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EDITORIAL Você é tão inteligente! Por que não estudou medicina? Michelle Tellez 1 Você é tão inteligente! Por que não estudou medicina? Cada enfermeiro treme quando isso lhe é perguntado. A ideia é elogiar, porém, na verdade, é um insulto. A frase insinua que, apesar de você ser inteligente, escolheu mal. A pessoa que lhe pergunta isso, na verdade, sente dó por você não estar alcançando todo seu potencial. Aos olhos das pessoas, ser enfermeiro requer dedicação e abnegação, não intelecto (1) . Isto acontece também nos Estados Uni- dos, um lugar onde os Enfermeiros foram o grupo profissional mais respeitado por várias décadas (2) . O respeito e a admiração, claramente, não se traduzem em poder e liderança. Para aumentar o poder e a liderança da Enfermagem nos ambientes hospitalares, os enfermeiros devem aumentar seu nível de educação e falar sobre o trabalho que realizam (1) . O baixo índice de entrosamento entre os funcionários do hospital é prejudicial à profissão e ao paciente. En- fermeiros com com um nível educacional mais elevado mostram-se mais satisfeitos no trabalho e permanecem no emprego por mais tempo (3) . Prestam um atendimento de maior qualidade e segurança, reduzindo as taxas de morta- lidade e de lesões iatrogênicas (4) . A Enfermagem é uma profissão que se relaciona com todas as profissões da área da saúde. No hospital, somos os olhos e os ouvidos da equipe multidisciplinar porque passamos muito tempo com os pacientes. Também somos a voz da equipe de saúde porque comunicamos e traduzimos informações entre os profissionais e entre os profissio- nais da saúde e os pacientes. Para traduzir o que vemos e ouvimos e falar fluentemente tantos idiomas, os enfermei- ros precisam ter uma educação sólida. As políticas que encorajam os enfermeiros a continuar seus estudos são urgentes e de alta prioridade (5) . O número de enfermeiros com nível superior é relativamente pequeno no conjunto de trabalhadores de Enfermagem do País. Os estudantes de Enfermagem aprendem psicologia, aconselhamento, gestão de crise e mudança comportamen- tal para manejar situações de crise. Dessa forma, podem ser compreensivos e eficazes ao mesmo tempo Em 70 anos de existência, a Escola de Enfermagem da USP formou enfermeiras, mestres e doutores. É pioneira no Programa de Doutorado Internacional de Enfermagem junto à Pontifícia Universidade Católica do Chile. Dez alu- nos começaram as aulas em São Paulo em 2012. A Enfermagem é geralmente definida como a ciência do cuidado, simbolizada pela imagem de uma enfermeira sorridente e um paciente idoso de mãos dadas. A mensagem é: Nós cuidamos, por isso podemos estar presentes em momentos de dor e vulnerabilidade. Temos a força do caráter, então, pode confiar em nós. Descrevemos o trabalho que fazemos em termos de amor e abnegação, fazendo da enfermagem uma lide pessoal e não uma profissão. O conceito de superioridade moral foi importante em nossa história. As mulheres não podiam trabalhar fora a me- nos que o trabalho tivesse uma natureza virtuosa. Hoje em dia, esse tipo de caracterização é incorreto e prejudicial à profissão. Desvaloriza a educação e o treinamento requerido para se tornar uma enfermeira profissional e ignora quatro décadas de pesquisa na área. Ao invés de apresentar o que fazemos como obra de Deus, os enfermeiros precisam desenvolver a agency na nossa comunicação, ou seja, a capacidade demonstrável de agir ou de exercer poder (1) . Os enfermeiros fazem um trabalho que exige conhecimento, habilidade e educação continuada. Nós devemos ar- ticular esses pontos. Os médicos focam o diagnóstico, os farmacêuticos, os medicamentos, os assistentes sociais, as questões psicossociais. Os enfermeiros lidam com todas essas questões e também são responsáveis pela gestão dos sintomas e pela educação do paciente. É importante ser gentil e atencioso, mas não é o suficiente. Posso estar presente com alguém em crise não porque sou uma boa pessoa, mas porque sou uma profissional altamente qualificada. Posso ouvir, observar, ajudar física e psicologicamente os pacientes e suas famílias em um ambiente de trabalho estressante com uma precisão estratégica. Em momentos de crise, posso avaliar, diagnosticar problemas ou possíveis riscos. Posso estabelecer objetivos específicos, mensuráveis e oportunos e descobrir quais as intervenções que preciso adotar para ajudar o paciente a obter o resultado esperado. Sou extremamente analítica, assim, avalio minhas ações e exploro novos caminhos. Devemos poder descrever o que fazemos de tal modo que demonstremos a nossa educação, nossas competências e nossa habilidade de exercer o poder. Como o ambiente hospitalar muda, a segurança do paciente depende de nossa habilidade de liderança. Você pode dizer exatamente o que fez hoje? 1 RN. MS. PhD. Gerenciamento de Enfermagem da Universidade da Califórnia - São Francisco. São Francisco, CA, USA. [email protected]

Você é Tão Inteligente! Por Que Não Estudou Medicina

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    L Voc to inteligente! Por que no estudou medicina?Michelle Tellez1

    Voc to inteligente! Por que no estudou medicina? Cada enfermeiro treme quando isso lhe perguntado. A ideia elogiar, porm, na verdade, um insulto. A frase insinua que, apesar de voc ser inteligente, escolheu mal. A pessoa que lhe pergunta isso, na verdade, sente d por voc no estar alcanando todo seu potencial. Aos olhos das pessoas, ser enfermeiro requer dedicao e abnegao, no intelecto(1). Isto acontece tambm nos Estados Uni-dos, um lugar onde os Enfermeiros foram o grupo profi ssional mais respeitado por vrias dcadas(2). O respeito e a admirao, claramente, no se traduzem em poder e liderana. Para aumentar o poder e a liderana da Enfermagem nos ambientes hospitalares, os enfermeiros devem aumentar seu nvel de educao e falar sobre o trabalho que realizam(1).

    O baixo ndice de entrosamento entre os funcionrios do hospital prejudicial profi sso e ao paciente. En-fermeiros com com um nvel educacional mais elevado mostram-se mais satisfeitos no trabalho e permanecem no emprego por mais tempo(3). Prestam um atendimento de maior qualidade e segurana, reduzindo as taxas de morta-lidade e de leses iatrognicas(4).

    A Enfermagem uma profi sso que se relaciona com todas as profi sses da rea da sade. No hospital, somos os olhos e os ouvidos da equipe multidisciplinar porque passamos muito tempo com os pacientes. Tambm somos a voz da equipe de sade porque comunicamos e traduzimos informaes entre os profi ssionais e entre os profi ssio-nais da sade e os pacientes. Para traduzir o que vemos e ouvimos e falar fl uentemente tantos idiomas, os enfermei-ros precisam ter uma educao slida.

    As polticas que encorajam os enfermeiros a continuar seus estudos so urgentes e de alta prioridade(5). O nmero de enfermeiros com nvel superior relativamente pequeno no conjunto de trabalhadores de Enfermagem do Pas.

    Os estudantes de Enfermagem aprendem psicologia, aconselhamento, gesto de crise e mudana comportamen-tal para manejar situaes de crise. Dessa forma, podem ser compreensivos e efi cazes ao mesmo tempo

    Em 70 anos de existncia, a Escola de Enfermagem da USP formou enfermeiras, mestres e doutores. pioneira no Programa de Doutorado Internacional de Enfermagem junto Pontifcia Universidade Catlica do Chile. Dez alu-nos comearam as aulas em So Paulo em 2012.

    A Enfermagem geralmente defi nida como a cincia do cuidado, simbolizada pela imagem de uma enfermeira sorridente e um paciente idoso de mos dadas. A mensagem : Ns cuidamos, por isso podemos estar presentes em momentos de dor e vulnerabilidade. Temos a fora do carter, ento, pode confi ar em ns. Descrevemos o trabalho que fazemos em termos de amor e abnegao, fazendo da enfermagem uma lide pessoal e no uma profi sso.

    O conceito de superioridade moral foi importante em nossa histria. As mulheres no podiam trabalhar fora a me-nos que o trabalho tivesse uma natureza virtuosa. Hoje em dia, esse tipo de caracterizao incorreto e prejudicial profi sso. Desvaloriza a educao e o treinamento requerido para se tornar uma enfermeira profi ssional e ignora quatro dcadas de pesquisa na rea.

    Ao invs de apresentar o que fazemos como obra de Deus, os enfermeiros precisam desenvolver a agency na nossa comunicao, ou seja, a capacidade demonstrvel de agir ou de exercer poder(1).

    Os enfermeiros fazem um trabalho que exige conhecimento, habilidade e educao continuada. Ns devemos ar-ticular esses pontos. Os mdicos focam o diagnstico, os farmacuticos, os medicamentos, os assistentes sociais, as questes psicossociais. Os enfermeiros lidam com todas essas questes e tambm so responsveis pela gesto dos sintomas e pela educao do paciente.

    importante ser gentil e atencioso, mas no o sufi ciente. Posso estar presente com algum em crise no porque sou uma boa pessoa, mas porque sou uma profi ssional altamente qualifi cada. Posso ouvir, observar, ajudar fsica e psicologicamente os pacientes e suas famlias em um ambiente de trabalho estressante com uma preciso estratgica. Em momentos de crise, posso avaliar, diagnosticar problemas ou possveis riscos. Posso estabelecer objetivos especfi cos, mensurveis e oportunos e descobrir quais as intervenes que preciso adotar para ajudar o paciente a obter o resultado esperado. Sou extremamente analtica, assim, avalio minhas aes e exploro novos caminhos. Devemos poder descrever o que fazemos de tal modo que demonstremos a nossa educao, nossas competncias e nossa habilidade de exercer o poder. Como o ambiente hospitalar muda, a segurana do paciente depende de nossa habilidade de liderana.

    Voc pode dizer exatamente o que fez hoje?

    1 RN. MS. PhD. Gerenciamento de Enfermagem da Universidade da Califrnia - So Francisco. So Francisco, CA, USA. [email protected]

  • Referncias

    1. Gordon S, Buresh B. From silence to voice: what nurses know and must communicate to the public. Ithaca: Cornell University Press; 2006.

    2. Jones JM. Record 64% rate honesty and ethics of members of congress low ra ngs while nurses, pharmacists, and medical doctors most posi ve Gallup [Internet]. 2010 [cited 2012 Aug 7]. Available from: h p://www.gallup.com/poll/151460/Record-Rate-Honesty-Ethics-Members-Congress-Low.aspx

    3. Tellez MS. Work sa sfac on among California registered nurses: a longitudinal compara ve analysis. Nurs Econ. 2012;30(2):73-81.

    4. Aiken LH, Clarke SP, Cheung RB, Sloane DM, Silber JH. Educa onal levels of hospital nurses and surgical pa ent mortality. JAMA. 2003;290(12):1617-23.

    5. United States. Ins tute of Medicine. The future of nursing: leading change, advancing health. Washington (DC); 2010.

    6. United States. Department of Health and Human Services. Health Resources and Services Administra on. Na onal Sample Survey of Registered Nurses, 2008. Washington (DC); 2008.