma tontura boa.

Tontura descola cola, tontura descola lábio, tontura descola palavras, tontura de menino “bobão”.

Não! Bobo ele não era, sabia que não!

Mas ao sentir aquele sorriso que passara roçando suas bochechas ouviu todas as palavras agruparem-se dentro de sua boca e saírem orde-nadamente para fora:

_ Olá, prima! Passeando aqui no bairro? Como está a tia Zulmira?

Duque encolheu-se antes do salto.

Bené gritou para quem desejasse ouvir:

_ Devolveram a língua dele... devolve-ram a língua dele! Ba!Bá!Baba!

Apenas Plínio e as meninas fizeram ares de não entender.

Se entenderam fingiram não ouvir, se ouviram, decidiram esquecer.

O motivo das risadas centrou-se nas estripulias de Duque.

Cachorro estranho esse, muito fora de controle latia sem parar, levantando o pequeno rabo e caminhando em círculos, desenhava com as patas no chão.

_ Stop! Duque. Please!

Ora... e quem sabia que Plínio falava inglês?

Mais um bom motivo para estender a conversa para lá e lá e volta de lá para cá outra

vez.

Naquela noite as estrelas sentiram saudade.

Sentiram falta da admiração do menino que as iluminara com seu olhar sonhador noites e noites.

Somente Duque sabia que uma estrela de outra galáxia cintilava pelo bairro pobre.

Era uma estrela “descoladora” de palavras, uma “desgruda-lábios”, uma “quebra-silêncio” mui-to especial. Tão especial que Plínio tratou logo de dizer-lhe que fazer um certo silêncio nesta idade era normal.

Ele melhor do que ninguém entendia do assunto.

E a estrela “descola-lábios” respondeu com um sorriso nos olhos...

Apenas nos olhos!

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NAS PÁGINAS DA MEMÓRIA Por Mariney K O tempo passa. E passa rápido. Deixa para trás, uma após outra, finas cama-das de lembranças que desfolhamos, de vez em quando, revivendo momentos ora felizes, ora nem tanto. Agora, decido desfolhar algumas. O que se segue. Dona Rivka. Uma linda judia polonesa que aportou por estas terras, com o marido e os filhos, fugindo de Hitler. Aqui casou os filhos, teve seus netos e morreu Mulher do lar, sempre manteve seu espaço "dentro da linha". Quando mais nova, frequentemente, às voltas com convidados e festas. Era uma primorosa anfitriã. Pratos de porcelana, talheres de prata e taças de cristal. Tudo tinha vindo com ela da Euro-pa. Mãos habilidosas na cozinha. Com ela, aprendi a fazer macarrão e torta de ricota. _ Hindele, a massa! Vem! voz suave buscando minha companhia. Hoje esta torta é obrigatória em todas as co-memorações da família. Virou tradição. Suas mãos são a lembrança mais forte pra mim. Cortando a massa em tiras bem finas de onde sairiam a sopa de galinha (o forte aroma, do aipo, me acompanha até hoje) e a tradicional macarronada. _ Hindele! ela me chamava. Era o som do amor incondicional e devotado. Eu sabia que, após este chamado, só coisas boas viriam p'ra mim.. O maior carinho descascando as uvas do tipo "rubi", tirando os caroços e me entregando, com doçura, a polpa limpinha e suculenta. De outra feita, me levando à Confeitaria Co-lombo. eu, com vestido de organdi e grandes laços no cabelo, parecendo uma princesinha. Os garçons a conheciam. _Lá vem a Senhora Rivka! E se desdobravam em atenções à nós duas. Mais páginas desfolhadas, trazendo à tona momentos únicos de uma convivência abenço-ada. Férias! Ahhh...as férias. Em Atibaia, na Estância Lince. Todos os anos, no inverno.

E na praia do Gonzaga, em Santos, no Gran-de Hotel, nos meses de verão. No carnaval, sempre uma fantasia nova à mi-nha espera: baile no Clube Tietê. Alegria, disposição, dedicação à família foram suas marcas indeléveis. Quando o câncer, chegou, tomou todo o cor-po. Cabelos grisalhos emoldurando uma face sem rugas, muito branca. Expressivos olhos verdes. Não tinha idade mas envelheceu, subitamente. No final, passinhos trôpegos, vagarosos. Pelo corredor, só se ouviam: _Ai...ai...ai... Um atroz sofrimento acompanhou seus últi-mos dias. Eu, muito pequena, não pude me acercar dela nos seus derradeiros momentos. Naquele tempo, as crianças eram afastadas em momentos tristes e solenes. Personalidade forte e dominadora. Ela era uma presença, sempre, muito marcante. Ele-gante e altiva. O único que conseguia driblá-la era meu pai: o seu xodó. Ele era seu filho caçula e fazia "gatos e sapa-tos" com esta preferência. Minha amada vovó Rivka. Ela amava ser avó. Herdei dela os olhos e a personalidade. Hoje, já sou avó. Mas sou uma avó de compu-tadores...rs...sem os requintes de uma outra época. Fecham-se as folhas deste período. Essas as minhas mais remotas lembranças dos meus primeiros anos. Hoje fica a saudade imensa e a lembrança de alguém a quem pude fazer feliz, sem mesmo saber.

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DOCE DE LEITE

Fonte: h p://panelinha.ig.com.br/

Ingredientes 4 xícaras (chá) de leite 2 xícaras (chá) de açúcar

Modo de Preparo 1. Numa panela, junte o leite e o açúcar e leve ao fogo baixo, mexendo sem-pre, até o açúcar dissolver (cerca de 10 minutos). 2. Cozinhe, mexendo sempre para o leite não ferver, por mais 1 hora ou até o creme engrossar e adquirir uma cor de caramelo-claro. Se necessário, deixe por mais tempo para atingir o ponto certo. 3. Quando o doce estiver com a cor de caramelo, retire a panela do fogo e dei-xe esfriar. 4. Transfira para um pote de vidro esterilizado e guarde na geladeira por, no máximo, 10 dias.

Dica: Potes de vidro podem ser reutilizados para conservas, ou mesmo geleias, feitas em casa. Mas primeiro eles devem ser muito bem esterilizados. Para isso, leve bastante água para ferver numa panela grande; coloque o vidro e sua tampa na

panela e deixe ferver por no mínimo 15 minutos. Para retirar o vidro e a tampa, utilize uma pinça de cozinha e deixe-os escorrer sobre um pano de prato limpo. Atenção: não coloque o vidro sobre nenhuma su-perfície muito gelada, como mármore, pois o vidro pode estourar. Só use os po-tes esterilizados depois que eles esfriarem totalmente.

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VOVÓ NECA

Por Lunna Frank

Saudades da minha infância na casa da minha avó, que delicia sentir cheirinho de bolo de fubá, bolachinha de na-ta.

Pãozinho caseiro, manteiga fresca, tudo quentinho, feito na hora café da manhã na casa da Vovó Barbara, que me-sa farta com coisas, deliciosas e saborosas, lanche, almo-ço, jantar e a ceia antes de dormir, chazinho de erva-cidreira com biscoitinho de araruta.

Na casa da vovó paterna onde passava todas minhas fé-rias não existiam melhor lugar no mundo.

Colinho de Vó, histórias e causos, penteava meus cabelos compridos, umas cem vezes para dar mais brilho.

Eu a neta caçula, preferida de todos, tios, primos a família toda adorava me paparicar, aos do-mingos o almoço de domingo lembro-me de meu pai, na cabeceira da mesa e vovó na outra, meus tios e primos ao redor, mamãe sempre sentava ao lado da vovó.

A reunião de família aos domingos era o orgulho da minha querida avó família estruturada, com aprendizado do meu Vovô Saturnino que sempre nos ensinou que uma família tem que ser igual uma arvore com raízes, tronco, folhas flores e frutos.

Minha titia Cidinha, sempre pronta para as ordens da minha Avó, titia não se casou para cuidar da vovó um amor incontestável.

Minha tia parecia uma formiguinha, pra lá e pra cá, afoita a cuidar da casa das toalhas bordadas e os lençóis de linho e cambraia com cheirinho de lavanda. Como eu era feliz minha avó sem-pre muito elegante, olhos esverdeados que mudavam de cor, cabelos bem loiros quase blondor natural, ondulados e compridos, trançados dos dois lados, 2 pentinhos com florezinhas delica-das enfeitavam as laterais do cabelo , vestido cinturado com estampas claras e delicadas, sapa-tinho de pelica, combinando com a carteira grande que carregava debaixo dos braços.

Sempre com meia fina cor da pele, minha doce avó tinha um jeito angelical cheirinho de colônia alfazema e batom rosado bem clarinho levemente passado nos lábios.

De mãos dadas íamos passear e caminhávamos pela cidade ate a confeitaria a Paulicéia, para tomar sorvetes naquelas tardes quentes de Jundiaí.

Missa aos domingos e o terço nas quartas-feiras na casa de amigos, adorava as reuniões quan-do a imagem do Sagrado Coração de Jesus, uma imagem enorme que chegava a casa da Vovó tinha reza, crianças para brincar o lanche servido em seguida.

As casas da vovó, muito grande e aconchegante, com várias arvores frutíferas, adorava subir no pé de jabuticaba colher e come-las, um prazer inenarrável. Colo, carinho e beijo da minha amada Vó Barbara ou Vó Neca assim que a chamava, não exis-te no mundo nada melhor, lembrança saudosa da infância que não volta mais.

Hoje Vovó Neca , com certeza esta no céu fazendo laços de fita no cabelinho dos anjos.

Saudades Eterna…

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Nossa infância num lugar esquecido...

Por Maria Eugênia

Para a minha querida e amada irmã, companheira de aventuras e principalmente de traves-suras.

...feita de catar conchinhas pela praia, ou sentadas lado a lado, a observarmos as ondas quebrarem nas pedras estáticas.

As bicicletas pesadas demais para se andar na areia e o esforço para alcançarmos a ense-ada antes da cheia.

Festas de aniversário com balões coloridos, e eram sempre iguais nossos vestidos.

Eu sempre fazendo birra e você sempre sorrindo.

E neste mundo perdido eu era Robinson Crusoé e você o Sexta-feira, meu grande amigo.

A areia fina da praia grudava em nossos corpos e brilhava.

E nós éramos encantadas...

Nós éramos fadas...

Fadas de trancinhas.

Havia a caça ao caranguejo, mas não era uma injustiça.

Nós com um pedacinho de carne na armadilha, mas geralmente era o caranguejo quem vencia.

E assim o tempo passava despercebido enquanto guardávamos aranhas nos vidros, coleci-onávamos besourinhos e escavávamos riozinhos, onde navegávamos nossos barquinhos de folhas e gravetinhos.

E quando a noite chegava com lua cheia, ainda havia as conversas em torno da fogueira.

E cada história que se contava, era nossa avó quem protagonizava.

A vovó matava o homem que roubava criancinhas, era ela quem prendia o bicho papão num porão e debaixo das asas dela, a vida era tão segura...

Era tão certa e bela...

Era tão pura!

Por fim a gente ia, com as mãos passadas sobre os ombros uma da outra, dividir a mesma cama.

E sempre havia um outro dia para brincar com você...

Minha Irmã...

Minha Amiga!

Numa vida que de tão bela, parecia que nem existia.

Nesse tempo de nossas vidas que mais parecia história de um livro,

perdido no tempo...

Num lugar esquecido.

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A PITANGUEIRA

Por Marilu F Queiroz

Quando se é pequeno o mundo é visto como uma fantasia que não tem fim. Tudo é vas-to e intrigante como a nossa imaginação fértil e cheia de sonhos e, como toda criança criada numa casa cujo quintal era imenso e repleto de árvores, me sentia livre e feliz por ter tanto es-paço para brincar e extravasar energia.

Podia desfrutar das mais diversas aventuras, brin-cadeiras, desde apenas subir nas árvores, até brincar de balanço ou obrigar o meu irmão a comer as misturinhas que fazíamos aproveitando lata vazia de manteiga, toma-tes e verduras colhidos da horta, que meu pai cuidava com tanto carinho. O fogão era feito com pedras, gravetos e pequenos pedaços de madeira do quintal, que queima-vam muito rápido de tão secos.

De todas as árvores lá de casa, uma velha e grande pitangueira era o meu xodó, subir nela era muito estimulante, lá no alto era o meu mundinho carregado de fantasias e sonhos, povoado de criaturas advindas de minha mente criativa.

Debaixo dessa árvore havia um balanço preso a um grosso galho repleto de folhas ver-des e frutinhas vermelhas e saborosas, não muito doces e tinham um gostinho meio azedo, que eu adorava. Em cima da pitangueira imaginava aventuras, cantava e me balançava de bra-ços abertos como num voo, presa somente pelas pernas, nos galhos mais altos. De lá enxerga-va tudo o que acontecia no quintal e muito mais: via o horizonte até onde a imaginação podia alcançar.

Nesse meu mundo particular era muito feliz. Para lá carregava meus cadernos de história e es-tudava falando e cantando tão alto, que meus vizinhos podiam aprender também um pouco mais, os feitos dos personagens da história do Brasil. Como é bom ser criança num quintal as-sim repleto de aventuras. Um prato cheio para uma cabecinha recheada de sonhos e imagina-ção criar histórias e aventuras, onde eu era sempre a heroína.

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QUANDO EU ERA MOLEQUE Por Mário Rezende Quantas pipas empinei nos meus dias de folguedos. Era um prazer imenso “dar a elas” a linha do carretel. Quanto mais de mim elas se afastavam, mais prazer me davam por poder brincar lá no céu com outro menino bem distante, segurando a linha na mão, enquanto eu estava bem firme com os pés no chão. Ah, Quantas lembranças me traz aquele tempo lá de trás! As brincadeiras infantis, meninas e meninos num trinar alegre quando todos se juntavam como a algazarra que faziam na hora do recolhimento, ao crepúsculo, os bandos de pardais, avezinhas que pouco se vê ou ouve nos dias atuais. Como era divertida a pelada com a bola, brincar de bandeirinha, pique-esconde e tá contigo! Jogar com as multicoloridas bolinhas de gude; girar no corrupio, a brincadeira do anel à noitinha, para ganhar beijinhos das cobiçadas menininhas no despertar das intenções de namoro sorrateiro, na aurora da juventude, por demais prazenteiro. As festas do mês de junho, isso então! Pular fogueira, comer canjica e batata assada, soltar fogos e balões, dançar a quadrilha sempre animada... Em qualquer idade ou situação, sempre valiam muito os folguedos de improviso ou o brinquedo feito à mão: a bola de meia, o jogo de prego, e futebol de botão,

fazer zunir com a fieira o pião. Com um canudo do talo da folha do pé de mamão eu enchia de ar as bolinhas de sabão. Viravam brinquedinhos as latas de leite em pó, que serviam para fazer carrinhos. Cheias de areia e puxadas por um barbante, uma, duas, três ou mais formavam um comboio tão divertido como o mergulho com a turma nas águas do arroio. O desafio que proporcionavam os carrinhos de rolimã descendo as ladeiras arborizadas da minha cidade; subir na árvore com outros garotos em disputa para colher a que parecia a mais apetitosa fruta e saboreá-la sentado à sombra que oferecia, observando bandos de aves em piruetas lá no céu. Minha caramboleira preferida, o lugar aonde eu me escondia para ficar com meus pensamentos vagando ao léu. Amiga e companheira, me balançava em seus braços e me enchia de abraços, quando me sentia o mais infeliz. Desse modo minha infância passou num tempo embalado e pelo menos uma parte do que naquela época eu fiz, me dá vontade de viver outra vez. Isso quando puder, com meus filhos ainda faço, ou com os futuros netos, talvez, apesar de o ambiente estar muito modificado, tornando muito pequeno o adequado espaço.

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O garoto que perdeu a sombra

Por Sonia Rodrigues

Marquinho era uma dessas crianças que não per-dem a cabeça porque está grudada no pescoço, como gostava de dizer sua mãe. Marquinho perdia tudo: seu pião, seu doce, sua escova de dente, sua mochila da escola, o dinheiro da pão, a chave do portão...

Naquele dia, ao sair da escola, foi com os amigos brincar de gigante. Era assim: eles ficavam de cos-tas para o sol do final da tarde e viam quem tinha a maior sombra. Mas, diante de Marquinho, não ha-via sombra nenhuma! Os amigos, entretidos com suas próprias sombras, ainda não haviam percebi-do nada, então Marquinho tratou de correr para dentro da sala de aula, a procurar pela sombra perdida. Nada dentro da carteira, nada debaixo dos bancos, nada atrás da porta, nem tampouco dentro do armário da professora, que, irritada, tra-tou de expulsar dali o aluno retardatário. Marquinho vagou pelo pátio do recreio, olhou na quadra de esportes, até no parquinho dos alunos menores, sem sucesso. O menino pensou em todos os lugares aonde ha-via ido desde a manhã. Marquinho lembrava-se de que havia agitado o boné da sombra pelos degraus da escada ao en-trar no carro de papai... e se a sombra houvesse ficado no carro? Não havia como saber antes da noite, então começou a procurar na padaria, na quitanda, na farmácia, na banca de jornais, e até na floricultura, onde papai parara pela manhã e comprara um belo buquê de rosas para mamãe. O menino entrou na padaria e olhou nas pratelei-ras de biscoitos, no balcão dos queijos, debaixo do balcão do caixa...havia muitas sombras por ali, mas não a sua. Na quitanda foi mais complicado, o balconista achou que ele queira levar alguma fruta sem pa-gar, e ele não queria ser surpreendido sem som-bra, e ficou se esgueirando pelos cantinhos escu-ros, deixando o português mais desconfiado e foi corrido para fora com ameaça de vassouradas. A banca de jornal foi o local mais tranquilo para procurar, porque ali as pessoas normalmente es-tão lendo e não prestam atenção aos outros, e

muito menos a suas sombras. E na floricultura, ele esperou que sua sombra, res-friada pela umidade, se denunciasse por um espir-ro, o que não aconteceu. Escondendo-se na sombra de outras pessoas, Marquinho voltou para casa, pulando ao lado da professora, agachando-se para brincar com o ca-chorrinho da vizinha, e com isso, ficando na som-bra dos outros. E, entrando em casa continuou a procurar por aqui e por ali, na esperança de que a danadinha hou-vesse voltado para casa, até que o irmãozinho o surpreendeu, e perguntou:

- Posso ajudar? - Não! – disse Marquinho, enfiando-se debaixo da cama, só para ser imitado pelo irmão menor quase no mesmo instante. - O que você está procurando? - Eu? Nada... - Eu venho seguindo você desde a esquina, e... - Como é que você pode estar me seguindo desde a esquina se você não saiu de casa? - Seguindo da janela, eu estava espiando... conta pra mim, vai, conta logo! - Ai – suspirou Marquinho – desta vez a encrenca é das grandes.

- O que é que você perdeu? - Você nem vai acreditar. – e o menino suspirou, infeliz. - A cabeça é que não foi, está bem grudada aí no seu pescoço. – riu o caçulinha. - Foi a minha sombra. – e o garoto suspirou de no-vo, confuso. - Ah, isto eu quero ver! – e o menorzinho puxou o irmão para o claro, onde, para seu espanto, só mesmo o Marquinho, e nada da sombra de Mar-quinho.

- Vai ver que sua sombra dormiu demais e ficou na sua cama. - Eu saí com ela – disse Marquinho, mas, por sim ou por não, foi olhar debaixo da cama. Por sorte, a mãe estava no banho, então Marqui-nho tinha algum tempo para procurar em paz, en-tão, ele e o irmão começaram a vasculhar cada cantinho da casa: atrás do sofá, das cortinas, den-tro da máquina de lavar, e, por fim, na biblioteca, onde, ao entrar, Marquinho viu, com surpresa, a sua sombra na parede, debruçada sobre a escriva-ninha de papai.

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Marquinho correu para lá. Ele sentou-se ali até ocupar exatamente o espaço da sombra. Mexeu de leve a cabeça, e a sombra o acompanhou. - Graças! Posso voltar para a sala. Quando ele se levantou, porém, a sombra nem se mexeu. Ele tornou a sentar-se. E agora? Aberto sobre a escrivaninha, um livro fininho. Marquinho olhou de relance para a página aberta: ‘Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia en-quanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito.’ - O que é isso? – perguntou o irmão mais novo, que ainda não sabia ler. O menino olhou a capa do livro e leu em voz alta: Carta sobre a felicidade. - Quem escreveu isso? - Com o nome de Epicuro, deve ser grego. Um daqueles gregos de que o avô tanto gosta de fa-lar. - Eu adoro as histórias de gregos. – o irmãozinho animou-se – Aquele Ulisses sabido, que ouviu o canto das sereias, e enganou o gigante de um olho só...Você também gosta. Leva o livro com você. Marquinho achou a ideia boa. Pegou o livro, le-vantou-se, e a sombra levantou-se junto. Ele já estava se sentindo de novo normal, quando a sombra empacou, bem em frente a uma pilha de livros de matemática da mãe. - E agora essa! – e o garoto falou com a sombra, sentindo-se um tanto quanto bobo – Bem, o que é que você quer, afinal? – para surpresa dele, a sombra apontou para a estante. O irmãozinho riu. - Pelo jeito, sua sombra é viciada em livros. Marquinho começou a folhear um por um, até per-ceber o que a sombra queria: um livrinho cheio de gravuras coloridas, jogos cheio de números, pe-quenas histórias sobre curiosidades matemáticas. O interesse de Marquinho foi imediato. - Ora, ora, até parece que a matemática pode ser divertida, como diz o papai. Mamãe veio chamar os meninos, pois papai aca-bara de chegar em casa e o jantar estava pronto, e achou curioso que Marquinho tivesse dois livros na mão, e que os dois meninos a toda hora olhas-sem o chão e as paredes. - O que vocês estão procurando, afinal? - A sombra do Marquinho – disse o irmãozinho. - Essa ele não perde – disse a mãe – está bem grudada no corpo dele. - Quem dera! – disse Marquinho, assustado. Toda vez que ele tentava se separar dos livros, a som-bra empacava. O jeito foi sentar-se em cima dos livros pra jantar. - No meu tempo de menino – disse o papai – a gente colocava a tabuada debaixo de travesseiro

na véspera da prova, para aprender dormindo. E funcionava direitinho: se eu recitasse a tabuada trinta vezes, antes de colocar debaixo do traves-seiro, era tiro e queda: decorava tudinho. – e pis-cou o olho para os meninos, que sorriam em cum-plicidade. – mas nunca sentei em cima do livro pra jantar, não. Marquinho acabou o jantar, abriu o livro do grego ao acaso, e, em voz alta, leu: ‘é necessário, portanto, cuidar das coisas que tra-zem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcan-çá-la.’ Mamãe e papai, que eram ambos professores, se entreolharam. E acabaram por falar, quase ao mesmo tempo, o que fez a família inteira rir: - Bem diz o ditado que ‘quem sai aos seus não degenera’. - Você sabe o que traz felicidade, papai? - Claro que sei! É estar em paz com minha famí-lia. Isto é felicidade: todos juntos, com saúde, len-do filosofia grega a procurando sombras nas pare-des. - Sombras, não, só a sombra do Marquinho – co-meçou o menorzinho, mas Marquinho o interrom-peu: - A minha sombra gosta de ler. Ela hoje fugiu de mim e se escondeu na biblioteca. É claro que a mamãe e o papai pensaram que o Marquinho estava fantasiando. O fato é que a sombra do menino lera muitos li-vros interessantes naquela tarde, e daquele dia em diante, Marquinho começou a gostar de livros, e tornou-se um leitor voraz, e mais tarde, um ho-mem muito sabido.

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NOSSA INFÂNCIA

Por Odenir Ferro

Como éramos felizes nós todos. Sempre unidos,

Ora brincando, pulando, correndo, recriando sons

De bichos, imitando os cantos dos pássaros, tudo

Era uma alegria sem fim, enquanto brincávamos...

Entretanto, pelos motivos mais banais que fossem,

Estávamos brigando, gritando, se agredindo... Com

Nossos egos inflamados de pura adrenalina cheia de

Muitos rancores... Para logo a seguir, abrirmos nossos

Corações, nossos sorrisos, e continuarmos com as inúmeras

Brincadeiras que para nós nunca tinham fim; tudo era festa!

Abrigávamos as nossas almas, as nossas inocentes emoções,

Junto aos troncos dos arvoredos que compunham as diversas

Naturezas das árvores frutíferas das mais variadas espécies de

Qualidades: altos pés de mamões, extensas parreiras de uvas,

Jabuticabeiras de frutos suculentos e doces; pés de romãzeiras,

Muitos pés de limoeiros e uma grande quantidade de laranjeiras.

Compostas por diversas qualidades de laranjas. Envolvíamo-nos,

Adjuntos aos troncos, nos mais altos galhos daqueles frondosos

E velhos arvoredos. Fazíamos deles, os nossos esconderijos,

Acariciando por horas a fio, todas as texturas mais nobres,

Daqueles nossos imensos sonhos que nunca tinham fim...

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Campinho da várzea

Ao Sonhador Thalles Teixeira )

Por Raimundo Cândido Teixeira

A bola era como uma doce balinha, e o campo de futebol em terra chã

na beira do rio, no declínio da tarde, fazia a gente salivar, só em pensar.

Os meninos surgiam de todo canto,

poeira que vai chegando sem convite num faro, num verme roendo o desejo.

Brotavam em profusão, em magote.

Era só correr sem obrigação, com o dever de casa por fazer,

enfurecessem, fosse quem fosse, o mundo era uma bola de futebol.

Sumo instante e suprema alegria.

Um traço, um chute e um gol. Invulgar, inigualável, inexprimível.

Aquela adocicada magia, nunca mais!

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NOSSA INFÂNCIA

Por Lóla Prata (Bragança Paulista)

1-

Voltando o circo à cidade

no espetáculo singelo

traz o riso à toda idade

e para a infância, o belo!

2-

É grande ação benfazeja

promover a esperança

por um tiquinho que seja

no viver de uma criança.

3-

A criançada debanda

esquecendo as brincadeiras,

pra irem atrás da banda

e vão... fazendo zoeiras.

4-

Toda criança merece

em qualquer tempo e lugar,

cuidados dos quais carece,

muito amor e bem-estar.

5-

Na floresta do Amazonas

há indiozinhos selvagens:

são crianças brincalhonas

que vivem entre as folhagens.

6-

Supliquei à esperança

pra que não fuja jamais

de um coração de criança

que não teve o amor dos pais.

7-

Convidada a esperança

a sentar conosco à mesa,

ergueu-se um brinde à criança:

- Conserve sempre a pureza!

8-

- “Protejam nossas crianças!”,

exortou Pelé há anos,

mas as piores mudanças

vieram de desumanos.

9-

Vê-se no noticiário,

muitas crianças sofrendo...

Oh, Deus, que triste cenário

dos inocentes morrendo!

Desenho de PapaTi"a

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Trovas de membros da UBT

União Brasileira de Trovadores - seção de Bragança Paulista

Naquela casa da esquina

a minha infância passei.

Quando ainda era menina

doce paz vivenciei.

Por Myrthes Neusali Spina de Morais

Desde a infância, cultivada,

uma sincera amizade

é qual árvore plantada:

dá frutos em quantidade.

Por Marina Valente

Em cada olhar ... esperança.

De suas bocas ... canção.

Em todo gesto ... bonança.

Lembranças no coração!

Por Cristina Cacossi

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Criança

Por Silvio Parise

Criança, Que brinca, que fala, que briga e que chora, Que canta e que marca, que dança, mente, mas é cheia de graça. Criança, Futuro de todos, verdadeiramente a nossa esperança! Criança, Fruto gerado no ventre De um amor sempre presente, Cuja aliança se reflete Na multiplicação de toda espécie. Criança, Do sorriso vindo das eternas lembranças... Criança, Sinônimo de uma mera segurança. Criança, Que, como a história aponta, Independente da idade, Porque essa, na realidade, Não tem nenhuma importância. E, como o poeta mesmo conta, Completamente livre de preconceitos, A verdade nos mostra Que, nessa existência Gostosa, Criança, somos todos nós, Amantes da voz e de uma eterna prosa.

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Por Sheila Ferreira Kuno

O DBA MASSAGISTA

Estávamos todos ansiosos com a chegada do novo Administrador de Banco de Dados (DBA), pois havia muito trabalho na área de desenvolvimento. Logo pela manhã, uma das garotas que traba-lha na empresa, teve um problema passageiro na coluna e mal conseguia se mexer, ela en-tão se deitou no sofá da recepção para espe-rar o irmão que viria buscá-la. A gerente de recursos humanos Diana, que estava ajudan-do Sofia fechou a porta da recepção para que ela ficasse a vontade. Alguns minutos depois, Emerson, o novo DBA chegou e abriu a porta da recepção. Ao en-contrar Sofia naquela situação, perguntou o que ela tinha. Eles ainda não se conheciam, mas mesmo com dor Sofia lhe explicou, foi quando Emerson, preocupado, começou a massagear suas pernas, dizendo que ela me-lhoraria com aquela massagem. Sofia então começou a gritar: - Socorro, socorro! Tira esse cara daqui, eu não consigo me mexer! Diana correu até a recepção e presenciou aquela cena bizarra. Diana, então repreendeu Emerson, que mesmo sabendo que Sofia não queria sua ajuda, pois não o conhecia, conti-nuou insistindo. Mas Emerson não parou por aqui, ele continu-ou sendo protagonista de outras cenas cons-trangedoras. Quando Emerson participava de implantações de sistemas em empresas clientes, ele costu-mava ir de mesa em mesa e orientar as pes-soas em relação à postura, ao invés de reali-zar suas funções de DBA, atitude que irritava

muitos funcionários. Mais o pior estava por vir, a coordenadora de TI da empresa cliente, Cecília, uma moça mui-to doce e delicada, estava grávida e Emerson adorava conversar com ela e dar dicas de exercício, alimentação e tudo mais. Foi quando um dia Emerson se superou e dis-se para Cecília: - Cecília, por acaso aqui na empresa não tem uma sala reservada, onde você possa ficar de quatro para eu lhe ensinar umas posições de relaxamento, que você poderá fazer com seu marido? Cecília ficou horrorizada com aquela pergunta, mas disfarçou dizendo que não e que eles precisavam trabalhar. Cecília contou o ocorrido para seus amigos e Emerson tornou-se chacota na empresa clien-te. Inclusive fiquei sabendo desta história um mês após a demissão de Emerson, quando eu e meu amigo Sandro fomos a uma reunião nessa empresa e os amigos de Cecília nos contaram.

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MAMÃE Por Erna Pidner Mamãe, me conta uma história bonita pra eu dormir. Eu sou pequenina e tenho medo de bicho e do escuro. Mamãe, me proteja quero lhe pedir. De você eu preciso pra crescer forte e sadia e o mundo lá fora eu enfrentar. Mamãe, eu necessito do seu aconchego do seu carinho e do seu amor. Mamãe, sou criança, mas discernir os laços que unem nós duas, enfim mãezinha querida seja, nessa vida tudo pra mim!

h p://www.nascerbem.net.br/

Nossa infância

Por Mariane Eggert de Figueiredo

Quem nunca sonhou em voltar a ser criança? Pelo menos uma vez na vida? Poder vol-tar a um tempo em que a fantasia permitia todas as coisas imagináveis e aquelas em que criatura alguma ainda ousou pensar...

A infância é uma cama de algodão. Um berço esplêndido. Uma caverna mágica em que tudo é possível. Nela são dados os primeiros pas-sos para a vida. As primeiras experiências do fu-turo indivíduo se constroem. As conexões no or-ganismo se formam. Os órgãos preparam suas funções posteriores a fim de dar ao futuro corpo adulto todas as suas potencialidades. Por isso a infância é também fase de aprendizado, de matu-ração, de preparação.

A infância é, finalmente, um livro de pá-ginas em branco em que tudo e todas as coisas podem vir a serem escritas da maneira que se de-sejar. Todo e qualquer borrão nele feito, trará er-ros de leitura na história posteriormente vivida e contada. Suas cores pintadas deixarão mais ou menos tons, seus caracteres tornarão mais ou menos fácil a compreensão dos textos inscritos.

Nossa infância nos marca para sempre. Nossos pais. Irmãos. Primos, tios, avós, parentes. Nosso lar. A casa, o cachorro, a escola. Lembra-mos de nossa rua e dos vizinhos. Das brincadei-ras e dos castigos. Das rotinas e de detalhes que às vezes esquecidos, afloram à alma ante um cheiro - ah, como fazem bem à alma os cheiros da infância, o da comida de mãe, de avó, de do-mingo! - tudo o que evoca a infância faz bem até ao pensamento.

Mesmo quem já é muito feliz, fica ainda mais feliz quando pode voltar à infância! Ou você nunca voltou em sonhos ou em viagens às paisa-gens em que cresceu? Pense nisso! E certamente será feliz!

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MINHA INFÂNCIA

Por Ju Petek

Serelepe ...

saltitante e agitada,

meu pai me chamava de pipoca

minha vó de massaroca

eu gostava,

quanto mais apelidos

mais corria, saltava,

com os amigos jogava

amarelinha

caçador

passa anel

esconde esconde

policia ladrão

meia meia lua ... 1, 2, 3 !

Tudo era alegria e algazarra

como uma festa sem fim.

Minha infância nas ruas do Passo D'Areia

foram estonteantemente felizes.

Ah! e os dias na casa da vó

brincava com as galinhas

coelhos e porcos.

Meu cãozinho Bob.

Subia nas árvores

e dá-lhe comer maçã, pera, pêssego

no parreiral deliciosas uvas.

E a noites de verão

cadeiras na calçada espalhadas

conversa fiada dos adultos

e a criançada rodava

brincava, jogava

e a vida era uma festa

parecia nunca ter fim.

Até de professor

eu e meus irmãos brincávamos

Até de missa brincávamos

Enfileirávamos cadeiras

e num ônibus imaginário

viajávamos

e a vida era uma festa

parecia nunca ter fim.

Ah os encantos da minha infância

Saudades não tenho

Porque são dias cravados

na alegria do meu coração

h p://sintra-lisboa.olx.pt

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POESIA DA NOSSA INFÂNCIA Por Sandra Berg Lembro-me de nosso quintal Um cercado com cerca de pau, Foi palco das brincadeiras Testemunha já desaparecida Do que a vida foi um dia. Apaches em montarias, Generais em suas brigadas, Espadachins guardiões De um reino dos sete anões, Brincávamos de farda em farda. Cinderela sempre bela À janela dos vagões O príncipe de suas quimeras Que rechaçava vilões Estava sempre a sua espera. Trincheiras imaginárias, Guerreiros ainda em paz Aureolados pelo carinho, Redomados em seu ninho Sob a aliança dos pais. Entre pequenos privilégios Que logo nos são tirados Posto que o tempo, cavaleiro, É mais veloz e contumaz Que a nossa imaginação, Ainda não se compreendia O mundo, um campo em batalha, Onde há também dor e mortalha, Queda e desilusão Que não se cura com mertiolate. Mas, a nossa linda infância, Movia-se num estirão, Pulava-se amarelinha, Nadava-se nos igarapés Tomava-se banho de chuva, Curava-se gripe com rapé. Estórias do Curupira Fazia-nos aquietar Temendo o seu grande pé, Que, ao progresso desmedido, O dito deu marcha a ré! Oh! Nossa infância querida Inspiração a minha alma, Que oculta dor, a requer? Doce inocência perdida Tolhida nos malmequeres da vida.

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Saudade da Saudade

Por Leonilda Yvontetti Spina

Tenho saudade de pitanga, amora,

lírios, dálias, malvas, copos de leite...

(Onde essas flores dos jardins de outrora?)

De bom-bocados, bem-casados, canudinhos

- não havia elaborados docinhos.

Tenho saudade das brincadeiras de roda,

bola-queimada, pular corda, amarelinha,

- me dá foguinho? Vai no vizinho...

O tempo passou bem depressa...

A infância fugiu de mansinho.

Tenho saudade da esperança, verde como a relva macia.

Dos sonhos, da confiança

de ser feliz algum dia.

... Hoje, mamão papaia, cereja, melão...

Frutas sofisticadas em cada estação.

Cadê os sapatos de verniz, de pulseirinha

(band-aid no calcanhar...) e os românticos

boleros com que aprendíamos a dançar?

Não havia pagode, forró, lambada...

Éramos felizes com quase nada.

Apraz-me saborear pitanga, amora,

sentindo o gosto de meu ontem no agora.

Tenho saudade da saudade

que em meu coração florescia.

Saudade da esperança

de ser feliz alguma dia!

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Ímpio florescer Por Ludmila Rodrigues Uma limonada rala talvez a levasse àqueles dias outros. Foi à cozinha e espremeu a fru-ta, misturou água e entupiu de açúcar. Preci-sava de açúcar no sangue e na vida. Foi transportada para os dias azuis de calor, fa-mília por perto, cheiro de banana da terra fri-ta com canela. A casa ainda tinha grama ma-cia, aquele parque construído quando veio a notícia do seu nascimento, o carrossel ainda completamente amarelo. As pessoas da casa eram como permaneciam na parte boa da memória, cheias de um cansaço vivo, grita-vam "menina, pare de girar tão rápido nesse brinquedo" com um sorriso na cara de família boa e alegre, sem mortes, esquecimentos, rancores e amarguras. A menina suada, ves-tido sujo, inundada de infância daqueles dias sorria e gargalhava, não tinha que se preocu-par com escola, somente com a hora do ba-nho que era sempre depois de o sol se pôr. Em seguida, vinha a comida de sempre, mas com gosto de férias, a casa já iluminada pela lua, cabelos limpos esfregando a terra por-que ela olhava para o céu de sua infância. Então, ouvia "menina, você acabou de tomar banho, levante dessa terra", palavras proferi-das por uma gente toda sorridente que tam-bém tinha cara de férias. A verdade é que, mesmo quando não estava de férias, aquela gente era feliz e lindamente cansada. Vinha o sono. Cama quente envolvendo tão bem cor-po de menina exausta que dormia e sonhava com o brincar de esconde-esconde. A escola se encarregava de vestir meninas de flor nas primaveras, a mãe ia assistir ao espetáculo e sempre chorava vendo a menina vestida, vez era de violeta, vez, de tulipa branca. O ano passava com suas estações marcadas, san-duíche e limonada pela manhã, sempre uma vontade que renascia, era o saber da exis-tência das férias, era a certeza de que a feli-cidade não era só o hoje, era ter família com almoço aos domingos e remédio só quando vinha doença de criança. A acidez do limão começava a corroer língua e garganta, esôfago, estômago. A limonada não ficara rala. Doía. Sim, porque estava de férias, mas os dias não voltavam, eles não

voltavam, tudo era tão diferente, meu deus, não havia mais mato em flor na primavera, isso porque também não havia mais menina vestida de flor aos setembros, choro doce de mãe. Não havia mais festa com bolo de ani-versário e bom mesmo era esquecer que to-do ano aquele dia insistia em nascer. Preci-sou-se de remédio para dormir, remédio para acordar, remédio para conseguir ver um dia inteirinho existir. Sabia que casa não havia mais, também não mais havia nada do que antes ficava dentro dela. O cansaço vivo daquela gente ficou no que há de memória: no colorido de livros, filmes, fotos, na ferrugem do carrossel amarelo, nas tulipas brancas de outros setembros.

Conheça o Grupo Literário A Ilha, de Santa Catarina,

encabeçado pelo escritor Luiz Carlos Amorim

h p://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br

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Éramos Crianças!

Por José Cambinda Dala

Jamais me esquecerei

Aquela humilde e pobre infância

Naquela época de muitos problemas…

Ciente das dificuldades

Amamos sempre ir a escola

Relevante mesmo era estudar

Não importava tanto as dificuldades…

Permanecíamos sempre felizes com o ambiente escolar

Aprender e brincar, eram os nossos objectivos

Na escola, nos parques, praias, campos e nas ruas, lá estávamos

Com bastante alegria infantil, seguíamos em frente

Inteligentemente que hoje estamos aqui!

Agora e sempre apenas para recordar.

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LÁ NA INFÂNCIA

Por Madal

Lá na Infância, a vida inscreveu tudo que eu iria editar ao longo do viver.

Os gostos que eu iria ter,

Os desprazeres que era pra odiar.

As imagens que era para amar: o dia nascendo ou o sol se pondo,

o cheiro de terra chuva molhando a terra seca,

o nascimento de todas as sementinhas

com pressa de desabrochar manifestando e testemunhando

o milagre da vida se reproduzindo com beleza e precisão.

Apequena semente como um mágico

rompendo o invólucro que a reveste apresenta com a maior singeleza a grandeza de uma grande árvore contida dentro de si,

primeiro mostra uma folhinha tenra e verde.

É o enigma da vida se manifestando.

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Rei Guilherme, o Breve

Por Eliane Accioly

Me sentia o rei, dono de minha casa e dos bi-chos que por aqui vivem. Tem árvores em vol-ta dela. Sabiás, bem-te-vis, maritacas, papa-gaios, uma coruja branca e outra rajada, e os gaviões. Ah, e Chiquinha, cadela de uma raça Sul Africana, que papai acha foi maltratada antes de vir pra nossa casa. Ela é carente, e tem medo de chuva, principalmente as de raio e trovão. Como sei que Chiquinha é carente? Desde bebê ela mostrava os dentes para qual-quer pessoa de fora, até para minhas avós Eli-ane e Gisela, que ainda hoje falam com ela como se a cachorra fosse gente. Acho que fa-zia isso por medo de ser machucada. Minhas avós fizeram de tudo para conquistar a Chiqui-nha, e acho que agora as três são boas ami-gas... mas colocar a mão no bicho nenhuma das duas coloca, apesar de bem tratá-la.

O cuidado de minhas avós com as próprias mãos veio depois de Chiquinha dar-o-chega-pra-lá na Oma, marcando seu braço com os dentes. Só arranhou, mas Oma sentiu-se traí-da. Se fosse comigo eu também me sentiria. Olhei para vovó Eliane e vi nela um descon-certo. Desconcertar é quando a gente se sente desconjuntado, assim meio fora do lugar. Ofi-cina pra concertar gente não tem, como pra

concertar sapato e roupa. Um dia Alicia, nossa vizinha andava pela rua com os netos João, Pedro e Antônio, que são menores que eu. Do lado de dentro do portão Chiquinha esgoelava pros quatro. Passeavam na rua, e nem iam entrar em casa. Fiquei curi-oso e vim ver que barulhão era esse que mi-nha cadela fazia, e parei pra conversar. Alicia falou: _ Chiquinha é muito brava?! Respondi que não, não era braveza, ela era carente. Contei pra Alicia e pros meninos co-mo imaginamos a história de infância de Chi-quinha. Alicia, colega de vovó Eliane, as duas são terapeutas de gente, não de cachorro. Bem, ela e os netos ficaram me ouvindo. Alicia que sempre conversa muito dessa vez ficou calada, só me olhando. Depois vovó contou que ela ficou impressionada comigo e não com Chiquinha. Se entendi bem, Alicia me acha um filósofo. Perguntei pro Papa o que é filósofo, tive dúvi-da se era elogio ou xingação. Papa contou que filósofo é um homem que pensa. Pensar penso, mas será que sou filósofo? Ah, é coisa de gente grande, nem sei se quero ser filóso-fo, por enquanto gosto de surfar. Mas do que tenho saudade é de quando eu era o rei de minha casa, e daquele quintal. Até pensava em mim como Rei Guilherme. Aí aconteceu: Um casal de gaviões fez ninho no abacateiro e botou ovo. O gavião achava que era o dono de tudo aquilo. Falei pro Papai: "Não é justo, você que paga o IPTU". "O gavião não sabe disso", Papai disse.

Os ovos foram o máximo. A gente podia ver do escritório da Mama. No jardim o gavião da-va rasantes em todo mundo que passava per-to do abacateiro.

h p://cachorrosblogs.blogspot.ch/

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Aconteceu comigo e com todos nós. E come-

cei a duvidar de meu reizismo. Pedi pro papai

expulsar o gavião, o que ele recusou, o IBA-

MA ia brigar. E o bicho me derrubou. Me atirei

de barriga ao chão, pra não ser atingido pelo

rasante dele. Zanguei-me deveras quando Pa-

pa falou em comprar um capacete de moto-

queiro pr´eu andar no jardim. Respondi:

_ Papa, está maluco? Aqui quem manda sou

eu! Se o gavião quiser ele que use capacete!

_ Por que? Você dá rasante nele?

_ Claro que não, se nem voo!

Bem, Papa não comprou capacete nenhum,

no lugar disso assistimos dia a dia os ovos

chocados. E cada gaviãozinho deixar o ninho,

crescer e poder voar. O ninho vazio o gavião

não ataca mais. Sem dos filhotes pra proteger

está calmo. Desistir do abacateiro não desiste.

Nem ele nem a fêmea. Outro dia quem quase

pagou o pato foi um papagaio, xereta de aba-

cate. Achei que o papagaio ia pro papo. O ga-

vião voava e assentava num galho de cima, e

a gaviona assentava no galho de baixo. Caça-

vam juntos. O papagaio xereta pulava de ga-

lho em galho. Os gaviões cercavam o bicho

verde e laranja, gritando feito um montão de

maritacas. Teretecoteteco, barulheira de um

bando, não de um só. O papagaio fugiu. Barri-

ga cheia de abacate os gaviões deixaram, não

precisavam de carne de papagaio, que deve

ser dura de roer.

Desisti de ser rei e não só daquele pedaço.

Muito custoso ser rei. Se eu fosse rei odiaria

gaviões. Agora sei que nem Chiquinha é mi-

nha. Ela acha que é a minha dona, de meus

pais, da minha irmã e da nossa casa. Vai ver

por isso deu o chega-pra-lá na Oma. Se bobe-

ar, Chiquinha acha que é dona até dos gavi-

ões. Bicada não vai levar, odeia abacate.

ANIMAIS EM CIRCOS NA GRANDE MAIORIA DAS VEZES NÃO SÃO BEM TRATADOS.

SÃO FORÇADOS A ATIVIDADES NÃO NATURAIS PARA SEREM “TREINADOS”.

E ISTO APENAS PARA O ENTRETENI-MENTO DOS HUMANOS.

SEJA HUMANO, BOICOTE CIRCOS COM ANIMAIS!

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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MENINO DE RUA

Por Marcos Toledo

Sentado a beira da calçada, ali de cabeça baixa, sem olhar para nada e ninguém.

Transeuntes sequer olhavam-no, mas também ele sequer levantava a cabeça para vê-los.

Do outro lado da rua aquela figura, cha-mou-me atenção, passei a observá-lo sem ser observado por ele.

Vez por outra ele levantava a cabeça, olhava para o céu por instantes e voltava a baixá-la, com a mão corria pelo chão como que escrevesse algo.

Já se fazia quase meia hora que estava ali e nada dele receber algum tipo de ajuda, ou ser importunado por alguém. Resolvi atraves-sar a rua e ficar mais próximo dele. Estranho o que estava acontecendo, pois já era hora de estar no trabalho, mas lá estava eu observan-do um menino de rua, em mais uma atividade que mais sabia fazer. Nada.

Uma hora se passara, olhei para o relógio e resolvi ir perto dele oferecer-lhe algo para comer.

- Oi menino, tudo bem com você?

- Sim, está!

- Posso oferecer-lhe algo para comer?

- Não! Já comi!

- Posso fazer alguma coisa para lhe aju-dar?

- O senhor já fez!

- Hã! Como assim?

- O senhor não estava ali me observando, há algum tempo?

- Estava! Como sabe?

- Eu o vi e, por isso, estou aqui sentado.

- O que tem a ver, ter me visto e estar aqui sentado?

- É que eu não queria que você fosse pa-ra o trabalho agora!

- Por quê?

- Porque o senhor ia morrer no elevador e

minha obrigação é lhe proteger.

-Proteger-me? Eu ia morrer? Agora, além de menino de rua ainda é vidente?

- Não sou vidente, sou seu anjo da guar-da.

- Ah, tá, meu anjo da guarda... Assim neste trajes? E como posso saber se é verda-de?

- Olhe em volta e veja que estão lhe ven-do conversar sozinho, estão rindo de você.

Olhei em volta, realmente estavam pas-sando e olhando para mim, quando voltei os olhos para o menino, ele não estava mais ali.

Meio envergonhado, levantei-me, pois estava de joelhos no chão e fui para meu tra-balho. Chegando lá, todos do prédio estavam na rua, pois o elevador havia despencado, por sorte não tinha ninguém dentro.

Voltei a trabalhar normalmente, mas nun-ca mais deixei de acreditar que alguém lá em cima me protege.

AMÉM

FOTO DE JOSÉ FERREIRA

h p://radyrgoncalves.blogspot.ch/

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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... letras sós, só letras...

Por Felipe Cattapan

a criança só soletra a letra impressa sem pressa passado futuro só presente: presente do presente só presente no presente - a surpresa permanente da descoberta constante de um som em um desenho: nem vogal nem consoante, só música soante; cada letra é só o que é: foi e é sendo e será, sem saber qual foi nem qual virá; - dura e perdura... na eternidade sem idade. ... ainda não há a verdade - que só surgirá com a idade e com a vinda da soma de muitas letras decompostas em palavras. (ainda não há a solidão desta verdade: o verdadeiro sentido da soma destas palavras é só tentar recompor a cartilha do tempo esquecido).

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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BIA, BEATRIZ

Por Júlia Rego

Estive pensando em como as crianças deste tempo tem o poder de nos surpreender. Costumo passar o dia de sábado com Beatriz, quando es-tou de folga, e, geralmente, programo um passeio, que varia entre shoppings centers, teatro ou cinema. A depen-der da vontade dela, claro! Nesses dias, arruma-se da forma mais caprichada possí-vel, ela mesma escolhendo o figurino, coisa que não nos seria permitida há alguns anos atrás, e, toda serelepe, põe bolsinha, pulseiras, colar e, claro, o brilho nos lábios. E não adianta dizer-lhe que é ainda uma criança e não lhe cabe usar esses complementos e, menos ainda, incorporar trejeitos de mulher adulta. De dedinho em riste e mãos na cintura, ensaia um ar de autoridade, ignorando minhas observações, e puxa-me pela mão. Só me resta pegar minha própria bolsa e segui-la, rumo à porta da rua. Nosso destino? Adivinhem? Como uma criança filha da pós-modernidade e fruto do mundo capi-talista com suas irritantes imposições, preferiu ir ao shopping. Não que não goste de ir a teatro, parques, circos, ou outros programas mais infantis, mas, nesse dia, seu espírito de passarela estava aflorado. Entre fascinantes e luxuosas lojas de roupa, a pequena se mistura entre pernas de mulheres fre-néticas, em busca de beleza, qualidade e preço, e braços de vendedores ávidos por empurrar o último lançamento das fashions weeks nacionais e internacionais. Esforço-me para não perdê-la de vista, tento agarrar seu bracinho, desesperada, mas ela ali está, olhinhos brilhando diante dos tecidos multicoloridos, transformados em roupas de princesa, sonho de consumo de quase todas as mulheres, ainda que pequeninas. Insiste para que eu lhe solte e, ao mesmo tempo, que lhe compre aquele vestido rosa, brilhante e lindo pendurado na sessão teen. Chora, esperneia como se estivesse diante de um brinquedo interessante, mas dessa vez eu não cedo a seus ca-prichos e convenço-a de que aquela roupa não lhe serve, ainda. Ela só tem seis anos, meu Deus! E sua infância, onde fica? Acho que não foi uma boa ideia ir ao shopping... Depois de travar uma luta para conseguir sair dos, digamos, recintos perigosos para uma crian-çola cheirando a fraldas, vamos à sessão de cinema. Pipoca, guaraná e milk-shake. Sim, afinal de contas ela é, sim, uma criança! Entre vozinhas barulhentas e olhinhos curiosos, nos acomodamos nos assentos, mas noto certa inquietação diante da iminência do escuro, resquícios do efeito de histórias infantis que remon-tam a antiguidade. Ponho-a em meu colo, por fim. Tagarela durante todo o filme, perguntando, vibrando, fazendo observações, rindo, numa inquie-tude pueril típica que, ora me encanta, ora me impacienta. Quero assistir ao filme, externar meu lado infantil, já que o dela anda um pouco duvidoso. Final do filme, emoção, os bichinhos do bem saem vencedores e a criançada vibra de alegria com seus heróis. Está na hora de voltarmos para casa, mas, surpresa! Beatriz quer parar numa livraria que avis-tou de longe. Como resistir a esse delicioso desejo de uma menininha nessa idade? Reflito que essa tal contemporaneidade tem lá suas vantagens, quando, em outra época, nos interessaríamos por entrar numa “biblioteca”, segundo ela, dentro de um Shopping Center...

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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Uma das coisas que mais me deixam feliz é vê-la

sentadinha, folheando páginas de histórias que a

remetem ao reino mágico da imaginação. Feliz da

criança que se atrai e é atraída para esse fantás"co

caminho.

As horas passam e Bia não se cansa de par"cipar

daquele mundo encantado, passando de um livro a

outro numa ansiedade frené"ca e surpreendente.

Depois de dúvidas intermináveis sobre qual deles

iria levar, compro-lhe um volume colorido e repleto

de histórias incríveis. Vibro de alegria por antever,

ali, uma herdeira de um dos meus mais caros praze-

res.

Mas é hora de voltar para casa!

O caminho de volta é permeado por uma sucessão

de perguntas, comentários, movimentos interminá-

veis e caracterís"cos de uma menininha esperta.

Volta e meia, lembra do ves"do que ficou para trás

e lamenta por eu não ter comprado, prometo-lhe

que, quando ela "ver 10 anos, volto para comprar.

Dez não, rebate ela, oito! E sou obrigada a concor-

dar, mais para encerrar a conversa do que como

promessa real.

Chegando em casa, enfim, tento "rar-lhe a roupa, e

fazê-la descansar, mas o dia não "nha acabado, ain-

da, e agora é hora de fazer os personagens saírem

dos livros.

De repente, improvisa ves"do longo e rodado, sa-

pa"nhos de cristal, agora ela é a Cinderela e eu, cla-

ro, sou o príncipe que a levará ao castelo para o fi-

nal feliz.

Toda sua imaginação vem à tona e uma infinidade

de roupas, sapatos e contos de fadas se desenrola a

minha frente. Hora sou personagem, hora sou nar-

rador. E ela, sempre, as belas e maravilhosas prin-

cesas.

O tempo para ela não passa, mas eu estou exausta,

e os personagens também, mas ela não dá sinais de

querer dormir.

Quando, finalmente, seus olhinhos começam a co-

çar, chama-me a um canto e diz, “vovó você me ni-

na”?

Seu olhar suplicante me enternece. Pego a minha

criança no colo e, apesar dos seus quilinhos já me

doerem as costas, embalo-a, cantando Boi da Cara

Preta, Dorme Neném, Ciranda Cirandinha, o Cravo e

a Rosa, A"rei o Pau no Gato, Se essa rua, se essa

rua fosse minha...

Ela se entrega a seus sonhos encantados, povoados

de princesas ves"das com ves"dos brilhantes, cor

de rosa, lindos príncipes montados em cavalos

brancos, fadas, bruxas e duendes, reis e rainhas,

lobos maus e vovozinhas, piratas e pós de pirlim-

pimpim...

E dorme...

Nesse momento, meus olhos também começam a

coçar, não de sono, mas de emoção.

Deixo as lágrimas caírem, admiro seu ros"nho an-

gelical, compreendendo que a menina Beatriz é,

sim, uma criança, uma criança, muito, muito feliz.

Levo-a para a cama, mas, antes, de deitá-la, ainda

lembro-me de uma canção que fiz para ela, quando

nasceu.

Beijo seus cabelos e a aperto contra meu peito, can-

tando baixinho:

“O Anjo Gabriel desceu do céu

Para ninar a menina Beatriz

Dorme, dorme, dorme Beatriz

Dorme, dorme, dorme

Oh, menina tão feliz”

Deito-a, mansamente, na cama, e então "ve a cer-

teza de que ela dormia, protegida pelas asas do

amor.

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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Quando eu era pequena

Por Krisiane de Paula

Quando eu era pequena gostava de brincar.

Nas férias eu ia à casa dos meus avós bagunçar.

Lá tinha plantações que eram cuidadas pelo vovô João.

Eu nunca estava sozinha, eu tinha duas priminhas, que mesmo mais novas, eram minha tur-

minha.

Uma delas, a Gigi, gostava da plantação de abacaxis, e a mais novinha, a Kelinha, era

cuidadosa com as galinhas e eu, a Krikri sempre gostei das florzinhas.

O dia passava voando entre as brincadeiras que escolhíamos em todos os cantos.

Até a vovó desconfiava da nossa animação.

O problema era o vovô João que ficava de marcação, afinal, era na sua horta a nossa curti-

ção.

E quando as férias iam acabando, nós ficávamos pensando no dia de voltar para mais

confusão aprontar.

Varal do Brasil setembro/outubro 2012

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COCADA BRANCA

Ingredientes da Receita de Cocada Branca: 3 + ½ de Coco ralado 4 xícaras (chá) de açúcar 5 cravos da índia

1 xícara (chá) de água Canela em pau Modo de preparo da Cocada Branca: Primeiramente coloque o açúcar e a água em uma panela em fogo alto até que for-

me uma calda, não precisa mexer, o ponto certo é aquele semelhante a uma bala

mole. Assim que der o ponto retire do fogo e acrescente o coco, os pedaços de ca-

nela em pau, e os cravos da índia. Coloque novamente a panela no fogo e mexa sem

parar, até que a calda adquira novamente ponto de bala mole, retire do fogo e com

uma colher retire quantias formando montinhos e coloque em uma superfície lisa

para que a cocada esfrie. Depois é só saborear.

Fonte: h<p://www.mundodasdicas.net/

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