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V.1 - N.1 - 2014 ÁGORA revista acadêmica de comunicação e artes

Volume 1 - Número 1 - 2014

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O Ágora é uma publicação semestral da FCAD – Faculdade de Artes, Comunicação , Artes e Design do Centro Universitário Nossa senhora do Patrocínio – CEUNSP Salto/SP.

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V.1 - N.1 - 2014

ÁGORArevista acadêmica de comunicação e artes

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Ao leitor

Comunidade acadêmica, É uma imensa satisfação compartilhar com vocês essa publicação. A revista Ágora é fruto de um intenso trabalho de uma equipe determinada, com a qual tenho orgulho de trabalhar, encabe-çada pelo prof. Dr. Filipe Salles, a quem devo meus agradecimentos. Com esta publicação objetivamos difundir a pesquisa acadêmica realizada na Faculdade de Comunicação, Artes e Design do CEUNSP. Nosso alvo é a pesquisa experimental, articulando pro-fessores e estudantes de graduação para investigar os processos comunicacionais e artísticos. Com a sequência das edições da revista Ágora visualizo um profícuo debate sobre produtos e processos de comunicação, embasados na teoria retirada da literatura e vividos pelo empirismo da realização. Cordialmente,Prof. Edson CortezPresidente do Conselho Editorial

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Editorial

É com grande satisfação que anunciamos mais um passo em direção à excelência acadêmica da FCAD/CEUNSP, através da criação de nossa revista científica de Comunicação, Artes e Design: ÁGORA. Todas as grandes instituições de ensino possuem uma forma de divulgação de sua produção aca-dêmica, e agora também temos esta oportunidade, nos colocando na vanguarda da pedagogia universitária e no status de contribuidores da formação científica no país. A revista está aberta para artigos relacionados a qualquer tema da comunicação, artes ou design, e podem vir de pesquisa discente (iniciação científica, AECA, TCC) ou pesquisa docente, de professores da casa ou não. A revista terá periodicidade semestral e conta com amplo apoio de professores do conselho acadêmico e editorial. O nome ÁGORA vem de um dos berços de nossa civilização, a Grécia, e era o espaço destinado ao convívio público, desde comercial até intelectual e político. Filósofos, oradores e sofistas gregos ensinavam na Ágora, convivendo com comerciantes, feiras e artistas, assim como viajantes, que ao retornarem do estrangeiro, paravam na Ágora para contar aos seus conterrâneos como eram as culturas e as organizações de outros povos, uma vez que não existiam mídias de comunicação. Assim, justamente por ser um espaço para manifestações de ideias de vários gêneros, a Ágora é considerada um modelo e marco da democracia. Da mesma forma, nossa proposição é que a revista da FCAD seja um marco de produção intelectual acadêmica, e que possa honrar e divulgar os brilhantes trabalhos de nossos estudantes e professores, bem como de convidados. Sejam bem-vindos!”

Cordialmente, Prof. Dr. Filipe Salles Editor

EXPEDIENTE

EditorProf. Dr. Filipe Salles

Capa e projeto gráficoIngrid Baptista e Camila Forti

Presidente do conselho editorialEdson Cortez

Conselho EditorialProf. Dr. Filipe Salles, Profa. Fernanda Cobo, Profa. Me. Sonia Chamon, Profa. Me. Renata Boutin Becate, Prof. Me. Fabrizio di Sarno

ReitorProf. Estevão Anganuzzi

ChancelerProf. Rubens Anganuzzi Filho

Redação e administração Faculdade de Comunicação, Artes e Design Pça Antonio Vieira Tavares 73 (Pca da Matriz) – Centro - Salto/SP – A/C FCAD – Bloco KTels.: (011) 4028-8340

[email protected]

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Índice

“Hábitos de leitura e mídia do acadêmico da FCAD: avaliação do jornal O Arauto”por Graziela Grassi Jimenez

Sobre o conceito de fotografiapor Filipe Salles

A Metalinguagem no cinema de Jean-Luc Godardpor Julyano Abnner de Macedo Glisotte

Mulheres: A Subjetividade Estética da Beleza por Bruna Giannone

Teorias da comunicação e a torcida no fute-bol brasileiropor Pedro Courbassier

Arte, Loucura e Modernidadepor Sonia Leni Chamon

Os Efeitos Sociais da Comunicação Jornalís-ticapor João José de Oliveira Negrão

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“ Hábitos de leitura e mídia do acadêmico da FCAD: avaliação do jornal O Arauto”

Graziela Grassi JimenezMestre em Administração com ênfase em Marketing pela FEA/USP, do-cente da FCAD Faculdade de Comunicação, Artes e Design do CEUNSP e Gerente da DATA FCAD - Centro de Estudos e Pesquisas de Mercado,

Mídia e Opinião, núcleo da AECA Agência Experimental de Comunicação.

RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi investigar o comportamento dos acadêmicos da FCAD em relação aos meios de comunicação, buscando compreender mais especificamente seus hábitos de leitura e de mídia e suas percepções sobre diversos aspectos do jornal O Arauto. A presente pesquisa teve caráter quantitativo-descritivo, realizado por meio do método survey com amostra de 97 acadêmicos da FCAD no campi de Salto/SP e 48 aca-dêmicos no campi de Itu/SP. O planejamento desta pesquisa previu a obtenção de da-dos primários e secundários. Os dados primários foram coletados através de entrevistas pessoais e aplicação de questionários estruturados com perguntas fechadas e abertas. Os dados foram analisados de forma descritiva utilizando-se o cálculo de distribuição de freqüência (%) e apresentados com auxílio de gráficos. As questões abertas tiveram uma análise qualitativa de conteúdo, visando à classificação e categorização das respostas. Os resultados apontaram que na opinião de 76% dos leitores ocorreram melhorias e que a principal mudança se deu no projeto gráfico do jornal, seguida pela variedade de as-suntos e conteúdo das notícias. Entretanto, observa-se que o grupo de leitores fiéis ainda é pequeno, pois uma parcela significativa dos pesquisados costuma fazer uma leitura apenas parcial do Arauto, demonstrando que há um grande potencial de crescimento e conquista destes jovens leitores.

Palavras-chave: hábitos de leitura, jornal universitário, mídias e comportamento do jovem.

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INTRODUÇÃO

Um dos projetos da DATA FCAD - Centro de Estudos e Pesquisas de Mercado, Mídia e Opinião, núcleo da AECA Agên-cia Experimental de Comunica-ção, Artes e Design, dedicou-se a realização de uma pesquisa avaliativa sobre jornal O Arauto. A ideia em se realizar uma pes-quisa sobre o jornal O Arauto, partiu da inquietação em en-tender o quanto, o que e como os jovens lêem, qual o nível de distanciamento dos jovens leito-res da palavra escrita, haja vista seu envolvimento com o mundo tecnológico audiovisual e digital. Sendo fundamental identificar os elementos que mais desper-tam o interesse pela leitura do jornal e quais bloqueiam o esta-belecimento de um possível há-bito de leitura.

Equipe DATA FCAD Pesqui-sa O Arauto

Tal estudo foi elaborado buscando compreender mais especificamente seus hábitos de leitura e de mídia e suas per-cepções sobre diversos aspec-

tos deste jornal universitário. De modo mais detalhado foram questionados sobre o formato (tablóide versus standard), pro-jeto gráfico, qualidade e varieda-de de conteúdos, bem como a percepção de melhorias realiza-das desde sua criação em 2007. A pesquisa de natureza quantitativa foi realizada por meio do método survey ou le-vantamento junto aos acadêmi-cos da FCAD no campi de Salto, SP. Em paralelo, também foi coletada uma amostra menor de acadêmicos no campi de Itu. Na FCA o universo de pesquisa englobou indivíduos com idade entre 17 e 40 anos de ambos os gêneros, pertencentes às clas-ses sociais ABCD (Critério Bra-sil/2008) e estudantes dos oito cursos da FCAD – Publicidade e Propaganda, Relações Públicas, Jornalismo, Rádio e TV, Cine-ma, Artes Cênicas, Fotografia e Eventos. Os dados foram coletados através de entrevistas pessoais via aplicação de 97 questioná-rios envolvendo acadêmicos de todos os cursos da Faculdade. As entrevistas foram executa-das por uma equipe de estudan-tes dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas membros da

Agência Experimental de Pes-quisa DATA FCAD, durante o pe-ríodo de abril a junho de 2010. A presente pesquisa é de natureza quantitativa-descritiva, realizada por meio de levanta-mento ou survey, que segundo Churchill (1999), permite a me-dição de diversas variáveis de interesse simultaneamente. O planejamento desta pesquisa previu a obtenção de dados primários e secundários. Os dados primários foram co-letados através de entrevistas pessoais e aplicação de ques-tionários estruturados com per-guntas fechadas e abertas. O estudo previu a realização de pré-teste do instrumento de co-leta de dados, visando à verifi-cação da compreensão, clareza e seqüência das questões mais adequadas. Adicionalmente fo-ram utilizadas fontes secundá-rias de dados, como consulta às publicações especializadas e documentos da faculdade (MA-LHOTA, 2001, MARCONI; LAKA-TOS, 2006; MATTAR, 2001). Os dados da pesquisa quantitativa foram analisados de forma descritiva utilizando-se o cálculo de distribuição de freqüência (%) e apresentados com auxílio de gráficos. As ques-tões abertas tiveram uma aná-

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lise qualitativa de conteúdo, visando à classificação e ca-tegorização das respostas.

RESULTADOS

De modo geral, os re-sultados da pesquisa se apresentaram positivos quanto à maioria dos aspec-tos avaliados. O primeiro blo-co de questões da pesquisa envolveu o levantamento do perfil socioeconômico dos estudantes, englobando gê-nero, idade, renda familiar e estado civil. O perfil da amostra é predominante-mente composto por jovens solteiros (92%) distribuídos nas seguintes faixas etárias, 64% tem entre 17 e 21 anos e 27% entre 22 e 26 anos. Em primeiro lugar bus-cou-se entender os hábitos cotidianos de leitura, consi-derando as diversas mídias e veículos disponíveis aos jo-vens, constatou-se que 35% dos estudantes costuma ler diariamente e 20% três ve-zes por semana, sendo que 45% da amostra apresenta uma freqüência de leitura menos intensa. As revis-

tas mais lidas são Época, Veja e IstoÉ com 27%, Super Inte-ressante 18% e empatadas as revistas Caras, Contigo e Quem com 12%. A preferência de lei-tura é do jornal local com 31%, seguido pela Folha de São Pau-lo (25%) e Estado de São Paulo (18%). Destaca-se também que 56% dos alunos têm preferência pela mídia digital, sendo o Orkut a rede social mais acessada com 44%. O segundo bloco da pes-quisa foi dedicado à avaliação especificamente do jornal O Arauto. Nesse sentido, quando perguntados sobre a freqüên-cia de leitura do O Arauto, 40% afirmaram ler o jornal às vezes e 34% todo mês. Vale destacar que uma parcela pequena não tem o hábito de ler o Arauto (8%), cujo principal motivo é a falta de interesse (50%), segui-do pela falta de tempo (38%). Quanto ao processo de leitura, 36% dos estudantes lêem somen-te as reportagens, 31% apenas folheia rapidamente e uma par-cela menor de 25% faz a leitura completa do jornal. (Ver grafico 1) De modo geral, os resulta-dos apontaram que na opinião de 76% dos leitores houve melhorias e que a principal mudança ocor-reu no projeto gráfico do jornal

(30%), seguida pela variedade de assuntos (23%) e conteúdo das notícias (22%). Por outro lado al-guns alunos observaram falhas na divulgação e distribuição do Jornal O Arauto dentro e fora da universidade. (ver Gráfico 2) Os estudantes revelaram suas preferências em relação aos conteúdos das matérias, assim a música se destaca com 53%, seguida por entretenimento com 20%, tecnologia com 17% e cultu-ra local com 13%. (ver Gráfico 3) Por sua vez, quanto à com-posição do Arauto 72% dos alu-nos preferem maior quantidade fotos e 65% gostariam do uso de fontes maiores. Com relação ao formato do jornal a opinião se divide, pois 39% prefere tabló-ide e 36% standard. Dentre as sugestões de melhoria para O Arauto, se destaca a inserção de um espaço para o perfil social do aluno onde pudesse contar sua história de vida e seu sonho profissional. E ainda espaço de sugestões, caderno esportivo, reportagens sobre os cursos e coluna de entretenimento.

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Gráficos comparativos de resultado

Gráfico 1 Gráfico 2

Gráfico 3

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O jornal O Arauto, sofreu diversas mudanças desde sua primeira publicação em 2007, tanto em seu conteúdo quanto em seu projeto gráfico. Entretan-to, observa-se que o grupo de leitores fiéis ainda é pequeno, pois uma parcela significativa dos pesquisados costuma fazer uma leitura apenas parcial do Arauto, demonstrando que há

um grande potencial de cresci-mento e conquista destes leito-res. De um modo geral, a mídia inserida na vida do jovem tem um papel de grande estimula-ção. Por sua vez, o conceito atu-al de mídia transcende o entre-tenimento. De fato, há um tripé composto pela comunicação, educação e a informação que precisa ser ponderado. Atualmente, vive-mos no mundo globalizado e mi-diático, isto é, um contexto mul-

tifacetado que inclui ambientes diversos - multimídia, multica-nal, multisensorial e digital. E ainda o estilo de vida que inclui preferências e expectativas, es-pecialmente dos jovens, é inten-so, imediato e mutante. Portan-to, a forma ideal para despertar o interesse pela leitura desse público é investigar, compreen-der e focar seus reais interes-ses.

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REFERÊNCIAS

CZINKOTA, M.R. et al. Marketing: as melhores práticas. Porto Alegre:Bookman, 2001.

CHURCHILL, G. A.; PETER, J. P. Marketing: criando valor para o cliente. São Paulo: Saraiva, 2000.

DIAS, P.R. et al.. Gêneros e formatos na comunicação massiva periodística: um estudo do Jornal Folha de São Paulo e Revista Veja. In CONGRESSO BRASILEIRO DA CIENCIA DE COMUNICAÇÃO, 23, 1998, Recife. Anais Eletronicos. Intercom Disponivel em www.intercom.org.br. Acesso em 3 de setem-bro 2012.

FONSECA, J.S; MARTINS, G.A. Curso de Estatística. São Paulo: Atlas, 2006.

GIL, A.C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo, Atlas, 2006.

HAIR et al. Fundamentos de Métodos de Pesquisa em Administração. Porto Alegre: Bookman,2005.

KOTLER, P. Administração de Marketing: análise, planejamento, implementação e controle. São Paulo: Atlas, 2001.

KOTLER, P; KELLER, K. Administração de marketing. 12º ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.

MALHOTRA, N.K. Pesquisa de Marketing: uma orientação aplicada. 3 ed. Porto Alegre: Bookman,2001.

MARCONI, M.A; LAKATOS, E.M. Técnicas de pesquisa. São Paulo, Atlas, 2006.

MATTAR, F. N. Pesquisa de marketing. São Paulo: Atlas, 2001

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Sobre o conceito de fotografia

Filipe Salles Fotógrafo, cineasta e professor, formado em cinema pela FAAP, mestre e doutor pela PUC/SP, editor do site Mnemocine.art.br e coordenador dos cursos de Artes do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio em Salto/SP

RESUMO

Este artigo discute a questão da representação, veracidade e fluidez das ima-gens da era digital, em especial as da fotografia, considerada, por autores como Barthes, Sontag, Santaella, Flusser, Benjamin, Aumont e Couchot, entre muitos outros, como representações fidedignas da realidade, mediações que permitem interpretações variadas, mas unânimes em considerá-las representações do real. Entretanto, a fotografia hoje se apresenta de forma indelével como uma afronta ao testemunho da veracidade: seu conteúdo é altamente manipulável. Até onde podemos “confiar” nesta fonte? Onde estaria a realidade propriamente reconhe-cível e confiável? Questões como essas nos levam não ao suporte fotográfico em si, mas sua instância anterior, a própria idéia da fotografia, ou a fotografia como uma idéia.

Palavras-Chave: Fotografia, Filosofia, Estética, Representação, Fotojornalismo e Pictorialismo

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Qualquer estudo sobre algum assunto merece começar definido seu objeto, coisa bastante evidente para as ciências exatas e biológicas, mas não sempre fácil para as ciências da comunicação. Isso se deve ao fato de que nas te-orias de comunicação que tra-tam do assunto IMAGEM existe uma onipresente e constante confusão entre objeto e signo, ou seja, uma dificuldade em di-ferenciar o que é o objeto-ima-gem daquilo que ele representa como imagem. E, justamente, um dos assuntos que mais tor-nam explícita essa problemática talvez seja precisamente a foto-grafia, que personifica este gran-de embate entre signo e objeto. A fotografia é um objeto físico, palpável, mas na maioria das vezes é tratada, analisada e co-mentada como aquilo que está representado nela, ou seja, seu conteúdo-imagem. Este concei-to está presente até mesmo na teoria que se propõe a decodifi-car os signos, não havendo, na semiótica, um parecer conclusi-vo sobre a natureza da fotogra-fia, icônica, indicial ou ambas (Machado, 2001). Numa outra maneira de encarar o problema, esta perspectiva se torna bas-tante evidenciada quando por

exemplo, Roland Barthes (1984) descreve um longo ensaio so-bre a fotografia a partir de seus sentimentos em relação a uma imagem de sua mãe. Todas as conclusões são baseadas em seus sentimentos e emoções, estendendo a análise na mes-ma razão para diversos outros fotógrafos e suas imagens. As conclusões apresentadas são divagações poéticas acerca da representação das imagens, ou o que fala o conteúdo da ima-gem fotográfica; sempre pen-sando na fotografia como uma marca indelével de veracidade, que o faz chegar até à morbidez de ver a fotografia como o teste-munho do efêmero. Razão simi-lar adota Susan Sontag (1981), analisando a fotografia segundo seu impacto social e psicológico, mas sempre baseado no conte-údo da imagem fotográfica (in-teressante que ela e Benjamin tem a particularidade de compa-rar a fotografia a uma arma de caça, e mesmo Flusser esboça a idéia “aparelho-arma”); para não mencionar Dubois (1993) e sua análise meticulosamente discursiva. Mas o grande equí-voco em tratá-la assim é que estamos analisando sua parte variável, relativa, e que portanto não fornece senão uma especu-

lação sobre o que é fotografia. Seria como se disséssemos que a Televisão é sua programação, e não que a televisão é um apa-relho que decodifica sinais ele-tromagnéticos e os transforma em luz, mostrando imagens lu-minosas compostas segundo padrões eletrônicos definidos. A sua programação é a parte rela-tiva, qualquer imagem pode ser mostrada na televisão, portan-to a televisão mostra imagens, mas ela não é a imagem que mostra. Depois de definido o suporte é que podemos discutir a linguagem que ele permite. O mesmo se dá com a fotografia, a pintura ou o cinema; qualquer arte visual se porta da mesma maneira: são suportes, meios, maneiras de traduzir, tridimen-sionalmente, um pensamento, uma imagem mental, a imagina-ção. Já Vilém Flusser (2002) en-cara a fotografia de outra manei-ra: como imagem técnica. Sob este aspecto a fotografia é vista quase que inteiramente como um produto mecânico, produzi-do por aparelho, condicionada à programação da máquina, e que o fotógrafo nada mais faz do que escolher entre alguns programas disponíveis no apa-relho. Também essa perspectiva

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não fornece indícios do que seja a fotografia, pois da mesma for-ma podemos dizer que a pintura precisa de aparelhos – a tela, o pincel, a tinta e a mão hábil do artista. A idéia de que o concei-to de fotografia esteja na própria câmera fotográfica leva à emi-nente conclusão de que a arte fotográfica é limitada pelas pos-sibilidades do aparelho (como se na música não houvesse a limitação de cada instrumento, mas a música é mais que o ins-trumento). Há inclusive uma cer-ta contradição quando Flusser menciona que, do ponto de vista do fotógrafo, “...sua ‘escolha’ é limitada pelo número de catego-rias inscritas no aparelho: esco-lha programada” (op.cit, p.31), e logo adiante, postula, vaga-mente, idéia contrária, “As pos-sibilidades fotográficas são pra-ticamente inesgotáveis” (idem, p.32). E mesmo a definição do glossário proposto não foge ao problema: aparelho fotográfico como “brinquedo que traduz o pensamento conceitual em fo-tografias” (ibidem, p.77). Qual seria o limite do pensamento conceitual? Não desconsidera-mos as dificuldades de se evitar tais contradições, mas levanta-mos a hipótese de que a pers-pectiva de análise esteja equivo-

cada para responder à questão da definição da arte fotográfica. Tentaremos partir do pressu-posto que a fotografia não pode ser definida pela câmera e nem pelo seu objeto, pois cada foto-grafia poderia ser analisada de forma totalmente diferente, de acordo com suas características e seu caráter, o que equivaleria a definir uma arte através de um determinado instrumento, estilo ou mesmo através de um certo autor. A grande polêmica em torno dessa reflexão é que se-ria a fotografia um suporte que representaria o “real” e não uma imagem subjetiva fruto de criatividade estética. A origem dessa confusão remonta aos primórdios da própria reflexão sobre arte. Aristóteles já inicia-va sua Poética (1980) com as máximas “Poesia é imitação”, “o homem se compraz no imita-do”; mais de 20 séculos depois, Walter Benjamin (1994) refle-tia nos mesmo termos: “...é o homem que tem a capacidade suprema de produzir semelhan-ças”, e ainda especula que tal-vez “não haja nenhuma de suas funções superiores que não seja decisivamente co-determi-nada pela faculdade mimética” (op.cit, p.108). Em outras pala-

vras, imitar é natural da huma-nidade (por razões talvez ain-da desconhecidas, psíquicas e arquetípicas), e por essa razão a fotografia, desde seu gênese técnico que remonta a experiên-cias anteriores a Nièpce e Da-guerre, tem gerado a confusão entre o objeto-foto e o assunto fotografado, e consequente-mente sobre sua natureza. Ben-jamin (idem, p.91) também faz considerações neste sentido, descrevendo a situação em que a fotografia competiu com a pin-tura pela primazia da reprodu-ção mimética, até que tomaram sentidos diferentes no conceito de uso: a fotografia seria uma técnica facilitadora do proces-so de imitação, ao passo que a pintura poderia começar a imi-tar imagens mentais menos pal-páveis, e a fotografia passou, mesmo para Benjamin, como sendo a técnica perfeita de re-produção do real (daí também sua discussão sobre a obra de arte e a reprodutibilidade técni-ca). Tentativas brechtinianas de afastamento em relação ao ob-jeto fotografado não foram su-ficientes para conter o fascínio da reprodução fotográfica, ou, antes, a mimese perfeita. vTal idéia pode hoje ser novamente questionada, não

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apenas pela contribuição auto-ral dos pensadores posteriores, mas também pela natural refle-xão que engendra hoje nosso mundo coalhado de imagens di-gitais. A idéia de uma fotografia como a reprodução perfeita da realidade, um atestado de ve-racidade, é altamente relativa; sempre houve edição e mani-pulação de imagens, e hoje os programas de edição fotográ-ficos evidenciam isso aberta-mente a qualquer pessoa que se interesse. Portanto, no má-ximo, podemos dizer que a fo-tografia reproduz uma imagem reconhecível por semelhança, que pode ou não ser verificá-vel, e que, portanto, tem amplo potencial de verossimilhança. A célebre foto de Philippe Hals-man, denominada Dali Atomicus (1947), retratando Salvador Dalí flutuando no ar com gatos, fluxo d´água e objetos de atelier evi-dencia esta questão. A foto, por ser uma foto, é altamente ve-rossímil, mas é obviamente irre-al. Se dependêssemos apenas da interpretação cerebral, por semelhança, a foto poderia ser considerada um evento que teve existência física, mas, por cons-ciência, sabemos que ela não seria possível no mundo “real”. A questão da fotografia como pa-

râmetro irrefutável da existência de algo (como Barthes tanto en-fatiza) não pode ser considera-da como essencial na fotografia, pois é fator variável; da mesma maneira, a questão de Flusser sobre a imagem técnica, não se justifica na medida em que toda a arte, ou toda a representação, depende de alguma técnica, e a limitação – se é que se pode usar tal medida – é de quem faz, e não do aparelho (se não fosse assim, todos os alfabeti-zados poderiam ser escritores). Nesta mesma ordem dos fatos, a fotografia intriga-nos por ser um processo mecânico-químico (ou ainda mecânico-eletrônico) que é obtido por um aparelho, e daí a ilusão de que a fotografia pode ser autônoma ou isenta de responsabilidade, documental e asséptica. O fato de ser um apa-relho não implica que a fotogra-fia seja feita sem a intervenção humana – da mesma maneira que um instrumento musical, mesmo que automático, precisa de alguém para operá-lo ou pro-gramá-lo (usando a linguagem de Flusser). Se excluirmos todos estes aspectos subjetivos, o conteúdo das imagens, o aparelho técni-co responsável pela captação de imagens, sobra-nos isso: a

fotografia é a imagem da luz re-fletida ou emanada dos objetos apreendida diretamente num certo suporte. Sua diferença em relação a qualquer outra repre-sentação visual é apenas a ma-neira como ela trabalha, e que, no caso, constitui seu maior fas-cínio: a apreensão direta da luz. Uma vez definido um con-ceito sobre o que é fotografia, a reflexão sobre o assunto nos leva a uma questão interessan-te, formulada ainda como hipó-tese, de que talvez a fotografia como representação de algo não se diferencie em essência de nenhuma outra maneira de imitação visual: pintura, fotogra-fia, desenho, litografia, xilogra-vura. Se a fotografia possibilita ver uma imagem pela apreen-são da luz, e essa imagem não é exatamente o “real” tal como entendemos, qual seria a dife-rença de uma representação visual fotográfica e uma pictó-rica? Apenas a apreensão da luz. Mantendo essa ordem de pensamento, concluiríamos que todas as representações, ou an-tes imitações visuais, são mani-festações do mesmo fenômeno aristotélico, talvez antes psíqui-co que cultural: o homem se compraz no imitado. Existe um prazer em refletir sobre aquilo

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que pode ser sentido através da representação de um algo, e por isso é que podemos falar sobre uma essência comum em todas as artes visuais: a imagem não representa um objeto “real”, e sim um estado emocional, um sentimento, mesmo se ela não for utilizada para fins estéticos (caso da fotografia documental – que também não é fotografia isenta de expressão). Esta hi-pótese está baseada no fato de que o homem é o único animal capaz de produzir abstrações, criar elementos novos sobre os elementos fornecidos a priori, e que portanto não faria senti-do a criação se não fosse jus-tamente na sua capacidade de interpretação sensível – já que a interpretação racional é pos-sível para os demais animais. Portanto, de que serve a busca arquetípica pela representação perfeita da natureza (como a pintura buscava), cujo arauto foi a fotografia, e que até hoje nos persegue, consciente ou inconscientemente? Não pode-mos ignorar a busca secular da estética visual por esse ideal, que resultou inclusive no grande embate entre a fotografia e pin-tura pela primazia do real, pela representação perfeita. Não po-demos esperar que não haja ne-

nhuma razão para esse anseio humano no profundo âmago de sua psique, pois não seria por mero capricho modista que a humanidade toda buscou sem-pre o prazer estético na imita-ção – vide o cinema, ou mesmo a televisão, fenômenos de mídia do nosso século. Este é a grande questão da análise filosófica do suporte visual: uma vez que concluímos que o homem busca a represen-tação por semelhança – física ou abstrata – está claro que o cérebro entende um objeto re-presentado porque reconhece suas formas, e as compara, fornecendo material para o pro-cessamento da idéia articulada pelo conjunto de formas reco-nhecíveis. Por este motivo, não temos nenhuma razão para di-ferenciar as artes visuais pelo seu suporte: cada uma repre-senta habilmente com um de-terminado caráter, e diferenciar suas instâncias através do ob-jeto representado é como ten-tar marcar uma fronteira com elementos de cultura: ora estão presentes, ora estão ausentes, embora sempre latentes, mas a fronteira é variável. E essa é a razão pela qual um artista plás-tico é capaz de produzir trabalho não apenas em tinta, mas tam-

bém em fotografia, em vídeo, em cinema. Porque não está no conteúdo sua demarcação, e sim na forma como ele repre-senta por semelhança. E por aí o artista escolhe, qual o suporte mais adequado. Isso também serve se con-siderarmos a fotografia isolada-mente, sem compará-la a outras artes: o fotógrafo procura sem-pre a melhor expressão de sen-timento do instante fotografado, para que a foto represente bem não a forma, mas a emoção do momento. É por essa razão que um trabalho fotográfico em es-túdio, com modelos, é longo e está repleto de clicks. É preciso escolher aquela imagem que melhor representa um determi-nado estado de espírito, e para isso é preciso fazer vários clicks. Na fotografia fotojornalística, o profissional destacado é aquele elevado ao status de artista por conseguir, justamente, a melhor representação de um instante com poucas oportunidades de registro (Cartier-Bresson, Capa). E ainda na fotografia de paisa-gem, em que o objeto é estático, o fotógrafo é que o contempla até achar seu melhor ângulo, para melhor representar a emo-ção que a paisagem fornece (por isso também a fotografia é

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individual, e nunca impessoal – vide Adams, 1989). Os gran-des fotógrafos retratistas, como Nadar, Steichen, Halsman, des-tacaram-se (também) por terem feito pintura na fotografia: o re-trato que resume a personalida-de, tem vida. A título de ilustração, é preciso retomar a análise com-parativa: nesta mesma razão, a pintura busca exatamente a mesma coisa, a representação (a mais perfeita, segundo cri-térios subjetivos) do estado de espírito que o artista sentiu. Por isso um retrato pictórico pode ser tão emocionante: traduz uma personalidade, como se o artista pudesse incorporar, na tinta, uma “alma”. E é isso que a fotografia também alme-ja. Portanto, a grande fotografia é como a grande pintura: tem “alma”. E por isso, tanto faz se ela seja feita por aparelho ou di-retamente pelas mãos: a pintu-ra é feita pelas mãos – a luz pre-cisa ser desenhada; a fotografia passa pelo aparelho (sem mão) mas apreende a luz diretamen-te. Qual é a diferença? Apenas a maneira de realização, pois ambas almejam os mesmos fins: a melhor representação da “alma” (mesmo a fotografia amadora e turística, que rara-

mente consegue este patamar). Acaba por acrescentar nova dimensão ao conceito de Benjamin de aura: a reprodu-tibilidade técnica em excesso banaliza a representação, mas com o advento do digital, não foi a reprodução o agente da ba-nalização, e sim a própria pro-dução de imagens que agora é banalizada pela quantidade de-senfreada de imagens produzi-das por tão pequenas câmaras. Mas, de tanta imagens, poucas são efetivamente copiadas, o que nos leva a pensar se a ba-nalização é realmente efeito da reprodutibilidade – a perda da aura – ou do desgaste da alma, aquela mesma que faz perder o interesse pela obra musical ou cinematográfica ouvida e assis-tida N vezes. Porque seria fácil deduzir que um filme exibido centenas de vezes perde seu impacto inicial, e que tal fato advém de sua reprodução. Mas não é a técnica de reprodução, e sim a própria reprodução, por-que da mesma maneira, se uma pessoa mantiver por anos os olhos num mesmo quadro, este um também perderá seu valor de impacto inicial. O quadro não está sendo “reproduzido”, mas visto novamente – essa é a pró-pria reprodução.

A conclusão a que chega-mos, por conseqüência, é que não está no objeto sua qualida-de, e sim na maneira como nós enxergamos – uma forma relati-va e limitada. Voltamos a Platão e sua Caverna, obrigados que somos, a admitir, que realmente o que vemos é apenas um refle-xo da luz dos objetos – que o ar-tista registra de diferentes ma-neiras, a representação visual como mimese de nossa própria, limitada e fascinante natureza. Mesmo Eisenstein, sobre o cine-ma, já postulava que a realida-de não está nas coisas, e sim no pensamento, pois o pensamen-to é a origem das coisas. Conseguimos então defi-nir a fotografia e falar de suas instâncias mais evidentes, sua constituição como forma de re-presentação visual: apreensão da luz. Intriga-nos, ainda, ques-tões decorrentes: se a foto-grafia, tanto quanto a pintura, não representa imagens, e sim sentimentos e emoções advin-dos do reconhecimento de for-mas similares (em consonância com o aspecto arquetípico – o sonho), àquilo que chamamos efetivamente de fotografia não estaria no objeto, e sim na ma-neira como vemos, pois um

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objeto representado (mimese) numa pintura ou numa fotogra-fia teria a mesma interpretação. Aí entram os aspectos efeti-vamente particulares de cada suporte de representação. Ao compararmos a pintura neste caso, estamos analisando sob ponto de vista do senso comum, mas que poderia igualmente ser aplicado a representações visuais diversas como a escul-tura, xilogravura, e até o teatro e a dança. Pois se verifica que a mesma característica que fas-cina no teatro – que o mantém vivo não obstante o cinema – é o que fascina a fotografia frente à pintura. Temos que, apesar de representações similares, elas se diferenciam em caráter pela maneira como apresentam seus resultados. Devemos entender isso na razão de entendimento do cérebro (como procedemos anteriormente), que é limitado à percepção tridimensional de tempo e espaço. Ora, o caráter de uma obra se justifica não apenas pelo tipo de sentimento ou emoção que evoca, mas tam-bém pela distribuição no eixo espaço-tempo, o que fez muitos teóricos da artes dividirem-na em artes do tempo (a música, a dança, o teatro, a literatura) e do espaço (pintura, escultura,

fotografia). Este eixo é responsá-vel por uma boa parte do que se atribui da emoção deste caráter, uma vez que o conhecimento deste aspecto nos fornece sen-sações diferenciadas, evocando aspectos sincrônicos (a sensa-ção do tempo preciso, ou conge-lado) ou supra-temporais (sem tempo determinado). A música ao vivo e a música gravada su-gerem as mesmas relações: de que serve ir a um concerto ou a um show se hoje a gravação fonográfica registra com perfei-ção algo que ao vivo pode so-frer mais distorções acústicas? A presença do artista ao vivo, entretanto, é insubstituível, é a “alma” e a aura juntas, é o mo-mento mágico, o instante em que aquele artista efetivamente executou sua reprodução, sua mimese, geradora de sentimen-to e emoção. A gravação, que a tudo isso registrou, perpetua, mas não reproduz a emoção do instante. Traduz o atemporal para as futuras gerações. Eis a fotografia: o atem-poral, ou talvez supra-temporal (o além do tempo, ao invés do tempo eterno), pode ser mani-festado, ainda que seja uma arte “do espaço”. E eis, ainda mais, que a fotografia compar-tilha da privilegiada situação de

estar no espaço, mas ser regida pelo tempo (se é que podemos abusar desta diferenciação, já que também são interpretações cerebrais). Em resumo, o tempo é o grande aspecto de fascínio da fotografia, a possibilidade de apreensão do instante mágico, do momento decisivo (a máxima de Cartier-Bresson), elementos que a psicologia talvez associe com o medo (do tempo). Portan-to, o resumo: temos que a foto-grafia não é relativa a seu obje-to, não pode ser definida pelo índice, nem pelo ícone, mas talvez apenas pelo símbolo (Ma-chado), no sentido de expressão sensível, e que não se diferen-cia de nenhuma outra arte visu-al neste aspecto. É uma forma de imitar formas, mas não pela forma em si (já que nosso olho também imita formas), mas sim pela estilização do sentimento que a forma traduz para quem a vê (e, no caso, para quem a foto-grafa). Assim, a fotografia utiliza um aspecto técnico, que a defi-ne: a apreensão da luz. E disso decorrem suas vicissitudes; luz é o limite do tempo-espaço tridi-mensional, apreendê-la é arque-tipicamente fascinante, envolve o conhecimento inconsciente de nossa efemeridade e o medo do desconhecido, do que há além

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da memória. A fotografia é o de-positário da memória de quem teme a morte. E, por isso, o as-pecto temporal: apreender a luz significa apreender um tempo, um instante, o instante do obtu-rador, o quanto de luz conseguiu penetrar pela cortina naquele

BIBLIOGRAFIA

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SONTAG, Susan. Ensaios sobre a Fotografia. 2ª. Edição, Rio de Janeiro: Arbor, 1981

espaço de tempo, ínfimo para nós, eterno para o percurso do fóton. Portanto, a fotografia como tal, e apenas ela, tem como maior virtude a possibilidadede representar imagens no espaço-tempo. E a maneira como ela

faz isso traduz todo o arcabou-ço de anseios humanos que vão da facilidade técnica à elevada aspiração estética – a fotografia amadora e a arte fotográfica.

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A Metalinguagem no cinema de Jean-Luc Godard

Julyano Abnner de Macedo GlisotteGraduando do curso de Cinema e Audiovisual da FCAD - CEUNSP . Salto, SP.

Fernanda CoboEspecialista. Bacharel e Licenciada em História pela USP. Do-cente do curso de Cinema e Audiovisual da FCAD – CEUNSP,

Salto, SP.

RESUMO

O artigo em questão é resultado de uma pesquisa referente aos estudos sobre a metalinguagem no cinema de Jean Luc Godard, a partir da análise dos filmes “Acossado” e “O demônio das Onze Horas”. Ao fazer o uso da metalinguagem o di-retor enriquece sua mise en scène e constrói uma filmografia contestadora muito preocupada com a reflexão sobre o fazer cinematográfico e o papel que o Cinema desempenha na sociedade.

Palavras-chave: Nouvelle Vague, Jean Luc Godard, Metalinguagem, O Demônio das Onze Horas, Acossado.

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo consiste em estabelecer um es-tudo que identifique a função da metalinguagem no cinema do diretor Jean Luc Godard, a partir da análise dos filmes O demônio das onze horas e Acossado. A intertextualidade é recor-rente na obra de Godard como forma de estabelecer um diálo-go com o seu público por meio de pinturas, citações literárias, personagens do cinema clássi-co americano, músicas, filmes e outras variantes no campo das artes, compondo seus trabalhos com referências externas que ajudam no enriquecimento e na formação de sua obra. Assim, partiu-se da hipótese de que a metalinguagem é um recurso intertextual utilizado por Godard como forma de reflexão sobre as possibilidades da linguagem cinematográfica para, a partir disso, problematizar o fazer ci-nematográfico e a função social do Cinema. A intertextualidade é a re-lação dialógica entre dois ou mais textos, sendo o texto um conjunto de signos organizados para transmitir uma mensagem, seja ela escrita, visual ou sono-

ra (MESERANI, 1995) e a meta-linguagem ocorre quando uma linguagem refere-se a si mesma a partir dos códigos que lhe são próprios, ou seja, “a função me-talingüística pode ser percebida quando, numa mensagem, é o fator código que se faz referen-te” (CHALHUB, 2005, pg.27). Para Chalhub (2005) a in-tertextualiadade não deixa de ser uma forma de matalingua-gem, pois todo diálogo entre tex-tos não deixa de ser uma reto-mada a uma linguagem anterior , ou seja, “se metalinguagem é sempre um processo relacio-nal entre linguagens (...) haverá sempre esse diálogo intertextu-al.” (Chalhub, 2005 p.53). As-sim:

O poema matalinguístico dei-

xa-se atravessar por diferen-

tes linguagens, uma vez que

se trata, exatamente, de expor

uma consciência de lingua-

gem. [...] O poema de Cabral,

enquanto linguagem, produz,

singularmente, a recuperação

de uma outra linguagem - a da

pintura - e procura sua equiva-

lência de linguagem a lingua-

gem. Cabral aponta Miró, não

em um falar sobre a pintura,

mas uma reinscrição, no poe-

ma, do modo como Miró cons-

trói a pintura. A alusão a outra

linguagem - a pintura - procu-

rando reavê-la na linguagem

que a aponta - o poema - pro-

duz aquele duplo de lingua-

gem sobre o qual já falamos, a

equção poesia = pintura, me-

talinguagem, portanto. (Cha-

lhub, 2005, p. 56-57).

Portanto, o universo inter-textual elaborado por Godard, a partir de citações a outras expressões culturais - como a pintura, a literatura, a música, a filosofia, a publicidade – assu-me uma importante função me-talinguística, já que seu objetivo na utilização dessas referências é a reflexão sobre o cinema, sua linguagem e suas potencialida-des expressivas e sociais:

A metalinguagem permite que

o público experimente, ainda

que de forma imaginária, do

processo de construção narra-

tiva. Dessa forma, a utilização

deste recurso propocia um

“jogo” mais aberto e, de certa

forma, mais democrático com

o espectador – uma vez que

explicita suas próprias regras.

(ANDRADE, 1999, p. 67)

Os filmes Acossado e De-mônio das onze horas foram es-

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colhidos pois são exemplos sig-nificativos de novas estratégias narrativas e do emprego inova-dor da linguagem cinematográfi-ca, elaboradas de forma a expli-citar os elementos constitutivos do discurso fílmico e quebrar a impressão de realidade caracte-rística do cinema clássico. Ne-nhum dos dois filmes possuí em sua temática o cinema, forma usual com que a metalinguagem é percebida nos filmes, mas não deixam de ser metalinguísticos pela reflexão que desenvolvem sobre a linguagem cinematográ-fica a partir dela mesma:

A metalinguagem também

pode ser verificada em filmes

que não se utilizam da temáti-

ca sobre o cinema, em que as

regras do fazer cinematográfi-

co estão articuladas na trama,

dando ao espectador a ilusão

de participação na constru-

ção da narrativa. (ANDRADE,

1999, p. 67)

A metodologia empregada está embasada na análise fílmi-ca a partir do referencial teórico fornecido por Wilson Gomes em seu artigo, La poética del cine y la cuestión del método en él analisis fílmico. Como é sugeri-do na análise poética, a análise

dos filmes O demônio das onze horas e Acossado busca identi-ficar o efeito que o diretor dese-ja causar no espectador, além de mostrar a forma como ele constrói a narrativa com o intui-to de pautar esse efeito e usar elementos visuais que nos apro-ximam do que ele busca com o seu cinema.

A NOUVELLE VAGUE

Na década de 50, segun-do Bernardet (1985), o cinema francês limitava-se apenas à produção do cinema comercial e prestigiado, na qual se apli-cava como regra a narração de histórias totalmente previsíveis em filmes dispendiosos. Contudo, de acordo com o mesmo autor, há uma ruptura nos moldes da produção cine-matográfica no final dos anos 50, realizado por um grupo de jovens procedentes da crítica, na qual rejeitam o cinema fran-cês de estúdio e as regras nar-rativas como eram até então. Entre as várias obras deste mo-vimento, podemos citar Os in-compreendidos de François Tru-ffaut e o Acossado de Jean-Luc Godard, além de sua obra mais

reflexiva, intitulada O demônio das onze horas. Costa (2003) sobre esta mesma temática, acrescenta ainda que a nouvelle vague não foi apenas um momento de es-tréia de cineastas com o intui-to de representar seu próprio mal-estar em relação ao coti-diano, e sim um novo estilo de cineastas que acreditavam que a tomada da consciência crítica do meio expressivo e a reflexão sobre a natureza na qual se vive são tão importantes quanto à opção moral. Para Manevy (2006) o conjunto de filmes, artigos e cineclubes da nouvelle vague foram primordiais para a recria-ção e redefinição jamais nota-das até então na sociedade, principalmente no que diz res-peito aos vários elementos que foram incorporados ao cinema, acarretando a modificação dos padrões existentes, as maneiras de se filmar e a própria compre-ensão do cinema. Dentre as várias caracte-rísticas abordadas neste movi-mento cinematográfico, des ta-ca-se o uso do

Laboratório por excelência de

uma estética do fragmento, da

incorporação do acaso na fil-

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magem, da polifonia narrativa

e de uso de formas até então

atribuídas ao documentário,

às artes visuais, ao ensaio e

à literatura”, correlacionando

ainda à sua obra “uma obser-

vação autocrítica dos imagi-

nários urbanos, antropologia

radical oposta à vocação de

‘vulgaridade e comércio’ do

cinema e das mitologias da

sociedade de consumo. (MA-

NEVY, 2006, p.221)

JEAN LUC GODARD

Estudos bibliográficos ad-vindo de Maria (2010) relatam que em janeiro de 1952, Godard trabalhava escrevendo críticas de cinema para o Cahiers du Ci-nema. Conviveu com outros di-retores da nouvelle vague, entre eles Jacques Rivette e François Truffaut. Nesta mesma época, rompeu com sua família após roubar-lhes dinheiro, para finan-ciar os filmes do diretor Rivette. Em 1955, gravou Operátion Bé-ton, seu primeiro curta-metra-gem, patrocinado com as eco-nomias de seu próprio salário e fruto de um período em que trabalhou como operário. Em Acossado, seu longa

de estréia, realizado em 1959, Godard inicia o que pode ser chamada de sua primeira fase, a nouvelle vague. A respeito desse filme Manevy tece alguns comentários:

O diferencial de Acossado é

a encenação completamente

inovadora, tanto no trabalho

de câmera como no roteiro e

na direção de atores. O filme

é inteiramente editado de

maneira fragmentada, ressal-

tando os cortes, tornando-os

sensíveis ao espectador. Essa

opção por jump-cuts dá ao fil-

me um aspecto de reportagem

improvisada sobre as ruas de

Paris e garante fôlego à his-

tória, no geral, um tanto con-

vencional, tirada de um filme

americano ou de um jornal de

crimes populares. (MANEVY,

2006, p. 239)

Posteriormente Godard faz uma critica acirrada a posição social da mulher na sociedade nos anos 60, após a repressão sexual e social vivida anterior-mente, na comédia musical Une Femme est Une Femme, de 1961, primeiro filme colorido do realizador, na qual experimenta o uso de metalinguagem e da descontinuidade visível em al-

gumas cenas. Neste mesmo contexto, Jean Luc produz o filme Vivre sa Vie, em 1962, na qual é narrada de uma maneira seca e compac-ta a história de uma prostituta, abordando a dificuldade que te-mos em viver, levantando ques-tões referentes ao existencialis-mo de uma maneira minimalista e melancólica, retratados nova-mente sobre a concepção do poder feminino na sociedade, além das referências aos filmes de gangster mostrados na se-qüência final. Ainda nesta fase o diretor produz dois filmes que criticam e referenciam a guerra de ma-neira atenuada, Le Petit Soldat e Les Carabiniers, ambos data-dos de 1963. Segundo Monas-sa (2010), no primeiro realiza-se a busca por um sentido de viver através de suas meditações em toda á lógica que embala o em-bate entre forças políticas opos-tas nos tempos conturbados da década de 60, personificando o espírito questionador de Go-dard. No segundo filme, a idéia central pode ser verificada por intermédio de uma das citações do longa: “Na guerra não há vencedores, apenas bandeiras e homens que caem.”, comple-mentando o pensamento da ilu-

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são da guerra e a inocência dos patriotas. Neste mesmo ano, Godard realiza o longa Le Mépris, na qual critica o sistema de pro-dução hollywoodiano, além de novamente levantar questões filosóficas e existenciais alia-das ao uso da metalinguagem, delineando um diálogo com a Odisséia de Homero, destacan-do detalhes entre o papel de Ca-mille (Brigitte Bardot) e Ulisses, abusando de repetições para refutar as dúvidas dos persona-gens e trazendo a impressão de estarmos vendo um filme dentro de outro filme. No ano posterior o diretor produz dois filmes, Une femme mariée, que narra a história de uma mulher casada de maneira fragmentada e sensível, se as-semelhando ao cinema de Fran-çois Truffaut e Bande à Part, uma mistura grandiosa de reali-dade e irrealismo pautada pelas canastrices dos personagens e nos deliciando com cenas an-tológicas como, por exemplo, a dança de jazz realizada dentro do pub e a corrida pelo louvre que inspiraram cenas futuras de grandes diretores como Quentin Tarantino em Pulp Fiction e Ber-nardo Bertolucci em The drea-mers.

No ano de 1965, o dire-tor realiza dois de seus mais notáveis trabalhos, Alphaville e Pierrot le Fou, no primeiro ele brinca novamente com gêneros misturando noir com sci-fi e cri-ticando o totalitarismo científico de maneira sublime e poética , no segundo levanta questões sobre o descontentamento da tediosa vida burguesa , o reflexo da vida consumista do america-no na sociedade francesa, além do lirismo, a composição de co-res, os movimentos rápidos da câmera e a fragmentação da história, entre outras coisas que discutirei em uma análise poste-rior ainda nesse artigo. Cinco filmes complemen-tam a obra de Godard dentro da nouvelle vague, Made in U.S.A, realizado em 1966, é o primeiro entre eles, na qual novamente o diretor critica a fascinação dos franceses por tudo que era origi-nado dos Estados Unidos, além de tomar partido contra o capi-talismo e tecer uma narrativa caótica pontuada por citações políticas. No mesmo ano o diretor produz Masculin Féminin, um retrato incisivo da juventude francesa na segunda metade da década de 60, que aborda, além do contexto sociopolítico,

o início do uso dos métodos contraceptivos com a utilização de uma narrativa linear não cos-tumeira em relação aos filmes anteriormente realizados. Neste contexto, Godard en-cerra essa fase com três filmes: La Chinoise, um retrato sobre a revolução cultural chinesa e as reflexões políticas esquerdistas inspiradas pelas doutrinas mar-xistas e leninistas; 2 ou 3 cho-ses que je sais d’elle, um filme sobre a sociedade de consumo pautada pelos dramas do coti-diano e, por fim, Week End, na qual retrata a luta de classes e o comunismo desenhados por um estrutura apocalíptica, finalizan-do, desta maneira, esta etapa na carreira de Godard e antece-dendo a criação do grupo Dziga Vertov, a segunda fase do dire-tor. De acordo com Maria (2010) a segunda fase de Go-dard intitulada grupo Dziga Ver-tov, de 1968 a 1972, subverte o cinema pop feito pelo diretor na qual ele enfatizava as relações humanas de amor e aventura com seu ritmo fragmentado e descontínuo substituindo por um cinema totalmente experi-mental com fundo sociopolítico mostrando seu engajamento cinematográfico, sua mudan-

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ça de postura pós-movimento estudantil em maio de 68 e o compromisso em descobrir ele-mentos que até então não eram usuais em sua obra, além de ir contra os padrões conhecidos na realização cinematográfica, excluindo elementos comuns como o roteiro, a estrutura de montagem, os nomes dos per-sonagens, acarretando no dis-tanciamento do seu público proveniente do período anterior denominado nouvelle vague. Godard dá continuidade a seu ciclo no cinema com uma fase mais longa, iniciada com o filme Sauve qui peut (la vie), re-alizado no ano de 1980, e se es-tende até o presente momento, com a produção do Film socialis-me, realizado no ano de 2010. Dentro deste período, o diretor realiza algumas de suas obras mais polêmicas e notáveis como, por exemplo, Je vous sa-lue, Marie, realizado em 1985. Com esta produção, mormente, o longa-metragem passa a ser considerado pela Igreja Cató-lica substancialmente herege, devido o mesmo realizar insinu-ações de cunho sexual sobre a Nossa Senhora. Ainda neste contexto, Go-dard realiza Histoire(s) du Ciné-ma, uma série de oito ensaios

com duração de aproximada-mente 10 anos de realização, perdurando de 1988 à 1998, na qual homenageia o cinema por meio de pinturas, colagens e filmes antigos, todos estes pau-tados através de sua própria in-terpretação sobre a história do cinema. Em suma, Godard explora todas as vertentes do cinema, experimentando o popular, o político, o reflexivo, o fragmenta-do, o crítico e o mais importan-te de todos, a sua paixão pela arte cinematográfica. É imensa a contribuição de sua obra nos diversos aspectos sócio-político-culturais, mas também do seu papel como diretor de cinema, propiciando a realização de uma profunda reflexão sobre a socie-dade na qual estamos imersos, bem como os valores que a ela conferimos, e tudo isto se deve à sua produção artística.

A METALINGUAGEM EM GO-DARD

Segundo Andrade (1999), a metalinguagem é um artifício muito utilizado no cinema, que consiste em mostrar como outra linguagem pode trabalhar como

instrumento lingüístico compon-do e enriquecendo a obra de um realizador, além de escancarar o quão completo se torna um fil-me que é carregado de referên-cias externas. Godard utiliza da metalin-guagem para compor seu espa-ço fílmico, mas não o faz pelo fato de simplesmente carregar a história de referências e mos-trar ao mundo o quanto sua ba-gagem cultural é rica, e sim para levantar questões maiores so-bre o fazer cinematográfico, dis-cursando sobre as coisas que o inquietam e que o fazem tentar mudar a forma como o mundo vê o cinema. Seu filme de es-tréia, Acossado, rompe com a narrativa, a sistematização da equipe, a montagem, e princi-palmente abre novos caminhos ao cinema francês que terão um forte eco no cinema mundial, com o início da já citada Nouvel-le Vague. Todas essas vertentes co-locam Jean Luc Godard como um dos grandes realizadores da história do cinema mundial, por todas as suas contribuições estéticas e os questionamentos recorrentes que trouxe com o seu cinema. Sua obra durante a Nouvelle Vague inspirou jovens cineastas de todas as partes do

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mundo e ainda inspira os novos realizadores. A análise dos filmes Acos-sado e O demônio das onze horas permite vislumbrar que a metalinguagem é recorren-temente utilizada por Godard como um recurso fundamental em sua obra, trabalhando a fa-vor do interesse profundo do diretor em discutir o cinema e seus rumos, não o restringindo a um mero meio de narrar his-tórias. Desta maneira, o diálogo com o cinema e outras vertentes artísticas é um dos elementos chaves da obra do diretor, pre-ocupado em discutir o cinema e a interação deste com o âmbito social, como um elemento pro-pulsor de discussões estéticas, políticas e filosóficas. O principal diálogo contido nas obras analisadas é com o cinema clássico hollywoodiano, que o diretor utiliza como ponto de partida para suas inquieta-ções artísticas, seja influencian-do ou fazendo refletir sobre a busca de novas possibilidades estéticas e políticas para o fazer cinematográfico. Sendo assim, minha aná-lise dos filmes citados se con-centra: A) na comparação entre a montagem usada nos filmes Acossado e O demônio das onze

horas, com a apresentada pelo cinema clássico, com o propó-sito de identificar o sentido que as transformações assumem na obra do diretor e o quanto estão a serviço da sua concepção de cinema e B) na interpretação da quebra de linearidade na nar-rativa em O demônio das onze horas, rompendo com o modelo clássico, usada como opção es-tética visando conferir ao cine-ma um forte caráter político. O cinema americano clássico seguia um padrão de narrativa pautado em três es-truturas básicas: introdução, desenvolvimento e conclusão. O neorealismo italiano e a Nou-velle Vague francesa romperam com esses padrões. No primeiro caso, o neorealismo italiano, se importando mais com a mise en scène que davam aos filmes do movimento um tom quase docu-mental, sem se importar com o esquema de grandes astros de Hollywood, usando na maioria das vezes atores não profissio-nais, além das gravações em amplos exteriores que davam aos personagens o tom aterra-dor de solidão e de serem en-golidos pelos elementos sociais retratados, tratando também as questões políticas, psicoló-gicas e econômicas da Itália

no contexto e principalmente a busca pela simplicidade nas filmagens, não fazendo uso da construção de cenários e ilumi-nações artificiais, explorando assim cenários naturais e de-senhando a autenticidade das obras (FABRIS, 2006) No segundo caso, o da Nouvelle Vague, Godard, Truf-faut e os outros jovens realiza-dores quebraram com os pa-radigmas de sistematização, montagem e principalmente de estruturação, além de levantar discussões existencialistas, e discutir os aspectos psicológi-cos dos personagens, pautados pelas banalidades do cotidiano, segmentando assim um cinema de autor, em que o realizador possui total controle sobre sua obra final, o que não acontecia com freqüência em Hollywood, graças ao poderio de produção dos estúdios da época. Em Acossado, Jean Luc Godard usa com destreza os jump cuts, durante toda a nar-rativa, fragmentando as cenas, criando a impressão de que fo-ram tirados pequenos trechos da mesma – como na famosa cena do diálogo entre Jean Se-berg e Jean Paul Belmondo, en-quanto andam de carro por uma avenida. Estes cortes foram

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usados pela primeira vez por Samuel Fuller, um dos realiza-dores que Godard mais admira-va e que participu de outro filme analisado neste artigo, intitula-do O demônio das onze horas. Além da quebra de eixo, que era inaceitável no cinema Hollywoo-diano e que o diretor utiliza na cena em que Michel Poicard (Jean Paul Belmondo) mata o policial depois de ser persegui-do pelo mesmo, utilizando-se das referências do cinema ame-ricano, na qual o diretor concre-tiza criticas e mudanças no fa-zer cinema, tanto na estrutura, quanto na maneira de narrar as histórias e desenvolvê-las, criando assim um estilo próprio que o colocará entre os grandes realizadores da história. Outro fator importante na Nouvelle Vague é centrado no plano-seqüência que proporcio-nava às cenas mais realidade e fluidez, recurso até então pouco usual no cinema, principalmen-te no cinema americano que se caracterizava pelas formas perfeitas, além dos travellings e os excessos de zooms que de-senhavam a estética da obra de Godard. Sendo assim, a montagem no cinema de Godard, é impor-tante, pois ela propõe uma nova

forma do fazer cinematográfico, pautada pelo uso da metalin-guagem, que faz referência a várias vertentes artísticas, tais como a música, a pintura, a po-esia e principalmente o cinema, fragmentando e desconstruindo a narrativa, trazendo uma nova opção à passividade corriqueira do espectador do cinema clássi-co, conscientizando e apresen-tando o cinema como uma nova forma de expressão, de maneira que todos os meios artísticos trabalhem a favor das narrati-vas e idéias propostas pelo di-retor. Este processo acarreta na busca de referências externas das vertentes discutidas para que se tenha um entendimento completo do que se busca com cada filme. Em O demônio das onze horas, Godard fragmenta a nar-rativa, fazendo uso da metalin-guagem, desenhando, assim, de forma consciente sua posição política apresentada no decor-rer do filme. Neste são levanta-das discussões sobre as mortes na Guerra do Vietnã, a corrida armamentista e a corrida espa-cial, a influência da publicidade americana na burguesia france-sa (como nas cenas em que per-sonagens do filme repetem slo-gans publicitários de produtos

dos Estados Unidos), o domínio das montadoras americanas no solo francês citando a General Motors, a Ford e a Lincoln, com-plementadas pelas citações di-retas a Coca-cola, a Esso, e até o Al Capone, conhecido gângs-ter americano, e principalmen-te pela figura de Samuel Fuller, dando sua definição do que é cinema. Com isso o diretor apre-senta eventos que o incomo-dam e o inquietam pelo fato de a França recebe forte influência dos Estados Unidos, usando o seu cinema para tentar propor uma retomada da consciência nacional ao povo francês, con-tribuindo com a sua narrativa para que o espectador perceba tal fato e questione a sua forma de ver as coisas. Acerca das discussões ci-tadas acima podemos destacar duas seqüências sobre a Guerra do Vietnã. Na primeira, observa-mos Marianne e Ferdinand den-tro de um automóvel escutando o boletim diário da guerra e, logo após, conversando a res-peito das mortes dos soldados americanos massacrados pelos vietcongues, ressaltando que na guerra somos apenas números diante da imensidão de mortos nas batalhas diárias, criticando

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desta forma o patriotismo nor-te-americanono qual o jovem estadunidense é doutrinado a lutar pelos interesses políticos e econômicos, e, que em suma, este é apenas uma ferramenta para o desenvolvimento de seu país. Na segunda, Ferdinand e Marianne encenam uma peça teatral sobre os conflitos do Vietnã, para alguns marinhei-ros americanos, utilizando-se do sarcasmo para protagonizar a história. Ferdinand faz o papel de um marinheiro que tem pra-zer em matar, e Marianne faz uma vietnamita que emite sons repetidos que simboliza a língua falada na região, nessa cena o uso da metalinguagem pauta a crítica feroz ao americano fren-te à guerra e suscita o orgulho do estadunidense em relação a este momento histórico. Outro momento impor-tante no filme se dá através do dialogo entre Marianne e Fer-dinand na praia a respeito da corrida armamentista, referen-ciando, neste caso, os Estados Unidos frente à União Soviética, bem como a batalha tecnológi-ca representada por seus fogue-tes, pautada por citações sobre o astronauta russo Alexey Leo-nov e o astronauta americano Edward White, dentre os quais

os personagens imaginam uma conversa entre os dois astro-nautas, onde Leonov tenta fa-lar sobre Lenin para White e o mesmo insere uma Coca Cola em sua boca, mostrando assim uma crítica sobre a relação de poderio que os Estados Unidos desempenham perante o mun-do, onde a marca de refrigeran-tes é uma das representantes deste poder. Em um terceiro momento, Godard mostra sua preocupa-ção em relação à influência e manipulação dos Estados Uni-dos frente à burguesia francesa, expondo a superficialidade dos burgueses franceses retratados na cena da festa, onde em duas oportunidades as personagens recitam slogans publicitários de produtos americanos, na qual o primeiro refere-se ao desodo-rante Odorono e o segundo ao spray de cabelo Aquanet, pau-tando assim a manipulação que a publicidade estadunidense re-gia sobre a França naquele mo-mento. O diretor também relacio-na as cores da bandeira fran-cesa com as cores da bandeira americana logo no começo do filme, nos letreiros iniciais, su-gerindo desta maneira que, em alguns momentos, a influência

norte-americana é tão fluen-te que mal se sabe se está na França ou nos Estados Unidos. Ainda nesta cena, o di-retor francês introduz Samuel Fuller mostrando ao espectador o conceito de cinema segundo este diretor estadunidense, na qual define que o filme é como uma batalha, o amor, o ódio, a ação, a violência e a morte, ou seja, em poucas palavras é a emoção; além de mais uma vez combinar França e Estados Unidos no momento em que cita o filme que Fuller realizará no país, intitulado “As Flores do mal”, nome este corresponden-te ao romance do poeta e críti-co francês Charles Baudelaire. Posteriormente, cita os seriados de TV americanos, o Gordo e o magro, e os Rover boys, ressal-tando com clareza sua posição em relação à forte influência que tanto o seu país, como ele mesmo, recebe dos norte-ame-ricanos. Outros fatores como eco-nomia, política e até mesmo os gângster americanos, possuem papéis importantes na obra do diretor. Em O demônio das onze horas, Godard compõe a trama com o estilo de retratar o crime americano representado, neste caso, principalmente pelo Cine-

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ma Noir e os filmes de Gângster, tendo como ponto de referên-cia o personagem de Jean Paul Belmondo, inspirado no per-sonagem de Humprey Bogart, principal ator dos gêneros cita-dos, que além de homenagear também Al Capone, o gângster ítalo-americano, retratado em um livro de cabeceira no quarto de Marianne junto a uma arma que simboliza o poder exercido

de um objeto sobre as pessoas, pautando sua discussão sobre o poder dos americanos frente aos franceses. Já em relação aos outros fatores podemos res-saltar o domínio das montado-ras americanas no solo francês com as citações diretas a Gene-ral Motors, a Ford e a Lincoln, e a Esso, esta no caso, fazen-do uso do seu slogan, quando Belmondo pede ao frentista do

posto que coloque um tigre no seu tanque, relacionando com o slogan publicitário do grupo pe-trolífero. Desta forma, ele consolida seu estilo contesta-dor, mostrando que o cinema pode sim estar a serviço de uma idéia, seja ela política ou filosó-fica, tirando os espectadores de um estado de repouso e forman-do-os no estado crítico.

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Mulheres: A Subjetividade Estética da Beleza

Bruna Giannone Estudante de Graduação 4º. semestre do Curso de Fotografia da FCAD-CEUNSP

Josefina Tranquilin Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Fotografia da FCAD-CEUNSP

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo primordial demonstrar a beleza que há na mulher, através da experiência estética entre a fotógrafa e as retratadas. O proje-to não tem o intuito de julgar, defender ou condenar os aspectos que definem o conceito do Belo perante sua história. O Belo é uma preocupação teórica/estética a qual servirá de apoio para o ato reflexivo; o fundamental não está no determinar da beleza em si, como uma propriedade objetiva das mulheres, apreensível de for-ma intelectual ou conceitual, a essência encontra-se em olhar a beleza de forma subjetiva, através da experiência estética e assim refletir sobre o Belo diante das mulheres retratadas. Para a concretização destes objetivos, o retrato fotográfico se apresenta como o meio que transpõe para o “real” o imaginário da fotógrafa sobre a beleza feminina.

PALAVRAS-CHAVE: belo; experiência estética; mulher; retrato fotográfico; subjetividade.

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RETRATOS COM BELAS

O presente ensaio parte da relevância que o âmbito do sensível tem como meio que permite o despertar de senti-dos, os quais determinam a be-leza presente nas mulheres fotografadas. A essência do que há de belo a ser revelado está naquilo que chama a atenção da fotógrafa ao olhar, sentir, per-ceber tais mulheres, está no en-canto por suas feições, sorrisos, cabelos, peles, que são as tra-duções visíveis da beleza, sem esquecer de iluminar o invisível presente na essência dessas mulheres, aquilo que transcen-de e transborda para a forma, afinal a estética feminina não é constituída apenas por formas, mas também por motes ligados a elementos aparentemente invisíveis, perceptíveis apenas pela intensa experiência estéti-ca que aproxima a fotógrafa das mulheres, tornando assim pos-sível e visível suas belezas. Estética com fulcros em duo de imaginários, dizíveis e indizíveis, das quais a fotógrafa não necessariamente quer se apropriar ou desejar para si; o imaginário da fotógrafa sobre a estética feminina é como fio

condutor que leva a um encan-tamento, onde a pureza e a sim-plicidade/intensidade do sentir propiciam o reconhecimento do belo; tal sentido é despertado através de uma experiência que se dá no âmbito do sensível, portanto, a experiência estética (do belo) desaguando em seu estado natural, quando o olhar se deixa levar pela percepção dos sentidos. Durante toda a história da humanidade, a beleza sempre foi pensada por filósofos, poe-tas, escritores, artistas, pensa-dores. Sabemos que o concei-to primordial de belo vem do pensamento clássico, onde se determinou a estrutura concei-tual da estética da beleza. Os cânones clássicos do belo fin-cam suas bases em proporções geométricas que ao alinharem simetria e harmonia culminam em uma natureza fundamental da beleza, a explícita estética da proporção idealizada por Pitágo-ras, onde “(...) todas as coisas existem porque refletem uma ordem e são ordenadas porque nelas se organizam leis ma-temáticas que são ao mesmo tempo condição de existência e Beleza.” (ECO, 2010, p. 61). A beleza como proporção e harmonia, parece sugerir uma

fórmula do belo, porém se ima-ginarmos que ao longo da his-tória antes de tudo ela foi pen-sada e sentida por indivíduos, através de vários instrumentos culturais e obviamente, cada um com sua interpretação sub-jetiva, como imaginá-la atrelada apenas a ideais matemáticos e simétricos pré-determinados por outros pensadores? “A Be-leza jamais foi algo de absoluto e imutável” (ECO, 2010, p.14) e, “se todo mundo fosse conforma-do no mesmo molde, não exis-tiriam coisas como a beleza” (DARWIN, Apud ETCOFF, 1999, p.10). A crítica à Beleza como proporção e harmonia dentro da fotografia junto à sua com-posição, há que ser posta entre parênteses, posto que a devida proporção é necessária para que a composição resulte em uma imagem esteticamente bela. Não devemos ignorar um dos principais fulcros de uma bela fotografia: a regra da proporção dos terços, que resulta em uma composição harmônica; porém é importante ressaltar que essa devida proporção não deve es-tar somente ligada aos cânones das mulheres, como também ao ato de composição do retrato. O relevante é pensar que a fo-

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tografia deve transcender, e não apenas fixar-se em técnicas de enquadramentos matemáticos ou regras de proporções. É mais fácil sentir a beleza do que defini-la, para Eco (2010) fica explícito que dificilmente conseguiremos formar uma lógi-ca que consiga cientificamente determinar o conceito do belo, pois fazendo uma alusão ao pensamento Kantiano, onde “o belo é o que agrada universal-mente, sem relação com qual-quer conceito”, o autor escreve:

O belo é aquilo que agrada de

maneira desinteressada, sem

ser originado por um conceito

ou a ele redutível: o gosto é,

por isso, a faculdade de jul-

gar desinteressadamente um

objeto (ou uma representa-

ção), mediante um prazer ou

um desprazer; o objeto desse

prazer é o que definimos como

belo (ECO, 2010, p.264).

Eco (2010), utilizando-se de Kant, defende que um juízo só é estético se for determinado por um prazer desinteressado, levando a crer que o jogo que se trava com o belo, parte de princípios livres e desinteres-

sados. Isso significa pensar em certo sentido que o observador ao submeter-se à sua experiên-cia subjetiva sobre o observado, e a forma como contempla o mundo, no caso o belo, o leva a um encontro com a beleza onde “não necessariamente a dese-ja como um bem a ser adquiri-do, (...) existem coisas que se mostram agradáveis à contem-plação independentemente do desejo que se tem delas” (ECO, 2010, p.10). Tanto no campo natural quanto no artístico, a beleza é passível de uma característica subjetiva, pois a partir de olha-res desinteressados, surgem incontroláveis prazeres que despertados de maneira assis-temática, culminarão no que jul-gamos por belo. Sendo assim, procurar conceitos que classi-fiquem a beleza é um trabalho difícil e um tanto quanto vão; de-vemos atinar de fato para a for-ma com que se recebe o belo, o que significa procurar compre-ender o que ele proporciona no indivíduo observador (através da experiência estética), e saber como ele se comporta diante da experiência da beleza. Vivenciar a experiência

estética na fotografia é o que Cartier-Bresson fala sobre “co-locar na mesma mira de linha, a cabeça, o olho e o coração”4, o que significa mover uma mu-dança sobre a maneira de per-ceber o mundo, deixar-se intuir pela emoção ao entrar em sin-tonia com o coração, e pelas sensações ao aguçar os senti-dos. O observador que se permi-te esses momentos poderá se deleitar com o belo; obviamen-te, sem deixar de lado todas as técnicas existentes para realizar uma excelente foto. Desde sempre a beleza é um atributo extremamente pas-sível de olhares, que se dão pelo simples deleite que o belo pode proporcionar, “o objeto belo é um objeto que, em virtude de sua forma, deleita os sentidos, e entre estes em particular o olhar” (ECO, 2010, p.41). Nesta realidade em torno do sensível, onde os sentidos se aguçam, acabamos por incorporar uma postura diferente da habitual. Passamos a ter uma relação estética com o “objeto”, pois a experiência permite que se vá alèm do conceitual ou intelectu-al. Ir além do conceitual ou

4Frase traduzida do filme documentário chamado ‘’Henri Cartier-Bresson: Point d’Interrogation’’ de Sarah Moon, produzido pela Production Take Five com direitos de copyright de 1994.

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intelectual é compreender a es-tética do belo por meios que ex-trapolem a razão, sem despre-zá-la, posto que é um elemento importante para a compreensão do belo. Porém, dentro do âmbi-to da experiência estética seria um disparate apenas racionali-zar, como falou Goya (apud. Ga-leano): “A razão cria monstros, somos seres humanos, há que se racionalizar e sentir”. Sobre a fusão do sentimento e do pen-samento, Galeano fala:

“(...) quando a razão se separa

do coração, comece a tremer,

porque esse tipo pode levar

ao fim da existência humana

no planeta. E se aparece um

que só sente, mas não pensa,

digo: Esse é um sentimental.

Mas se for um que só pensa,

mas não sente, digo: Ai, que

medo! Esse é um intelectual!

Que coisa espantosa! Uma ca-

beça que rola! Eu não quero

ser uma cabeça que rola! [...] A

sabedoria que me interessa, é

a que combina o cérebro com

as tripas. Essa que combina

tudo que somos. Tudo, sem

esquecer nada! Nem barriga,

nem o sexo, nem nada, nada!5

5Transcrição do depoimento de Eduardo Galeano na Praça da Catalunya, 24/04/2011 http://www.youtube.com/watch?v=rKc-lal1HJM

Segundo Morin, o homem é o único ser que é constituído de 100% natureza e 100% cul-tura, pois é o único que possui, em seu cérebro complexo, o imaginário, ou seja, a capacida-de de formar imagens abstra-tas. Essa capacidade imaginária é transferida ao mundo exterior através da estética. Então, para Morin (1995), estética é uma sensibilidade para apreender, ver, observar, imaginar coisas e transcrevê-las (apresentá¬las) de alguma maneira: pode ser na vestimenta, na arte, na dispo-sição de objetos, na magia, na religião. Estética, então, é uma re-lação humana que ora surge como fruto da cultura, que de-sabrocha quando afrouxa os la-ços com as finalidades mágicas, religiosas, ora como uma quali-dade universal ligada à própria beleza da vida. Parece que, para esse autor, o fenômeno estético está inscrito geneticamente e o indivíduo é portador e não so-mente produtor de desenhos, cores e imagens. Diz Morin:

(...) eu não defino a estética

como a qualidade própria das

obras de arte, mas como um

tipo de relação humana mui-

to mais ampla e fundamental

(...). O mundo imaginário não é

mais apenas consumido sobre

formas de ritos, cultos, de mi-

tos religiosos, de festas sagra-

das nas quais os espíritos se

encarnam, mas também sob a

forma de espetáculos, de rela-

ções estéticas (MORIN, 1995,

p.78-79).

Portanto, pelo fato da es-tética ser interior aos seres hu-manos, o homem necessita de relacionamentos, de pertenci-mentos, orientações e precisa desesperadamente transcender sua natureza animal através de suas múltiplas capacidades de raciocinar, imaginar, criar, sen-tir, transformar, as quais são sempre interligadas, interde-pendentes por mais que sejam contraditórias. O ato de fotografar é plenamente estético, pois a fo-tografia revela, em todos os sen-tidos – técnicos e subjetivos – a grande simbiose entre o imagi-nário e o real da fotógrafa con-sigo mesma, com o cotidiano que a insere, com as referências subjetivas que possue, e obvia-mente, com as fotografadas, as

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quais também fazem parte des-se desmedido existir. Na fotografia, então, fica impressa essa necessidade de transpor em sinais, símbolos, significados, a magia existente nestes imaginários para o mun-do exterior, o mundo do espetá-culo, do espetáculo imaginário. Nesse sentido, a imagem se localiza primeiro no imaginá-rio dos sujeitos, para depois se constituir como externa a ele numa total relação imaginário/real. Portanto, “a alma nunca pensa sem uma imagem men-tal” (MANGUEL, 2001,p.21). Para Manguel, as ima-gens que rodeiam os indivíduos, quaisquer que sejam elas, já são elementos constitutivos dos próprios indivíduos:

(...) imagens que criamos e

imagens que emolduramos;

imagens que compomos fisica-

mente, à mão, e imagens que

se formam espontaneamente

na imaginação; imagens de

rostos, árvores, prédios, nu-

vens, paisagens, instrumen-

tos, água, fogo, e imagens

daquelas imagens – pintadas,

esculpidas, encenadas, foto-

grafadas, impressas, filmadas.

Quer descubramos nessas

imagens circundantes lem-

branças desbotadas de uma

beleza que, em outros tem-

pos, foi nossa (...), quer elas

exijam de nós uma interpreta-

ção nova e original, por meio

de todas as possibilidades

que nossa linguagem tenha a

oferecer (...) somos essencial-

mente criaturas de imagens,

de figuras (MANGUEL, 2001,

p. 20-21).

No âmbito da conceitua-ção da experiência estética so-bre o que interpretamos como belo segundo Duarte Jr.,

(...)a experiência do belo é

uma espécie de parênte-

se aberto na linearidade do

dia¬a-dia. E ainda, da nossa

(humana) experiência face

à determinados objetos que

percebemos e sentimos como

belos, o diálogo ocorre sem a

presença de um interlocutor,

dando-se entre uma pessoa e

os seus próprios sentimentos

(DUARTE JR., 1991, p.70).

Pensando no que diz Duar-te (1991) e Morin (1995) a bele-za das mulheres retratadas não está somente na estética bela por elas emanada, mas na re-ceptividade de como esse ideal de belo é tomado pela fotógra-

fa que as observa. A afirmação da presença estética do belo nas mulheres retratadas parece então se dar na relação imagi-nário/real, subjetiva/objetiva e muito menos de acordo com qualquer modelo clássico que determina o conceito de belo. Pode-se dizer também, que a percepção da presença de uma estética relativa à be-leza, nessas mulheres, talvez seja oriunda de um prazer que a estética feminina proporciona a quem as olha. Tal prazer tem sua natureza fincada em “senti-mentos” gratuitos, e mais uma vez o olhar desinteressado vem à tona, pois o percurso de tal prazer é indiferente aos estere-ótipos pré-definidos, não há que se “pensar-para” è o “simples” olhar e sentir, é aí que a experi-ência estética se torna visível da forma mais plausível possível. Quando falamos de olha-res desinteressados sobre o observado, é possível que pai-re a hipótese de que a ideali-zação da beleza das mulheres seja fruto então de um preciso distanciamento do observador para assim buscar a beleza dentro de modelos pré¬estabe-lecidos, como se uma possível integração entre fotógrafa e re-tratadas e a possibilidade de in-

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teresse de uma sobre as outras fossem fulcros para o desejo, quando o foco aqui é a tentati-va de defesa de que a escolha por essas mulheres se deu a partir da simbiose real/imagi-nário, a partir da dês-razão (MO-RIN,1995) existente no visível/invisível. O importante é pensar que a percepção de belo se dá justo na reiteração da relação entre ambas, na veemência re-lativa ao encontro com o outro. Ou seja, o interesse da fotógra-fa ao fotografa-las, se dá pelos mínimos sinais de beleza que somente são percebidos porque há contemplação. Esse instante de contemplação significa estar disponível para não somente ver o belo, mas senti-lo; sem o sensível dificilmente haveria o belo, ainda mais quando pensa-mos em estética e seu significa-do semântico, que nos remete à palavra grega “aísthesis” que quer dizer “percepção sensível”. Portanto, tal disponibilidade é a conexão com o sensível que nos rodeia, nos permitindo assim atinar para os mais diversos si-nais de beleza que muitas vezes são por nós ignorados, e para isso:

Há que se ter um olho no

microscópio e outro olho no

telescópio, pois só assim so-

mos capazes de olhar o que

não se olha, mas que merece

ser olhado. As pequenas, as

minúsculas coisas da gente

anônima, da gente que os in-

telectuais costumam despre-

zar, esse micro-mundo onde

eu acredito que se alimenta

de verdade a grandeza do Uni-

verso. E ao mesmo tempo ser

capaz de contemplar o Univer-

so através do buraco da fe-

chadura, ou seja, a partir das

coisas pequenas ser capaz de

olhar as grandes, os grandes

mistérios da vida. A capacida-

de da beleza, a capacidade de

formosura da gente mais sim-

ples, às vezes da gente mais

singela que tem uma insólita

capacidade de formosura que

se manifesta em um olhar, em

um cabelo em uma conversa

qualquer.5

Isso é estar disponível para as inúmeras possibilida-des subjetivas de beleza. Paulo Freire interpreta o que é estar disponível ao sensível:

Atitude correta de quem se

encontra em permanente dis-

ponibilidade a tocar e a ser to-

cado, a perguntar e a respon-

der, a concordar e a discordar.

Disponibilidade à vida e seus

contratempos. Estar disponí-

vel é estar sensível aos cha-

mamentos que nos chegam,

aos sinais mais diversos que

nos apelam, ao canto do pás-

saro, à chuva que cai ou que

se anuncia na nuvem escura,

ao risco manso da inocência,

à cara carrancuda da desa-

provação, aos braços que se

abrem para acolher ou ao cor-

po que se fecha na recusa. É

na minha disponibilidade per-

manente à vida a que me en-

trego de corpo inteiro, pensar

crítico, emoção, curiosidade

(PAULO FREIRE, 1990, p.19).

Portanto, a experiência do belo “não reside apenas no obje-to em si, mas nos olhos de quem vê tais objetos e lhes confere be-leza” (ECO, 2010, p.268), é uma relação onde o belo está justo na ponte que conecta a relação observador/observado, na foto-grafia, fotógrafo e fotografado e ao mundo que os cercam e não em um ou em outro isoladamen-te. É a relação entre ambos que através de sentimentos e, num ir e vir de sensações, imagens, memórias, encontra-se consigo mesmo, com o outro, e assim vivencia a experiência do belo.

“Partindo dis-

so, podemos então pensar no

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quanto é importante, também,

que o observador participe

do objeto de sua observação”

(MORIN, 1995 p. 17); é preci-

so, num certo sentido, apre-

ciar a beleza das mulheres,

identificar-se com elas já que

ver é sentir, e para isso há que

se estar perto do “objeto ob-

servado” è preciso tê-lo guar-

dado dentro de si, e “guardar

uma coisa é olhá-la, fitá-la,

mirá-la por admirá-la, isto é,

iluminá-la ou ser por ela ilumi-

nado” (CÍCERO, 1996, p.05).

Diante de uma experiên-cia de intensa sensibilidade subjetiva, por mais além que se vá do intelectual/conceitual, é necessária a presença de uma reflexão objetiva sobre como se orientam tais juízos estéticos que permeiam as emoções da experiência do belo no indivíduo observador e

(...) a objetividade a ser al-

cançada é a que integra o ob-

servado na observação. Não

é o objetivismo que acredita

alcançar o objeto, suprimindo

o observado. O Homem co-

nhece o mundo, não pelo que

dele subtrai, mas pelo que a

ele acrescenta de si mesmo.

O verdadeiro conhecimento

dialetiza sem cessar a relação

observador/observado, “sub-

traindo” e “acrescentando”.

(MORIN, 1995, p.19)

Tais reflexões nos levam a crer que há então um mediador muito forte nos campos esté-ticos da beleza: a Cultura, que diante do prático, a beleza do corpo, e do imaginário, as pro-jeções e identificações do que é belo, reitera os universos e culmina num ideal subjetivo de beleza atrelado a valores univer-sais, já que estamos a falar de cultura – que são as particulari-dades – e de natureza humana – que nos universaliza. Sobre a simbiose da na-tureza humana e cultura como formadora tanto das subjetivi-dades quanto das objetivida-des, Morin explícita o seguinte argumento:

Podemos adiantar que uma

cultura constitui um corpo

complexo de normas, sím-

bolos, mitos e imagens que

penetram o indivíduo em sua

intimidade, estruturam os ins-

tintos e orientam as emoções.

Esta penetração se efetua

segundo trocas mentais de

projeção e de identificação

polarizadas nos símbolos, mi-

tos e imagens da cultura (...).

Uma cultura fornece pontos

de apoio práticos à vida ima-

ginária; ela alimenta o ser se-

mi-real, semi-imaginário, que

cada um secreta no interior de

si (sua alma), o ser semi-real,

semi-imaginário que cada um

secreta no exterior de si no

qual se envolve (sua persona-

lidade) (MORIN, 1995, p. 15).

Portanto, nunca é demais afirmar que a cultura só existe porque somos seres que neces-sitamos transcender a nossa natureza animal e assim, enten-der o inteligível, tangenciar o in-tangível, complexificar a simpli-cidade. A percepção da beleza nessas mulheres é possível por-que estamos dispostos a per-cebê¬las também através da emoção, do sensível; olhá-las de longe e de cima é uma for-ma de distanciar-se do “objeto” para apenas racionalizar sobre, e isso significa não vê-las. O “ob-jeto” quando visto dessa forma torna-se difícil de ser compreen-dido, consequentemente quase impossível de senti-lo, assim sendo, não poderá jamais ser compreendido como belo. Tal pensamento é uma alusão â crí-tica de Galeano sobre “o olhar

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de longe e de cima”, dos países europeus e americanos sobre a democracia na América Latina onde ele latentemente afirma que:

“(...) difícil de entender as ve-

zes, principalmente quando

se olha de fora e de cima; as

coisas que se entendem de

verdade, as coisas que pode-

mos entender com a razão e

sentir com o coração, são as

coisas que a gente é capaz de

olhar de dentro e de baixo. Se

a gente olhar de cima, com a

arrogância típica dos nossos

professores de democracia

dos EUA ou da Europa, e se

além de olhar de cima, olhar

de fora, não entende nada

e não entende nada por um

motivo, por um motivo muito

importante, a nossa é a região

do mundo que provavelmente

é a mais diversa de todas, é

a pátria das diversidades hu-

manas, e isso que para mim

é uma virtude, visto de fora

é um grande defeito, porque

se você não entra no modelo

que de cima e de fora acredi-

tam que é democracia, então

aqui não há democracia; e a

verdade que prova que aqui

existe democracia é que seja

um reino da contradição e da

diversidade, onde se mistu-

ram e as vezes brigam todas

as cores, os cheiros e as dores

do mundo.”5

Costurar o pensamento de Galeano com a beleza das mulheres retratadas é exata-mente discorrer sobre a crítica aos modelos clássicos. Posto que as “as sensações a serem admitidas como universalmen-te comunicáveis encontram-se sob condições subjetivas inter-nas que têm de ser necessaria-mente comuns a todos os ho-mens” (ECO 2010, p. 267). Ou seja, quando vemos algo como belo temos a necessidade de compartilhar essa aceitação de forma universal, e, neste caso de estudo, aqui se faz com a fotografia, porém este belo é subjetivo às experiências esté-ticas particulares da fotógrafa, podendo ou não ser visto como tal pelo outro. Dessa forma, na universalidade kantiana, a sub-jetividade que permeia a experi-ência estética é o elemento que permite o encontro com o belo e não apenas a experiência estéti-ca em si. Para tornar real o imaginá-rio da fotógrafa sobre a beleza dessas mulheres, o retrato foto-gráfico foi o gênero escolhido em

primeiro lugar pela importância secular que tem o estilo dentro do quadro fotográfico, depois, pelo fato de ser um estilo onde é necessário que haja um fascí-nio absurdo do fotógrafo pelas pessoas retratadas ou torna-se impossível a tentativa de captar o que há de belo nelas, pois o fascínio vai além do belo visível, está também na beleza interna que escapa pelos olhos, pela gargalhada, pelo jeito de tocar, são os segredos, que quando revelados e sentidos, formam o que há de mais belo, no caso deste estudo, em uma mulher. Sobre o retrato fotográfico, pode-se dizer que as primeiras fotografias eram realizadas com uma lentidão tão grande que era impossível fixar a plasticida-de de uma pessoa, porém as-sim que o advento da fotografia foi evoluindo e novas técnicas de fixação de imagem foram instituídas, o retrato fotográfi-co tornou-se um sucesso, “um sucesso que não teve quebras e permanece ainda hoje, pela simplíssima razão de que o re-trato corresponde exatamente a necessidades precisas do ho-mem” (CASTELO, 1980 p.121). O gênero do retrato tem em sua essência o intuito de co-municar, levar uma mensagem

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ao observador e assim gerar uma aproximação com o outro. Produzir um retrato fotográfico è ter uma relação “íntima” com o sujeito retratado. O retrato é uma ferramenta de comunica-ção visual que é ao mesmo tem-po simples e complexa frente à ausência do contexto físico/so-cial/escrito, no qual estava inse-rido. Pode-se encontrar um le-que de informações num retra-to fotográfico. É por isso que o fotógrafo deve procurar transmi-tir em sua mensagem qual seu pensamento sobre o retratado, estabelecer uma ponte com o tema, que tipo humano repre-senta o fotografado, qual seu temperamento, ânimo; essas substâncias devem estar pre-sentes no ato de retratar. Sobre tal pensamento, a série de re-tratos apresentados é plausível, pois é passível da característica de comunicar que são represen-tações figurativas de mulheres, distintas entre si, mas conduto-ras dos sentidos de beleza, sub-jetivamente interpretados pela fotógrafa. Para Kossoy (2001, p.29), “o retrato é capaz de nos levar as reflexões emocionais, trans-cendendo o físico e enaltecen-do o espírito”. Sendo assim,

podemos pensar que o retrato fotográfico é passível do poder de gerar sensações tanto no fo-tógrafo e no fotografado, quanto no leitor da imagem, portanto o gênero fotográfico acaba por re-presentar a experiência estética na sua essência. “A fotografia é resultado de um processo de criação/cons-trução técnico cultural estético de uma realidade imaginada, dramatizada de acordo com a ênfase pretendida em função da finalidade ou aplicação a que se destina” (KOSSOY, 2001, p.45). Dessa forma, podemos interpretar que o imaginário da fotógrafa sobre as mulheres re-tratas, é resultado de referên-cias e escolhas que partem do repertório particular, porém não apenas do apanhado ideológi-co, mas também de fatores ex-ternos e internos oriundos das retratadas, que são passíveis do poder de despertar na fotó-grafa sensações que poderiam ser percebidas por um olhar co-mum, mas que justamente por despertar emoções acabam por tornar o processo criativo artís-tico possível de interpretações que levem às definições de belo. Podemos então pensar que o retrato fotográfico não re-presenta apenas a “realidade”,

o universo quimérico paira so-bre o gênero e faz transcender o lado objetivo, nos remetendo imediatamente a uma leitu-ra centrada na subjetividade, onde o sentido de uma dada realidade de beleza apreendi-da pela fotógrafa se dá a partir de uma tamanha capacidade de encontro com a estética, de como essa beleza reage em seu ser, e o prazer que sente ao dei-xar de apenas racionalizar e se submeter a sentir com todos os sentidos que permeiam as sen-sações e sentimentos de uma experiência estética.

Aqui seria bom que se tives-

se claro a distinção kantiana

entre sensação e sentimen-

to. A primeira diz respeito ao

contato material dos órgãos

dos sentidos com o mundo

exterior: o contato dos olhos,

por exemplo, com raios lumi-

nosos; o sentimento, por ou-

tro lado, relaciona-se a uma

auto-percepção do sujeito, ao

modo como ele se percebe

num determinado momento –

o sentimento (de prazer e de

desprazer); essa auto-percep-

ção pode ter origem na sensa-

ção, que é o caso do prazer do

agradável, ou na mera forma

como o sujeito contempla o

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6Retirado de A subjetividade estética em Kant: da apreciação da beleza ao gênio artístico Verlaine Freitas (http://www.verlaine.pro.br/txt/sub-jkant.pdf) 7Alusão ao tema do poema “Por um lindésimo de segundo”, de Paulo Leminski, retirado do livro Distraídos Venceremos.

mundo, que é o caso da bele-

za.6

Há um pequeno tex-to de Galeano onde ele através de palavras poéticas consegue com uma força brutal e emo-cionante descrever o que seria uma sensação gerada pela ex-periência estética da beleza:

Diego não conhecia o mar. O

pai, Santiago Kovadloff, le-

vou-o para que descobrisse o

mar. Viajaram para o Sul. Ele,

o mar, estava do outro lado

das dunas altas, esperando.

Quando o menino e o pai en-

fim alcançaram aquelas altu-

ras de areia, depois de muito

caminhar, o mar estava na

frente de seus olhos. E foi tan-

ta a imensidão do mar, e tanto

seu fulgor, que o menino ficou

mudo de beleza. E quando fi-

nalmente conseguiu falar, tre-

mendo, gaguejando, pediu ao

pai:

— Me ajuda a olhar! (Galeano,

1991, p. 19)

Para quem crê no que é in-crivelmente belo, a beleza é uma forma de ser por si só, e para isso não há explicação, não há palavras, o que há é a contem-plação que a experiência per-mite viver, como uma lente que amplia os pequenos sinais de beleza, fazendo o tempo parar quando os encontramos e com os sentidos aguçados nos leva a guardar no retrato as coisas que vêm do coração. Guardar não apenas no sentido literal da palavra, guardar no sentido de apreender no retrato o que a retina e o obturador captam em um “lindésimo de segundo ”7 e mandam para a memória; guardar no sentido germânico da palavra “wardon”, onde olhar algo significa ver atentamente, ou então tudo de mais belo que está ao nosso redor se perderia na efemeridade do “não-olhar”. Através de uma prosa poé-tica, concluímos que para o belo e para a experiência estética, é

possível que palavras não cai-bam diante de tais sentimen-tos que o dueto proporciona. Uma questão complexa e que não precisa ter nexo. Como di-zer o indizível? Então é preciso mesmo precisão? A beleza das mulheres retratadas tornou a fotógrafa muda de beleza. Pa-lavras para definir o belo ou a incrível experiência estética que permite percebê-lo, são apenas palavras tentando preencher o branco destas páginas, são me-ros escritos que encaminham a olhar no retrato o que palavras dificilmente conseguiriam con-tar.

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REFERÊNCIAS

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DUARTE Jr, J.F. O que é beleza 3. São Paulo: Brasiliense, 1991.

DUBOIS, P. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993. ECO, U. História da Beleza. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2010

ETCOFF, N. A lei do mais belo: a ciência da beleza. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1990

GALEANO, E. O livro dos abraços. Porto Alegre: LPM, 1991

KOSSOY, B. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 1993.

LEMINSKI, P. Distraídos Venceremos. São Paulo: Círculo do Livro, 1987

MANGUEL, A. Lendo Imagens. São Paulo: Companhia das Letras, 2001

MORIN, E. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Neurose. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1995

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Teorias da comunicação e a torcida no futebol brasileiro

Pedro Courbassier Graduado em Comunicação Social, com habilitação para Jor-nalismo, e especialização em Comunicação Coorporativa. Pro-fessor de disciplinas de Jornalismo da Faculdade de Comuni-cação, Arte e Desing do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Salto/SP), e colabora em editorias de Esporte em jornais, revistas e medias eletrônicas sobre Esporte. Vinculado como aluno regular ao programa de Mestrado em Comunica-ção e Cultura da Universidade de Sorocaba – UNISO.

RESUMO

Analise comparativa, por meio das Teorias acadêmicas, da Comunica-ção oriunda da torcida de futebol. Pretende-se, além de traçar um paralelo en-tre conceitos acadêmicos e ações dos ocupantes de arquibancadas de estádios, mostrar que é possível ter erudição acompanhando uma das manifestações cultu-rais mais populares, em se tratando de modalidade esportiva do Brasil, o futebol. O corpus teórico se baseia nas obras bibliográficas contempladas pela bibliografia da disciplina Teorias da Comunicação, do Programa de Pós-Graduação em Co-municação e Cultura da UNISO, particularmente Maurice Fabre e sua História da Comunicação e das análises do professor Paulo Schettino, em aulas; artigos da coletânea Comunicação, Mídia e Consumo, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, uma das poucas encontradas que mesclam esporte e comunicação; alguns clássicos como Aristóteles, Sócrates, Platão e Charles Darwin e sua A Ori-gem das Espécies; outro clássico, mais jovem, Os meios de comunicação como extensões do homem, de McLuhan, que se juntam a pedaços dos conceitos de lin-guistas, como Saussure e Pierce; além de ajuda em obras de temáticas próximas, mas necessárias ao bom entendimento das questões debatidas, como Sociologia e estudo de Esporte, citando DaMatta, Gastaldo e Bourdieu. O método emprega-do foi, principalmente, o estudo comparativo.

Palavras-chave: Comunicação; Cultura; Esporte; Futebol; Torcida.

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2 Questionamos: Seria “maldade” pensarmos e/ou concordarmos com historiadores, sociólogos e pesquisadores que “culpam” o incentivo capitalista-empresarial da prática esportiva pelos operários fazendo dessa atividade lúdico-física uma espécie de ópio, no conceito marxista?3 Para duas interpretações sociológicas sobre o surgimento da ética esportiva em fins do séc. XIX e ao longo do séc.XX, ver Bordieu (1999). 4Para leitura crítica do campo acadêmico dos estudos sociais do esporte, ver Gastaldo (2010).5Não acreditamos que é preciso esclarecer que o futebol é a modalidade mais popular e praticada no Brasil e que esses são dois estreitos em nossa análise.

INTRODUÇÃO

O esporte moderno e os meios de comunicação de mas-sa são dois filhos diletos da modernidade. Na gênese do mundo contemporâneo, é inte-ressante notar seu surgimen-to quase concomitantemente em fins do século XIX. Criado na Inglaterra da Revolução In-dustrial2, e exportado para o mundo todo pelo poderio naval e comercial britânico. O ethos esportivo tornou-se, nesse pe-ríodo, ideal de conduta para as elites do mundo.3 Nesse mes-mo período, as artes gráficas e as tecnologias da comunicação audiovisual experimentaram ex-traordinários avanços: telégrafo, fotografia, telefone, fonógrafo, cinema ou meios eletro-eletrô-nicos e digitais, ferramentas que forneceram condições tec-nológicas para o surgimento de dois importantes fundamentos da cultura de massa no século XX: media e esporte. Ou como define Arlei Damo, professor do Programa de Pós-Graduação em

Antropologia da UFRGS, e autor do artigo Comunicação e Espor-te - explorando encruzilhadas, saltando cerca:

Mais do que fenômenos para-

lelos, esporte e mídia constru-

íram-se mutuamente. A carac-

terística “espetacular” (isto é,

“para ser vista”) inerente às

competições esportivas e seu

poder de mobilização coletiva

(pela metonímia que coloca

nações ou bairros dentro de

campos, pistas ou ringues)

articulam-se perfeitamente

com o surgimento de jornais

impressos em rotativas, des-

tinados a grande número de

leitores, em pleno processo de

expansão urbana na virada do

século (DAMO, p. 41). 4

A esta altura do, desculpe-nos o trocadilho, campeonato poderíamos perguntar qual a re-lação entre media, esporte e Te-orias da Comunicação? Se acre-ditarmos que esporte e media são pensados hoje em forma de produtos e que os consumido-res desse produto, os torcedo-

res – quer apareçam na forma de gritões de arquibancada, pai com filhos uniformizados, teles-pectadores ou porteiros de con-domínio com radinho de pilha no ouvido – são receptores de men-sagens enviadas pela essa ma-nifestação de cultura de massa. Mais: nas arquibancadas das praças esportivas podem co-municar fúria ao não concordar com a marcação regulamentar de um árbitro ou informar, por aplausos e apupos, que deter-minado atleta executou bela jo-gada. Mesmo trazendo o debate para a interatividade das redes sociais, o receptor se transfor-ma em emissor e pode pedir ao comentarista da emissora de televisão que transmite ao vivo o jogo, via e-mail, chat ou Twit-ter, uma opinião sobre o desem-penho de determinada equipe. Isso é ou não é Comunicação? E essa Comunicação não mes-cla cultura futebolística (vamos focar nossa análise a apenas a esta modalidade?5

A pretensão deste nosso trabalho é mostrar que um “grito de guerra” ou nome de torcida

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organizada no mundo do futebol tem lugar na pesquisa das Teo-rias da Comunicação. Seja no plano da “Galáxia de Gutenberg” (McLUHAN, 1979, p. 16), com os gritos, palavrões, aplausos, coreografias e nomenclaturas específicas, na “Era de Marco-ni”, pois o veículo rádio afinou a maneira de apresentar e co-municar as coisas do futebol, ampliando para muitos as pers-pectivas – lúdicas, emocionais, políticas ou sociais - do esporte, estendendo às massas - até aos analfabetos – a possibilidade de aproximação nessa manifes-tação cultural. Ou ainda, seja na “Terceira Era”, descrita dessa vez não por Mchullan, mas pelo professor Paulo Schettino, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UNI-SO, como “A Era ou Galáxia de Bill Gates” (SCHETTINO, in sala de aula, 2011). Podemos não gostar dos motivos que levam pessoas a gritar doentiamente o nome de um clube/time, mas não po-demos deixar de perceber que vivemos época em que todos os agentes humanos estão in-terligados na “grande rede”, reduzindo tudo a “mercado”. E há Comunicação que descreve cada área de manifestação cul-

tural humana. No esporte pode até ter mais, visto que, só para citar três, há a relação de con-versa entre os agentes que pra-ticam ou são fãs da modalidade esportiva. Neste caso, temos os gritos e chamadas de atenção entre jogadores, que podem até mesmo usar gestuais para se relacionarem nas jogadas e desempenhos atléticos. Grande exemplo desse caso, rotineira-mente apresentado nas par-tidas de futebol, é o gesto em que a mão espalmada vai de um lado a outro dando a ideia de “foi tirado”, ou seja, roubo. Normalmente o atleta ou treina-dor que faz tal gesto acabou de ser expulso de campo. Há também a comunica-ção, que atrevemos a chamar de mercantil, que é a venda do produto esporte e um públi-co consumidor. Nesse contexto entram em jogo debates sobre transmissões multimídias, pu-blicidade, megaeventos e outras possibilidades que neste traba-lho não pretendemos tocar. Há ainda outra, e talvez bem mais modesta, sugerindo que se deve olhar mais para as arquibanca-das – ou para as poltronas de casa, mesas de bar, enfim, para onde está o público – e, menos dentro de campo. Ao invés de

pensar que o jogo cria um públi-co, ou um consumidor, por que não pensar que o público cria o jogo e dá a dose de emoção e Comunicação humana para que essa lúdica manifestação cultu-ral não se afaste do humano? É com esse assunto, esse toque de bola, que este trabalho pre-tende aproximar e refletir: as manifestações da torcida – ou do público que se informa sobre um jogo de futebol pelos meios de Comunicação – e aspectos das Teorias da Comunicação.

ARQUIBANCADA, PSICANÁLI-SE, LINGUÍSTICA E OUTROS ESTUDOS ACADÊMICOS

Pediremos ajuda à Linguís-tica e à Sociologia. Esta segun-da ciência – e muitos de seus sociólogos - já explicaram que o comportamento humano é in-fluenciado em duas dimensões: uma enquanto individuo solitá-rio, outra quando se encontra em uma multidão. Em O Signi-ficado do Significado (OGDEN e RICHARDS, 1946), obra da Semiótica inglesa que estuda a influência da linguagem sobre o pensamento e sobre a ciên-cia do simbolismo, é apresen-

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tada a metáfora: a de que um ser semelhante de sua espécie funciona como um espelho, já que o ser humano precisa do outrem para viver e saber como viver. Além disso é importante considerar que todos da mesma espécie tem as mesmas neces-sidades vitais, sendo a principal delas, em nível da civilização, ser reconhecido no outro. Fala-mos aqui em civilização e numa análise pela Linguística, pois cabe ao esporte a idéia do co-letivo. Mesmo nas modalidades ditas individuais (natação, atle-tismo, tênis...) é preciso do “es-pelho”, o adversário, além de necessitar de semelhantes que serão agentes do espetáculo da ação: árbitros, público, comis-são técnica entre outros. As te-orias bancadas pela Linguística e pela Sociologia, além de justi-ficar o “ser-individual” e o “ser-no-meio-da-multidão” explicam também por que tantas pessoas se vestem com a mesma roupa, se dirigem ao mesmo local, gri-tam as mesmas palavras, tem emoções muito parecidas e po-dem abusar dessa tarefa lúdica e – por que não? – psicanalíti-ca: ser o remédio do extravaso. O torcedor, antes de tudo, troca aspectos da realidade por uma espécie de mundo paralelo, na

qual a Comunicação, em muitas vezes, não precisa ser tão poli-da quanto à usada no cotidiano, seja no âmbito familiar como no profissional. Esse processo de “desestresse” desculpa muitas vezes qualquer crítica dirigida ao fanático, seja de que este perca tempo – poderia estar produzindo – ou dinheiro, con-trapondo-se a uma visão mais cartesiana e positivista do ser na sociedade. O indivíduo torcedor se transforma em coletivo-tor-cida no meio da arquibancada. O eu se transforma no “É nóis”: gíria aplicada aqui para a idéia de grupo, até mesmo de tribo, do relacionamento em um nicho de sociedade que gera imagens comportamentais. Exemplifican-do, um humano que fala o mes-mo idioma dessa “tribo” deixa de ser gente-cidadão, que evita falar um “nome feio” na frente do vizinho, por exemplo, para se tornar um “gaviões”, um “da mancha-verde” (nomes de tor-cidas organizadas), um ser que beira o violento ou o engraçado – dependendo da característi-ca da torcida uniformizada em que se posiciona. Aqui temos a característica do comportamen-tal marcando a comunicação de cada um desses grupos. Ao retomarmos a análise

sobre as causas da adesão de torcedores ao ato de assistir e torcer num jogo de futebol po-demos levar em consideração a paixão (ausência da razão – sentimento) e causas externas, como o contexto sócio-econô-mico e cultural nos quais essas pessoas vivem e o padrão de sociabilidade, mas também fa-tores intersubjetivos da dinâmi-ca grupal, que levam o indivíduo a agir de forma diferente dos papéis que assumem no seu cotidiano. Uma análise interna parece ser oportuna para a in-trodução do que Freud (1996) chama de psicologia de mas-sas. É uma subdivisão da Psi-cologia Social orientada para o estudo do indivíduo como mem-bro de uma raça, nação, profis-são, instituição ou como mem-bro de multidão que, em certos fins e momentos, se reúne para cumprir determinado objetivo. Aqui aparece no indivíduo um fenômeno mental que Freud classifica, em várias de suas obras, de instinto social, capaz de promover comportamentos peculiares para a ocasião e este objeto de estudo. Ao conjunto de situações e comportamentos próprios que regulam as ativida-des de certos coletivos dá-se o nome de grupo psicológico:

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é um ser provisório, formado

por elementos heterogêne-

os que por um momento se

combinam, exatamente como

as células que constituem

um corpo vivo, formam, por

sua reunião, um novo ser que

apresenta características mui-

to diferentes daquelas obtidas

por cada célula isoladamente

(FREUD, 1996, p. 83).

Certamente, não estamos desconsiderando que os inte-grantes das torcidas organiza-das são constantemente citados como participantes de ativida-des baderneiras ou até mesmo violentas. Nem podemos des-cartar que as atitudes desse grupo distanciam dos indivíduos que tem em paralelo uma con-vivência familiar, social ou pro-fissional tranqüila e passam em certos momentos pela desagre-gação da ordem instituída. Con-sideramos esses componentes, apesar de não aprofundarmos esse estudo, já que não esta-mos no debate sociológico em si. Também seremos ajudados pela observação empírica dos fatos. Assim, chegamos à con-clusão que o comportamento do indivíduo ganha contornos mais acentuados enquanto torcedor. E mais ainda enquanto torcedor

“organizado”. Evidentemente a Comunicação desse grupo tem toda uma peculiariedade. O de-talhes dessa Comunicação divi-diremos em dois, a seguir.

A PAIXÃO

Seguindo a idéia apresen-tada em parágrafos anteriores, entramos em outro fator im-portante a ser analisado quan-do se compara Comunicação e torcida de futebol: a paixão. Lembramos ainda da Retórica da Paixão (ARISTÓTELES), ou da ausência da razão socráti-ca, a qual, resumidamente, nos lembra que quando se fala o mesmo idioma, o conhecimento passa a ser comum e isso é Co-municação. Se para o pensador grego é possível viver bem des-de que se comunique bem com seus próximos, para a torcida é possível viver melhor valorizan-do a paixão que seus compo-nentes sentem por determinada facção, suas cores e história. Milhares de seres humanos gastam tardes do fim de sema-na ou noites de quartas-feiras em idas a jogos para se encon-trar com semelhantes e exaltar ou agredir clubes de futebol.

Observados de perto, passam a sensação que se reconhecem enquanto grupo – e o são – e que sentem imensa satisfação em fazer isso. Mais: jovens com idade variando entre 14 e 25 anos são os principais agentes dessas tribos. Essa situação nos faz lembrar a idéia de imita-ção que, na narrativa refere-se ao ato de selecionar elementos lingüísticos para se reportar um fato. Aristóteles sugere (2000: 103) “há os que imitam muitas coisas, exprimindo-se com cores e figuras [...] imitam com ritmo, a linguagem e a harmonia [...]”. Notoriamente é relacionável as ações e sentimentos de paixão-grupo-imitação:

É, pois, a tragédia imitação de

uma ação de caráter elevado,

completa e de certa extensão,

em linguagem ornamentada

e com as várias espécies de

ornamentos distribuídas pelas

diversas partes do drama, imi-

tação que se efetua não por

narrativa, mas mediante ato-

res, e que, suscitando o terror

e a piedade, tem efeito a purifi-

cação dessas emoções. (ARIS-

TÓTELES, idem, p.110)

Traduzindo alguns dos ter-mos usados pelo filósofo grego

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6 Sobre torcedores e paixão indica-se o olhar do escritor Luís Fernando Veríssimo, que sempre retrata suas angústias, alegrias e decepções nas crônicas publicadas em periódicos de todo País, no livro “Torcedor” (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008), escrito em parceria com Carola Saavedra.

e colocando essas palavras em tempos atuais e relacionando-as as torcidas do futebol, podemos traduzir tragédia por aventura de ir ao jogo e a maneira como torcer; imitação como seguir tanto o pai/irmão mais velho ou vizinho no ato de ir a jogos e torcer por determinada equipe, além de acompanhar os gritos e coreografias do líder da torci-da; caráter elevado é a paixão clubística, a dedicação supra ao time; linguagem ornamentada são todas as peripécias, vocais, sonoplastias ou de efeitos visu-ais vindos da arquibancada em apoio ao time; partes do drama: cada parte da partida; terror e piedade: apoio e repulsa, crítica e manifestação de alegria; para a purificação de emoções que pode ser entendida como sair extravasado ao xingar bastante a mãe do árbitro.6

A PALAVRA

Se somos governados pela palavra (VIDAL) e desde o início somos absortos nas palavras (SCHETTINO), temos de pas-sar por essa importante ferra-

menta da Comunicação e abrir nova análise/debate: como as torcidas do futebol usam essa “arma”. A distância física do local onde se encontra os fãs da modalidade e os locais que querem atingir a mensagem encontra dois obstáculos. Pri-meiro, a distância física. Alguns estádios de futebol têm uma ar-quibancada a algumas dezenas de metros dos gramados, palco dos protagonistas do jogo e prin-cipais receptores – e alvo – das palavras proferidas pela torcida. Outro obstáculo são paredes ou lance de andar/patamar, já que alguns camarotes, locais onde ficam os dirigentes de clubes, e as cabines de imprensa, onde ficam os homens dos meios de comunicação. Esse esforço de se fazer comunicar vem da ne-cessidade, diríamos, biológica de explicar toda a infinita dúvida de onde estamos e para onde vamos e de se mostrar ao ou-tro. Isso explica as interjeições, sussurros, explosões sonoras de raiva ou felicidade e lamurio vindos dos torcedores. Querem dizer “estamos aqui!”. Mas há intenções bem mais complexas já que se atribui como um das funções da palavra a de repre-

sentar o pensamento humano, e por isto constitui uma unidade da linguagem humana. Nesse quadro encontram-se os xinga-mentos, as cantorias, as rimas, as escritas em faixas. É claro que nem sempre o aspecto se-mântico coincidirá com o senti-do denotativo ou mesmo a escri-ta. Assim, um nome de animal passa a ser elogio, um adjetivo com terror, que em princípio de-notativo pode parecer pejorati-vo, ganha – como em no refrão “Ê, ô; ê, ô: fulano é um terror!” – contornos de vocábulo de elo-gio. O mesmo é aplicado ao ter-mo irado. Aqui lembramos que em muitos exemplos o conceito de nicho e gíria encaixa como lu-vas no sistema de comunicação dos torcedores. Desde que Platão deba-teu os problemas oriundos das correlações entre os objetos do mundo sensível e as suas de-notações pela linguagem, o sig-nificado de significado passou a ser um dos temas centrais do pensamento crítico do Oci-dente. Pensadores vinculam as funções da linguagem aos pro-blemas do conhecimento e da comunicação humana no senti-do mais amplo, desde a lógica

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a metafísica. No entanto, como afirmam Ogden e Richards, os autores das teses copiladas em O Significado de Significado, essa necessidade nunca havia despertado dimensão para se colocar em igualdade com se-tores do conhecimento como a Filosofia, por exemplo.

O problema do significado pas-

sou, assim, a ser uma reali-

dade intermitente, e terminou

como território apenas formal

da Filosofia. Sua urgência, no

entanto, é nuclear e funda-

mental para a validade mes-

ma do pensamento científico.

(OGDEN e RICHARDS, int. à 2ª.

ed.)

Baseando-se nesse pretex-to, entendemos (e cooperamos com este estudo) que todas as áreas da atividade humana – econômicas ou lúdicas; políticas ou culturais – devem fazer par-te dos programas de pesquisas de graduação e pós-graduações das universidades brasileiras. Acreditar que o futebol, ou o comportamento dos torcedores nas arquibancadas dos está-dios, é “coisa menor” é dispen-sar uma grande oportunidade de compreender melhor não só aspectos antropológicos e socio-

lógicos, mas entender como o ser humano é capaz de sempre encontrar as melhores manei-ras de tornar eficiente a divulga-ção da mensagem, elaborando códigos cada vez mais criativos e complexos a fim de estabe-lecer aquilo que é, ao lado da criatividade e do pensamento, a viagem mais maravilhosa da evolução do homo sapiens: a Comunicação. Os torcedores de futebol não usam a palavra apenas como um índice, ou seja, a ideia que ela (palavra) representa e que tem um sentido por trás da palavra escrita ou falada. Esta-mos nos referindo ao aspecto da representação imaterial da palavra, o qual alguns lingüis-tas dão o nome de termo e que constantemente é quebrado pela criatividade brasileira em unir aspectos diferentes da cul-tura popular e usar como men-sagem de ordem sentimental e incentivadora para os atletas e/ou à equipe dentro do campo de jogo ou em encontros relaciona-dos ao assistir futebol:

“Xis, zé; xis, zé: Quinze! Quin-

ze!”

(grito dos torcedores de Pira-

cicaba/SP, sede do Esporte

Clube XV de Piracicaba – que

fazem coreografia com os bra-

ços formando as letras X e V)

“Au, au, au: Edmundo é ani-

mal!”

(refrão gritado por torcedores

da S. E. Palmeiras e direcio-

nados ao atacante Edmundo,

que também serviu à seleção

brasileira de futebol)

É por isto que o correto é “explicar bem um termo”, não “explicar bem um vocábulo”. Do mesmo modo, o correto é “pro-nunciar bem um vocábulo”, não “pronunciar bem um termo”. Além de não esquecermos que uma palavra também pode ser definida como sendo um con-junto de morfemas. E essa va-riedade de possibilidades trans-forma os cantos dos torcedores de futebol num objeto de estudo interessante e que deveria moti-var mais a academia. Aproveitando o tema deste capítulo, vale nos apoderarmos de um interessante diálogo, a conhecida conversa entre Só-crates e Hermógenes, em que o primeiro questiona ao segundo se “falar não é, porventura, tam-bém um ato?”:

Hermógenes. Sim.

Sócrates. Falará, então, al-

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guém corretamente, falando

segundo a sua opinião acerca

do modo como se deve falar?

Ou conseguirá falar com cor-

reção, se o fizer, cingindo-se

à maneira própria de dizer

as coisas e servindo-se dos

meios adequados a isso? De

outra sorte, não falhará e não

será inútil seu esforço? (PLA-

TÃO, 1994, p. 17, 25-30)

Quantas – e quão belas tantas indagações! Mas todas, sabiamente conduzidas por Pla-tão, nos fazem refletir sobre as várias possibilidades da fala, da comunicação. As possibilidades de traçar amplos sentidos para as mais variadas justificativas são presentes em toda trajetó-ria da humanidade. Inclusive no mundo do futebol. Interessante exemplo ocorreu em pleno es-tádio municipal Mario Filho, o mundialmente conhecido Ma-racanã, no Rio de Janeiro, du-rante disputa da final da Copa do Brasil de 1997. A torcida do Clube de Regatas Flamengo, reconhecidamente por institu-tos de pesquisa como a maior do País, começou a entoar um refrão bastante famoso naque-le ano, oriunda de uma canção do chamado “funk carioca” e na qual se fazia associação ao

time estar ganhando, perto da conquista de mais um troféu de campeão, o que, nem é preciso explicar, alegra seus fãs: “Ah, eu tô maluco! Ah, eu tô maluco! Ah, eu tô maluco!”. Eis que a partida toma um rumo diferente próxi-ma ao seu final: a equipe adver-sária, a do Grêmio de Foot Ball Porto Alegrense, do Rio Grande do Sul, consegue passar à fren-te no placar e ficar com o título de campeão. A conquista moti-va seus torcedores a responder (interagir, caçoar, provocar, se mostrar presente: comunicar) a torcida rival, mostrando-se feliz e satisfeita e exaltando, parti-cularmente, o aspecto regional. Grita: “Ah, eu sou gaúcho!... Ah, eu sou gaúcho! ...Ah, eu sou gaúcho!” Se, ainda em Crátilo, Só-crates e Hermógenes debatem a atribuição de nomes a objetos e a maneira com que um foi atri-buído a outro, podemos inverter o diálogo “...vejo cada uma das cidades atribuir, por vezes, no-mes diferentes aos mesmos ob-jetos e distinguirem-se nisto os Gregos dos outros Gregos e os Gregos dos Bárbaros.” (PLATÃO, idem, p. 13, 25-30). Devemos concordar que cada regionalida-de, ou grupo, ou torcida, é capaz de dinamizar um léxico, trocá-lo

ou adaptá-lo, e alcançar seus objetivos. Resta-nos indagar aqui se flamenguistas e gremis-tas seriam gregos e troianos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando a torcida grita “Goooool”, ela utiliza se da lin-guagem verbal para expressar a sua euforia; isso ocorre porque o termo gol é uma expressão da língua. É mais que evidente a intrínseca relação entre as manifestações populares dos torcedores de futebol e as Te-orias da Comunicação. Mas é preciso ganhar outro jogo, o de que é necessário convencer a pesquisar, aprofundar e debater mais a relação entre o munda-no mundo do futebol, principal-mente se virarmos o foco para a arquibancada, e a academia. Não se pode deixar qualquer área de atividade humana fora da pesquisa científica. O exem-plo deste trabalho é uma gota no oceano das possibilidades de traçarmos paralelos entre te-orias – sobretudo da Comunica-ção – e manifestações culturais populares. O torcedor de futebol é um ser a ser decifrado. Hora encan-

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tador do ponto de vista da ani-mação do espaço público, hora um violento marginal da socie-dade, torcedores não deixam de ser um grupo formado por seres humanos que são motivados por carências e desejos encon-trados em projeção a outros gru-pos humanos. Para entendê-los melhor é necessário destrinchar cada parte desse complexo. A Comunicação (e suas teorias) podem ajudar a compreender como se relaciona e que motiva-ções tem os que gritam do alto de uma arquibancada. Por falar em pesquisa científica e “homo sapiens”, lembramos de Charles Darwin. O evolucionista britânico não foi consumidor de modernidades, nem jornalista, muito menos técnico de futebol. Morreu an-

tes da profissionalização dessas áreas e não teve qualquer tipo de ligação com elas durante sua vida, segundo seus biógra-fos. Pensamos ser improvável que fizesse ideia de como sua famosa Teoria da Evolução das espécies pudesse pautar, dois séculos depois, um mundo tão tecnológico e ágil. Dizemos isso por que a nossa área da Comu-nicação tem mudado de ma-neira tão frenética que não se percebe certas analogias. Uma delas, que Darwin marcou um belo gol: “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligen-te, mas o que melhor se adapta às mudanças” (Charles Darwin, 1858). Esquecendo a biologia e trazendo a seleção natural para o debate, colocamos que estamos numa contagem re-

gressiva para a extinção da era em que futebol e torcida se fa-ziam distantes da Comunicação e do interesse da pesquisa da sociedade. Não devemos deixar o debate apenas para as edito-rias de Esportes e Polícia dos jornais. Mesmo por que a possi-bilidade dessas duas é limitada. Pronto, a hora de entrar em campo e vencer o adversá-rio chegou. A Comunicação é um campo enorme e não deve-mos esquecer nenhum produto humano. Que este debate seja “a preliminar” do jogo principal: que possamos entender cada vez mais as manifestações dos torcedores. A Comunicação não pode se ausentar desse deba-te. Só depois desse aprofunda-mento é possível condená-las ou aplaudi-la.

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FERREIRA, G. M.; HOHLFELDT, A.; MARTINO, L. C.; MORAIS, O. J. de (Orgs.). Teorias da Comu-nicação: trajetórias investigativas, Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.

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Arte, Loucura e Modernidade

Sonia Leni Chamon

Arte educadora e artista plástica, é mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unicamp; especialista em Semióti-ca pela Escola de Comunicação e Artes da USP; licenciada em Artes Plásticas pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo. Atualmente é professora de História da Arte e História da Ar-quitetura na Faculdade de Comunicação, Artes e Design e na Faculdade de Engenharia e Arquitetura no Centro Universitário

Nossa Senhora do Patrocínio, Salto - SP.

RESUMO

Análise da influência direta da arte produzida por internos de hospitais psiquiátri-cos na arte moderna e contemporânea, desde a produção alemã dos anos 20 do Hospital Psiquiátrico de Prinzhorn, aos brasileiros ligados a Osório César e a Nise da Silveira, e o caso de Arthur Bispo do Rosário

Palavras-chave: arte moderna, inconsciente, Prinzhorn, Osório César, Nise da Silveira, Arthur Bispo do Rosário

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A ARTE MODERNA: CAMINHOS PARA A VERDADE

O século XIX foi um perío-do conturbado e apaixonante. Invenções, descobertas, ideo-logias e filosofias exigiram do Homem mudanças profundas de concepção e alteração de padrões já existentes. Os câno-nes severos do Neoclassicismo já não bastavam para traduzir esse novo tempo, rejeitou-se, então, a tradição em busca do primitivo e do instinto através do Romantismo. Fenômenos so-ciais desumanos ligados à Re-volução Industrial propiciaram ‘fugas’, escapismos, revivals como o Pré-Rafaelismo e o Neo Gótico. Mas abriram caminho, também, para novos sentidos na arte. A busca pelo mais au-têntico, pelo o que estava na origem, resultou em obras como as de Rousseau e Gauguin. Abriu-se caminhos para artes até então marginalizadas, como as dos povos primitivos, das ra-ças orientais, as folclóricas, as das crianças e as dos insanos (MacGREGOR, 1989). Essas artes, indícios de uma época aparentemente vulnerável, in-dicaram novos caminhos e con-

tribuíram para a construção da Arte Moderna – uma nova forma de representação para um novo tempo. Já no século XX, a colabo-ração da arte dos insanos se tornou ainda mais expressiva pelas pesquisas e divulgação proporcionadas pelo médico e historiador da arte, Hans Prin-zhorn (1886/1933). Em 1922 publicou o livro que se tornou referência básica nos círculos dadaístas e expressionistas da época: Expressões da Loucura. Relatava os procedimentos ar-tísticos na Clínica de Heildelberg e acreditava que uma pulsão criadora e expressiva sobrevive à desintegração da personalida-de. Obras de artistas insanos foram organizadas na chamada Coleção Prinzhorn e expostas entre 1929 e 1933 em paises como França, Alemanha e Su-íça. Em 1933 a clínica de Heil-delberg foi tomada pelos nazis-tas, que usou negativamente a coleção para fins de propagan-da nazista1 dando início ao pro-grama de exterminação dos do-entes mentais. Fazia parte da propaganda nazista, a comparação depre-ciativa do acervo de Heildelberg

com obras de Arte Moderna – tida como Arte Degenerada - como as de Cézanne, Van Gogh, Klee, Kandinsky, Kokoshka, Chagal.

1Como é registrado no documentário Arquitetura da destruição (Undergångens arkitektur), direção de Peter Cohen, Suécia – 1989.

August Natterer: The Miraculous Shepherd, 1919. Prinzhorn Collection, Heidelberg

Johann Knopf, Petition No. 2345, The mys-terious affairs of the murderous attacks. Prinzhorn Collection, Heidelberg

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Pode-se perceber o quão peri-gosa se tornou a arte, enquan-to símbolo de liberdade e iden-tidade, na trajetória nazista. A arte individualizada, expressiva, construtora deveria ser inter-rompida em favor de um imagi-nário de pureza racial e poder.Mas a arte Moderna continua o seu percurso e a arte dos insa-nos ganha novo destaque como referência na Arte Brüt de Jean Dubuffet, a partir de 1945, que se opunha veementemente con-tra um sistema hierárquico nas artes e assimilava plenamente a arte dos insanos. A coleção Du-buffet, em Lausanne, tem uma grande quantidade de trabalhos realizados por pacientes de hos-pitais psiquiátricos

A CONTRIBUIÇÃO NACIONAL

A década de 20, no Brasil, inaugura um profundo entrela-çamento entre os modernistas e a psicanálise. As obras literá-rias de Mário de Andrade e de Oswald de Andrade estão im-pregnadas pelo pensamento de Freud (FERRAZ, 1998), além de haver um interesse reflexivo so-bre o assunto por todo o grupo

antropofágico. Tarsila do Amaral juntamente com Ismael Nery e Flávio de Carvalho representam os artistas plásticos que sinteti-zam visualmente essa estética psicológica. Imagens fantás-ticas povoam o tempo desses modernistas que as concreti-zam em suas pinturas 2. O primeiro trabalho sis-tematizado com arte dos insa-nos, no Brasil, foi o do médico psiquiatra Osório César, que a partir de 1923 desenvolve um trabalho de artes plásticas com pacientes internados no Hospi-tal Juquery, em São Paulo. Em 1925 publica A Arte Primitiva nos Alienados; em 1929, A Ex-pressão Artística nos Alienados; em 1934, A Arte dos Loucos e Vanguardistas e em 1939, Mis-ticismo e Loucura, com ilustra-ções de Tarsila do Amaral. Estas obras dialogaram com a produ-ção modernista, assim como as constantes e valorizadas expo-sições de obras dos internos de Juquery.A partir de 1946, inicia-se o tra-balho de Nise da Silveira (com certeza, a mais significativa pes-quisadora e incentivadora do trabalho artístico em internos psiquiátricos) no Centro Psiquiá-trico de Engenho de Dentro, Rio

2FERRAZ, M Heloísa. Arte e loucura. São Paulo: Editora Lemos, 1998, p.40.

de Janeiro. Abolindo métodos desumanos, introduz a terapêu-tica ocupacional como meio de pesquisa e análise e também como forma auxiliar no trata-mento do doente, estabelecen-do conexões entre as imagens que emergem do inconsciente e a situação emocional vivida pelo indivíduo . A primeira exposição destes trabalhos, em 1947 no MEC, despertou o interesse da crítica de arte. Em 20 de maio de 1952 é inaugurado o Museu de Imagens do Inconsciente, consi-derado hoje referência nacional, com mais de 300.000 obras em seu acervo.

Aurora Cursino dos Santos, aprox. 1950

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O contato com as obras do acervo ou diretamente com os artistas, foi um diferencial para artistas como os concretistas Ivan Serpa e Arthur Mavignier. O Novo Realismo da chamada

Geração 80, também bebeu da fonte da arte dos insanos. Obras do Museu de Imagens do In-consciente participaram, e ain-da participam, da construção da Arte Contemporânea nacional.

Emygdio de Barros, acervo Museu de Imagens do Inconsciente.

Fernando Diniz, , acervo Museu de Imagens do Inconsciente.

ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO

Arthur Bispo do Rosário (Japaratuba SE 1911, Rio de Janeiro RJ 1989) foi internado como esquizofrênico – paranói-co na Colônia Juliano Moreira, Rio de Janeiro. Sem nenhuma terapia específica ligada às ar-tes, desenvolve uma das mais extraordinárias produções de arte do inconsciente brasileira.

Desprovido de conheci-mentos sobre linguagens artís-ticas contemporâneas e sem nenhuma intenção de “fazer arte”, Bispo do Rosário produziu cerca de mil peças com objetos de seu cotidiano, como roupas e lençóis bordados com linha azul desfiada de uniformes dos internos ou como assemblages de objetos obtidos na clandesti-nidade do hospital. Toda essa produção foi

Manto da Apresentação , acervo Museu Bispo do Rosário.

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realizada dentro de especifica-ções sagradas. Em sua coleta, Bispo estava elaborando os parâmetros tanto de sua identi-dade como de sua posteridade: todos os objetos e bordados ... haviam sido executados para o momento do Juízo Final [o momento da Apresentação ] ... Como diria Foucault, ‘linguagem

e delírio estão entrelaçados na formulação da verdade do sujei-to’.3 Bispo era detentor de uma personalidade poderosa . A sua existência mística não foi aceita pelos padrões de normalidade. Sua obsessão pelo fazer cha-mado artístico lhe deu sustenta-ção como indivíduo, promoveu

a sua identidade, construiu a sua vida, preparou a sua mor-te. Esta, que foi uma arte tão desesperadamente íntima, pon-tuou caminhos de artistas con-temporâneos como Leonilson. Obras de Bispo do Rosário esta-rão em exposição na 30ª Bienal de Arte de São Paulo.

BIBLIOGRAFIA

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FORTUNA, Sonia M. Terapias expressivas: Demência de Alzheimer e qualidade de vida – uma com-preensão Junguiana. Campinas: Alínea, 2000.

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3FORTUNA, Sonia M. Terapias expressivas: Demência de Alzheimer e qualidade de vida – uma compreensão Junguiana. Campinas: Alínea, 2000. (p.30).

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Os Efeitos Sociais da Comunicação Jornalística

João José de Oliveira Negrão

Doutor em Sociologia Política pela PUC-SP e Professor na Fa-culdade de Comunicação, Artes e Design do CentroUniversitá-

rio Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP)

RESUMO

O artigo traz a discussão sobre os efeitos da comunicação jornalística, abordan-do, em especial, as hipóteses da agenda setting e da espiral do silêncio. Recu-pera o histórico dos debates das teorias da comunicação acerca dos papéis do emissor e do receptor neste processo.

Palavras-chave: Efeitos da comunicação. Agenda setting. Espiral do silêncio

ABSTRACT

This article discusses the effects of journalistic communication, especially the hypoth- eses of agenda setting and the “Spiral of Silence”. The article references the history of debates on communication theory, especially regarding the roles of sources and receiv- ers.

Key words: Effects of Journalism Communication. Agenda Setting. Spiral of Silence

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INTRODUÇÃO

Durante muito tempo – entre os anos 20 e 70 do sé-culo XX —, a questão dos tipos de efeitos provocados nos re-ceptores pelos meios de co-municação de massa, quan- do considerada com alguma relevância, limitava-se àqueles mais imediatos e diretos, pois, conforme aquela que pode ser considerada a primeira teoria da comunicação de massas, a teoria hipodérmica, “cada indi-víduo é um átomo isolado que reage isoladamente às ordens e sugestões dos meios de comu-nicação de massa monopoliza-dos”. (WRIGHT MILLS. In WOLF, 1995, p. 24). A ideia básica, aqui, é a capacidade ilimitada dos meios de comunicação de dirigir o processo comunicativo, sem que o receptor tenha qualquer papel crítico, interpretativo ou de ressignificação da mensa-gem. Se forem tecnicamente bem construídas e transmiti-das, “as mensagens da propa-ganda conseguem alcançar os indivíduos que constituem a massa, a persuasão é facilmen-te ‘inoculada’. Isto é, se o ‘alvo’ é atingido, a propaganda obtém o êxito que antecipadamente

se estabeleceu” (WOLF, 1995, p. 24). Esta primeira teoria foi questionada pelo desenvolvi-mento de teorias e experimen-tações posteriores no campo da comunicação de massas. Nos anos 40, desenvolvendo estu-dos sobre a campanha eleitoral daquele ano, Paul Lazarsfeld e sua equipe apontam para um papel limitado dos meios de co-municação. Para eles, conforme Traquina (2001, p. 16), este pa-pel é, principalmente, reforçar atitudes e opiniões existentes, não alterá-las. Entra em cena, então, a ideia dos efeitos limi-tados da mídia, que, conforme Traquina (op. cit.), tornou-se o paradigma dominante no início dos anos 60, embora contradi-tado por outras posições, como as defendidas pela Escola de Frankfurt. O sucesso da teoria dos efeitos limitados, segundo WOLF (1995, p. 127), deveu-se, entre outros, à adequação dela às grandes empresas de comu-nicações de massa e à imagem dos jornalistas, pois ajudava a defender, “uns e outros, de controles e pressões sociais excessivas, que seriam, pelo contrário, inevitavelmente acen-tuados desde que se acreditas-se na ideia de uma influência

maciça dos mass media sobre o público”. Sintetizando, pode-se afirmar, com Schultz, que o es-tudo sobre os efeitos da mídia permaneceu por muito tempo preso às seguintes premissas:

a)os processos comunicativos

são assimétricos: existe um

sujeito ativo que emite o estí-

mulo e um sujeito passivo que

é impressionado por esse estí-

mulo e que reage;

b)a comunicação é individual;

é um processo que diz res-

peito, antes de mais nada, a

cada indivíduo e que deve ser

estudado nesses indi- víduos;

c)a comunicação é intencio-

nal; o início do processo, por

parte do comunicador aconte-

ce intencionalmente e dirige-

se, em geral, a um objetivo; o

comunicador visa um determi-

nado efeito;

d)os processos comunicativos

são episódicos: o início e o fim

da comunicação são limitados

no tempo e os episódios comu-

nicativos têm um efeito isolá-

vel e independente (SCHULZ.

In WOLF, 1995, p.125-126).

Mas este paradigma está sendo superado. Desloca-se o pressuposto dos efeitos de cur- to prazo para as consequências

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do agenda setting só se tor- nam assunto de uma agenda pública de discussões aqueles temas – entre os milhares pos- síveis – que ganhem espaço nos jornais, revistas, rádios e tevês. É preciso, aqui, mar- car uma distinção: há duas esferas possíveis em relação às quais as pessoas orientam suas con-versas. Uma é aquela que pode ser chamada de “agenda pes-soal”, onde se localizam temas que dizem respeito à vida pri-vada de cada um: o filho que adoeceu, o carro que que-brou. Estes são temas não-me-diatizados. Neste nível, é baixa ou nula a influência da mídia, porque só pessoas muito próxi-mas conversarão sobre eles. Há, porém, uma esfera de assuntos comuns, que par-te significativa dos agentes so- ciais conhece e sobre os quais fala. É aí, segundo a hipótese, que a mídia, pela seleção, dis- posição e incidência das notí- cias, determinará os temas. As-sim, para E. Shaw,

em consequência da ação

dos jornais, da televisão e

dos outros meios de in- forma-

ção, o público sabe ou ignora,

presta atenção ou descura,

realça ou negligencia elemen-

de longo prazo, pois, conforme Roberts, “as comuni- cações não intervêm diretamente no comportamento explícito; ten-dem, isso sim, a influenciar o modo como o destinatário orga-niza a sua imagem do ambiente” (In WOLF, 1995, p. 126), quer dizer, os meios de comunica-ção provocam efeitos cognitivos sobre o sistema de conhecimen-to dos indivíduos, não apenas pontuais, mas sedimentados no tempo. Assim, com Wolf (Op. Cit.), podemos afirmar que no centro da questão dos efeitos coloca-se a relação entre a ação constante da mídia e o conjunto de conhecimen- tos sobre a rea-lidade social, “que dá forma a uma determinada cultura e so-bre ela age, dinamicamente”.

A HIPÓTESE DE AGENDA SET-TING

No final dos anos 60, os pro- fessores norte-americanos Maxwell McCombs e Donald Shaw formularam a hipótese de agenda setting, buscando estudar que tipo de efeitos os meios de comunicação de massa provocam em seus receptores. Para a hipótese

tos específicos dos cenários

públicos. As pessoas têm ten-

dência para incluir ou excluir

dos seus próprios conheci-

mentos aquilo que os mass

media incluem ou excluem do

seu próprio conteúdo. Além

disso, o público tende a atri-

buir àquilo que esse conteúdo

inclui uma im- portância que

reflete de perto a ênfase atri-

buída pelos mass media aos

ac- ontecimentos, aos proble-

mas, às pessoas (SHAW. In

WOLF, 1995, p. 130).

Barros Filho (1995) mos-tra dois exemplos de agenda set- ting. O jornalista norte-a-meri- cano Lincoln Steffens, em sua autobiografia, conta como, no jornal Evening Post, de- ci-diu publicar histórias poli- ciais pitorescas, que eram até então relegadas. O “furo” fez que ou-tros jornais tivessem o mesmo procedimento. O aumento dos crimes tratados pelos jornais levou público e autoridades a considerar a criminalidade mais relevante (na época, falou-se até de “crime wave”), sem que, na realidade, houvesse uma elevação estatística do número de crimes. Outro exemplo interessan-te diz respeito à divulgação

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em 1993, pelo Fantástico, da Rede Globo, do movi- mento separatista República dos Pampas, então existente no Rio Grande do Sul, segundo seus idealizadores, há mais de cinco anos. No entanto, para a quase totalidade do País, tal movimento — de baixíssima pe-netração no próprio sul do Bra-sil, é necessário frisar – passou a existir naquele momento. E a partir da divulgação, que fez outros veículos também se vol-tarem para o tema, um movi-mento político sem expressão levou os ministros da Justiça, do Exército, o Presidente da Repú-blica e até o secretário-geral da ONU a se pronunciarem sobre ele, o mesmo acontecen-do com discursos no Congresso Na- cional. Passada esta onda, a República dos Pampas vol- tou ao desconhecimento, por não ter bases enraizadas. A hipótese de agenda set-ting veio a lume em 1972, quan-do McCombs e Shaw publicam os resultados de um estudo realizado em 1968, na localida-de de Chapel Hill, na Carolina do Norte (EUA) . A ideia central à hipótese, no entanto– sem usar o nome – pode ser encontrada em diferentes autores e traba-lhos anteriores. Hohfeldt (2001)

aponta in- fluências de Gabriel Tarde (A opinião e as massas) e Walter Lippmann (Public opi-nion, de 1922), também apon-tado como antecessor por Bar-ros Filho (1995), que indica out- ros: Robert Ezra Park (The city, de 1925); Norton Long (The local community as na ecology of games, de 1958); Bernard Cohen (The press and foreign policy, de 1963); Gladys Lang e Kurt Lang (The mass midia and voting, de 1966). A premissa inicial da agen-da setting é aquela avançada por Cohen:

a imprensa pode, na maior

parte das vezes, não con-

seguir dizer às pessoas

como pensar, mas tem, no

entanto, uma capacidade

espantosa para dizer aos

seus próprios leitores sobre

o que pensar. O mundo parece

diferente a pessoas diferen-

tes, dependendo do mapa

que lhes é desenhado pelos

redatores, editores e diretores

do jor- nal que leem (COHEN.

In TRAQUINA, 2001, p. 19).

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA HIPÓTESE

A idéia central de agenda setting, conforme expressa por Cohen (não dizer compen-sar, mas sobre o que pensar) ganhou complexidade e alter- ações com a evolução das pes- quisas que a tinham como nú- cleo de preocupação. Traquina as historia da seguinte manei- ra: Funkhouser (1973/1991), MacKuen (1981) e MacKuen e Coombs (1982) descobrem que a preocupação pública com os problemas reflete as mudanças ao longo do tem- po na atenção prestada a es- ses problemas pelos mídia. Em outra pesquisa, Iyengar, Peters e Kinder (1982/1991) concluem que “os espectadores expostos às notícias dedicadas a um problema em particular fi-cam mais conven- cidos da sua importância. Os programas das redes noticiosas parecem pos-suir uma poderosa capacidade de moldar a agenda pública” (TRAQUI- NA, 2001, p. 35). A sucessão das pesquisas tendo por base a hipótese da agenda setting levou seus pri-meiros e principais promotores a reformularem a definição inicial aventada por Cohen. McCombs e Shaw, em 1993, naquilo que podemos considerar o significa-do forte da hipótese – em con-

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traposição ao significado fraco, que postula que mais do que impor o que pensar, a mídia tem a capacidade de definir sobre o que pensar —, afirmam que

o agendamento é considera-

velmente mais que a clás- sica

asserção de que as notícias

nos dizem sobre o que pensar.

As notícias também nos di-

zem como pensar nisso. Tan-

to a seleção de objetos que

despertam a atenção como a

seleção de enquadramentos

para pensar esses objetos são

poderosos papéis de agenda-

mento. [Assim] o clássico

somatório de Bernard Cohen

(1963) do agendamento – os

mídia podem não nos dizer

o que pensar, mas são incri-

velmente bem sucedidos ao

dizer- nos em que pensar –

foi virado pelo avesso. Novas

investigações, exploran- do

as consequências do agen-

damento do enquad- ramento

dos mídia, sugerem que os

mídia não só nos dizem em

que pensar, mas também

como pensar nisso, e con-

sequentemente o que pen-

sar (TRAQUINA, 2001, p.

33-34)

CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA O ENTENDIMENTO DA HIPÓTESE

Para o esclarecimento acerca dos desdobramentos que a hipótese de agenda set-ting nos estudos que levem em conta suas premissas, é fun- damental que alguns con-cei- tos básicos sejam bem defi- nidos. Hohlfeldt assim os ofere-ce:

Acumulação – capacida-

de que a mídia tem de dar

relevância a um determina-

do tema, destacando-o do

imenso conjunto de aconte-

cimentos diários que serão

transformados posteriormente

em notícia e, por conseqüên-

cia, em informação. Conso-

nância – apesar de suas

diferenças e especifici- dades,

os mídias possuem traços em

comum e semel- hanças na

maneira pela qual atuam na

transformação do relato de

um acontecimento que se

torna notícia. Conseqüen-

temente, alguns princípios

gerais podem ser aplicados,

independentemente de suas

idiossincrasias. Onipresen-

ça – um acontecimento que,

transformado em notícia, ul-

trapassa os espaços tradicio-

nalmente a eles determina-

dos se torna onipresente. Por

exemplo, quando a página

policial acaba por se ocupar

de um assunto desportivo (o

recente episódio envolvendo

a corrupção de juízes por diri-

gentes de futebol). Relevância

– ela é avaliada pela conso-

nância do tema nas diferentes

mídias, ou seja, se um deter-

minado acontecimento acaba

sendo noticiado por todas

as diferentes mídias, inde-

pendentemente do enfoque

que lhe venha a ser dado, ele

possui relevância. Frame tem-

poral – quadro de informações

que se forma ao longo de um

determinado período de tem-

po e que nos permite a inter-

pretação contextualizada do

acontecimento; ele cobre todo

o período de levantamento

de dados das duas ou mais

agendas (isto é, a agenda da

mídia e a agenda dos recepto-

res, por exemplo). Time lag – é

o intervalo decorrente entre

o período de levantamento da

agenda da mídia e a agen-

da do receptor, isto é, como

se pres- supõe a existência

de um efeito de influência

da mídia sobre o receptor, ela

não se dá mágica e imediata-

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mente, mas necessita de um

certo tempo para se efetiva

e ser constatável. A este

intervalo de tempo se deno-

mina time-lag. Centralidade

– capacidade que os mídias

têm de colocar como algo im-

portante determinado assun-

to, dando-lhe não apenas re-

levância quanto hierarquia e

significado. Há muitos assun-

tos que são noticiados cons-

tantemente mas que não são

conscientizados com cen-

trais (isto é, decisivos) para

a nossa vida, enquanto ou-

tros assim se tornam. Por

exemplo, a questão do Plano

Real e a queda da inflação

como um elemento alterna-

tivo de redistribuição de rique-

za. Tematização – é o procedi-

mento implicitamente ligado

à centralidade, na medida em

que se trata da capacidade

de dar o destaque necessário

(sua formulação, a maneira

pela qual o assunto é expos-

to), de modo a chamar a aten-

ção. Um dos desdobramentos

da tematização é a chamada

suíte de uma matéria, ou

seja, os múltiplos desdobra-

mentos que a informação

vai recebendo, de maneira

a manter presa a atenção do

receptor naquele assunto. Sa-

liência – valorização individual

dada pelo receptor a um de-

terminado assunto noticiado,

que se traduz pela percepção

que ele venha a emprestar à

opinião pública. Focalização –

a maneira pela qual a mídia

aborda um determinado as-

sunto, apoiando-o, contextu-

alizando-o, assumindo deter-

minada linguagem, tomando

cuidados especiais para a

sua editoração, inclusive medi-

ante a utilização de chama-

das especiais, chapéus, log-

otipias, etc. (HOHLFELDT,

2001, p.201-203)

AS DIFERENTES CAPACIDA-DES DE AGENDAMENTO

Diferentes veículos têm di-ferentes capacidades de influir na definição dos temas que serão assuntos de debate públi-co. O agendamento também de-pende da natureza do assunto: quanto mais próximo ele for da experiência pessoal direta da audiência — desemprego, custo de vida, criminalidade — menor o efeito de agenda setting, que se torna mais marcante à medida que o assunto se afas-te deste contato, como políti-ca internacional e ciência, por

exemplo. Conforme Barros Fi-lho (1995) e Traquina (2001), Zucker vai identificar os temas como obstrusive, no primeiro caso, e non-obstrusive, no se-gundo. Outros estudos buscam pre- cisar o grau de influên-cia a partir da natureza do ve-ícu- lo. Pesquisa de Benton e Frazier, voltada para temas econômicos, citada por Wolf (1995), distingue três níveis de conhecimento: o primeiro, superficial, inclui apenas o títu-lo da área temática (economia, poluição, política); o segundo já implica certas articulações de conhecimentos (causas, solu-ções propostas); o terceiro rela-ciona-se à complexidade ainda maior (argumentos favoráveis e contrários, grupos que apoiam diferentes estratégias para de-terminadas soluções). Para os autores

a televisão parece desem-

penhar um papel secundá-

rio, pouco significativo, na

determinação da agenda

nos níveis dois e três, que

implicam um conhecimento

mais aprofundado dos temas

econômicos. No momento em

que a hipótese do agenda set-

ting se articula sobre diversos

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níveis do proces- so de aqui-

sição de infor- mações, os

dados obtidos revelam papéis

diferentes para os vários

mass me- dia (WOLF, 1995,

p. 141).

McCombs – um dos pais da hipótese de agenda setting –, em artigo de 1976, tem conclusões semelhantes. Para ele, os jornais impressos são os principais “promotores da agen-da do público”, embora a tele-visão tenha impactos, no curto prazo, na composição desta agenda. McCombs afirma que o “melhor modo de descrever e distinguir esta influência será, talvez, chamar agenda setting à função dos jornais e enfa-tização (ou spot-lighting) à da televisão” (WOLF, 1995, p. 145). Este papel relativamente se- cundário dispensado à tele-visão quanto à proeminência na capacidade de agendamento é questionado por alguns auto-res, principalmente se levarmos em conta o que chamei de sig-nificado forte da hipótese. O questionamento ganha desta-que em países como o Brasil, onde é baixo o índice de lei-tura de jornais , enquanto a te-levisão está presente em quase 90% dos domicílios.

Lima, na construção do conceito de Cenário de Repre-sentação da Política (CR-P), afirma que a televisão exer-ce a posição dominante frente aos outros veículos no que diz respeito à audiência e à credibi-lidade. No Brasil, afirma Lima, a imprensa diária, propor- cional-mente, manteve prat- icamente a mesma tiragem nos últimos 20 anos, enquanto a televisão consolidou-se nacionalmente, “dominada por um ‘virtual mo-nopólio’ de audiência e de ver-bas pub- licitárias de uma úni-ca rede”(LIMA, 2001, p. 194). Citando pesquisas realiza-das nos Estados Unidos, Cana-dá, México, Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Brasil e out- ros países da América Latina, Lima destaca que

é interessante observar

que a posição da televisão

como mídia dominante con-

temporânea ‘iguala’, para efei-

to de eventual aplicação do

conceito e das hipóteses

relacionadas ao CR-P, países

considerados de ‘primeiro’ e

‘ter- ceiro’ mundos, com níveis

médios de escolaridade e

renda e até mesmo com sis-

temas partidário e eleitoral

significativamente diferentes,

por exemplo os Estados Uni-

dos e o Brasil (LIMA, 2001, p.

194-195)

ESPIRAL DO SILÊNCIO

Formulada e desenvolvida pela socióloga alemã Elisa- beth Noelle-Neumann, num tex-to de 1972 sintomaticamente chamado Return to the concept of powerful mass media, a hipó-tese da espiral do silêncio tem por objetivo desvendar meca-nismos que constroem a opinião pública. A autora é especialis-ta em demoscopia e fundou com o marido, após a Segunda Guerra – quando retornou do exílio forçado pelos nazistas – o Instituto de Demoscopia Al-lensbach. A espiral do silêncio ba-seia-se no medo que os agen-tes sociais têm do isolamento, no que respeita aos seus com-portamentos, atitudes e opini-ões. Eles buscam a integração social, querem ser populares e não ‘diferentes’. Por isso, as pessoas prestam atenção aos comportamentos e opiniões considerados majoritários e ten-tam manifestar-se dentro dos parâmetros da maioria, o que

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as levaria, tendencialmente, a não manifestarem opiniões con-trárias à opinião dominante. Ha-veria, então, uma tendência a que o indivíduo se mantivesse em silêncio, por receio do isola-mento, e não manifestasse sua opinião quando ela é minoritá-ria. A ideia de uma ‘espiral’ ten-ta explicar a dimensão cíclica e autoalimentadora desta ten-dência ao silêncio: quando mais uma opinião for dominada ou minoritária – real ou aparen-temente – num determinado universo social, maior será a possibilidade de que ela não se manifeste, tornando-se ainda mais minoritária. E como os agentes perce-bem essa opinião dominante? Em grande parte, por ser ela a que é difundida pelos meios de comunicação. Assim, a opin- ião pública é “um processo de interação entre as atitudes individuais e as crenças indivi-duais sobre a opinião da maio-ria. Pela influência provocada na audiência pelos mas media chega-se à confluência do que seja a opinião majoritária”. Conforme Sousa, na avaliação de Noelle-Neumann

os meios de comunicação

tendem a consagrar mais es-

paço às opiniões dominantes,

reforçando- as, consensuali-

zando-as e contribuindo para

‘calar ’ as minorias pelo isola-

mento e pela não referencia-

ção. Ou então os meios de

comunicação – e é aqui que

reside um dos pontos - chave

da teoria – tendem a privi-

legiar as opiniões que pa-

recem dominantes devido,

por exemplo, à facilidade de

acesso de uma minoria ativa

aos órgãos de comunicação,

fazendo com que essas opini-

ões pareçam dominantes ou

até consensuais quando de

fato não o são. Pode dar-se

mesmo o caso de existir uma

maioria silenciosa que passe

por mi- noria devido à ação

dos meios de comunicação.

(SOUSA, 2002, p. 171)

Este mecanismo, para fun-cionar, tem como uma de suas condições a chamada conso-nância temática: a abordagem mais ou menos homogênea dos mesmos fatos ou assun-tos pelos diferentes meios de comunicação. Tal consonância tendencial, con- forme Barros Filho (1995), dá ao conjunto dos produtos informativos e a cada notícia, separadamente, uma aparên- cia de objetivida-

de e permite aos meios canali-zar um fluxo de opinião, tornan-do-o dominante. Para Noelle-Neumann, há mais dois condicionantes além da consonância temáti- ca, conforme explica Sousa (op. cit.): a acumulação, ad- vinda da exposição sucessiva aos meios, e a ubiquidade, também chamada por Hohfeldt (2001, p. 221) de onipresença da mídia. É só na atuação deste conjunto que se pode identificar os efeitos poderosos da mídia. Como a hipótese da agen-da setting, a espiral do silêncio integra as linhas mais re- cen-tes (historicamente) da pesqui-sa em comunicação, que refu-tam a tese dos efeitos limitados. E, conforme Barros Filho, ela

não se limita a apontar

uma coincidência temática

entre mídia e público (propos-

ta inicial do agenda setting),

pois também constata que a

abordagem dada pelos meios

a determinado fato, respei-

tadas algumas condições de

con- sonância, acaba se im-

pon- do de maneira progres-

siva. Ou seja, depreende-se

dessa hipótese que os meios

não se limitam a impor os te-

mas sobre os quais se deve

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falar, mas também impõem

o que falar sobre esses temas

(BAR- ROS FILHO, 1995, p.

210-211).

É possível, então, estabe-lecer uma complementaridade entre agenda setting e espiral do silêncio, especialmente se levarmos em conta aquilo que chamei de significado forte, aventado pelos criadores da hi-pótese, McCombs e Shaw que, após mais de duas déca- das de pesquisa, acabam por con-cluir pela capacidade dos mí-dia de definir o que pensar.

CRÍTICAS ÀS HIPÓTESES

Sampedro, discutindo as teorias dos efeitos midiáticos sobre a opinião pública, as di-vide em dois paradigmas clássi-cos: o elitismo, que pressupõe que os meios de comunicação exercem um controle quase to-tal sobre um público inerte e passivo, enquanto o pluralismo concebe um conjunto de con-sumidores soberanos que criam uma demanda diversificada ou audiências que interpretam com liberdade o conteúdo dos meios. Apenas a título de

informação – que não pretendo desenvolver aqui —, vale regis-trar que Sampedro formula um terceiro para- digma, baseado na teoria da estruturação de Giddens, por ele denominado elitismo in- stitucional, segundo o qual

la opinión pública esta- ría

condicionada – pero no de-

terminada – por sus estructu-

ras sociales y por tres ras-

gos de la lógica institucional

o modo de funcionamiento de

los medios de comunicación.

En primer lugar, se admite

que las estructuras de los pú-

blicos (clase social, educación

formal, género o etnia) im-

ponem ciertas limitaciones

materiales y culturales. Pero

también funcionan como re-

cursos que pueden potenciar

su autonomía. Otro tanto pue-

de afir- marse de la dependen-

cia mediática respecto a otras

instituciones (sobre todo el Es-

tado y el mercado), de cómo

los medios entienden sus re-

laciones con la audi- encia, y

de cómo presentan sus conte-

nidos (SAMPE- DRO, 1999,

p. 129).

A hipótese do agenda setting é colocada por Sampedro no

quadro elitista, dominante na communication research até os anos 40 e recuperado na dé-cada de 70. As teorias elitistas, segundo ele

(1)pecan de mediacentrismo,

porque absolutizan los mé-

dios como la única institu-

ción que informa a la opinión

pública. Se olvida, por tanto,

que existen otras fuentes de

conocimiento social como la

experiencia propria, el sa-

ber común o heredado, o

la conversación en los grupos

primarios. (2)Postulan efec-

tos individuales que, como es

lógico, se fundamentan em

la psicología, perdiendo la

perspectiva sociológica (...) Y

la agenda-setting o la espiral

del silencio adoptan una pers-

pectiva sistémica, de efectos

cog- nitivos y acumulativos

de gran calado pero bastante

tautológicos. Porque? Qué otra

cosa puede hacer un electo-

rado cada vez más alejado de

los centros de decisión y de

debate sino seguir la agenda

seleccionada por los perio-

distas y las perspectivas que

se postu- lan como mayori-

tarias? (...) (3)Por último, las

corrientes elitistas señalan a

los proprietarios o a los pro-

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fesionales de los medios como

los únicos responsables de los

efectos sobre la opinión públi-

ca, sin detallar los procesos

intermedios (...) (SAMPE- DRO,

1999, p. 135-136)

A crítica de Sampedro é válida. É verdade que os meios têm a capacidade de influen- ciar a estruturação da agenda de discussões públicas, bem como a de influir fortemente na conformação da opinião públi-ca, como advogam, respectiva-mente, as hipóteses de agenda setting e de espiral do silêncio. Este processo, no entanto, sofre a concorrência de outras insti-tuições da sociedade capitalis-ta contemporânea, como, entre outras, a família, a escola e as igrejas. Todos eles compõem o que o italiano Antonio Gramsci vai chamar de Aparelhos Priva-dos de Hegemonia – organis-mos sociais coletivos voluntá-

rios e relativamente autônomos em face da socie- dade política. Mas o próprio Gramsci já destacou a importância dos meios de comunicação quan- do, propondo uma definição de partido político, afirma que os jornais – em seu tempo não ha-via televisão – podem exercer funções de partido. Também Lima (2001, p. 191-192), em-bora não ignore o papel de ou-tros aparelhos privados de he-gemonia reconhece na mídia, “especialmente na televisão, um papel central na tarefa contemporânea de ‘cimentar e unificar ’ o bloco social hegemô-nico (e contra- hegemônico)”.

NOTAS

1The agenda setting function of mass media. Public Opinion Quarterly, n. 36, 1972, p. 176-1872A Folha, em 1995, tinha uma

tiragem média de 606 mil exem-plares/dia; em 2004, essa mé-dia caiu para 308 mil; em 2011 foi de 286 mil/dia. O Globo caiu de 412 mil/dia em 95 para 257 mil/dia em 2004; em 2011 foi 256 mil/dia. O Estado de S. Paulo saiu da média de 385 mil/dia em 95 para 233 mil/dia em 2004; em 2011 chegou a 263 mil/dia.

3Conforme Hohlfeldt (2001, p. 220), demos(povo) + copia (transladoliteral) significa “pes-quisar a opinião do público para torná-la conhecida [...] demos-copia é a pesquisa de opinião pública sob organização cientí-fica”

4 Noelle-Neumann (1973) apud HOHLFELDT (2001, p. 231)

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