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Viajando pelos Canais do Rizoma
Ingrid Esmeralda Schmidt1
“Oh! Bendito o que semeia Livros...livros à mão cheia... E manda o povo pensar! O livro caindo n’alma É germe – que faz a palma, É chuva – que faz o mar”.
Castro Alves Resumo
A aversão que os alunos têm à leitura e o alto índice de fracasso escolar muito nos têm preocupado como professores. Daí decorre a necessidade de projetos de leitura para construir e reproduzir significados, apropriação da cultura e aquisição da linguagem para o pleno exercício da cidadania, pois pesquisas nos mostram que uma boa parte da população brasileira não tem condições de interpretar criticamente o que lê. O presente trabalho de implementação, por meio da leitura rizomática, procurou despertar no aluno o gosto pela leitura, uma vez que ela é fundamental para um bom aproveitamento escolar. Esta proposta de trabalho apresenta subsídios na construção de uma metodologia que prioriza o papel do leitor. Para o desenvolvimento do projeto, partiu-se de uma crônica de Fábio Reynol sobre a falta de leitura no Brasil. A partir da leitura desse texto, buscou-se interligá-lo com romances, poemas, obras de arte, artigos, músicas e filmes na focalização de outros temas (platôs) que despertassem a curiosidade dos alunos numa investigação abrangente. Utilizaram-se ainda estratégias de leitura para facilitar a compreensão e aprendizagem dos textos. Este projeto foi desenvolvido em um Colégio Estadual do Município de Ponta Grossa/Pr do qual participaram 109 alunos do Ensino Médio e 45 alunas do Curso de Formação de Docentes. A metodologia empregada procurou redimensionar o trabalho com a língua portuguesa no sentido de ampliar os níveis de leitura dos alunos. Dessa forma, o trabalho com a leitura em uma perspectiva rizomática proporcionou aos alunos uma maior reflexão sobre o ato de ler. Palavras-chave: Práticas de leitura. Leitura rizomática. Intertextualidade. Formação de Leitor. Abstract The aversion that students have to reading and the high rate of school failure have worried us as teachers a lot. From that, there is a need of reading projects to build and reproduce meanings, appropriation of the culture and acquisition of the language, for the full exercise of the citizenship, because researches show us that a good part of the Brazilian population doesn't have conditions of interpreting critically what is read. The present implementation work, through the rhizomatic reading, tried to awakening in the student a taste for reading, once it is essential for a good school progress. This work proposal presents subsidies in the construction of a methodology that prioritizes the reader's role. For the development of the project, it was set out by a chronicle from Fábio Reynol about the reading lack in Brazil. From the reading of that text, it was tried to interconnect it with novels, poems, works of art, articles, music and films in the focus of other themes (plateaus) that could awakening the students' curiosity in an including investigation. Reading strategies were still used to make easier understanding and learning of the texts.That project was developed in a State School from Ponta Grossa/PR. A hundred and nine students from High School and forty-five students from Teacher Formation Course participated in the Project. The methodology that was used tried to give another dimension to the work with Portuguese language in order to improving the students’ reading levels. In that way, the reading work in a rhizomatic perspective provided to the students a deeper reflection about the act of reading. Word-key: Reading practices. Rhizomatic reading. Intertextual. Reader Formation.
1 Licenciatura em Letras pela FECLI/89 e Especialização em Língua Portuguesa pela TUIUTI/95.
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Entendendo a questão da leitura
O presente artigo relata a experiência desenvolvida com o Projeto de Leitura
Viajando pelos Canais do Rizoma implementado no Colégio Estadual Instituto de
Educação Professor César Prieto Martinez com alunos do Ensino Médio e do Curso de
Formação de Docentes. A implementação do Projeto tomou a leitura em uma
perspectiva rizomática como eixo do trabalho pedagógico desenvolvido em sala de
aula. O suporte teórico para essa abordagem da leitura esteve assentado em Deleuze e
Guattari (1995) em se tratando do rizoma, e em Solé (1998) para discutir e implementar
as estratégias de leitura.
Muito nos têm preocupado o espaço que a leitura ocupa na vida de crianças e
adolescentes. Estudiosos apontam caminhos para uma prática mais consciente e
produtiva quando afirmam que é preciso formar leitores que questionem, que se
incluam no contexto social para que possam participar da conquista de uma sociedade
mais justa.
A leitura é um processo que está amarrado à educação de indivíduos e mesmo
assim, ainda hoje, existe, por parte dos alunos, uma grande aversão a ela. A escola,
como agência educativa, não pode ignorar o seu papel de questionar sobre a sua
atuação na formação de leitores críticos e assumir o compromisso de incentivar o gosto
pela leitura.
Para isso, a escola deve estar atenta para responder questões como: Por que
os alunos não gostam de ler? Como fazer para desenvolver esse gosto pela leitura? O
que realmente significa ler na sala de aula? A metodologia usada, por nós professores,
no trabalho com a leitura, tem surtido os efeitos desejados? Estamos trabalhando em
conjunto com outros profissionais conscientes também de seus papéis como
formadores de leitores? Qual o papel da escola na formação do leitor?
Tendo essas perguntas como pano de fundo, desenvolvemos o projeto
Viajando pelos Canais do Rizoma. O fio condutor do referido projeto foi estabelecer
relações entre texto e contexto, denominadas “relações rizomáticas2” com a intenção de
2 Segundo Silvio Gallo, o rizoma rompe com a hierarquização, tanto no aspecto do poder e da importância, quanto no aspecto das prioridades na circulação, que é própria do paradigma arbóreo. No rizoma são múltiplas as linhas de fuga e, portanto, múltiplas as possibilidades de conexões, aproximações, cortes, percepções, etc. Ao romper com essa
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possibilitar ao leitor, percorrer, a partir de um tema, caminhos interligados, produzindo o
entrelaçamento dos textos numa multiplicidade semântica. A proposta visava à
aproximação dos alunos com o livro, uma vez que muitos deles nem sempre conheciam
o prazer da leitura.
A relevância do presente estudo está em apontar uma nova forma de subsidiar
a prática de leitura na sala de aula auxiliando no processo de ensino/aprendizagem. Tal
prática de leitura, voltada para o Ensino Médio, pode ser estendida para todas as séries
do Ensino Fundamental desde que se delimite a extensão de sua complexidade e
abrangência. Freire nos alerta de que mudar é difícil, mas é possível, e que é
necessário renovar saberes para que se ilumine a prática. (FREIRE, 1996, p. 79).
Dos muitos desafios que o professor tem, um deles é aguçar a curiosidade do
leitor prendendo a sua atenção, pois ele é o mediador entre o aluno e as idéias dos
autores que, explícitas ou implícitas, serão mais facilmente assimiladas. Para confirmar
essa idéia, Faraco & Castro (2000) certificam:
Em suma, uma boa leitura tem de ser capaz de preencher os claros e os implícitos indicados pelo texto, reconstruindo dessa forma o referencial amplo do dizer do autor. Esse é o primeiro passo na direção de uma possibilidade valorativa do aluno em relação ao texto do autor. A nosso ver, esse deve ser um dos grandes objetivos do trabalho de leitura, uma vez que o exercício de confronto com a palavra do outro é um fator preponderante na formação da subjetividade discursiva do nosso aluno. (FARACO, 2000, p.31)
Mas, seria essa uma responsabilidade que cabe somente ao professor de
Língua Portuguesa ou um exercício constante de todos os profissionais da educação?
Sabemos que é com cooperatividade que se alcançam melhores resultados, portanto, a
leitura precisa estar ligada e se fazer presente de maneira constante em todas as
disciplinas e áreas da educação.
Considerando a influência da mídia em suas diferentes materialidades, as
pessoas, de modo geral, gastam um tempo enorme em frente à TV e mesmo com
outras formas de entretenimento, relegando a um segundo plano a leitura, o que nos
leva a refletir: “O que acontece nesta relação leitor/leitura?” Muitas vezes, isso também
hierarquia estanque, o rizoma pede, porém, uma nova forma de trânsito possível por entre seus inúmeros “devires”. (REVISTA IMPULSO, 1.Revista de Ciências Sociais e Humanas-vol.10,1997,nº21).
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diz respeito a alguns profissionais da educação que não trabalham a leitura porque não
lêem. Afinal, o Brasil é um país que lê pouco?
Esse questionamento pode ser respondido pela reportagem da Revista Época,
em julho de 2001. Uma pesquisa nacional, realizada por essa revista, revela que os
brasileiros gostam de ler. Aponta que 53 milhões de pessoas são leitoras, porém, o livro
ainda é um artigo de luxo devido ao seu custo elevado. Ressalta que a má distribuição
da leitura no Brasil se confirma quando se nota que o livro é companhia freqüente de
minorias e que o país tem de melhorar as condições de acesso a ele se quiser
multiplicar sua base de leitores. Diz ainda que o costume de ler é fruto do ambiente,
escolaridade, nível socioeconômico e até hábito dos pais influenciam na formação de
leitores.
Nessa pesquisa, a Profª Drª Marisa Lajolo, pesquisadora das questões sobre a
leitura, faz uma ressalva quanto ao estereótipo de que ler é positivo, o que pode levar
as pessoas a dizer que lêem. A reportagem assevera que “além de melhorar as
condições materiais é preciso valorizar a figura do livro e o ato da leitura. É uma
questão de inclusão social”. Na mesma revista, Luiz Percival Leme de Britto, Prof Dr da
UNISO, afirma que o mundo globalizado contemporâneo tem como condição de
participação o domínio da leitura e da escrita.
Em seu artigo “Afinal, a formação de que leitor?”, Paulo Condini nos alerta de
que números e estatísticas podem ser enganosos. (CONDINI, 1999, p.116). Lembra
que é preciso atentar para o fato de que mais de setenta por cento dos livros publicados
ao ano são didáticos, sendo que centenas de milhares de obras distribuídas acabam
estragando-se em caixas que nunca foram abertas. A quantidade aparentemente
imensa de exemplares publicados, no país, não corresponde nem a dois livros, por
habitante, ao ano. Quando Condini afirma que o Brasil não é um país leitor, não deixa
de considerar as milhares de obras vendidas, jornais, revistas, volumes de literatura de
cordel e as cifras milionárias dos livros didáticos. Propõe ainda o autor uma reflexão
corajosa sobre a premente necessidade de mudar a escola e a ampliação de eficientes
programas de leitura já existentes no país, reconstruindo aqueles que foram
desativados.
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Confirmando essa realidade, Martins (1999) afirma que “fora do âmbito
intelectual e informalmente, é possível generalizar sem risco de erro: o brasileiro não se
reconhece como leitor ou se considera “mau leitor”, gostaria de ler mais. Para a maioria,
ler é sinônimo de ler livros ou, se tanto, qualquer matéria impressa.” Martins (1999, p.
291)
Dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) revelam que a
leitura e o domínio da linguagem são os pontos fracos da educação brasileira. Entre os
32 países submetidos ao exame para medir a capacidade de leitura dos alunos, o Brasil
é o pior deles. A julgar pelos resultados do PISA, divulgados no dia 5 de dezembro de
20023, os estudantes brasileiros pouco entendem o que lêem; a pesquisa avaliou
sobretudo a compreensão de textos em alunos de 15 anos.
Em uma entrevista dada à Revista Língua Portuguesa em maio deste ano, a
especialista em lingüística textual, Ingedore Villaça Koch, demonstrou sua insatisfação
quanto ao resultado da Prova Brasil, do Inep, 2006, o qual revelou as dificuldades de
alunos da 4ª e 8ª séries quanto à leitura. Ela ressalta a necessidade de expor os alunos
a muita leitura para que esses despertem o prazer de ler e de escrever textos.
Questionada quanto ao ensino gramatical, argumenta que “é preciso priorizar a
construção do texto, mas deve haver momentos de reflexão sobre os elementos da
língua que permitem isso.” (KOCH, 2007, pág.14). Discute o fato de que o professor
precisa mudar a concepção de leitura e de escrita que se usa em sala, não colocando o
foco só no autor, no leitor ou no texto, mas em todo o tripé, porque o leitor é um
construtor de sentido e que, quanto mais acumula saber, mais a fundo ele chega.
Se a leitura é crucial para a nossa formação, o que fazer e de que modo para
que o brasileiro leia mais? O atraso na capacidade de leitura da população estaria
ligado à aprendizagem desde os primeiros anos de escola?
Para os pais, a escolarização pretendida aos seus filhos, limitava-se, muitas vezes, às primeiras letras. Isto quer dizer que as crianças deviam ser capazes de decifrar, mesmo que com muito esforço, uma escrita que penetrava cada vez mais na vida quotidiana de todos. Ler se confundia com memorizar. Os métodos pedagógicos em uso contribuíam para essa confusão, uma vez que as práticas de leitura se resumiam ao fato de o aluno ler e reler um texto em voz alta, várias vezes, até que, quando solicitado, se mostrasse capaz de
3 Ano em que se deu maior ênfase à Língua Portuguesa
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reproduzi-lo imediatamente. A leitura não passava de um mero exercício, estava ausente dos programas escolares enquanto aprendizado inicial e não era um instrumento privilegiado na escola. Esse quadro começou a mudar quando, no final do século XVIII, uma nova escolarização é forjada tendo uma cultura técnico-científica como eixo de produção-transmissão de conhecimentos. (SAVELI, 2003, p.22).
Mesmo antes de nascer já entramos em contato com as palavras, depois
vamos aprendendo a nomear e a dar sentido a tudo que nos cerca, fazendo a nossa
leitura de mundo, pois a leitura desponta com a vida. Dessa forma, a sala de aula não
deve ser um local de exercícios vazios e repetitivos os quais geram certo temor nos
alunos uma vez que eles não entendem o que estão decorando. Temos medo e não
gostamos daquilo que não entendemos. Portanto, a sala de aula deve se tornar um
espaço de leituras significativas porque o ato de ler deve ser baseado na construção de
sentidos. Apesar desse quadro do qual Saveli (2003) nos fala começar a mudar no final
do século XVIII, ainda hoje encontramos a memorização na prática docente.
Ler não é apenas um processo mecânico de timbre de voz e entonação, é muito
mais amplo e complexo. Para ler é preciso participar da leitura e se envolver nela, pois
a vivência com a leitura fará com que o jovem organize e desenvolva seu raciocínio
lógico. Esse processo de envolvimento se torna importante no hábito de ler porquanto
só aprendemos a tocar um instrumento tocando, só aprenderemos a ler, lendo, e muito!
“O livro será tanto mais agradável quanto mais o aluno embrenhar-se no conteúdo
humano contido no texto” (AGUIAR, Apud Zilberman, 1986, p.87).
Paralelamente a essa idéia, Freire diz que:
(...) Os alunos não tinham que memorizar mecanicamente a descrição do objeto, mas apreender a sua significação profunda. Só aprendendo-a seriam capazes de saber, por isso, de memorizá-la, de fixá-la. A memorização mecânica da descrição do objeto não se constitui em conhecimento do objeto. Por isso é que a leitura de um texto, tomado como pura descrição de um objeto feita no sentido de memorizá-la, nem é real leitura, nem dela, portanto, resulta o conhecimento do objeto de que o texto fala (...). Aprender a ler e a escrever não é decorar “bocados” de palavras para depois repeti-los. (FREIRE, 2005, p.17 e 56).
O autor lembra que a memorização do objeto não é aprendizado verdadeiro do
objeto ou do conteúdo. Aprender é construir, reconstruir, constatar para mudar.
(FREIRE, 1996, p.69).
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Essa compreensão do texto possibilitará correlacionar as idéias para as
inferições que o leitor deverá fazer porque a leitura não é só decifração, é
preenchimento. Somente o que se entende é o que fica, porque a leitura significativa
não só completará esse leitor pela necessidade de saber, como irá também modificá-lo.
Ocorre, dessa forma, o entrelaçamento entre leitor e leitura, pois ao lermos, uma parte
de nós se integra ao texto, ao mesmo tempo em que violamos a leitura, ela aos poucos
nos invade, tornando assim possível a interiorização do conhecimento.
Gurgel (1999, p. 209) afirma que “O leitor é aquele que colhe, no tecido, os fios
que, tecidos, vão constituir suas histórias de leitura”.
Lajolo atenta para:
O que é complexo – ou melhor, complexa, no bom texto – é a relação que ele permite instaurar entre ele (texto) e seu leitor. Esta relação é tanto mais complexa quanto mais maduro for o leitor e melhor (literariamente falando) for o texto. Há, então, que expor o aluno a uma gama variada de textos, se realmente se quer que ele melhore sua leitura. E melhorar, aqui, nada tem a ver com memorização ou velocidade de leitura. Tem a ver, isto sim, com níveis sucessivos e simultâneos de significados que o leitor (aluno) vai construindo para o texto. (LAJOLO, Apud Zilberman, 1986, p.58).
Para conseguir tal êxito, é importante a interação entre leitor e texto. O
professor deve levar em consideração a bagagem que o aluno já possui e o texto a ser
estudado.
Outro fator importante é variar, sempre que possível, os gêneros textuais para
oportunizar ao aluno a compreensão mais ampla deste universo, evitando limitá-lo. Os
textos podem correlacionar-se de diversas maneiras e o leitor descobrirá aos poucos
textos mais interessantes, com mais vida e significação.
Contando a experiência pelos Canais do Rizoma
O que é afinal “leitura rizomática”? Para que possamos nos inteirar com
probidade da questão rizomática da leitura, imaginemos este estudo dividido em quatro
atos, isso porque, ao percorrer várias áreas, neste trabalho especialmente a história, a
poesia e a música, o teatro aqui, já se mostra como um rizoma, aberto e de diversas
formas.
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I ATO – Conceituando o Rizoma
Entendíamos ser a diversidade textual que enriqueceria o conhecimento do
aluno. Assim, para despertar o gosto pela leitura e ao mesmo tempo estimular a
criticidade no aluno, trabalhamos com a leitura numa perspectiva rizomática, pois a
leitura precisa ser múltipla, assim como o rizoma. Baseado nas idéias de Deleuze e
Guattari (1995) e sinalizando essa possibilidade de estabelecer uma comparação entre
as metáforas do rizoma e da árvore sobre a estrutura do conhecimento, as DCEs
apontam:
O rizoma se contrapõe à arvore que, com sua verticalidade, constitui metáfora da autoridade inquestionável, do dogma, da tradição não reflexiva, dele reprodutora. O rizoma sugere mobilidade que leva à libertação do pensamento em relação à linha do tempo, o que permite valorizar a elaboração de mapas de leituras mais do que imobilizá-las na história. (DIRETRIZES CURRICULARES DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA, 2006, p. 39).
Deleuze e Guattari (1995, p. 32) resumem os principais caracteres de um
rizoma como sendo o oposto da árvore ou de suas raízes, pois “o rizoma conecta um
ponto qualquer com outro ponto qualquer e cada um de seus traços não remete
necessariamente a traços de mesma natureza. [...] O rizoma, que não é feito de
unidades, é composto de dimensões, de direções movediças, não tendo começo nem
fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda”.
O que precisa ser levado em conta, é que a leitura não pode estar associada
somente ao livro de literatura e, muito menos, ao livro didático, o qual transmite ao
aluno um conhecimento fragmentado, alienado e distante da realidade. Para que o
aluno se sinta mais próximo aos textos, é preciso que esses estabeleçam uma estreita
ligação com o leitor por meio de um repertório comum e de uma linguagem coloquial
trazendo fatos do dia-a-dia. Textos como crônicas, músicas, poesias, charges, podem
transformar-se numa leitura prazerosa e natural, além de levá-los a refletir.
Dessa forma, a concepção de leitura que está presente nas Diretrizes
Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação Básica (2006, p. 31) é:
Ler é familiarizar-se com diferentes textos produzidos em diferentes práticas sociais – notícias, crônicas, piadas, poemas, artigos científicos, ensaios,
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reportagens, propagandas, informações, charges, romances, contos etc. –, percebendo em cada texto a presença de um sujeito, de um interesse.
Esses princípios fundamentais nos levam a refletir sobre a proposta de Martins
(1999), quando nos afirma:
Enfim, postando-nos numa perspectiva letrada convencional, o quadro brasileiro não só tende à penúria cultural, como revela um estado educacional assustador. Porém, descartando a ingenuidade e o espírito de missão, se não nos deixarmos ficar tomados pelos empecilhos, paralisados, e respeitando-nos, ainda temos chance de pôr à prova nossa imaginação e inteligência: há muito material significativo, não raro pouco dispendioso, que pode ser explorado de forma conseqüente no âmbito escolar e acadêmico. (...) Ao nosso redor, além da escola, há um caleidoscópio mostruário de vida e possibilidades de leitura: em nossa casa, nas ruas, nas feiras, nas bancas de jornal e revistas; nos aglomerados urbanos, nas cidades interioranas, no meio rural. Tudo chegando até nós pelas conversas, pelo rádio, pela televisão, pela Internet, esta, aliás, cada vez mais acessível, mesmo no Brasil. Trata-se, então, de canalizar tais recursos para nossa atuação profissional. (MARTINS, 1999, p.292).
A autora adverte, no entanto, que assumir esse posicionamento é algo que
exigirá muito e que não devemos nos deixar iludir porque sem as rédeas de um roteiro
pré-estabelecido por outros teremos de criar a nossa própria ferramenta de trabalho.
Para conseguir tal êxito, assegura que boa vontade só não basta, pois isso nos levará a
um esforço de estranhamento e abandono de falácias, entre as quais aponta “dentre
elas, o propalado prazer de ler visto como dádiva, gratuidade inconseqüente,
acomodação ao já sabido, e transformá-lo no gosto pelo desafio ao desconhecido e sua
conquista.”(MARTINS, 1999, p. 292).
Mas a concepção de leitura ainda não é só isso. É preciso atentar para o
posicionamento de Catani (apud Zilberman) em relação a ela:
A leitura utilizada como instrumento formativo afasta o homem dos vícios, da hipocrisia, da banalidade, da vulgaridade e, sobretudo, do tédio e da angústia. De uma boa leitura o homem ressurge consolado, otimista e disposto a continuar a luta que empreendeu até o final. (CATTANI, M.I.; AGUIAR, V.T. apud ZILBERMAN, 1975, p.26).
Considerando os argumentos das autoras, propomos no presente projeto, levar
professores e alunos a uma reflexão sobre a necessidade de se compreender o
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conhecimento como um todo, o que lhes permitirá ter uma percepção totalizante da
realidade por meio da leitura rizomática.
Vale mencionar ao leitor, menos avisado, a dificuldade de conceituar o que é,
afinal, rizoma. Tal dificuldade é facilmente explicável, haja vista que esse é entendido
por meio do emergente paradigma da complexidade, na qual núcleos semânticos e
semióticos possuem inter-relações, interfaces, oriundas da própria experiência de
interpretação da vida; experiência, que por si só não é estanque, não é fragmentária,
como o conhecimento cartesiano desejaria. O rizoma seria justamente este liame de
complexidade que une os diversos significantes e significados em um porvir vital, em
uma decodificação do sujeito da realidade múltipla que lhe é apresentada.
A proposta rizomática se dá quando um conteúdo busca outras dimensões do
conhecimento, outros conteúdos. Estamos diante de um texto em diálogo constante
com outros textos, é uma conexão a instilar-se nos veios de outras leituras numa
dimensão global e abrangente. O rizoma nos fará percorrer caminhos que nos
conduzam para fora da escola, para os problemas sociais numa rota de retorno ao
interior de nós mesmos. É uma forma não só de ampliar a visão e o conhecimento de
mundo do leitor, mas, também, de ensinar a ler. Assim, além da possibilidade das
relações rizomáticas despertarem no aluno o gosto pela leitura, elas também
propiciarão a ele a diversidade do conhecimento.
Deleuze e Guattari (1995, p.33) apontam ainda a existência de platôs. Um
rizoma seria constituído por platôs que se caracterizariam por pontos contínuos de
intensidade na substituição de um ponto culminante. E exemplificando declaram:
“... uma vez que o livro é feito de capítulos, ele possui seus pontos culminantes, seus pontos de conclusão. Contrariamente, o que acontece a um livro feito de “platôs” que se comunicam uns com os outros através de microfendas, como num cérebro? Chamamos “platô” toda multiplicidade conectável com outras hastes subterrâneas superficiais de maneira a formar e estender um rizoma”.
Segundo esses autores, “cada platô pode ser lido em qualquer posição e posto
em relação com qualquer outro”. O platô seria, portanto, os vários pontos de conexão
para formar o rizoma.
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Nessa interligação se dariam os agenciamentos, encontros com conseqüências,
cuja interligação produziria um terceiro sentido. Podemos entender os agenciamentos
do rizoma como o poema de João Cabral de Melo Neto: ”Um galo sozinho não tece
uma manhã: ele precisará sempre de outros galos (...) desde uma teia tênue, se vá
tecendo, entre todos os galos (...)”, pois para Deleuze e Guattari “qualquer ponto de um
rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo” (DELEUZE & GUATTARI,
1995, p. 15). Ainda afirmam os autores que “um rizoma não cessaria de conectar
cadeias semióticas, organizações de poder, ocorrências que remetem às artes, às
ciências, às lutas sociais” e apontam como uma das características fundamentais do
rizoma, a de ter sempre múltiplas entradas.
Rosa (2007, p. 17) conforme artigo publicado na Revista Entrelinhas, ao
conceituar a leitura hipertextual, aborda o rizoma da seguinte forma:
“Trata-se do ser em constante devir. Como se o leitor fosse um andarilho sem destino e que no meio do caminho vai unindo experiências e conhecimentos, os quais vão colaborando para a construção de sua história pessoal. Assim é o hipertexto, é a ação de pôr-se a caminho e em constante construção. Circulando de texto em texto o leitor errante não tem centro, por isso, tem liberdade e multiplicidade, fatores que corroboram para a afirmação da autonomia. A virtude repousa na abertura. Conforme diz Barthes: todo texto é plural.” (ROSA, Tânia J. F. da Revista Entrelinhas: a revista do Curso de letras, 2007, Ano I, nº 0,)
Como ainda afirma a autora, o hipertexto “é um recurso que torna o texto rico
em relação ao texto tradicional”.
Uma outra forma de percepção rizomática seria como se olhássemos por um
caleidoscópio. A obra “Caleidoscópio, antologia de poemas”4, organizada por Cury,
Nagamini e Sparano (2006) traz em sua sinopse a alusão de que
“Por um caleidoscópio, o que se tem é uma diversidade de imagens. Algo próximo do mágico. Nesta coletânea, um caleidoscópio de versos; sob cada olhar, um prisma. A sugestão é espiar ... autores de diferentes pontos do Brasil, reunidos na poesia”
4A sinopse do livro de autoria de Cury, Nagamini e Sparano encontra-se disponível em
www.andross.com.br/.../livro_caleidoscopio.JPG
12
Braudel5, de modo semelhante, define a História sob um olhar rizomático,
caleidoscópio ao dizer que
"A História, no meu modo de ver, é uma canção que se deveria cantar a muitas vozes - e precisamos aceitar o inconveniente de que as vozes volta e meia se sobreponham umas às outras. Mas não há uma voz que se lance a cantar um solo, e que possa recusar qualquer tipo de acompanhamento. Como será que poderemos chegar a perceber, no sincronismo de um instante, como por transparências, as muitas histórias que a realidade sobrepõe?”
Tomando as considerações dos autores Rosa e Braudel, podemos conceituar a
leitura rizomática como uma leitura sobrepondo-se à outra, uma leitura que leva à outra
leitura numa combinação diversa e amplitude infinita. Fiorin (2006) afirma que a
realidade é heterogênea, portanto, ninguém absorve apenas uma voz social, mas
inúmeras vozes as quais se relacionam de maneiras diversas entre si. Daí sermos
polifônicos.
Isso nos leva a refletir sobre os tipos de consciência de que nos fala Fiorin
(2006) ao referenciar Bakthin que qualifica de “ptolomaica a consciência mais rígida,
mais organizada em torno de um centro fixo, como era o sistema planetário de
Ptolomeu, em que a Terra era fixa. Segundo ele, a galileana é a consciência mais
aberta, mais móvel, não organizada em torno de um centro fixo, como é o sistema de
Galileu, em que a terra se move”. (FIORIN, 2006, p.56).
Nesse sentido, a consciência é classificada de centrípeta e centrífuga,
respectivamente. A primeira, impermeável, resistente a outras vozes, por isso mesmo,
não se relativiza. A segunda é híbrida, impregnada de muitas outras vozes, abrindo-se
incessantemente à mudança.
É o que acontece com relação à leitura tradicional e à leitura rizomática. A
primeira se fecha nela mesma, enquanto que a segunda amplia os horizontes em
constantes agenciamentos que o rizoma nos permite.
“Uma organização rizomática do conhecimento é um método para exercer a resistência contra um modelo hierárquico, que traduz em termos epistemológicos uma estrutura social opressiva” (DELEUZE & GUATTARI, 1980: 531).
5 O texto de autoria de Fernand Braudel encontra-se disponível em www.ime.usp.br. Acesso em 12/09/2007
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Observemos o que nos diz Fischer (2006) em seu livro “História da Leitura”
referindo-se a ela ainda na Idade Média:
“[...] os eruditos judeus talmúdicos da Idade Média achavam que um texto era uma contínua descoberta, uma cornucópia aberta. Para eles nenhum texto era absoluto, mas uma fonte infinita de nova inspiração e aprendizado. [...] Bastava ter uma mente questionadora”. (Fischer, 2006, p.145).
Ora, se nessa época alguns eruditos já afirmavam ser o texto uma contínua
descoberta, percebe-se claramente a importância do rizoma para o aprendizado. E por
que ainda estamos inertes a esse tipo de leitura?
Assim, nesse contexto, analisamos a contribuição da leitura rizomática na
escola e sua importância no processo pedagógico como uma forma de estimular o
interesse dos alunos pela leitura e tornar esse processo mais eficaz.
II ATO – Apropriando-se das Estratégias de Leitura
No artigo de José Quintanal (2003), o autor ressalta ser a leitura uma das
habilidades que apresenta o melhor corpo didático no panorama curricular e que o
nosso principal objetivo deve ser fazer com que o aluno conheça o caráter utilitário da
leitura. Para alcançar os objetivos das estratégias de leitura, ele aponta quatro formas
de tratamento de leitura: Pesquisa, Aprendizagem, Espontânea e Resolutiva no dia-a-
dia da sala de aula.(QUINTANAL, 2003, p. 45 a 54).
Para alcançar os objetivos de uma leitura rizomática, mesclamos essas quatro
formas de tratamento com as estratégias definidas por Solé (1998) as quais auxiliam a
compreensão leitora, como se segue:
ANTES DA LEITURA
• Esclarecimento do objetivo (deixar claro que o rizoma é a obtenção de inúmeras
informações a fim de ampliar nossos conhecimentos e aguçar a curiosidade dos alunos
para esse cabedal);
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DURANTE A LEITURA
• Preparação: termos e idéias (selecionar os termos e as idéias necessários para a
compreensão do conteúdo);
• Leitura compartilhada (rentabilizar a aprendizagem por meio de comentários em
grupo);
• Estímulo/Produção de interesses (um dos fatores importantes, sobre o qual o
professor deverá insistir, será conseguir centrar a atenção do aluno. Realmente, o texto
tem de interessá-lo muito para que o leia. Por isso, todo nosso esforço deve ser
impresso nessa motivação prévia, despertando, de algum modo, a necessidade – ou
talvez curiosidade – de se introduzir no texto). É o momento de conscientização do que
ocorre na sociedade em relação ao tema a ser trabalhado;
• Conhecimentos prévios (estimular o aluno a expor o que ele já sabe sobre o assunto e
despertar a consciência crítica);
• Indicação/marcação da linha de busca e organização (não significa delimitar seu
caminho, mas estabelecer referências oportunas que lhe assegurem o êxito em sua
trajetória);
• Incorporação de conteúdos (é necessário confirmar os conhecimentos que já se
possui − reforçando-os para uma melhor personalização − ou incorporar a eles algum
dado ou elemento novo);
DEPOIS DA LEITURA
• Aplicação de atividades (mediante exercícios adequadamente programados de
aplicação, desenvolvimento ou reforço, como paráfrases, paródias, resenhas, resumos,
sínteses, dissertação, descrição, narração e outros, ─ a critério do professor ─ o aluno
nos confirmará a efetividade da ação docente e sua conseqüente aprendizagem, ao
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mesmo tempo em que poderemos detectar as deficiências ocorridas para estabelecer o
feedback oportuno);
• Apresentação (proporcionar ao aluno uma oportunidade para que se deleite com o
resultado de seu trabalho fechando a leitura rizomática com um “Festival de Talentos”
no qual serão apresentadas dramatizações, declamações, cantos, danças, monólogos,
etc. sobre o(s) assunto(s) em questão que oportunizem ao aluno, depois da apropriação
do conhecimento, recriá-lo e torná-lo “seu”).
III ATO – O Início da Viagem
O primeiro objetivo a ser alcançado era fazer com que a leitura rizomática se
tornasse interessante para os alunos. Era preciso deixar bem claro o que é a leitura
rizomática e como ela se daria no decorrer da implementação do projeto. Isso foi
possível quando optamos por explicar de maneira geral sobre os textos a ser
trabalhados e a idéia fundamental do que se pretendia transmitir.
Despertando a curiosidade dos alunos, foi preciso mostrar a eles o quanto este
tipo de leitura enriqueceria os nossos conhecimentos numa constante Viagem pelos
Canais do Rizoma. Para tomarmos esta decisão nos inspiramos nos ensinamentos de
Solé quando afirma que “não se deve iniciar nenhuma atividade de leitura sem que os
alunos sejam motivados para ela, isto é, sem que lhe atribuam um sentido. Assim, eles
devem saber o que fazer, conhecer os objetivos que se pretende alcançar com a leitura,
devem sentir que são capazes de fazê-la”. (1998, p.91).
Tomamos como ponto de partida a crônica “O vendedor de palavras” de Fábio
Reynol na qual, um comerciante de tino, ouviu uma escritora dizer, em um programa de
televisão, que o Brasil sofria de uma grave falta de palavras e, por isso, ele resolveu
montar sua banca entre os camelôs para vendê-las. Não finalizamos a leitura para que
os alunos pudessem formular previsões sobre o texto, tentando descobrir o que
aconteceria na seqüência. Ao término de uma primeira leitura, o texto foi dramatizado
para que os alunos pudessem entendê-lo melhor. A questão da leitura estava lançada.
Os alunos determinaram o título, o tema e o assunto. Em seguida, provocamos
um debate sobre o que é leitura e comentamos o que eles já sabiam sobre esse tema
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esclarecendo o significado do termo. Nortearam a nossa discussão perguntas como:
Quando a leitura se popularizou? Que tipos de leitura existem? Qual a importância da
leitura? O que é a leitura para vocês? O que vocês lêem? Com que freqüência lêem?
Na seqüência, eles se inteiraram sobre os tipos de texto, os gêneros textuais e os
gêneros literários, pois há sempre uma enorme confusão entre esses termos,
estabeleceram a distinção entre conto e crônica e discutiram o foco narrativo do texto.
A crônica de Reynol possibilitou uma ampla crítica sobre o ato de ler e um rico
trabalho com as palavras por meio do jogo “academia”6, pois à medida que os alunos
iam criando suas definições, era interessante observar o quanto essas se tornavam, ao
longo do jogo, mais elaboradas e criativas.
Partindo do tema, analisamos o poema “Aula de leitura” de Ricardo Azevedo no
qual o poeta aponta a importante leitura de mundo que fazemos no nosso dia-a-dia.
Analisamos em seguida a música “Leitura” da Xuxa que oportunizou, além de
questionamentos sobre a letra, a distinção entre verso e prosa, o entendimento de que
um texto pode ser escrito de várias formas. Assim, mostramos a eles as telas “O rato de
biblioteca” de Carl Spitzweg, “Apóstolo Paulo” de Rembrant, e uma tela muito
interessante encontrada na internet, sem nome, na qual duas moças estão sentadas
sobre alguns livros e que concorreu para um interessante debate sobre o ato de ler.
Outra obra de grande valia foi a tela “São Domingos e os albigenses” de Pedro
Berruguete afluindo o nosso rizoma para um novo platô - a Inquisição. Muitos deles
ignoravam esse acontecimento histórico e a época em que se deu a Idade Média.
Dessa forma, além do rizoma proporcionar ao aluno o conhecimento sobre
outros temas, ele nos permite ainda propor atividades para o reconhecimento dos
gêneros textuais, elementos da narrativa, identificação de época, estilo do autor,
fazendo com que o aluno crie o seu próprio estilo ao produzir as paráfrases, paródias,
resenhas, resumos, sínteses, dramatizações, dissertação, descrição e narração.
6 O professor, seguindo as regras do jogo “academia” poderá utilizar o dicionário trabalhando as palavras inusuais/esdrúxulas do texto, bem como outras do dicionário. Cada grupo escreve uma definição para a palavra lida pelo professor que recolherá os papéis e lerá todas as definições, inclusive a correta. É um jogo de blefe no qual os grupos votarão nas definições lidas pelo professor. Dois pontos para o grupo que votar na resposta correta e um ponto para cada voto que o grupo receber dos demais grupos. Se escrever a resposta correta ou aproximada o grupo ganhará três pontos.
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Nessa ramificação sobre a leitura, o artigo de Dioclécio Campos Júnior, “A
importância da Leitura” contribuiu na percepção de novos horizontes por meio de
platôs, o que tornou possível a nossa viagem. Primeiro passo, a leitura silenciosa, uma
das estratégias recomendadas por Solé (1998). No entanto, alguns alunos se
mostraram dispersivos demais e não conseguiram realizá-la. A maioria não conseguiu
ler sozinha. Foi preciso um segundo passo, marcar as palavras desconhecidas para
posterior consulta no dicionário para que se prendesse a atenção deles. O aluno
costuma abri-lo e copiar tudo o que está ali, sem refletir, portanto, ficou determinado
que tomariam para si apenas um sinônimo, aquele que tornasse o texto mais claro para
eles. A dificuldade foi tamanha que foi preciso que se sentassem em um grande círculo
para um trabalho em conjunto. Posteriormente, fizemos a leitura oral do texto parando
em cada parágrafo para que o explicassem. Assim, conseguimos fazer a exegese do
texto para que nosso terceiro passo, a paráfrase, tivesse maior êxito, auxiliando o aluno
na construção do sentido do texto.
Retomando os platôs, voltamos ao 6º parágrafo para que os alunos
expusessem o que sabiam sobre a época da Inquisição e da ditadura militar. Esses
platôs ampliariam a visão de mundo do aluno. Para um maior conhecimento sobre a
Inquisição, trabalhamos o filme “O nome da rosa” e, com referência à ditadura militar, a
música “Apesar de você” de Chico Buarque. Após a análise do filme os alunos
produziram uma resenha crítica demonstrando o entendimento desse e uma paródia da
música, quem seria o “Você” para o aluno, enfocando assim os atuais problemas do
Brasil.
Não obstante o amplo leque de informações que o rizoma nos permite, é
importante esmiuçar qualquer que seja o texto, obra, filme estudado, realizar diferentes
produções textuais com um mesmo texto ou textos diferentes, mas que todos os alunos
estejam imbuídos do mesmo trabalho para que possam discutir, debater, interagindo
com o texto.
Foi apresentado ao aluno, logo em seguida, um artigo de Jadyr Pavão
publicado na revista Época de julho de 2001 “Pesquisa nacional revela que 53 milhões
de pessoas são leitores, mas o preço ainda faz do livro um artigo de luxo” cujo título
retoma já em si a questão da leitura. Esse texto proporcionou um debate sobre a
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questão da leitura no país, resultando na confecção de cartazes sobre o ato de ler do
povo brasileiro. Esses cartazes não se limitaram a um pensamento conclusivo de cada
grupo sobre o resultado final do debate, mas ainda uma ilustração para representar
esse pensamento. Na seqüência tomou-se o tema “Afinal, os brasileiros lêem?” que
serviu como pretexto para a produção de um texto dissertativo.
Assim, para conduzir o aluno pelos Canais do Rizoma o professor estimulará
uma investigação abrangente do texto auferindo dele o que conhece sobre o assunto
que encontrou em um determinado platô. Perguntas como: “O que eu sei sobre isso?”
“Como aconteceu?” “Onde?” “Quando?” devem direcionar a leitura do início ao fim para
que se abram caminhos (rizomas) de conhecimento na busca incessante de outros
textos que aprofundem a questão em estudo. Se os platôs forem muitos e
desconhecidos, o professor poderá dividir os alunos em grupos para um trabalho
investigativo e a posterior apresentação na sala de aula.
Direcionando o projeto para a sua finalização, confeccionamos um painel
rizomático do conhecimento. A questão do autoritarismo encontrado tanto no filme “O
nome da Rosa” quanto na música de Chico, com relação à ditadura militar, abriu-nos
um novo platô para o livro “A revolução dos bichos” de George Orwell. Partindo desse
platô (autoritarismo) o aluno construiria agora um painel rizomático da leitura
percorrendo rizomas que os levassem a, no mínimo, nove diferentes platôs. A proposta
é que os alunos deveriam viajar por meio desses platôs encontrando novos platôs
assim sucessivamente.
Esse foi o momento da ampliação do horizonte do educando por meio das
leituras realizadas. Partindo do tema “autoritarismo” os alunos se depararam com
inúmeros platôs, outros temas que despertaram a curiosidade deles e, a cada novo
platô, uma nova Viagem pelos Canais do Rizoma. As relações entre as leituras
ampliaram o horizonte desses alunos resultando em reflexões sobre a vida, pois a
proposta rizomática fez com que eles se deparassem com temas como o racismo, o
homossexualismo, guerra, opressão, sofrimento, infância, educação, abordando os
problemas sociais.
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IV ATO – Formando o Leitor
Ao conceituar o rizoma afirmamos que “O rizoma nos fará percorrer caminhos
que nos conduzam para fora da escola, para os problemas sociais numa rota de retorno
ao interior de nós mesmos” por isso, o maior desafio ainda estava por vir.
O aluno, motivado pelo filme “A corrente do bem” deveria neste momento,
assim como o menino, tentar modificar a questão relapsa da leitura influenciando três
pessoas a ler. Dissemos que para isso seria crucial elaborar uma “estratégia” que
persuadisse as pessoas e que eles seriam avaliados pela criatividade dessa estratégia.
Os alunos tentaram nos convencer da impossibilidade dessa tentativa contestando
tratar-se de um trabalho muito difícil. Redargüimos justificando ser o próprio desafio da
“Corrente da Leitura” uma estratégia elaborada por nós para fazer com que eles
lessem, uma vez que não se convence ninguém a ler um livro sem que o tenhamos lido
primeiro.
E o resultado foi surpreendente. As estratégias criadas pelos alunos foram as
mais variadas possíveis e eles realmente tiveram de colocar a criatividade em prática.
Nos relatos colhidos depois de quase dois meses para que concretizassem esse
trabalho, puderam expor suas estratégias mais esdrúxulas como a que, para despertar
a curiosidade das pessoas, a aluna resolveu andar com um livro debaixo do braço.
Contou ela que as perguntas vinham principalmente enquanto andava de ônibus. Outra,
resolveu divulgar um livro na igreja. Para alcançar seu objetivo relacionou-o a um vídeo
do You Tube, um filme curto e engraçado, explicando em seguida a ligação desse vídeo
com o livro. Ela conseguiu despertar a curiosidade até mesmo dos pastores.
Assim, foram surgindo idéias interessantes neste trabalho de persuasão da
leitura como “falar do livro sem contar o final da história”, “associar o sofrimento pelo
qual uma pessoa está passando a um livro na tentativa de minimizar a dor”, “presentear
com marcas-página uma vez que o livro é muito caro para eles”, “emprestar alguns
livros depois de uma breve explanação sobre a história” e houve até mesmo relatos em
que o aluno pode se certificar de que as pessoas não lêem porque muitas vezes elas
não sabem nem o que ler.
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V ATO – Fechando a Cortina
Neste momento, foi importante proporcionar ao aluno uma oportunidade para
que ele pudesse mostrar o que e o quanto aprendeu fechando a leitura rizomática com
um “Festival de Talentos”.
A proposta de um “Festival de Talentos” partiu de uma estratégia que
abordasse diferentes estímulos na proliferação do pensamento: dramatizações,
declamações, cantos, danças, monólogos, vale tudo para a apropriação dos textos
analisados e, nesse conjunto de apresentações, deu-se a aventura rizomática na
interação dos alunos e na criatividade para produção teatral.
Aproveitando o Painel Rizomático do Conhecimento, seria preciso criar uma
peça de teatro que englobasse algumas das questões estudadas e que eles gostariam
de apresentar. Assim, a peça Viajando pelos Canais do Rizoma tomou corpo nas aulas
subseqüentes. Isso se deu num intercalar de poesias, cantos, danças, outros teatros de
representação menor, tudo isso dentro da peça que teve como ponto de sustentação
dois adolescentes, um leitor e um não-leitor, num diálogo constante sobre a leitura.
Esse diálogo se enraizaria nos temas apresentados na seqüência.
Assim, durante a apresentação da peça, houve declamações de poesias como
“O Navio Negreiro” de Castro Alves e “Meus oito anos” de Casimiro de Abreu. O poema
“Aula de Leitura” de Ricardo Azevedo foi apresentado em forma de jogral. Algumas
alunas cantaram a música “Apesar de você” de Chico Buarque, acompanhadas pelo
violão, outras dançaram “Porrada, Porrada” de Gabriel o Pensador e um outro grupo
representou “Criança não trabalha” de Arnaldo Antunes. Outros rizomas se sucederam
a esses, dança e rap sobre o trabalho infantil, teatro do conto “Negrinha” de Monteiro
Lobato e textos curtos com explanações sobre alguns temas como a Inquisição e a
Ditadura.
Foi um trabalho rico em conhecimento e prazeroso para os alunos, pois à
medida que avançávamos na leitura e nos lançávamos pelos Canais do Rizoma, foram
surgindo os mais variados platôs que nos possibilitaram a apresentação de temas como
a Inquisição, a Ditadura, o autoritarismo, o racismo, o preconceito, a infância e a
educação. Tudo isso num intercalar constante como o próprio rizoma o é.
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Alinhavando o Rizoma
O desafio da leitura rizomática é romper com o conhecimento estanque, não
relacionado, e os platôs nos possibilitam a diversidade textual chamando o aluno para a
reflexão de que a vida é inter-relacional e decisiva na formação do educando.
Segmentar o conhecimento como a escola tem feito até então, é o conhecido. Há a
premente necessidade de nos lançarmos ao encontro do novo. Estamos numa aventura
de descoberta nos restando apenas abrir os olhos para essas interfaces.
É preciso que todos os professores, não só os de Língua Portuguesa, tomem
uma postura mais comprometida com o desenvolvimento da leitura, afinal somos nós
seus principais incentivadores e mediadores, pois se a leitura se faz significativa num
trabalho de implementação no contexto escolar, assume também especial relevo na
educação. Se é por meio da leitura rizomática que temos a oportunidade de ampliar o
conhecimento, é ela que fará com que o leitor compreenda melhor o mundo que o
cerca, no qual ele está inserido.
É o acesso ao texto literário, nesse leque de informações, verdadeiro
caleidoscópio que liga leitor e mundo, que se encontra o desenvolvimento integral do
leitor, enriquecendo-o num processo gradativo.
∞
AGRADECIMENTOS
A Deus pela vida e pelas oportunidades que me foram dadas.
À Secretaria do Estado de Educação pelos novos conhecimentos adquiridos por meio do PDE, o qual
muito contribuiu para o meu crescimento profissional.
Aos meus pais que não mediram esforços para minha educação e me fizeram ser quem sou.
Ao Marcius Nadal Matos por fazer parte da minha vida e por seu apoio constante.
A minha família que sempre se fez presente em minha vida.
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À orientadora Esméria de Lourdes Saveli pelo seu compromisso e por me fazer enxergar meu próprio
potencial.
À Sandra Regina Ferreira que sempre me acolheu com grande carinho no CRTE ao acompanhar o
desenvolvimento do meu trabalho no ambiente Moodle.
Aos meus colegas do PDE pelo companheirismo e apoio nos momentos em que fraquejei, possibilitando
que eu concluísse mais essa etapa da minha vida pela força e coragem transmitidas.
As minhas amigas e colegas de trabalho Regina Janiaki Copes, Solange Brito e Janete Canteri que
colaboram na produção do trabalho, dando provas de uma verdadeira amizade.
Agradeço a todas as pessoas que, direta e indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho.
E em especial, agradeço à professora e co-orientadora Ìndia Mara Aparecida Dalavia de Souza Holleben,
essa pequena grande mulher que, dotada de grande sabedoria e dinamismo, não mediu esforços para
que eu pudesse realizar este trabalho. Agradeço de coração os ensinamentos dessa magnânima e
respeitável mestra.
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