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1 2 3 4 “Bem Aventurada Segurança” que enaltece e defende a Pátria como Mater. “O presente é o passado na lembrança” disse Fernando Pessoa, a sensação que têm os que o viveram. Para os outros, o prazer de o conhecer a que acrescentamos, em Efemérides, os momentos de encantamento ao redor do Fado, Violas e Guitarras... O Director 5

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4 Ficha TécnicaTítulo: Villa da Feira - Terra de Santa MariaPropriedade: LAF - Liga dos Amigos da Feira ®Director: Celestino PortelaDirector Adjunto: Fernando Sampaio MaiaColectivo Editorial - Fundadores LAF:Alberto Rodrigues Camboa; António Luís Carneiro; Carlos Gomes Maia; Celestino Augusto Portela; Joaquim CarneiroProcessamento de Texto: Carla Maria Costa FerreiraCoordenação Científi ca: J. M. Costa e SilvaSupervisão Editorial e Gráfi ca: Anthero MonteiroColaboração do TOC, Belmiro da Silva ResendePeriodicidade: QuadrimestralAssinatura anual: 30 eurosAssinatura auxiliar: 50 eurosEste número: 15 eurosPagamentos por:Transferência bancária NIB 007900001127152910124Cheque à ordem de LAF - Liga dos Amigos da FeiraCapa: Prof. Doutor Serafi m Guimarães. Escultura de Leopoldo Batalha. Fotografi as: Óscar Maia, Arquivos particulares, Livro da O.A., LAF e Fotos Web por José Correia Redacção e Administração: Apartado 230 • 4524-909 Feira

Publicidade: Telef.: 965 310 162 | 256 379 604Fax: 256 379 607Tiragem: 500 exemplaresEdição: N.º 16 - Junho de 2007Pré-impressão, Impressão e Acabamento:Empresa Gráfi ca Feirense, S. A.Apartado 4 - 4524-909 Santa Maria da FeiraSede: Edifício Associação Cultural Club FeirenseVila Boa - 4520-283 Santa Maria da FeiraEmail: [email protected]ósito Legal: 180748/02ISSN: 1645-4480Reg. ICS: 124038Depositária: Livraria Vício das Letras Rua Dr. José Correia e Sá, 59 4520-208 Santa Maria da FeiraApoios: Câmara Municipal Santa Maria da Feira Irmãos Cavaco S.A. Zoo Lourosa - Parque Ornitológico Rohde - Sociedade Industrial de Calçado Luso-Alemã, Lda Termas das Caldas de S. Jorge Sociedade de Turismo de Santa Maria da Feira Patrícios, S.A.

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5PÓRTICO

Um pensamento do Padre António Vieira tem sido aqui lembrado – “Será maior Glória do amor à Pátria servir os futuros, pagar aos passados e não dever nada aos presentes”. Quando promovemos a Homenagem ao Senhor Professor Doutor Serafi m Guimarães, que se distinguiu no Ensino e na Investigação Científi ca, sabíamos que só os amigos e admiradores estariam presentes, que só estes ouviriam a intervenção do Senhor Professor Doutor Daniel Filipe de Moura e só estes escutariam as palavras que o homenageado proferiu. Nasceu, por isso, o propósito de inserirmos na “Villa da Feira” a vivência dessa noite para que se torne conhecida dos ausentes e registada para os futuros. Nesse dia evocámos também - O Homem de cultura tão diversifi cada, do canto à guitarra, do desenho à pintura, da viagem à memória, do dizer ao escrever, que o tornou plural no Saber; - O Cidadão de crença e respeito, solidário e tolerante, fi rme em Ser, na paz e na adversidade; - O Filho, o Esposo, o Pai, o Avô, o crente na Família como base de toda a estabilidade Social, a

“Bem Aventurada Segurança” que enaltece e defende a Pátria como Mater. “O presente é o passado na lembrança” disse Fernando Pessoa, a sensação que têm os que o viveram. Para os outros, o prazer de o conhecer a que acrescentamos, em Efemérides, os momentos de encantamento ao redor do Fado, Violas e Guitarras...

O Director

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6 PRIMAVERA

Ana Duque*

Não deixesas sardinheiras morrer.Volta depressapara as regarmosde sangue.Amanhãuma florvai nascercom a cor

do teu regresso.

* Pseudónimo de Arminda Rosa Pereira, natural do Porto.Foi actriz do Teatro Experimental do Porto e colabora na tertúlia Onda Poética de Espinho.Colaboradora da Notícias Magazine e do Jornal de Letras.

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7MENSAGEM

UM BREVE TESTEMUNHO

Carsten-Peter Warnake regista no livro “Vida e obra de Picasso”, para as Edições Benedikt, o seguinte comentário da mãe de Pablo Picasso, Maria Picasso y Lopez, que terá dito ao seu fi lho: Si tu deviens soldat, tu seras général. Et si tu te fais moine, tu seras pape. Penso que estas palavras, aparentemente exageradas, não deixam de ser pertinentes, a que, mesmo assim, a própria biografi a do pintor se encarregaria de demonstrar a sua justeza. De qualquer modo, o discurso do génio de Picasso não teve, como não tem, necessidade, e por isso o dispensa, de afi rmações, premonitórias ou não, que possam caracterizar ou determinar o que quer que seja. Esta introdução mais não faz do que fazer eco, comprovado, de um sentimento tão peculiar dos seres humanos, acerca do brio, do sentido da vocação e do dever, exacerbado como é natural, quando se trata da sua referência pelos seus progenitores – que são, no fundo, quem mais acredita na vida e no seu destino de continuidade em legado transmitido aos fi lhos. Neste espaço que a LAF fez questão de ser

eu a preenchê-lo, apraz-me registar um desses casos, um caso que a todos nós nos orgulha. Sem alaridos e de uma sinceridade e simplicidade comoventes, o saudoso pai do Prof. Doutor Serafi m Guimarães, Senhor Américo Guimarães, em diálogo comigo, já nos idos anos sessenta, disse-me: “O Serafi m vai ser um grande médico”. Premonição?!, nem por isso. O curriculum escolar do jovem Serafi m Guimarães fazia antever essa evidência. Saído da Universidade, médico com alta classifi cação, cedo atingiria a cátedra no seguimento de uma carreira devotada à ciência e à investigação, de um modo exemplar de disciplina, de coerência, de generosidade, em suma de uma dedicação total à causa do Homem. A carreira docente seria disso prova, como catalisador de um verdadeiro sacerdócio em procura, incessante, do conhecimento, da verdade e da perfeição. Dotado de forte personalidade, de superior inteligência e de fecundos talentos multifacetados, que não só os da Medicina, o Prof. Doutor Serafi m Guimarães tem outras competências, humanas, éticas, e estéticas, que fazem dele um Homem da Vida e do Mundo. Desse modo, atrever-me-ia a acrescentar algo mais ao que o seu pai adivinharia: Se for médico será um notável cientista. Se for pintor (como poderia ter sido) será um corifeu nas artes plásticas.

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Com efeito, trata-se indubitavelmente de um caso verdadeiramente excepcional que, honrando-nos, honra a iniciativa que a LAF tomou em homenagear este nosso conterrâneo. Em nobre missão de enaltecer os valores que mais marcam as nossas vidas e a vida colectiva, a LAF presta, assim, com toda a justiça, uma homenagem ao Prof. Doutor Serafi m Guimarães, que, a todos nós, santamarianos, deve orgulhar. Agradeça-se, por isso, à LAF este empenha-mento ao serviço da Cultura e do bemcomum.

António Joaquim

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SUMÁRIO

Pórtico Celestino Portela 5

Poesia Ana Duque 6

Mensagem António Joaquim 7

Poesia Anthero Monteiro 10

Tributo a Serafi m Guimarães Daniel Filipe de Moura 11

Poesia Edgar Carneiro 14

Agradecimento Serafi m Correia Pinto Guimarães 15

Homilia na festa de S. Sebastião D. Carlos Filipe Ximenes Belo 25

Correições na Vila da Feira ( 1745-1766 ) Aspectos da vida quotidiana Francisco Ribeiro da Silva 29

Poesia João Pedro Messéder 44

A Luta Anti-Francesa Pe. Manuel Leão 45

Dicionário Biográfi co de Personalidades Feirenses Francisco Azevedo Brandão 49

Poesia Manuela Correia 58

A Mulher na Advocacia Jorge Pais de Amaral 59

Manuel Laranjeira e os “Brasileiros” de “ torna-viagem” Orlando da Silva 63

Poesia Maria Fernanda Calheiros Lobo 74

Antologia prática de um Devocionário Tradicional Popular VI Pe. Domingos A. Moreira 75

Recriar as Cascatinhas de S. João Abílio Ferreira da Silva 101

Religiosidade e Paródia Maria Conceição Vilhena 109

Poesia Ilda Maria 116

Efemérides Executivo Laf 117

Poesia Judite Lopes 126

Mombaça Joaquim Máximo 127

Poesia António Rebordão Navarro 133

Postais do Concelho da Feira Ceomar Tranquilo 134

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10 O MEU RIBEIRINHO

Anthero Monteiro*

salto o valado dos anos eriçado de silvaspara regressar àquele lugar junto ao pequeno rio da minha terraserpenteando no fundo das quebradas

depois da escola era a escola da natureza e da vidae a vida ali transbordava para as margens da infância

e enquanto os alfaiates se atarefavam a costurar aquela veste absolutamente diáfanaos girinos cabeçudos dançavam semprenuma festa que se julgava interminável

chalravam no riacho as rãs o seu hino da alegria e as lavadeiras coaxando sobre os romances da aldeiabatiam na pedra a roupa que depois ia a corar na orla verde do rio

era bom ver o ribeiro a correr alacremente para os braços do futuro ignorando que o futuro seria um amanhã que não poderá mais cantar

hoje o ribeiro apenas se adivinha sob o alcatrão das ruasconstruídas para criar mais pontes entre os homensque por ali perpassam vertiginosamentepara um valado de rosas apodrecidas

só eu continuo a atravessar o riosaltando de pedra em pedra

* Escritor e poeta natural de S. Paio de Oleiros, autor, entre muitas outras obras, de O Misticismo Laico de Manuel Laranjeira (Roma Editora), um ensaio sobre o genial escritor nascido na Vergada.Organizador de várias tertúlias poéticas, começou recentemente a coordenar as Quartas Mal - ditas do Clube Literário do Porto

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11Tributo a Serafi m Guimarães, grande cientista

Daniel Filipe de Moura* Os Amigos da Feira, na pessoa do Dr. Celestino Portela, quiseram honrar-me com o privilégio de me associar à homenagem que prestam ao seu conterrâneo ilustre, o professor Serafi m Guimarães. Faço-o com alegria se me for desculpado o fraco talento com que escrevo. A ligação das pessoas e da terra de Santa da Maria da Feira ao professor Serafi m Guimarães vem do seu berço, em Espargo. A sua povoação natal permanecerá como âncora física de todas as circunstâncias grandes da vida em que se criaram os laços humanos do professor Serafi m Guimarães com os pais, os irmãos, os primos da mesma idade, os amigos de infância, e os habitantes de uma comunidade pequena mas de uma variedade humana riquíssima no meio da qual cresceu. Há uma verdadeira mistura física entre Espargo e Santa Maria da Feira e os vínculos humanos que permanecem na vida e na memória do professor Serafi m Guimarães. Justifi cadíssimo, portanto, que a homenagem ao professor Serafi m Guimarães seja feita pelos Amigos da Feira: prestam tributo a um dos seus! O meu testemunho vem de outras circunstâncias da vida. O laço afectivo que me liga ao professor Serafi m

Guimarães nasceu de uma outra forma de convívio humano e que é muito particular das universidades: a relação entre mestre e discípulo. Este tipo de relação humana não é exclusivo das universidades nem nasceu com elas. Talvez nasça da própria natureza humana. O entusiasmo pelo conhecimento, pela criação artística ou pela resolução de um problema tem um grande poder para conduzir muito da vida humana. Quando a este poder se associa a força do contágio, cria-se uma relação especial muito forte entre quem consegue transmitir o entusiasmo e quem se deixa entusiasmar. Esta relação de mestre e discípulo ocorreu antes do aparecimento das universidades e continua a ocorrer fora delas. Mas é também verdade que as universidades são a organização social contemporânea que tem como razão de existir o dar abrigo a esta forma muito especial de relação humana. Que encontrei no então Laboratório de Farmacologia, actualmente Instituto de Farmacologia e Terapêutica, quando lá cheguei como aluno dos primeiros anos do curso de medicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, por volta de 1970? Um entusiasmo absolutamente fora do vulgar, uma atitude de inconformismo perante a mediocridade, uma comunidade de mestres e discípulos! O objecto deste entusiasmo era a ciência, que se queria bem feita

*Prof. Doutor da Faculdade de Medicina do Porto

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ao nível do que se fazia internacionalmente. O tópico, escolhido muito cuidadosamente para que os esforços de todos se concentrassem numa área bem defi nida onde um grupo pequeno, isolado e sem meios pudesse progredir com qualidade internacional, era o estudo da acção de uma família de substâncias a que pertence a adrenalina, as catecolaminas, de que forma essa acção era importante para o organismo e de que forma se podia modifi car essa acção por medicamentos ou tóxicos. Há 30 anos era uma atitude temerária. Ninguém melhor do que o próprio professor Serafi m Guimarães descreveu, na altura, a pobreza do trabalho científi co e universitário que se fazia em Portugal, ao mostrar, com números, que a produtividade científi ca de Portugal se situava, no fi nal dos anos de 1970, entre a do Gana e a do Sudão. De onde vinha o espírito para a aventura científi ca daqueles professores de Farmacologia? Do entusiasmo pelo trabalho científi co sério, do gosto pela vida universitária, do culto pela relação entre o mestre e o discípulo, do sentido de obrigação em fazer escola. Três homens, os professores José Garrett, então director do laboratório e regente da disciplina de Farmacologia do 3º ano do curso de medicina, o seu colaborador mais próximo, Walter Osswald, a quem tinha sido confi ada a outra disciplina do laboratório, Terapêutica Geral do 4º ano, e o mais novo deles, Serafi m Guimarães, então jovem professor extraordinário já com grande actividade científi ca própria e em quem o professor Garrett, muito assoberbado com duríssimas responsabilidades de direcção da faculdade de medicina, confi ava inteiramente para o coadjuvar nas tarefas lectivas. Como o meu curso era numeroso, as aulas teóricas foram desdobradas e cada assunto era tratado duas vezes: uma de manhã e outra à tarde. A aula da tarde era da responsabilidade do professor Serafi m Guimarães. A hora da aula, 4 da tarde, não era muito aprazível e muitos alunos, como era o meu caso, tinham um horário compatível com a aula teórica da manhã, habitualmente dada pelo professor José Garrett. Não deixei as aulas do professor Garrett, sempre preparadas cuidadosamente e impecavelmente organizadas, embora num distanciamento que na altura me parecia rígido e formal de mais, mas dei por mim a repetir sistematicamente a dose com a aula da tarde do

professor Serafi m Guimarães. Anos mais tarde percebi qual era o elemento-chave que tanto me atraía: o entusiasmo, a alegria. Não havia nada de espectáculo gratuito ou de gargalhada fácil, ou de ligeireza. Era o entusiasmo genuíno de quem via a beleza do que nos ensinava. Percebe-se porquê: o professor Serafi m Guimarães passava grande parte do seu dia a criar, ele próprio, conhecimento novo. Que marcas do reconhecimento internacional pela criação científi ca do professor Serafi m Guimarães posso transmitir em poucas linhas aos seus orgulhosos conterrâneos de Santa Maria da Feira? Tal como se aplica à literatura e a outras artes, também a palavra clássico distingue as realizações que mais infl uência exercem sobre o trabalho de outros criadores e as realizações que se tornam bons exemplos a dar sobre assuntos fundamentais da área. Há um instrumento que permite exprimir a infl uência de um autor científi co no trabalho dos outros por uma contagem que pode ser facilmente consultada por qualquer observador independente. Esse instrumento são as bases de dados, existentes hoje em poderosos suportes informáticos, em que se regista quem, quando e onde cita o trabalho de outro autor. A base de dados mundialmente mais famosa é o Science Citation Index, que atribui o estatuto de um clássico científi co a um trabalho que receba 100 citações escritas em outros trabalhos. É um critério muito apertado que só um número limitado de cientistas atinge. O professor Serafi m Guimarães é um dos poucos portugueses cuja

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obra se tornou um Science Citation Classic. A outra marca de um clássico é a sua inclusão como uma obra exemplar nas obras de referência da especialidade. Essa grande referência para os farmacologistas experimentais de todo o mundo é o tratado americano de Terry Kenakin, “Análise Farmacológica da Interacção Fármaco-Receptor”, reconhecido como uma das obras mais exaustivas e de maior complexidade na área. Lá está, com direito a página inteira (página 184 da terceira edição, 1997), a reprodução de três imagens originais de um trabalho de Serafi m Guimarães e colaboradores publicado em 1975, como exemplo de uma das provas mais directas, mais simples e mais conclusivas de um “assunto de enorme importância prática” (Terry Kenakin, sic) para as experiências em farmacologia.

Fecharei o ciclo agora em sentido inverso, ligando a dedicação que o professor Serafi m Guimarães tem pela Ciência à dedicação que tem por Santa Maria da Feira. Que melhor prova de afecto por Santa Maria da Feira se poderia dar, que melhor forma haveria de servir Santa Maria da Feira, do que dá-la a conhecer, partilhá-la com grandes cientistas que a fi caram a conhecer através dos laços científi cos com o professor Serafi m Guimarães? A fotografi a é mais eloquente do que muitas palavras: mostra um momento de felicidade de Robert Furchgott, prémio Nobel da Medicina em 1998, disfrutando do abrigo de paz e de convívio humano caloroso que é a família e a casa paterna de Serafi m Guimarães, em Espargo, Santa Maria da Feira.

Fotografi a de Agosto de 1998, em Espargo, no pátio restaurado da casa onde nasceu Serafi m Guimarães.Da esquerda para a direita com a face de lado ou de frente para a câmara fotográfi ca: Fátima Guimarães, esposa do professor Serafi m Guimarães, a fi lha Joana Guimarães, Klaus Starke, professor emérito da Universidade Alemã de Freiburg i. Br. e a esposa Milika, Serafi m Guimarães, e a esposa de Robert Furchgott, Margaret, e Robert Furchgott, que em Outubro daquele ano iria ganhar o prémio Nobel de Medicina. O autor destas linhas está parcialmente encoberto. No lado direito pode ainda reconhecer-se o professor Jorge Gonçalves, outro dos discípulos do professor Serafi m Guimarães, actual vice-reitor da Universidade do Porto. O professor Ove Nedergaard, de Odense, Dinamarca e a doutora Maria Quitéria Paiva, colaboradora dilecta do professor Serafi m Guimarães em numerosos trabalhos publicados, estão de costas para a fotografi a.

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14 O MEU DESTINO

Edgar Carneiro*.

No pano verde apostadoquis ficar sempre a ganhar,mas por força do destino,supondo o trunfo a meu lado,joguei ouros e perdi.

No xadrez da minha vida,em cada muda que fizdo peão à torre erguida,quis ser um rei vencedor,mas enfrentado perdi.

Na roleta do desejode prazeres inominadosonde os meus dados metiquis ser em pleno atendidomas nem sempre consegui.

Vendo que a sorte é negaça,em vez da louca ambiçãoconduto da mais-valia,quis ser apenas poetae ganhei na lotaria.

* Nasceu em Chaves em 1913.Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra.Foi professor dos ensinos técnico-profissional e secundário. De 1967 a 1974, dirigiu a Escola D. Pedro V, a primeira a funcionar em Fiães, neste concelho.Reside há 38 anos em Espinho, foi distinguido pela Câmara local com a Medalha de Mérito.Tem 11 livros de poesia publicados, o último dos quais saiu a lume em 2003 e tem por título Depois de Amanhã.

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15Agradecimento Serafi m Correia Pinto Guimarães*

Senhor Governador Civil de Aveiro Senhor Presidente da Câmara de Santa Maria da Feira Destacados membros das entidades promotoras deste jantar Santa Casa da Misericórdia de Santa Maria da Feira Fundação Comendador Joaquim de Sá Couto Clube Feirense Associação Cultural Comissão de Vigilância do Castelo Liga dos Amigos da Feira Companheiros das diversas escolas por onde passei Meus Amigos:

Quando me deram a notícia desta iniciativa, e ao pensar nas pessoas amigas que aqui iria encontrar, e que seriam, na sua maioria, seguramente, pessoas do meu tempo, tive, de repente, um daqueles complexos estados de espírito que os neurologistas designam por – um déjà vu – defi nido por um vago alvoroço emoldurado por uma atmosfera de simpatia – semelhante ao da minha primeira vinda à Feira como pessoa responsável:

quando aqui vim fazer exame da quarta classe.

É que me sinto sufi cientemente novo para aceitar homenagens, mas ainda não me acho sufi cientemente velho para gostar delas.

Há pudores que só a velhice desfaz.

Um tanto tolhido pela encruzilhada de sentimentos que esta convocatória me despertou, o que é que hei-de dizer em resposta a esta iniciativa que, tendo tido a minha discordância quase deseducada, acabou por me trazer aqui feliz, verdadeiro, vinculado e sinceramente agradecido?

Não cometi qualquer proeza especial, não possuo qualquer virtude que me singularize, não parto, não regresso. Interpreto, assim, esta iniciativa, como uma simples oportunidade para um reencontro, sugerida por um momento do calendário e determinada pela amizade que eu retribuo com a mesma verdade e a mesma pureza, com que a recebo.

Quando olho para trás e apesar do caminho percorrido ser já longo e ter tido acidentes, subidas e descidas e algumas curvas e apesar de os fi lósofos e

*Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

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16 psicólogos dizerem que as recordações se modifi cam no decurso da vida e que estão sempre a ser reconstruídas, em função das constantes aquisições da experiência, eu vejo muito nítido o desenrolar desse percurso e reconheço, com uma grande clareza, as forças mobilizadoras que fi zeram de mim o que tenho sido e o que sou.

Ao fazer o re-exame dessa caminhada, lembro com especial relevo e particular ternura certos factos, pessoas, circunstâncias que, ou porque tiveram mais impacto estruturante sobre a minha textura intelectual ou porque me mimaram o espírito com lembranças mais doces, foram mais determinantes no encaminhamento que dei à minha vida. Nos recuados tempos da pré-primária, lembro-me bem, que comecei por desejar vir a ser bombeiro ou polícia. Era a atracção das fardas e do brilho dos capacetes metálicos que eu via nas procissões dos vinte das fogaceiras, a que nunca faltava, ou dos sinaleiros do Porto quando, com a minha mãe ia visitar o meu irmão António ao seminário de Vilar e os via ali, logo à saída de S. Bento, a mandar no trânsito, com tanto poder. Sempre me marcaram certas dignidades que, nessa altura, eram conferidas pelo que se via por fora,

as fardas e os capacetes que, à luz dos meus olhos de menino, eram coisas raras que consagravam os méritos que eu entendia! Mas, a pouco e pouco, esse encanto essencial que inspira e ilumina as vocações foi-se fundamentando, como é natural, noutras razões, que a progressiva experiência humana propicia e a educação orienta. Com o andar dos anos, naturalmente, foram tomando forma modelos mais razoáveis e consistentes a que se agarravam os ideais que iam surgindo com o amadurecimento, modelos em quem, com maior ou menor rigor, os ia vendo realizados. O meu primeiro grande ídolo, como quase sempre acontece, foi meu pai: consubstanciava a força, a protecção, a segurança. Acompanhou-me, sem sabermos ambos, ora mais de perto, ora mais de longe, nos anos decisivos da formação do carácter. Na idade da socialização quase compulsiva que é a idade escolar, nesse primeiro choque com o Mundo que também é dos outros, fi z a recruta natural, no encontro aberto com crianças da minha idade, com as suas virtudes espontâneas e as suas amizades desprevenidas, mas também com as suas traquinices, as suas pequenas maldades. Convivemos sob a ansiedade de um mesmo desejo de aprender, quantas vezes na expectativa de sermos alvo de um mesmo castigo, sempre na certeza de uma entreajuda que contribuísse para passarmos de classe no fi m de cada ano. Jogámos o peão com o Prof. Leão que nos dava peões novos quando nos destruía – o termo que usávamos era escanava – os velhos, mas também com ele seleccionávamos, de entre as árvores do recreio, os ramos mais adequadas para preparar as vergastas com que nos castigava!

Protagonizámos guerras contra os colegas de outros lugares da aldeia, declaradas com solenidade e com data marcada, guerras que, às vezes, não se resolviam numa única contenda e transitavam para o dia seguinte; as armas utilizadas eram as pedras dos caminhos, que atirávamos uns aos outros, entre berros, e avançando ou recuando, de acordo com a abundância dessas armas e da pontaria dos atiradores. Com a mesma

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17lógica, os mesmos lanços e quase a mesma emoção com que revivíamos as manifestações bélicas descritas nos manuais onde aprendíamos a história de Portugal. Era a imaginação a pedir aulas práticas. No fi m, faziam-se as pazes e fi cávamos mais amigos do que antes.

Foi nesse grande encontro genuíno, feito, também, desses pequenos desencontros naturais, que se veio a estruturar uma solidariedade de raiz, intrínseca, visceral que, por ser alheia a privilégios, a condições sociais, a castas ou a fortunas, jamais alguma fi losofi a oportunística, algum proselitismo extemporâneo, poderá algum dia desfazer. Com que saudade recordo os meus primeiros companheiros do estudo e da bola. Num certo domingo chuvoso, um grupo desses amigos estava a jogar as cartas, na loja do oito eu desafi ei-os para uma ida ao cinema, na velha Casa do Povo. O fi lme era famoso, o Rebecca, por acaso um fi lme pesado, misterioso e tétrico. Em dada altura, em que a Rebecca, em frente de uma janela aberta, ponderava lançar-se para o precipício de uma escarpa medonha, num momento em que a solenidade densa do momento tinha feito parar as respirações e o silêncio era absoluto, ouve-se uma voz bem timbrada dizer tranquilamente: Oh Bergilo!

Mais valia nós estar a batê-las.

E, num gesto espontâneo e unânime, demos connosco na porta de saída para regressar a Espargo e continuar o jogo da sueca. Foi Espinho a etapa seguinte. Foi um tempo já mais balizado por uma vocação que se ia defi nindo. Mas vocação era vocação e tempos livres eram tempos livres. Naquele tempo, o tempo dava para tudo. As duas horas que estudava no comboio – uma para lá outra para cá – iam chegando para satisfazer os meus anseios e as exigências do Dr. Neves, que eram medonhas, e as do Prof. Figueira, da Pulguinha, do Padre Costa e outros que as tinham mais moderadas. Havia que dar tempo também ao futebol, ao voleibol e ao pingue-pongue. E, a par do empenho e da primazia que sempre dei ao estudo, lá fui entretendo algumas canseiras nessas actividades menos nobres, e lá andei perdendo e ganhando, apanhando umas caneladas aqui, dando outras ali, perseguindo os exemplos de novos modelos, entretanto surgidos, e que vieram povoar o palco da minha fantasia adolescente. Os Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano foram os responsáveis pelo meu outrora feroz, hoje mitigado sportinguismo. Mas o Peyroteo, esse foi um dos grandes ídolos da minha adolescência. Cheguei a escrever-lhe uma carta a que ele respondeu. Tinha 11 anos! Não posso medi-la, mas foi grande a infl uência que sobre mim exerceu o desportivismo fabuloso da sua conduta. Como é possível compreender que, mais de 50 anos depois de tantos casos exemplares de presença desportiva como a dele, se assista ainda hoje, nos nossos estádios, às cenas de descontrolo emocional, de violência primária, de maldade animal entre colegas da mesma profi ssão, às vezes da mesma terra, às vezes da mesma equipa, às vezes entre colegas que partilharam um mesmo quarto durante longos dias de estágio!

Um dia, no fi m de um dia de trabalho no Hospital Militar de Luanda, vieram chamar-me para ver um doente. Desci à baixa da cidade onde esse doente morava. Era uma casa modesta, rodeada de fetos tropicais, de palmeiras, de verdura. Apesar da abundância dessa cor da esperança, subi desalentado, ao primeiro andar e no

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primeiro aposento de um longo corredor, havia uma porta aberta por onde me indicaram para entrar. Entrei e dei com um doente a quem a doença tinha já levado uma perna e ameaçava, agora, levar a outra. Era o Fernando Peyroteo, esse grande ídolo de 20 anos antes, símbolo da energia, da saúde e da vitória, que estava ali sentado numa cadeira de rodas, à espera da caridade de alguém que o empurrasse, para mudar de sítio. Foi intensa e complexa a emoção que senti: o ídolo, que já nem pés de carne tinha, estava ali, abandonado, vencido, inútil! Apesar de nova cirurgia que lhe levou a outra perna, morreu poucos dias depois.

Da passagem por Espinho – 7 anos de vida numa idade tão sensível, fi cou-me, estranhamente, a impressão de uma perturbante transitoriedade. Aparte o desporto, que sobre mim exerceu alguma infl uência, embora o seu reinado fosse muito curto, tudo foi de passagem, de empréstimo, epidérmico. Nada de verdadeiramente interessante e profundo me fi cou a ligar a essa terra. Salvo uma ou outra amizade, um ou outro episódio testemunho de uma juventude sadia e a enternecida memória da gente e das aventuras do Vouguinha, nada deixou marca. Talvez porque dali se partia para muitos mundos que não foram o meu. Ali fez-se, fundamentalmente, uma crivagem separadora.

Espinho não foi um molde, foi um fi ltro!

Na corrida da vida a seguir a Espinho veio o Porto e a ambicionada Faculdade. Se Espargo e Feira foram a forma do meu carácter, a Faculdade de Medicina do Porto foi, como tinha de ser, o molde da minha inteligência.

Também aqui e apesar de serem outras as exigências e outra a consciência, a actividade escolar não esgotava a minha apetência de humanidade.

Desde muito novo que certas manifestações musicais me fascinavam. Longe de ser um grande entendido da música erudita – nunca senti um apelo profundo pela música complexa das longas e impenetráveis partituras – sou um apaixonado de certas

melodias, de certas interpretações que entram facilmente no ouvido e depois se repetem de cor. Os passarinhos cantam sem pautas nem semi-fusas. É essa a minha música, a música de toda a gente, a música que tem nos fados da Amália a sua expressão absoluta e o seu símbolo. A música das canções de Coimbra: do Góis, do Zeca Afonso, do Fernando Machado, as guitarradas do Jorge Tuna, do Bagão ou do Brojo, foram, desde sempre, as referências que me guiaram os passos nesse desejo antigo. Para preencher as folgas deixadas pelo meu programa de actividades escolares, tudo me apontava para o Orfeão Universitário, única estrutura organizada. Candidatei-me e fui aceite, mas não foi fácil o convívio com as exigências do maestro Afonso Valentim que nos metia nas mãos pautas e mais pautas semeadas dessa escrita que eu não entendia. Só quando a melodia entrava no meu espírito é que eu deixava de simular e me integrava no coro. Mas, nesses tempos gloriosos a ignorância musical era geral, mais do que uma fatalidade, era uma realidade. Gostava muito de certas peças do nosso reportório, mas aquilo não me chegava. Fui, então conduzido para o grupo de serenatas, que era no fundo constituído por antigos estudantes que de Coimbra tinham vindo para o Porto acabar os seus cursos, ou em Engenharia ou em Farmácia. (O Carlos Couceiro, cuja presença, hoje, aqui, tanta alegria me dá foi um dos juízes nesse julgamento).

Neste grato parêntese, quero referenciar e agradecer a presença dos vários embaixadores da canção de Coimbra que quiseram estar connosco nesta noite. Usando as palavras do Padre António Vieira, no sermão da sexagésima ao referir-se aos missionários, eu também digo: aos de perto, há-de-lhes pagar Deus o paço, aos de longe há-de-lhes pagar o paço, mais os passos! Tornei-me, assim, objectiva e ofi cialmente aquilo que envergonhada mas matricialmente sempre fui: um fadista. Mais tarde sob a égide e a paciência do Fernando Xavier, abri, também, as portas à realização de outro sonho da adolescência: tocar guitarra. Um certo dia, era eu já professor de Medicina,

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no fi m de um jantar de um Congresso, um grupo de cientistas alemães, americanos e ingleses, informados do meu envolvimento fadista, condenaram-me a dar voz cantada à minha boa disposição. Como havia ali gente do fado para animar o período pós-prandial daquela festa, não foi difícil encontrar quem me acompanhasse. Estávamos nas Arcadas de D.Vaz, um bar típico na Ribeira portuense. Lá os calei, cantando dois ou três fados. Quando, no fi m de tudo, vinha a sair tinha à minha espera o dono da casa a oferecer-me oito contos por mês – era o dobro do vencimento que eu recebia na Faculdade – se eu me dispusesse a ir animar duas vezes por semana as noites dos seus clientes. Se calhar fi z mal em não aceitar. Conto isto não para enaltecer os meus méritos fadistas – não tenho essas veleidades – mas para sublinhar a miséria do vencimento de um professor da Universidade. A um ouvinte desprevenido poderá parecer que a vida de um estudante universitário é este forrobodó do fado e seus arredores. No meu caso, o fado preencheu os pequenos intervalos de uma vida de estudo intenso, desde há muito balizada por uma vocação bem defi nida e por um obstinado sentido de exigência. Contudo e apesar dessa prioridade dada ao estudo da Medicina, o espírito fadista, que enfeitava o meu humanismo intrínseco e que sinto determinar um certo destino poético, sempre fez parte do melhor que tenho em mim e nunca deixou de me infl uenciar, quer para dar signifi cado ao mais pequeno e insignifi cante acto da minha actividade clínica, quer para dar o verdadeiro sentido ao esforço silencioso e esquecido da minha dedicação à pesquisa científi ca!

Com a formatura veio o convite para uma recruta na vida académica que fez de mim assistente da Faculdade de Medicina e, pouco depois, a feliz aventura do casamento. Aqui, não houve ídolos longínquos a perseguir, mas a perfeita identifi cação entre o que desejava e o que encontrei. À família que desse encontro resultou devo quase tudo do que se passou a seguir. Não foi de farturas a nossa vida nos primeiros anos; apesar disso, nunca me cruzei com o mais velado desejo ou sugestão de alternativa que pudesse estorvar a perseguição que movia aos meus ídolos.

Foi assim que pude continuar a perseguir os novos modelos que me iam desafi ando no caminho.Homens raros da ciência biológica começaram a ser os santos dos meus altares, não me deixando ser o médico que quase não fui. Fui médico pouco tempo – médico de ver doentes, de os tratar, de os curar ou de os ver morrer só mesmo, durante dois curtos períodos da minha vida: logo após a licenciatura – fase interrompida pela mobilização militar – e durante dois anos em Angola. Ao lado disso, foi uma longa passagem pela Medicina termal. Pasteur, Krebs, Axelrod, Trendelenburg, Furchgott tornaram-se os novos ídolos do meu imaginário, assistindo-me nesse desvio de trajectória. Tinha chegado de Angola e foi-me posto o dilema: clínica assistencial predominante ou ensino e investigação científi ca pura: os ídolos então chegados ao meu fi rmamento não me deixaram hesitar e apostei na ciência. Ensinei durante 44 anos e gostei muito; sinto adivinhar o que pensam os milhares de alunos que ajudei a formar; fi z investigação durante outros tantos e gostei muito. Não é difícil quantifi car o trabalho produzido, mas é impossível avaliar o impacto efectivo que teve no conhecimento científi co. E agora, já sem ídolos que me alimentem a fantasia, volto à realidade das fontes para me confrontar com os ecos do passado, ecos que só eu ouço, mas que não mentem e que me falam da verdade que me iluminou a marcha desde os primeiros passos. Nenhum outro tempo tem o signifi cado e a infl uência formativa como o descuidado tempo da infância. A noção de que o tempo passa de cada vez mais depressa com o aumentar da idade é um fenómeno interior, sentido por todos e que, não sendo fi sicamente real, é psicologicamente indiscutível. O relógio interior que nos mede a duração do tempo diz-nos que as horas da infância são mais longas. Creio que é, também por isso que a aprendizagem feita nessas horas é mais vinculativa. Primeiro, porque a mensagem entra pela raiz e o terreno oferece-se lavrado e gradado para a sementeira depois, porque tem outro tempo de convívio com os complicados processos de fi xação à consciência. É, assim que o que entra fi ca aí amarrado para sempre.

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Serafi m Correia Pinto Guimarães (curriculum vitae)

• Licenciado em Medicina em 1960, com a média de 17.3 valores • Serviço militar de 20.01.1963 a 6.01.1966 (em Angola de 8.11.1963 a 6.01.1966)• Doutorado em Medicina, em 1968, com a classifi cação de 19 valores• Professor Extraordinário, por unanimidade, em 1973• Professor Catedrático em 1979• Regente da Cadeira de Farmacologia na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (1987-2004)

• Director do Laboratório de Farmacologia e Terapêutica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (1990-2004)• Director do Instituto de Farmacologia e Terapêutica da Faculdade de Medicina do Porto (1993-2004)• Director do Centro de Neurofarmacologia do IBMC (1990-2004)• Coordenador do Curso de pós-graduação em Hidrologia e Climatologia (1980)• Professor Catedrático Emérito da Faculdade de Medicina do Porto (2005)

É por isso que é bom voltar às fontes; dá-nos horas ímpares de refl exão, de reencontro com nós mesmos. É a esse espelho que podemos detectar não só algumas deformações epidérmicas que se vêem facilmente de fora, mas também as moléstias interiores que nenhum microscópio permite enxergar e que exigem renovação.

É no confronto dos sonhos que tivemos na pureza da origem com o concreto que a vida real nos deu que podemos aferir a bondade do que fomos e do que fi zemos, seja sob que olhar for e em que posição nos coloquemos: mais de frente ou mais de lado ou mesmo de costas.

Com outros valores de sensibilidade em ordenadas e outros valores de idade em abcissas, aqui estamos a reformular gráfi cos que permitam analisar o sentido da marcha e é bom ver que quarenta, cinquenta, sessenta e mais anos de vida não impediram que olhemos uns para os outros, com os olhos da mesma confi ança, numa mesma sintonia de afectos que se pode exprimir na ternura do abraço que damos com a frescura do primeiro.

A palavra de alguém a falar de si próprio é sempre precária. Ainda que seja verdadeira, passa depressa. De qualquer modo, que o discurso em que se integra não inspire interrogações nem esteja semeado de reticências. Foi minha profunda intenção dar voz a sentimentos que, sendo meus, me não pertencem. Ninguém vive só por si, nem se constrói sozinho. São seus donos todos aqueles que participaram na sua génese e formação, todos vós, queridos amigos, aqui presentes: uns, porque tiveram parte mais densa e signifi cativa na fundação dos alicerces que são hoje memórias do passado, outros porque se aproximaram mais tarde para ajudar a dar conteúdo e riqueza às vivências do presente, outros, porque, ainda novos, são os depositários de uma esperança que se há-de dilatar em testemunhos eloquentes, fi éis à mesma verdade. A todos a imensa alegria da vossa presença que tanto me agrada e honra.

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É ainda

• Membro da Comissão do Formulário Hospitalar de Medicamentos • Membro do Colégio da Especialidade de Farmacologia Clínica Área de investigação:

• Sistema nervoso simpático adreno-ceptores; libertação do mediador adrenérgico e sua regulação. • Receptores da angiotensina II a nível cardiovascular. • Interacções a nível de receptores pré-sinápticos. • Co-mediação.Receptores da adenosina e da angiotensina.

Estágios:

• Essen (Prof.Dr.H.J.Schümann) de Agosto a Dezembro de 1966• Würzburg (Prof.Dr. U.Trendelenburg) de Abril a Agosto de 1971• Würzburg (Prof.Dr. U.Trendelenburg) de Agosto a Novembro de 1977

Professor visitante

• Freiburg i.Br. (1979, 1986,1988, 1994; 1999; 2002)• Odense (1980)• Würzburg (1985, 1989)• S.Paulo (1989)

A convite, proferiu lições em:

• Essen, Würzburg, Freiburg i Br., Hamburg, Santiago de Compostela• Odense, Glasgow, Caxambu, Jerusalém, München, Águas de Lindóia, Copenhagen, Praha

Faz (ou fez) parte do corpo editorial das seguintes revistas:

• Arch. Int. Pharmacodyn (Bruxelles) - 1985-1997• Pharmacological Research (Milano) - 1986-2004• Arquivos de Medicina (Porto) - 1988-1998• JAMA (Ed.Por.) Lisboa - 1992-1997• Medicina Física e de Reabilitação – 2001-

Tem exercido as funções de “Referee” em trabalhos propostos para publicação nas seguintes revistas:

• Naunyn-Schmiedeberg’s Archives of Pharmacology (Alemanha)• European Journal of Pharmacology (Holanda)• Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics (Estados Unidos da América)• Journal of Autonomic Pharmacology (Inglaterra)• Pharmacological Research (Itália)• Archives Internationales de Pharmacodynamie et Thérapie (Bélgica)• Pharmacology and Toxicology (Dinamarca)• British Journal of Pharmacology (Reino Unido)• Life Sciences (Estados Unidos da América)• Cardiovascular Research (Holanda)• Journal of Cardiovascular Pharmacology (Estados Unidos da América)• Heart and Blood Vessels (Japão)• Brazilian Journal of Biological Sciences (Brasil)

Foi -Vice-Reitor da Universidade do Porto

Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Medicina do Porto

Presidente da Comissão Técnica de Medicamentos (Dezº 1997 a Outº 2000)Presidente da Sociedade Portuguesa de Farmacologia (1985-1988)

Presidente do Colégio da Especialidade de Farmacologia Clínica

Representante Português da SociedadeInternacional de Hidrologia (1978-1981)

Membro da Comissão Instaladora da Sociedade Europeia de Farmacologia (EPHAR) (1986-1988)

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Director Clínico das Termas de Monfortinho (de Janº 1969 a Junºde 2000)

Apresentou trabalhos científi cos em 110 Congressos Internacionais e em 69 realizados em Portugal

Orientador das dissertações de doutoramento de: *

• Fernando Augusto Andrade de Abreu Brandão (1980)• Daniel Filipe Lima Moura (1988)• Jorge Moreira Gonçalves (1991)• Jorge Alberto de Barros Brandão Proença (1991)• José Pedro Lopes Nunes (1996)• Manuel Joaquim Lopes Vaz da Silva (1996)• Isabel Vitória Neves de Figueiredo Santos Pereira (1998)• Rosa Sousa Martins da Rocha Begonha (1999)• Helder Pinheiro (co-orientador)(2003)• Alberto Vieira da Mota(2004)

Artigos de revisão publicados em revistas internacionais ou em livros (por convite)

• Proceedings of the International Congress of Pharmacology (Helsinki, 1975)• Vascular Neuroeffector Mechanisms, Raven Press, New York, 1978 (livro)• Trends in Pharmacological Sciences, 3:159, 1982• Trends in Pharmacological Sciences, 6:371, 1985• Review Physiol Biochem Pharmacol, Springer-Verlag, Heidelberg, 1983 (livro)• New Aspects of the Role of Adrenoceptors, Springer- Verlag, Heidelberg, 1986 (livro)• Advances in Autonomic Pharmacology, • Jerusalem, Alan R. Liss, Inc., 1988 (livro)• Presynaptic Receptors and Neuronal Transmission, Rouen, 1991 (livro)• Cardiovascular Drug Reviews, 16:413-419, 1999• Trends in Pharmacological Sciences,20:90, 1999• Annual Reviews of Biomedical Sciences,1:31-58, n 1999• Pharmacological Reviews, 53:319-356, 2001

• Cardiovascular Research, 67: 208-215, 2005

É além disso:

• Editor do livro Terapêutica Medicamentosa e suas Bases Farmacológicas, Porto Editora, 3ª Edição, (1994), 4ª Edição (2001) e 5ª edição (2006) e autor de oito capítulos desse mesmo livro.

Autor de alguns capítulos do Formulário Hospitalar de Medicamentos

Prémios:

• 2º Prémio Pfi zer: 1967 e 1973• 1º Prémio Pfi zer: 1992• 1º Prémio UCB de Farmacologia: 1996

• É autor de 333 trabalhos científi cos, dos quais 235 publicados em revistas internacionais.

* Os dez Doutores, cujas Teses de Doutoramento sugeriu e orientou são hoje Professores da Faculdade de Medicina do Porto (5), da Faculdade de Farmácia do Porto (3), e da Universidade de Coimbra (2).

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ALGUNS DIPLOMAS

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HOMILIA NA FESTA DE S. SEBASTIÃO

(20 de Janeiro de 2007)

D. Carlos Filipe Ximenes Belo *

Reverendo Padre Eleutério Pais, dig.mo Pároco de Santa Maria da Feira; Ex.mo Senhor Presidente da Câmara de Santa Maria da Feira, Sr. Alfredo Henriques

Ilustríssimos Vereadores, Presidentes das Juntas; Demais Autoridades Civis, Militares e de Segurança: Caríssimos Irmãos e Irmãs em Cristo. Recebi o convite do Sr. Pároco e do Sr. Presidente da Câmara para presidir a esta solene Celebração Eucarística na Festa das Fogaças, para, convosco, dar graças a Deus, por todos os Benefícios que o Senhor derramou sobre a vossa querida terra, por intercessão do Padroeiro S. Sebastião. A todos vós, dirijo as minhas mais calorosas saudações e, a todos, manifesto o meu agradecimento pelo convite feito. A Cidade de Santa Maria da Feira está em festa. E, segundo uma veneranda tradição, estais aqui para cumprir as vossas promessas, celebrando e participando na Eucaristia na solene procissão. Caríssimos Irmãos em Cristo: neste dia de festa, os sentimentos que brotam da nossa alma e do nosso coração são, naturalmente, aqueles de agradecimento a Deus. Agradecemos a Deus pelo grande dom da vida; pela saúde, pela família, pelo trabalho, pelos campos, pelas fábricas, pelos familiares, pelos amigos; agradecemos também a Deus pelo sofrimento que nos tem proporcionado ao longo do ano: doenças, sofrimentos, tristezas, sacrifícios, trabalhos,

* Bispo Emérito de Dili e Prémio Nobel da Paz 1996.

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preocupações, etc. Pois, que Deus seja louvado em tudo: na vida e na morte, na felicidade e na infelicidade, nos bons e maus momentos... A primeira leitura tirada do Livro de Bem Sirac, o Eclesiástico, convida-nos precisamente para esta atitude de agradecimento e de confi ança na Providência divina. O autor do livro chama-se Jesus, fi lho de Sira ou Sirac, e viveu no Egipto, no 38.º ano do rei Evergeste, 132 a.C. A mensagem do texto lido é diáfana e cristalina: a riqueza do ser humano está no íntimo do coração agradecido: “Eu te dou graças, ó Senhor e Rei, e te louvo Deus meu Salvador. Dou graças ao teu nome, pois foste para mim um protector e um refúgio, livraste o meu corpo da perdição / Perante os meus inimigos, foste o meu defensor e me libertaste / das muitas tribulações que padeci, da violência das chamas que me rodeavam / Lembrei-me então das tuas misericórdias, Senhor, e das tuas graças desde sempre... Louvarei sem cessar o teu nome e glorifi cá-Io-ei nos meus louvores”. Foram estes, sem dúvida, os sentimentos do soldado Sebastião, quando foi submetido ao duplo martírio que sofreu por ter confessado Jesus Cristo como único Deus e por ter socorrido os cristãos durante a perseguição do Imperador Diocleciano. S. Sebastião nasceu em Milão, de pais cristãos. Ainda jovem, alistou-se no exército do Imperador

Maximiano (286-305). Como era um bom soldado, foi promovido a capitão da guarda pretoriana no tempo de Diocleciano. Tinha um grande desejo de testemunhar a fé. Por isso, mudou-se para Roma, onde grassava a perseguição aos cristãos, que ele procurou socorrer. Devido à sua fé, foi também perseguido. Foi acusado de defender os cristãos e de ser infi el e ingrato para com o Imperador. Foi preso, atado a uma árvore, nu e cravado com setas. Quando já o julgavam morto, abandonaram-no; mas uma mulher viúva e piedosa, de nome Irene, vendo que ainda estava com vida, levou-o para a sua casa e cuidou-lhe das feridas. Mal refeito, Sebastião apresentou-se de novo ao Imperador. Este, tentou aliciá-lo a abandonar a fé cristã. Mas o valoroso soldado, cheio de fortaleza, não só recusou os convites do imperador, como o chamou de “iníquo e cruel”, sem piedade e sem humanidade. Mais, dizia-lhe que ele não temia morrer por Cristo, o verdadeiro rei e imperador do mundo. Foi então submetido a vergastadas até à morte. Este facto ocorreu nos princípios do século IV, na perseguição que vitimou outros cristãos, como S. Vicente e provavelmente Santa Inês. S. Sebastião foi aquele que sofreu duplo martírio. Desde tempos remotos, foi invocado como advogado contra as pestes. Este é o Santo que estamos a celebrar. Caros fi éis: O martírio não aconteceu apenas no século III ou IV. Ainda hoje, no início do século XXI, em muitas partes do mundo, há cristãos que são perseguidos por causa da sua fé, e que, como S. Sebastião, não renunciam ao Evangelho, mas que, com fortaleza de ânimo, dão testemunho de Jesus Cristo. O martírio faz parte da vida cristã. Nosso Senhor Jesus Cristo foi o primeiro e o maior dos mártires. Deus feito Homem, sem culpas e sem pecado, foi condenado à morte mais cruel, a morte na cruz. Atrás dele, seguiu-se uma multidão de homens e mulheres: Sto. Estêvão, os Apóstolos Pedro e Paulo, Bispos como Inácio de Antioquia, Diáconos como S. Lourenço, Virgens, como Santa Inês, Luzia, Felicidade, e tantos outros. Não só em Roma ou Europa, mas praticamente em todos os Continentes, e como o Apocalipse: “... uma multidão enorme que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam de pé com túnicas brancas diante do trono do Cordeiro, e com palmas na mão” (7,9).

O Vigário da Vara Padre Domingos Milheiro e D. Ximenes Belo durante a Celebração Eucarística.

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Lemos na oração da colecta: “Concedei-nos, Senhor, o espírito de fortaleza, para que, a exemplo do vosso mártir S. Sebastião, aprendamos a obedecer a Vós antes que aos homens”. A “fortaleza” é um dos sete dons do Espírito Santo que todo o fi el recebe no dia de crisma ou confi rmação. O Catecismo ensina que a fortaleza é uma virtude cardeal: é uma virtude moral, que, no meio das difi culdades, assegura a fi rmeza e a constância na prossecução do bem. A virtude da fortaleza dá capacidade para vencer o medo, mesmo a morte, e de enfrentar a provação e as perseguições. Dispõe a ir até à renúncia e ao sacrifício da própria vida, na defesa duma causa justa.” (CIC, n 108). Para os cristãos, a causa justa é a pessoa de Jesus Cristo, o seu evangelho, o seu Reino, que é um reino de justiça, de amor e de paz. Caros irmãos e irmãs, cristãos e Povo de Santa Maria da Feira: celebrar a Festa do mártir S. Sebastião, hoje, signifi ca renovar a nossa fi delidade a Jesus Cristo, a nossa fi delidade aos compromissos baptismais. Ser cristão signifi ca ser testemunha, e ser testemunha signifi ca ser mártir. Ter como padroeiro um santo mártir, signifi ca ter empenho em imitar S. Sebastião em cada dia da nossa vida: Vemos em S. Sebastião a sua fé intrépida; isto é, que ele não teme a morte mais cruel para testemunhar Jesus Cristo. Ele foi um jovem leigo destemido, totalmente devotado à causa de Deus e dos irmãos, na fé, Ele manteve a constância no meio das provas, não se deixando atemorizar pelas perseguições. É isso que vamos procurar imitar e praticar na nossa vida. O Concílio Vaticano II ensina que a missão da Igreja se destina a todos os homens a fi m de “os conduzir, pelos exemplos de vida e pela pregação, pelos sacramentos e restantes meios da graça, à fé, à liberdade e à paz de Cristo, de tal maneira que lhe manifeste claramente o caminho livre e seguro, para participarem plenamente no mistério de Cristo” (AG, n. 5). Nesta dinâmica de testemunho permiti -me que me dirija aos adultos (Homens e Mulheres) que fazem parte do Reino de Deus, aqui, na Cidade de Santa Maria da Feira: “Os leigos adquirem o direito e o dever do apostolado pela sua própria união com Cristo Cabeça. Inseridos no Corpo Místico de Cristo pelo Baptismo,

robustecidos com a força do Espírito Santo pela Confi rmação, são destinados pelo próprio Senhor para o apostolado. Este apostolado consiste no testemunho da vida e no zelo em procurar as ocasiões para anunciar Cristo com a palavra, quer aos não crentes para os trazer à fé, quer aos fi éis para os instruir, confi rmar e estimular a uma vida mais fervorosa”(AG, n° 6). No espírito das bem-aventuranças evangélicas, os leigos procuram empenhar-se numa acção importante de intervir “directamente na vida política e social, animando, com espírito cristão, as realidades temporais, e colaborando com todos, como autênticas testemunhas do evangelho e promotores da paz e da justiça” (CIC, n. 519). Aos jovens - Caríssimos Jovens, São João, o evangelista, escreveu assim na sua carta: “Jovens, escrevi-vos, porque sois fortes e a palavra de Deus permanece em vós e vencestes o Maligno”(1ªa jo, 2, 14). Vós, que sois fortes, por causa do dom do Espírito Santo, espero que estejais cheios do espírito de Cristo e sejais animados pela obediência e amor à Igreja. E que vos “torneis os primeiros e imediatos apostolados dos jovens” (Ib. n° 12). São Sebastião foi um jovem destemido e intrépido. A Igreja que está em Santa Maria da Feira precisa do vosso entusiasmo, da vossa alegria e da vossa generosidade para anunciar Jesus Cristo, a verdadeira Vida, o único Caminho, a todos os jovens de Portugal. Não deveis desperdiçar as vossa energias que Deus Nosso Senhor depositou nos vossos corações: o gosto pelos grandes ideais e pela autenticidade, o sentido da solidariedade e da fraternidade; a sensibilidade pelos valores da justiça, da concórdia universal, de auxílio aos mais necessitados. Às crianças que, segundo o Evangelho, fazem parte do Reino de Deus, Também vós, queridas crianças, quando amais a Jesus, quando rezais, e quando ajudais os meninos mais pobres, sois “verdadeiramente testemunhas de Cristo entre os companheiros”. Esta Cidade é uma das terras de Portugal que se chama “Terra de Santa Maria da Feira”. Vamos pedir à Mãe de Deus que continue a proteger e abençoe a Cidade e todos os munícipes. Ela, que é Virgem dos Mártires, interceda junto da Santíssima Trindade por vós, para que sigais o exemplo de S. Sebastião em

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testemunhar a vossa fé, mesmo que algum de vós tenha de ser desnudado, atado a um pinheiro ou eucalipto e seja alvejado e atravessado por setas. Roguemos a S. Sebastião que nos ajude a sermos sempre “Leigos destemidos”. Assim seja!

Santa Maria da Feira, 20 de Janeiro de 2007.

Correições na Vila da Feira (1745-1766). Aspectos da vida quotidiana

D. Ximenes Belo e Alfredo Henriques, Presidente da Câmara Municipal.

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29Francisco Ribeiro da Silva*

1 – Introdução

1.1- As divisões administrativas do território nacional

Falando das divisões administrativas do Reno nos meados do séc. XVIII (tempo em que se situa o presente estudo), lembraremos que a primeira pergunta do inquérito dirigido aos Abades das freguesias de Portugal em 1758, cujas respostas formam as tão conhecidas Memórias Paroquiais, era a seguinte: «em que Província fi ca, a que Bispado, Comarca, termo e freguesia pertence»? Ou seja, distinguem-se nela 4 níveis de circunscrições, a saber: Província, Comarca/Bispado, Termo, Freguesia. Não se usa aqui a palavra «concelho» mas a maior parte dos curas entendeu nesse sentido o vocábulo «termo». É evidente que, em rigor, concelho e termo eram e são conceitos diferentes. Mas raros eram os concelhos a que não foram dados arredores mais extensos ou mais minúsculos. Mas alguns respondentes como o abade da freguesia de São Félix da Marinha à qual pertencia o lugar de Espinho (que contava 32 vizinhos) juntam na resposta os dois nomes: termo e

concelho (fi cava a freguesia no «termo e concelho de Gaia», declara, esquecendo-se de acrescentar que, por sua vez, o termo e concelho de Gaia pertenciam ao termo do Porto). O pároco de Anta situa a sua freguesia na «Comarca da Feira e termo da mesma Vila da Feira». A primeira grande divisão administrativa é, pois, a de Província. As Províncias eram seis (Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes e Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve). Mas não deixa de ser estranho que, embora a fi gura da Província surja com frequência na legislação como se fosse uma divisão natural que todos percebiam, não exista qualquer instituição administrativa de base provincial. Quando muito a nível de Província poderemos encontrar, na organização militar, os Capitães-Generais tal como, na estrutura complementar das Alfândegas, os Feitores Gerais para prevenção, fi scalização e punição dos descaminhos e do contrabando. E a nível judicial, o Tribunal da Relação e Casa do Porto estendia a sua jurisdição às três Províncias do Norte, com excepção da Comarca de Castelo Branco, mas com inclusão das de Coimbra e Esgueira que pertenciam à Província da Estremadura, fi cando para a Casa da Suplicação as restantes. Repare-se, então, que para efeitos de administração da justiça superior, o país fora dividido em dois, já nos fi nais do século XVI: as «três Províncias

* Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

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do Norte» (expressão recorrente na documentação ofi cial) e as três Províncias do Sul. 1.2 – Provedores e CorregedoresPondo de lado a divisão eclesiástica que não nos interessa aqui, entre o poder central e os concelhos existiam as Comarcas e as Provedorias à frente das quais o poder central, através do Desembargo do Paço, colocava ofi ciais que se chamavam respectivamente, Corregedores e Provedores. Os poderes e jurisdições de uns e outros foram regulados pelas Ordenações Filipinas (Livro 1, tit. 62 para os Provedores e Livro 1, tit. 58 para os Corregedores). Provedores e Corregedores interferiam na vida dos concelhos, cada um nas suas esferas de competência que, por vezes até se sobrepunham. Em termos gerais, e tendo apenas em atenção a parte das suas atribuições que mexiam com os municípios, podemos dizer que aos Provedores cabia a função de garantir a justa e segura arrecadação das terças régias em tempo adequado e nos valores justos bem como o correcto e justifi cado gasto dos dois terços restantes. Por isso, era mandatado para, anualmente, inspeccionar os livros das rendas do Concelho e obrigar o tesoureiro municipal a entregar ao recebedor das terças o que a elas pertencesse. O peso que o legislador conferia a esta obrigação está subentendido na pena cominada ao Provedor, ou seja, no caso de a arrecadação se perder por sua negligência, seria compelido pelos seus superiores hierárquicos (os Desembargadores do Paço) a repor do seu bolso a importância em falta. Mas, para além disso, deveria fi scalizar o uso que se fazia dos restantes dois terços dos dinheiros concelhios. Despesas que não fossem em prol do bem do Concelho não seriam aprovadas. E os dinheiros despendidos em subsídios, que por altura das festas se atribuíam um pouco por toda a parte às individualidades investidas em autoridade (inclusive os mesmos Provedores), só seriam levadas em conta se houvessem sido autorizadas por provisão régia. Caso contrário, os Vereadores restituíam do seu bolso as verbas ilegitimamente levantadas ou, no caso de culpa do Provedor, seria ele próprio mais uma vez a repor. Isto era o que a lei mandava – o que não quer dizer que

se cumprisse exactamente assim, embora seja possível apontar casos em que a lei não foi letra morta. Por conseguinte, é a lei fundadora que obriga os Provedores à vigilância cuidada e à tutela (eventualmente) apertada dos Senados Municipais no que tocava às fi nanças e aos bens dos concelhos. Para além disso, os Provedores foram agentes régios encarregados da fi scalização de rendas e de bens públicos da Fazenda ou dos Concelhos, mas também são legalmente vocacionados para a protecção dos direitos de indivíduos em situação fragilizada, como os órfãos, as viúvas, os doentes, os pobres. Por essa via, a sua acção, mais do que a de qualquer outro Magistrado, poderia interferir no quotidiano dos súbditos. Quanto aos Corregedores, as suas atribuições exerciam-se tanto no âmbito judicial como no da administração civil propriamente dita. A promoção da justiça era provavelmente a mais marcante das suas competências e era sobre ela que devia incidir a sua primordial atenção ao chegar ao lugar de exercício, dando especial apoio aos menos poderosos e atendendo diligentemente às queixas dos injustiçados. Nas cabeças de Comarca onde tinham sua morada habitual, concediam audiência duas vezes por semana, em muitos locais às quartas-feiras e sábados de tarde. Outra competência socialmente importante do Corregedor era a manutenção da ordem pública, superintendendo e coordenando a acção dos agentes tradicionais da ordem, quais eram os alcaides pequenos, os meirinhos, os quadrilheiros, fi scalizando a legitimidade da actividade dos profi ssionais da saúde, obstando à formação de grupos antagónicos e rivais despoletadores de violências, promovendo acções de pacifi cação entre concelhos desavindos e fi scalizando a moralidade pública. A promoção da observância das leis e dos decretos régios e a punição exemplar dos desobedientes era também sua obrigação natural. Aos Corregedores eram também cometidas atribuições no âmbito do fomento fl orestal e frutícola, de acordo com a aptidão e as potencialidades das regiões. No campo da administração municipal propria-mente dita, cabia ao Corregedor não só a função primordial de convocar e presidir às eleições para os

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mais importantes cargos concelhios e fazer listagem das personalidades mais aptas para os postos de topo e decidir sobre a legalidade das eleições de almotacés, mas também fi scalizar os diversos aspectos da acção governativa dos Vereadores municipais e estimular o seu zelo para a manutenção efi caz das infra-estruturas da comunidade (calçadas, pontes, chafarizes, caminhos, paços do Concelho). Não pertencendo à governança municipal, o Corregedor comparecia na Câmara em momentos cruciais da vida concelhia ou mesmo nacional e a Coroa, para além de exigir o seu parecer para o bom despacho dos requerimentos das Vereações, frequentemente encomendava-lhe serviços que iam para além das competências defi nidas nas Ordenações do Reino. Assim sendo, parece importante sublinhar desde já que, embora a lei fundamental dos Corregedores se mantivesse válida enquanto as Ordenações do Reino o foram, ao longo dos tempos verifi cou-se uma importante evolução nas suas competências no sentido do alargamento progressivo do seu campo de intervenção na vida local em geral e na esfera das atribuições municipais tradicionais e até de tutela de outros magistrados. Tal processo será mais visível a partir do pombalismo mas é-lhe seguramente anterior. Reconhecidos como os principais magistrados da Comarca1, foi-lhes reconhecido o direito exclusivo de publicar leis e passar ordens às Câmaras das cidades e vilas principais2. Reafi rmando embora que os Corregedores sempre gozaram de grande prestígio e da protecção régia como agentes qualifi cados da centralização e como vigilantes e promotores por excelência da observância das leis e do direito, temos que reconhecer que no decorrer da segunda metade do século XVIII as circunstâncias políticas e as renovadas fi losofi as do Poder levaram a um notório reforço da sua intervenção na organização da vida das comunidades, de modo a convertê-lo «no mais importante interlocutor do governo com os povos e administrações locais e territoriais»3. A sua acção concreta tornava-se bem visível e até solene e ritualizada nas correições e nos respectivos capítulos,4 muito embora nos possamos

interrogar sobre a efi cácia real das ordens exaradas nas sentenças de correição, como veremos mais abaixo.

2 – A Comarca/Ouvidoria da Feira

Comarcas e Provedorias não esgotavam as circunscrições administrativas da administração periférica colocadas entre a Coroa e os concelhos. Efectivamente ao lado dessas circunscrições supervisionadas e dirigidas directamente pela Coroa, existiam outras muito semelhantes, isentas da jurisdição régia e, por conseguinte, submetidas à jurisdição senhorial. Chamava-se-lhes Ouvidorias e Ouvidor ao ofi cial superintendente. Mas não exageremos na questão da isenção da jurisdição régia, porque ela não era absoluta: se é verdade que o Corregedor da Comarca respectiva não podia, em princípio, entrar nesses territórios, acabava por entrar, por ordem régia, a diversos pretextos. E quanto aos Provedores, estes não sofriam de qualquer limitação legal. Por exemplo, o Provedor da Esgueira era quem superintendia, no séc. XVIII, no Condado da Feira, à arrematação das sisas, embora a partir de 1794 passasse a competir esse trabalho aos Juízes de Fora, desde que fossem nomeados pelo Desembargo do Paço. Os Corregedores ou Provedores continuariam a ter essa função apenas nas terras de juízes ordinários5. Mas o que é curioso é que a designação ofi cial setecentista do território da Feira superintendido pelo Ouvidor, não era Ouvidoria mas sim Comarca. O que me parece um tanto ou quanto anómalo por duas razões: a)- porque António M. Hespanha, referindo-se embora aos tempos de D. João III, considera, quanto a estes aspectos, o país dividido em comarcas e ouvidorias, sendo o número total destas nada menos que oito, para um total de 22 comarcas. Em mais

1 Provisão de 10 de Março de 1764.2 Provisão de 12 de Outubro de 1769.

3 CAPELA, José V., A Câmara, a Nobreza e o Povo do Concelho de Barcelos… p. 241.4 Ver CAPELA, José V., Política de Corregedores. A actuação dos Corregedores nos municípios minhotos no apogeu e crise do Antigo Regime (1750-1834), Braga, Universidade do Minho, 1997.5 Biblioteca e Arquivo Municipal de Santa Maria da Feira, Doações e Regalias do Condado da Feira como anexo à Casa do Infantado, fl . 209-209 v. Exceptuava-se a Comarca de Braga bem como as contadorias servidas por contadores que não eram Provedores (carta régia de 30 de Setembro de 1794).

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nenhum caso, com provável excepção da Comarca de Castelo Branco, parece existir qualquer sobreposição das duas designações6. b)- porque a lei da abolição das Donatarias de 19 de Julho de 1790, ao extinguir as Ouvidorias e ao transformá-las em Comarcas, parece deixar subentender que as circunscrições correspondentes às Comarcas em terras de Donatários se chamavam Ouvidorias. Como quer que seja, na Terra de Santa Maria, que pertencera aos Condes da Feira e que, por falecimento do último Conde, D. Fernando Forjaz Pereira, ocorrido em 1700 sem deixar descendentes directos, passara para o domínio da Casa do Infantado7, a circunscrição administrativa chamava-se Comarca, mais precisamente Comarca da Vila da Feira, ainda que o magistrado aí colocado, até 1790, se chamasse Ouvidor. A partir da chamada lei da abolição das Donatarias (19 de Julho de 1790) passou a ter o título de Corregedor. O Condado da Feira era constituído por um conjunto de terras subordinadas, pois, ao mesmo senhor e nele convergentes. De alguma forma, a Vila da Feira e o seu Castelo aglutinavam todo esse espaço. Sob o ponto de vista administrativo, as terras distribuíam-se por concelhos e coutos, concretamente os Concelhos de Vila da Feira, Macieira de Cambra8, Ovar, Pereira Jusã, Castanheira do Vouga e os coutos de Crestuma, Sandim, Cortegaça e Cucujães. Os concelhos e os coutos dispunham de ofi ciais eleitos (juízes ordinários e procurador do concelho nos concelhos e coutos, vereadores que existiam apenas nos concelhos) confi rmados pelo donatário, os quais governavam as respectivas populações. Mas também nele existiam «funcionários» que superintendiam em todo o Condado. Eram eles o sargento-mor que, por vezes, desempenhava também funções de capitão-mor e o Ouvidor nomeado pelo Donatário, normalmente de entre magistrados de carreira aprovados pelo Desembargo do Paço.

3 - Corregedores e Ouvidores

Embora as Ordenações do Reino não consagrem nenhum título expressamente aos Ouvidores colocados pelos donatários de terras, o seu estatuto «funcional» decorre do teor do título 46, Livro 2 das Ordenações Filipinas no qual se trata do modo como os senhores de terras usarão da jurisdição que lhes for dada pelo Rei. Os poderes desses Ouvidores decorriam dos termos em que a doação régia fora feita. Não devemos confundir os Ouvidores colocados pelos Senhores com os que eram nomeados pelo Rei para alguns lugares de jurisdição régia e dos quais se fala no tit. 59 do Livro 1 das Ordenações Filipinas, ainda que algumas das suas atribuições possam ter sido coincidentes. No caso da Vila da Feira, o estatuto do Ouvidor era muito semelhante ao do Corregedor da Comarca. Não era assim em todas as ocorrências, como se depreende das conclusões de António M. Hespanha que refere situações curiosas, em que juízes de fora régios desempenhavam, em acumulação, funções de ouvidor em senhorios. No caso da Comarca da Feira, embora a sua nomeação fosse da competência dos Condes da Feira e depois do titular da Casa do Infantado, a sua escolha fazia-se normalmente de entre a fi leira dos disponíveis no Desembargo do Paço. E tal como os Corregedores, no fi m do seu mandato trienal, era submetido à sindicância (a que tecnicamente se chamava «residência» ou «juízo de residência») para avaliação do seu desempenho. Ora uma das obrigações mais prementes dos Corregedores era a da correição anual prescrita no § 31 do tit. 68, mas recorrente em outros parágrafos do mesmo título. A palavra correição tem mais que um sentido. Por um lado, signifi ca lugar onde se exerce a jurisdição do Corregedor. Mas também signifi ca a devassa que o Corregedor deveria fazer nesse lugar ou nos lugares da correição para se inteirar dos problemas, carências e eventuais ilegalidades aí cometidas. Mas a prática das correições (no sentido de devassa ou inquirição) remonta a épocas muito antigas e não era um exclusivo dos Corregedores. Também os Provedores faziam correições no tocante às contas das Câmaras e dos órfãos9. Igualmente as podiam

6 HESPANHA, António Manuel, As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político Portugal - séc. XVII, Coimbra, Almedina, 1994, p. 99-101.7 A doação em favor do irmão D.Francisco foi ofi cializada por carta do rei D. João V datada de 10 de Fevereiro de 1708. (Biblioteca e Arquivo Municipal de Santa Maria da Feira, Doaçoens e regalias do Condado da Feira, com o anexo à caza do Infantado, fl .137). 8 Em 1799 foram desmembradas vinte freguesia para constituirem o novo concelho de Oliveira de Azeméis.

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fazer os Senados municipais. Efectivamente os livros de Vereações do Porto estão cheios de referências às correições anuais que os Vereadores, com outros ofi ciais da Câmara, faziam pelo Termo da cidade, sobretudo para fi scalização dos preços dos artigos correntes, dos quais sobressaía o vinho.

4 - As correições na Ouvidoria/Comarca da Vila da Feira

Deve concluir-se do exame das Ordenações do Reino que não era do agrado régio conceder aos senhores de terras o direito de correição: «e porque a correição he sobre toda a jurisdição como cousa que esguarda a superioridade, e o maior e mais alto senhorio a que todos são sujeitos, a qual assi he unida e conjuncta ao Principado do Rey, que a não póde de todo tirar de si: defendemos que nenhum Senhor de terras, de qualquer stado que seja, use per si, nem por seu ouvidor, nem por outrem, da Correição, nem de auto algum della. E mandamos aos Corregedores das Comarcas, onde as ditas terras stiverem, que ao menos huma vez cada anno façam Correição em todas as ditas terras, como são obrigados fazer em todas as outras das Comarcas, de que são Corregedores, sob pena de privação dos Offi cios…»10 Mas no parágrafo seguinte admitem-se excepções: «se for concedido a alguns senhores de terras per suas doações, ou privilegios, que possam fazer Correição em suas terras…». Aos Condes da Feira fora seguramente concedido esse privilégio. Mas essa liberalidade conheceu avanços e recuos, porquanto, nos termos da doação feita por D. João III ao Conde D. Manuel, estipula-se que «nem ele nem seus sucessores usarão de correição alguma e o Corregedor da comarca entrará nelas a fazer correição, salvo em vida dele Conde D. Manuel, porque tem essa prerrogativa por outra doação»11. Tal prerrogativa foi posteriormente confi rmada em favor dos sucessores, como se depreende do facto de dela continuarem a usufruir.

Ora, como dissemos, uma das obrigações mais prementes dos Corregedores e também dos Ouvidores era a da chamada correição anual. O que era e como se fazia uma correição? Era uma sessão pública convocada e dirigida pelo Ouvidor da Comarca, em cada um dos concelhos e em dias diferentes, na qual este, depois de inquirir junto dos presentes se, no ano anterior, o bem público tinha sido devidamente acautelado, proferia uma sentença fi nal, redigida sob a forma de capítulos, na qual dava instruções e ordens para serem cumpridas pelos ofi ciais da Câmara ou outros por eles mandados. A reunião, no caso da Vila da Feira, realizava-se sempre nos Paços do Concelho e a ela deviam comparecer a nobreza e o povo, para além dos Vereadores e demais membros da Câmara bem como outros ofi ciais que prestavam serviço no Concelho ou para o Concelho. Em princípio devia ser uma reunião aberta a todos e, ao menos em teoria, qualquer súbdito poderia nela apresentar oralmente o seu requerimento. Até o arrematante de carne do Concelho da Feira pôde reclamar em 1750 pelo facto de estar a ser prejudicado em razão do preço acordado para a mesma ser demasiado baixo12. De resto, no fi m de cada sessão de correição, o porteiro da Câmara tinha que dar sua fé, ou seja, jurar que mais ninguém desejava apresentar qualquer proposta. No fi m elaborava-se uma acta que todos os presentes assinavam a qual era transcrita na tal sentença fi nal que o Ouvidor publicitava e promulgava poucos dias depois. Embora o povo como tal, praticamente não estivesse presente, não quer dizer que as suas reclamações, se as havia, fossem completamente ignoradas. Porquê? Porque os problemas do povo acabam por ser aí tratados, talvez porque o Ouvidor deles tomava conhecimento prévio. Por exemplo, nos anos em que era pago a dinheiro o foro das galinhas, que os caseiros deviam por força do foral, o rendeiro do Castelo fi xava o valor de cada galinha de modo mais ou menos arbitrário, em desfavor do povo. Ora sabedor disso, em 1752, o Ouvidor

9 Biblioteca e Arquivo Municipal de Santa Maria da Feira, Doaçoens e regalias do Condado da Feira, com o anexo à caza do Infantado, fl .185.10 Ordenações Filipinas, Livro 2º, tit. 45, § 8, p. 469. (Citamos pela edição facsimilada da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1985)

11 Arquivo Histórico Municipal de Santa Maria da Feira, Doaçoens e regalias do Condado da Feira, com o anexo à caza do Infantado, fl .117.12 AMSMF, Livro dos Acórdãos e Capitulos de Correiçam (1750), fl . 35v.

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determinou que a galinha do foro fosse avaliada pelo preço corrente da terra, ou seja, por 160 réis. No caso de surgirem dúvidas entre os caseiros e o rendeiro, recorrer-se-ia para o Juiz dos Direitos Reais para mandar proceder a louvação. 5 - As perguntas-padrão da correição

Na assembleia de correição havia uma parte muito formal não apenas relativamente a gestos e atitudes protocolares de que há indícios no processo de elaboração das actas, muito repetitivas (quase sempre iguais) nos formulários de introdução e de conclusão, mas também em relação a um certo grupo de perguntas que se repetiam ano após ano, embora as respostas nem sempre fossem assim tão formais. Vejamos o tipo de perguntas-padrão: 1ª Pergunta – De quem era a Vila e quem nela apresentava as justiças? 2ª Pergunta – Se na Câmara existia o padrão dos pesos e medidas para aferição dos pesos e medidas utilizadas no comércio na área do concelho. 3ª Pergunta – Se havia casa da Câmara e se nela existia uma Arca para os papéis e documentos mais importantes. 4ª - Se na Câmara havia as Ordenações do Reino com todos os seus cinco livros. 5ª Se havia Foral e se havia regimento das sisas. 6ª- Se havia cadeia e se os presos estavam seguros. 7ª - Se havia carcereiro. 8ª - Se havia Alcaide e quem o apresentava. 9ª - Se havia jurados e quadrilheiros em todas as freguesias do Concelho. 10ª - Se havia posturas prejudiciais ao povo, as quais fosse preciso acrescentar ou diminuir. 11ª- Se havia demandas do Concelho com os concelhos vizinhos. 12ª - Se havia cofre dos órfãos e se estava seguro. 13ª - Se havia Tesoureiro do Concelho. 14ª – Se os caminhos, fontes e pontes necessitavam de conserto. 15ª - Se havia clérigos revoltosos que, com seu

mau viver, dessem mau exemplo. 6- As respostas às perguntas-padrão

Podemos ser levados a pensar que perguntas formais normalmente não recebem senão respostas formais. E nesse caso teriam pouco valor para o historiador. Por exemplo, se se pergunta se na Câmara existem os cinco livros das Ordenações do Reino, se elas existem de facto, a resposta é invariavelmente a mesma. Ou seja, em muitas actas as respostas a certas perguntas não vão além de um sim, seco e pouco interessante. Mas felizmente nem sempre tal sucede, como veremos da análise que vamos apresentar. Detenhamo-nos por ora apenas nas perguntas-padrão e nas tais respostas que vão para além do sim13. 6.1- Por exemplo, à 1ª pergunta (de quem era a vila e quem nela apresentava as justiças?), normalmente responde-se que era de Sua Alteza (ou seja, o titular da Casa do Infantado) mas em 1745 a resposta é diferente: que era de Sua Majestade que dela havia tomado posse por falecimento do Sereníssimo Senhor D. Francisco. Este D. Francisco, fi lho de D. Pedro II e irmão de D. João V, fora senhor do Infantado e falecera em 1742. Por conseguinte, há um lapso de tempo em que o Condado dependeu directamente da jurisdição régia. Mas em 1750, a resposta traduz o quadro normal: a vila era de Sua Alteza o Sereníssimo Infante D. Pedro titular da Casa do Infantado. Este D. Pedro era irmão de D. José e fi cou conhecido como D. Pedro III por ter vindo a casar com a sobrinha, Dª Maria I. 6.2- Sobre a 2ª pergunta (se na Câmara existia o padrão dos pesos e medidas para aferição) a resposta é quase sempre sim e que por eles se aferiam os demais pesos usados no comércio. Mas, por vezes, surgem informações complementares que proporcionam esclarecimentos inesperados. Por exemplo, em 1748 constatava-se que os pesos e medidas do padrão da Câmara andavam fora da mesma, o que era inadmissível.

13 O documento que nos serve de base para este trabalho é o Livro dos Acórdãos e capítulos de correiçam acima citado. Teremos a preocupação de, no corpo do texto, sempre que nos referirmos a este documento, indicarmos o ano da respectiva correição, para desse modo evitarmos citações repetidas da mesma fonte.

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Logo foi responsabilizado o Procurador do Concelho pela sua reposição no lugar certo, sob pena de os ter que fazer à sua custa se viessem a desaparecer. Em 1756 surge uma novidade: é que havia no padrão da Câmara os pesos habituais mas não os pesos miúdos para aferir os utilizados por ourives e boticários. A medida correctiva foi óbvia: mandar fazê-los. As actividades económicas do concelho felizmente assim o exigiam. 6.3 - Peguemos de seguida na 3ª pergunta: se havia casa da Câmara e se nela existia uma arca para os papéis e documentos mais importantes. Trata-se evidentemente do Arquivo municipal. Em 1745 os Vereadores responderam sim, que tinham mandado fechar a arca dos documentos depois de nela terem feito recolher os papéis e títulos que pertenciam à mesma Câmara. O Ouvidor não deve ter fi cado muito convencido com a resposta e por isso ordenou que a entrega da arca dos documentos se fi zesse cada ano aos novos ofi ciais perante dois tabeliães. E mais: constava-lhe que o tombo dos bens do Concelho se achava em completa desordem. Mandou, por isso, aos Vereadores que no prazo de três meses dessem conta disso a Sua Majestade para mandar prover. Caso o não fi zessem, mandar-se-ia executar essa tarefa à sua custa. Mas a questão da arca dos documentos voltou a ser assunto de correição e de correcção alguns anos depois, precisamente em 1748. É que havia alguma confusão na Câmara sobre os papéis que deviam ser arquivados na Arca da Câmara e os que deviam fi car em poder do Escrivão da mesma Câmara. Então a sentença do Ouvidor foi a seguinte: os papéis que se devem guardar no Arquivo sob controlo dos ofi ciais da Câmara devem ser o foral da vila, o tombo dos bens do concelho, as provisões de mercês e outras graças que lhe haviam sido concedidas, os títulos, escrituras e outros quaisquer documentos de regalias do Concelho. Estes deviam ser guardados de tal forma que não pudessem ser retirados nem usurpados. Ao cartório do Escrivão da Câmara pertenciam os livros de actas da Vereação municipal e todos os mais em que se registavam quotidianamente os actos judiciais e administrativos, pois desses por sua

obrigação e juramento era obrigado a dar conta e a passar certidões às partes. Eis como as correições podem ser importantes para a história dos Arquivos municipais e das suas eventuais falhas. Mas não é tudo: No ano seguinte, 1749, o novo Ouvidor entendeu com razão que fazia falta um inventário dos papéis e documentos arquivados. E deu ordens expressas nesse sentido: dentro de um mês deveriam os Vereadores contratar um tabelião para a execução do inventário. Mas a verdade é que em 1750 e 1751 a pergunta sobre a existência do inventário obtém sempre a mesma resposta: «não havia». E o que nos deixa perplexos é, não se dá qualquer explicação mas também nada acontece aos Vereadores. Em 1752, fazendo correição na Comarca da Vila da Feira o Provedor de Coimbra Doutor Luís Osório Beltrão que se achava no seu território a tomar residência ao Ouvidor cessante, à pergunta sobre se existia inventário responderam os ofi ciais que sim. Mas a resposta não era verdadeira ou pelo menos não era totalmente verdadeira, porque no ano seguinte o novo Ouvidor, ao que parece mesmo antes de fazer a pergunta, intima os vereadores a fazerem o inventário, sob pena de proceder contra eles. Presume-se que o desejado inventário foi fi nalmente executado uma vez que nos anos seguintes não há mais referências a esse assunto. Conclusões: A) Os Ouvidores que se sucediam no tempo, tomavam conhecimento das sentenças dos antecessores e não deixavam de retomar as questões não resolvidas. O que é importante pela linha de continuidade que parece ter-se estabelecido entre os sucessivos titulares. B) As ordens escritas, aliás, as sentenças dos Ouvidores parecem, às vezes, de efi cácia duvidosa, ao menos no curto prazo. Mas as sentenças fi nalmente acabavam por ser cumpridas. Há matérias em que a demora é recorrente, sobretudo aquelas cujo cumprimento dependia da existência ou não de fundos disponíveis. 6.4- É o caso, por exemplo, das obras de reparação da cadeia e dos Paços do Concelho. Vejamos a sequência:

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Em 1745, ao Ouvidor Doutor João da Costa Lima que perguntava pela cadeia, responderam os Vereadores que existia mas necessitava de reparação bastante dispendiosa, para a qual não havia dinheiro da parte do Concelho nem sequer era sufi ciente a fi nta que o Ouvidor lhes podia conceder. Pelo que o mesmo Ouvidor ordenou aos Vereadores que dessem conta da situação a Sua Majestade, mostrando-lhe a necessidade de tal obra e fornecendo-lhe alguma pista sobre de onde podia sair o fi nanciamento. Se o não fi zessem, seriam considerados responsáveis pelos danos emergentes e pagariam de suas casas. Mas a verdade é que durante os anos seguintes não se fala em obras. Todavia em 1748 é o alcaide quem as reclama. E em 1754 a ruína da cadeia devia ser mais visível e perigosa, de tal modo que o Ouvidor Doutor José Caetano de Moura Portugal achou que devia ordenar aos da Câmara que fi zessem obras de conservação dos telhados. Como em 1755 tudo estava na mesma, o mesmo Ouvidor deu-lhes seis meses para executarem a reparação. Mas o resultado prático deve ter sido nulo. No ano seguinte, 1756, o novo Ouvidor Doutor José dos Santos Ramalho, junta à cadeia os Paços do Concelho pois o edifício era o mesmo, como acontecia em muitos lugares. As obras de reparação eram muito urgentes e não se fazendo rapidamente, iriam custar muito mais dinheiro. A desculpa era sempre a mesma: não havia fundos. Perante isso, o Ouvidor mandou que se desse conta a Sua Majestade para ver o que se haveria de fazer. Mas as coisas não andavam. O mesmo Ouvidor em 1757, atendendo ao estado de grande ruína em que se encontravam os Paços do Concelho, com os forros quase caídos e os tapamentos em mau estado mas ainda de pé, entendeu que as obras teriam que ser feitas antes que tudo ruísse. Mas como, se não havia dinheiro? Determinou então que os Vereadores, no prazo de três meses, ofi ciassem a Sua Majestade propondo que os sobejos dos bens de raiz ou das sisas se aplicassem nesta obra. E desta sua sentença devia ser dado conhecimento ao Presidente da Câmara, que era o Juiz de Fora (de que Vila da Feira passou a dispor depois de o Condado passar para a Casa do Infantado). Em 1758, o mesmo Ouvidor fez pergunta se se

observava o capítulo da audiência do ano anterior sobre a reparação dos Paços do Concelho e da cadeia. Foi informado de que efectivamente se lhe não tinha dado cumprimento, mas, mais uma vez, contra o que seria de esperar, não se fornece qualquer explicação. E o Ouvidor limita-se a dar a mesma ordem do ano anterior, ameaçando que, se não a observassem, se lhes daria em culpa na primeira correição. Na correição de 1759 avançou-se um pouco: que se tinha dado conta a Sua Majestade, mas que de lá não viera qualquer resolução. Finalmente, em 1760, sendo Sindicante na residência do Ouvidor cessante o Doutor João da Costa Lima (que tinha sido Ouvidor em 1745, ano em que a questão fora levantada pela primeira vez) as obras fi nalmente estavam para arrematar por ordem de Sua Majestade. E em 1761 noticia-se que os Paços do Concelho estavam sendo reedifi cados. Mais de 15 anos depois. Provavelmente as obras de restauro foram-se arrastando. Em 1765 o Ouvidor mandou cuidar dos interiores, ordenando aos Ofi ciais que tratassem de pintar a sala da Câmara (a sala em que se encontravam) com tinta branca e nos frisos à roda com pedra fi ngida e nos cantos com seus ramos e tudo aquilo que a eles ofi ciais parecesse mais conveniente para a dita sala fi car bem pintada com «galanteria e asseio». Do mesmo modo, achando que era indecente não haver nela as armas de Sua Majestade e de Sua Alteza, mandou que fi zessem «esculpir» no tecto as armas reais na melhor forma que lhes parecesse. Também cobririam o estrado dos assentos e a Mesa com esteiras. Tudo isto devia ser executado no prazo de 3 meses, sob pena de serem condenados cada um em 3.000 réis para ajuda da mesma obra e de se dar em culpa na primeira correição. 6.5 - As questões da cadeia, do carcereiro e da segurança dos presos são recorrentes nos capítulos de correição. Vejamos alguns episódios: Em 1745 o Ouvidor fora informado (presume-se que previamente) de que o perfi l do carcereiro nomeado não obedecia à lei por ser homem pobre e por os presos com ele não estarem bastante seguros. Mandou, por isso, que os Ofi ciais escolhessem pessoa capaz. Entretanto, se os presos fugissem, seriam responsabilizados por isso. Logo ali nomearam o alcaide

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António da Fonseca para servir enquanto não houvesse carcereiro. Provavelmente este manteve-se no cargo até 1748, porque, nesse ano, como vimos, o alcaide (não se indica o seu nome) veio à correição para reclamar obras e grilhões por razões de maior segurança dos presos. Talvez interrogado por que razão se achava ali, declarou que servia por não haver carcereiro. Mais uma vez se ordenou aos Ofi ciais que nomeassem carcereiro, sob pena de se lhes dar em culpa se houvesse fugas. Em 1751 comprovou-se a necessidade de mais ferros para os presos. E também de um livro para registar os embargos. Em 1758, o Ouvidor introduziu novidades no registo dos presos. Ordenou que nos assentos dos mesmos se deviam indicar as características individuais: estatura, tipo de cara, cor dos olhos, tipo de barba e cabelo, descrição do vestuário com que entrara na cadeia, meias, sapatos e fi velas, se era casado e com quem, se solteiro de quem era fi lho, lugar de residência e freguesia, se tinha ordens sacras ou era secular, por ordem de quem era preso e a requerimento de quem. O auto devia ser assinado pelo escrivão que o tomasse, pelo carcereiro e duas testemunhas. Para compensar o acrescido trabalho do escrivão, em vez de 7 reis, passaria a cobrar 10. E por lhe constar que os ofi ciais de vara que faziam as prisões, muitas vezes retinham as ordens de captura nas suas mãos, dando ocasião a que fossem soltos por não se lhe acharem culpas em juízo. Para obstar a isso, mandou o Ouvidor que todo o ofi cial que metesse um preso na cadeia, devia entregar imediatamente a ordem da prisão ao escrivão a quem tocasse e ninguém devia ser preso sem mandato de ministro. 6.6 - Acerca do Alcaide algo foi dito acima. Mas há mais notícias interessantes. Em 1745 os Vereadores não se limitaram a responder sim. Acrescentaram que o Concelho era muito extenso e que, para as diligências dele não era sufi ciente um só alcaide, perecendo a justiça e saindo prejudicadas as partes. Perante essa reclamação, o Ouvidor mandou que elegessem mais um ofi cial de vara, mais precisamente um meirinho de vara, para acorrer às causas a que o alcaide não pudesse satisfazer. Mas não poderia ter um ordenado pelos bens do concelho, limitando-se a receber apenas «os proes e percalços»,

ou seja, os emolumentos inerentes, para o que se lhe passaria provimento. Mas pagaria novos direitos a Sua Majestade pela avaliação que se fi zesse do rendimento auferido. Seria obrigado a satisfazer a todas as diligências que lhe forem encomendadas por qualquer das justiças desta vila. Mas não se admitiria em tribunal. Nada nos garante que esse ofi cial tenha sido eleito. Aliás, em 1747 já não havia Alcaide. Pelo que o Ouvidor ordenou que, no prazo de 15 dias, o elegessem de acordo com os requisitos da lei: este seria obrigado a residir na vila assim como os ofi ciais de justiça e os tabeliães, sob pena de serem suspensos. Dez anos depois, em 1757, novo problema existia com o Alcaide. Fora demitido por culpas. Que culpas fossem, não sabemos. Mas foi necessário escolher um substituto. As funções do alcaide menor das vilas e cidades e dos seus auxiliares exerciam-se na área da segurança das populações bem como na manutenção da ordem pública. Podia executar penhoras e prender os culpados quando para tal tivesse mandado. E quando actuasse de noite, devia andar acompanhado de um tabelião.14 Mas, como era normal no antigo regime, havia outros ofi ciais de justiça com funções semelhantes como era o caso dos meirinhos e até dos quadrilheiros. Pelo que, por vezes, sucedia alguma confusão e disputas sobre quem devia fazer o quê. Ora na correição de 1759, José Luiz da Silva, escrivão da vara do Alcaide bem como o mesmo Alcaide requereram ao Ouvidor que ninguém mais devia apresentar requerimentos nem penhoras sem primeiro eles, requerentes, serem ouvidos e que, sob pena de nulidade, só por autorização escrita dos mesmos requerentes, postas nas sentenças, outros poderiam fazer o que lhes competia. Se fi zessem o contrário, devia dar-se-lhes em culpa. E como os visados estavam presentes na correição, deviam ser intimados a assim cumprirem. O Ouvidor deu-lhe razão, com um argumento de precedência curioso: é que os ofícios de escrivão da vara bem como o de alcaide, haviam sido criados por sua Majestade e por sua Alteza. Pelo que deviam preferir a outro qualquer ofi cial que não fosse assim

14 Ordenações Filipinas, Livro 1º, tit. 75, § 8.

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criado. Além de que existia provisão régia que assim o determinava. 6.7 - Outro assunto importante para a boa organização da vida quotidiana das freguesias era a eleição de jurados e quadrilheiros. Os primeiros julgavam verbalmente e sem apelo nem agravo pequenas causas cíveis, tais como injúrias verbais entre vizinhos ou questões simples de distribuição de águas de minas. Os segundos eram os encarregados de manter a ordem pública nas aldeias e fazer um pouco aquilo que hoje compete à polícia no que respeita à segurança e à colaboração com a justiça. A sua falta podia impedir ou retardar o funcionamento da justiça. Ora, em 1745, constava ao Ouvidor que a falta desses humildes ofi ciais de freguesia concorria para a não realização dos mandados judiciais. Pelos vistos, outra consequência negativa era a quebra na arrecadação das rendas do Concelho. A ordem do Ouvidor foi drástica. No prazo de trinta dias os Vereadores deveriam nomear jurados para todas as freguesias, sob pena de 5.000 réis, sendo metade para as despesas da Relação e outra metade para o meirinho da correição ou outro acusador. Além disso, sob a mesma pena e dentro do mesmo prazo, deviam eleger mais um ofi cial de porteiro da Câmara porque só havia um que, tendo muito trabalho, não podia satisfazer a todas as solicitações. Temos a ideia que, falando genericamente, nem sempre foi fácil a nomeação dos ofi ciais de freguesia. Os mais capazes muitas vezes furtavam-se, invocando privilégios adquiridos. E os que aceitavam, por razões de limitação pessoal ou por desleixo, nem sempre correspondiam. Apesar da quase inexistência de polícia, a vida das pequenas comunidades ia correndo provavelmente sem violências extremas, se bem que rixas e cenas de pancadaria entre vizinhos ocorriam ontem como hoje, como se deixa perceber o capítulo 19 da correição de 1764, em que se providencia sobre autos de querelas e devassas de ferimentos. Esses autos não deviam ser tomados sem assistência do médico ou, em alternativa, do cirurgião, a quem se pagariam 200 réis. Mas se não fosse fácil o recurso ao médico ou ao cirurgião para examinar as feridas, o exame seria feito pelo próprio

escrivão cuja declaração seria feita sob juramento. 6.8 - Uma outra questão sensível era a dos órfãos e da sua protecção. Era obrigatória a existência de um Juiz dos órfãos autónomo em todas as vilas e cidades com mais de 400 vizinhos15. E em certas terras mais importantes, como a cidade do Porto, havia mesmo Juiz de Fora dos Órfãos. Todavia, nas correições do Ouvidor não é tanto a questão do Juiz que é objecto de inquirição mas sim a existência e a segurança do Cofre dos Órfãos e do seu Depositário. Vejamos: Em 1745, embora a resposta dos Vereadores acerca do cofre dos órfãos fosse afi rmativa (que existia e que se achava seguro), o Ouvidor não se deu por satisfeito. É que constava que muitos bens dos órfãos não eram devidamente arrecadados por falta de conhecimento do falecimento de seus pais, com prejuízo para a correcta administração desses bens. Pelo que ordenou que os eleitos das freguesias, no prazo de 30 dias após o falecimento de qualquer pessoa que tivesse fi lhos menores, dessem parte da ocorrência ao escrivão dos Órfãos para assim os bens serem escriturados e executados. Sob pena de 10 cruzados, sendo metade para as despesas da Relação e outra metade para o meirinho que fi zesse a acusação. Se tal ordem foi cumprida não sabemos. Mas em 1766 foi de novo ordenado aos eleitos que comunicassem ao juiz dos órfãos sempre que falecesse algum cabeça de casal, para se proceder ao inventário dos bens. Quanto ao cofre em si devia estar nas mãos de pessoa de confi ança. Em 1749, tendo falecido o Depositário, impôs-se à Câmara que elegesse outro, de preferência homem rico e abonado. Em 1751, o Ouvidor fora informado de que no juízo dos órfãos não se dava despacho conveniente às questões dos órfãos. Pelo que ordenou que, daí em diante, o Juiz dos Órfãos desse duas audiências semanais, às segundas-feiras e aos sábados. Em 1758 de novo o Juiz dos Órfãos esteve na mira do Ouvidor: é que, pelo assinar das sentenças e cartas de partilhas, costumava levar emolumentos ilegítimos contra as normas do direito. Pelo que ordenou ao mesmo que se abstivesse de levar salário ao assinar

15 Ordenações Filipinas, Livro 1º, tit. 88, introdução.

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das referidas sentenças e cartas de partilhas. A boa segurança do Cofre começava por ele próprio. Isto é, sendo velho era mais vulnerável. Por isso, em 1760 ordenou-se a construção de um novo e até se nos informa que a caixa de madeira foi arrematada por 3.000 réis, custando a ferragem um pouco mais, 4.800 réis. Mas faltava ainda a obra de pintura. Tudo se pagou pelas receitas do mesmo Cofre. 6.9 - A questão da existência ou não de Tesoureiro Municipal é curiosa pelo modo como é posta aqui. Sabemos que os grandes Concelhos dispunham desse ofi cial e, no tocante ao Porto, o seu nome constava da pauta anual dos ofi ciais da governança enviada pelo Rei, elaborada de acordo com a prévia eleição local. No caso da Vila da Feira como em muitos outros concelhos, o Procurador do concelho podia servir e servia de Tesoureiro. O Ouvidor de 1745 era de opinião que não devia ser assim. Mas não podia obrigar os Vereadores a nomearem Tesoureiro municipal. Mas, acrescentou, não querendo eles fazer Tesoureiro para o rendimento dos bens do Concelho, tivessem em consideração que em geral os Procuradores dos concelhos não percebiam de contas e quando era preciso prestá-las esquivavam-se dizendo que não sabiam fazê-las. Portanto, não elegendo Tesoureiro, fi cavam abonando o Procurador e, por isso, a responsabilidade era deles Vereadores. Se decidissem reconsiderar, fi zessem Tesoureiro em pessoa abonada de bens porque o Tesoureiro do concelho sempre fi cava por abonador e fi ador do mesmo Concelho. 6.10 - Quanto a obras públicas, se excluirmos a cadeia e Paços do Concelho de que já falámos, pouco mais existe, ao contrário das correições do séc. XVII onde são abundantes as ordens para conserto de pontes, fontes e caminhos. E não é porque tudo estivesse bem. Curiosamente na correição de 1745 ao perguntar por essas matérias, a informação que obteve foi que todos os caminhos e entradas e saídas da Vila estavam incapazes há muitos anos. Mas não havia dinheiro para obras. O Ouvidor não parece ter concordado, pois ordenou aos Vereadores que mandassem fazer as obras pelas rendas do Concelho e não sendo estas sufi cientes, requeressem a ele, Doutor Ouvidor, carta de fi nta até 4.000 reis. Era o que estava previsto nas Ordenações para estes casos. As obras acabaram por ser executadas

mas não com o recurso a esse meio extraordinário mas penoso para o povo que era a fi nta. A fi nta era uma derrama pela população até 4.000 réis na qual nobres, fi dalgos e clérigos não entravam. Em 1746 a resposta já foi diferente: que tudo fora arranjado à custa dos bens do Concelho. Mas, entretanto, tinha acontecido uma derrocada parcial da ponte que ia da Vila para o lugar de Fijó, sendo preciso reparar imediatamente, porque a dilação iria originar gastos superiores. Provendo, o Ouvidor mandou que no prazo de um mês os ofi ciais da Câmara pusessem em pregão essa obra e a arrematassem a quem a fi zesse por menor preço e melhor segurança. Não havendo bens do Concelho, requeressem carta de fi nta. Desconhecemos se a obra se fez nesta altura. Mas em 1750 foi posto para arrematação o conserto de uma ponte. Talvez seja a mesma. De qualquer modo, é preciso não esquecer que a norma para o conserto dos caminhos e estradas era o recurso à testada, ou seja, cada morador era obrigado a compor a metade do caminho em frente à sua propriedade. E esse foi o meio utilizado em 1761, sendo dos almotacés a obrigação de o pôr em execução. 7 – Outras questões do bem comum levantadas na correição, para além das sugeridas pelas perguntas-padrão. Afi rmámos acima que, para além das questões de rotina, em cada sessão de correição poderia haver lugar para a denúncia de outros problemas conjunturais cuja solução se mostrava imperiosa para o bom governo do concelho. O agendamento dessas questões podia ser colocado no decorrer da sessão por intervenção espontânea de algum dos assistentes, mas a análise do teor das actas leva-nos a supor que o Ouvidor antecipadamente delas tivera conhecimento e, por isso, é ele próprio que chama os assuntos à colação. E, uma vez apontada uma carência ou denunciada uma ilegalidade prejudicial à população, no ano seguinte o próprio ou o seu sucessor não deixavam de inquirir sobre o andamento dado às ordens exaradas na acta de correição. São vários os exemplos de questões que foram apontadas nos capítulos de correição. 7.1 - Comecemos pelo problema dos prejuízos causados pelas enxurradas provenientes das chuvas.

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Quem conhece a cidade de Santa Maria da Feira, dá-se conta dos declives muito pronunciados que nela existem, convergentes para o centro. Pois bem. Em 1758, o Ouvidor Doutor José da Silva Ramalho recebeu várias queixas pelo facto de os acórdãos municipais, que obrigavam cada morador a ter boieiros abertos para dar saída às águas das chuvas, não estarem a ser cumpridos, não obstante as penas cominadas nesses acórdãos. Por via disso, as águas pluviais vinham livremente pela rua abaixo, tornando-a intransitável no lugar das Eiras. Examinada e comprovada a reclamação, o Ouvidor mandou que os moradores em causa fossem notifi cados dos acórdãos e das penas neles previstas. No ano seguinte, tendo perguntado se se cumpria o capítulo sobre as águas dos enxurros e chuvas, responderam que não. Perante essa resposta, ordenou aos ofi ciais da Câmara que fi zessem dar execução ao mesmo acórdão, ou seja, obrigassem os moradores a abrir boieiros. E determinou que qualquer pessoa do povo pudesse demandar os prevaricadores, acusá-los do incumprimento e receber a terça parte da coima aplicada. Mais: o escrivão da Câmara notifi caria cada uma das pessoas da rua para que não pudessem alegar ignorância. Em 1760, na correição presidida pelo Sindicante Doutor João da Costa Lima, tendo sido posta a pergunta sobre a observância dos acórdãos dos enxurros, responderam-lhe que não eram cumpridos. O magistrado limitou-se a ordenar, mais uma vez, que se observassem os mesmos, sob as penas cominadas. Em 1761, a resposta foi igual, mais uma vez. Porém desta feita, o novo Ouvidor Doutor Manuel Gomes do Rego não se limitou a mandar cumprir: ameaçou de suspensão os Vereadores se a não acatassem. Em 1762, a resposta não foi muito melhor mas satisfez aparentemente o Ouvidor: que tinham encomendado essa tarefa aos almotacés. Em 1763, fazendo a correição o Vereador mais velho, Doutor José Leite de Resende, perante a resposta negativa dos colegas camaristas, mandou que as pessoas que eram obrigadas a recolher e a guiar os enxurros para não virem pela rua abaixo, fossem notifi cadas novamente para o cumprirem, sob pena de 3.000 reis de multa e 10 dias de cadeia. E quem iria fazer cumprir esta ordem eram os almotacés, sob

pena de suspensão do seu ofício. E que as pessoas que ousassem abrir regos para as águas correrem pela rua abaixo sofreriam a mesma pena. Finalmente, em 1764 à pergunta sobre a observância dos capítulos das chuvas e dos enxurros respondeu-se que sim, que se observavam. Demorou 6 anos, mas ao que parece o problema fi cou resolvido. 7.2 - Outra questão recorrente é a dos abusos dos ofi ciais de justiça não só no que tocava a excessos de emolumentos cobrados como ao próprio serviço em si. Como noutros sectores da vida concelhia, também neste o ano de 1745 mostrou-se muito exigente. Constava que os ofi ciais de justiça da vila e seu termo se metiam a fazer diligências que não lhes competiam, movidos apenas pela cupidez dos emolumentos que daí podiam auferir. Pelo que decretou o Ouvidor que dai em diante nenhum ofi cial fi zesse qualquer diligência que não fosse estritamente de seu ofício, sob pena de serem autuados. O problema é que nem sempre eram claras as competências de cada ofi cial, sendo frequente e quase normal que a mesma incumbência fosse desempenhada por este ou por aquele, segundo critérios aleatórios do tipo primi capientis. Por outro lado, sabia-se que os ofi ciais por vezes obstruíam a justiça de diversos modos, sobretudo pela inércia, mantendo desse modo presos indivíduos que deviam estar livres ou, ao contrário, colaborando na libertação de outros que deviam estar presos. O Ouvidor tentou pôr cobro a todo o tipo de arbitrariedades, obrigando a que os tabeliães tivessem provas documentais dos processos e criando mecanismos de controlo de uns tabeliães por outros. E os tabeliães que organizassem processos deviam pedir recibo da entidade a quem os entregassem para se garantir que os entregaram e a quem. Constava ainda que os ofi ciais que faziam citações, não declaravam o dia em que as faziam nem o dia para o qual era citada a pessoa, com notório prejuízo das partes. Pelo que mandou que se declarasse não só o dia em que a citação era feita mas também o dia e o juízo para que era feita. Àqueles que não soubessem escrever seria feita a citação perante duas testemunhas. Sem embargo de se entender que, na forma da lei, as citações eram para a primeira audiência.

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Quem exorbitava não eram apenas os ofi ciais de justiça. Também os escrivães gerais muitas vezes eram tentados a levar mais do que a lei prescrevia. Daí a atenção dos Ouvidores para este assunto, nomeadamente na correição de 1756 em que se obriga os escrivães da Câmara a respeitarem o seu regimento e a porem de lado costumes antigos que lhes eram mais favoráveis nas taxas a cobrar mas que prejudicavam o povo. Os abusos criticáveis não se limitavam a questões processuais e a excesso de emolumentos. A questão do segredo de justiça foi tomada mais a sério que hoje. Que o diga o escrevente Brás da Silva Coelho que era infi el ao segredo da justiça e foi por isso duramente punido pelo Ouvidor: que nenhum tabelião ou escrivão desta vila o admitisse em seu escritório nem lhe dessem inquirições ou outros papéis que contivessem segredo de justiça. Apenas poderia trasladar papéis em sua casa e que não envolvessem esse tipo de matérias. Nas situações em que os ofi ciais de justiça recebiam do Contador da Comarca e não directamente das partes sucedia, por vezes, o inverso, ou seja queriam dar-lhes menos do que o que lhes era devido. Por isso, ordenou que o Contador pagasse aos ofi ciais apeados a tostão por dia pelas diligências que fossem fazer; mas os de cavalo receberiam duzentos réis por dia. E quando os mesmos ofi ciais fi zessem diligências de noite por mandado de seus ministros contar-lhes-iam os salários a dobrar em compensação pelas noites perdidas. Em 1764 o Ouvidor mandou que todos os ofi ciais que fossem a diligências de prisões em que gastassem dia e noite por ser grande a distância, se lhes pagariam 200 réis de dia e outros 200 de noite. Às vezes não se tratava de abusos contra o povo mas sim da falta de entendimento entre ofi ciais da governança que aproveitavam a correição para esclarecerem dúvidas de relacionamento ou até para utilizarem o Ouvidor como instância arbitral de pequenas pendências. Em 1748, o Magistrado fora informado de que alguns almotacés ultrapassavam e dispensavam o escrivão da almotaçaria, assinando documentos que só o escrivão podia assinar. Ficou claro da sentença do Ouvidor que a almotaçaria funcionava com dois tipos de ofi ciais, os almotacés e o escrivão e que só a este

pertencia assinar as licenças e escrever os termos dos despachos que se houvessem de fazer. 7.3 - O problema do ensino público seria estranho que não aparecesse nas correições, embora constituísse, a nosso ver, uma questão de administração concelhia corrente. Ora em 1753, por exemplo, era público e notório que não havia na terra mestre que ensinasse gramática e as primeiras letras (ler e escrever e contar). E não havia porque o anterior havia falecido e a Câmara não se apressava a nomear substituto, não obstante haver na mesma Câmara uma provisão régia a estabelecer que, no caso do falecimento do mestre, fosse nomeada outra pessoa capaz por 40.000 réis/ano. O Ouvidor não quis contemporizar com a passividade dos Vereadores, ordenando que no prazo de 15 dias encontrassem uma pessoa competente, eclesiástica ou secular. Se não executassem em conformidade, pagariam 6.000 réis de multa para as obras do concelho. E na primeira reunião após a correição, o Escrivão da Câmara deveria ler este e os outros capítulos para que não pudessem alegar desconhecimento. 7.4 - O facto de muitas matérias tratadas na correição deverem fazer parte da rotina administrativa, poderá ser interpretado como um sinal do carácter pro-activo da actuação dos Corregedores/Ouvidores no desempenho de um papel estimulador que as leis previam. O fomento fl orestal, por exemplo, constava das incumbências institucionais dos Vereadores16. Mas também fazia parte do rol das atribuições dos Corregedores17. Não admira, pois, que a plantação de pinheiros em zonas marítimas sujeitas à força dos ventos que arrastavam areias e tornavam estéreis os campos, fosse uma preocupação de uns e outros. Não dispomos de livros de actas da Câmara para avaliar o dinamismo dos Vereadores neste caso concreto. Mas os capítulos de correição garantem-nos que alguns Ouvidores não descuravam tais obrigações. Um exemplo: na correição de 1746 disseram os eleitos da freguesia de Maceda, no actual concelho de Ovar, que se vinham observando os capítulos sobre os pinhões e queriam plantar nas gândaras de cima as quais se obrigavam a tapar. Em 1752 o assunto voltou à correição por iniciativa do

16 Ordenações Filipinas, tit. 66, § 26.17 Ordenações Filipinas, tit. 58, § 46.

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Ouvidor que havia sido informado que nos lugares junto ao mar se destruíam as fazendas, tanto as particulares como as do concelho, por causa das areias. Mandou então que se semeassem pinhões e que esses espaços se tornassem coutos durante quatro anos. O gado miúdo que fosse encontrado, seria acoimado a 20 réis por cabeça e o gado vacum a 100 réis, penas aplicadas para as obras do concelho. Os moradores apenas podiam daí retirar lamas e estrumes. 7.5 – Outras matérias mais banais mas talvez importantes para a população acabavam por ter lugar na sessão da correição, dando até a impressão que muitos esperavam essa ocasião para propor medidas que normalmente deviam ser decididas pela governança municipal mas que na realidade não o eram. Exemplo: em 1758, o correio da vila da Feira expôs que era muito penoso para ele que o prazo de entrega das cartas destinadas ao Porto terminasse na noite de 5ª feira, altura em que deviam seguir para o seu destino, sugerindo que o prazo fosse encurtado para a 5ª feira à tarde, tanto mais que os utentes dispunham de tempo mais que sufi ciente desde domingo até à quinta-feira. Analisada a questão pelo Ouvidor, imediatamente foi determinado que assim se fi zesse. 8 - Conclusão

Comparando com as correições feitas no séc. XVII no mesmo território18, encontro uma diferença substancial: é que, sem descurar completamente as freguesias rurais, pelo menos no que toca a conservação de obras e serventias públicas, as correições do séc. XVIII aparecem mais centralizadas nos problemas da vila e da sede do concelho. Como conclusão fi nal, afi rmaremos que à partida, as observações e mandados escritos anualmente pelo Ouvidor impunham-se aos responsáveis da Câmara como uma norma de inspiração e de aferição da sua própria acção governativa. Ou seja, para além das obrigações atribuídas aos Vereadores pelas Ordenações do Reino, estes deviam ter em atenção as directrizes

concretas exaradas pelo Ouvidor no livro respectivo. Com o senão de muitas vezes a solução proposta demorar anos e anos a concretizar-se, nem sempre por culpa ou negligência dos ofi ciais municipais. Há outro aspecto que me apraz registar aqui como conclusão: a relação entre governantes e governados pode ter sido marcada por prepotências e abusos dos primeiros. Nós sabemos que eles existiram. Mas isso deveu-se mais ao espírito arrogante e medíocre de alguns governantes investidos em autoridade e às maldades e conluios nefastos da humana condição do que à falta de meios legais para os governados se manifestarem quando eram vítimas de prepotências. Nesses tempos, provavelmente o maior drama dos governados, para além da ignorância, era a de não terem condições para usufruir das possibilidades que o direito lhes oferecia.

18 Ver SILVA, Francisco Ribeiro da, Estrutura Administrativa do Condado da Feira no século XVII in «Revista de Ciências Históricas», Universidade Portucalense, Porto, 1989, p. 255-271.

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ANEXO

Datas de correição e nomes dos Ouvidores

Data da correição Nome do Ouvidor

6.3. 1745 Doutor João da Costa Lima1746 Doutor João da Costa Lima13.5.1747 Doutor João da Costa Lima17.3.1748 Doutor João da Costa Lima29.3.1749 Doutor Luís Monteiro Ferreira Pinto13.5.1750 Doutor Luís Monteiro Ferreira Pinto10.3.1751 Doutor Luís Monteiro Ferreira Pinto

5.4.1752 Doutor Luís Osório Beltrão, Provedor de Coimbra

14.3.1753 Doutor José Caetano de Moura Portugal

6.3.1754 Doutor José Caetano de Moura Portugal

6.3.1755 Doutor José Caetano de Moura Portugal

22.9.1756 Doutor José dos Santos Ramalho21.4.1757 Doutor José dos Santos Ramalho10.3.1758 Doutor José dos Santos Ramalho8.3.1759 Doutor José dos Santos Ramalho

9.12.1760 Doutor João da Costa Lima, Sindicante do Ouvidor anterior

19.12.1761 Doutor Manuel Gomes do Rego7.10.1762 Doutor Manuel Gomes do Rego

9.9.1763 Doutor José Leite de Resende, Vereador mais velho

23.5.1764 Doutor Bernardo da Silva Pereira de Moura

22.3.1765 Doutor Bernardo da Silva Pereira de Moura

9.12.1766 Doutor Bernardo da Silva Pereira de Moura

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44 BERCEUSE, OP. 57, DE CHOPIN

João Pedro Messéder*

Água que corre (mas imagem de água apenas). Sobre as cores nunca ditas da pedra amaciada. O acalanto silencia o ruído de batalha e adormece as agulhas da memória.

Água que corre sob um manto de sol. O olhar a persegue até à verde quietação de um campo impenetrado, onde um anjo distraído repousou a mão imensa e invisível.

Água: só imagem. E som na seda do ouvido. Abrindo no tempo uma clareira. Como chuva caindo do teclado de deus.

* Nasceu em 1957, no Porto, onde completou os seus estudos universitários e exerceu a docência. Publicou seis livros de poesia (os últimos intitulam-se Abrasivas e Elucidário de Youkali seguido de Ordem Alfabética), catorze títulos na área da literatura para a infância e uma antologia da poesia de Carlos de Oliveira. Três dos seus livros foram premiados.

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45A Luta Anti-Francesa

Padre Manuel Leão*

A situação de guerra desperta sentimentos contraditórios: a fuga parece ser o caminho mais usual. A luta poderá ter al guma fundamentação em pessoas e bens. O ambiente em que se desen volveram as decisões e as desculpas encobertas para algumas indecisões aparecem depois da refrega. José de Sousa MeIo era membro do Senado da Câmara do Porto e deputado da Companhia Velha. Chegou a ser apontado como conivente com as autoridades invasoras francesas, mas foi rápido na sua defesa e até forneceu alguns dados aceitáveis a frio numa análise posterior, mas controversa na realidade imediata dos factos. Apresentou um documento militar (1) que garantia ter ele adiantado fundos para compra de mantimentos para o exército. As suas boas relações com as autoridades estrangeiras teriam evitado mais desacatos no Porto. Cita mesmo o general Tarancon e o general Carrafa. A entrada dos Franceses tinha feito desaparecer documento sobre a qualidade do serviço de Francisco Pereira de Magalhães, ajudante do Regimento de Milícias da Vila da Feira, quando os Franceses tinham

retirado em 1808. É-lhe passado novo atestado para todos os efeitos (2). António da Costa Vale, já na primeira invasão francesa, tinha acompanhado tropas até Penafi el, tinha recolhido armamento pedido aos responsáveis dos navios, colaborando na defesa da cidade (3). O capitão Manuel Gonçalves de Castro, de Canidelo, estava na Companhia de S. Félix da Marinha e recebe atestado do sargento -mor Raimundo José Pinheiro, acerca da sua colaboração aquando da invasão de 1807 (4). Joaquim José Moreira, capitão de ordenanças, morador na rua de Sant’ Ana, no Porto, foi dos primeiros, arvorando bandeira portuguesa e bradando a favor do Príncipe Regente (5). Na Foz, fi cou assinalada a restauração, ainda antes da vinda de Soult, tomando a dianteira nas celebrações o Padre José Barbosa Pereira, capelão da Fortaleza de S. João da Foz (6). Jacinto da Silva Pereira, fundador duma fábrica de tecidos, em Cedofeita, escolhe e oferece um homem

* Natural de Milheirós de Poiares, concelho de Santa Maria da Feira, fez os seus estudos no Porto, tendo concluído o curso de Teologia e sido ordenado presbítero, na Sé do Porto, em 1943. Dedicou-se à educação e ensino, dirigindo o Colégio de Gaia, durante décadas. Esteve ligado à Fundação do Instituto Superior Politécnico de Gaia e Escola Profi ssional de Gaia, a cujas direcções pertence. Tem publicado numerosos estudos sobre história cultural do Porto e Vila Nova de Gaia, com incidência nos domínios da arte, da actividade livreira e do teatro portuense antigo. Tem promovido várias iniciativas de carácter social. Criou, em 1996, a Fundação Manuel Leão, com fi ns culturais e sociocaritativos.

(1) Arquivo Distrital do Porto (ADP) Po 1º, 4ª s., 557, 97v-99.(2) ADP Po 4, 467, 51v-53v. (3) Ibid. Po 4, 467, 51v.(4) Ibid. Po 8, 421, 88-89.(5) Ibid. Po 8, 421, 109-109v. (6) Ibid. Po 8, 422, 8-10v.

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que, em sua vez, vai expulsar o Inimigo (7). Francisco Ribeiro Braga, homem de negócio, inscreveu-se na ordenança e marchou para combater o inimigo (8). Até os fi dalgos que, durante a monarquia, eram os escolhi dos para os postos mais elevados do exército, também quiseram colaborar na defesa do Reino. José António Pauluchi Pinto de Vilhena, perante “a sua pátria ofendida e ultrajada pela iniqui dade dos vis franceses”, foi escolhido pelos fi dalgos e propõe uma farda especial e arvorar estandarte (9). José Monteiro Pereira Guimarães, homem de negócio, solteiro, sem sócio nem caixeiro, mostra vibração patriótica e oferece homem por si, fardando-o à sua custa (10). O mestre latoeiro António Francisco Bela, da rua da Bainha ria, é soldado da companhia do fogo. Portanto, não pode ser mobilizado (11). João Vicente Leão, soldado da Companhia das Milícias, prestou tão bons serviços que, sendo voluntário, foi destinado para Lisboa, coberto de elogios (12). Depois da invasão ao Porto, João Francisco de Oliveira Guimarães, tenente da Companhia do Regimento de Milícias de Penafi el, mereceu rasgados louvores, porque acompanhou o exército até à Galiza (13). A travessia do rio Douro, nas proximidades do Porto, foi sempre um problema estratégico a ter em conta por militares. Ora, em Aguiar de Sousa, concelho de Gondomar, João Alves de Sousa, “para impedir a passagem naquele sítio aos infames franceses”, vigiou e organizou a defesa. As armas dos paisanos não eram compatíveis com as balas da mosquetaria. Numa noite, fez balas com uma forma, conseguindo fabricar mais de cento e quarenta balas (14) . Os serviços prestados por Joaquim José Monteiro, capitão do Regimento de Milícias, faz-nos

regressar ao ambiente do Porto com marca pitoresca. A Cordoaria tinha os celeiros da cidade, em 1809, transformados em arsenal, com armas, pólvora e balas. O capitão mandou arrombar os portões para franquear armas ao povo. Evitou que os presos da cadeia da Relação, na mesma Cordoa ria, arrombassem os portões da cadeia. Foi colocado nas trin cheiras do Monte Pedral. Aqui foi atingido por uma bala nas costas. Na invasão de 1809, suportou os maiores insultos e roubos pessoais, deixando-o descalço e quase nu (15). Manuel de Amorim, de Vila Nova de Gaia, como soldado da orde nança, sob as ordens do capitão José Alves Souto, mereceu elogios pelo zelo como cumpriu missões de que foi incumbido (16). António da Costa Vale não deixou por mãos alheias o mérito próprio, expondo pormenores defensivos da sua táctica no Monte Pedral (17). Luís Mendes de Vasconcelos, em Setembro de 1809 (18), faz uma lista da ofi cialidade da quarta Brigada da Ordenança da cidade (18). Francisco Cardoso Garcês Maldonado, de Várzea do Douro, serviu as Milícias de Penafi el, durante 13 anos. Sente-se mal apre ciado e queixa-se de terem ameaçado a mulher de prisão se não descobrisse o marido. Pede para ser isento de assentar praça, em 1809 (19). Fernando Pereira Soares, capitão da Companhia de Ordenanças de Arcozelo, Gaia, não se escusou de participar na defesa, em 1809 (20). Manuel Nunes, na Figueira da Foz, não deixou que nada pudesse cair no esquecimento, quanto à sua participação no desembarque das tropas britânicas que vieram reforçar o esforço português na Guerra Peninsular (21). São documentos traduzidos de Inglês. João Manuel da Silva Braga, da rua dasFlores, tinha dado um homem para fi car livre do

(7) Ibid. Po 8, 422, 34-34v.(8) Ibid. Po 8,422, 52-53. (9) Ibid. Po 4, 468, 8v-10.(10) Ibid. 405, 44.(11) Ibid. 422, 120v-121.(12) Ibid. Po 4, 483, 18. (13) Ibid. Po 2, 405, 89.(14) Ibid. Po 4, 467, 32-33.

(14) Ibid. Po 4, 467, 32-33.(15) Ibid. Po 4, 467, 56-57.(16) Ibid. Po 4, 467, 60v-61. (17) Ibid. Po 4, 467, 86v-87.(18) Ibid. Po 8, 424, 37-38v.(19) Ibid. Po 4, 467, 126-127.(20) Ibid. Po 4, 468, 12-13v.(21) Ibid. Po 4, 468, 36-36v; f.77v; 469, 69v-71.

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serviço militar, mas o homem tinha ido para o Brasil. Fundamenta o seu pedido em doença sua e da sua família (22). O tenente Manuel José Fernandes da Cunha também tinha estado no Monte Pedral (23), mas não parou sem expor ofi cialmente a sua participação no ajuntamento convocado para a Cordoaria, onde, com a sua espada, tinha desfeito um edital de Junot, durante a primeira invasão (24). O capitão Manuel Gonçalves de Castro, então morador na rua de S. Domingos, fi cou com documento que abonava o seu trabalho como responsável militar de S. Félix da Marinha (25). Num documento interessante, o capitão João Pedro Cardoso e Silva, da calçada dos Clérigos, esteve nas trincheiras do Monte Pedral, enfrentando “grande corpo de franceses que se achava emboscado em uma quinta fazendo muito fogo.” Especifi ca o reforço militar vindo do Sul (26). Custódio José Barbosa Leão, da rua das Virtudes, era tenente reformado, mas, perante uma densa atmosfera militar, marcou presença no cartório, dizendo que tinha acompanhado o seu regimento em 1801, a Monção, durante a guerra com Espanha (27). António Manuel Barbosa de Araújo Maia, em 1811 (28), sendo capitão de Milícias, manifesta a sua lealdade, afi rmando ter fugido de “ardilosas intrigas”. José Teixeira Barbosa Cete afi rmou a sua colaboração na luta contra os Franceses, apontando factos comprovativos “como fez na pesquisa feita aos franceses vindos de Almeida, quando estavam embarcados em navios ingleses surtos no rio Douro” Muitos participantes subscrevem o documento trasladado nas notas do tabelião (29). Membro da Junta, no Porto, tinha sido António Mateus Freire de Andrade Coutinho Bandeira, cujo fi lho Henrique Carlos requer a transcrição do documento

ofi cial, em 1811 (30). António Lopes do Couto, alferes de Milícias da Maia, tinha sido dos heróis portugueses perante a terceira invasão, em serviço na cidade de Coimbra, tendo feito cinco mil e tantos prisioneiros (31). José de Sousa Melo, na defesa própria, referindo-se à ocupa ção temporária do Porto, por tropas espanholas, diz que conse guiu manter os ofi ciais, durante nove dias, na casa da Feitoria Inglesa, dispondo do seu dinheiro. Afi nal nenhum membro da Câmara se tinha disposto a dar um passo em ordem à melhor solução do problema. Apesar de tudo, fi zeram desacatos em casa sua (32). Sir Nicolas Trant declara que José de Sousa Melo, sabendo que, em Pinhel, escasseavam alimentos, enviara cem alqueires de milho, em 1812 (33). José de Sousa Melo, administrador geral do Correio do Porto, junta mais elogios à sua capacidade de decisão (34). O coronel Raimundo José Pinheiro foi elogiado em O Leal Portuguez, que manda transcrever junta-mente com uma longa carta de elogio, pela sua participação na luta que se seguiu à primeira invasão (35). É elogiado porque tinha publicado um folheto pa triótico, em 1808 (36). Não se coíbe de apontar o seu zelo num alerta militar no Campo de Santo Ovídio, famoso lugar de interes se militar e histórico do Porto (37). O major miliciano José Pedro Cardoso e Silva, da rua de Santo António, conta o que se passou, na reacção despertada pela primeira invasão e a sua colaboração na libertação de Coimbra (38). Sudário de desgraças realizou o Dr. Francisco de Sales Barbo sa Lemos, apesar de todo o apoio prestado desinteressadamente logo na primeira invasão. Era natural do Porto. Tinha mesmo feito várias doações ao Estado depauperado, e ainda vinhos de embarque da sua quinta do Douro, aguardente e milho grosso.

(22) Ibid. Po 4, 468, 81v-84. (23) Ibid. Po 8, 425, 148.(24) Ibid. Po 8, 426, 157-158. (25) Ibid. Po 8, 426, 86-87.(26) Ibid. Po 8, 427, 23-24.(27) Ibid. Po 4, 469, 126-127.(28) Ibid. Po 8, 429, 119-123.(29) Ibid. Po 1º, 4ª série, 552, 15.(30) Ibid. Po 1º, 4ª s., 552, 35-38v.

(31) Ibid. Po 8, 433, 132-132v.(32) Ibid. Po 1º, 4ª s., 557, 96v-97. (33) Ibid. Po 1º, 4ª s., 557, 105v-106.(34) Ibid. Po 1º , 4ª s., 557, 118-119v. (35) Ibid. Po 8, 443, 148-151.(36) Ibid. Po 8, 446, 195v-196v.(37) Ibid Po 8, 446, 199v-200.(38) Ibid. Po 8, 444, 53v-54v.

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Na segunda invasão, “sendo atacada esta cidade, em Março de 1809, pelo exército francês às ordens do Marechal Soult, pegou em espingarda, serviu nas trincheiras”. Ficou prisioneiro, “tendo sido muito maltratado e esteve a ponto de ser fuzilado”. Nem sequer pouparam a sua casa ao saque. Roberto José Pereira encarregou-se de velar pela memória deste prestante cidadão, em 1817 (39). António José Guimarães, dos Voluntários Reais de Mar e Terra, organização militar criada em Junho de 1808, já depois do triunfo da revolução liberal de 1820(40), veio dizer o que tinha feito, fardando-se à sua custa, lutando, chegando mesmo a cair prisio neiro dos Franceses. O desembargador Francisco Barroso Pereira tinha-se afoitado para ser uma coluna fi rme no meio da desordem da cidade invadida. O seu documento é de 1826, data da sua chegada ao notário (41). Pela sua originalidade, aliás em consonância com a decisão partida do bispo do Porto, face aos Franceses, merece alguma atenção o caso do P. Joaquim Dias de Oliveira, presbítero secular, morador em Vila Nova de Gaia. A documentação apresentada para transcrição foi aceite pelo notário, em 1810 (42). O mais extenso arrazoado é um requerimento dirigido ao

Governador Civil do Porto. Nele faz uma história breve da sua participação na defesa do Reino contra o invasor. Na primeira invasão tinha corrido o boato de que a tropa francesa viria do Sul e entra ria por Gaia. O Padre Oliveira pegou em armas do arsenal e colocou-se em Santo Ovídio, em Gaia. Alistou-se no Corpo Eclesiástico Armado e foi destacado para Valongo, disposto a se guir para a Régua, onde o inimigo atravessaria o Douro. O coronel deste organismo militar era o deão da Sé, o mais qualifi cado cónego do Cabido. Foi nomeado tenente da Companhia que tinha sido formada em Gaia. Elevado à categoria de capi tão. Requer ser integrado na tropa de linha como capelão. O general despachou favoravelmente a petição, situação, pois, anterior à invasão comandada por Soult.Noutra oportunidade(43), apresenta documentação vinda do sector eclesiástico, assinada por Luís Pedro de Andrade Brede rode, deão da Sé e coronel do Regimento de Voluntários Eclesiásticos Seculares e Regulares. De facto, o P. Oliveira tinha sido nomeado capelão de tropa de linha, sem soldo. Portanto, era um capelão gratuito. Morava na rua Nova do Pilar, no sopé da Serra do Pilar, a poente(44). Morreu em 1828 (45).

(39) Ibid. Po 2, 417, 100v-101v.(40) Ibid. Po 8, 451, 42-43. (41) Ibid. Po 2, 439, 138-138v.(42) Ibid. Po 5, 1ª s., 372, 100-101v.

(43) Ibid. Po 5, 1ª s., 373, 70v.(44) Ibid. Po 5, 1ª s., 380, 97. (45) Ibid. Paróquia 16, Lº 39, 165.

Desastre da Ponte das Barcas. Desenho alegórico dedicado a Nicolau Trant por José Teixeira Barreto, representando a cidade do Porto agrilhoada, recusando-se a aceitar a bandeira francesa. (Câmara Municipal do Porto)

O Desastre da Ponte das Barcas. Quadro existente na Capela de S. José das Taipas - Porto.

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49DICIONÁRIO BIOGRÁFICO DE PERSONALIDADES FEIRENSES

Francisco Azevedo Brandão*

ALBUQUERQUE, Alexandrino, (1888-1969). Nasceu em Penamacor em 31 de Outubro de 1888, tendo ido exercer a advocacia em Lourenço Marques durante algum tempo. Regressado à Metrópole, foi nomeado Conservador do Registo Civil da Feira que exerceu até 31 de Outubro de 1957, e Juiz substituto da mesma comarca. A partir desta data voltou a dedicar-se à advocacia, tendo aberto escritório na Vila da Feira. Foi um dos impulsionadores da fundação do Externato de Santa Maria. Era casado com D. Isaura da Graça Albuquerque. Faleceu no Bombarral em 30 de Junho de 1969, fi cando ali sepultado.

Bibliografi a Correio da Feira, 5.7.1969

ALCOFORADO, Bernardo José de Sousa e Silva (1727-1811). Nasceu em Guimarães em 19 de Janeiro de

1727. Por parte do pai pertencia à nobre família dos Alcoforados de Guimarães, que possuía uma quinta e solar, denominado Casa de Vila Pouca, junto ao castelo e à Colegiada de N.ª Sr.ª da Oliveira (actual Colégio do Sagrado Coração de Maria). Fez o seu curso teológico no Seminário de Braga. Foi coadjutor do seu segundo tio, o Abade de Fornos, Rodrigo Brandão da Silva, construtor da actual igreja, sucedendo-lhe no cargo em 10 de Abril de 1753. Foi ele que respondeu, a 26 de Abril de 1758, ao inquérito para as «Memórias Paroquiais» do Dicionário Geográfi co…, de Luís Cardoso, no que se referia à freguesia de Fornos. Foi pároco de Fornos até 5 de Julho de 1775, passando depois a pároco de Refojos do Ave, Santo Tirso, em cuja sacristia da igreja e na cabeceira do lavadouro da residência paroquial (hoje casa de um caseiro) se encontra o seu nome gravado em lápides, feitas no seu tempo. O padre Bernardo Alcoforado trabalhou ainda, como pároco resignatário na freguesia de S. Sebastião de Guimarães. Faleceu na Casa de Vila Pouca a 31 de Outubro de 1811.

Bibliografi a Padre José Alves de Pinho, Fundamentos para o Brasão de Fornos. Separata da Revista Villa da Feira, n.º10, 2005

* Licenciado em História pela Universidade do Porto e Bacharel em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra. Historiador local, é autor de Anais da história de Espinho, O Associativismo em Espinho, Joaquim Pinto Coelho, um político de Espinho, O campo de Aviação de Espinho, O culto de Nª Sª da Ajuda em Espinho e Manuel Laranjeira, por ele mesmo.

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ALFERES, Albano de Paiva (1908 - 1994). Nasceu no lugar de Duas Igrejas, Romariz em 20 de Março de 1908. Fez os seus estudos primários na sua terra, tendo ingressado no Seminário do Porto onde concluiu o curso em 1928. Foi prefeito e professor no Seminário das Missões em Tomar de 1928 a 1931. Em 18 de Outubro de 1931 foi ordenado sacerdote na Sé do Porto e celebrou a sua primeira missa na igreja da sua terra a 8 de Novembro do mesmo ano. Logo a seguir foi nomeado pároco de Freixo de Cima, Amarante e professor de uma escola primária na Vila da Lixa. Dois anos depois, em 1933, foi nomeado pároco da freguesia de Escapães, em acumulação com Mosteirô e Souto, Feira. Em 1943, foi nomeado pároco da freguesia de Souto, Feira, onde se manteve até à sua aposentação em Março de 1979, tendo passado a viver em Santa Maria da Feira, Foi presidente da Comissão de Vigilância do Castelo da Feira, tendo sido agraciado com a comenda da Ordem do Infante D. Henrique, pelo presidente da República, general Ramalho Eanes. Foi autor da moção que os deputados Mário Adegas e Alberto Camboa apresentaram na Assembleia da República para a elevação da Vila da Feira a cidade de Santa Maria da Feira. Em 1977, por deliberação da Câmara Municipal da Feira, aceitou gratuitamente organizar a Biblioteca Municipal que se encontrava «desprezada e em estado caótico e lastimável». Foi membro fundador da LAF – Liga dos Amigos da Feira, constituída por escritura pública de 9 de Março de 1983. Foi um assíduo colaborador do «Correio da Feira», com trabalhos dedicados a fi guras e factos do concelho da Feira. Faleceu a 1 de Fevereiro de 1994.

Bibliografi a Celestino Portela, Padre Albano de Paiva Alferes. Revista Villa da Feira – Terra de Santa Maria, n.º 1, Junho 2002Correio da Feira, 19.3.1993

ALLEN, Duarte Guilherme (1738-1819). Segundo Pinho Leal, foi proprietário da Quinta de Baixo, em Paços de Brandão. Era inglês, cônsul do Reino Unido em Viana do Castelo que casou com D. Joana Mazza, de quem teve os seguintes fi lhos: Joana

Allen, nascida em 1768 e casou com António Roiz Veloso de Oliveira; Ermelinda Allen nascida em 1770 e casou com Joaquim Ferreira de Sampaio; Camila Guilhermina Allen, nascida em 1771 e casou com Carlos Manuel Allen; Duarte Allen; e Teodoro Allen nascido em 1774 e casou com D. Isabel Rita Ferreira Pinto Basto; Efi génia Allen, nascida em 1775 e casou com Alberto João Curry; Fortunato Allen, nascido em 1781 e casou com D. Leonor Carolina Amsink e Bárbara Inocência Allen, nascida em 1783 e casou com José Pinto Basto. D. Ermelinda Allen Monteiro de Almeida, que já viúva de José Monteiro de Almeida (7.6.1819), foi Baronesa da Regaleira (7.11.1840) e mais tarde, Viscondessa (Decr. de 15.4.1854). De D. Ermelinda Allen, o título transitou para a sua sobrinha D. Maria Isabel Allen que se casou com João Carlos Morais Palmeiro, de quem teve um fi lho: Paulo Carlos Allen Palmeiro, casado com D. Maria Joaquina da Cunha e Meneses, e que foi o 3.º Barão da Regaleira (Decr. de 25.4.1864). Em 26 de Junho de 1917, faleceu nesta Quinta de Baixo uma das fi lhas do capitão de Milícias da Feira, Manuel Pinto de Almeida. Antes tinha ali vivido o Conselheiro Joaquim Almeida Correia Leal que tinha casado com D. Ana Emília Pinto de Almeida, Senhora da dita Quinta., de quem teve vários fi lhos, uma das quais, D. Edwiges de Almeida Correia Leal, nascida a 17 de Outubro de 1862 e falecida em 1944, e que à sua morte as propriedades daquele foram divididas por 3 herdeiros, um dos quais o Dr. Arménio Carvalho que aí reside.Duarte Guilherme casou 2ª vez em 1814 com D. Violante Maria de Sousa, de quem teve um fi lho: Duarte Guilherme Allen, faleceu em 18.9.1819.

Bibliografi a Padre Antero Gomes da Silva, Apontamentos sobre Paços de Brandão

ALMEIDA, Agostinho José Pinto de (1784-1848). Era fi lho de Caetano José Pinto de Almeida e de D. Luiza Maria Moreira, de Paços de Brandão. «Foi uma sumidade em vários ramos do saber (Filosofi a, Matemática), tendo escrito um livro com o título

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Princípios de Geologia, em 1838 e uma «Notícia sobre o Encanamento do rio Mondego», Diário do Governo n.º 96, 97 e 98 de 1822. Foi director da Faculdade de Matemática, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra de 1834-1848.

Bibliografi a Padre Antero Gomes da Silva, Apontamentos sobre Paços de Brandão. Dr. Martim Ramiro Portugal e Vasconcelos Ferreira, relatório de actividades de 2000, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.

ALMEIDA, António Pinto de (1719 - 1792). Nasceu em Paços de Brandão, em 1719. Era fi lho de José de Sá Carvalho e de sua mulher Clara Pinto de Almeida, da freguesia de Paços de Brandão; neto paterno de Manuel de Sá e de Maria Antónia de Carvalho e materno de António de Sá e de Agostinha de Almeida Pinto, que «sempre se trataram à lei da nobreza com cavalos, armas, creados e toda a mais ostentação própria da mesma nobreza, sendo legítimos descendentes das nobres famílias de Pintos e Almeidas», como reza a carta de brasão de armas que D. Maria II concedeu a António Pinto de Almeida em 3 de Julho de 1778 e registada no livro 5.º do registo dos brasões d’armas da nobreza e fi dalguia d’estes reinos e suas conquistas a folhas 48 com a data de 22 de Julho de 1788. O brasão de armas concedido na referida carta é o seguinte «Um escudo partido em pala. Na 1.ª as armas dos Pintos que são o campo de prata, cinco crescentes de lua vermelha com as pontas para cima, em santor. Na 2.ª, pelas (armas) dos Almeidas que são o campo vermelho, seis besantes de ouro entre uma dobre cruz e bordadura do mesmo ouro, elmo de prata aberto. Paquife dos metais e cores das armas: Timbre dos Pintos, que é um leopardo de prata armado de púrpura com um crescente do escudo na espádua». António Pinto de Almeida viveu no solar da Portela, em Paços de Brandão, foi Cavaleiro professo da Ordem de Cristo, vereador do Senado da Câmara da Feira, vice-cônsul do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, Tenente da Ordenança da Guarda dos marinhos e fachos da Terra da Feira, Senhor da Casa de Linhares e Barroso,

Portela e Sobreira em Paços de Brandão, e da quinta de St.º António, em Rio Meão. Casou com D. Angélica Maria Rosa Pinheiro da Cruz, nascida no Porto, em 1728, e falecida em Rio Meão a 26 de Agosto de 1808, de quem teve 10 fi lhos. Faleceu na sua casa da Portela em 16 de Agosto de 1872, tendo-lhe sucedido, como senhor da Casa da Portela, um fi lho, Manuel Pinto de Almeida. Esta família, «na melhor das hipóteses», deriva de Pelágio ou Paio Soares Pinto, morador na Terra da Feira. Sua fi lha, D. Maior Pais Pinto, casou com D.Egas Mendes de Gundar, companheiro d’armas de D. Afonso Henriques na batalha de Ourique, Segue-se-lhe esta genealogia: D. Ruy Viegas; D. Gonçalo Rodrigues Pinto; D. Soeiro Gonçalves Pinto; D. Garcia Soares Pinto; D. Vasco Garcez Pinto; D. Ayres Pinto; D. Álvaro Pinto; D. Briolanja Pinto e D. Gonçalo Pinto. É este Gonçalo Pinto que com seu irmão João Pinto, obtêm, por carta de Évora de 2 de Março de 1534, o Brasão de Armas em 1588, onde se lê ser fi lho de Gonçalo Cachofel e de Briolanja Pinto. António Pinto de Almeida faleceu em 16 de Agosto de 1792.

Bibliografi a Padre Antero Gomes da Silva, Apontamentos sobre Paços de Brandão; Livro 5.º de Registos dos Brasões de Armas da Nobreza e Fidalguia destes Reinos, 1788

ALMEIDA, António Pinto de (1780-1870). Nasceu no lugar da Chousa, Fiães, em 1780. Foi pároco de S. Paio de Oleiros durante bastantes anos. Faleceu no lugar da Idanha, Fiães, onde tinha fi xado residência, em 18 de Janeiro de 1870 com 90 anos de idade.

Bibliografi aPadre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940

ALMEIDA, Caetano José Pinto de (1738-1798). Nasceu na Casa da Quinta, em Paços de Brandão a 20 de Agosto de 1738. Era fi lho de Manuel Pinto de Almeida e de D. Luiza Maria Moreira. Era senhor

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e possuidor do prazo de Paço. Era bacharel em Medicina pela Universidade de Coimbra. Em 1787, imprimiu na imprensa universitária um compêndio em latim, com o título Primeiros Elementos de Cirurgia Terapêutica, para uso dos seus discípulos, traduzido pelo médico José Bento Lopes, com notas revistas pelo autor. Faleceu em Coimbra em 1798.

Bibliografi a Padre Antero Gomes da Silva, Apontamentos sobre Paços de Brandão

ALMEIDA. Carlos Alberto Ferreira de (1934-1996). Nasceu na freguesia de Vila Maior, Concelho da Feira, em 27 de Dezembro de 1934. Iniciou os seus estudos no Seminário do Porto, onde completou o Curso Superior de Teologia. Matricula-se, em 1963, no curso de História, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que conclui em 1968, permanecendo na Faculdade como assistente. Começou aqui a sua carreira de pesquisa e investigação arqueológica, que o levou a escrever centenas de estudos etnográfi cos que contribuíram para o conhecimento de tradições, hábitos, costumes e história, constituindo valorosos estudos nos domínios da Etnografi a, da Antropologia, da Arqueologia e da História da Arte do nosso país. Foi o fundador do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Foi professor catedrático da História da Arte. No seu curriculum consta ainda o seguinte: - Prémio «Gomes Pereira 1965» de Etnografi a na categoria de «Estudo feito por um Etnógrafo», o qual foi entregue em cerimónia pública em Barcelos a 25 de Setembro de 1965; 4 campanhas de escavações arqueológicas em Fiães, uma em Martim (Barcelos), uma no alto de castelo em Frende (Baião), no Monumento com forno, da Citânia de Sanfi ns, em Paços de Ferreira, 4 no Monte Mozinho, em Penafi el e uma em Santo Estêvão da Facha, em Ponte de Lima: foi secretário-geral do III Congresso Nacional de Arqueologia que organizou e que decorreu na Cidade do Porto entre 5 e 8 de Novembro de 1973; fundou o Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto; apresentou provas de

Doutoramento na área de História da Arte e Arqueologia com a dissertação Arquitectura de Entre-Douro-e-Minho. Das Origens a 1220; foi distinguido com o «Pergaminho de Honra e Loubanza» atribuído pelo Patrono Pedron de Ouro «pólos seus estudos encol dun intercambio cientifi co e universitário entre os dous países», entregue em cerimónia solene em Padron. Regeu com Juan Stabel-Hansen e Luís Caballero Zoreda, um curso de Iniciação à Arqueologia Medieval, nas Universidade de Santiago de Compostela; desempenhou papel crucial na re-estruturação do curso de História, nomeadamente na criação de duas variantes - a de História da Arte e a de Arqueologia; participou em Gijón, no Curso de Verão da Universidade de Oviedo, subordinado ao tema «Indigenismo en el Norte Peninsular: La Economia Rural». Casou, em 25 de Outubro de 1985 com D. Maria Helena Gomes Teixeira da Natividade Ferreira de Almeida, de quem teve um fi lho, Carlos Emanuel Natividade. Por proposta da Comissão instaladora da escola dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico de Santa Maria da Feira n.º2, que obteve a concordância da Câmara Municipal, foi atribuído o nome do Professor Doutor Carlos Alberto Ferreira de Almeida àquele estabelecimento de ensino, aprovado pelo Despacho n.º 4355 do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Educativa, em 19 de Fevereiro de 1998. Faleceu na Venezuela em 28 de Julho de 1996.

ALMEIDA, Francisco Correia de (? - ?) Era abade de Paços de Brandão em 1724, conforme a inquirição feita na sua residência sobre o processo requerido por Estêvão Ferreira que pretendia «tomar ordens de missa» em 21 de Agosto de 1724.

Bibliografi a David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo na História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001

ALMEIDA, Inácio Martins Bragança de (1897-1977). Nasceu na freguesia de Souto (Feira), em 1897. Fundador e gerente da fi rma «Auto-Viação de Souto Ld.ª», foi um dedicado defensor dos interesses da sua

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Bibliografi a Padre Antero Gomes da Silva, Apontamentos sobre Paços de Brandão. ALMEIDA, José Correia Dias de (? - ?). Foi pároco da freguesia de S. Jorge, de 1883 a 1904.

Bibliografi a P.e José Inácio da Costa e Silva, «A Freguesia de S. Jorge», jornal Tradição, número especial das Comemorações dos Centenários, Setembro, 1949

ALMEIDA, José de Moraes Pinto de (? - ?). Pinho Leal na sua obra Portugal Antigo e Moderno, ao falar de Paços de Brandão, refere que José de Moraes Pinto de Almeida, deputado em várias legislaturas, pertencia à família Pinto de Almeida desta freguesia. Nasceu em Coimbra, fi lho de Hipólito Caetano de Morais, a mãe seria da família Pinto de Almeida, da casa da Portela, de Paços de Brandão. Frequentou o Real Colégio das Artes, matriculando-se, em 1834, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde terminou o curso em 1839. Foi eleito dez vezes seguidas deputado da nação. Vem, por isso, mencionado no Dicionário Biográfi co Parlamentar (1834-1910), vol.1 (A-C), no verbete assinado por Maria José Marinho que diz o seguinte: «Durante esses dezassete anos em que esteve presente na Câmara só pertenceu à Comissão de Foral (1858), à de Verifi cação de Poderes (1865) e à Comissão Especial para resolver o problema da acumulação do lugar de deputados com situações de favor do Governo. Nas três primeiras legislaturas foi eleito pela Lousã, em 1853-1856 (juramento a 31.1.1853), em 1857.1858 (juramento a 24.1.1857) e em 1858-1859 (juramento a 21.6.1858). Nas seguintes, em 1860-1861 (juramento a 14.1.1861) e em 1861.1864 (juramento a 10.6.1861), foi eleito, respectivamente, por Montemor-o-Velho e Arganil. Nas cinco que se lhes seguiram, 1865 (não se sabendo a data de juramento), 1865-1868 (juramento a 26.8.1865), 1869-1869 (juramento a 27.4.1868), em 1869-1870 (juramento a 1.5.1869) e 1870 (juramento a 8 de Abril), foi sempre eleito pela Figueira da Foz. Abordou alguns temas com grande persistência, tais como: o cumprimento do regimento da Câmara pelo

terra. Quando da desintegração da sua freguesia para o concelho de Ovar, desenvolveu grande actividade para o seu regresso ao concelho da Feira, tendo promovido com «grande entusiasmo» uma manifestação de regozijo, um ano depois, quando o governo deliberou o regresso de Souto à Feira. Do seu casamento houve 5 fi lhos: Manuel, David, Américo, Idalina e Rosa. Faleceu na sua casa de Souto, em Agosto de 1977, com 80 anos de idade.

Bibliografi a Correio da Feira, 12.8.1977

ALMEIDA, João de (? – 1654). Foi genro do Senhor da Casa de Linhares e Barroso, em Paços de Brandão. Foi Capitão de cavalos na província da Beira, falecido em 1654. Os seus descendentes foram: Bernardo Pinto de Almeida, capitão-mor de Ordenanças de Sabará (Minas Gerais, Brasil), natural de Paços de Brandão, onde nasceu no lugar da Aldeia daquém e faleceu no Rio de Janeiro em 1729: Francisco de Almeida Pinto, capitão de Milícias do Regimento da Vila da Feira, nascido na Casa de Linhares e Barroso a 6 de Maio de 1676. (O seu sobrinho, António Pinto de Almeida, foi o herdeiro do senhorio dessa casa, porquanto o seu tio morreu solteiro em 1747).

Bibliografi a Padre Antero Gomes da Silva, Apontamentos sobre Paços de Brandão. ALMEIDA. João Pinto de (? -1840). Religioso Agostinho tomou o nome de Frei João da Santíssima Trindade. Nasceu em Paços de Brandão e era irmão da mulher de Manuel Pinto de Almeida, falecido a 3.11.1832, D. Gertrudes Maria Rosa da Silva Canedo, que foi herdeira universal de Feri João. Foi prior do convento de Nossa Senhora da Piedade, em Santarém (1813), cavaleiro da Ordem de Cristo (decreto de 5.12.1836), governador e vigário capitular do Bispado da Guarda (decreto de 21.10.1836 e 15.5.1638), provisor do Cabido da Sé da Guarda, Reitor da Igreja de S. Martinho da freguesia de Arada, concelho da Feira, hoje de Ovar. Faleceu a 27 de Junho de1840

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após ano, «uma peta» e verdadeiro só fora o de 1836, que por o ser nunca merecera aprovação. Protestou vivamente contra todos os projectos que visavam o aumento da despesa militar, lembrando que um quinto do Orçamento era gasto com o Exército. Votavam-se leis que davam a um alferes reforma de marechal, sem nunca haver sido «capitão de companhia», «major de batalhão», «coronel de regimento», «brigadeiro mesmo de brigada» e «marechal sem marcha», «desperdícios» contra os quais haveria de votar sempre, pois já recebiam pela tabela de 1814, e ainda achavam «pouco» (1865) Uma das excepções a este afã de reprimir gastos foi a sua posição face à dotação a atribuir à Universidade de Coimbra. Apresentou projectos de lei para melhorar o ordenado a vários empregados e autorizar o Governo a despender, anualmente, 12000$000 réis com os hospitais e o dispensário farmacêutico, assim como com a biblioteca onde faltavam os livros, mesmo os impressos por conta do Governo. Relativamente a medidas que queria abolidas e modifi cadas por serem desadequadas aos tempos em que se vivia, referiremos a sua encarniçada luta a favor da abolição da informação por costumes na Universidade de Coimbra, apresentando um projecto de lei (1865), cuja iniciativa foi renovando ao longo dos anos, assim como da abolição do castigo por varadas no Exército e a proposta também insistentemente renovada, para que o Governo desse baixa do serviço militar aos que já haviam concluído o tempo regulamentar. Alguns dos projectos de lei que apresentou: para regular a reforma dos empregados administrativos da Fazenda, baseando-se no princípio de que a lei devia ser igual para todos; para criar hospitais de caridade para órfãos e recém-nascido abandonados (1855); para reorganizar os serviços judiciais; para fi xar os emolumentos e salários paroquiais e das câmaras eclesiásticas; para determinar que as custas dos processos, nas execuções administrativas, nunca excedessem o capital da dívida, pois só os ricos conseguiam adiar as execuções; para regulamentar a aposentação dos empregados públicos que demonstrassem ter 30 anos de bom e efectivo serviço (1858); para extinguir o imposto anual pago pelos pescadores bem assim como o imposto sobre o pescado (1865). Subscreveu vários projectos

presidente e deputados; a sua independência face ao poder político, repetindo que estava ali para defender os interesses dos que o haviam eleito e não para arranjar emprego; o severo controlo das despesa públicas, opondo-se quase sempre ao aumento de gastos; o pagamento das dívidas de particulares e funcionários ao Estado, exercendo apertada vigilância no sentido de impedir a corrupção. Preconizou a abolição de atitudes retrógradas no ensino e no Exército e insistiu tenazmente em medidas que melhorassem a situação da agricultura e comércio no distrito de Coimbra, entra as quais o encanamento do Mondego, obras nos campos limítrofes e na barra da Figueira da Foz. Em todas as legislaturas em que esteve presente denunciou todos os colegas que, por várias razões, ocupavam ilegalmente um lugar na Câmara, atitude que determinou mesmo a saída de alguns, e a que chamou «o rapto dos deputados». Uma das razões para os «caçar», como dizia, era saber que haviam sido nomeados para emprego ou comissão subsidiada, recebido mercê honorífi ca, ou qualquer outra graça do Governo, proibição, aliás, consignada no Acto Adicional. Quanto à sua luta para cercear os gastos, propôs, sempre que tal entrava em discussão, que todos os pareceres que implicassem aumento de despesas fossem primeiro enviados à Comissão da Fazenda. Requereu informação de todo o dispêndio feito com a organização e sucessivas impressões do Código Civil, com o Boletim da Instrução Pública, Boletim do Conselho Ultramarino e Boletim do Ministério das Obras Públicas, acabando mesmo por pedir a sua extinção e a publicação dos «respectivos actos» no Diário de Lisboa. Rejeitou o projecto de lei da Comissão Eclesiástica que propunha a isenção dos párocos, já dispensados de pagar décima, do imposto sobre as côngruas. Fez numerosos requerimentos pedindo, entre outros assuntos, informações sobre dívidas ao Tesouro, acumulações de empregos e gratifi cações de civis e militares. Propôs a extinção da classe de tenentes-generais supranumerários e a redução do número de bispados. Em fi ns de 1865 chegou a declarar que votaria contra a construção de todas as novas linhas de caminho-de-ferro enquanto a dívida pública não diminuísse, porque a primeira obrigação de um país era pagar o que devia. Os orçamentos tinham sido, ano

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de lei, tais como: o do encanamento do Mondego e obras nos campos de Coimbra, apoiado por inúmera representações das terras circunvizinhas, problema que irá retomar vezes sem conta, declarando, a partir de certa altura, que enquanto não chegasse o reclamado parecer iria falar nas obras dos campos de Coimbra de 15 em 15 dias; o da reforma do regimento da Câmara (1857); o da equiparação dos alunos formados em Matemática pela Universidade de Coimbra aos da Politécnica de Lisboa e Porto, no aceso à Escola do Exército; o da extinção da Roda, cancro social, cuja mortalidade era «tão espantosa» que a transformara num instrumento de infanticídio. Interveio na discussão de vários projectos de lei, tais como: o que propunha a verba de 1 100.000$000 réis para a construção e reparação de estradas, melhoramento de rios e barras; o que pretendia esclarecer alguns pontos controversos dos decretos relativos à contribuição predial; o que propunha empréstimo a «lavradores e capitalistas» do Minho dispostos a construírem estradas; o que concedia terrenos e prédios para cemitérios e escolas primárias; o que prorrogava o prazo de remissão das pensões subenfi têuticas e subcensórias da Coroa; os que propunham o orçamento dos ministérios das Obras Públicas, Justiça e Reino; os que determinavam a extinção de morgados, capelas e a desamortização dos bens dos municípios, juntas de paróquia e estabelecimentos de piedade e benefi cência. Pediu adiamento da discussão do projecto de lei sobre a contribuição predial por considerar que não havia tempo para se levarem a cabo os necessários trabalhos cadastrais estatísticos, tendo a experiência demonstrado que tinha toda a razão: requereu toda a documentação referente ao desaparecimento da célebre obra de cavalaria Tirant lo Blanc, da Biblioteca Municipal do Porto, requisitada a 3.12.1859, pelo director-geral da Instrução Pública (José Maria de Abreu) e emprestada ao duque de Saldanha. Foi um dos deputados que logo na primeira legislatura (1853-1856) rejeitou, em minoria, o parecer da comissão respectiva sobre os actos da ditadura. Recusou uma condecoração.

Bibliografi a Maria Filomena Mónica, Dicionário Biográfi co

Parlamentar – 1834-1910, Vol. I (A-C). Assembleia da República, 2004.Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno.1875 ALMEIDA, José Gomes de (? - 1879). Nasceu na Freguesia de Guisande. Recebeu a ordem de presbítero em 24 de Setembro de 1831 e foi nomeado pároco de S. Jorge de Caldelas de 1841 a 1879. Faleceu em 1879.

Bibliografi a Padre António Ferreira Pinto, Defendei Vossas Terras – Monografi a de Guisande. Edição da Junta de Freguesia de Guisande, 1999; P.e José Inácio da Costa e Silva, A Freguesia de S. Jorge, jornal Tradição, número especial das Comemorações dos Centenários, Setembro, 1940

ALMEIDA, Lourença Pinto de (? - 1833). Os escassos dados biográfi cos desta mulher singular de meados de século XIX, são-nos apresentados por Maria José Ferreira dos Santos no seu livro «A Indústria de Papel em Paços de Brandão e Terras de Santa Maria». Diz a autora que Lourença Pinto de Almeida, moradora no lugar de Riomaior, em Paços de Brandão, foi a única mulher que foi sócia fundadora de uma fábrica de papel em toda a história desta indústria em Portugal. Solteira e analfabeta, era senhora de uma propriedade, na qual existiam dois moinhos localizados num declive de terreno, propício para a construção de uma fábrica de papel, levada talvez pelo exemplo das fábricas do Engenho Novo, do Zabumba, da Cardenha e do Candal, suas vizinhas. Em 1822 funda, em Sociedade com Joaquim Carvalho, casado, do lugar da Lagoinha, freguesia de Santa Maria de Lamas, uma fábrica de papel no lugar de Riomaior, Paços de Brandão. Pela leitura do seu testamento, se pode avaliar «a personalidade duma mulher determinada, organizada, com um percurso de vida marcado pelo sofrimento e a quem a fragilidade de juventude custa caro». Nele se diz textualmente: «Declaro que sou solteira, porém por fragilidade humana e com promessas de casamento, tive dois fi lhos do capitão de Ordenanças Manuel Pinto, do lugar da Portela desta mesma freguesia…» Por aqui se vê que não era uma mulher qualquer. Era uma mulher

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com uma forte personalidade, determinada e decidida, como aliás, se pode aquilatar pela sucessivas condições que ela impõe à Sociedade, ao longo do tempo para salvaguardar o seu património, uma vez que não sabia ler nem escrever. Com efeito, uma das cláusulas do contrato obrigava o sócio «a fazer anualmente um balanço exacto do estado do edifício e da situação fi nanceira da fábrica, tendo que registar em livro próprio, todas as vendas efectuadas, respectivos preços e qualidades. Lourença Pinto de Almeida faleceu em 1833, passando a sua parte na Sociedade para a sua fi lha Maria Pinto de Almeida.

Bibliografi a Maria José Ferreira dos Santos, A Indústria de Papel em Paços de Brandão e Terras de Santa Maria. Edição da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, 1997

ALMEIDA, Manuel Pinto de (? - ?). Parece ter falecido antes de 1796, pois, seu irmão, Simão Pinto de Almeida que faleceu nesta data, refere que aquele padre Manuel Pinto de Almeida lhe tinha deixado legado para missas à conta da sua herança. Julga-se que este padre é tio do padre José Pinto de Almeida que em 1795 vivia em Paços de Brandão.

Bibliografi a David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo na História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2005.

ALMEIDA, Manuel Pinto de (1768-1832). Nasceu na casa de Linhares e Barroso a 7 de Janeiro de 1768. Era fi lho de António Pinto de Almeida, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, vereador do Senado da Câmara da Feira, vice-cônsul do Reino Unida da Grã-Bretanha e Senhor das Casas de Linhares e Barroso, Portela e Sobreira em Paços de Brandão e da Quinta de St.º António em Rio Meão, e de sua mulher D. Angélica Maria Rosa Pinheiro da Cruz. Foi capitão das Ordenanças da Companhia formada em Silvalde e sua anexas em Paços de Brandão, Esmoriz, Paramos, Anta, Oleiros e Nogueira

da Regedoura, posto de que prestou juramento a 17 de Dezembro de 1785. Neste posto militou nas campanhas da guerra peninsular. Na Casa da Portela em Paços de Brandão existe «num quadro a corpo inteiro de Manuel Pinto de Almeida, condecorado com a medalha de ouro da Real Efígie, por se haver batido pelo Senhor D. Miguel e todas as condecorações ganhas em toda a sua existência. Faleceu 1832. Era irmão do padre José Pinto de Almeida, a quem se deve a 1.ª fábrica de papel ou Engenho Novo (1773). As tradições da família continuaram através de outros dois, Manuel Pinto de Almeida, respectivamente fi lho e neto.

Bibliografi a Padre Antero Gomes da Silva, Apontamentos sobre Paços de Brandão

ALMEIDA, Manuel Pinto de (1823-1889). Nasceu na Casa da Portela, em 1823, em Paços de Brandão. Era fi lho de Manuel Pinto de Almeida, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, vereador do Senado da Câmara da Feira e vice-cônsul do Reino Unido da Grã-Bretanha. Aquele Manuel Pinto de Almeida foi capitão da 6.ª Companhia do extinto batalhão nacional de Caçadores da Vila da Feira (Decr. 19.1.1841). Faleceu em 1889.

Bibliografi a Padre Antero Gomes da Silva, Apontamentos sobre Paços de Brandão.

ALMEIDA, Manuel Pinto de (? -1914). Nasceu na Casa da Portela, em Paços de Brandão. Era fi lho de Manuel Pinto de Almeida e de Dª Maria Augusta de Azevedo Aguiar Brandão, fi lha de João José de Azevedo Aguiar Brandão, da Casa do Engenho Novo, em Paços de Brandão e de D. Luísa Inácia dos Anjos Ataíde de Sousa, viúva do capitão Custódio Pereira Pinto de Almeida. Manuel Pinto de Almeida era casado com D. Maria Eugénia Bastos de Pinho de quem teve dois fi lhos: Eduardo Pinto de Almeida e Ema Pinto de Almeida. Foi fi gura de destaque no concelho da Feira, tendo militado no Partido Progressista e sido eleito deputado às cortes

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na legislatura de 1897-1898. Vem referenciado no Dicionário Biográfi co Parlamentar, 1834-1910, Vol. I (A-C), 2004,coordenação de Maria Filomena Mónica, nos seguintes termos: «Era proprietário. Eleito deputado pelo círculo da Feira (nº 33) em Maio de 1897, concorrendo pela lista do Partido Progressista. Integrou a legislatura de 1897-1899 (juramento a 30.6.1897). Não integrou nenhuma comissão parlamentar. A sua intervenção enquanto deputado limitou-se à apresentação de uma representação de ex-arbitradores da comarca da Feira, reclamando contra as irregularidades praticadas nas avaliações judiciais, e mostrando-se contrário ao Decreto de 15 de Setembro de 1892, que revogava o artigo 37º do Decreto de 20 de Julho de 1866 e o Regulamento de 17 de Março de 1887 (sessão de 7.8.1897). Mandou ainda para a mesa uma representação da Câmara Municipal da Feira, contra a recente elevação da freguesia de Espinho a concelho; a este respeito, o deputado diz ter «nas duas localidades amigos sinceros e dedicados, a quem devo muitos testemunhos de consideração e muitas provas de estima», abstendo-se de «intervir neste pleito em que se debatem aspirações de independência e interesses locais, deixando ao Parlamento toda a responsabilidade dos acontecimentos» (sessão de 3.3.1899)». A ele se deve também a construção da ponte do Cascão, entre Gião e Louredo, melhoramento de excepcional importância para a região naquela época e para a qual «concorreu com o seu dinheiro e infl uência política». Manuel Pinto de Almeida faleceu em Matosinhos em 1914 e encontra-se sepultado em Paços de Brandão.

Bibliografi a Francisco Azevedo Brandão, Família Azevedo Aguiar Brandão, Villa da Feira, Terra de Santa Maria, 2005; Padre Joaquim Correia da Rocha, Recordar 900 Anos de Paços de Brandão, 1995; Maria Filomena Mónica, Dicionário Biográfi co Parlamentar, 1834-1910 Vol. I (A-C), Lisboa 2004;

Maria José Ferreira dos Santos, A Indústria de Papel em Paços de Brandão e Terras de Santa Maria (Séculos XVIII-XIX) Câmara M. de Santa Maria da Feira, 1997; Correio da Feira de 24 de Outubro de 1914; O Comércio do Porto de 4 de Maio de 1897. ALMEIDA, Rufi no Pinto de (1895- 1932). Nasceu no lugar da Idanha, Fiães em 14 de Agosto de 1895. Ordenou-se presbítero em 30 de Maio de 1918 e foi pároco de Santa Clara de Touro, Arrifana e Lobão. Faleceu em 7 de Agosto de 1932.

Bibliografi a Jornal Tradição Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940

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58 DESENHO

Manuela Correia*

Era o derrame de um perfumede ramo em ramo entre o ventoEra de incesto o teu vislumbreera de incenso o meu lamento

Entre a colina que vibravauma coluna alada e esguiaO que de lírio lembravasob o delírio se perdia

Era contudo uma aventurae que com nada se ausentavaFlorida na sombra inseguraflor vinda à tona da alvorada

Era um cetim nos meus cabelosera um senão na minha vozEra um decalque nos teus dedosera um desenho sobre nós

* Nasceu na aldeia de Cabrum, concelho de Vale de Cambra,em 1961. Em Vale de Cambra, durante a frequência do liceu, aprendeu o gosto pela poesia. Iniciou a sua actividade profissional aos 18 anos e aí viveu durante anos. Actualmente exerce a sua actividade profissional no Porto e reside em Santa Maria da Feira, Vila Boa. Tem colaborado em muitas sessões e tertúlias de poesia.Livros publicados: - As nuvens não são mais de algodão, de 2000. - Poemas Tri Angulares, de 2002. - Interlúdio d’ Eros, de 2003. - Escritos de Areia de 2005.

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59 A Mulher na Advocacia

Jorge Pais de Amaral*

Ao longo dos tempos foram sendo tomadas várias medidas tendentes a pôr cobro a todo o tipo de descriminação entre as pessoas. Não referindo agora a discriminação que se prende com a raça ou origem étnica, com a religião ou crença, com a orientação sexual e muitas outras que poderíamos apontar, voltemo-nos apenas para a que se estabeleceu entre os sexos. Como é do conhecimento geral, a questão da igualdade entre mulheres e homens tem sido constantemente abordada e, depois de inúmeros debates, as mulheres conseguiram, com êxito, conquistar um lugar ao lado dos homens em todos os domínios. Hoje as mulheres integram os efectivos das forças armadas, das forças policiais, podem ser médicas, magistradas ou exercer qualquer outra profi ssão antes exclusivamente desempenhada por homens. Não mais está vedado às mulheres a condução de um autocarro ou de um camião, fazer parte dos elementos de segurança privada de qualquer pessoa ou empresa, desenvolver a sua actividade num período nocturno da laboração de qualquer indústria. Mas nem sempre foi assim. A conquista da igualdade foi sendo paulatina-

mente alcançada ao longo dos séculos e, em alguns domínios, só muito recentemente. Apenas em 1911 foi nomeada a primeira mulher, Carolina Michaëlis, para uma Cátedra Universitária (Filologia). As primeiras deputadas a Assembleia Nacional só surgiram em 1935: Domitila de Carvalho, Maria Guardiola e Maria Cândida Pereira. A primeira mulher no Governo foi Maria Teresa Lobo que em 1971, foi nomeada Subsecretária de Estado da Assistência. Também no domínio da advocacia a mulher só conseguiu obter lugar há relativamente pouco tempo. Chegou, porém, ao nosso conhecimento que em Roma algumas mulheres se defenderam a si mesmas no foro. Uma delas foi Mesia Sentinas, cognominada de Andrógena (77a.c.) que , perante os juízes, defendeu a sua própria causa com talento e energia, tendo obtido a absolvição. Era de tal modo eloquente que pessoas chegavam a pensar que sob as feições de uma mulher se ocultava um coração de homem. Igualmente Caya Afrania (48 a.c.) advogou sempre as suas causas fazendo tremer as salas dos tribunais com os seus gritos. Também Hotensia (43 a.c.) defendeu com sucesso a causa das mulheres de Roma oprimidas por pesado imposto. Diz a tradição que o foro Romano foi interdito ás mulheres devido a Calpúrnia que, irritada com os juízes por ter perdido uma causa que advogara,

* Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.

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fez questão de lhes mostrar o seu desprezo descobrindo o traseiro. O caso das mencionadas fi guras femininas constitui excepção, pois a mulher não era ordinariamente autorizada a alegar, até que o imperador Teodósio alterou parcialmente a sua condição por forma a poder “falar em justiça, mas só para ela própria”.1

Em França, o exercício da advocacia estava igualmente vedado às mulheres. Sustentando-se nas Institutas de Justiniano, era entendido que a advocacia era um acto viril. Jeanne Chauvin, a primeira mulher a licenciar-se em Direito, quando pretendeu inscrever-se na Ordem dos Advogados não a aceitaram, porque não tinha caderneta militar. Só pela Lei de 1 de Dezembro de 1900 foi autorizado o exercício da advocacia às mulheres munidas de diploma de formatura em Direito. A primeira a inscrever-se na Ordem foi a referida Jeanne Chauvin, mas a primeira que efectivamente advogou foi

Marguerite Dilhan. Antes de 1900, em França, só excepcionalmente foram autorizadas algumas mulheres a advogar. Uma delas foi a notável oradora, condessa de Villirouët, que usou da palavra perante o tribunal para defender o seu marido emigrado, tendo conseguido obter a sua absolvição.2

Sem pretender fazer uma ronda por todos os Países, não podemos deixar de referir o que se passou na Bélgica, por nos dar a oportunidade de pôr em destaque a mentalidade reinante na época que presidiu à exclusão das mulheres da advocacia, nesse País, até ao ano de 1922. “Marie Popelin foi a primeira mulher que obteve o diploma de doutor em direito na Universidade de Bruxelas”. Tendo feito o requerimento para poder advogar, o procurador geral Van Schoor emitiu parecer no qual disse nomeadamente o seguinte: “Percorrei o Código Civil. A inferioridade da mulher em relação ao homem é aí afi rmada a cada instante…E é a esta mulher, em certa medida condenada a uma menoridade perpétua, incapaz de estar em juízo e de dispor dos seus bens, incapaz de dar, pelo seu testemunho a autenticidade a um acto, excluída, salvo raras excepções, das tutelas e conselhos de família, que o legislador do ano XII, o autor do Código, teria concedido o poder de aparecer no foro, a coberto das imunidades do advogado, para aí representar os interesses e defender os direitos de outrem?! Contradição chocante de que a memória do legislador não pode ser acusada…No dia em que a mulher entrar na Ordem, a Ordem dos Advogados terá deixado de existir.” “A Cour d’appel de Bruxelas rejeitou o pedido de Marie Popelin: Considerando que a natureza particular da mulher, a fraqueza relativa da sua constituição, a reserva inerente ao seu sexo, a protecção que lhe é necessária, a sua missão especial na humanidade, as exigências e as sujeições da maternidade, a educação que deve dar a seus fi lhos, a direcção do lar doméstico confi ada às suas mãos, a colocam em condições pouco conciliáveis com os deveres da profi ssão de advogado e não lhe dão nem os ócios, nem a força, nem as aptidões

Justiça de Salomão, ou a mais célebre das Sentenças da História

2 Ibidem, pág. 44.1 Cfr. Alberto de Sousa Lamy, in Advogados e Juízes na Literatura e na Sabedoria Popular, pág.43.

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necessárias às lutas e fadigas do foro”3

Depois desta rápida deambulação, vejamos agora o que se passou, a tal respeito, em Portugal. O artº 1354º, nº 2 do Código Civil de 1867 determinava que não podiam ser procuradores em juízo “as mulheres, excepto em causa própria, ou de seus ascendentes e descendentes ou de seu marido, achando-se estes impedidos. O Decreto nº 4676, de 19/7/1918, dispunha no seu artº 1º que, “a partir da promulgação deste decreto

às mulheres munidas de uma carta de formatura em direito é permitido o exercício da profi ssão de advogado, ajudante de notário e ajudante de conservador.” No respectivo preâmbulo procura o legislador explicar “a incapacidade da mulher casada mantida nas leis civis como efeito necessário apenas da autoridade marital”. Foi pelo decreto nº 5647, de 10/5/1919, que permitiu à mulher “o exercício do mandato judicial” sem necessidade de autorização do marido. Antes, porém, de completar o curso de Direito (faltava-lhe a cadeira de Medicina Legal), foi nomeada defensora ofi ciosa, no Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa, no dia 14 de Novembro de 1913, Regina da Glória Pinto de Magalhães Quintanilha. Tratava-se do caso – segundo relatou o jornal A Luta em notícia do dia seguinte – de uma agressão perpetrada por duas mulheres na pessoa de uma «velhota». Embora não tivesse sido previamente anunciada a originalidade da audiência de julgamento, a sala rapidamente se encheu de pessoas ligadas ao foro e de várias pessoas do povo. Era a primeira vez que uma mulher, para mais muito atraente, exercia as funções de advogado. Segundo relatou o mesmo periódico, a D. Regina Quintanilha foi brilhante nas suas alegações em defesa das arguidas. Por isso, mereceu rasgados elogios por parte do Juiz e do Ministério Público. Esta ilustre defensora ofi ciosa, além de Advogada, foi Notária em Albergaria-a-Velha, Conservadora em Mação e Conservadora do Registo Predial em Lisboa, tendo sido a primeira mulher a desempenhar tais funções. Tendo nascido em Santa Maria, Bragança, a 9 de Maio de 1893, ingressou na Faculdade de Direito de Coimbra em 1910. Para que fosse autorizado o seu ingresso na Faculdade foi necessário que, em reunião do Conselho Universitário de Coimbra, houvesse consenso nesse sentido, pois que se tratava da primeira mulher a quem era concedida tal autorização. Regina da Glória tinha então 16 anos. Foi recebida por toda a Academia, que formando alas, lhe estendeu as capas no chão. Em 1917 Regina da Glória veio a casar com um Juiz que chegou a Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, Vicente Ribeiro Leite de Sousa e Vasconcelos. No exercício da advocacia outras mulheres se seguiram, poucos anos depois, das quais podemos

Regina Quintanilha 1893-67 1ª Advogada - 14 Novembro 1913

3 Ibidem, pág. 49.

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referir Albertina do Couto, Maria Cândida Pereira e Aurora Gouveia. A primeira advogada requereu a suspensão da sua inscrição na Ordem dos Advogados em 1957 e veio a falecer em 1967. Mais recentemente, a Ordem dos Advogados escolheu para o Conselho Geral a Dr.ª Maria Clara Martins Lopes, para o triénio de 1978 a 1980, sendo Bastonário o Dr. Carlos Lima. Para o Conselho Superior, a primeira mulher eleita foi a Drª Elza de Matos Abreu, para o triénio compreendido entre 1981 e 1983. O elemento feminino chegou mesmo a ocupar a cadeira do Bastonário na pessoa da Dr.ª Maria de Jesus Serra Lopes durante o triénio 1990-1992.

Foi no Estado de Nova York que mais cedo se abriu às mulheres a carreira da advocacia – 1869. Na Europa só em 1900 foram a mulheres francesas autorizadas a exercer advocacia, seguindo-se a Inglaterra em 1919 e a Espanha em 1920. Pretendemos mostrar um pouco da luta das mulheres pela igualdade de direitos, sendo de realçar que, no domínio da advocacia, a vitória só há muito pouco tempo foi alcançada. Desde então as mudanças têm sido signifi cativas. Actualmente, como se sabe, as mulheres constituem o sexo maioritário no domínio de várias actividades para as quais se exige um curso superior. E, enquanto estudantes, têm mostrado, de um modo geral, maior empenho e dedicação do que os homens.

Maria de Jesus Serra Lopes (1933-), décimo nono Bastonário. A única mulher que até hoje ocupou esse cargo. Quadro de Helena San Payo

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* Publicista.

Manuel Laranjeirae os “Brasileiros” de “torna-viagem”

Orlando da Silva*

A José Ferreira Lima

Laranjeiriano e amigo

Sabendo-se, como se sabe – chega ler o artigo que escreveu na Revista Transmontana, Novembro de 1908, sobre o autor de Os Brilhantes do Brasileiro, que Manuel Laranjeira era um compulsivo e extremoso estudioso da obra do suicida de S. Miguel de Seide, terá bebido, em certa prosa deste, a aversão quase doentia que ambos devotavam aos que, no Brasil, eram apodados de “galegos” e, em Portugal, de “brasileiros”. Vejamos como via Camilo, e, mais tarde, Laranjeira, a fi gura do “brasileiro” de “torna-viagem”. Em carta publicada por António Cabral, em Homens e Episódios Inolvidáveis, 1947, sem nome do destinatário, datada de S. M. de Seide, 17 de Abril de 70, escrevia Camilo:

«Ex. mo Snr.Se vê que a minha carta não tem muitos

descuidos gramaticais, pode publicá-la. Não me lembro se há lá coisa que moleste o próximo; se vê que há, trace. V. Ex.ª não deve ignorar que eu acato o próximo e só por descuido lhe tenho assacado aleives que me trazem assaz penitenciado.

Agradeço-lhe a estimação que dá ao futilíssimo livro dos Brilhantes do Brasileiro. Parece-me que só tem uma dúzia de páginas sofríveis, são as últimas que me saíram da alma com lágrimas. As outras são pura chalaça – “O espírito português”, único a meu ver, que pode sair das nossas ofi cinas de caricaturista.

A nossa sociedade não dá para mais. Se tirarem a Portugal o “brasileiro” e ao Jardim das Plantas, de Paris, os “ursos”, não há aí que ver. (Esta carta, faça-me o favor de a não publicar. Isto entre nós é maledicência muito à puridade.)

Dê-me as suas ordens.De V. Ex.ª

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Adm. or afectivo e ob.do

Camilo Castelo Branco»

Por esta amostra, ajuíza-se do conceito que Camilo fazia dos “brasileiros” de “torna-viagem”, e que Laranjeira relembra “cujo tipo Camilo imortalizou em páginas inolvidáveis de ironia e riso amargo”.

Fialho de Almeida, em – Camilo, Eça e Malheiro Dias, escreve: «os capítulos em que os amigos de “Hermenegildo Barrosas” (os Brilhantes do Brasileiro)

discreteiam sobre as virtudes domésticas uns dos outros, misturando a palestra de arrotos, vinho fi no e considerações sobre fundos, são uma pintura nítida de burguesia rica e devassa, um pouco invadida de sátira, mas duma impagável justeza de “ensemble”. Era esta uma das fi sionomias do Porto de há 40 anos; Camilo gravou-a modernamente, e essa fi sionomia fi ca!»

Trinta e cinco anos depois da carta de Camilo – 1 de Dezembro de 1905 – Laranjeira, escrevendo ao seu amigo Amadeu de Sousa Cardoso, menciona nela um tal “Lopes” que o futuro pintor cubista conheceria, nestes termos: «É uma enfermidade de que não sofre o “Lopes brasileiro”, e ainda bem, porque seria relaxar muito a enfermidade. Demais a mais, a ele bem lhe fartam os calos e joanetes, que são doenças mais transcendentais de que pode sofrer um nabo daqueles».

Ainda na mesma carta: «Num dia serei estúpido como o “Lopes”. Feliz como ele é que me parece que não».

Em nova carta de 10 do mesmo mês e ano, enviada ao mesmo correspondente, como uma obsessão, volta o médico e escritor vergadense a descobrir na personalidade do “Lopes brasileiro” motivos para dele e da classe dos “torna-viagem” zombar na sua prosa chistosa e áspera, ao jeito do seu mestre Camilo, escrevendo: «A felicidade mais duradoura sobre a terra é a dos imbecis, a do “Lopes brasileiro” – e essa bem vê, é pouco invejável. Eu, por mim, pelo menos, confesso-o: apesar das horas negras que me corroem, apesar do tédio que me arrasa continuadamente, não queria ser o “Lopes”, embora ele seja a personifi cação do máximo da felicidade actualmente sobre a terra». E adiante: «Veja lá você se o “Lopes” era capaz de meter-se nestas tragédias transcendentais. Os únicos dramas do “Lopes” são os seus insofríveis joanetes, e alguma dor de barriga. Vá você dispondo o espírito para “terrível passo” em que terá de ler-me alguma carta imensa como a fortuna do “Lopes”».

A 24, do mesmo mês e ano, ao pintor amarantino dá-lhe notícias das invasões do mar de Espinho, nestes

Hermenegildo Fialho Barrosas

Amadeu de Sousa Cardoso

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termos: «O mar está invadindo a povoação e já tem arrastado consigo alguns palheiros de pescadores miseráveis. E veja amigo: cardumes de “brasileiros” a gozar o espectáculo! E o mar sem devorar um deles sequer! São inamovíveis.» Ainda no dia seguinte, dia de Natal, metade da carta que escreve ao futuro autor do álbum XX Dessins chalaceia novamente na generalidade o viver amorfo dos “brasileiros” com palavras azedas e chocarreiras em que era émulo de Camilo, mencionando uma vez mais o já referido “Lopes”, agora deste jeito: «Eu, neste Espinho enervante e melancólico, absorvido num panteísmo barato, ao alcance de todas as contemplatividades nacionais (a do “Lopes” inclusive).

Aos outros, “brasileiros” e chorões, que alastram pela areia, dá-lhes a beatitude de viver. “Os brasileiros” espreguiçam-se molemente pelas ruas a absorver ar como quem absorve néctar; os chorões, esses esponjam-se pela areia... uns verdadeiros “brasileiros” vegetais.

É claro, a felicidade vegetal e a dos “brasileiros”, que é também uma felicidade de nabo, engordando, grelando e morrendo na verdadeira paz do Senhor e na grande tranquilidade da natureza. É que os “brasileiros” são os mais típicos nabos da espécie humana; nabos na gordura, na vida, na felicidade, na beatitude com que sugam a terra, e com que mostram o ventre rubro à luz bondosa do sol. Afi nal, aquilo é que é viver.»

Da sua correspondência não encontramos outra qualquer referência ao “brasileiro” “Lopes” ou aos comparsas de “torna-viagem”. Durou este silêncio de Laranjeira à volta da personalidade e atitude perante a vida dos “brasileiros” cerca de três anos.

A sua pena, satírica, mordaz, verrinosa e demolidora viria novamente a ser usada como espada de Dâmocles para desancar no que sempre considerou ser «o tipo de chatim obeso e imoral que em Portugal se chama “brasileiro” e no Brasil se chama “galego.”»

Em 24 de Maio de 1908, num violentíssimo artigo intitulado “Patriotismo... di lá”, publicado no jornal diário republicano do Porto “O Norte”, zurze, sem dó nem piedade, nos “brasileiros” que negaram a ajuda à Associação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus, sob o pretexto de ser esta uma encoberta propaganda republicana.

Manuel Laranjeira, defensor acérrimo da Cartilha Maternal de João de Deus, havia de publicar, em 1909, um opúsculo intitulado A Cartilha Maternal e a Fisiologia, trabalho que ele mesmo apresentou e defendeu com unhas e dentes no 2.º Congresso Pedagógico realizado em Lisboa, no mesmo ano na Sociedade de Geografi a.

Transcrevamos pois, e porque é a principal peça sobre o juízo que fazia Laranjeira em geral sobre os “brasileiros” de “torna-viagem”, pela pertinência e cabal compreensão do que temos vindo a escrever:

«“Patriotismo... di lá”Como já tive ensejo de afi rmar uma vez neste

jornal, o patriotismo de certa colónia portuguesa no Brasil, por um curioso fenómeno de deformação mental e afectiva, é uma excrescência do espírito, um joanete do espírito. A uma grande quantidade de emigrantes portugueses, o Brasil não lhes deforma apenas os pés: deforma-lhes também a alma.

Esta verdade pode ser demonstrada com uma infi nidade prodigiosa de exemplos demonstrativos.

O Dr. Brito Camacho, ainda num dos últimos números d’ A Luta, num excelente artigo, intitulado “Guerra à Escola”, fazia realçar o verdadeiro signifi cado social desse patriotismo – de moeda fraca.

Um desses inconcebíveis patriotas, cujo tipo Camilo imortalizou em páginas inolvidáveis de ironia e riso amargo, numa carta dirigida ao Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, vinha proclamar a guerra à Associação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus, com o pretexto idiota de que essas escolas encobriam uma perigosa propaganda republicana. São quase todos assim os patriotas de lá.

Nem o caso a que o Dr. Brito Camacho se refere é único. Há mais, e do mesmo calibre. Estou mesmo certo que a Associação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus, para certa colónia portuguesa do Brasil, vai passar a ser encarada como uma mafi a de bandoleiros, como uma espécie de sociedade da mão-negra. Não pode ser de outro modo com tão estúpidos patriotas.

Jornal Diário Republicano do Porto O Norte

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A guerra já começou e ninguém sabe até [onde] ela irá. O meu amigo Ramiro Mourão, tesoureiro da Secção Auxiliar, no Porto, das Escolas Móveis pelo Método João de Deus, contou-me esta faceta, em tudo semelhante ao que motivou o artigo do Sr. Brito Camacho: um grupo dos tais patriotas bizarros, do Rio Grande do Sul, tinha promovido, a favor das Escolas Móveis, uma subscrição que rendeu umas dezenas de libras, que não foram enviadas para cá... porque o Buíça espingardeou o rei de Portugal. O patriotismo dessa gente é secamente isso que se vê – um patriotismo falsifi cado, joanetes. O patriotismo dum ser que no Brasil é desprezivelmente – um “galego”, e em Portugal é desdenhosamente – um “brasileiro”, o patriotismo dos sem-pátria, dos que em toda a parte se sentem escorraçados.

Saíram de Portugal, como todos aqueles que fazem o êxodo da fome, desarraigados do solo da pátria, detestando a terra que os viu nascer e não os acarinhou. Fugiram, debandaram – humilhados; e só se resignaram a voltar triunfantes, sobranceiros, com dinheiro – para humilhar. Não os traz o amor à sua terra. Trá-los o desejo de gozar, o egoísmo sentimental de ser alguém na aldeola, onde nunca foram nada. Não vêm comungar da nossa vida social, vêm enquistar-se nela.

O emigrante dos outros povos volta à sua terra para engrandecê-la; o português do Brasil volta para amesquinhá-la e corrompê-la. O emigrante dos outros países volta à sua pátria para dotar universidades, fundar escolas e bibliotecas; o nosso adorável “brasileiro” torna a Portugal para subsidiar irmandades e confrarias religiosas e para fundar serralhos aldeãos com a virgindade barata e duvidosa, de algumas heteras de renas sujas. O emigrante estrangeiro leva para a sua pátria projectos de grandes empresas industriais; o nosso patriota traz um papagaio. O estrangeiro adquire obras de arte para legar à sua terra; o nosso patriota compra para a torre da sua aldeia um sino novo, ou compra uma vara de prata para levar nas procissões em que sempre é juiz.

O emigrante estrangeiro gasta rios de dinheiro em obras de benefi ciência; o “brasileiro” gasta-o em fi larmónicas e foguetes.

O patriotismo no emigrante estrangeiro é

orgulho; no nosso singular patriota é vaidade e vaidade muito tola.

Do bolso não lhe sai um vintém que não seja para satisfazer um capricho infantil da sua vaidade tosca – para foguetes e música. Às vezes dá-lhe para benefi ciar a instrução, contando que conste nos jornais. Não é um benemérito; é um comprador boçal de lisonjas. Na sua grosseira compreensão das grandezas humanas, não daria uma esmola de pão a Pasteur, se o visse com fome, e compra a peso de dinheiro um título de conde, barão ou comendador.

Se a Associação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus, em retribuição dos magros serviços que lhe presta à sovinice deste patriota caipira, pudesse conceder-lhe títulos com que ele enfeitasse a sua obscuridade de plebeu, já a estas horas não haveria analfabetos em Portugal. O grande defeito da Associação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus não seria mesmo fazer uma propaganda republicana que não faz; o grande defeito dessa associação, para o nosso barrigudo patriota, é apenas – não ter comendas para dar.

A Associação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus é absolutamente impolítica, toda a gente o sabe.

Nela entram homens de todas as cores políticas, desde os franquistas aos republicanos. A única política dessa associação é ensinar a ler, escrever e contar – pelo Método de João de Deus, um péssimo patriota, porque não possuía um pataco para comprar arroz para um papagaio real e malcriado, mas que deixou à sua pátria a arma formidável para combater a miséria intelectual e moral deste povo desgraçado.

O pretexto, pois, arranjado por esses patriotas que no Brasil são “galegos”, porque não podem ser “brasileiros”, e em Portugal são “brasileiros”, porque não podem ser portugueses, é um pretexto à altura do seu patriotismo de “torna-viagem” e à altura do seu humanitarismo de moeda fraca. É o pretexto de quem só é benemérito a troco de uma vaidade satisfeita, duma lisonja obtida, dum penduricalho que a sua cobiça de labrego sonhou.

A Associação das Escolas Móveis não dá penduricalhos: ensina a ler e escrever, coisa que ao

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enorme patriota e insigne benfeitor é infi nitamente indiferente. Não foi para isso que ele andou no Brasil, com a tenacidade vivaz do humilhado que espera vencer, a arranjar joanetes na alma – e nos pés. É por isso mesmo que ele não é um patriota diferente – um “patriota”.

Ora aí está.Manuel Laranjeira»

No mesmo dia em que este virulento artigo contra os “brasileiros” de “torna-viagem” saiu em O Norte, escrevia Manuel Laranjeira na 1.ª Agenda do seu Diário: «“ Hoje artigo no Norte “Patriotismo... di lá”. Para a psicologia desse tipo de chatim obeso e imoral que em Portugal se chama o “brasileiro” e no Brasil se chama “galego”.

Alguém me disse que aquilo – o artigo – parecia subscritado para o conde de Sucena. Não conheço. Não o subscritei para ninguém. Tracei o tipo moral (imoral – seria mais apropriado) dum homem deformado por certo meio. Nada mais. Aquilo poderia ser subscritado

para todos os que são vulgarmente chamados – benfeitores.»

Logo no dia seguinte, regista Laranjeira na mesma Agenda: «Dizem-me hoje que o meu artigo do “Norte” está provocando escândalo. Naturalmente... escandalizou – os “brasileiros”.

Houve republicanos que o acharam impolítico. Como se eu fosse obrigado moralmente a escrever aquilo que os republicanos acham político – não aquilo que eu penso ser a verdade.

Adoráveis republicanos estes! Até parecem... Jesuítas!»

Continuando a registar na referida Agenda do Diário as reacções que lhe chegavam pela boca dos amigos e até pela posição tomada pelo jornal, escreve a 26 de Maio: «Um “brasileiro” disse hoje a um amigo meu o seguinte, a propósito do meu artigo de Domingo no Norte:

– Isto é verdade, mas não se diz.A verdade não se diz.Na administração do Norte há um grande pavor.

Teme-se a derrocada fi nanceira do jornal, só porque um “brasileiro” mandou cortar a sua assinatura e porque um “Assíduo Leitor” – o de sempre – para lá escreveu uma carta a dizer que eu era ... muito feio.

Pelo argumento vejo que na verdade fui... impolítico.»

A 27, sobre o assunto, escreve mais uma dúzia de letras na Agenda: «No Norte de hoje capitulação em face dos “brasileiros”, grande elogio, que são uns “beneméritos”. Que imbecis! E, d’um modo indirecto, é certo, iam-me aplicando uma corrigenda. Mas então por que publicaram aqueles idiotas o artigo?

A estupidez tem escaninhos insondáveis. Afi nal isto começa a divertir-me.

É singular! (ou, por outra, é vulgar!) ver como dizer uma verdade, singela, causa indignação! É contra a verdade ou contra mim que eles estão indignados? Contra ambos – muito possivelmente”».

A 29 do mesmo mês, escreve no que é considerado um autêntico documento humano, o seu Diário, novo apontamento sobre os “brasileiros”:

«O Norte volta a ocupar-se dos “Brasileiros”. Começa bem e acaba mal.

João de Deus

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Não há dúvida: estes idiotas são incorrigíveis. Que magnífi cos exemplares para a minha colecção!

Até já começam a parecer-se com os da Palavra. Hão-de ir longe.

E quando eu me lembro que foi o “Assíduo Leitor” e um “brasileiro” indignado que causou toda esta tempestade, em que o jornal teme soçobrar...!

Idiotas! E imbecis e idiotas!»A 1 de Junho, pela última vez, faz Laranjeira

referência, no seu Diário, aos “brasileiros”, por ter lido, no jornal Povo de Aveiro, um artigo do punho do seu director, Francisco Manuel Homem Cristo, intitulado “Talassas”, sendo nele evidente o propósito de resposta ao artigo do escritor, “Patriotismo ... di lá”. Escreve Laranjeira: «Vieram mostrar-me um jornal d’um tal Cristo, indignado com o meu artigo sobre os “brasileiros”. Não me espantei porque já o tinha previsto e até já o tinha anunciado particularmente a amigos, desde que deixei de assinar o jornal do homem.

Pobres homens, sem vergonha e sem dignidade! Quando a gente se lembra que há sujeitos que se indignam porque nós não lhes pagamos o silêncio ao preço módico de... 1:200 por ano!»

O simples nome do “Lopes brasileiro”, que se nos tornou familiar pelas vezes sem conta que lemos as Cartas do escritor vergadense, sempre fi cou, com um resquício de esperança, à mistura na nossa memória, de que um dia lhe descobriríamos o rastro.

Por casualidade – muitas coisas na vida acontecem por acaso – soubemos defi nitivamente quem era em verdade o “Lopes brasileiro”, tão depreciativamente visado nas cartas que, de Espinho, Laranjeira escreveu ao seu amigo Amadeu de Sousa Cardoso.

Folheando o volume 2.º da Monografi a de Ovar, 1865–1916, Alberto Sousa Lamy, edição da Câmara Municipal de Ovar, 2001, e Válega – Memória Histórica e Descritiva, edição da Câmara Municipal de Ovar, 1981, que mão amiga fez chegar à nossa, lemos sobressaltados o que nestas duas valiosas obras lá vem sobre o “Lopes brasileiro”, irmão de outro “Lopes” também “brasileiro”, aquele de nome Manuel José de Oliveira Lopes – o visado pela pena corrosiva de o autor de A Doença da Santidade, e este de seu mais curto nome José de Oliveira Lopes.

Vejamos, primeiramente, o que vem na Monografi a de Ovar, 1865–1916: “As Escolas Oliveira Lopes (2 de Outubro de 1910) – Os irmãos José e Manuel José de Oliveira Lopes.

Na sessão camarária de 29 de Janeiro de 1908, foi presente um ofício do subinspector escolar José de Castro Sequeira Vidal, comunicando que José de Oliveira Lopes e seu irmão Manuel José de Oliveira Lopes, do lugar do Cadaval, da freguesia de Válega, ofereciam-se para custear as despesas com a construção dum edifício para as escolas ofi ciais e habitação dos respectivos professores dessa freguesia, pelo que pedia a cedência gratuita do terreno necessário para aquela construção que, concluída, seria oferecida ao Estado pelos citados beneméritos.

A comissão administrativa municipal, da presidência do conselheiro Caetano Fernandes, abade de Válega, deliberou por unanimidade ceder o Largo do Souto, daquela freguesia de Válega, todo o terreno necessário para a mencionada edifi cação.

O edifício grandioso – uma das melhores escolas primárias do País no seu tempo – foi inaugurada

Semanário Regional Povo de Aveiro

José de Oliveira Lopes

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festivamente a 2 de Outubro de 1910, e a festa, dado José e Manuel José de Oliveira Lopes terem sido fundadores do partido republicano em Ovar, assinando a sua primeira circular a 16 de Janeiro de 1907, tomou carácter nitidamente republicano, como a adivinhar a revolução que, no dia seguinte, – 3 de Outubro – iria eclodir em Lisboa. As Escolas Oliveira Lopes teriam sido edifi cadas sob a orientação do padre António Maria de Pinho, de Arouca.

A festa inaugural teve a seguinte composição: torneio de tiro aos pombos; homenagem das comissões republicanas, com a leitura duma mensagem em pergaminho pelo presidente da comissão municipal republicana de Ovar, António Valente de Almeida, oferta das comissões municipal e paroquiais republicanas de Ovar e Válega; sessão solene presidida pelo governador civil do distrito e em que falaram, além do governador, A. Cardoso, Dr. Egas Moniz, Dr. Joaquim Soares Pinto, então Presidente da Câmara Municipal, Dr. José António de Almeida, José de Castro Sequeira Vidal, José Maria Marques de Oliveira Reis e José de Oliveira Lopes; e um banquete em que discursaram o Governador Civil, Dr. António dos Santos Sobreira, o professor ofi cial Domingos Matos, Dr. Egas Moniz, Frutuoso Lopes Rodrigues, Dr. Joaquim Soares Pinto, Dr. José de Abreu, José de Castro Sequeira Vidal, Dr. Pedro Chaves, Dr. Salviano Pereira da Cunha e José de Oliveira Lopes, tendo sobressaído os discursos proferidos pelos Drs. Egas Moniz e Pedro Chaves.

Terminada a sessão solene, procedeu-se, na sala da escola do sexo masculino, à assinatura da escritura de doação feita ao Estado, pelos irmãos Oliveira Lopes, do estabelecimento e mobiliário escolar no valor de 17.000$000 reis.

Válega pode orgulhar-se de José e Manuel José de Oliveira Lopes, dois cidadãos que foram grandes beneméritos quer na freguesia da sua naturalidade quer na sede do concelho de Ovar.

Filhos dos lavradores Manuel de Oliveira Lopes e Rosa Duarte Pereira, muito cedo partiram para as terras de Santa Cruz, rumo à “árvore das patacas”. E, no Brasil, à custa de trabalho, granjearam uma fortuna: a importante casa comercial Oliveira Lopes Silva, Limitada, no Rio de Janeiro.

Regressaram a Válega “em meio da Jornada” da vida, com avultados rendimentos, trazendo também com eles os ideais republicanos e um enorme desejo de combate sem tréguas ao analfabetismo. José e seu irmão Manuel José pertenceram, como referimos, ao grupo dos 21 democratas que, em Janeiro de 1907, iniciaram os trabalhos para a fundação duma Comissão Municipal Republicana em Ovar. Com a excepção dos irmãos Oliveira Lopes, de Válega, todos os demais fundadores do Partido Republicano de Ovar são naturais ou residentes nesta cidade.

Os irmãos Oliveira Lopes foram, principalmente, grandes beneméritos da instrução. O seu propósito de combate ao analfabetismo, o seu amor à instrução, deve ter como causa remota a propaganda do partido republicano brasileiro. Propósito cimentado com o regresso a Portugal e a fi liação no Partido Republicano de Ovar.

Republicano “histórico”, José de Oliveira Lopes partiu com 13 anos para o Brasil, regressando a Válega em 1893/1894, com 44 anos, após 31 anos de um labutar constante, e levou o resto da sua vida a distribuir uma parte avultada dos seus rendimentos pelos pobres e em obras de utilidade pública.

Desde a fundação do P.R.P., em Ovar, José de Oliveira Lopes acompanhou e serviu sempre o partido republicano, sem nunca esmorecer.

José de Oliveira Lopes foi um dos 68 sócios fundadores da Misericórdia e talvez o maior accionista da Companhia Portuguesa de Iluminação e Tracção de Ovar, sociedade a que se deve a inauguração, a 1 de

As Escolas Oliveira Lopes no dia da Inauguração.

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Dezembro de 1913, da iluminação em Ovar.A freguesia de Válega obteve, de José e de seu

irmão Manuel José, contribuições para a transformação dos “velhos caminhos cortados pelo rodar dos carros” em boas estradas.

Com 74 anos, José de Oliveira Lopes veio a falecer, no lugar de Cadaval, de Válega, a 25 de Outubro de 1924.

O seu funeral foi concorridíssimo – uma imponentíssima manifestação de pesar que teve a assistência de milhares de pessoas de todas as categorias sociais.

Na sessão extraordinária da comissão executiva, de 26 de Outubro de 1924, convocada pelo vice-presidente José Rodrigues Figueiredo para resolver a forma de prestar as devidas homenagens fúnebres, depois de enaltecidas as qualidades e virtudes, o carácter, os serviços prestados ao município, a dedicação e boa vontade, os actos de generosidade, fi lantropia e benemerência que praticou a favor dos desprotegidos da sorte e da instrução, deliberou a comissão executiva:

1.º - Exarar na acta desta sessão um voto de profundo e agradecido pesar pela perda do seu presidente;

2. º - Conservar a bandeira a meia haste no edifício dos Paços do Concelho durante três dias;

3.º - Conservar encerradas as portas da Câmara durante dois dias e semicerradas durante o resto da semana;

4.º - Incorporar-se toda a Câmara Municipal com o seu estandarte no préstito fúnebre;

5.º - Tomar luto ofi cial do Município durante 15 dias;

Homem bondoso, desprendido, simples, afável, benemérito, sem ódio nem rancor, que não concitou ódios nem represálias (o próprio órgão católico local, o João Semana, denominou-o somente de “republicano enturrado”, conhecido pelo Lopes do Cadaval, teve uma vida exemplar de dignidade e de austeridade de carácter, de fi delidade ao seu ideário democrático, jamais atraiçoando as suas convicções.

A seu irmão, Manuel José de Oliveira Lopes, a política quis recompensar-lhe o seu altruísmo, solicitando do governo um “viscondado” – “Visconde de Santa Maria de Válega”, o que ele recusou terminantemente.

Proprietário do Grande Hotel do Casino de Espinho, veio a falecer, na sua casa do Cadaval, a 11 de Novembro de 1936.

Em testamento, legou 100 contos à Misericórdia de Ovar, 2 contos à Associação dos Bombeiros Voluntários, 4 contos aos pobres de Ovar e outros 4 contos aos pobres de Válega e 10 contos à Junta de Freguesia de Válega, destinando-se o rendimento destes ao custeio das despesas de conservação do edifício escolar que erguera com seu irmão José.

A freguesia de Válega deu o nome de “Rua Irmãos Oliveira Lopes” a uma rua situada a nascente da E. N. n.º 109, junto ao Largo da Quinta e Rego.”

Antes de tudo isto, inserido na Monografi a de Ovar sobre os irmãos “Lopes”, por Alberto Sousa Lamy, em 1924, em fascículos, publicou o Pe. Miguel de Oliveira, no jornal “O Concelho de Estarreja”, de Pardilhó, o que transcreveu do “Almanaque de Ovar para 1914”.

O que se segue consta agora da pequena monografi a sobre Válega, cujo teor, “ipsis verbis”, é o mesmo acerca das personalidades e forma de estar no mundo dos irmãos “Lopes”:

“Escolas Oliveira Lopes.

São obra dos dois irmãos José e Manuel José de Oliveira Lopes que Válega deve trazer bem apertados no coração.

O edifício é majestoso, elegante, arejado,

Escola Irmãos Oliveira Lopes. In: Válega. Vila há 12 anos

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edifi cado no sítio mais central e no largo maior da freguesia; os salões enormes, mas não despropor-cionados; as casas para habitação do professor e professora, modernas e formando conjunto harmónicocom as escolas, são espaçosas, cómodas e bemrepartidas.

O material escolar é de primeira ordem, a mobília, de mogno, rivaliza com a das melhores escolas de Lisboa e Porto.

Foram inauguradas estas escolas após a conclusão da obra, no dia 2 de Outubro de 1910. Na festa da inauguração, que foi imponente pela assistência, tomaram parte, além do Presidente da Câmara, Ex.mo Sr. Dr. Joaquim Soares Pinto e outros, os Srs. Dr. Egas

Moniz e Governador Civil do Distrito, representando o Governo.

Na sessão solene falaram os Srs. Drs. José António d’Almeida, Marques Reis, Pedro Chaves, Soares Pinto e o então subinspector escolar José Vidal que, com o digno Presidente da Câmara e Governador Civil, constituíam a mesa.

Desde então abundam num formigueiro dezenas de crianças, colhendo o mel da instrução naquele majestoso edifício, obra colossal e desprendida dos dois beneméritos irmãos que ali está no centro da freguesia, como as colunas de Hércules, a indicar ao viandante que a baliza do amor à terra natal não pode ir além daquilo”.

Ainda na mesma Monografi a de Válega:«José d’Oliveira Lopes.Só duas palavras, porque o Ex.mo Sr. José de

Oliveira Lopes não precisa de apresentações. Todos ali o conhecem e o abençoam. Mas fi que nestas páginas um breve enunciado duma longa biografi a: a dos bons e generosos, feita de lágrimas e reconhecimento e ovações entusiásticas.

Um dia, depois de ter convivido o sufi ciente para o amar, com o povo donde nasceu, José Lopes tomou o rumo das Terras de Santa Cruz e por lá andou muitos anos, trabalhando e acariciando talvez o sonho dourado de vir a ser um dia útil aos seus patrícios e à sua aldeia.

Quando regressou, vinha senhor dum bom cabedal de fortuna.

Foi um dia feliz esse, porque as saudades da pátria e da terra, perdendo aquele seu travor de delicioso pungir, transformaram-se num tranquilo amor de posse, amor activo, operoso, comunicativo e benefi cente. Desde então uns orvalhos abundantes começaram a evolar-se e a cair daquela riqueza, em chuva de prosperidade e alegria, sobre a terra que o viu nascer e que, reconhecida e grata os anda a transformar noutra de bênçãos copiosas, que descem sobre o seu nome. Desde então a sua casa, com a sua porta larga sempre patente a quem chegar, fi cou sendo uma esperança para o pobre. Nunca ninguém lá foi, confi ante no alívio da sua miséria, que voltasse desiludido, desenganado.

É muito isto mas não é tudo.

Manuel José de Oliveira Lopes

Café Chinês, Assembleia e Casino Peninsular

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A sua fortuna e actividade têm sido largamente despendidas em proveito da linda freguesia de Válega. Provas? Vede o soberbo edifício escolar, inaugurado ali em 2 de Outubro de 1910, com que ele e seu mano Manuel José dotaram a instrução primária do seu país. Só isto bastava para os proclamar a ambos beneméritos da instrução e educação da infância.

Mas ainda há mais: a viação daquela freguesia, que era quase toda de velhos caminhos cortados pelo rodar secular dos carros, conta hoje boas estradas, mercê das ajudas de sua bolsa, sempre ao lado do progresso material e moral da sua terra.

O culto religioso também sentiu já um dia os infl uxos da sua generosidade. Estão ainda na memória de todos os deslumbrantes festejos, por ele promovidos e custeados, à Virgem do Rosário; e quem não sabe que na Igreja Paroquial existem ainda ricos objectos destinados ao culto e por ele oferecidos?

Como Vereador da Câmara Municipal de Ovar, tem secundado com entusiasmo todas as resoluções aí tomadas sobre coisas de pública utilidade municipal. Ele é talvez o maior accionista da Companhia de Iluminação e Tracção eléctrica organizada há um ano, pouco mais, entre augúrios de ruidoso fracasso que os não atemorizaram. Bastava, para que ele não trepidasse em arriscar o seu capital, a convicção de que aquela exploração era um melhoramento.

José Lopes é, enfi m, um bom e generoso carácter que nem mesmo a política, que tudo derranca e estraga e em cuja engrenagem há anos se deixou colher com o honroso intuito de ser útil à sua terra e ao seu país, o tem conseguido levar à prática de acções menos correctas.

Que a sua modéstia nos releve a sinceridade destas palavras que, aliás, não são mais, repetimos, que um sucinto enunciado do muito que devíamos dizer e que por agora não podemos inserir na estreiteza destas páginas.»

Do muito que se transcreveu dos livros consultados, poder-se-á dizer que Manuel Laranjeira foi longe, injusto e inverídico nas mordidelas com que mimoseou o “Lopes brasileiro” – o Manuel, nas cartas que escreveu a Amadeu de Sousa Cardoso. Certo, que as cartas, pelo seu carácter intimista e confessional

de que se revestem, raramente são lidas ou não o são nunca pelo visado. Daqui a agravante que penaliza quem as escreve – porque as escreve à sombra do anonimato, o que fez Laranjeira, gorando assim ao visado a possibilidade democrática de se defender.

Laranjeira, ao tentar defender, acerrimamente e de forma contundente, a implantação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus em território Nacional, deixou que o seu acrisolado desejo, através da sua pena cáustica e mordaz, tomasse a nuvem por Juno, que é o mesmo que dizer, metesse no mesmo saco de forma generalizada todos os “brasileiros” de “torna-viagem”, sabendo, como decerto sabia, dos exemplos meritórios de “brasileiros” que da fortuna angariada mercê do seu trabalho e honradez pelas Terras de Santa Cruz amealharam, puderam minimizar a pobreza de instituições e fundações de benefi cência e utilidade social do país que os viu nascer.

Exemplos paradigmáticos desta postura de muitos “brasileiros” perante os seus irmãos portugueses, são, entre tantos, os Condes de Ferreira e de Sucena, que deixaram obra volumosa feita a favor dos desprotegidos da sorte que hoje ainda se encontra de pé.

Sobre esta obsessão de Laranjeira pelo comportamento dos “brasileiros” de “torna-viagem”,

A 1 de Dezembro de 1913, o director da Companhia de Iluminação e Tracção de Ovar lendo o auto de inauguração da luz eléctrica perante grande assistência. ( 1. O Administrador do Concelho Dr. Alberto Tavares; 2. Lopes do Cadaval, o maior accionista da companhia; 3. O Delegado do Procurador da República Dr. Alberto David; 4. O Juiz da Comarca Dr. Gaspar Teixeira de Queirós Coelho de Castro e Vasconcelos). Foto de Ricardo Ribeiro In: Ilustração Portuguesa, n.º 409. de 22/12/1913

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deixamos notícia na “Nota do Autor” do nosso livro “Manuel Laranjeira, 1877-1912, Imagens e Vivências de uma época, 1992”, que reza assim: «O autor de A Doença da Santidade não podia com aqueles que no Brasil eram apontados de “galegos” e em Portugal de “brasileiros”. De “nabos” os rotulou ao longo dos seus escritos e em cartas aos amigos mais íntimos. Num artigo publicado no jornal republicano O Norte, com o título “Patriotismo... di lá”, por causa da recusa de ajuda monetária à Associação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus, por parte de alguns “brasileiros”, escreveu Manuel Laranjeira palavras mordazes e chocarreiras a respeito destes, provocando na época certa celeuma, como o próprio autor do artigo confessa, no seu Diário Íntimo, nos dias 24, 25, 26 e 27 de Maio de 1908. Por esta verdadeira fobia do autor de Comigo a tal género de compatriotas, dedicamos uma boa dúzia de páginas deste livro à fortuna deixada pelo “brasileiro” António Alves Ferreira e aos muitos herdeiros da mesma que, sem a qual, Manuel Laranjeira provavelmente nunca teria sido aquilo que foi. Criança sobredotada – como reconheceu o seu professor primário, João Carlos Pereira de Amorim (Pêra Loura) –, estava destinado a ser carpinteiro ou pedreiro por falta de recursos económicos familiares para o colocarem no estudo. Só oito anos depois (1895) de ter terminado a instrução primária é que ingressa no ensino secundário e, três anos mais tarde (1899), no superior, graças ao dinheiro “brasileiro” que o irmão, Salvador Fernandes Camelo, herdeiro do sogro António Alves Ferreira, pôs à sua disposição. Uma das muitas ironias em que o destino das pessoas por vezes é fértil. Com absoluta certeza, poder-se-á afi rmar que Manuel Laranjeira devia a sua educação ao “dinheiro brasileiro”, mas não devia a sua cabeça (leia-se pena) aos “brasileiros de torna-viagem”.»

Se a ambição de muitos “brasileiros” era regressar à aldeia donde partiram, com cabedal sufi ciente que lhes permitisse comprar a vara de prata para exibirem, com opa e tudo, na procissão do santo venerado na sua aldeola, ou sino gárrulo que pela tardinha tocasse as avé-marias, ou a vaidade

bacoca de ostentarem ao peito algum penduricalho em retribuição pelas suas dádivas, outros, porém, houve que se preocuparam com o progresso do seu país, não esquecendo as traves mestras que sustentam uma sociedade evoluída – educação e humanitarismo, criando escolas e hospitais que antes eram só miragens nos cérebros dos que governavam o povo português. Os “brasileiros” de “torna viagem” que foram os irmãos “Lopes” de Válega estão e fi carão para sempre na lista dos que puseram e põem ao serviço dos desprotegidos da sorte o que a sorte, o trabalho e a honradez lhes deu – a sua fortuna.

Orlando da SilvaVergada, 31 / 8 / 2006

BIBLIOGRAFIA ACTIVA

- LARANJEIRA, Manuel, Cartas, 1.ª edição, Portugália Editora,

1943.

- LARANJEIRA,Manuel, Diário Íntimo, 1.ª edição, Portugália

Editora, 1957.

- LARANJEIRA,Manuel, Prosas Perdidas, 1.ª edição, Portugália

Editora, 1958.

OBRAS DE CARÁCTER GERAL

- CABRAL, António,homens e episódios inolvidáveis, 1.ª edição,

Livraria Bertrand, 1947

- ALMEIDA, Fialho de, Camilo, Eça e Malheiro Dias, 1.ª edição,

Livraria Clássica Editora, 1941.

- LAMY, Alberto de Sousa Monografi a de Ovar, 2.º volume, 1865-

1916, Câmara Municipal de Ovar, 2001.

- OLIVEIRA, Pe. Miguel de Válega,Memória Histórica e Descritiva,

Câmara Municipal de Ovar, 1981.

JORNAIS

- O NORTE, Porto, Domingo, 24 de Maio de 1908.

- O POVO DE AVEIRO, Domingo, 31 de Maio de 1908.

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Maria FernandaCalheiros Lobo* Quem em mancebo sonhavaQue o tempo era tão leve como irónico? Sem nos pesar, avança,Desconta-nos os dias.Só cada um sabe como o aproveitouSó cada um sabe como foi tão rápidoCada um sabe como o está vivendo.Corre em volta de nósE tudo parece ontem, ou agora.

É a maravilha do existirÉ o ópio e a morfina do tempo.

Assim,Repete-se o barulho do aviãoFelizesPorque vamos viajar.Viro a cabeçaE não te vejoEstendo a mãoE não te encontro…

És tempo,Pena de asa que não se sentePoeira sempre presenteBem junto a nósCuidando-nos.

Acarinho-teComo acarinho o tempo…Ele roça, e passa por nósMas tudo parece ontem,e tudo parece agora.

Julho de 2006

A CAMINHO DO MAR NEGRO - TEMPO É EXISTIR

* Universidade Sénior - Douro

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75Menina, se quer ser boa,Deus te há-de ajudar.Quatro cantos tem a eça,Quatro velinhas a arder,Os anjos do céu me acompanhamSe eu esta noite morrer.(TP 168)

Ao ouvir o sino a tocar para a missa:

Se ouvires tocar para a missa,Deixa tudo e vai a ela,Que no cálice e na hóstiaVem Jesus do céu à terra.(Nama 232)

Deus me dê parte na missaE salvação p’ra minha almaEu hei-de morrer,Fazer testamento eDeixar a minha almaAo Santíssimo Sacramento.(AB 3.255)

Tocam à missa,Vamos a ela,

* Pároco de Pigeiros.

Antologia prática de um Devocionário Tradicional Popular – VI

Padre Domingos A. Moreira*

MISSA DE DOMINGO

Nossa Senhora numa aparição de 1985 aconselhou 1 hora de preparação para a missa. Ver livro n.º 2-360, caixa 176-v-2, p. 109

escritura p. 30 livro, rol, p. 24 até 27 –b Portas do céu p. 24 até 27-a cruz p. 24, 25, 29 morte p. 25, 27-a, 29, 31 a 33

Desejo já de ir à missa:

Domingo vou à missa,Entrar pela porta pequenina,Pedir a Nossa SenhoraPara ser minha madrinha.Nossa Senhora me disseDe cima do seu altar:

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76 Cristo é Deus,Maria está nela.(ET 54)

Se ouvires tocar à missa,Larga tudo, vai a ela,“Entre o cálice e a hóstia”Desce Deus do céu à terra.(CPR 38)

Quando se não pode ir à missa:

Toca o sino, é para a missa.Oh! meu Deus, Salvador.Entre o cálice e a hóstiaEstá o corpo do Senhor[.............................]Que eu tenha quinhãoNa missa,Como os que lá vão.(CS 130)

Ó anjo da minha guarda,Ouvi a missa por mim.À hora da minha morte,Inimigo nenhumSe há-de rir de mim.

(AP 173)Agora peço ao SenhorQue a ouça no céu por mim.(AP 173)

Lá se toca à missa,Os anjos a adoram.Vá minh’alma ouvi-la,Que eu não posso agora.(AB 3.255)

A Mãe SantíssimaSeja a minha advogadaE o Menino JesusSeja o meu escrivão,Para que tenha quinhão na missaCom’ aqueles que lá vão.[.............................]Tocam à missa do Redentor,Eu não posso ir a ela.Jesus Cristo, meu Senhor,Me dê parte e quinhão nela.(RL 12.287)

Ó Jesus sacramentado,Ó cordeiro imaculado,Meu amor crucifi cadoNa montanha do calvário:Adoro-vos, meu Senhor,Com tanta fé e amor,Tanta alegria e fervorQue não posso explicar.E, já que agora não posso ver-vosSobre o Vosso altarOnde estais sempre presente,Permiti que espiritualmenteVos receba humildementeNesta santa comunhão.(L 59)

Inda hoje a [missa] não ouvi,Deus a diga no céu

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E os anjos a ouçam por mim.(Mon 207)

Já que não posso ouvi-la,Que Nossa Senhora a ouçaAgora no céu por mim.(L 59)

Se ouvires tocar à missa,Larga tudo, vai a ela,“Entre o cálice e a hóstia”Desce Deus do céu à terra.(CPR 38)

Ao sair para a Igreja:

Eu de minha casa saio,Para a casa de Deus vou.Tantos anjos me acompanhemComo de passadas dou.Cubro o manto, vou à missa,Deus comigo e eu com Deus.Vou pedir à sua Mãe,Que está no alto dos céus,Que me ponha no seu livro,No seu livro de rezar;Que me leve a minha almaE a ponha em bom lugar(L 44)

Fica para aí pensamentoSem o mais pequeno valor,Que eu vou p’ra minha igrejaAdorar Nosso Senhor(CPR 30)

Fica aqui pensamento mauNeste mundo de pavor,Que eu vou para a igrejaEntregar-me ao Senhor(CPR 30)

Quando vou para a igreja,Parece que vou para o céu.Vou visitar o SenhorQue está debaixo daquele véu.(CPR 30)

Deus comigo e eu com Ele,Deus à frente e eu atrás(O 28-29)

Fica-te para aí casa,Casa de pouco valor,Que eu vou p’ra outra melhor:Vou visitar Nosso Senhor, Vou p’ra missa(O 28)

Fica-te, casa do mundo,Eu p’ra casa de Deus vou.(DL 124)

Ó Virgem da Encarnação,Ó Mãe do Verbo Divino,Lançai-me a vossa bênção,Que eu vou por este caminhoProcurando a salvaçãoE o sacramento divino.(CPR 30)

Deus comigo,Eu com Ele,Deus adiante, Eu atrás, Amén.(Nama 233)

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Ao ver a cruz da igreja:

Deus te salve, cruz,Por ti me salveQuem em ti me remiu.(ET 55)

Cruz no monte, cruz na fonte,Nunca o diabo me encontreNem de noite nem de diaNem à hora do meio-dia.(CP 243)

Deus te salve, cruz bendita,Que no céu estás escrita,No mundo trasladada.Os anjos que te acompanham,Acompanham a minha alma.(A 254)

Ao ver a igreja:

Eu já vejo a casa santa,Parece que vou p’rò céu.Vou visitar o SenhorEscondido atrás do véu.

Escondido atrás do véuEstá um cravo fl orido,Vou visitar o SenhorA quem eu tenho ofendido.(L 44-45)

Deus te salve, casa santa,Onde Deus fez a morada,Onde está em corpo e almaNa hóstia consagrada.(L 72)

Deus te salve, igreja,Por Deus foste ordenada,Onde está o cálice bentoE a Hóstia consagrada.Os anjos que vos acompanham,Acompanhem a minha alma.(RL 38.11)

Deus vá em minha companhia,S. João em minha guarda,Nossa Senhora em minha guia(Nama 231)

Tão bem guardada vá euE a minha companhiaComo andou Jesus CristoNo seio da Virgem Maria.(Nama 233)

Deus te salve, casa santa,Onde Deus tem a morada,Onde está o cálice bentoMais a Hóstia consagrada.(RE 143)

Vamos todos sem enfadoDe andar este caminho.Vamos todos reverentesAdorar o Rei Divino.(CPR 31)

Ao ver o cemitério:

Ó almas que aí estais,Vós já fostes como nós.Nós seremos como vós.Pedi ao Senhor por mimQue eu pedirei por vós.(L 73)

Ao chegar ao adro e à porta do paraíso (porta principal da igreja):

Eu já piso terra benta,Dentro do adro já estou.Tantos anjos me acompanhemComo de passos eu dou.(L 45)

Deus te salve, adro santo,Cabeceira de fi nados,Já fostes vivos como nós,

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Nós mortos seremos como vós.Peçam lá a Deus por nósQue nós rogamos por vós(CPR 32)

[nesse tempo o adro era cemitério]

Nossa Senhora das Neves,Eu no vosso adro estou.Botai-me a vossa bênção,Que sem ela me não vou(CPA 145)

Ó minha mãe, quem me deraO que a minha alma deseja.As portas do céu estão abertasComo estão as da igreja.(RP 88)

Pecados meus, fi cai cá fora,Não ides comigo p’ra dentro,Que eu vou ouvir a missaDo Santíssimo Sacramento.(O 32)

Pecados, fi cai aqui.Eu vou ver a Jesus Cristo.Há dias que o não vi.(CP 243)

Pecados meus fi quem cá fora,Que eu vou ouvir missaAo reino da glória.(CPR 32)

Eu neste adro vou entrar,Água benta irei tomar.Ó demónio, sai p’ra fora,Não me venhas atentar.(Nama 233)

Meus pecados, fi cai cá fora,Que eu quero entrar para dentro.Quero visitar, em graça,O Santíssimo Sacramento.O Santíssimo Sacramento

Que está no seu altarE nós só em estado de graçaO devemos adorar, Amén.(TP 172)

Pecados, fi cai cá fora,Não entreis lá para dentro,Que eu vou visitar JesusNo Sagrado Sacramento.(CPMB 127)

Pecados meus, fi cai cá fora,Qu’eu quero ir lá dentroEntregar a minha almaAo Santíssimo Sacramento.(RL 11.104)

Fica p’raí, pensamento,Sem o mais pequeno valor,Qu’eu vou p’rà minha igrejaAdorar Nosso Senhor.(CPR 30)

Fica aqui, pensamento mau,Neste mundo de pavor,Que eu vou para a igrejaEntregar-me ao Senhor.(CPR 30)

Ao entrar na igreja:

Deus vos salve, casa santa,De Jesus acompanhada,Onde está o cálice bentoMais a hóstia consagrada.Bendito e louvado sejaO Santíssimo Sacramento,Pois Ele é o pão dos anjosE dos homens mantimento.Ó Divino Sacramento,Aonde é que estais agora?- Aonde cantam os anjosE mais Nossa Senhora.(CPA 146)

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Aqui me ajoelho,Aqui me apresento,A fazer a oraçãoAo Santíssimo Sacramento.(Mens 91.17)

Abri as portas, S. Pedro,A esta tão nobre gente,Que vem ver o bom JesusLá das partes do Oriente;Abri-vos, portas do céu,Com muito grande alegria!O Divino Espírito SantoEstá em nossa companhia.(CPA 145)

Vou beijar a santa pedra,Que minha alma não se perca.Vou beijar a santa cruz,Que dê a minha alma luz.Com a cruz na dianteira,Com anjinhos em carreira,Com o Menino JesusE suas chaves na mão,As portas do céu se abrirão eAs do inferno se fecharão.(L 47)

Aqui entro nesta casa, Nesta casa de oração,P’ra saúde do meu corpoE p’ra minha salvação.(Nama 233)

Nesta casa de Deus entroPor ser casa de oração.Não morra a minha alma,Não morra sem salvaçãoQuando na igreja eu entro,Dá-me vontade de chorarDe ver o Senhor na cruzE não (n)o poder tirar (?)(AB 4.304)

Deus vos salve, feliz Aurora,Deus vos salve, feliz Entrada.Vós sois a Mãe dos pecadores,Sois a sua advogadaSois a Açucena mais puraQue Deus no jardim criou.Sois de todos a VenturaEm que Deus verbo encarnou. (Mens 91.17)

Na casa de Deus dei entrada,Pelos anjos acompanhada.Se eu morrer e cá não tornar,Os anjinhos me vão buscar.(L 47)

Nesta igreja vou entrar,Com Jesus quero falar.Minha alma vem doente,Entre a hóstia e o cálice bentoValha-me o Santíssimo Sacramento.(L 45-46)

Quando entro nesta igreja,Eu penso que vou p’rò céu.Bem vejo Nosso SenhorDebaixo daquele véu.(Nama 234)

Deus te salve, cruz bendita,Porta do remédio humano.Quem no céu quiser entrar,Tem o caminho bem planoJesus que na cruz morrestesPor todos os meus pecados,Perdoai, Senhor, os meusEsquecidos e lembrados.(Nama 234)

Quando na igreja eu entro,Parece que eu entro no céu.Aqui venho adorarO que está debaixo do véu.(AB 3.255)

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Nesta igreja vou entrando,Jesus Cristo vou salvando.Água benta que me lave,Jesus Cristo que me salve.(Mir 258)

Nesta casa vou entrando,Água benta vou tomando.Vou lavar os meus pecados.Meus pecados fi quem aqui,Vou ver a Virgem Maria,Qu’inda hoje não a vi.(CPR 33)Pela casa de Deus entro,Por ela quero entrar.Pecados fi cai aqui,Que eu vou ver a Jesus CristoQue há muito que O não vi.(RE 143)

Quando entro na igreja,Dá-me vontade de chorarDe ver o Senhor tão tristeE as contas que lhe hei-de dar.(OPP 65)

Nesta casa vou entrando,Água benta vou tomando,Meus pecados vou deixando.Pecados fi quem lá fora,Não venham comigo cá dentro,Que eu venho a receberO Santíssimo Sacramento.(CPR 33)

Nesta casa de Deus entroPor ser casa de oração.Não morra a minha alma,Não morra sem salvação.(AB 4.304)

Esta porta vou entrar, Água benta vou tomar,Meus pecados vou nomear,Meus pecados fi cai aí,

Quero ir para dentroPara rezar ao Santíssimo Sacramento,Que lá está naquele altar,Que desceu do céu à terra,Tudo foi para nos salvar.(O 28-29)

Fica-te para aí, pensamento,Nesse mais alto valor,Que eu venho à igrejaVisitar Deus Nosso Senhor.(OPP 63)

Nesta casa vou entrando,Água benta vou tomando,Vou lavar meus pecados.Meus pecados fi quem aqui,Vou ver a Virgem Maria,Qu’inda hoje não a vi.(CPR 33)

Deus te salve, casa branca,Casa de Deus alumiada,Onde está o cálice bentoE a hóstia consagrada.(ET 54)

Nesta casa de Deus entroCom todo o meu pensamento,Com a intenção de louvarO Santíssimo Sacramento.(CPR 34)

Ó meu Dulcíssimo Jesus,Jesus do meu coração,Confessai-me os meus pecados,Vós bem sabeis quantos são.Confessai-me e absolvei-me,Botai-me a absolvição.Se morrer por este dia,Não morra sem confi ssão.(Mir 258)

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Nesta igreja vou entrando,Água benta vou tomando.Meus pecados fi quem aqui,Que eu vou dar conta de mimÀ Senhora do RosárioQue me assente no seu rolPelos séculos sem fi m.(CPR 33)

Ó divino Rei da glória,E da terra também Rei,Perdoai-me os meus pecados,Que eu confesso que pequei.(CP 242)

Virgem Maria bendita,Imaculada Conceição,Tende-me em vossa graça,Deitai-me a vossa bênção.(CPR 36)

Deito meus joelhos em terra,Minhas alma e meu coração.Meus olhos se levantamPara pedir a Deus perdão.(Mir 272)

Santíssimo Sacramento,Descei ao meio da igreja.Eu quero-Vos adorar,Onde todo o mundo veja.(L 48-50)

Ó meu divino Senhor,Ó pai do meu coração.Aos vossos divinos pésFaço a minha confi ssãoPerdoai-me os meus pecados,Pois sabeis quais eles são.Dai-me neste mundo a graçaE no outro a salvação.(RE 144)

Venho-Vos ver, Senhora,Que ainda vos hoje não vi.

Venho-Vos pedir, Senhora,Que ainda Vos hoje não pedi,Salvação para a minha alma,Graça por vo-la vir pedir.Deus Vos salve, fi lha de Deus Pai,Deus Vos salve, Mãe de Deus Filho,Deus Vos salve, esposa do EspíritoSanto,Templo e sacrário da SantíssimaTrindade.Maria Santíssima, Mãe demisericórdia,Defendei-me e amparai-meDos meus inimigos do corpo e daalma.(RL 12.287)

Ó Jesus, Deus da minha alma,Quem me dera noite e diaEstar sempre aqui convoscoA fazer-Vos companhia.Não posso, bem o sabeis,Mas farei o que puderPara mandar cá meus afectosDonde quer que eu estiver.Mas, agora que aqui estou,Ouvi a minha oração,O alento da minha alma,A voz do meu coração.Eu sou uma criaturaA quem o ser haveis dado,Uma destas criaturasA quem haveis resgatado,Um órfão a quem Vós destesA Vossa por nossa Mãe.Sou um pobre que de siNada pode e nada tem.Finalmente, meu Jesus, E por fi m, meu sumo Bem,Abençoai-me e convoscoMe abençoe a vossa Mãe.(L 48-50)

S. Francisco é meu pai,S. António meu irmão,Os anjos são meus parentes.(CPR 36)

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Na casa de Deus entro,Na casa de Deus me sento.Venho entregar a minha almaAo Santíssimo Sacramento.(AB. 3.255)

Jesus Cristo, Rei e Senhor,A Vós tomo por confessor.Os meus males a Vós digo,Não me dareis o castigo.Senhor, nunca visiteiOs presos encarcerados,Nem tão pouco fi z esmolaAos pobres injuriados.Nunca os males abrandeiNem criei os enjeitados.Ai! Senhor! que tenho medoDe dar voltas no infernoAntes que o cão me acuse,Eu me quero acusar.Peço às onze mil VirgensE ao Anjo S. Gabriel,Ao Arcanjo S. MiguelE a todos os santos e santas,Que na corte do céu estão,Que me queiram escutarEsta minha confi ssão.Ainda que nada mereço,Tudo está na Vossa mão.Por isso espero, Senhor,Remédio p’ra salvação.(Nama 237)

Bom dia, minha Senhora,Aqui vem esta pecadora,Carregada de pecados.Aos pés do vosso FilhoEles serão perdoados.(CPR 36)

Nesta casa de Deus entroPor ser casa d’oração.Não morr’a minh’almaNão morra sem salvação.(AB 4.304)

Esta água benta receboEm remissão dos meus pecados.Que à hora da minha morteTodos me sejam perdoados.(OPP 66)

Deus Vos salve Rosa SagradaQue a Vós venho visitarE ao vosso santo FilhoPara que me assentemNo livro da almaE no livro da vidaP’ra que a minh’almaNão seja perdida.(CPR 35)

Água benta, que em mim cai,Em mim seja aproveitada;Que o demónio na minha almaNão tenha nenhuma entrada.(RL 38.11)

Nesta igreja vou entrar,Água benta vou tomar,Jesus Cristo me ponha no seu livroP’ra minh’alma se salvar.(CPR 33)

Água benta te receboEm desconto dos meus pecados,P’ra que à hora da minha morteEles me sejam perdoados.(RL 12.287)

Venho p’ra ouvir Missa,Não venho p’ra pecar.Venho p’ró inimigoDe mim se retirar.(DL 125)

Com água benta me benzo,Com água benta me lavo.Quantos pingos em mim caem,Quantos pecados se apaguem.(CPR 34)

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Nesta igreja vou entrando,Jesus Cristo vou salvando;Água benta que me lave,Jesus Cristo que me salve.(Mir 258)

Esta água benta tomoCom tenção de me salvar.Tantos são os meus pecados,Deus mos queira perdoar.(RE 143)

Aqui deito água bentaCom a dor no coração,Para que na minha morteMe sirva de salvação.(L 47-48)

Água benta me lave,Jesus Cristo me salve.Ficai aqui, pecados meus,

Enquanto eu vou falar com Deus.(RL 9.235)

Água benta vou tomar,Meus pecados vou lavar.Vou pedir a Jesus CristoQue mos venha perdoar.(OP 12)

Água benta por mim deitoPara lavar os meus pecados.Queira Deus que neste mundoSejam todos perdoados.(L 47)

Água benta, vem comigo.Pecados, fi cai aí.Vou lá dentro ouvir a Deus,Para Deus ouvir a mim.(Nama 234)

Nesta igreja vou entrando,Água benta vou tomando,Que os meus pecados fi quem fora,Que eles não entrem cá dentro.(F 184)

Nesta igreja entrei,Desta água benta tomei.Com Jesus Cristo venho falar.Arreda-te de mim, inimigo,Que eu venho p’ra ouvir missa,Não venho p’ra pecar.(DL 124)

Venho p’ra ouvir missa,Não venho p’ra pecar;Venho p’rò inimigoDe mim se retirar.(DL 125)

Água benta me lave,Jesus Cristo me salve.Ficai aqui, pecados meus,

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Enquanto eu vou falar com Deus.(RL 9.235)

Esta água benta eu tomoPor cima dos meus pecados.Nesta vida sejam poucosE na outra perdoados.

(AB 4.304)Aqui tomo água bentaNa casa da oração.Ao meu corpo dai saúde,À minha alma salvação.(RL 38.11)

Água benta vou tomarEm remissão dos pecadosPara que na hora da mortePor Deus sejam perdoados.Lavai-me, senhor, lavaiToda a minha consciênciaP’ra que a minha alma vá limpaP’ra vossa santa presença.(Nama 234)

Que a água benta me lave,Que Jesus Cristo me salveNesta casa de oração.E, se morrer sem fala,Será minha confi ssão.(CPMB 132)

Nesta casa santa quero entrar,Água benta quero tomarPara adorar o Santíssimo SacramentoQue está no altar.E vós, pecados meus,Ficai cá fora,Que eu quero entrar para dentro,Entregar a minha almaAo Santíssimo Sacramento.(OPS 9)

Eu esta água benta tomo

Em remissão dos meus pecadosP’ra quando deste mundo for,Todos me serem perdoados.(RL 38.78)

Nesta casa vou entrando,Água benta vou tomando.Água benta, me lavais.Jesus Cristo, me salvais.Se a minha alma está em penas,Jesus Cristo, depenai-m’as.(ES 485-486)

Venho tomar água bentaPor cima dos meus pecadosP’ra que à hora da minha morteSejam todos perdoados.Na casa de Deus entro,Na casa de Deus me sento.Venho entregar a minh’almaAo Santíssimo Sacramento.Aqui me ajoelhoAqui me apresentoDiante de DeusE do Santíssimo Sacramento.Quando nesta Igreja eu entro,Parece que eu entro no céu.Aqui venho adorar O que está debaixo do véu.O que está debaixo do véuSão três cravos fl oridos.Venho-os adorarPor os ter ofendido.(AB 3.255)

Ao ajoelhar (saudações: altar, pedra de ara, cruz, Deus, Maria, igreja, anjos, santos):Deus te salve, cruz bendita,Que na terra estais escritaE no céu representada.Rogai por nós,Que nós rogaremos por vós.(ES 486)

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Aqui me ajoelho,Aqui me apresento,Para adorarO Santíssimo Sacramento.(CPR 35)

Aqui me ajoelho, Senhor,Tão triste e afl ita,Vós como bom pastor,Eu como ovelha perdida.Dai-me luz que eu Vos veja,Coração que eu Vos ame,Remédio p’rá minha vida,Salvação p’rá minha alma.(DL 124)

Deus te salve, cruz bendita,Estandarte precioso,Onde está crucifi cadoJesus Cristo gloriosoDeus te salve, cruz bendita,Que estais em campo sereno,Onde foi crucifi cadoJesus Cristo Nazareno.(Nama 234)

Aqui me ajoelho, Aqui me represento, Defronte do altarDo Santíssimo Sacramento.(OPP 68)

Nesta igreja vou entrandoJesus Cristo vou adorando,Parece-me que o estou vendoNaquele altar consagrado.Nosso Senhor Jesus CristoSeja louvado e adorado.(CPR 34)

Deitai-me a vossa bênção,Jesus Sacramentado,Deus escondido,Pai adorado.(CPR 35)

Deus te salve, casa santa,Por Deus foste ordenada,Onde está o cálice bentoE a hóstia consagrada.O pecado vem aqui,Que venho dar contas de mim.Beijarei a santa pedra,Que a minha alma se não perca.Beijarei o santo chão,Que a minha alma tenha perdão.Beijarei a santa cruz,Que a minha alma tenha luzPara sempre, Amém, Jesus.(P 104)

Os meus vários pensamentosAndam fugindo de Vós.Aqui tendes a minha alma,Recolhei-a para Vós.(CPR 35)

Deitai-me a Vossa bênção,Jesus Sacramentado,Deus escondido, Pai adorado.(CPR 35)

Nesta igreja entrei,Ó Jesus, já me sentei.A minh’alma vem cansada,De pecados carregada.Venho pedir ao SenhorSalvação para a minh’alma.(CPR 36)

Deus Vos salve, feliz Aurora,Deus Vos salve, feliz Entrada.Vós sois Mãe dos pecadores,Sois a sua advogada.(Mens 91.17)

Eu me ajoelho, Senhor,Muito triste e afl igida:Vós sois o meu Bom Pastor,

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Eu sou a ovelha perdida.Dai-me luz com que Vos veja,Coração com que Vos faça pedidos,Salvação p’rà minha alma,Remédio p’rà minha vida.(L 48)

Nesta casa de Deus entroCom todo o meu pensamentoCom intenção de louvarO Santíssimo Sacramento.(CPR 34)

Nesta igreja vou entrando,Jesus Cristo vou adorando.Parece-me que O estou vendoNaquele altar consagrado.Nosso Senhor Jesus CristoSeja louvado e adorado.(CPR 34)

Está o sacrário aberto,Está lá o Senhor dentro.Estou vendo e adorandoO Santíssimo Sacramento.(CPR 34)

Deus Vos salve, Rosa Sagrada,Que vem a Vós visitarE ao vosso Santo Filho,Para que me assentemNo livro da almaE no livro da vidaP’ra que a minha almaNão seja perdida.(CPR 35)

Deus te salve, cruz bendita,Estandarte precioso,Onde está crucifi cadoJesus Cristo gloriosoDeus te salve, cruz bendita,Porta do remédio humano.Quem no céu quiser entrar,Tem o caminho bem plano.(Nama 234)

Orações à pedra de ara do altar:

Beijarei a santa pedra,Que a minha alma se não perca.(CPR 52)

Vou beijar a santa pedra,Que a minha alma não se perca.(L 47)

Deus te salve, pedra de ara,Que no mar foste achadaE na terra consagrada,Não se diz missa sem ti.(AP 173)

Eu vos adoro, altar sagrado,Onde Jesus é renovadoSobre a pedra, no mar achadaE tantas vezes beijada,

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Sem a qual não se diz missa.(L 48-50)

Segundo a Virgem em 16-5-85 a missa deve ser experiência de Deus: livro n.º2-360, p.132, c.176-v-2

Ao vir da sacristia o celebrante para o altar:

Já lá vem o sacerdoteCom o cálice sagrado.Vai dizer a santa missa,Que a não diga em pecadoE que eu tenha parte nelaDo princípio até ao cabo.(L 50)

Sacerdote do SenhorJá lá vai para o altar.Sagradas são vossas mãosDonde Deus vai pousar.(CR 379)

Ministro do santuárioJá lá vem da sacristia.Está minha alma conturbada,Vinde dar-lhe alegria.(CR 379)

Quando o sacerdote vemDa sacristia para o altar,Representa Jesus CristoPara o horto a caminhar.(RL 9.234)

Lá vai o padre dizer missa,Ajoelhai-vos, ó povo,Que nasceu um Deus-Menino,Redentor do mundo todo.(ES 486)

Donde vindes, sacerdote,Que assim vindes revestido,Assim vindes escondido?Vindes a consagrar o pãoPara a nossa salvação.(RL 12.287)

Deus te salve, cavalheiro honrado,Co’as armas de Cristo vens armado.Persigna a ti, persigna a mim,Persigna a hora em que aqui vim.(Mens 91.17, F 176, RE 144)

Vamos à santa missa,Vamos assistir a ela.Com sacrifício d’amorDesce Deus do céu à terra.(CR 379)

Alegrai-vos, povo,Que aí vem o Escondido,Vestido de carne humana,Representa o Cristo vivo.(Ar 211)

Lá vem o sacerdoteA of’recer o sacrifício.Deus me dê parte neleComo deu a Jesus Cristo.(FCV I. 70)

Lá vai o padre prò altar,Seis vezes se vai virar:Três para me arrependerE mais três para me salvar.(L 50)

Contemplemos a Sagrada Morte e Paixão de Nosso Senhor Jesus CristoQuando veio para o HortoA orar com tanta violênciaQue o seu sagrado sangueChegou a regar a terra.(RL 12. 287)

Ao subir o celebrante os degraus do altar:

Signifi ca Jesus Cristo,Vem do Jardim das Oliveiras.Salvai, Senhor, a minha almaE todas as demais.Todos quantos aqui estãoTodos querem a salvação.

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Subi, subiAo jardim das oliveirasPara dar alívio À vossa Paixão verdadeira.(Ar 211)

Senhor, o Vosso ministroSubiu para o Vosso altar.Suas preces e seus rogosDignai-vos escutar.(Nama 237-238)

Quando o sacerdote vem,Principia a confi ssão.Representa Jesus CristoNo horto em oração.(RL 9.234)

Ao começar a missa:

A missa começa,O padre a diz,Os anjos a ouvem,A Virgem a adora,Ditosa a almaQue ouve missa agora.(A 253)

A missa começa,

O padre a reza,A Virgem a adora,Os anjos a cantam,Bendito sejais em tão boa hora.(Ar 212)

Bendita seja a horaQue saístes pela porta de Jerusalém foraE Jesus Cristo comigo aqui nesta hora.Começai a santa missa,Sacerdote do Senhor,Que eu hei-de assistir a elaEm Vossa honra e louvor.(ES 486)

Ao mudar o missal (agora em desuso na actual liturgia):

Vira-se o missal na missa,Viram-se as fl ores no campo.Assim se vire a minha almaPrò Santíssimo SacramentoMuda-se o livro,Muda-se agora.Mude-se a minha almaPrò reino da glória.(L 50)

Muda-se o missal,Mudam-se as fl ores do campo.Muda-se a minh’almaPrò Divino Espírito SantoMuda-se o missal,Muda-se muito embora.Muda-se a minha almaPara o reino da glória.(CPR 42)

No momento de o celebrante lavar as mãos:Lavai, Senhor, minhas mãosDa imundície do pecado.Com a graça da inocênciaFazei que eu seja adornado.(Nama 238)

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Missa de Domingo:

Aí vens, cavalheiro honrado,Com as armas de Cristo vens armado,Salvai a mim e a ti,Bendita seja a hora que eu para aqui vim.(OPP 68)

Lá vem o sacerdoteCelebrar o sacrifício.Deus me dê parteNeste santo sacrifício.(CPR 39)

Diante está a mesaOnde os discípulos vão tomar pão.Andai cá, meus discípulos,Que vos quero perdoarE amanhã por estas horasVós vireis a comungar.(CPR 40)

Bendita seja a horaQue saístes pela porta de JerusalémE Jesus Cristo comigo aqui nesta hora.Começai a santa missa,Sacerdote do Senhor,Que eu hei-de assistir a elaCom vossa honra e louvor.(ES 486)

Alegra-te, minh’alma,Alegra-te, meu espírito,Que eu já vejo em fi guraNosso Senhor Jesus Cristo.(CPR 40)

Bendita seja a missa,Bendita seja elaNo céu e na terraE que a minha almaTenha quinhão nela.(CPR 41)

Lá vai o padre dizer missa,Ajoelhai-vos, ó povo,Que nasceu um Deus-Menino,Redentor do mundo todo.(ES 486)

Confi ssão:Jesus Cristo, Rei e Senhor,A vós tomo por confessor.Os meus pecados a Vós digo,Não me dareis o castigo.Senhor, nunca visiteiOs presos encarceradosNem tão pouco fi z esmolaAos pobres injuriados.Nunca os males abrandeiNem criei os enjeitados.Ai, Senhor, que tenho medoDe dar voltas no inferno.Antes que o cão (1) me acuse,Ó meu dulcíssimo Jesus,Jesus do meu coração,Confessai-me os meus pecados.Vós bem sabeis quantos são.Confessai-me e absolvei-me,Botai-me a absolvição.Se morrer por este dia, Não morra sem confi ssão.(Mir 258)

Deito meus joelhos em terra,Minha alma e meu coração.Meus olhos se levantamPara pedir a Deus perdão.(Mir 272)

Eu me quero acusar.Peço às onze mil VirgensE ao anjo S. Gabriel,Ao arcanjo S. MiguelE a todos os santos e santas,Que na corte do céu estão,Que me queiram escutar

(1) o cão é o demónio.

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Esta minha confi ssão.Ainda que nada mereço,Tudo está na vossa mão.Por isso espero, Senhor,Remédio p’ra salvação.(Nama 237)

Ó meu divino Senhor,Ó pai do meu coração!Aos vossos divinos pésFaço a minha confi ssão.Perdoai-me os meus pecados,Pois sabeis quais eles são.Dai-me neste mundo a graçaE no outro a salvação.(RE 144)

Ao ofertório:

Eu me entrego a JesusE à Flor donde nasceuE à hóstia consagradaE à cruz onde morreu.(L 51)

A “sanctus”

(aqui alude-se aos “santos” e não o “Senhor”como “Santo Senhor do universo”):

Santos e santas da corte do céu,Pedi todos ao SenhorQue entre no meu coraçãoSangue do Vosso louvor.(ET 57)

Santos, santos, santos “do céu”,“Vinde ao meu coração,Recebei a minha alma,Ponde-a da vossa mão”.(ES 486)

Tocam a “santos”.A campainhaAnjos a tangem.

Cristo adora.Ditosa a almaQue nesta horaSobe à glória.(L 51)

À consagração:Aparecei, Senhor, apareceiNas mãos do sacerdotePara salvar a minha almaNa hora da minha morte.(Nama 239)

Misericórdia, meu Deus,Misericórdia, meu Senhor,Misericórdia vos pedeEste grande pecadorPelas vossas cinco chagas,Pelo vosso santo amor.(Nama 241)

Boto os meus olhos ao chão,O pensamento à glória.Com a minha alma adoroJesus Cristo na custódia.(L 51)

Vinde, meu Jesus, vinde,Que eu por Vós estou a esperar.Bendito e louvado sejaO Santíssimo Sacramento do altar;Sacramento de divindade,Olhos de manso cordeiro,Que estais no vosso altar,Como no céu verdadeiro.Eu queria, meu Jesus,Ir para o vosso reino.(ES 487)

À elevação da hóstia:

Já se levantou o Salvador,Na hóstia consagrada está Nosso SenhorPara salvar a minha almaE a de todo o pecador.(CPR 42)

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Eu te adoro, hóstia sagrada,Ponho os olhos nesse chão,Olhos (?) de manso cordeiroQue é a fé do bom cristão.(CPR 42)

O Divino JesusCom grande amor nos abraça,Que desceu do céu à terraPara todo nos dar graça.(O 30)

Já se levantou a DeusE eu tive fé que vi.Oh! Que lindo manjarQue está naquele altar!Veio das mãos do SenhorPara nos vir a salvar.(CPR 42)

Adoro-vos, ó Hóstia santa,Onde está na realidadeO corpo e sangue de Cristo,Sua alma e divindade.(Nama 239)

Corpo, sangue, alma de Cristo,Sua divindade adoroNeste cálice consagradoCuja protecção imploro.(Nama 239)

Levantou-se o Salvador,Jesus Cristo meu Senhor,Hóstia de pão saboroso.Meu Jesus tão amoroso,Que perdoastes ao ladrãoTantas culpas e pecados,Perdoai os meus, Senhor,esquecidos e lembrados.(Nama 24)

Hóstia inteira,Hóstia partida,Salvação da minha alma

Mais da minha vida.(OPP 72)

Já se levantou o CriadorVivo de carne em fl orComo juiz de verdadeE eu entrego a minha almaÀ Santíssima Trindade.(CPR 42)

Toca o Salvador,Vamos ver Deus Nosso Senhor,Hóstia santa consagrada,Corpo e sangue de Jesus.Dai-me um bocadinho daquela missaPara sempre, Amém, Jesus.A Deus Pai me encomendo, Espírito Santo me dê luz.Encomendo a minha almaAo Santo Nome de Jesus.(RL 13.96)

Quando a hóstia está no altar,Todos os anjos estão a adorá-la.Adoram-na eles,E louvemo-la nós.Filho da Virgem Maria morreu entre nós.(Mon 208)

Meu Senhor SacramentadoQue na hóstia estais metido,Dai-me licença que eu choreLágrimas de arrependido.Vinde, vinde, meu Jesus,Vinde, vinde e não tardeis:Tomar posse da minha alma,Dela Vos não aparteis.(DL 93)

À elevação do cálice:

Eu te adoro, cálice bento,Neste Novo Testamento.Derramais o vosso sangue

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Com muita dor e tormento.(CPR 42)

Já o cálice se levanta,A hóstia está lá dentro,Os anjos estão cantandoAo Divino Sacramento.(OPP 71)

Eu Vos adoro, meu Deus,Eu vos adoro, Senhor,Pelos céus e terra que fi zestes,Pelo corpo e alma que me destes,Pelas gotas do teu sangueQue por mim derramastesNa Rua da Amargura.Eu vos peço, meu Senhor,Que me apagueis a escrituraQue fi zer dos meus pecadosO demónio tentador.(Nama 240)

Antes da comunhão:

Vinde, vinde, Senhor, vinde,Vinde, vinde, não tardeis.Minha alma está à espera,Nunca dela aparteis.(O 30)

Senhora, dai-me o Vosso Filho,

Dai-mo assim como o destesAo Santo Velho Simeão.(CS 75)

Alegra-te, ó minha alma,Consola-te, meu espírito:Estás prestes a receberO corpo de Jesus Cristo.Levantai-Vos, hóstia branca,Da Flor mais encarnada,Vinde, Senhor, ao meu peitoTomar posse da minha alma.(L 52-53)

Ajudai-me, ó Virgem pura,Pela Vossa protecção,Ajudai-me a fazerUma boa comunhão.(ET 57-58)

Santíssimo Sacramento,À vossa mesa me assento,Que vosso divino corpoSeja para meu sustento[................................]Ó minha Virgem sagrada,Ó minha preparadora,Preparai minha alma[................................]Entrai, entrai, vida minha,Entrai, meu divino amante,Fazei da minha alma sacrário.(OL 111)

Debaixo dessas cortinasEstá Jesus Sacramentado.Eu peço a Deus e aos SantosQue O não receba em pecado.Os meus pecados são tantosQue, mesmo na confi ssão,Não os saberei dispor.Confesso-os a Vós, Senhor,Que sabeis quantos eles são.Dai-me nesta vida a pazE na outra a salvação.(Ob 130)

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Vinde, vinde, meu Senhor,Já Vos estou a esperar.Meu coração está aberto,A minha alma a suspirar.Dai lágrimas aos meus olhosE dor ao meu coração,Para que me chegue em graçaÀ mesa da comunhão.(L 54)

Ó meu Senhor Jesus Cristo,Dai-me luz, dai-me prazer.Permiti que seja em graçaQue Vos venha receber.Vinde, meu doce Jesus,Vinde, meu doce cordeiro,Enriquecer a minha almaCom teu corpo verdadeiro.(Nama 241)

Eu bem vi vender a Cristo.Foi vendido por dinheiroE nós faremos o mesmo,Ó bom Jesus verdadeiro.Eu bem vi vender a Cristo,Foi vendido por traidorE nós faremos o mesmo,Ainda faremos pior.(OL 114)

Ó meu Senhor Jesus Cristo,Que vos rogo que desfaçaisA escritura que o inimigo tem feito.Entre anjos e arcanjos, cobrindo serafi ns,Desceu do céu à terraEntre a Hóstia e o CáliceÀ mão do sacerdote.Assim desça à minha almaE o Senhor me dê juízo e entendimentoAté à hora da minha morte.(DL 138)

Alegra-te, ó minha alma,Consola-te, meu espírito:

Estás prestes a receberO corpo de Jesus CristoLevantai-vos, hóstia branca,Da fl or mais encarnada.Vinde, Senhor, ao meu peitoTomar posse da minha alma.(L 52-53)

Ao abrir o sacrário:

Já está o sacrário aberto,Já se vê quem está dentro.Bendito e louvado sejaO Santíssimo Sacramento.(ES 487)

Já o sacrário está aberto,Espelho do meu coração,Aonde está o remédioPara a minha salvação.(CPR 60)

O sacrário está aberto,Forrado de ouro por dentro.Entregarei a minha almaAo Divino Sacramento.(AB 4.319)

Já o sacrário está aberto,O Senhor está lá dentro.Dêmos graças e louvoresAo Divino sacramento.(Mens 92.17)

Ao ir comungar:

Eu cá vou, cá vouPara a sagrada mesa da comunhãoReceber a Nosso SenhorDentro do meu coração.(O 30)

Vinde, vinde, meu Jesus,Que estou por Vós suspirando.

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A minha alma está aberta,Meu peito se está rasgando.(Nama 242)

Ora vinde, Senhor, vinde,Vós sabeis minha intenção.Vinde, Senhor, p’ra minha alma,Morar em meu coração.(Nama 242)

Ao receber a comunhão:

Já tenho Jesus comigo,Já o tenho no coração.Livrai-me do inimigoE da sua tentação.(L 54)

Jesus é meu,Eu sou de Jesus.Jesus está comigo,Eu estou com Jesus.(AR 210)

Já tenho Jesus no peito,Preso no meu coraçãoCom candeiinhas de amorE o acto de contrição[................................]Retira-te, Satanás,Deixa em paz meu coração.Ele agora é só de DeusQue tomei na comunhão.(L 55)

Aqui me ajoelho, Senhor,Para poder comungar.Já o meu peito se alegraPorque nele ides entrar.(L 53)

A esta mesa divinaEu me venho ajoelhar.O meu coração se alegra

Por ver tão lindo manjarNesta mesa me ajoelho,Na mesa da Divindade.Eu não sou merecedoraDe tão grande caridade.(L 53)

À Sagrada Santa mesa ajoelho,À mesa da Divindade.Minha alma será dignaD’alcançar tão bom manjarE um manjar delicadoE o manjar do SenhorQue se tira do Sacrário,Dá-se a todo o pecador.Desejo, meu bom Jesus,De Vos receber em graça,Tomai conta da minha alma.Levai-me e governai-meP’ra vossa bem-aventurança.(C 155)

Da minha boca fi zestes porta,Da minha língua mesa,Da minha garganta escada,Do meu coração sacrário.Bendito e louvado sejaO Santíssimo Sacramento.(ET 57-58, L 53-54, A 253, OL 125, FN 12, TP 151)

Eu estou todo convoscoE vós estais todo comigoE os anjinhos estão em roda de mimA adorar o seu Senhor.(ES 488)

A esta mesa divinaEu me venho ajoelhar.O meu coração se alegraPor ver tão lindo manjar.(L 53)

Ao vir de comungar para o lugar:

O corpo de Jesus Cristo

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Guarde a minha almaE a de todos os meusPara os céus.(Nama 243)

Nosso Senhor Jesus CristoE minha Virgem MariaConservai-me a vossa graça,Vossa doce companhia.(CPR 62)

Que rico conviteMe fez Jesus!Encheu a minha almaDe graça e luz.(Nama 244)

Agradeço ao meu Jesus,Agradeço o meu SenhorA graça que me fezPelo seu divino amor.(Nama 244)

Fui à mesa do Altíssimo,Ao pé dela ajoelhei.Os meus olhos a Deus viram,O corpo de Deus manjei.(Nama 244)

Entrego-me a Jesus CristoE a todo este cercado,Que livre meu corpo do perigoE a minh’alma do pecado.(CPR 61)

Entrego-me a Jesus Cristo,À fl or donde nasceu,À hóstia consagrada,À cruz onde morreu.(CPR 61)

Entrego-me a Jesus Cristo,À fl or de sua mãe,

Para me remir e salvar,Para sempre, Amém.(CPR 62)

Depois de comungar, estando já no lugar:Dai-me coração puro,De hoje em diante,Para Vos servir e amar.Para vossa glóriaVosso amor, Amén(TP 153)

Jesus, que do céu descestes,No meu peito te metestes,De mim fi zestes sacrário,Do meu coração altarE da minha alma morada.Bendito e louvado sejaO Santíssimo Sacramento.(L 56, TP 151)

Eu quero ser vosso,Porque eu vosso sou.Se vida me destes,A alma Vos dou.Por vosso amor,Meu deus e meu Bem,Livrai-me do InfernoPara sempre, Amém.(CPA 159)

Ó meu Menino Jesus,Que no peito estais,Hei-de-Vos prender p’ra sempre.Não Vos hei-de soltar maisCom cadeias de humildadeE actos de contrição.Vai-te daqui, Satanás,Que eu não tenho coração:Já o tenho prometidoA Jesus de Nazaré,Sua Mãe e S. José.(L 56)

Oh! Coração abrasado

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De Jesus Sacramentado!Meu Divino Salvador,Que tanto sofrestes por mim!Prometei, Senhor,Pelo Vosso Sacramento:Dai-me coração puroDe hoje em diantePara Vos servir e amar,Pela vossa glória,Vosso amor, Amém.(FN 13)

Meu amorosíssimo Jesus,Vós Vos destes todo a mim,Eu me dou todo a Vós.Não quero ser mais meu,Quero ser todo vossoPara ser bom.Que quereis que eu faça?Estou pronta para tudoQuanto Vós quiserdes.Viva Jesus, nosso amor,Viva nossa esperança,Jesus e Maria,Seja nossa guardaE a nossa guia, Amen.(Mir 268)

Jesus é meu,Eu sou de Jesus,Jesus vai comigo,Eu vou com Jesus.Só Jesus amo,Só a Jesus quero,Neste mor quero morrer, Neste amor quero viverE nele continuarPor toda a eternidade.(TP 166)

Que rico conviteMe fez Jesus!Encheu a minha almaDe graça e luz.Fui à mesa do Altíssimo,

Ao pé dela ajoelhei.Os meus olhos a Deus viram,O corpo de Deus manjeiAgradeço ao meu Jesus,Agradeço ao meu SenhorA graça que me fezPelo seu divino amor.(Nama 244)

Já tenho Jesus comigo,Já o tenho no coração.Livrai-me do inimigoE da sua tentação.(L 54)

Retira-te, Satanás,Deixa em paz meu coração.Ele agora é só de DeusQue tomei na comunhão.(L 55)

Bendito e louvado seja oSantíssimo Sacramento.Ó meu Menino Jesus,Que no meu peito estais,Hei-de Vos prender para sempre,Não Vos hei-de soltar maisCom cadeias de humildadeE actos de contrição. Vai-te daqui, Satanás,Que eu não tenho coração.Já o tenho prometidoA Jesus de Nazaré,Sua Mãe e S. José.(L 56)

Sentes os anjos ao redor de tiA adorar o teu Jesus.Adora-O tu tambémPor teu Deus e SenhorAh! Meu Deus, já que viestes àMinha alma a comunicar tanta graça,Dai-me, Senhor, um pesar dos meus pecados,Que se parta o meu coração com doresPara que eu nele considere

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As vezes que Vos tenho ofendido.Muito louca fui, Senhor,Quando me afastei de VósPor amor das criaturasMas agora só a Vós quero,Só a Vós amo, só a Vós confi o, Amém.(OL 111)

Ao fechar o missal:

Fecha-se o missal,Fecha-se a fl or lá dentro.Fecha-se a minha almaPara o Santíssimo Sacramento.(TP 172-173)

Fechou-se o santo missal,Fechou-se a fl or do campo.Fechou-se a minha almaCom o Divino Espírito Santo.(ES 488-489)

À espera da bênção:

Dai-me o vosso bom viverE graça p’ra Vos servir.Deitai-me a vossa bênção,Que me quero despedir.(Ar 212)

Graças a Deus já vim à missa,Graças a Deus que já deus a disseNesta tão linda hora.Ó meu divino Pai do Céu,Deitai-me a vossa bênção,Que me quero ir embora.(F 172)

Senhor, que aí fi cais,Tão cheiinho de glória,Deitai-me a vossa bênção,Que me quero ir embora.(CS 129)

Ó Santíssimo Sacramento,

Na Vossa casa estou.Dai-me a vossa Santa Bênção,Que eu sem ela não me vou.(O 30)

Eu vou-me embora, Senhor,Cheio de consolação.Mandai os anjos comigoE dai-me a vossa bênção.(L 57)

Ó meu Senhor Jesus Cristo,Que estais pregado na cruz,Morto fostes e vivo estais,Dai-me bom viver,Graça p’ra vos servir.Dai-me a vossa bênção,Qu’eu já me quero ir.(CPR 37)

Ao receber a bênção:

A bênção do Pai e FilhoE do Espírito Santo tambémFique sempre nas nossas almasPara todo o sempre, amém.(Nama 246)

Nós já recebemosA vossa bênçãoFicai, meu Jesus,Em meu coração.(Nama 246)

Ao ouvir o celebrante dizer “ide em paz”(e, como se diz agora, “o Senhor vos acompanhe”):

Esta missa que ouviE rezei e ofereciNa terra foi dita,No céu foi escrita.(CPR 44)

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“Dita a missa é”,Dita seja ela.Que a minha almaTenha quinhão nela.(CPR 44)

A missa dita seja ela no céu e na terra.Minha alminha tenha parte nela.Senhor, que na cruz estais,Dai-me, Senhor, bom viverE graça para Vos servir.(DL 125)

Ao ir embora, despedindo-se, com pena até de não poder fi car:

Adeus, sacrário divino,Adeus, fonte de água pura,Aqui fi ca a minha alma,Faça dela sepultura.(O 32)

Adeus, santinhos todos,Eu de vós não me despeço.Na hora da minha morteA todos juntos vos convido.(ET 59)

Meu Deus, vou-me emboraNem é p’ra sempre mas é p’ra agora.Se eu aqui tardar, mandai-me chamar,Anjos e arcanjos que me venham acompanhar.(C 155)

Se eu cá não tornar,E a minha alma cá vier,Peço que a entregueisAo Anjo S. Gabriel. (ET 59)

Já me vou, já me despeçoDo Santíssimo Sacramento.Livrai, Senhor, a minh’almaDo demónio e do tormento.(Mens 91.17)

Senhora, não me posso despedir de vós:Se eu cá não puder tornar,Vós me mandareis buscarPor anjos e arcanjosDa corte celestial.Já Vos deixo convidadaP’ra que, dia de juízo,Sejais minha advogada.(RL 11.104)

Senhor, eu tenho de me ir,Licença Vos vou pedir.Se não tornar a voltar,Senhor, mandai-me chamar.(L 58)

Desta Casa SantaMe vou embora,Com tenção de cá tornar.Se eu cá não puder vir,Os anjos do céuMe irão a buscar.(Mon 209)

Se me vou, não me vou.A minha alma sempre fi ca.Todos somos obrigadosA fazer esta visita.(AB 3.256)

Senhor, eu vou-me embora,Tu comigo vais também.A minha vida agoraMaior alegria tem.(CPMB 127)

Dai-me licença, Senhor,De eu me levantar deste lugar Sagrado.À hora da minha morteMe deixeis todos os convidados.(OPP 75)

Adeus, meu Menino [Jesus],Adeus, meu querido.Eu vim ter contigo,

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Vem agora comigo.(L 57)

Senhor, eu tenho de me ir,Licença Vos vou pedir.Se não tornar a voltar,Senhor, mandai-me chamar.Adeus, ó meu Senhor,Adeus, minha Senhora,Eu cá me vou emboraPor esta porta fora.E, se eu morrerE cá não tornar,Os anjos do céuMe venham buscar.(L 58)

Graças a Deus vim à missa,Graças a Deus que a ouvi.Se no Domingo não puder vir,Nossa Senhora me mande buscarCom sete anjos e arcanjosP’ra minh’alma a acompanhar.(CPR 45)

Adeus, meu Senhor e minha Senhora,Que eu vou-me embora.Isto não é para sempreMas é só para agora.Se eu cá fi zer míngua,Mandai-me chamarPelo anjo da guardaQue me vá buscar.(ES 489)

Minha alma cá fi ca,Se eu cá não puder voltar,Os anjos me vão buscar, Amém.(OPP 77)

Fica aqui, casa santa,Que eu p’ra do mundo vou.Tantos anjos me acompanhemComo passadas eu dou.(F 184)

Graças a Deus que ouvi missa,Ó Jesus, que bela hora!Deitai-me a vossa bênçãoQue me quero ir embora.(CPR 44)

Nós já recebemosA vossa bênção.Ficai, meu Jesus,No meu coração.(Nama 246)

Dita “missa é”,Dita seja ela, Que a minha almaTenha quinhão nela.(CPR 44)

A bênção do Pai e FilhoE do Espírito Santo tambémFique sempre nas nossas almasPara todo o sempre, Amém.(Nama 246)

Ao tomar água benta à saída:

Esta água benta eu tomoP’ra livrar os meus pecados.À hora da minha morteSejam todos perdoados.(AB 3.256)

Ao chegar a casa:

Eu já hoje fui à missaPela porta pequenina.Pedi a Nossa SenhoraQue fosse minha madrinha.Nossa Senhora me disseLá de cima do altar:- Menina, faz por ser boa,Que Deus te há-de ajudar.(L 58)

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101Recriar as Cascatinhas de S. João Abílio Ferreira da Silva*

- Um tostão, um tostãozinho para o Santo António! Dê-me um tostãozinho para o Santo António... Era assim desde o começo do mês de Junho, às vezes antes, até ao Dia de Santo António. E de igual maneira para o S. João; e, depois, para o S. Pedro. Um mês inteiro, o mês dos Santos Populares. Santos que o povo considerou rapioqueiros, e até brejeiros, associando-os a manifestações e superstições nada condizentes com a sua vida real, pois que dois deles até foram mártires da sua fé e apostolado. Com culto generalizado a todo o país, mas sendo de particular realce os festejos a Santo António, em Lisboa, onde nasceu, e a S. João, no Norte, em especial no Porto e Braga. Estes festejos populares, com francas manifestações pagãs, serão a conti nuação das antigas festas do Solstício de verão a 21 de Junho. É o momento em que o Sol, na sua trajectória, atinge o ponto mais a norte, isto é, a sua decli nação máxima, marcando o início do Verão. Um dos rituais característicos da noite de São

João é o “saltar as fogueiras”. Mais frequente nos meios rurais que nos urbanos, e com variantes con forme as terras, este ritual tem como fi nalidade pedir saúde e felicidade para o resto do ano, e ainda conseguir um casamento mais rápido. Está na continui dade de crenças e velhos ritos relacionados com antigos cultos religiosos, que o próprio Cristianismo não rejeitou e, digamos, como que santifi cou. Estas foguei ras festivas, simbolizando a grande fonte de luz e calor - o Sol - actuam nesta noite de São João como purifi cadoras, anulando os factores nocivos, materiais ou espirituais, ligados ao mal, à doença ou à morte. Assim acredita o povo. Ou faz que acredita, para aproveitar a ocasião de se divertir numa noite calmosa e de sortilégio. Provavelmente tais rituais ainda persistem em muitas aldeias do país, mas “saltar a fogueira” nunca foi grande prática na nossa região. Habitual era as crianças fazerem cascatas à porta de casa. Com mais ou menos fi gurinhas de barro, às vezes apenas um montículo de terra, no cimo do qual se colocava a pequena escultura artesanal do Santo. Estas pequenas cascatas infantis eram modesto arremedo das grandes cascatas dos adultos nos festejos em bairros populares da cida de ou em algumas povoações das redondezas, como a do lugar de Pereira de Argon cilhe, do nosso concelho de Santa Maria da Feira.

* Médico. Escritor.

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No Sul, nomeadamente em Lisboa, são “tronos” ou “nichos”, em que a fi gura do Santo é envolvida por arranjos fl orais. As verdadeiras “cascatas” são no Nor te, assim chamadas pela disposição em degrau como nas quedas de água.As grandes cascatas dos festejos populares das comunidades de bairro ainda persistem, embora em muito menor número. Porém, as cascatinhas do meu tem po de infância desapareceram por completo na nossa região.

Pertencendo ao grupo das brincadeiras sazonais, a generalidade das crian ças gostava de fazer cascatas: umas mais simples, muitas vezes apenas com a es-cultura do Santo; outras mais elaboradas, com montes e vales, estradas e lagos, casas e igrejas, e grande variedade de fi gurinhas, representando as diversas ac-tividades profi ssionais. Obra de artesãos chamados “santeiros”, de que havia al guns no concelho de Vila Nova de Gaia, estas fi gurinhas de barro eram vendidas nas antigas mercearias das aldeias.

Em Lisboa, são “tronos” e “nichos”

As cascatas são mais no Norte

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Geralmente duas ou três semanas antes do Dia do Santo começava o peditó rio, cuja receita se destinava à aquisição de mais um “santinho”, mas sobretudo à compra de foguetitos de pequena carga, “bichinhas de rabear” e “bombinhas” para animação da festa, cujo ponto alto era o lançamento de um balão, que muitas vezes ardia logo ao iniciar a subida. Com a fi gurinha do Santo na mão, chegávamos a andar algumas centenas de metros ao lado do potencial dador, quase sempre regressando apenas com o cansaço da caminhada em vão. E os brincalhões que nos humilhavam prontifi cando-se a levar-nos o Santo para o sustentarem!... E os rabugentos e agressivos que nos maltratavam com palavras e gestos ameaçadores!... Mas não desistíamos. Estava tão arraigada esta tradição da pedincha para os Santos Populares, que, já em 1875, o humor cáustico de Rafael Bordalo Pinheiro pôs o Ministro da Fazenda a pedir ao “Zé Povinho” umas moedas (impostos) para o Santo António (Maria de Fontes Pereira de Melo), na altura 1.º Ministro do Reino. A minha paixão pelas cascatas era quase obsessiva. E ia provocando a perda do ano de avanço escolar que eu tinha em relação aos miúdos da minha idade.

Até às vésperas de exame da 3.ª classe, andei na escola à vontade, adquirindo conhecimentos sem esforço, sem pressões, sem obrigação. Meu pai, que foi o meu professor de instrução primária, permitia-me este regime de quase absoluta liberdade, atendendo ao ano de adianto que eu tinha. Ora, Junho era o mês de apuramento, com aulas suplementares para além do horário lectivo normal, dos alunos seleccionados para o exame de 3.ª classe, com início no dia 1 de Julho, e da 4.ª classe, quinze dias depois. Justamente o mês das cascatas, que eu não poderia perder de maneira nenhuma! O estratagema, que me ocorreu, foi dizer que não queria ir a exame porque um dos meus melhores amigos fi cara excluído da lista dos propostos. O meu pai, em vez de aplicar o devido castigo ao infantil atrevimento, reagiu fl eumaticamente: “ele não está preparado, não pode ir a exame; tu estás preparado, mas vais se quiseres, és muito novo, podes fi car para o ano”. E enquanto os candidatos a exame continuavam com aulas até ao pôr do sol, eu ia despreocupadamente fazer as minhas cascatinhas e respectivo peditório para a grande festa do Dia do Santo. Mas, poucos dias passados, disse que afi nal queria ir a exame. A reacção de meu pai foi no mesmo tom: “está bem, mas a partir de agora passas a comportar-te como os outros alunos

Como em 1875 o humor de Rafael Bordalo Pinheiro pôs o Ministro da Fazenda a pedir ao “Zé Povinho” umas moedas (impostos) para o Santo António (Maria de Fontes Pereira de Melo) - repare-se na semelhança fi sionómica do Santo António e do 1.º Ministro.

António Maria de Fontes Pereira de Melo, 1.º Ministro do reino

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e como eles serás tratado”. E ambos cumprimos. As cascatas não acabaram, mas... só ao Domingo. Fiz cascatas até um pouco além da infância, cada vez maiores, com mais fi gurinhas e casas feitas em cartão. Mas a grande cascata dos meus sonhos fi cou por realizar, sobretudo por difi culdades fi nanceiras. Recorde-se que estávamos em plena II Guerra Mundial.

Com a idade, outros interesses se foram sobrepondo, ocupando o espírito e o tempo. A adolescência marcara o limite. Contudo, continuei a gostar de ver as cascatas que ainda se foram fazendo nos “Sãojoõezinhos” dos bairros populares do Porto: na grande noite da cidade, após a tradicional volta pelas Fontainhas, era a peregrinação por esses típicos

O velho professor junto da Escola. Em baixo, fonte de aldeia.

Igreja Matriz em dia festivo, ladeada pelos coretos

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...e dirige-se para o centro da Vila

E a imprescindível procissão sai da Igreja...

arraiais, a que não faltavam animados bailaricos. Ao tempo da infância dos meus fi lhos, a tradição das cascatas na nossa região já estava em franca decadência, quase em extinção. Atrevo-me até a dizer que as que eles fi zeram foram mesmo excepções. Talvez um pouco mais elaboradas que as do meu tempo, e a que, devido à minha absorvente actividade profi ssional, pouca ou nenhuma colaboração terei dado. Assim, mais uma geração passou sem que se tivesse concretizado a grande cascata dos meus sonhos de menino. Até que atingi o estatuto de avô.Abstraindo do aspecto negativo da associação ao estado de velhice, que alguns homens jocosamente ultrapassam referindo-se aos netos não como seus mas de sua mulher, ser avô é um privilégio. A maior disponibilidade permite normalmente acompanhar mais os netos que os próprios fi lhos. E com eles brincar, podendo reviver, com naturalidade aceite e nostálgico prazer, a infância distante. E surgiu a oportunidade de realizar o sonho, cujo desejo de concretização fi cara tantos anos subjacente, como que em longa incubação. Numa ocasional pausa de viagem em Viseu, fui encontrar, na montra de uma loja de artefactos

e objectos utilitários, algumas esculturas em barro representando fi guras típicas das cascatas de outros tempos: a lavadeira, o pescador e a peixeira, o estudante

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e o barbeiro, a fi adeira e a ceifeira, o pastor, romeiros de ambos os sexos, eles com concertina ou viola, elas com o cesto do farnel ou a cabaça da água ou do vinho à cabeça. E... uma banda de música com 15 elementos! Comprei tudo de uma assentada. Foi o começo. E o estímulo.

À sombra do vetusto castelo, desenvolveu-se o povoado...

... que se foi estendendo ao longo de um braço de rio.

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Poucos dias passados, fui à procura de um “santeiro”, que me informaram ainda existir em Vila Nova de Gaia. Não foi tarefa fácil, mas acabei por o encontrar. Recebeu-me com extrema simpatia, pois, apesar de já não trabalhar, fez questão de me mostrar, com explicações de pormenor, não só o local onde continuava a fazer a “sua” cascata de São João, mas também cascatinhas em vários recantos do pátio e do interior da casa, verdadeiras exposições permanentes da sua arte e engenho. Finalmente, levando-me a um compartimento, que me pareceu ser o seu antigo “atelier”, pôs-me diante de uma mesa com algumas fi guras pousadas a esmo, convidando-me a escolher as que me interessavam, pois eram as últimas que tinha fi guras pousadas a esmo, convidando-me a escolher as que me interessavam, pois eram as últimas que tinha para vender. Foi o que eu fi z: uma dúzia de fi guras de procissão, um lavrador à frente de uma junta de bois e um moleiro tocando o seu jumento carregado. E, assim, não dei por perdido o tempo do passeio de uma tarde primaveril.

Depois foi o frenesim dos serões em trabalhos manuais com material reciclável. A ideia era pôr em destaque, mas também em interligação, o meio urbano de uma vilazinha histórica com a paisagem rural da sua periferia. A época seria a transição do século XIX para o século XX, de que são característicos os trajes das tradicionais fi gurinhas de barro. E foram surgindo as construções para os mais variados destinos de comércio e serviços, como a Câmara Municipal e os Correios, a Igreja e a Escola, a casa de lavoura com seus anexos e o moinho no cimo de uma colina. E para dar um ar festivo ao ambiente, uma romaria com ornamentações estendendo-se do largo da igreja, ladeada pelos coretos, até ao centro urbano, pelo trajecto da imprescindível procissão. Em Junho de 1996 fi z a primeira cascata para as netas, uma de quatro e a outra de dois anos e meio de idade. Receberam a surpresa com exuberantes manifestações de alegria, e logo começaram a brincar com as fi gurinhas, pondo-as em movimento, nomeadamente a passear de barco no lago. Como

Um edifício emblemático do centro urbano

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Casa de lavoura com seus anexos

Moleiro a caminho do moinho

consequência prevista, houve cabeças degoladas, braços e pernas partidas, nem tudo de possível restauro. Mas as crianças sentiam-se felizes, e isso era o que importava. Nos anos seguintes foram passando gradualmente para a fase de observação de pormenor, procurando saciar a sua curiosidade com sucessivas perguntas, algumas verdadeiramente desconcertantes. Entretanto, tal como acontecera comigo, a

adolescência marcou o limite: outros interesses vieram sobrepor-se. Senti que os comentários elogiosos já eram sobretudo de afectuosa cortesia. E entendi... Mas, qualquer dia, vou ao armário, pego naquela bonecada toda e volto a montar a “minha” cascatinha de São João. É que, à medida que envelhecemos, vamos perdendo futuro. Resta-nos o presente, carregado de passado. Chamam-lhe “saudosismo”...

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* Licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras de Lisboa, 1965. Doutoramento de Estado ès-Lettres, pela Sorbonne, Paris, 1975; Professora Catedrática. Leccionou na Universidade de Aix-en-Provence, França; na Universidade dos Açores; na Universidade Aberta de Lisboa e na Universidade da Ásia Oriental, em Macau. Tem publicado perto de cento e cinquenta trabalhos (livros e artigos) sobre literatura, linguística, etnografi a e história. Actualmente é aposentada e Presidente da Associação de Solidariedade dos Professores (4º mandato).

RELIGIOSIDADE E PARÓDIA

Maria da Conceição Vilhena*

1. Como reminiscências de um passado em que, na Igreja, se privilegiava a criança, ainda existe, actualmente, na ilha de Santa Maria, o “Império das Crianças”, e há notícia de que se celebraram estes impérios, em épocas recuadas, igualmente na ilha do Pico. Também no Continente, segundo M. Breda Simões, em Roteiro Lexical do culto e festas do Espírito Santo nos Açores (p. 112), em algumas terras, havia rapazinhos a fazer de imperador, nas festas do Espírito Santo. 2. O que nos pareceu intrigante foi a reunião de dois conceitos, menino e imperador, que, em princípio, são inconciliáveis. Criança é fraqueza e inocência, necessidade de protecção, fragilidade dominada. Ser em devir de crescimento, tudo nele é debilidade, inexperiência, irresponsabilidade. A criança necessita de amparo, é um ser sem defesa própria, desprevenido e desequipado, espontâneo e imprudente. Em contrapartida imperador é símbolo de

força, poder e glória. Imperador é aquele que exerce a soberania sobre vastos domínios, que comanda, dá ordens, é obedecido e idolatrado. Detentor do império, impõe-se pela supremacia da sua inteligência, pela sua energia interior, pela sua capacidade de vitória. Tudo nele é grandeza e superioridade. O título de imperador, sempre tem assombrado os espíritos e exaltado as ambições. Carlos Magno, no ano de 800, recebeu do Papa o reconhecimento do título de imperador, que se havia atribuído a si próprio. Otão o Grande, em 962, toma também este título. Nove séculos depois, é Napoleão que se atribui igualmente o título de imperador (estamos a citar apenas alguns). Já nos nossos dias, mesmo no coração da África, Bocassa, um chefe cruel que só era grande em seus erros, falhas e defi ciências, apodera-se igualmente deste título. Ambição ideal, aliás, de pouca duração. O que se pretende com tal título? Alcançar a universalidade talvez da força, talvez do poder, mas ainda mais da fama; e, por essa via, conseguir, para o seu nome, uma glória eterna. Ora isto são ambições que estão completamente fora do âmbito do desejo infantil. 3. Porém, o império que aqui está em causa, o do menino-imperador, é um império espiritual, cuja

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grandeza se estabelece noutras esferas, determinadas pela doutrina cristã. Que disse Cristo a respeito de força, poder, sabedoria, grandeza? Cristo não veio abolir o Antigo Testamento, mas dar-lhe cumprimento. Ora no livro dos Provérbios (16, 18-19), lemos que: A arrogância anuncia a ruína E o espírito altivo a queda Mais vale ser humilde com os pequenos Que partilhar das riquezas com os soberbos. Ao atribuir-se o prestigioso título de imperador a um menino, abstraiu-se daquela ideia de domínio universal por um homem poderoso, capaz de esmagar todos os outros. A grandeza da criança é outra, pois vem-lhe da sua candura e inocência. É pela sua pureza despretensiosa e pela sua simplicidade desprevenida que ele pode ser grande diante de Deus: os humildes serão exaltados. São também do A.T. (Salmos 2, 6-9) os versículos cantados durante a missa, no Magni fi cat, que, segundo S. Lucas (1, 50-53), a Virgem entoou aquando da visita à mãe de João Baptista; neles se exaltam os humildes e se proclama a derrota dos poderosos: “Deus expulsou os soberbos do seu trono e elevou os humildes”. Cristo veio, deste modo, realizar uma inversão dos valores tradicionais; e assim é que todo o que não receber a boa nova como uma criança, não entrará no reino dos céus (Marc, 10, 15-16). À pergunta sobre qual era o maior nesse reino, ele responde que os primeiros lugares serão para o servo, para aquele que serve os outros com humildade (Mat, 18, 1-6; 20, 28).

4. Fiel às palavras do Mestre, a Igreja instituiu uma festa dedicada à criança, a Festa dos Santos Inocentes. Nela se procura, sobretudo, reparar o sangue inocente dos meninos assassinados por ordem de Herodes; e, para esta festa, começaram os membros da igreja a eleger um bispo fi ctício, o bispo-menino. Parece ter começado primeiro em Reims; depois o costume de vestir uma criança de bispo passou a todas as catedrais. Prática inocente, que aos poucos se esvaziou do seu signifi cado simbólico, para derivar numa prática de

extravagantes palhaçadas. Este bispo menino é referido em vários textos medievais latinos, ora designado por episcopus puerorum, ora por episcopus innocentium; e temos até referências às sandalinhas e ao baculozinho existentes em algumas catedrais, com que o paramentavam. Há mesmo um breviário de Salisbúria, em que, segundo Du Cange, se estabelecia que os meninos de coro deviam ter um bispo, menino como eles: Pueri chori suum habeant episcopum (Citação tirada de M. Martins, O bispo-menino..., in Didaskalia II, 1972). Daqui o ter havido também um menino-abade em conventos e mosteiros, o abbas puerorum. O menino-bispo, de capa, mitra e báculo, seguido por um longo cortejo, constituído por clérigos e povo, percorria as ruas da cidade, a visitar igrejas e mosteiros, incensava e dava a bênção. Todos lhe obedeciam, até o próprio bispo verdadeiro, o que, às vezes, criava problemas, pois as ordens dadas por uma criança nem sempre seriam as mais sensatas. O elevar uma criança, por 24 horas, à dignidade de bispo, não constitui uma heresia nem um sacrilégio. Não se trata de alterar os dogmas da igreja ou de propor novas doutrinas. É-se plenamente ortodoxo e não se tem consciência de cometer uma grave infracção. Se há transgressão, ela é aos hábitos e não aos princípios, pois a elevação dos humildes é afi nal aquele gesto divino que o celebrante louva, ao cantar, no Magnifi cat, Deposuit potentes de sedia et exaltavit humiles.

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A festa dos inocentes era a festa não só das crianças, mas também dos jovens, nelas tendo uma participação especial os meninos de coro, os subdiáconos e até, às vezes, os diáconos. Eram eles os heróis da festa, podendo dançar dentro das igrejas, no dia de Natal, após as vésperas em honra de Santo Estêvão, o primeiro mártir, e, no dia seguinte, em honra de S. João Evangelista, o apóstolo mais jovem. Temos ainda notícias de danças de subdiáconos no dia da Circuncisão e da Epifania. Era-lhes igualmente permitido mimar ofícios, ou entregar-se a paródias e irreverências. Tal como na roda da vida (então muito em voga, como símbolo), os que estão em cima podem de repente ver-se descair do seu poder; assim, nesses dias, os grandes cediam o seu lugar aos pequenos. Aderindo à subversão de valores instituída por Cristo, as autoridades eclesiásticas decidiam inverter as posições; eis porque faziam de um menino seu bispo, por 24 horas. Esta convicção de que Deus exerce a sua força através dos fracos era tão arreigada na Idade Média que, em princípios do século XII, num momento de exaltação mística e de fanatismo sobretudo popular, houve a ideia de organizar uma cruzada de crianças. Esperava -se que Deus fi zesse o milagre de as tornar fortes como soldados; e assim poderem facil mente conquistar Jerusalém.

Só que o milagre não teve lugar e a cruzada dos anjinhos redundou num desastre total, pois as crianças que não haviam morrido de fome e cansaço, antes de tomarem os barcos em Itália, foram completamente massacradas pelos mouros, ao desembarcarem na Palestina.

5. Concebendo a ordem cósmica como uma série de círculos, envolvendo um ponto central, que seria a divindade, o primeiro círculo representa o ser humano; na sua periferia se encontrará a criança, como embrião ou ser em formação. A seguir aos humanos, vêm os irracionais mamíferos; e, na periferia destes, fi cará situado o burro, como animal estúpido, habitualmente humilhado e desprezado. Ora Cristo, homem-deus que, só por isto, já alberga em si a contradição, pregador subversivo e modifi cador de parâmetros, manifesta desde sempre a sua preferência pelas periferias: nasce criança pobre e tem como companhia o burro. O cavalo é o animal nobre, que transporta reis e imperadores; mas Cristo, segundo a tradição, é num burro que foge para o Egipto; e trinta anos depois, é também montado num jumento que faz a sua entrada triunfal em Jerusalém (Mat. 20, 28, Jo. 12, 12-15). O espírito cavalga a matéria, o bem esmaga o mal, dizem os comentadores cristãos, tentando justifi car o Mestre, por ter escolhido o animal cujo estatuto não é dos mais honrosos, uma vez que o burro é considerado não só o símbolo da estupidez, como também o emblema da lubricidade e de tendências satânicas. Incontestável, porém, é o facto de Cristo, cumprindo a palavra das Escrituras, ter escolhido o burro como seu meio de transporte predilecto. E cumpre a palavra das Escrituras, não só porque estava escrito que o rei de Sião viria montado num jumentinho (Mat. 20, 28; Jo. 12, 12-15), mas também por preferir aquele que, nos Provérbios, é símbolo de paz e de pobreza, de humildade, coragem e paciência. Não são bem-aventurados os simples e pobres de coração (Mat. 5, 1-12)? Então também aqui a Igreja procura honrar aqueles que Cristo honrou; e, com essa fi nalidade, instituiu a Festa do Burro, com missa própria e a presença da raça asinina representada por um burro,

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levado processionalmente à igreja, de capa vermelha, e aí fi cando durante a celebração, ao lado dos cónegos.

6. Cristo inverte valores e prega contradições: o que serve é o maior; o que quiser salvar a sua alma, perdê-Ia-á; o que morrer produz muito fruto. E dá graças ao Pai por ter ocultado estas coisas aos grandes e aos poderosos e as ter revelado aos pequeninos (Mat. 11, 25). A sua doutrina é loucura para os sábios, o que S. Paulo escreveria na sua epístola aos Coríntios (I, 1, 17-27): “Deus escolheu a loucura para confundir os sábios, e a fraqueza para derrotar os fortes”. E não dizia já Ésquilo que ”saber ser louco era o segredo dos sábios”. Se Deus destrói a sabedoria dos sábios; se a sabedoria dos homens é mais fraca que a loucura em Deus, então também a Igreja deve louvar a loucura dos homens; e daí vem a instituição da Festa dos Loucos, aquela que se vai revelar mais turbulenta e duradoura, mais apreciada pelo povo cristão. Aliás, o povo crê numa protecção divina especial para todo aquele que é mais frágil, tanto física como mentalmente ( Provérbio: “ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo”). Na Provença acredita-se que a casa onde há um doente defi ciente mental é uma casa especialmente protegida contra toda a espécie de calamidades, porque a inocência do demente atrai a misericórdia divina. A Igreja, hoje, prefere exaltar os pobres e os humildes por uma forma ambígua, mais em sentido fi gurado do que em sentido próprio, de forma a que o poder da riqueza não se sinta banido e condenado. Não era assim na Idade Média, em que o cristão, talvez porque fosse mais profundamente crente, levava muito a sério as suas manifestações de exaltação dos humildes, cujas consequências foram por vezes desastrosas. Basta que recordemos as insurreições populares, devidas à pregação quer de Thomas Müntzer (1489-1525) quer de Tommaso Campanella (1568-1639), nos séculos XVI e XVII. E já dois a três séculos antes, S. Francisco de Assis tivera difi culdade em proclamar como real valor cristão a pobreza que adoptava. O cristão da Idade Média acreditava plenamente na doutrina relativa aos fracos e desfavorecidos; por

isso viveu com a máxima exuberância as três festas de instituição eclesial que lhe foram consagradas: a Festa dos Santos Inocentes, a Festa do Burro e a Festa dos Loucos. De instituição cristã, estas festas eram presididas por uma autoridade hierárquica, segundo o modelo eclesial: um papa, um bispo, um abade. Ao bispo dos Inocentes, já atrás nos referimos. Quanto ao bispo dos Loucos, ele era um não louco, que aceitava fazer de chefe dos pseudo-Ioucos, durante as festividades.

7. Estas três festas realizavam-se nos últimos dias do ano e prolongavam-se até à Epifania, no dia 6 de Janeiro. Os últimos dias de Dezembro eram dias especialmente indicados para as homenagens aos simples e humildes, porque, neste mês, a 25, se celebra o nascimento de um deus feito menino, colocado numa manjedoura, tendo por companhia um burro, animal que, muito brevemente, o transportaria na fuga para o Egipto. É também neste mês, a 28, que se celebra a festa dos Santos Inocentes, em memória dos meninos assassinados por Herodes. Além disso, no dia anterior, dia 27, tinha-se celebrado a festa de S. João Baptista, o mais jovem dos apóstolos. Tudo girava à volta de inocência, fragilidade, juventude, humildade. Em breve o menino Deus se submeteria aos ritos da lei judaica, a circuncisão, comemorada no primeiro dia do ano; e,

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no dia 6, seria a Epifania, festa em que se comemoraria a manifestação da sabedoria divina, pela boca de um menino-deus, aos doutores da lei. Temos conhecimento da realização destas festas não só em França e Portugal mas também na Itália, na Alemanha, nos Países Baixos e na Inglaterra. No Elucidário de Sousa Viterbo, de fi ns do século XVIII, há uma longa notícia sobre o bispo dos loucos, em Portugal. Na Festa dos Loucos tudo se passa por forma absolutamente louca, tanto dentro como fora da igreja. Durante a celebração da missa cantava-se e dançava-se, jogava-se aos dados, comia-se sobre o altar, queimava-se um sapato velho para, com o fumo produzido, incensar a assistência. Eram jocosos os cantos, burlesca a homilia, obscenos os gestos. A mais tranquila destas três festas era ainda a Festa dos Santos Inocentes. No entanto, como as datas eram próximas, elas fundiam-se e confundiam-se, por vezes; e não é raro, num mesmo documento, falar-se de episcopus puerorum e episcopus stultorum, como se se tratasse de uma mesma pessoa. Também, no texto da missa do burro, há partes dedicadas aos loucos; portanto temos uma fusão de personagens e homenagens. Aliás, a associação do louco à criança está presente em estatutos e actos relativos à festa dos loucos, como, por exemplo, os de Dijon, que consultámos. Começa logo pela própria designação da companhia: Mère Folle ou Mère Folie; e os seus membros ou sócios são chamados “enfants” e “nourrissons”. Todo aquele que deseja ser membro da companhia “est inscrit au nombre des Enfants de notre très redoutable Dame et Mère». O conjunto dos membros é designado por “infanterie”, que nada tem a ver com o termo militar de infantaria, mas que deve aí signifi car “conjunto de crianças”. A organização desta confraria, formada por uma mãe e muitas crianças, parece-nos conter uma homenagem à criança, transformada em paródia. Digamos, a título de informação, que esta mãe era um homem, assim como os restantes membros, pois tais confrarias só integravam homens. Qualquer destas três festas foi, pois, instituída com a intenção de honrar a Deus na pessoa dos seus

mais humildes servos e sem o menor pressentimento de que, daí, pudesse vir desprestígio para a Igreja. Quando começaram as proibições, um professor da Universidade de Paris, pelo ano de 1420, queixava-se de um pregador de Auxerre, por este ter afi rmado publicamente que a Festa dos Loucos era tão aprovada por Deus como a festa da Imaculada Conceição.

8. Porém, como escreveu William Empson, em Seven Types of Ambiguity, toda a ideia nobre contém em si mesma a sua própria auto-paródia, grosseira e abjecta. Quer seja por necessidade de compensação, quer por desejo de desforra, o que é certo é que tudo tem a sua réplica: tal como a Deus se opõe o diabo e ao céu o inferno, assim também a demasiada gravidade tende para a paródia. A Idade Média é uma idade de contrastes, de contradições, de exageros, de extremos. Por isso, comportamentos demasiado controlados e comedidos, exigidos pelo carácter sério e grave de tudo o que diz respeito à fé, ao terror, ao sentimento de adoração, tendem a dar origem a divertimentos profanos, cujos ingredientes são a truculência, o espectacular, o cómico, o obsceno mesmo. Da reverência excessiva passa-se ao grotesco incrível; o que era culto torna-se farsa. A audácia triunfa sobre o temor, a astúcia sobre o recato, a libertinagem sobre a moderação. A força da disciplina cede à força da devassidão e é o mundo às avessas. Cansado da monotonia da ordem e do dever, o cristão descontrai-se e ri; e assim descarrega as energias de revolta acumuladas, resultantes do comedimento forçado de todos os dias. Ao promover a pobreza e a dor à categoria de valores, o cristianismo correu o risco de levar os fi éis a uma certa fé passiva e triste. Há o medo do inferno. Deus é severo; e o homem pecador, para alcançar o perdão, devia transformar a sua vida num rosário de penitências. Devia sofrer na terra para só depois gozar no céu. A mulher, ainda mais que o homem, devia viver em constante penitência, pois, segundo os padres da Igreja, ela era naturalmente má, enquanto que o homem tinha sido feito à imagem de Deus. Por ela, fi lha de Eva, havia o pecado entrado no mundo. Na sua obra De cultu feminarum, Tertuliano ordena à mulher

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que ande sempre vestida de luto e coberta de farrapos, em constantes penitências, mergulhada em lágrimas, para tentar lavar-se do pecado de ter causado a queda do género humano. O cristianismo era, pois, uma religião triste. Diziam os pregadores que Cristo nunca se havia rido. Por isso era pecado rir, era pecado divertir-se. Mas o género humano tem necessidade de expandir-se, para encontrar o seu equilíbrio tanto físico como psíquico. E daí vem a procura de uma compensação. O homem medieval tem uma sensibilidade à fl or da pele: chora facilmente, mas também ri facilmente. Sem policiamento fácil, sem controlo, como a criança.O homem medieval precisa de rir, gosta de rir e ri muito. Precisa de rir como de Deus. O homem medieval criou o teatro religioso no altar. Teatro-ensinamento, teatro-dou-trina, carregado de respeito à divindade. Mas foi também o homem medieval que criou a comédia, a partir das Moralidades: necessidade de desforra, procura de uma forma de escape ou de uma catarsis. O homem medieval, repetimos, precisa e gosta de rir, para se recuperar de uma certa sensação de alienação ideológica. Se, pela liturgia, o homem se elevava para a divindade, pela desconstrução desta, ele regressa abaixo do normal, do comum, do habitual na vida terrena. E todo o tabu é exposto à luz do dia, pelas formas mais audaciosas: as partes do corpo mais delicadas, as funções mais desagradáveis, as necessidades mais animalescas. Da transgressão do proibido ressalta o prazer das massas. O sexo e a gastronomia, tornados gesto, palavra e acto, são as principais fontes do riso para o homem de então. O homem medieval não tem propriamente a intenção de blasfemar, mas apenas a de divertir-se até ao extremo da audácia e do atrevimento. Mais que blasfémias são atitudes de irrespeito, sem ódio nem intenção de renegar. São o que poderíamos dizer brincadeiras de mau gosto. Não o vemos nestas festas, a proferir imprecações, injúrias ou insultos contra a divin-dade. Deus é o princípio e o fi m, o que premeia e castiga, mas é também o que perdoa; e o homem confi a na ilimitada capacidade divina de perdoar. Agora diverte-se, depois se arrependerá e fará penitência; além disso,

por umas poucas moedas se compram indulgências. Por isso, nestas festas, o homem ri. Primeiro um sorriso discreto, tímido, sorrateiro; um sorriso inocente, de felicidade condescendente. Depois descontrai-se e ri abertamente; um rir largo, dilatado, comunicativo. E passa à gargalhada ruidosa, interminável, de prazer. Tudo o que era recalcamento se descontrai. Liberto de peias e opressões, o homem ri descontrolado. É uma explosão impetuosa, que contagia, que ignora tudo o que possa ser moderação. Neste processo de gradação hilariante, o homem, não só ri efusivamente, como procura fazer rir sem constrangimentos, por todas as formas. Deste modo, o que era inicialmente um sorriso tolerante e complacente, ou um rir divertido, tornou-se descaradamente atrevido, provocatório, insultuoso até. Eis como da devoção alegre e prazenteira, apoiada pela Igreja, se passou a uma paródia descarada e excessiva. Na solenidade do burro, cantava-se em latim, como habitualmente; porém, o intróito, os quíries, o glória e o credo terminavam com uma modulação que sugeria o zurrar do burro.

Segundo se indica no texto do Ofício, hac modulatione Hinham concludebantur. E, ao ite missa est, novamente se repetia hiham três vezes.Em França, o burro é chamado, por ironia, o rouxinol da Arcádia. Quem não riria, ao responder ao “ite, missa

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est” com três dísticos de zurro?! Nem o respeito pelas coisas divinas, por maior que fosse, nem a boa intenção de homenagear os eleitos de Cristo conseguiriam manter a gravidade exigida durante os actos litúrgicos. As pessoas riam loucamente, a indisciplina lavrava no interior da igreja e prolongava-se em desordem para o exterior, estendendo-se pelas ruas da cidade. 9. Ao incorporar no religioso condescendente o profano depravado, a festa dos inocentes perdeu a sua inocência. A devota homenagem aos fracos, humildes e irresponsáveis, fundada numa subversão de valores, assiste a uma inversão das hierarquias e das regras. A Igreja, que pretendia apenas tornar leve e suave o dogmatismo religioso, assiste a uma deriva que não pode mais controlar: um abolir de barreiras entre religioso e profano que torna a pretendida reparação dos fracos irreverência e caricatura; o que era inocente passa a um grotesco injurioso e ridículo. Sucedem-se os distúrbios, acumulam-se nos tribunais, aos milhares, os processos de crimes e delitos, cometidos nos dias destas festas. Assustada, a Igreja proíbe, ameaça, aplica sanções. A paródia já não é reacção benéfi ca a um comportamento demasiado controlado. É abominação; e contra esta abominação se vão manifestar os bispos em todos os sínodos e concílios durante uns dois séculos ou mais (desde 1382, em Lille, até 1577, em Lyon). Estava demasiado enraizado na alma do povo o gosto por estas festas; e foi muito difícil acabar com tais abusos, os quais continuaram a ser praticados, aqui e acolá, até ao século XVIII. Depois das muitas condenações, a Festa dos Santos Inocentes despojou-se de tudo quanto era paródia e foi recuperada pela Igreja, tendo conservado apenas o seu lado litúrgico. A Festa do Burro, talvez por ser a mais discordante e incompatível com a gravidade religiosa, foi pura e simplesmente banida. Nem dentro da igreja, nem fora dela, não mais se ouviu falar desta festa. A humildade asinina não teve peso sufi ciente para se impor à ternura clerical. Quanto à Festa dos Loucos, ela foi a que provou ter maior capacidade de resistência e imposição.

Tendo-se os seus adeptos organizado por toda a França, em confrarias e associações, a festa dos loucos está ligada à origem do teatro cómico francês. É que essas confrarias e associações podem afi nal ser consideradas as primeiras companhias de teatro, uma vez que tinham a seu cargo a organização de espectáculos dramáticos.

E onde está, no meio disto tudo, o menino imperador? O imperador-menino das festas do Espírito Santo nos Açores e no Brasil, é, segundo pensamos, uma reminiscência vaga de épocas conturbadas de exaltação mística e de excessos parodísticos. Festa dos Santos Inocentes, Festa do Burro, Festa dos Loucos, eis a sucessão de manifestações que terão conduzido ao actual imperador-menino. Ele é a resultante de um longo peregrinar de contrários. Ele é a síntese de um deambular de comedimentos e excessos de um movimento de devoção, sério e grave, volvido em seu oposto, feito de grotesco e galhofeiro. Ao vê-lo, quem intuirá hoje do simbolismo da sua presença? Quem o associará à exaltação cristã dos débeis e dos fracos? Ao mistério de um Deus feito menino? Produto da convergência de duas tendências opostas existentes no homem, a da religiosidade e a da extravagância, o imperador-menino é hoje uma fi gura reabilitada, sem dúvida, mas uma fi gura apagada, como que destituída do seu signifi cado inicial. Despojado da grandeza efémera do bispo-menino, e da hilaridade obscena do bispo dos loucos, o imperador-menino cobre-se actualmente de uma discrição silenciosa que contrasta vivamente com a exuberância fulgurante que exibiu em épocas passadas.

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116 “MEUS VERSOS SOB A ALMOFADA”

Ilda Maria*

Meus versos sob a almofada Que guardo como um tesouroMeus versos são todo o ouroDesde que fiquei sem nada!Palpitam dentro de mimE jorram pl’a minha fronte. Meu coração é sem fim Enquanto tiver que conte Meus versos sob a almofada Que guardo como um tesouro, Pois que não tenho mais nada! Meus versos são o meu ouroSob o meu pensar repousam Vigilantes a meus sonhos! Meus versos que me não ousam Mostrar meus fados medonhos Meditam adormecidos,Embalados, que me embalamMeus sonhos acontecidos,Calados, que tanto falam!Meus versos sob a almofada Que guardo como um tesouro Desde que fiquei sem nada, Meus versos são o meu ouro Que guardo sob a almofada.

* Poeta.Faleceu em 20/07/1981

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EFEMÉRIDES

Silêncio...

O Jantar Convívio com o Professor Doutor Serafi m Guimarães foi anunciado no Jornal Correio da Feira de 04/10/08 nos seguintes termos: “A Santa Casa da Misericórdia de Santa Maria da Feira, a Fundação Comendador Joaquim de Sá Couto, o Clube Feirense Associação Cultural, a Comissão de Vigilância do Castelo de Santa Maria da Feira e a Liga dos Amigos da Feira vão promover um convívio, que se realizará no próximo dia 30, pelas 19h30, no Restaurante Cruzeiro, em Fornos. O Senhor Professor Doutor Daniel Filipe de Lima Moura proferirá uma palestra. Os interessados em participarem neste jantar convívio deverão inscrever-se através dos seguintes números de telefone: 965 301 162, 964 700 064 e 256 379 604”. Após o jantar e a cerimónia de Homenagem seguiu-se um convívio em que o Fado e a Balada de Coimbra foram interpretados por três grupos:

GRUPO DE COIMBRA EM LISBOA a) António Toscano – Viola b) Carlos Couceiro e Luís Ribeiro da Silva – Guitarra viola c) Luís Góis e Carlos Carranca – Voz

ECOS DE COIMBRA

a) Abel Couto e Joaquim Ramos – Guitarra b) Valdemiro Brandão – Viola c) Augusto Cardoso e Camilo Baptista – Voz

CANTO DA SAÚDADE

a) Luís Carvalho e Silva Fernandes – Guitarra b) Nogueira da Silva e Nuno Ferreira – Viola c) Domingos Silva e Francisco Trindade – Voz

Escutem: ecoam ainda nos nossos ouvidos os momentos de beleza, luz, som, silêncio, que vivemos.

Executivo LAF

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Para recordar arquivamos algumas imagens:

GRUPO DE COIMBRA EM LISBOA

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ECOS DE COIMBRA

CANTO DA SAUDADE

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Gostaríamos de aqui registar todos aqueles que se associaram à Homenagem, porém fi xamos apenas alguns instantes dessa noite maravilhosa.

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Orlando da Silva - Valdemar Vidal - Miguel Ferraz - Domingos Leite - Joaquim Carneiro - Orlando Oliveira - Serafi m Guimarães - Daniel Filipe de Moura - Alfredo Henriques - Ludgero Marques - José Guimarães dos Santos - Celestino Portela - Artur Brandão - Roberto Carlos e Carlos Maia.

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126 NA MAGIA DO SILÊNCIO

Judite Lopes* Aprendi a calar o prazerdos gritos da noite quedaem voos solitáriose gestos ocultosnum sopro de alma.No mar alto dos sentidoscrepitam fragrâncias de lumeem passeios de silêncioe os pensamentos de asas frouxassão poetas loucos na madrugadaperdidos no deambular de emoções,nas horas paridas pelo tempoque arrasta a noite serenacaída às avessasno cenário de aguarelaem que me deito.

* Licenciada em Animação Sociocultural. Autora do livro de poemas “Vislumbres”.

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127MOMBAÇA

Joaquim Máximo*

Decorria a segunda quinzena do mês de Agosto do ano de 1997. Aquele jipe de safari rodava, em direcção a Mombaça, pela estrada de terra batida que corre paralelamente à fronteira do Quénia com a Tanzânia, a cerca de 90 quilómetros ao norte dessa fronteira. “Safari” é uma palavra da língua swahili que signifi ca “viagem”. O jipe vinha de Taveta, cidade fronteiriça entre aqueles dois países da África Equatorial Oriental. Além do guia motorista, africano, havia no jipe oito viajantes europeus. Havia o Quim, que sou eu. Havia a Milice, que é a mulher do Quim. Havia o António, que é amigo do Quim. Havia a Maria Adelaide, que é a mulher do António. Havia o Alain, biólogo, com morada em Versailles, que trabalhava num departamento de investigação de engenharia genética, especialista em conseguir ervilhas com o melhor sabor, o maior tamanho, a melhor cor verde, a maior resistência às pragas, a maior capacidade de reprodução e com o menor custo possível. Havia a Chantal, mulher do Alain, que parecia um homem e que falava tão pouco que eu

fi quei sem saber quais eram as suas ocupações, além de ser a mulher do Alain. Havia a Danielle, enfermeira no sul de França, conhecedora profunda da África. Tinha vivido dois anos em Djibuti. Tinha atravessado, de lado a lado, a selva tropical congolesa onde tinha comido lagartas com os pigmeus. Tinha estado com os gorilas dos montes Virunga com quem tinha comido folhas de árvores e tenras hastes de bambu. Tinha atravessado o lago Vitória, depois do que atravessou o Serengueti, etc. Finalmente, havia a Sara, rapariguita de 9 anos, fi lha da Danielle e que tinha um entusiasmo indescritível por animais africanos, nomeadamente pelas girafas, que desenhava quase todas as noites depois do jantar. Com o par de dias que passaríamos em Mombaça terminaria a nossa maravilhosa e inesquecível viagem à África Equatorial Oriental, organizada pela companhia francesa de viagens “Nouvelles Frontières”, depois de termos visitado, no Quénia, o Parque Nacional Tsavo, o Parque Nacional Amboseli, a cidade de Nairobi, o vale do Rift, o Lago Nakuru e a Reserva Nacional MasaiMara e, na Tanzânia, a Área de Conservação do Ngorongoro, o Parque Nacional do Serengueti, a Estação Arqueológica de Olduvai e o Parque Nacional do Lago Manyara. Quando chegámos ao hotel, onde fi caríamos alojados, já aí tinham chegado os outros 16 viajantes do

* Joaquim Máximo de Melo e Albuquerque de Moura Relvas, nasceu em Coimbra e reside em Vila Nova de Gaia. Tem o curso de Engenharia Electrónica da Universidade do Porto. Exerceu a actividade profi ssional na Administração Geral dos CTT e obteve a especialidade de Instalações Exteriores de Transmissão; União Eléctrica Portuguesa, integrada depois na EDP; Professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, como Professor Associado; Colégio de Gaia onde leccionou disciplinas relacionadas com a Electrónica Digital. Faz parte da Direcção da revista Politécnica. É membro da Ordem dos Engenheiros da “American Association for the Advancement of Science”, da “New Iork Academy of Sciences” e da “Planetary Society”.

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grupo, que, durante o “safari”, tinham viajado noutros dois jipes. O hotel, situado junto à estrada que vai de Mombaça a Melinde, é muito grande e maior ainda é o seu maravilhoso jardim, com muitas palmeiras, que se estende, descendo em plataformas, desde os edifícios principais até à praia. Nos jardins situa-se uma belíssima piscina, junto aos edifícios dos quartos de dormir, com um bar num recinto anexo, que abre todas as noites para servir bebidas e música suave africana. Há outra boa piscina, também nos jardins, mas junto ao mar. O acesso à praia faz-se por uma escadaria de pedra que vem do jardim. A praia, embora com muitos sargaços, tem

uma areia limpa e muito fi na. Há por lá uma razoável quantidade de vendedores de artigos africanos aos quais, para sossego dos turistas, não é concedida a entrada nos recintos do hotel. Como chegámos ao hotel relativamente cedo, como não estava nada programado para esse dia e como as águas do Índico estavam quentes e calmas como se fossem as águas de um lago, muita gente do nosso grupo de 24 viajantes aproveitou o resto da tarde para ir até à praia e tomar um bom banho de mar. Nós também. Mas o António e a Maria Adelaide preferiram dar um passeio pelo jardim. Antes do jantar combinámos com a Maria Adelaide a com o António que, na manhã do dia seguinte, faríamos uma visita a Mombaça. Resolvemos que faríamos a visita de táxi. Dirigimo-nos então à recepção do hotel que tratou de combinar essa visita com um taxista que apresentava um preço relativamente económico. E fi cou combinado que partiríamos cedo. Depois do jantar daquele dia de Agosto resolvemos, com a Maria Adelaide a com o António, sentarmo-nos, antes de nos irmos deitar, numa das mesas do bar da piscina para tomar aí uma bebida. Estava uma maravilhosa noite tropical, com a temperatura muito amena. E, das instalações sonoras do bar, vinha um som suave de canções africanas. Uma das que ouvíamos chamava-se Lala Salama, par de palavras swahili que signifi ca “Boa Noite”. Foi um dos tais serões que é difícil de esquecer. Na manhã do dia 28 de Agosto, depois do pequeno-almoço, que tomámos muito cedo, chegou o táxi que nos levou, aos quatro, até Mombaça e que nos traria de regresso depois de nos ter transportado toda a manhã, durante a visita. Mombaça, que se situa numa ilha, existe há mais tempo do que aquele que alguém possa alguma vez imaginar. Algumas versões da sua história garantem que já existia no ano 500 antes de Cristo. Navegadores fenícios, viajando ao longo da costa africana ao serviço do Faraó do Egipto, estabeleceram um porto costeiro no local correspondente à Ilha de Mombaça actual. Os gregos aperceberam-se do seu potencial como centro de negócios, nos dois séculos anteriores a Cristo e os árabes foram até lá no século IX para explorar esse potencial.

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Pangaios, que são pequenas embarcações asiáticas, trazidas pelas monções nordestinas sopradas do Golfo Pérsico através do Oceano Índico, navegaram ao longo da costa ocidental africana procurando uma abertura de abrigo nos traiçoeiros recifes costeiros. O abrigo mais navegável situava-se em Mombaça, o que tornava a cidade um íman natural para os árabes, persas, turcos, índios, portugueses a ingleses. Todos eles deixaram a sua marca na cidade. A ilha-cidade, ligada à estrada para Nairobi por uma calçada, ao continente do lado norte por uma ponte, e ao continente do lado sul por um serviço de ferry é, na sua arquitectura, inevitavelmente, mais asiática que africana. Mas o seu povo, uma mistura swahili de excelente árabe e brando africano, constitui o simpático resultado de um casamento histórico entre duas raças. Encontra-se nele o mais jovial dos espíritos difi cilmente perturbável. Mas isto constitui um comportamento adquirido depois de séculos de luta contra um inimigo estrangeiro, absorvendo-o e prosseguindo na luta contra o seguinte. Quando o explorador português Vasco da Gama chegou a Mombaça em 1498, o povo acolheu-o friamente. O Vasco teve então de prosseguir viagem, rumo a Melinde, navegando ao longo da costa. Foram necessários 100 anos de repetidos assaltos à ilha, bem defendida, até que os portugueses pudessem estabelecer um posto, para o comércio do Oceano Índico para lá dos rochedos de coral do Forte Jesus. Naquela época os portugueses atacaram, sitiaram, saquearam e destruíram a Mombaça Medieval. E, assim, o que dela se vê hoje data essencialmente do século XIX, com excepção do que resta do Forte Jesus. A primeira paragem que o nosso motorista fez em Mombaça foi junto daquilo a que se pode chamar ironicamente uma “fábrica de artesanato africano”, com o fi m de a visitarmos. Foi o que fi zemos. Visitámos todas as “unidades de produção” desde a da serração de bela madeira africana até à do acabamento de diversas esculturas e outros objectos, passando por várias outras, entre as quais se destacava a do torneamento automático de diversas peças. Males do progresso. Todas as instalações estavam cheias de turistas estrangeiros que faziam numerosas compras. Aliás estou convencido

que foi para isso mesmo que o nosso motorista nos levou lá. Mas nada comprámos. E lá fi cou o homem sem a percentagem, por nossa causa. Coitado! Mas não se importou. A segunda paragem que fi zemos foi na avenida Moi, muito perto do famoso double arch, constituído por quatro enormes dentes de elefante, feitos de metal pintado de branco, que simbolizam a fonte das venturas e desventuras de Mombaça. Ali muito perto havia um templo, lain, ao qual fi zemos apenas uma visita rápida, por não ter interesse. Da Avenida Moi, e a nosso pedido, o motorista dirigiu-se para o Forte Jesus. Para evitar aborrecimentos, a primeira coisa que fi zemos, depois de comprar os bilhetes de entrada, foi perguntar a um guarda se se podia fi lmar e fotografar. Disse logo que não havia nisso qualquer inconveniente e perguntou-nos donde éramos. Quando lhe dissemos que éramos portugueses disse com um grande sorriso: – Entrem, entrem! Estão na vossa casa!Logo no início da visita ao Forte Jesus pudemos ver uma placa, oferecida aos Museus Nacionais do Quénia, pela Embaixada do Sultanato de Oman. Noutra placa pode ler-se a versão inglesa da inscrição portuguesa que se encontra por cima do portão exterior. A inscrição portuguesa é difícil de ler. Mas, a partir da versão inglesa, pode concluir-se que a inscrição portuguesa teria, aproximadamente, o seguinte texto:

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“Em 1635, Francisco de Seixas de Cabriene, de vinte e sete anos de idade, foi nomeado para exercer, durante quatro anos, o cargo de Capitão deste Forte, que reconstruiu e ao qual acrescentou esta sala de guardas. Fez súbditos de Sua Majestade as gentes desta costa que, sob o seu tirano rei, tinham estado em rebelião. Obrigou os Reis de Otondo, Manda, Luziwa e Jaca a serem tributários de Sua Majestade. Infl igiu, ele próprio, punição sobre Pate e Siyu, o que era inesperado na Índia, punição que incluiu a destruição das próprias paredes. Castigou os Mussungulos e puniu Pemba, onde, sob a sua própria responsabilidade, foram executados os governadores rebeldes e todos os cidadãos que eram líderes rebeldes. Obrigou a que pagassem tributo a Sua Majestade todos os que tinham recusado pagá-lo. Por estes serviços foi feito Cavaleiro da Casa Real depois de já lhe ter sido dado, por outros serviços, o hábito da Ordem de Cristo e uma gratifi cação anual de cinquenta mil reis e ainda a governança de Japnapatan por seis anos e a de Belgão por quatro anos, com o direito de fazer todas as nomeações durante a sua vida e válidas depois da sua morte. Durante a vice-realeza de Pedro da Silva, no ano de Nosso Senhor de 1639”. Estrategicamente colocado a sudeste do Porto de Mombaça, e construído sobre um sólido recife de coral, o Forte Jesus tem muralhas com vários metros de espessura. A estrutura que hoje se vê é praticamente a mesma que foi projectada, em 1593, pelo arquitecto italiano Giovanni Battista Cairato, que incluía casernas, capela, cisterna e poço de água, sala da guarda, aposentos para o padre e governador e armazém da pólvora. A história do Forte Jesus, cujo resumo em português consta num folheto que nos foi fornecido gratuitamente, é bastante atribulada. Em 1498 os portugueses alcançam Mombaça, mas continuam a navegar até Melinde. Em 1589 os turcos constroem uma pequena fortaleza em Mombaça. Em 1593 os portugueses abandonam Melinde e começam a construir o Forte de Jesus. Em 1631 o Sultão de Mombaça mata o capitão português e apodera-se do Forte. Em 1632 os portugueses tentam, sem sucesso; reconquistar o

Forte; o Sultão perde o poder e rende-se; os portugueses reocupam o Forte. Em 1661 o Sultão de Oman saqueia Mombaça, mas não se atreve a atacar o Forte. Em 1696 o Sultão de Oman lança cerco ao Forte. Em 1697 a guarnição portuguesa começa a morrer à fome e é devastada pela peste. Em 1698 o Forte cai em poder dos árabes de Oman após dois anos e nove meses de cerco. Em 1728 a guarnição amotina-se contra os árabes e os portugueses retomam o Forte. Em 1729 os árabes Omanis reconquistam o Forte e os portugueses partem de vez. Em 1741 o governador omani do Forte al-Mazrui, declara independência. Em 1746 al-Mazrui é assassinado por omanis; o seu irmão mata os assassinos e torna-se governador Em 1824 o governador al-Mazrui procura protecção britânica. Em 1826 é retirada ao governador a protecção concedida pelo governo britânico. Em 1828 o Sultão de Oman e Zanzibar, Sayyid Said, reconquista o Forte. Em 1829 as forças de al-Mazrui subjugam pela fome a guarnição do Sultão. Em 1833 as forças de al-Mazrui no Forte são bombardeadas pelo Sultão. Em 1837 o último governador de al-Mazrui rende-se ao sultão. Em 1875 o Forte é bombardeado por navios britânicos para dominar um motim desencadeado por al-Akida. Desde 1895 até 1958 o Forte é utilizado como prisão governamental. Durante a visita ao Forte vêem-se muitas coisas com interesse: canhões aqui, balas de canhão ali, um pequeno museu com muita cerâmica, e até o esqueleto de um marinheiro português, num caixão com uma tampa de vidro, situado debaixo de um pequeno telheiro. E, olhando pelas aberturas da muralha destinadas à saída das balas dos canhões do Forte, podem admirar-se belas vistas do Porto de Mombaça. E, como este porto fi ca muito perto do Forte, depois de termos terminado a visita a este passámos por lá para ver como era. A parte mais fascinante de Mombaça é a chamada “cidade velha” que, em língua inglesa, tem a designação de old town. A cidade velha situa-se ao norte do Forte Jesus e começa logo a seguir a este forte. Compreende as mesquitas, as lojas e tendas de mercadores de sedas, especiarias e perfumes, lojas de ourives, gravadores de chifres e de marfi m, todos muito

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enérgicos e activos, mas com maneiras extremamente amáveis. O ambiente é especialmente animado no Mercado de Mackinnon (Mackinnon’s Market), nome colonial que parece resistir ao novo título ofi cial Mercado Municipal” (Municipal market) Foi na old town que se nos deparou uma curiosíssima loja de antiguidades, com o nome Gallery Safi na, pintado, com letras brancas, sobre um pequeno arco de lona verde que encimava a porta de entrada. A Milice e a Maria Adelaide, que muito apreciam as antiguidades, logo quiseram aí entrar. E então entrámos. Tanto uma como a outra se detiveram na apreciação do que parecia uma bela travessa da Companhia das Índias. Mas devia tratar-se de uma imitação, porque o preço de 100 dólares, pedido pelo dono da loja, nos pareceu demasiado baixo para uma travessa autêntica. Encontrávamo-nos já junto à porta para saída, com a Milice a hesitar “compra, não compra” quando, inesperadamente, fomos abordados por um homem novo, de tez escura, que nos informou com um tom de voz confi dencial: – Aquela travessa é falsa! Na loja do meu tio há uma igual, com o mesmo preço, mas que é autêntica! E, ao ver a nossa hesitação, logo esclareceu: – Venham comigo! Sim, porque eu não sou preto, sou árabe, sou bom rapaz! Então fi quei admirado com o atrevimento daquela criatura, ao falar assim dos negros, quando, naquela ocasião, mesmo ali perto, junto da cidade de Mombaça, a polícia queniana disparava contra elementos árabes rebeldes e efectuava algumas detenções. Disse-lhe então: – Não podemos ir, porque o nosso hotel fi ca fora de Mombaça e não queremos chegar atrasados ao almoço. A esta minha explicação logo respondeu: – Mas a loja do meu tio é muito perto daqui! Fica logo ali adiante! Então, dada a curiosidade que a Milice e a Maria Adelaide tinham em ver a travessa “autêntica”, resolvemos acompanhá-lo. Mas a loja do tio não era “logo ali adiante”. Andámos, andámos e andámos, seguindo por ruelas e ruazinhas estreitas, sob o calor do sol tropical do meio-dia, que me fazia sentir cansado e me fazia transpirar por todos os poros. Então, vendo que

a Milice começava a fi car preocupada a meu respeito, aproveitei para lhe dizer: – Olhe aí! Seja perto ou seja longe, eu vou voltar para trás! – Mas você não sabe o caminho! – respondeu. E então eu esclareci-o: – Eu lembro-me muito bem do caminho por onde viemos ao que ele logo retorquiu: – Ah! Mas é muito perigoso ir por aí! – disse. – Porquê? – perguntei eu. – Porque é um caminho cheio de bandidos – esclareceu. Foi então que perdi a paciência e exclamei: – Então é um caminho cheio de bandidos e você trouxe-nos por lá? – Mas ele logo se justifi cou: – É que eles conhecem-me e nunca fazem mal a quem acompanha cá o rapaz! – Então, já sem paciência nenhuma, respondi-lhe: – Olhe aí! Eu conheço muito bem o caminho de volta e não tenho medo nenhum de bandidos! Vou voltar para trás para junto do táxi! – Não pode! – esclareceu. – Posso saber porquê? – perguntei eu. – Porque não vai lá encontrar táxi nenhum! É que dei ordem ao motorista para seguir com ele para junto da loja do meu tio! O atrevimento daquele malandro deixou-nos sem a capacidade para dar mais qualquer resposta. Sem o nosso consentimento e sem nos ter dado qualquer satisfação, ele tinha disposto do táxi como se o motorista estivesse ao serviço dele. “Sim, porque ele não era preto, era árabe, era bom rapaz!”. Sem sabermos onde estava o táxi não tivemos outra solução que não fosse a de o acompanhar. Ao chegarmos à loja do tio, cansados, cheios de calor e a transpirar em bica, logo verifi cámos que a travessa do tio era ainda mais falsa e ainda mais cara que a primeira que tínhamos visto. Então, como vimos o nosso táxi ali perto, logo nos raspámos dali para dentro dele e dissemos ao motorista para seguir logo para o nosso hotel. Apesar do tempo que perdemos com aquele maldito árabe, ainda chegámos ao hotel a tempo de almoçar e de descansar um pouco depois do almoço. Já passava do meio da tarde quando resolvemos tomar

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um último banho de mar. Ao chegarmos à praia tivemos conhecimento que mais nenhum dos outros elementos do grupo tinha saído naquele dia. E encontravam-se praticamente todos ali, desde a manhã, quer na piscina junto à praia, quer na própria praia, gozando os ares do Oceano Índico. Com o cair do dia tudo se foi recolhendo para os edifícios do hotel. E nós também. Jantámos os quatro na mesma mesa, depois do que resolvemos ir até uma das mesas do bar da piscina. E aí, ao mesmo tempo que tomávamos uma bebida de despedida e gozávamos a tranquilidade de mais uma noite tropical, recordámos, já a sentir saudade, todos os momentos que passámos juntos apreciando as dádivas que a caprichosa África Equatorial Oriental nos tinha oferecido. No dia seguinte foi o regresso e, com ele, o fi m de todos aqueles bons momentos.

Terminamos estas recordações com o soneto seguinte.

Adeus África

Adeus África onde há milhões de anosUm Ramapitecus das árvores desceu,Deixando a fl oresta onde tudo era seuPara entrar na savana dos desenganos

E foste tu ó Homo que dele descendesQue, quando foste Habilis e depois Erectus,Mataste o teu primo, o AustralopitecusE continuas matando e não te arrependes.

E agora que és Sapiens ainda matas maisVê lá bem ó Homo por que caminho vaisDestruindo a Terra que é o teu Paraíso

Matas outros Homo, destróis as fl orestas.Matas animais considerando-os bestas.Afi nal tu és Sapiens, ou coisa sem siso?

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133MEDITAÇÃO SOBRE A PINTURA DE FRANCISCO LARANJO

António Rebordão Navarro*

Talvez as nuvens passem, voem pétalas, folhas, corram ventos, recordações, ondas e reflexos, asas, fiquem rastros, sinais, chamas que não cessam, gestos que se fixam. Talvez o tempo corra nos relógios ou deixe entre sombras, sonhos, vendavais, sóis nascentes, porventura pássaros, essa radiosa juventude que os deuses raramente concedem e não morre com a morte. Talvez exista, entre as formas, a brisa, um aroma ou um grito. Talvez, sob ou sobre as linhas, se escute um clamor, um clarim, um som festivo. Talvez, nos diferentes graus de luz, espaços se dividam, se separem, se transformem, criem outros. Talvez os gestos se suspendam, flutuem, progridam. Talvez a alegria rompa as margens, talvez a tristeza se concentre em seus espessos véus; Talvez as coisas e os seres percam os seus contornos e se superem em essência ou em símbolo. Talvez se juntem ou afastem em caprichosos ritmos... e no silêncio, onde também se geram as palavras, ergue-se a Pintura.

* Escritor

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134 Postais do Concelho da FeiraPostais Ilustrados

Ceomar Tranquilo*

* Caminheiro por feiras, lojas e mercados.

48 – Caldas de S. JorgeAvenida Central das Termas

48 A – Reverso do mesmo postal 8 de Julho de 1920 circulado para Estarreja, selos Ceres, 1c. castanho e 20 amarelo. “Tenho dado lindos passeios com umas meninas de Espinho e de Gaia”

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49 – Caldas de S. Jorge - Vista parcial.

49 A – Reverso do mesmo postal. 25-6-1920. Circulado para Melres. Três selos Ceres de 1c. castanho.

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50 – Caldas de S. Jorge - Ponte sobre o rio.

50 A – Reverso do mesmo postal. 7 de Junho 1922. Circulado para o Porto Selo Ceres de 6 c. rosa.“por aqui sempre a mesma coisa e com chuva um pouco aborrecido”.

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51 – Caldas de S. Jorge - Edifícios das Thermas.

51 A – Reverso do mesmo postal. 14 de Setembro de 1920. Circulado para Albergaria-a-Velha. Selo Ceres de 4 c. Verde amarelo.“Vou-te participar de que estou obtendo muitas melhoras nestas deliciosas Thermas”.

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Lojas de venda de calçadodirectamente da fábrica ao público

Santa Maria da FeiraPinhelLordelo/GuimarãesPóvoa de VarzimViseu

Rohde - Sociedade Industrial de Calçado Luso - Alemã, Lda.

Lugar do CavacoSanta Maria da Feira

Apartado 114524-909 FeiraPortugal

Tel. 00 351 256 377 000Fax. 00 351 256 377 008E-mail: [email protected]

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