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Woodrow Whidden, Jerry Moon e John W. Reeve - A Trindade

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Este livro esclarece a doutrina bíblica da Trindade.

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A TrindadeComo entender os mistérios

da pessoa de Deus na Bíblia e na história do cristianismo

Woodrow Whidden, Jerry Moon e John W. Reeve

Tradutor: Hélio Luiz Grellmann

Casa Publicadora Brasileira Tatuí, SP

Título do original em inglês: THE TRINITY

Direitos de tradução e publicação para o território brasileiro reservados à Casa Publicadora Brasileira Rodovia SP 127 - km 106 Caixa Postal 34 18270-970 -T atu í, SP Fone: (15) 250-8800 Fax: (15) 250-8900Atendimento ao Cliente: (15) 250-8888

Segunda edição Três mil exemplares Tiragem acumulada: 6.000 2003

Editoração: Marcos De Benedicto e Paulo R. Pinheiro Programação Visual: M. J. Bienemann Barbosa Capa: Alexandre Rocha

Fotos: PhotoDisc

IMPRESSO NO BRASIL Printed in Brazil

7728/11686

r.Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, incluídos tex- f J p |p \ tos, imagens e desenhos, por qualquer meio, quer por sistemas gráficos, reprográ- ficos, fotográficos, etc., assim como a memorização e/ou recuperação parcial, ou inclusão deste trabalho em qualquer sistema ou arquivo de processamento de da-

e d h o r a a f i l i a d a dos, sem prévia autorização escrita do autor e da editora, sujeitando o infrator às penas da lei disciplinadora da espécie.

Os textos bíblicos, exceto quando indicados de outra forma, foram extraídos da Versão Almeida Re­vista e Atualizada no Brasil.■djB ria* - -“T a --------v

Dedicado à memória de Otto H. Christensen,

que se preocupou profundamente com o assunto da Trindade.

Sumário

Introdução

PRIMEIRA SEÇAOEvidências Bíblicas da Plena Divindade de Cristo,

da Personalidade do Espírito Santo e da Unidade e Unicidade da Divindade

Glossário da Primeira Seção 20Capítulo 1: A Evidência Bíblica Mais Forte da Trindade 25 Capítulo 2: A Plena e Eterna Divindade de Cristo: Ia Parte

As Epístolas do Novo Testamento, o Antigo Testamento e os Evangelhos 43

Capítulo 3: A Plena e Eterna Divindade de Cristo: 2a ParteO Evangelho de João 60Suplemento ao Capítulo 3: Exposição Gramatical de João 1:1: “O Verbo Era Deus” 70

Capítulo 4: A Personalidade e a Divindade do Espíritoe a Unicidade Triúna da Divindade 76

Capítulo 5: Evidências Trinitarianas no Livrode Apocalipse 89

Capítulo 6: Objeções Bíblicas à Trindade 105Suplemento ao Capítulo 6: Outros Textos Utilizados Contra a Trindade 122

Capítulo 7: Objeções Lógicas à Trindade 128Bibliografia da Primeira Seção 134

SEGUNDA SEÇÃOA História da Doutrina da Trindade de 100 a 1500 d.C.

Glossário da Segunda Seção 138Capítulo 8: A Trindade no Primeiro e Segundo Séculos 140Capítulo 9: A Trindade no Terceiro e Quarto Séculos 153

Capítulo 10: A Trindade na Idade Média 171Bibliografia da Segunda Seção 182

TERCEIRA SEÇÃOTrindade e Antitrinitarianismo

da Reforma ao Movimento Adventista

Glossário da Terceira Seção 184Capítulo 11: A Trindade na Era da Reforma: Quatro

Pontos de Vista 188Capítulo 12: Trindade e Antitrinitarianismo nos Primórdios

dos Estados Unidos 207Capítulo 13: Trindade e Antitrinitarianismo na História

Adventista 216Capítulo 14: O Papel de Ellen White no Debate da

Trindade 231Suplemento ao Capítulo 14: Ellen White e aTrindade: Os Documentos Primários Básicos 250Bibliografia da Terceira Seção 262

QUARTA SEÇÃOA Doutrina da Trindade e suas Implicações

Para a Prática e o Pensamento Cristãos

Glossário da Quarta Seção 270 Capítulo 15: Por Que a Trindade é Importante: Ia Parte

O Amor de Deus e a Divindade de Cristo 273 Capítulo 16: Por Que a Trindade é Importante: 2® Parte

O Espírito Santo e a Unicidade Triúnada Divindade 288

Capítulo 17: Implicações Práticas e Conclusões 306Bibliografia da Quarta Seção 316

índice Geral 317índice Escriturístico 326

I l

Jk lguma vez uma inesperada batida à porta interrompeu a sua tranqüila tarde de domingo? Você deixa o quer que es-

JL JL teja fazendo e vai atender. De repente, percebe que não \c trata de um velho amigo fazendo-lhe uma visita de surpresa. /\o contrário, é uma ardorosa dupla de representantes locais do Salão do Reino e da Sociedade de Tratados Torre de Vigia - o bra­ço editorial das testemunhas de Jeová.

Você engole saliva, sabendo que, se convidá-los a entrar, será submetido a um teste difícil de seus conhecimentos da doutrina bíblica básica. Além disso, geralmente basta um só encontro para descobrir que um dos primeiros itens da discussão será um inten­so desafio à doutrina da Trindade.

A maior surpresa de meu ministério, entretanto, não é ter de lidar com as zelosas testemunhas de Jeová na questão da Trinda­de; é o fato de ter de enfrentar essencialmente os mesmos argu­mentos antitrinitarianos provindo de companheiros adventistas do sétimo dia. E tais argumentos estão sendo apresentados com uma intensidade não muito inferior ao zelo dos representantes da Torre de Vigia.

Por Que um Novo Livro Sobre a Trindade?Alguns poderiam questionar a necessidade de um novo livro

sobre o tema da Divindade, ou Trindade, no momento. Uma vez que a igreja aparentemente definiu o assunto com posições clara­mente trinitarianas em suas 27 crenças fundamentais, por que reabrir a questão?' A resposta pode desdobrar-se em três.

Reavivamento das Posições AntitrinitarianasEm primeiro lugar, como já mencionado, novos desafios à

doutrina da Trindade têm surgido tanto dentro como fora do ad-

1 0 1A Trindade

ventismo. Comentários diversos e observações sugerem que a mi­nha experiência pessoal com o assunto reflete de modo muito adequado a situação corrente.

Ao lidar com a questão da Divindade e da Trindade, sempre apresentei a minhas congregações adventistas do sétimo dia e às classes da Escola Sabatina algo como o que segue:

Embora o arianismo2 e o antitrinitarianismo fossem muito fortes entre os líderes adventistas pioneiros,3 a visão trinitariana da Divindade veio a tornar-se o ponto de vista padrão pelo menos a partir da década de 1940, se não antes. De fato, essa visão é agora a posição formalmente votada e expressa nas Crenças Fundamen­tais dos Adventistas do Sétimo Dia. O voto mais recente ocorreu na sessão da Associação Geral realizada em Dallas, Texas, em 1980.

Eu havia ouvido falar de importantes professores e líderes deno- minacionais que viveram nas décadas de 1950 e 1960 e que susten­tavam fortes posições antitrinitarianas.4 Contudo, ao longo de meus anos de faculdade e seminário, no final da década de 1960, eu também me comprazia em afirmar diante de minhas audiências adventistas: “Nunca encontrei ao longo de minha vida um adven­tista antitrinitariano ou ariano.” Aquilo não constituía retórica dramática de minha parte, antes representava a verdade honesta.

Eu realmente falava a verdade — quero dizer, até o início da dé­cada de 1990. Lembro perfeitamente de uma agradável tarde em que caminhava pelo campus da Universidade Andrews, quando dois jovens que entregavam panfletos nas escadarias da Bibliote­ca James White repentinamente me cumprimentaram. Sendo eu uma pessoa muito curiosa, aceitei o material, comecei a examiná-lo e perguntei: “O que vocês estão promovendo?”

Para minha enorme surpresa, eles informaram que haviam conseguido uma recuperação maravilhosa de uma verdade especial— haviam descoberto aquilo que afirmavam ter sido os ensina­mentos dos pioneiros adventistas no tocante à Divindade. Pro­moviam agora idéias que negavam a plena e eterna preexistência de Jesus e a divindade pessoal do Espírito Santo.

Introdução 111

Mais tarde, conversando com pessoas conhecidas em outras partes do país, constatei que os dois jovens não constituíam um Icnômeno isolado. Não apenas estão ocorrendo crescentes relatos de locos de reavivamento de antitrinitarianismo em várias regiões da América do Norte, como também através da Internet sua mlluência tem-se espalhado por todo o mundo. À medida que esses pequenos movimentos arianos e antitrinitarianos ganham lerreno, igrejas locais se encontram crescentemente envolvidas nos debates acerca dessas questões.

A Relativa Negligência Teológica da Divindade O segundo fator que fez despertar nosso interesse pela questão

cia Divindade é uma negligência universal do assunto, embora be­nigna, por parte dos eruditos adventistas5 e das lideranças de asso­ciações e igrejas locais, em todas as partes do mundo. A igreja aceitou amplamente a Trindade, mas pouco refletiu sobre este ensinamento durante muitas décadas. Como resultado, acreditamos haver che­gado o tempo de se obter uma visão revigorada do assunto.

Nova Compreensão da Visão dos Pioneiros O terceiro e último fator no presente reavivamento do interesse

pelo assunto da Divindade é a convergência do conselho de Ellen White no sentido de reimprimir e estudar as obras dos pioneiros adventistas e sua disponibilidade em CD-ROM. A explosão de tec­nologias eletrônicas possibilitou o acesso imediato (com pequeno investimento de tempo e dinheiro) dos leigos a todas as declarações dos pioneiros da igreja, ao tão-somente digitarem as palavras ou frases apropriadas. Expressando-o em termos mais simples, temos agora uma renovada consciência da amplitude do antitrinitarianis­mo prevalecente entre os pioneiros do movimento adventista.

Nosso Público-alvo Os autores deste livro tentam falar a membros de igrejas locais,

assim como a pastores ou administradores ocupados e a estudantes

12 / A Trindade

de nível superior que se têm defrontado com a questão da Trin­dade. De fato, embora procuremos falar a partir das melhores bases eruditas nesta matéria, é nosso propósito apresentá-la de uma forma tal que apele a todos os crentes, jovens e idosos, nas classes da Escola Sabatina, classes escolares e púlpitos e bancos de igrejas ao redor do mundo.

Como Responderemos às Questões Suscitadas pela Trindade? Poderemos responder às questões relacionadas com a Trindade

que estão no ar a partir das Escrituras (nossa fonte primária de au­toridade), dos escritos de Ellen White, da razão santificada e da experiência cristã? E adequado que o adventista do sétimo dia avance em direção contrária ao pensamento da ampla maioria dos pioneiros, que eram claramente antitrinitarianos? Sobre quais ba­ses podemos oficialmente prosseguir abraçando e professando um ensinamento que possui uma ampla história de apoio e desenvol­vimento na ortodoxia oriental, no catolicismo romano e no pro­testantismo? Não seria isso o equivalente a aceitar as tradições que formam a grande apostasia identificada como “Babilônia”? Não seria melhor seguirmos a direção indicada por nossos corajo­sos pioneiros, que sempre eram dirigidos pela busca da verdade?

A Bíblia, Nossa Fonte Primária de Autoridade No espírito dos pioneiros adventistas, os autores deste livro

têm a seguinte firme convicção: se não pudermos sustentar bi­blicamente qualquer ensinamento, não queremos saber dele.6 Assumimos humildemente este projeto no espírito de John Ne- vins Andrews (1829-1883), um os mais capacitados dentre nos­sos eruditos pioneiros, o qual exclamou: “Eu trocaria mil erros por uma verdade!”

Como, entretanto, saberemos o que é a verdade acerca da Di­vindade e dos reclamos trinitarianos da maioria da cristandade? Em primeiro lugar, a verdade emergirá de uma pesquisa cuidadosa e guiada por oração da Palavra Escrita de Deus.

Introdução /1 3

Além disso, reclamamos a promessa de Jesus de que “se alguém i|uiser fazer a vontade de Deus, há de saber se a doutrina é dEle, ou se falo por Mim mesmo” (João 7:17, versão da Imprensa Bíblica Brasileira). Ele promete que os que desejam seguir obedientemente a Deus reconhecerão a “doutrina” de Deus. Para onde nos dirigire­mos para definir o assunto? Uma vez mais, Jesus é muito claro: “Santifica-os na verdade; a Tua palavra é a verdade” (João 17:17).

Os leitores igualmente precisam reconhecer que a convicção dos autores deste livro é que, qualquer que seja a amplitude da expressão “Tua palavra”, deve incluir pelo menos os 66 livros ca­nônicos da Bíblia Sagrada. Acreditamos que a Palavra Escrita contém mensagens reveladas suficientes para dar-nos clareza dou­trinária diante de qualquer questão controvertida - o que inclui o assunto da Trindade.

Seremos muito sinceros com os leitores: se algo não for bíbli­co, não o queremos, ainda que a vasta maioria das autoridades do mundo religioso o endosse (o que inclui os pioneiros adventistas e os teólogos de “Babilônia”). Portanto, este livro começará com as evidências bíblicas.

A Organização do Livro O primeiro capítulo abrirá a discussão ao apresentar as mais

fortes evidências que fomos capazes de localizar sobre: (1) a natu­reza plenamente divina e eterna de Cristo; (2) a personalidade e a divindade do Espírito Santo; e (3) a profunda unidade e unicidade daquilo a que Ellen White se refere como “as três pessoas viventes do trio celestial” (Ellen G. White, Evangelismo, pág. 615).*

Depois da apresentação inicial das mais fortes e diretas evi­dências bíblicas (o autor é Woodrow Whidden), prosseguiremos nos capítulos sucessivos com apresentações mais detalhadas das evidências bíblicas do Antigo e do Novo Testamento (uma vez mais, o autor será Whidden).

Após as evidências bíblicas, as próximas seções traçarão a histó­ria do desenvolvimento da doutrina da Trindade e os ensinamentos

1 4 1A Trindade

de seus oponentes ao longo da história da igreja. A pesquisa histó­rica se enquadrará em duas seções principais: (1) desenvolvimentos desde o começo do segundo século até o século 16 (o autor é John Reeve); e (2) desdobramento das idéias desde a Reforma do século 16 até a história do pensamento trinitariano e antitrinitariano no adventismo (o autor é Jerry Moon).

Depois da pesquisa histórica, o livro refletirá sobre as implica­ções teológicas de nossas descobertas bíblicas e históricas (o autor é Woodrow Whidden). Em outras palavras, a seção de abertura discutirá qual é a doutrina bíblica. As duas próximas seções prin­cipais lidarão com o modo como os cristãos chegaram a expressar essa doutrina. Finalmente, porém, teremos de abordar a questão de por que ela é importante para o pensamento e a experiência do cristão. Em outros termos, quais são as implicações cruciais das crenças que sustentamos acerca da natureza do Pai, do Filho e do Espírito Santo e o relacionamento entre essas Pessoas.

Questóes-chaves a Serem Abordadas Quais são, pois, as questões fundamentais com as quais tere­

mos de lidar? Quais os pontos que têm colocado em oposição aqueles que aceitam a doutrina da Trindade e os que a negam?

Antes de mais nada, parece não existir uma única pessoa en­volvida no debate atual que negue a plena e eterna divindade de Deus o Pai, a primeira pessoa da Divindade. Logo, as áreas em que a contenda persiste e que requerem respostas bíblicas são:

A Divindade de Cristo Esta questão diz respeito a se Cristo possuía uma natureza

divina que era, em essência, igual à de Deus o Pai. Em outras palavras, era Jesus, o Filho de Deus, tão Deus quanto o Pai? Ou era Ele uma espécie de semidivindade, possuindo divindade qualificada ou parcial? Será que Ele realmente existiu como pes­soa divina desde toda a eternidade passada? Era Ele não apenas o preexistente, como ainda o “auto-existente” Filho de Deus,

Introdução / 1 5

acerca de quem a Bíblia assegura que “nunca houve tempo em que Ele não estivesse em íntima comunhão com o eterno Deus” (ibid.)? Tal “auto-existência” significa que Ele realmente possuía natureza divina, cuja vida era “original, não emprestada, não derivada” (White, O Desejado de Todas as Nações, pág. 530)?

A Personalidade e a Divindade do Espírito A segunda questão central lida com os problemas da perso­

nalidade e plena divindade do Espírito Santo como sendo uma “pessoa divina” específica (White, Evangelismo, pág. 617). E o Espírito Santo “uma pessoa como o próprio Deus” (ibid., pág.616)? Ele realmente “anda” entre a humanidade como uma “pessoa” que “dá testemunho com o nosso espírito de que so­mos filhos de Deus” (ibid.)? Será que o testemunho do Espírito Santo manifesta o “poder de Deus”, capaz de manter “em xeque” o “poder do mal”, e realiza essa grande tarefa como “a terceira pessoa da Divindade” (ibid., pág. 617)?

A Unicidade da Divindade Finalmente, existem “três pessoas viventes no trio celestial”

(também mencionadas por Ellen White como “os três grandes poderes - o Pai, o Filho e o Espírito Santo” [ibid., pág. 615]), em cujo “nome” aqueles que recebem a Cristo pela fé viva são bati­zados? Adicionalmente, são esses “três grandes poderes” verdadei­ramente seres divinos e pessoais, que cooperam “com os súditos obedientes do Céu em seus esforços para viver a nova vida em Cristo” (ibid.)? Podemos honestamente confessar que Cristo “era igual a Deus, infinito e onipotente” (ibid.)? Ousaremos declarar que Jesus, o Filho, é “eterno, existente por Si mesmo” (ibid.)? São esses “poderes” (“os três poderes mais altos no Céu” [ibid., pág.617]), também mencionados como “os eternos dignitários celestes” (ibid., pág. 616), verdadeiramente um em Sua natureza divina, possuindo “toda a plenitude da Divindade” (Col. 2:9)? O que di­zem as Escrituras?

1 6 1A Trindade

Nota Útil Para os LeitoresNo começo de cada seção colocamos um glossário de termos-

chaves utilizados na seção. Entendemos que parte da terminologia por nós utilizada é um tanto técnica. Assim, desejamos ajudar os leitores a esclarecerem rapidamente o que estamos querendo dizer ao empregarmos tais palavras e termos especializados, freqüente­mente encontrados em discussões sobre a Divindade. Tanto quanto possível, procuramos empregar o mínimo de termos ou jargões técnicos. Além disso, o contexto explanará muitos desses termos; caso não o faça, ofereceremos breves explicações nas notas finais de cada capítulo.

Notas*A declaração-chave sobre o trinitarianismo aparece nas Crenças Funda­mentais dos Adventistas do Sétimo Dia, número 2. As doutrinas 3 a 5 provêem posições adicionais a respeito do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A declaração número 2 reza: “A Trindade: Há um só Deus: Pai, Filho e Espírito Santo, uma unidade de três Pessoas coeternas”. As 27 doutrinas podem ser encontradas no Manual da Igreja Adventista do Sé­timo Dia (publicado pela Casa Publicadora Brasileira) e em Nisto Cremos (também publicado pela Casa Publicadora Brasileira). Este volume, pro­duzido pela Associação Ministerial da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, constitui uma excelente exposição concisa de cada uma das 27 crenças fundamentais.

2 Ariana é uma pessoa que, seguindo os ensinos de Ário de Alexandria, que viveu no começo do quarto século da era cristã, nega a eterna preexistên­cia de Jesus. Ario declarou: “Houve um tempo em que Jesus não era.” Em outras palavras, Ário e seus seguidores defendiam que Cristo não existia antes que o Pai O trouxesse à existência. Além disso, os arianos têm negado regularmente a personalidade do Espírito Santo. Mais tarde, exploraremos melhor este aspecto, quando discutirmos a história dos de­bates relacionados com a Divindade na igreja primitiva.

3 Dentre os arianos ou semi-arianos notáveis, encontravam-se Tiago Whi- te (1821-1881), José Bates (1792-1872), J. H. Waggoner (1820-1889), Uriah Smith (1832-1903) e E. J. Waggoner (1855-1916). Tiago White chegou a confessar a plena divindade e eternidade de Cristo, e Uriah

Introdução / 1 7Smith evoluiu da posição ariana para uma semi-ariana. E. J. Waggoner, semi-ariano, chegou muito perto de confessar a plena divindade de Cristo. Vários de seus admiradores do século 20 negam fortemente que ele hou­vesse sido um semi-ariano. A evidência, contudo, parece indicar com bastante clareza que ele o era. Abordaremos mais plenamente o arianis­mo dos “pioneiros” mais adiante, na terceira seção.

4 Provavelmente os mais conhecidos dentre os arianos preeminentes de épocas posteriores foram W. R. French, por muito tempo professor universitário de religião e advogado da liberdade religiosa, e o editor Charles Longacre (1871-1958). Roger Coon conta a história de um en­contro de alunos num final de semana no Pacific Union College, em meados da década de 1960, quando o jubilado W. R. French, ao qual fora solicitada uma breve meditação bíblica vespertina, prontamente avançou por cerca de uma hora e meia, com um forte discurso em de­fesa de seus pontos de vista antitrinitarianos.

5 Embora artigos ocasionais sobre a Divindade tenham aparecido em revistas e livros da igreja dedicados às crenças adventistas básicas (normalmente, exposições das 27 crenças fundamentais), até recente­mente não existia nenhuma abordagem do assunto na extensão de um livro desde que Otto H. Christensen publicou seu Getting Acquain- ted With God (Washington, D .C.: Review and Herald, 1970).

6 Entre os “pioneiros” temos de incluir Ellen White. A forte ênfase quanto à autoridade final da Bíblia, por nós defendida, de forma alguma dimi­nui a importância da contribuição de Ellen White ao nosso pensamento sobre o assunto. Se formos levá-la a sério como a mais autorizada dentre nossos escritores pioneiros, temos de obedecer-lhe quando ela nos orienta a testarmos todos os ensinamentos pela Bíblia.

“ Nota dos editores: Devido ao caráter técnico desta obra, a tradução de algumas citações de Ellen White foi refeita para refletir mais literalmenteo original em inglês. Os textos se encontram em Evangelismo, págs. 615 e 617 (citados em A Trindade, págs. 13, 15, 69 e 261), O Desejado de Todas as Nações, pág. 671 (citado em A Trindade, págs. 225 e 238), e Para Conhecê-Lo, pág. 338 (citado em A Trindade, pág. 261).

PRIMEIRA SEÇÃOEvidências Bíblicas da Plena

Divindade de Cristo, da Personalidade do Espírito Santo

e da Unidade e Unicidade da Divindade

20 / A Trindade

GLOSSÁRIO DA PRIMEIRA SEÇÃOApocalipse - aquilo que é revelado ou desvendado. Também re­

presenta a transliteração grega do título do último livro do Novo Testamento.

Apocalíptico (a) — o tipo de literatura melhor representado pelos livros bíblicos de Daniel e Apocalipse. Essa forma literária re­trata o simbolismo pictórico, um conflito cósmico entre as forças do bem e do mal e abrange grandes extensões de tem­po, culminando com o fim do mundo.

Arianismo - ênfase teológica que dá apoio aos ensinamentos bá­sicos de Ário e seus seguidores.

Ariano(a) - qualquer pessoa ou posição que basicamente subs­creve os ensinamentos de Ário de Alexandria, pensador e escritor do início do quarto século d.C., o qual negava a eterna preexistência de Jesus Cristo. “Houve um tempo em que Jesus não existiu”, foi a clássica declaração de Ário. Em outras palavras, Ário e seus seguidores sustentavam que Cristo não existia antes de o Pai trazê-Lo à existência. Os arianos também têm negado regularmente a personalidade do Espírito Santo.

Auto-existente - termo que descreve qualquer ser que é divino e cuja existência é entendida como não dependendo de qual­quer outro ser divino.

Cânon e canônico(a) — termos técnicos referente aos livros que vieram a constituir a lista autorizada de obras conhe­cidas como a Bíblia. Protestantes, católicos romanos e or­todoxos orientais discordam quanto a quais livros devem ser incluídos no “cânon” autorizado. O principal ponto de controvérsia tem a ver com os livros “apócrifos” do Antigo Testamento.

Caso - a expressão gramatical que procura identificar se a pala­vra em questão funciona em determinada frase como sujeito, objeto direto, objeto indireto ou com outra função.

Glossário da Primeira Seção / 21

Divindade - termo teológico freqüentemente utilizado em refe­rência ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Pode ser usado no sentido trinitariano ou não-trinitariano, dependendo se a pessoa que emprega o termo é trinitariana ou não.

Divino(a) - que possui a natureza de Deus. Transcendente, em oposição ao que é terreno, infinito em oposição ao finito. A questão-chave nas discussões trinitarianas é se estamos li­dando com a divindade plena ou apenas com algumas de suas características selecionadas. Refere-se a todo “ser” de quem se declara que possui a natureza da divindade. Estes seres devem ser auto-existentes desde a eternidade passada até à eternidade futura, possuindo existência não emprestada e não derivada.

Emanação - mensagem codificada, enviada de outros mundos aos seres humanos; normalmente, envolve conhecimento se­creto de natureza mágica ou espiritualista. Os gnósticos da igreja primitiva pretendiam possuir conhecimento especial do mundo dos espíritos. Tais pontos de vista constituíram a especial preocupação do apóstolo Paulo em sua epístola aos Colossenses.

Encarnação - a experiência de Deus tornar-Se homem. O termo provém de duas palavras latinas que literalmente significam “na carne”. E normalmente utilizado teologicamente para referir-se a Cristo, o divino Filho, ao vir à Terra e tomar sobre Si a natureza humana.

Inanimado(a) - algo que se encontra num estado inerte, sem comu­nicação ou sem vida. Muitas vezes o termo é usado para destacar o inorgânico em oposição ao orgânico. Neste livro, o termo se aplica principalmente a coisas ou substâncias sem vida.

Lexicógrafo — pessoa que estuda o significado das palavras. Cos­tuma ser utilizado nos estudos bíblicos a fim de descrever um erudito que desenvolve dicionários gregos e hebraicos, de modo que os que não conhecem os idiomas antigos con­sigam compreender melhor qual o significado de determinada

22 / A Trindade

palavra em linguagem moderna. No mundo de fala portu­guesa, um lexicógrafo grego ou hebraico será um erudito que procura definir com clareza palavras gregas ou hebraicas quanto ao sentido que elas possuem em português.

Magistral - a verdadeira autoridade ou mais influente líder em qualquer campo de empreendimento. O termo normalmente é empregado para referir-se à obra assinada pelo erudito.

M odalism o - antigo ensinamento cristão que sustentava existir apenas um Deus, que Se manifestara sucessivamente como o Pai, depois o Filho e finalmente o Espírito Santo. Tal ensina­mento nega a Trindade composta por três Pessoas coeternas, que sempre existiram numa profunda unicidade pessoal em termos de natureza, caráter e propósito.

Monoteísta - crença em e adoração de um Deus, em oposição ao politeísmo (muitos seres divinos).

“Omega” — termo utilizado por Ellen White para descrever o grande engano final de Satanás antes do fim do mundo. Muito provavelmente tem algo a ver com pontos de vista filosó­ficos que despersonalizam quase totalmente a Deus.

Onipotente — a habilidade de exercer poder ilimitado, um traço que os cristãos acreditam ser exclusivo de Deus.

Onipresente — a habilidade de estar em toda parte ao mesmo tempo. Também é uma característica que os cristãos vêem como aplicando-se exclusivamente a Deus.

Onisciente - a habilidade de saber todas as coisas, um traço tra­dicionalmente interpretado pelos cristãos como aplicando-se exclusivamente a Deus.

, Oratório - composição musical sacra similar a uma ópera, mas que não se desenvolve com ação. O mais famoso oratório é o Messias, de George F. Handel.

Panteão — termo grego que significa literalmente “todos os deu­ses”. Era originalmente utilizado pelos antigos gregos e romanos para referir-se às construções nas quais guardavam em expo­sição as imagens de todos os seus deuses.

Glossário da Primeira Seção / 23

Paródia — peça musical ou literária que imita outra de modo a gracejar ou zombar da original.

Pessoa - ser racional, autoconsciente, capaz de realizar escolhas e distinções morais, de construir relacionamentos afetivos e de comunicar-se através de formas concretas e abstratas.

“Pioneiros” - termo utilizado nos estudos adventistas para referir-se aos líderes do adventismo sabatista que ajudaram a estabelecer a Igreja Adventista do Sétimo Dia e a moldar sua mensagem doutrinária. O arcabouço temporal dos pioneiros geralmente é considerado como indo de 1844 até à morte de Ellen G. White, em 1915.

Polêmica - atividade de qualquer pessoa que procura defender aquilo que acredita ser a verdade, em contraposição à percebida ou real falsidade de um companheiro de crença. A apologética envolve a atividade de cristãos que defendem sua compreensão da verdade em contraposição aos questionamentos conflitantes de não-cristãos.

Politeísmo — crença de que existe mais de um Deus. Pessoas ou grupos politeístas adoram muitos seres divinos; que habitam o Universo e afetam a vida neste mundo. O po­liteísmo se opõe ao monoteísmo, a crença em um único Deus verdadeiro.

Preexistente - o foco deste termo é se Jesus possuía existência divina antes de assumir a natureza humana, ou encarnar. Quase todos os cristãos que possuem base bíblica assumem que Jesus possuía existência autoconsciente antes de vir à Terra, mas a discussão principal tem a ver com a questão de haver Ele sido coeterno com o Pai em Seu estado preexistente.

Reforma e reformadores - termos normalmente usados pelos protestantes e católicos para se referirem aos principais movi­mentos de reforma religiosa do século 16, na Europa, e às suas figuras principais. Os protestantes com freqüência utilizam o termo “reformador” para referir-se aos seus principais líderes fundadores, como Lutero, Calvino e Zuínglio, entre outros.

2 4 1A Trindade

Sabelianismo - importante variante do antigo ensinamento do modalismo.

Semi-arianismo - ensinamento segundo o qual o Pai e o Filho não são pessoas coeternas. Não compartilham a divindade no sentido de que o Filho foi “gerado” pelo Pai, sendo Jesus pro­duzido a partir da natureza divina do Pai, numa espécie de “partição amebiana”. Portanto, embora houvesse um tempo em que Jesus não existia como pessoa separada e identificável, Sua natureza divina alegadamente derivou da do Pai.

Septuaginta - tradução grega do Antigo Testamento hebreu, da­tada do segundo século a.C. A palavra significa, literalmente, “versão dos setenta”, supostamente produzida por 70 judeus helenistas (que falavam o grego) na cidade egípcia de Alexandria. Os autores do Novo Testamento a citaram com freqüência.

Te tr agram a - termo técnico usado pelos eruditos bíblicos para se referirem ao nome ou título mais freqüentemente utilizado em aplicação a Deus no Antigo Testamento: YFIWH, muito provavelmente pronunciado “Yahweh” e normalmente tra­duzido como Senhor ou Jeová.

Transliterar - tomar as letras de palavras de um idioma e expres­sá-las nas letras equivalentes do alfabeto de outro idioma. Por exemplo, a palavra grega para “deus” é transliterada como theos.

Trindade — crença cristã de que a Divindade consiste de três pes­soas divinas e coeternas (Pai, Filho e Espírito Santo), que são “um” em natureza, caráter e propósito. Não existem três Deuses, e sim um Deus manifesto em três pessoas.

Trinitariano(a) - pessoa, grupo, escola ou igreja que confessa a doutrina da Trindade.

Unitariano(a) - qualquer pessoa ou grupo que nega a doutrina da Trindade, sugerindo que existe apenas um Deus, o Pai. Os unitarianos regularmente negam a plena divindade do Filho e a personalidade do Espírito Santo.

Capítulo I

A Evidência Bíblica Mais Forte da Trindade

Uma pessoa que recentemente compartilhou via Internet suas dificuldades quanto à versão trinitariana da Divin­dade sentiu-se tão perturbada diante das alegadas origens pagãs e papais desta doutrina que chegou a concluir que sua acei­tação por parte do adventismo possivelmente fosse o “ômega” da

apostasia mortal antecipada por Ellen White.Contudo, ele apelou aos companheiros adventistas no sentido

de uma abordagem do assunto com a seriedade e a sinceridade dos bereanos “nobres” ou de “mente aberta” descritos no livro de Atos. Aqueles “receberam a palavra com toda a avidez, examinan­do as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim” (Atos 17:11).

No espírito dos “nobres” bereanos, este primeiro capítulo pro­curará a mais clara e direta resposta escriturística para as seguin­tes questões:

Existe suficiente evidência bíblica em apoio às reivindicações trinitarianas da vasta maioria da tradição cristã e do adventismo contemporâneo, pelo menos em um nível que mereça a conside­ração séria de tais reivindicações? Ou são as evidências tão escassas a ponto de sugerir que a doutrina representa simplesmente uma

2 6 / A Trindade

grande peça de engano provinda do politeísmo e erroneamente “batizada” pelo cristianismo apóstata (e a partir daí, despercebi- damente, pelos adventistas)?

Convidamos os leitores a seguirem cuidadosamente as linhas bíblicas de evidência trazidas à luz nas páginas seguintes, fazendo depois a si mesmos a pergunta: São as evidências suficientes para que consideremos honestamente as pretensões trinitarianas da cristandade em geral e do adventismo contemporâneo em particular?

Em outras palavras, o que estamos tentando empreender é a apresentação das mais óbvias e convincentes evidências bíblicas em favor da Trindade. Sob o risco de repetição desnecessária, desejamos tornar claro aos leitores que não estamos querendo que qualquer pessoa engula o pacote todo de uma vez. Apenas insistimos que você honestamente se pergunte se a evidência é suficiente para prosseguir examinando o assunto com oração, re­flexão e estudo adicional da Bíblia.

Assim, continuemos com as Escrituras. Tente imaginar-se como candidato (a) ao batismo que participou de uma classe ba­tismal com o pastor a fim de preparar-se para se tornar membro da igreja. O pastor está agora apresentando as melhores evidências bíblicas em apoio à declaração de fé trinitariana da igreja. Deve­mos relembrar aos leitores que as questões básicas a serem testa­das biblicamente são:

• A plena e eterna divindade de Cristo.• A personalidade e plena divindade do Espírito Santo.• A unidade em natureza e caráter das alegadas três pessoas da

Divindade.

Dois Esclarecimentos Importantes1. Antes de iniciarmos a interpretação direta dos dados bíbli­

cos, os leitores deveriam saber o que estamos querendo dizer quando usamos as expressões “natureza divina” ou “plenamente divino em natureza”. Todos os cristãos bíblicos, tanto trinitarianos quanto antitrinitarianos, parecem concordar que, quando a Bíblia

A Evidência Bíblica Mais Forte da Trindade / 2 7

descreve o Deus Criador (em contraste com os falsos deuses ou seres criados), Ele possui os seguintes aspectos distintivamente divinos:

Por natureza, Deus é:a. Pessoal, mas presente em toda parte (onipresente) de Seu Uni­

verso criado (Sal. 139:7-12).b. Conhecedor de todas as coisas (onisciente) (Sal. 139:1-4).c. Todo-poderoso (onipotente) (Mat. 19:26).d. Existente “de eternidade a eternidade” (eterno) (Sal. 90:2).e. Imutável em Sua natureza e caráter (imutável) (Mal. 3:6).f. Totalmente justiça e bondade (bondoso) (Sal. 145:9; 19:7-9).g. Um ser de amor (amor perfeito, desinteressado) (I João 4:8).

Portanto, se algum desses traços divinos faltar, certamente nãoestamos falando a respeito do grande Deus da Bíblia.

2. O Antigo Testamento utiliza vários nomes e títulos (tais como “El”, “Elohim”, “Adonai” e o tão usado “Yahweh”) para re- ferir-se a Deus. Parece claro que, ao a Bíblia desejar falar acerca do Deus verdadeiro, qualquer um desses nomes pode ser apro­priadamente aplicado a Ele. Porém, conforme veremos, por vezes o Novo Testamento torna evidente que certas passagens do Antigo Testamento têm em mente especificamente tanto o Filho quanto o Pai ou o Espírito Santo. Portanto, qualquer um dos nomes de Deus usados no Antigo Testamento pode falar de Deus em sua unicidade conjunta (Deut. 6:4) ou mais especificamente das pessoas distintas do Pai, do Filho ou do Espírito Santo.

Alguns antitrinitarianos (as testemunhas de Jeová) tentam restringir o termo “Senhor” (YHWH, Yahweh ou Jeová) apenas a Deus o Pai, ao passo que outros (sentindo a força das evidências que estamos prestes a apresentar) tentam limitar o uso de “Senhor” apenas ao Filho. A evidência, no entanto, claramente oferece apoio ao fato de que, da perspectiva do Novo Testamento, o termo “Senhor” no Antigo Testamento tanto pode referir-se a um dos membros da Trindade quanto a todos os três, em Sua profunda unicidade.

28 / A Trindade

Por exemplo, João 8:58 claramente interpreta o Senhor de Êxodo 3:14 e 15 como sendo Jesus Cristo. Entretanto, Apocalip­se 4:8 considera o “Senhor dos Exércitos” de Isaías 6:3 como o Pai “que era e que é, e que há de vir”. Portanto, Senhor (Yahweh) pode referir-se tanto ao Pai quanto ao Filho.1

A Plena Divindade de Jesus CristoA questão-chave com a qual se confrontou a igreja primitiva

foi: poderiam eles conservar sua forte compreensão acerca de uni­cidade de Deus (herdada do judaísmo) e, ainda assim, afirmar a plena e eterna divindade de Jesus Cristo?

A Epístola aos HebreusEste livro desafiador obviamente tem como público-alvo

conversos enraizados no Antigo Testamento e no judaísmo. En- contra-se saturado de citações do Antigo Testamento que assumem que os leitores possuem íntima familiaridade com o templo/san­tuário judaico e seus serviços.

O primeiro capítulo tem três marcantes linhas de evidências (existem outras, porém apresentaremos apenas as mais fortes) que poderosamente sugerem que o Jeová do Antigo Testamento in­cluía em Sua identidade a pessoa de Jesus de Nazaré.

Um dos principais temas de toda a epístola é demonstrar, a partir do Antigo Testamento, a superioridade de Cristo em re­lação aos anjos, a Moisés e aos sacerdotes levíticos. Finalmente, o autor demonstrará a superioridade do sacrifício de Cristo, empreendido de uma vez por todas, quando comparado com as numerosas e repetitivas ofertas apresentadas no santuário terrestre. O capítulo 1 trata dos anjos, que constituem o primeiro parâ­metro de comparação.

O argumento básico do autor é o de que os anjos são seres muito importantes, “espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação” (Heb. 1:14, Almeida

A Evidência Bíblica Mais Forte da Trindade / 29

Revista e Corrigida). Eles, contudo, não podem ser comparados em importância e dignidade ao Filho de Deus. A conclusão é que Jesus é “melhor” que os anjos. Analisemos cuidadosamente os argumentos do autor.

Nos versos 5 e 6, ele pergunta aos leitores se algum anjo, em qualquer ocasião, foi constituído como objeto de adoração. O Pai, que introduziu “no mundo o primogênito”, alguma vez ex- pressou-Se em relação a qualquer anjo: “E todos os anjos de Deus o adorem”? A resposta óbvia é um retumbante “não”! A clara implicação é que Jesus, o “primogênito” e “gerado” Filho de Deus,2 recebe adoração dos “anjos de Deus”.

O que isso sugere a respeito de Jesus? A inevitável conclusão parece ser a de que o “Filho” (Jesus Cristo) é Deus, uma vez que apenas Deus, no monoteísta Antigo Testamento, é digno de ado­ração por parte dos seres criados (veja Exo. 20:2-4; confira Apoc. 19:9, 10 e 22:8 e 9). As implicações dos versos 5 e 6, entretanto, tornam-se ainda mais explícitas nos versos seguintes.

Em Flebreus 1:7 e 8, o autor prossegue dizendo que, enquanto Deus fez os anjos para serem “Seus ministros, labareda de fogo” (verso 7), diz “acerca do Filho: ‘O Teu trono, ó Deus, é para todo o sempre’” (verso 8). Aqui o autor de Hebreus inquestio­navelmente faz uso do Salmo 45:6 para falar de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Na verdade, esta é a primeira de sete aplicações neotestamentárias diretas do termo grego para “Deus” (theos) a Jesus. As outras, com as quais lidaremos nos capítulos subse­qüentes, ocorrem em João 1:1 e 18; 20:28; Romanos 9:5; Tito 2:13 e II Pedro 1:1 (Hatton, págs. 42 e 43).

Tais pensamentos devem ter ocorrido como uma estonteante re­velação aos crentes judeus primitivos - de que poderiam dirigir-se a Jesus como Deus! Ainda assim, não existe a mais leve indicação no Novo Testamento de que qualquer cristão (judeu ou gentio converso) alguma vez haja protestado contra esta chocante conclusão.

Uma vez mais, vamos ser absolutamente claros quanto ao que ocorre aqui. Os autores do Novo Testamento estão se referindo a Jesus

3 0 1A Trindadecomo “Deus” e interpretando o Antigo Testamento através da aplica­ção a Jesus de um salmo originalmente dirigido ao Deus do Antigo Testamento. E não existe qualquer equívoco no aspecto gramatical de Hebreus 1:8 — a expressão “ó Deus” acha-se claramente no caso grego de discurso direto (caso vocativo). Ou seja, os autores da Bíblia estão explicitamente chamando o Filho de Deus pelo título “Deus”. O ar­gumento, entretanto, ganha peso ainda maior.

Volvamos agora nossa atenção aos versos 10 a 12. Observe cui­dadosamente que o autor bíblico prossegue exaltando o Filho acima do já privilegiado status dos anjos. Ele o faz ao aplicar passagens do Antigo Testamento ao Filho, textos que claramente louvam o sta­tus divino do Filho. O próximo texto do Antigo Testamento usado em aplicação ao Filho é o Salmo 102:25-27. A parte citada começa assim: “No princípio, Senhor, lançaste os fundamentos da Terra, e os Céus são obra das Tuas mãos” (Heb. 1:10).

O que faremos com a aplicação que os autores bíblicos fazem do Salmo 102? A primeira coisa a destacar é que nesta passa­gem o autor está novamente dizendo, como já o havia feito em Hebreus 1:2, que Jesus é o Senhor Criador que fez os Céus e a Terra. Isso, por si só, constitui certamente um poderoso apoio à plena divindade do Filho. Porém, a evidência torna-se ainda mais marcante quando nos dirigimos ao Salmo 102 e examina­mos o primeiro versículo desse capítulo. Ali descobrimos que o salmo, em sua inteireza, é uma prece dirigida ao “Senhor”.

Pense sobre isso por um momento. Este Senhor é ninguém menos que o Deus Jeová do Antigo Testamento. Sempre que você perceber o termo “Senhor” em letras maúsculas numa versão bí­blica moderna, pode ter certeza de que se trata da tradução da mais sagrada palavra hebraica para “Deus” - o tetragrama, que é a transliteração do hebraico JHVH ou YHWH. Além disso, os eruditos bíblicos normalmente traduzem o termo como “Senhor” ou “Jeová”.3 Pois bem, o que faremos com essa informação?

O aspecto maravilhoso, nesse contexto, é que o autor da Epístola aos Hebreus está utilizando uma oração do Antigo Testamento

A Evidência Bíblica Mais Forte da Trindade / 31

dirigida ao Senhor (Jeová ou Deus Yahweh) e a aplica a ninguém menos que Jesus Cristo! A questão parece ser um tanto direta - o autor desta epístola extremamente judaica está sugerindo forte­mente que o Deus Jeová do Antigo Testamento é ninguém menos que o Jesus do Novo Testamento.

Evidências bíblicas como a que encontramos em Hebreus 1 pro­vêem uma pronta resposta que os cristãos freqüentemente oferecem às zelosas testemunhas de Jeová quando por elas abordados: “Posso confessar com toda franqueza que também sou uma ‘testemunha de Jeová’, uma vez que testemunho por e para Jesus, que é o ‘Senhor’ Jeová na mente dos escritores do Novo Testamento.”

O Livro de ApocalipseO livro de Apocalipse também oferece evidências da plena divin­

dade de Cristo similares àquelas encontradas em Hebreus 1:8-12. Em Apocalipse 1:12-17, temos uma visão de Jesus como o glorificado sumo sacerdote no santuário celestial. Os leitores deveriam prestar pardcular atenção ao verso 17, onde Jesus diz ao temeroso e vacilante profeta: “Não temas; Eu sou o primeiro e o último.”

Uma rápida olhada às referências marginais ou notas de qualquer Bíblia de estudo mostrará aos leitores que o apóstolo João trabalha aqui com base nos textos de Isaías 41:4, 44:6 e 48:12. Isaías 44:6 declara: “Assim diz o Senhor, Rei de Israel, seu Redentor, o Senhor dos Exércitos: ‘Eu sou o primeiro e o último, e além de Mim não há Deus’.” Que uso faremos desta terminologia que o revelador relata como provindo da boca de nosso glorificado sumo sacerdote?

Não parece óbvio que João se sente confortável ao falar-nos que Cristo, nosso sumo sacerdote, é ninguém menos que o Se­nhor (YHWH, Yahweh ou Jeová) citado pelo profeta Isaías no Antigo Testamento? Não seria, então, lícito concluir de forma razoável que o Senhor que é o “Primeiro” e o “Último” para Isaías é o “Senhor Jesus” que constitui o assunto central do livro de Apocalipse?

3 2 1A TrindadeAlém disso, é interessante que a designação de Cristo como “o

Primeiro e o Ultimo” faz eco a um título similar claramente apli­cado a Deus o Pai nesse mesmo capítulo de abertura do Apoca­lipse. No capítulo 1, verso 4, Ele é descrito como “Aquele que é, que era e que há de vir”; no verso 8, Ele Se autoproclama como “o Alfa e o Ômega” (o Primeiro e o Último), “Aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-Poderoso”.

Quando títulos similares referentes a YHWH no Antigo Tes­tamento são aplicados tanto ao Pai quanto ao Filho no livro de Apocalipse, não encontramos neste fato uma forte evidência de que o Filho é igual ao Pai em natureza divina? Isso, contudo, não representa o fim do assunto no tocante à expressão “o primeiro e o último” no livro de Apocalipse.

Em Apocalipse 22:12 e 13, encontramos João relatando a se­guinte declaração: “E eis que venho sem demora, e comigo está o galardão que tenho para retribuir a cada um segundo as suas obras. Eu sou o Alfa e Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim.” Qual das pessoas da Divindade está falando aqui: o Pai ou o Filho?

Não é absolutamente claro, no contexto, mas parece mais pro­vável que as palavras estejam vindo da boca de Jesus. Por bondade, observe cuidadosamente aquilo que precede, em termos imediatos, o conteúdo dos versos 12 e 13; trata-se de uma declaração, nos versos 9 a 11, do anjo diante do qual João equivocadamente caiu de joelhos para o adorar (verso 8). A citação do anjo termina, e imediatamente - sem clara identificação de quem está a falar - apa­rece a grande declaração do “Primeiro e Ultimo” dos versos 12 e 13. Certamente, a declaração, utilizando títulos que somente po­deriam ser aplicados a Jesus ou ao Pai, não poderia provir da boca do anjo, o qual no momento anterior reprovara a João por haver tentado tratá-lo como “Deus” (a quem somente é devida a adoração)! Certamente, Aquele que nestes versos afirma vir “sem demora” e ser “o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” é ninguém menos que Jesus!

A Evidência Bíblica Mais Forte da Trindade / 33

Além disso, embora não seja claro que os versos seguintes (14 e 15) se originam com Jesus, o contexto sugere fortemente que assim o seja, e então aparece no verso 16 uma dica fundamental no tocante à iden­tidade dAquele que está falando. Ali Jesus é abertamente identificado como a pessoa que fala, ao dizer: “Eu, Jesus”. Mais que isto, no verso 20 torna-se absolutamente claro que Aquele que diz “Eis que venho sem demora” não é Deus o Pai, e sim o “Senhor Jesus”! “Aquele que dá testemunho destas coisas diz: ‘Certamente, venho sem demora.” Aparece então o relato de um efusivo “Amém”, seguindo de um sincero e profundo apelo: “Vem, Senhor Jesus” (verso 20).

O que faremos com o uso destes notáveis títulos, “Alfa e Omega”, “o Princípio e o Fim”, os quais, até este ponto do últi­mo capítulo de Apocalipse, haviam sido aplicados apenas ao Pai?4 Desejamos simplesmente sugerir aos leitores que essa terminologia constitui clara evidência de que aquilo que é comum à natureza divina do Pai, o divino Filho também possui.

Além disso, deveríamos observar que essas expressões são al­guns dos mais poderosos veículos utilizados pela Bíblia para ex­pressar a eterna preexistência tanto do Pai quanto do Filho.

Por fim, devemos destacar que a mais provável razão de Jesus empregar “Alfa e Omega” e “Princípio e Fim” como títulos autodes- critivos é que aqui pela primeira vez o livro de Apocalipse descreve ambos, “Deus e o Cordeiro”, como compartilhando plenamente o “trono”. Observe com muita atenção o modo como Apocalipse 22:1 e 3 claramente rotula o “trono de Deus” como sendo o “trono de Deus e do Cordeiro”. Agora Cristo não mais é retratado como o “Cordeiro” diante do trono de Deus (veja, por exemplo, Apoc. 5:6 e 7); agora Ele acha-Se sentado no trono com o Pai, como pleno e igual co-regente de todo o Universo redimido.

O Evangelho de João Muitos entendem que este Evangelho contém o mais forte

dentre todos os testemunhos possíveis quanto à plena e eterna di­vindade de Cristo no Novo Testamento.

34 / A Trindade

Uma das passagens mais citadas como prova da divindade plena de Cristo é João 1:1, especialmente a última frase do verso: “e o Verbo era Deus”. Eu gostaria de sugerir que o verso realmente provê forte apoio para se considerar o Verbo (Jesus) como uma pessoa divina. Entretanto, considerando que uma interpretação abalizada requer algumas considerações gramaticais de ordem técnica, lidaremos com este verso, de modo mais demorado, no capítulo 3. Por enquanto, é suficiente dizer que o verso, em sua gramática detalhada, claramente testifica que Jesus, o Verbo, é um ser plenamente divino. A mais clara e incontroversa evidência, contudo, encontra-se em João 8:58.

João 8 relata um sério diálogo com os líderes judaicos, no qual Jesus lhes diz: “Em verdade, em verdade vos digo: antes que Abraão existisse, EU SOU” (verso 58). Alguns pontos assombro­sos ressaltam desta declaração.

Primeiro, a esmagadora maioria dos estudiosos da Bíblia reco­nhece que, ao Jesus dizer “EU SOU”, Ele Se refere claramente a Êxodo 3:14, e aplica o texto a Si próprio. Nessa famosa passagem do Antigo Testamento, Moisés pergunta a Deus o que deveria dizer aos filhos de Israel quando eles lhe perguntassem acerca do nome do Deus que o enviara para livrá-los do cativeiro egípcio (versos 11 a 13). Deus responde com toda clareza a Moisés: “EU SOU O QUE SOU”. E acrescenta: “Assim dirás aos filhos de Israel: ‘EU SOU me enviou a vós’.” Deus disse ainda a Moisés: “Assim dirás aos filhos de Israel: ‘O SENHOR, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me enviou avós outros’” (versos 14 e 15).

A aplicação que Jesus faz desses versos a Si mesmo oferece con­vincente evidência de Sua plena divindade. Cristo estava claramente apropriando-Se das exatas expressões usadas para Deus no Exodo do Antigo Testamento, quando Se identificou com o escravizado povo de Israel. Além disso, Jesus não apenas Se apresenta como o Deus que a Si mesmo Se identifica como o EU SOU, mas também como a divindade que a Si mesmo Se identifica como “o Deus de Abraão,

A Evidência Bíblica Mais Forte da Trindade / 35

o Deus de Isaque e o Deus de Jacó”, Aquele que é “o Deus de vos­sos pais” (verso 15). Obviamente, Jesus está Se apresentando como ninguém menos que o Deus do Êxodo, o Senhor Deus (YHWH, Jeová) dos grandes patriarcas fundadores da nação israelita.

Será que a audiência de Jesus captou o profundo significado daquilo que Ele pretendia dizer? Com toda certeza! Entenderam claramente que Ele estava Se identificando como ninguém menos que o Deus do Antigo Testamento, o Senhor dos patriarcas e do Êxodo. Como podemos afirmar que eles entenderam a reivindi­cação de Jesus? O verso seguinte relata que as pessoas “pegaram em pedras para atirarem nEle” (João 8:59). Por quê? Porque esta era a resposta apropriada de um judeu a qualquer ser humano que fizesse declarações consideradas blasfemas! E o que é blasfê­mia? É o ser humano pretender ser Deus (ver João 5:18).

Temos de reconhecer que algumas pessoas consideram que o uso da expressão EU SOU por parte de Jesus, em João 8:58, fala apenas de uma preexistência limitada, e não de uma eterna pree­xistência. Sobre isso, Max Hatton tem alguns comentários úteis:

“Deve-se salientar que, se Jesus houvesse pretendido sim­plesmente dizer que Ele existia antes de Abraão, deveria ter dito Ego En (Eu era). Em vez disso, Ele utilizou o termo EU SOU no sentido absoluto. A expressão é utilizada com um substanti­vo de esclarecimento em outros lugares. Por exemplo: Eu sou o Bom Pastor. Aqui, entretanto, Jesus diz abruptamente: EU SOU, sem qualquer esclarecimento adicional.

“Êxodo 3:14 - ‘EU SOU O QUE SOU... Assim dirás aos filhos de Israel: Eu Sou me enviou a vós outros.’

“Deve tornar-se evidente que o segundo EU SOU constitui uma abreviação do nome apresentado no primeiro momento. ‘EU SOU O QUE SOU’, na Septuaginta, tradução grega do Antigo Testamento, é ‘EGO EIMI HO O N ’. Referindo-se a João 8:58, o grande erudito helenista Archibald Thomas Robertson diz: ‘Indu­bitavelmente, aqui Jesus reclama eterna preexistência com uma frase absoluta, utilizada para Deus”’ (ibid., págs. 45 e 46).

3 6 / A TrindadeColocando a questão do modo mais claro possível: ou Jesus era

o que afirmava ser em João 8:58, ou estava fora de Seu são juízo, ou foi uma das mais blasfemas pessoas em toda a história humana!

O Evangelho de João contém evidências adicionais em favor da plena divindade de Jesus como alguém igual ao Pai em natureza. Contudo, deixaremos a análise delas para o capítulo 3.

A Personalidade e a Divindade do Espírito SantoO testemunho das Escrituras não é tão extenso sobre a perso­

nalidade e a divindade do Espírito Santo quanto o é no tocante à plena divindade de Cristo. A evidência, contudo, é no mínimo muito sugestiva, se não absolutamente persuasiva. O apoio mais notável aparece em Atos 5.

Atos 5A primeira parte deste capítulo lida com a trágica experiência

de Ananias e sua esposa Safira. Os cristãos primitivos haviam feito um voto a Deus, no sentido de doarem o pleno resultado da venda de suas propriedades para suprir as necessidades da emergente e necessitada igreja. A história salienta o fato de que o casal secreta­mente “reteve parte do preço” para uso pessoal. Quando foram depositar sua oferta parcial aos pés dos apóstolos, morreram.

Observe com muita atenção o modo como Pedro explica a su­mária execução do casal em virtude do poder de Deus: “Então disse Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, reservando parte do valor do campo? ... Como, pois, assentaste no coração? Não mentiste aos homens, mas a Deus’” (versos 3 e 4).

Reflitamos por uns instantes sobre esse relatório bastante direto.Primeiro, parece bastante óbvio que somente se pode mentir a

uma “pessoa” ou personalidade. Não é possível mentir a um ser ina­nimado, apenas a seres autoconscientes, que possuam a habilidade de pessoalmente comunicar-se e relacionar-se de modo responsivo com outras pessoas. Eu posso mentir a meu computador durante o

A Evidência Bíblica Mais Forte da Trindade / 3 7

dia inteiro, mas isso não o afetará em nada, no sentido em que os leitores seriam afetados se eu lhes apresentasse um proverbial monte de mentiras. Apenas a seres pessoais, capazes de relacionamentos e de comunicação significativa com outros seres, é que se pode men­tir no sentido de este ato gerar conseqüências morais.

Em segundo lugar, Pedro afirma a Ananias que este mentiu ao “Espírito Santo” e prossegue assegurando que ele não mentiu “aos homens, mas a Deus” (verso 4). A implicação óbvia é que o Espírito Santo é Deus! Pergunto aos leitores: existe aqui qualquer outra conclusão possível, a não ser não a mencionada?

Efésios 4:30Evidência similar em favor da personalidade do Espírito Santo

aparece em Efésios 4:30. Paulo admoesta seus leitores: “Não en­tristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção.” Poderíamos entristecer um objeto ou um ser inanimado, uma coisa? Claro que não! Apenas pessoas podem ser entristecidas. Aqui, entristecer refere-se a levar alguém ao ponto de profundo pesar ou desapontamento. Trata-se de uma sensação que apenas seres pessoais, com sentidos, sentimentos e propensão a cuidar de outros, podem experimentar. Seres inanimados ou coisas impes­soais não possuem a capacidade de serem “entristecidos”.

A Triunidade do Deus ÚnicoAqui nos deparamos com um dos mais profundos mistérios

acerca de Deus. Embora tenhamos ilustrações humanas de po­derosas unidades que podem se estabelecer entre personalidades distintas (casamento, amizades, times, etc.), o conceito subjacente à visão trinitariana de Deus é o mais profundo. Qual a melhor evi­dência de que a Divindade não é apenas unitária, mas consiste de uma pluralidade unida de Pessoas divinas?

Mateus 28:19Provavelmente a indicação mais forte dessa triunidade divina

38 / A Trindadeocorra na famosa comissão evangélica, dada por Jesus à igreja através da fórmula batismal: uIde, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mat. 28:19). Observe que esta fórmula declara que os três membros da Divindade possuem um nome (singular, não plural), o que sugere fortemente que Eles são um em caráter pessoal e natureza. Na Bíblia, o conceito de “nome” inclui caráter e natureza. Aqui as Sagradas Escrituras sugerem que o Santo Trio é um em nome, uma vez que Eles compartilham o próprio caráter da divindade.

Esse verso, ao lado de II Coríntios 13:13, oferece marcante vis­lumbre acerca da vida da igreja apostólica primitiva. As passagens apresentam a saudação apostólica e a fórmula oferecida pelo pró­prio Cristo para o rito da iniciação (batismo) à família de Deus numa forma triúna. Ambos os textos sugerem a unidade das três grandes Pessoas que operam a redenção e a vida da igreja.

Mateus 3:16 e 17Outra interessante evidência da unidade da Divindade surge a

partir da presença dos Três no batismo de Cristo. Observe cuida­dosamente Mateus 3:16 e 17: “Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre Ele. E eis uma voz dos céus, que dizia: ‘Este é o Meu Filho amado, em quem Me comprazo’.”

O que constitui um fato realmente notável nesse incidente é que, ao Jesus iniciar formalmente o Seu ministério público de re­denção, todos os três membros do Trio Celestial se encontravam presentes. Jesus, recém-batizado, está em pé às margens do Jordão, o Espírito desce sobre Ele como uma pomba e o Pai profere do céu audivelmente palavras de identidade e divina aprovação. A cena re­trata poderosamente a unicidade de propósito da Divindade. Além disso, o texto evidencia com clareza o caráter distinto de cada ser divino. Mateus não apresenta o Filho e o Espírito Santo como sim­plesmente manifestações diferentes ou personificações do Pai, e

A Evidência Bíblica Mais Forte da Trindade / 39

sim como personalidades distintas em concerto com o Pai. Ainda assim, oferecem toda aparência de unicidade em propósito e caráter, à medida que focalizam a missão redentora do Filho.

Evidência do Antigo TestamentoE a concepção de uma unidade plural no âmbito da Divinda­

de algo típico apenas do Novo Testamento? Certamente não.O que é notável é que as grandes passagens sempre recitadas

na abertura dos cultos das sinagogas e que poderosamente con­fessavam a crença judaica em um único Deus verdadeiro forte­mente sugerem que o Deus de Israel era um Deus multipessoal, ainda que profundamente uno.

Deuteronômio 6:4 e Gênesis 2:24Comumente mencionado como a Shema, Deuteronômio 6:4

diz: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único SENHOR.” Esta famosa passagem apresenta vários pontos úteis em nosso estudo. Antes de mais nada, o Deus de Israel é nenhum outro senão o Senhor (YHWH). Em segundo lugar, Deus Jeová é o Senhor que é “um”. O ponto notável a respeito da palavra tra­duzida como “um” é que ela provém do hebraico ’echad. Ela “significa um [entre outros]’, sendo que a ênfase repousa sobre um em particular. ... A possibilidade de existirem outros é ine­rente a ’echad, mas yachid exclui tal possibilidade” (Christensen, pág. 69). Outra forma de explicar ’echad é que o termo se refere a uma unidade que resulta da união de numerosas pessoas.

Ora, certamente Moisés poderia dispor da palavra yachid, que haveria utilizado sem problemas se quisesse descrever o Senhor Deus de Israel como um ser exclusivamente unitário. Em con­traste com ’echad, a palavra yachid “significa um’ no sentido de ‘único’ ou ‘sozinho’” (ibid.). Dito em outros termos, ela se refere a “um” no sentido unitário, não no sentido plural. Moisés, entre­tanto, empregou o plural ’echad (um entre outros numa unidade combinada ou compartilhada).

4 0 1A TrindadeFica mais fácil compreender o pleno significado de ’echad

quando lembramos que as Escrituras empregam o mesmo termo para descrever uma das mais profundas uniões humanas: “Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornan­do-se os dois uma só carne” (Gên. 2:24). Aqui o termo ’echad descreve a união matrimonial entre dois seres autoconscientes, amoráveis e relacionais.

Gênesis 1:1-3 e 2 6Ao lermos o livro de Gênesis, encontramos as linhas finais de

evidência no tocante à unidade pessoal das pessoas da Divinda­de. Gênesis 1:26 relata o Deus Criador dizendo: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança.” Nesta passagem, Deus fala de Si mesmo no plural.

Quando colocamos tal linha de evidência ao lado de outras evidências-chaves, encontradas nos versos 1 a 3, temos sugestões muito fortes quanto à natureza profundamente unitiva da Divin­dade: (1) Gênesis retrata a Deus operando em conjunto com o “Espírito de Deus”, que Se movia “sobre a face do abismo”; e (2) as repetidas declarações do Novo Testamento de que o agente ati­vo da Criação foi ninguém menos que Jesus, o Filho de Deus. Aqui, a Divindade cria os seres humanos à “nossa” imagem - o Pai, o Espírito e o Filho formando uma pluralidade criativa, amo- rável e pessoal.

Ao criar a humanidade à “nossa” imagem, Deus estabeleceu uma pluralidade de dois indivíduos, um distinto do outro, mas ainda assim capazes de se tornarem “um” (Gên. 2:24). Isso retrata fortemente o fato histórico de que a pluralidade na unidade en­volve a imagem de Deus.

ResumoTemos aqui algumas da mais claras evidências bíblicas a res­

peito da plena divindade de Cristo, da personalidade e divindade do Espírito e da união profundamente pessoal da Divindade. Per­

A Evidência Bíblica Mais Forte da Trindade / 41

guntamos: é tal evidência suficientemente persuasiva para que os leitores dêem atenção adicional às evidências bíblicas das reivin­dicações trinitarianas de que devemos entender a Divindade como uma triunidade pessoal profundamente unida? Esperamos que sim.

Embora tenhamos apresentado algumas das evidências mais diretas, há muito mais à frente. Voltemos agora nossa atenção a outras linhas de evidência encontradas na Bíblia.

Notas1 Encontramos outra ilustração deste ponto nas seguintes passagens:

compare Gênesis 17:1, 35:11 e 48:3 com Êxodo 6:2 e 3, e 3:6, 13 e 14. Em Gênesis 17:1, o “Senhor” (Yahweh) apresenta-Se a Si mesmo a Abraão como o “Deus Todo-Poderoso”. Então, em Gênesis 35:11, “Deus” (El) fala a Jacó e Se apresenta outra vez como “Deus Todo-Po­deroso” (compare com Gên. 48:3). Êxodo 6:2 e 3 mostra “Deus” (El) falando a Moisés e identificando-Se claramente como o “Senhor” (Yah­weh) e “Deus Todo-Poderoso”. A mais conhecida entre essas passagens é Êxodo 3:6, 13 e 14, que Jesus claramente aplica a Si mesmo ao recla­mar o título “Eu Sou”. Em outras palavras, o Antigo Testamento aplica ambos os títulos, “Deus” (El) e “Senhor” (Yahweh), ao Deus de Israel, o Deus que Jesus pretende ser em João 8:58. Além disso, o Deus do Antigo Testamento, que Jesus apresenta como sendo Ele mesmo, é tam­bém chamado de “Deus Todo-Poderoso”. Isso se demonstrará interessante mais tarde, quando considerarmos as evidências trinitarianas do livro de Apocalipse. Embora Apocalipse nunca aplique diretamente o termo “Todo-Poderoso” a Jesus, é bastante óbvio, a partir dos textos citados acima, que Jesus, junto com o Pai, carrega também esse título como parte de Sua descrição divina.

2 Exploraremos melhor o conceito das palavras “gerado”, “unigénito” e “primogênito” num capítulo posterior.

3 Os autores do livro Nisto Cremos fazem o seguinte breve comentário acer­ca de YHWH ou Yahweh: “Yahweh representa uma transliteração con­jectural’ do sagrado nome de Deus no Antigo Testamento (Êxo. 3:14 e 15; 6:3). O original hebraico continha quatro consoantes, YHWH. Com o decorrer do tempo, receando profanar o nome de Deus, os judeus re­cusaram-se a pronunciar em voz alta o sagrado nome. Em vez de fazê-lo,

42 / A Trindadesempre que apareciam as consoantes YHWH, eles liam a palavra ADO- NAI. No sétimo ou oitavo século da era cristã, quando as vogais foram acrescentadas às palavras hebraicas, os massoretas supriram as vogais de Adonai às consoantes de YHWH. A combinação resultou na palavra JEOVÁ, usada na Versão King James. Outras versões preferem manter o termo YAHWEH [Bíblia de Jerusalém], ou Senhor [Revised Standard Version, New International Version e New King James Version]. (Veja Siegfried H. Horn, Seventh-day Adventist Bible Dictionary, ed. Don F. Neufeld, edição revista [Washington, D. C.: Review and Herald, 1979], págs. 1192 e 1193)” (pág. 45).

4 É verdade que Jesus utiliza esses títulos em Apocalipse 1:11, em versões mais antigas. A vasta maioria das versões mais recentes, contudo, não registra Jesus empregando os títulos, uma vez que as evidências dos ma­nuscritos, nesse verso, são muito escassas.

Capítulo 2

A Plena e Eterna Divindade de Cristo

Ia ParteAs Epístolas do Novo Testamento,

o Antigo Testamento e os Evangelhos

Tal qual a maioria das pessoas, eu odiava gramática nas classes da língua materna e idiomas estrangeiros, du­rante o colegial. Tudo aquilo me parecia muito técnico e árido. A medida que amadurecemos, contudo, muitos compreendem a importância da gramática como ferramenta

necessária para a clara comunicação. Este lado mais técnico da comunicação escrita é também uma relevante ferramenta a ser empregada quando somos chamados a interpretar im ­portantes passagens das Escrituras que dizem respeito à questão da adequada compreensão da Divindade.

II Pedro e a Espístola a Tito Em Tito 2:13, temos uma bem conhecida e muito interessan­

te referência a Deus. Citaremos o contexto mais amplo dos versos 11-14: “Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a to­dos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente, aguardando a bendita esperança e a manifesta­ção da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus, o qual a Si mesmo Se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade

44 / A Trindade

e purificar, para Si mesmo, um povo exclusivamente Seu, zeloso de boas obras” (itálico acrescentado).

A frase-chave envolvendo a divindade de Cristo é: “manifes­tação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus”. A questão fundamental é: a expressão “grande Deus” se refere a Cristo ou a Deus o Pai?

Podemos encontrar a resposta para essa pergunta através da explanação da gramática empregada pelo apóstolo Paulo. No grego original, a expressão “nosso grande Deus” possui um artigo definido e a expressão “Salvador Cristo Jesus” não o possui. Assim, os leitores poderiam indagar: o que existe de tão significativo em relação a um artigo? A resposta a esta pergunta revela-se grande­mente esclarecedora.

A gramática grega possui uma conhecida regra, formulada por Granville Sharp nos idos de 1798. A regra, em termos simples, declara que, quando uma conjunção tal como “e” (kaí, em grego) conecta dois substantivos do mesmo caso gramatical (ambos se encontram no caso genitivo, o caso da propriedade), e um “artigo definido precede o primeiro substantivo e nao é repetido antes do segundo substantivo, o último (o segundo substantivo) sempre se refere à mesma pessoa expressa ou descrita pelo primeiro substan­tivo” (Metzger, pág. 79).1

Portanto, a expressão “Salvador Cristo Jesus” certamente se refere a “nosso grande Deus”, o que torna correta a tradução em­pregada pela Versão Almeida Revista e Atualizada, “nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus”. Dito em termos mais claros, o “Salvador Cristo Jesus” é o “grande Deus”.

Mais que isto, devemos destacar que Tito 2:13 não é o único momento em que um escritor bíblico emprega esse tipo de gra­mática e terminologia. Em II Pedro 1:1, temos uma expressão muito parecida: “nosso Deus e Salvador Jesus Cristo”.

Bruce Metzger sintetiza o argumento: “Tudo o que tem sido es­crito [em relação a Tito 2:13], incluindo-se o juízo das autoridades gramaticais citadas ... aplica-se de modo igualmente apropriado à

correta interpretação de II Pedro 1:1. Portanto, neste verso tam­bém existe uma expressa declaração da divindade de Jesus Cristo, ‘... nosso Deus e Salvador Jesus Cristo’” (ibid.).

Romanos 9:5A carta a Tito não é o único lugar em que Paulo claramente

aplica a palavra “Deus” a Jesus Cristo. Ele faz a mesma coisa em Romanos. Ao expressar sua profunda preocupação pela salvação dos judeus, seus “irmãos” e “compatriotas segundo a carne” (Rom. 9:3), ela declara que “Cristo”, um judeu “segundo a carne”, “veio” como “Deus bendito para todo o sempre”.

Poderiam as palavras ser mais claras? Aqui Paulo afirma ex­pressamente que Cristo veio não apenas como judeu carnal, mas como “Deus”! O grande apóstolo, contudo, não se restringe a isso; ele se sente sob a obrigação de definir Cristo como o “Deus bendito para todo o sempre”. Aqui se encontra um poderoso tes­temunho da divindade de Cristo e de Sua natureza como o eter­namente, sempre-existente “Deus” (ver Isa. 9:6).

A Espístola aos ColossensesA gramática pode provar-se importante na interpretação de certos

textos bíblicos, assim como a clarificação adicional do significado de importantes palavras pode revelar-se útil. Conforme vimos no capítulo 1, o significado de palavras hebraicas como yachid, ’echad (um) e YHWH (Yahweh, Senhor, Jeová) é inteiramente decisivo para a correta interpretação. O mesmo é verdade em relação às palavras gregas. Em Colossenses, o significado do termo grego traduzido como “Divindade” é de vital importância, caso queira­mos alcançar pleno entendimento da divindade de Cristo.

Em Colossenses 1:19, Paulo refere-se a Cristo como aquele em quem reside “toda a plenitude”. Imediatamente surge a questão: toda plenitude do quê? Encontramos a resposta explí­cita em Colossenses 2:9: “Nele [a referência é claramente feita a Cristo] habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade”.

A Plena e Eterna Divindade de Cristo: 1- Parte / 45

46 ! A Trindade

A palavra aqui traduzida como “Divindade” é o grego theotes. O termo aplica-se à própria face de Deus, Sua expressa imagem, a própria transcrição de Seu ser.

Ora, o que se demonstra interessante e instrutivo é que Pau­lo possuía à sua disposição outra palavra grega, muito parecida com aquela que utilizou, para expressar a “plenitude” da divindade de Jesus; ele poderia haver utilizado o termo theiotes. Ela tam­bém se refere a características divinas (veja Romanos 1:20, onde Paulo emprega a mesma terminologia). Contudo, ainda que as palavras sejam similares em pronúncia e significado, não são exatamente iguais.

O lexicógrafo2 grego antitrinitariano Thayer tem o seguin­te a dizer a respeito de theotes: “ Theotes (Divindade) difere de theiotes (divindade) do modo como essência difere de quali­dade ou atributo” (Thayer, pág. 288). Em outras palavras, em Romanos 1:20 Paulo está claramente sugerindo que certas qualidades, características e atributos “invisíveis” da divindade (theiotes) “claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram cria­das”. Em Colossenses 2:9, entretanto, o apóstolo declara que na pessoa de Cristo Jesus temos a própria “essência” da natureza da divindade revelada “corporalmente”.

O fato interessante relacionado com o contexto da epístola aos Colossenses é que os assim chamados heréticos de Colossos estavam questionando a própria essência da divindade de Cristo. Esses falsos cristãos estavam tentando rebaixar Jesus ao nível dos anjos ou ao de certas emanações impessoais, que alegadamente possuíam o poder de revelar à humanidade determinados conhecimentos secretos.

A resposta de Paulo a esses ensinamentos heréticos foi proclamar Jesus como não sendo meramente um ser angélico e tampouco uma emanação provinda de algum mundo impessoal dos espíritos. Paulo apresentou Jesus como aquele em quem “habita a plenitude” da essência de Deus, ou a Sua expressa imagem. Jesus carrega corpo­ralmente a própria natureza ou transcrição de um ser divino.

Desejamos humildemente sugerir que o uso dessas palavras, no contexto dos desafios enfrentados pela igreja em Colossos, re­presenta um poderoso testemunho da plena e eterna divindade do Filho de Deus.

Filipenses 2:2-8Um dos mais interessantes traços das Escrituras é o modo

como questões profundamente teológicas muitas vezes aparecem em contextos que lidam com assuntos altamente práticos. Fili­penses 2 é um desses casos.

Paulo inicia apelando aos crentes de Filipos a pensar “a mesma coisa”, ter “o mesmo amor”, ser “unidos de alma, tendo o mesmo sentimento” (Fil. 2:2), a nada fazer “por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo”, e a não ter “cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros” (versos 3 e 4).

A seguir, Paulo exorta seus leitores: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (verso 5). E neste ponto de concreta praticidade que o grande pastor vai em frente e estabelece uma das mais profundas expressões da plena divindade de Cristo encontradas no texto sagrado. Cristo, “subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo Se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-Se em semelhança de homens. ... A Si mesmo Se humilhou, tornan­do-Se obediente até à morte, e morte de cruz” (versos 6-8).

As expressões-chaves que revelam a divindade de Cristo são: “subsistindo em forma de Deus” e “não julgou como usurpação o ser igual a Deus”.

O que Paulo quer dizer ao afirmar que Cristo veio em “forma de Deus”? A palavra grega morphe (forma) denota “todos as características e atributos essenciais de Deus. ... Qualquer que tenha sido a forma assumida por esta manifes­tação, ela foi possuída por Cristo, que conseqüentemente existia como um com Deus. Isto coloca a Cristo em igualdade

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com o Pai” ( The Seventh-day Adventist Bible Commentary, vol. 7, pág. 154).

Millard Erickson, comentando sobre o significado de morphe, diz que “esse termo em grego clássico, assim como em grego bíblico, sig­nifica ‘o conjunto de características que fazem de uma coisa aquilo que ela é’. Denota a genuína natureza daquela coisa. A palavra morphe contrasta com schéma, que também é geralmente traduzida como ‘forma’, mas no sentido de contorno ou aparência superficial, em vez de substância” (Erickson, Christian Theology, pág. 350).

Que dizer agora a respeito do significado da frase “não julgou como usurpação o ser igual a Deus”? Traduções como a Nova Ver­são Internacional expressam melhor o sentido daquilo que o grego deseja comunicar: “não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-Se”. Paulo está dizendo aqui que alguém que era igual ao Pai esteve disposto a abdicar “do status e privilégio que eram Seus no Céu” (Grudem, pág. 551). Ele não desistiu de Sua natureza divina, mas, ao manifestar Sua atitude redentora e auto- sacrificial, não considerou o privilégio de ser igual a Deus “algo a que devesse apegar-Se” ou “agarrar-Se em seu próprio benefício” (ibid.). Dispôs-Se a assumir “a forma de servo, tornando-Se em se­melhança de homens” a fim de sofrer a morte - “e morte de cruz” (versos 7 e 8)! Em outras palavras, Cristo abdicou não do apego à “forma” ou essência da divindade, mas antes esteve disposto a abrir mão do “apegar-Se” a Seu status privilegiado. Uma vez mais, os co­mentários de Erickson demonstram-se úteis:

“Alguns têm argumentado ... que Jesus não possuía igualdade com Deus; o ponto deste verso, portanto, é que Jesus nem cobi­çou e nem aspirou a igualdade com Deus. Assim, harpagmon (uma coisa à qual apegar-se) não deve ser interpretado como ‘uma coisa à qual dependurar-se’, e sim como ‘uma coisa a apo- derar-se’. No sentido contrário, entretanto, o verso 7 indica que Ele ‘esvaziou-Se a Si mesmo’. ... Embora Paulo não especifique do que Cristo Se esvaziou, parece claro que este ato foi de ativa auto-abnegação, não o de passivamente declinar de uma ação.

Assim, igualdade com Deus é algo que Ele possuía previamente. Alguém que é igual a Deus tem de ser Deus” (Erickson, Christian Theology, págs. 350 e 351).

Em resumo, esta passagem está realmente dizendo que Jesus Cristo era verdadeiramente “igual a Deus”, de modo que não preci­sava apegar-Se ou agarrar-Se à Sua divina igualdade. Tal “igualdade” deu-Lhe um status ou privilégio divino, que Ele deveria colocar temporariamente de lado, visando a um fim redentivo. O ponto realmente marcante dessa notável passagem é que Cristo não pre­cisou apegar-Se à “igualdade com Deus” em virtude de um único e profundo fato: Ele possuía inerentemente a essência ou substância da natureza ou “forma” divina.

Alguma vez você observou que são os funcionários governa­mentais de baixo escalão que constantemente sentem necessi­dade de assumir a postura que reafirme seus reais ou imaginários poderes e prerrogativas? As pessoas que desfrutam de verdadeiro poder são calmas no usufruto de seus privilégios e status. Parecem não ter a necessidade de demonstrar as credenciais de seu poder. Assim foi com nosso Senhor Jesus Cristo: Ele pôde serenamente despir-Se de Seu status divino, uma vez que estava plenamente consciente de Suas credenciais divinas, como alguém igual ao Pai.

Hebreus 1:1-3Antes de interpretarmos diretamente estes versos, pode ser útil

uma explanação mais ampla acerca da base monoteísta dos cris­tãos do primeiro século. A razão de fazê-lo é que, se os escritores- apóstolos houvessem ensinado alguma coisa contrária ao acariciado monoteísmo dos crentes, o Novo Testamento certamente haveria registrado de alguma forma a reação contrária a tais ensinamentos. Será que os cristãos primitivos protestaram contra o abandono do monoteísmo? Antes de respondermos, tornemos também claras as características teológicas dos cristãos primitivos.

Todos os três principais grupos que compunham a maioria dos cristãos primitivos (judeus, gentios convertidos ao judaísmo

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e os “estrangeiros junto à porta”) haviam se alimentado do judaís­mo ou sido atraídos a ele em virtude de seus elevados padrões morais, suas Escrituras e a adoração a um só Deus, que falara através dos profetas do Antigo Testamento. Em outras palavras, um dos pontos mais atrativos do judaísmo era o seu monoteísmo, que se apresentava em claro contraste com o avassalador politeís­mo pagão da época.

Consideremos melhor os dois últimos grupos de cristãos pri­mitivos. Os “conversos” (também chamados “prosélitos”) eram gentios que haviam percorrido todo o caminho e se tornado membros da sinagoga judaica local através do rito da circuncisão. Os “estrangeiros junto à porta”, contudo, embora fortemente atraídos à religião judaica, não haviam tido a coragem de receber a circuncisão masculina adulta.

Ora, quer os cristãos primitivos fossem judeus religiosos, gentios prosélitos ou “estrangeiros junto à porta”, todos esses sinceros crentes em Cristo eram fortemente parciais em relação ao monoteísmo judaico. Com certeza, se os apóstolos estives­sem divulgando uma nova forma de politeísmo diante desses cristãos, teriam enfrentado forte resistência.

Conservando em mente esses comentários, retornemos a al­gumas considerações acerca da divindade de Cristo na Epístola aos Hebreus. Temos de recordar que este livro, entre todas as epístolas do Novo Testamento, é o mais “judaico” e mais forte­mente baseado no Antigo Testamento. Certamente, se os após­tolos estivessem ensinando algo contrário ao monoteísmo do Antigo Testamento, tal ensino haveria aparecido aqui em He­breus. Entretanto, o que o autor de Hebreus imediatamente prossegue fazendo é argumentar em favor da plena divindade de Cristo e afirmar que Ele foi o agente ativo da Criação.

Pondere cuidadosamente sobre Hebreus 1:2 e 3: “[Deus] nestes últimos dias nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o Universo. Ele, que é o res­plendor da glória e a expressão exata do Seu ser, sustentando todas

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as coisas pela palavra de Seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-Se à direita da Majestade, nas alturas.”

Observe a forte declaração de que Cristo é “a expressão exata do Seu [de Deus] ser”. Embora alguns pudessem argumentar que a “ex­pressão exata” se refere apenas ao caráter de Deus, e não à Sua na­tureza divina essencial, o contexto sugere fortemente o contrário.

Antes de mais nada, devo relembrar os leitores de que os ver­sos subseqüentes de Hebreus 1, discutidos no capítulo anterior, claramente se dirigem a Jesus no verso 8 como sendo Deus, e então, nos versos 10-12, o autor aplica a Jesus um Salmo do Antigo Testamento que fala diretamente ao Senhor (Deus Jeo­vá ou Yahweh), com forte implicação no sentido de que Jesus é o Jeová do Antigo Testamento.

Em segundo lugar, a frase no verso 2 que declara que Jesus foi o ser “pelo qual [Deus o Pai] fez também o Universo” merece atenção adicional. O que o autor de Hebreus está dizendo aqui é que Jesus, o divino Filho, é o agente ativo da criação do Universo. Essa afirmação é muito parecida com as afirmações apresentadas por outros autores do Novo Testamento (veja João 1:3; Efé. 3:9 e Col. 1:16).

Tais afirmações dão forte testemunho da plena divindade de Cristo. Podemos realmente dizer que aquele que atuou como agente ativo da criação do Universo é uma espécie de divindade derivada? Esta questão assume particular urgência quando relem­bramos as grandes afirmações dos autores do Antigo Testamento de que o que realmente identifica o Deus verdadeiro é a Sua ca­pacidade de criar.

Isaías 40 celebra o grande “Senhor Deus” (verso 10) como o “Santo” (verso 25) do povo de Deus (Judá). Nos versos 25, 26 e 28, o Santo Senhor apresenta um desafio: “A quem, pois, Me com­parareis, para que Eu lhe seja igual? diz o Senhor. Levantai ao alto os olhos e vede. Quem criou estas coisas? Aquele que faz sair o Seu exército de estrelas, todas bem contadas, as quais Ele chama pelo nome; por ser Ele grande em força e forte em poder, nem uma só

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vem a faltar. ... Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o Se­nhor, o Criador dos fins da Terra, nem se cansa, nem se fatiga? Não se pode esquadrinhar o Seu entendimento” (Isa. 40:25-28).

Quando apresentamos o testemunho do “Santo”, do “Se­nhor Deus” de Isaías, em comparação com Hebreus 1:2 e nu­merosas outras passagens do Novo Testamento que apresentam a Jesus como o agente ativo da criação do Universo, torna-se extremamente difícil afirmar que Ele é algum tipo de semidi- vindade. Uma vez mais, o testemunho do Novo Testamento de que Cristo é o Criador, somado ao fato de que o Antigo Testa­mento afirma que o Criador é o Senhor Jeová, torna muito claro que Jesus, o Criador, é ninguém menos que o Senhor Deus, o Jeová Criador do Antigo Testamento.

Hebreus 7:3De Hebreus 4:14 até o capítulo 8:2, o autor prossegue com o

tema de que Cristo é “superior”. Havendo mostrado que o minis­tério de Cristo é “melhor” que o dos anjos e o de Moisés, agora o autor procura demonstrar que a atividade sumo-sacerdotal de Cristo é superior à de Arão e dos levitas do Antigo Testamento. O autor o faz sugerindo que o sacerdócio de Cristo ocorre segun­do a ordem de Melquisedeque, não segundo a ordem de Levi. E por que considera ele o ministério de Melquisedeque como supe­rior? A resposta-chave é apresentada no capítulo 7.

Utilizando métodos de interpretação típicos dos rabinos, o au­tor vê Melquisedeque como um tipo de Cristo, e isso por várias razoes. Aquela que nos interessa, contudo, tem a ver com o fato de que as Escrituras não apenas identificam o antigo governante como “rei da justiça” e rei de Salém (que significa “rei da paz” [Heb. 7:2]), mas também informam que Melquisedeque era “sem pai, sem mãe, sem genealogia, não teve princípio de dias, nem fim de existência” (verso 3). Em outras palavras, uma vez que a história do Gênesis acerca desse rei não faz menção a pai, mãe ou genealogia humana, ou que ele tenha tido início e fim de existência,

Melquisedeque se torna um maravilhoso tipo de Cristo, um “sa­cerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque” (verso 17). Mas em que aspecto particular? A resposta aparece clara no verso 3: Melquisedeque foi “feito semelhante ao Filho de Deus”, o qual “permanece sacerdote perpetuamente”. E como pode Cristo ministrar continuamente? E porque nosso Senhor Jesus e sumo sacerdote (tal qual o seu tipo Melquisedeque) “não teve princípio de dias, nem fim de existência”.

Hebreus 7:3 indica que Jesus preexistiu eternamente, sem “come­ço de dias” para lembrar e sem “fim de existência” previsto. As carac­terísticas de eterna preexistência no passado e infindável existência no futuro podem residir unicamente numa pessoa plenamente divina.

Não encontramos a mais leve indicação em Hebreus e no restante do Novo Testamento de que os monoteístas cristãos primitivos se sentiram desconfortáveis diante desses poderosos testemunhos da plena divindade de Cristo. Ao contrário, o tes­temunho de João, Paulo e Pedro é tão direto e franco que pare­ce não ter ocorrido qualquer controvérsia, exceto por parte dos judeus não convertidos, oponentes de Jesus. Certamente, se ti­vesse havido uma reação monoteística face às declarações dos apóstolos quanto à plena divindade de Cristo, nós a veríamos registrada, de alguma forma, nos documentos do Novo Testa­mento. Pense a respeito dos grandes debates suscitados pela questão da circuncisão, os quais encontramos refletidos com tanto vigor no livro de Atos e nas epístolas paulinas do Novo Testamento. Contudo, não vemos nada de natureza similar em relação às afirmações apostólicas sobre a divindade de Jesus.

Qualidades Comuns ao Pai e ao Filho Incontáveis escritores têm observado que as Escrituras atri­

buem numerosas qualidades, atividades e atitudes a Cristo que são também compartilhadas por (ou aplicadas a) Deus o Pai.3

Em primeiro lugar, Paulo fala de qualidades de Cristo que o Antigo Testamento aplica especificamente a Deus: santificador

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54 ! A Trindade

(Êxo. 31:13 e I Cor. 1:30), paz (Juizes 6:24 e Efé. 2:14) e justiça (Jer. 23:6 e I Cor. 1:30).

Em segundo lugar, nos escritos de Paulo, “um número de de­clarações intercambiáveis aparece em certo lugar aplicadas a Deus e em outro lugar aplicadas a Cristo” (Johnson e Webber, pág. 123). Observe cuidadosamente o seguinte: (1) o evangelho de Deus em Romanos 1:1 e o evangelho de Cristo em Romanos 1:16; (2) o poder de Deus em Romanos 1:16 e o poder de Cristo em II Coríntios 12:9; (3) a paz de Deus em Filipenses 4:7 e a paz de Cristo em Colossenses 3:15; (4) a igreja de Deus em Gálatas 1:13 e as igrejas de Cristo em Romanos 16:16; (5) o “Espírito de Deus” em I Coríntios 2:11 e Romanos 8:9 também é mencionado como o “Espírito de Cristo” em Romanos 8:9; (6) o “reino de Deus” em Romanos 14:17 é identificado como o “reino do Filho de Seu amor” em Colossenses 1:13.

Em terceiro lugar, Paulo descreve a Deus e a Cristo desenvol­vendo obras ou atividades comuns na igreja e no mundo: (1) a graça de Deus em Gálatas 1:15 e a graça de Cristo em I Tessalo- nicenses 5:28; (2) Deus nos salva em Tito 3:4 e Cristo nos salva em I Tessalonicenses 5:9; (3) o perdão de Deus em Colossenses 2:13 e o perdão de Cristo em Colossenses 3:13, ou o perdão pro­vindo de Deus por intermédio de Cristo em Efésios 4:32; e (4) a revelação deriva de Deus o Pai em Gálatas 1:16 e de Jesus Cristo em Gálatas 1:12.

Em quarto lugar, a atitude de Paulo em relação a Deus e a Cristo é exatamente a mesma: (1) gloria-se em Deus em Romanos 2:17 e gloria-se em Cristo em Filipenses 1:26; (2) é exercida “fé em Deus” em I Tessalonicenses 1:8 e 9 e “fé em Jesus Cristo” em Gálatas 3:22.

O que fazemos com tantas qualidades, atribuições e atividades em comum, compartilhadas pelo Pai e por Cristo? Não consti­tuem elas forte evidência “de que Paulo sabia que Cristo e Deus eram distintos, mas ainda assim na mente dele Eles eram um só e iguais” (ibid.)?

Mudemos agora nossa atenção das epístolas do Novo Testa­mento para as profecias do Antigo Testamento e o modo como os escritores dos Evangelhos viram o cumprimento delas.

Isaías 43:10 e 11Aqui encontramos o grande texto-bandeira dos mais conheci­

dos antitrinitarianos de nosso tempo — as declaradamente arianas testemunhas de Jeová. Esta passagem constitui para eles o que Apocalipse 14:6-12 representa para os adventistas. O fato irônico em relação ao texto, contudo, é que ele próprio representa uma das mais fortes refutações de suas tentativas em tornar o Cristo das Escrituras uma espécie de semideus criado ou derivado. A passagem é a mais compelente peça do Antigo Testamento que poderíamos citar como evidência em favor da plena divindade de Cristo: “Vós sois as Minhas testemunhas, diz o Senhor, o Meu servo a quem escolhi; para que o saibais, e Me creiais, e entendais que sou Eu mesmo, e que antes de Mim deus nenhum se formou, e depois de Mim nenhum haverá. Eu, Eu sou o SENHOR, e fora de Mim não há salvador” (Isa. 43:10 e 11).

Aqui Isaías está obviamente citando as palavras do Senhor (YHWH, Jeová), que diz de modo claro às pessoas do povo de Deus que elas são Suas “testemunhas”. E quem é o Senhor? Ele é o eterno Deus-Criador, e declara que antes dEle (no tempo) “deus nenhum se formou”, e depois “nenhum haverá” (verso 10). Em outras palavras, o Deus Jeová do Antigo Testamento declara com todas as letras que jamais um outro deus foi “formado”, quer antes, quer depois dEle.

Pense sobre isso por um momento. Se os arianos concebem a Jesus como uma espécie de Deus criado ou derivado, como pode esta passagem ser verdadeira? Aqui os unitarianos e arianos, que desejam sugerir que Jesus foi uma espécie de semideus tra­zido à existência pelo Pai em algum momento perdido nas longas eras do passado, contradizem diretamente o claro testemunho de Deus Jeová.

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56 / A Trindade

A única explicação plausível para o significado desse texto, se qui­sermos levar a sério o claro testemunho dos autores do Novo Testa­mento de que Jesus é Deus, deve ser a conclusão de que quem quer que seja o Senhor, YHWH ou Jeová que fala em Isaías 43:10 e 11, Sua identidade precisa incluir a do Jesus do Novo Testamento, que afirmou ser de alguma forma o Jeová do Antigo Testamento.

Além disso, o caso se torna ainda mais convincente quando o Senhor prossegue dizendo que “fora de Mim não há salvador” (verso 11). Q uando os escritores do Novo Testamento declaram que Jesus é o M essias, aquele que “salvará o Seu povo dos pecados deles” (Mat. 1 :2 1 ), isto necessariamente tem de significar que o Jesus Messias do Novo Testamento é o Senhor Jeová do Antigo Testamento, m encionado pelo profeta Isaías.

Pois bem, a lguns arianos poderão replicar a esta interpretação reconhecendo que o Senhor do qual aqui se fala é, de fato, o pré- encarnado Jesus. Nesse caso, eles prosseguirão interpretando a passagem como se ela quisesse dizer que Jesus foi “formado” ou criado pelo Pai, e que jamais houve qualquer “deus” antes ou de­pois do Pai. O problema com esta interpretação é que no texto o Senhor não está descrevendo Suas origens, mas sim contrastando Sua pessoa com as de numerosos deuses falsos - os ídolos que tan­tos israelitas dos dias de Isaías estavam adorando. De modo muito claro, a questão nesse capítulo é a distinção entre o eterno auto- existente Senhor de Israel e os falsos deuses das outras nações.

Isaías 7 :14 e Mateus 1:23Mateus claram ente aplica essa profecia de Isaías a Cristo: “Eis

que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e Ele será chama­do pelo nome de Emanuel” (Mat. 1:23). O autor do Evangelho declara com todas as letras que o nascimento de Cristo, tendo como pais M aria e José, “aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta” Isaías (verso 22). Mateus não somente cita Isaías 7:14, mas toma a liberdade de interpretar a passagem ao traduzir o termo “Emanuel” como

“Deus conosco” (verso 23). O autor do Novo Testamento sente-se bastante confortável com a simples afirmação de que o nome dado por Isaías a Jesus é o de “Deus” - o Deus que veio para tor- nar-Se o encarnado Filho de Deus.

Isaías 9 :6Esta conhecida e apreciada profecia sobre a vinda do Messias de

Israel tem aquecido os corações tanto de judeus quanto de cristãos por mais de 2.700 anos. As palavras desse texto provêem uma das mais conhecidas passagens do grande oratório de Handel, O Messias. A associação entre estas inspiradas palavras de Isaías e O Messias é tão profunda que, a cada oportunidade em que os cristãos lêem o texto, quase espontaneamente fazem uso de sua expressão musical- “um Filho se nos deu; o governo está sobre os Seus ombros; e o Seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eter­nidade, Príncipe da Paz”. E bem possível que o leitor já tenha começado a cantarolar estas memoráveis palavras, que têm alegrado as celebrações cristãs do Natal por mais de 250 anos.

O que realmente é marcante nesta memorável passagem é que ela está se referindo a Jesus como “Deus Forte, Pai da Eternidade”. Ela constitui uma forte declaração profética de que Jesus possuía e prosseguirá possuindo existência vinculada à “eternidade”. Tam­bém é interessante que Jesus pode ser profeticamente mencionado como o “Pai”. Obviamente, Isaías não está querendo dizer-nos que Jesus e o Pai de Jesus Cristo são uma e a mesma pessoa. O que mui­to provavelmente o grande profeta está tentando mostrar é que, como parte de Seu ser como “forte” e “eterno” Deus, Cristo é nosso Pai tanto na criação quanto na redenção. A mesma mensagem bá­sica aparece nas profecias de Miquéias a respeito do Messias.

Miquéias 5:2Mateus (2:6) vê esta grande profecia como encontrando seu

cumprimento no nascimento de Cristo. Ela retrata com clareza o local geográfico do nascimento de nosso Senhor e provê evidências

A Plena e Eterna D ivindade d e Cristo: Ia Parte / 57

58 / A Trindade

explícitas em favor de Sua eterna preexistência. Observe cuidado­samente a plena ressonância desta inspirada antecipação da vinda do “guia” de Israel: “E tu, Belém Efrata, pequena demais para fi­gurar como grupo de milhares de Judá, de ti Me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade.”

E a parte final desta sublime descrição que fala tão efusiva­mente da eterna preexistência do Bebê de Belém - “cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade”. Poderia o autor profético haver sido mais claro quanto ao fato de que as “origens” de Cristo se encontram em tempos imemoráveis?

ResumoA Bíblia apresenta, repetidamente, a Cristo em Sua divin­

dade como nosso “grande Deus e Salvador” (Tito 2 :13), como o incriado Criador (Heb. 2 :1-3), e alguém em quem “habita, corporalmente, toda a plenitude da D ivindade” (ou a essência da natureza divina) (Col. 2 :9).

Além disso, Jeová, o Senhor Deus do Antigo Testamento, apre­senta a Si mesmo como aquele antes e depois de quem nenhum outro Deus veio à existência. Assim, o Jesus do Novo Testamento, anunciado como “Deus conosco” (Mat. 1:23), necessariamente tem de ser o Jeová (Senhor, Yahweh) do Antigo Testamento. Se Ele fosse um deus menor, ou formado, ou “criado”, como poderia o Senhor de Isaías 43:10 estar falando a verdade ao dizer que ne­nhum Deus foi formado antes ou depois dEle?

Finalmente, de que outro ser humano, exceto do encarnado Cristo, poder-se-ia dizer que, “subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus”, algo a que deves­se apegar-Se (Filip. 2:6)?

O que você acha? E a argumentação bíblica suficientemente sólida para que possamos afirmar com humilde confiança que Jesus é exatamente tão divino como o é Deus o Pai? Ou pode­ríamos acusar os trinitarianos de serem grosseiramente antibíblicos

em suas pretensões em favor da plena e eterna divindade de Je­sus? Será que o peso das evidências sugere que Jesus foi mais que um mero ser humano, ou alguma espécie de semideus criado ou derivado?

Se você ainda necessitar mais evidências, apelamos novamente a que prossiga conosco ao longo das páginas seguintes. Temos ainda mais testemunhos da Palavra de Deus. No capítulo seguinte, volveremos a atenção para o autor que, provavelmente mais que qualquer outro, testifica que a natureza divina de Cristo é “igual” à de Deus Pai. Evidentemente estamos nos referindo ao amado João e a seu sublime Evangelho.

Notas1 Metzger destaca que as traduções baseadas na regra gramatical de Sharp,

e apresentadas em várias versões, são apoiadas por “eminentes gramáticos do grego neotestamentário, como P. W. Schmiedel, J. H. Moulton, A. T. Robertson e Blass-Debrunner. Todos esses eruditos concordam com o julgamento de que apenas uma pessoa é citada em Tito 2:13- Dessa forma,o texto deve ser: ‘Nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo’” (pág. 79). Além disso, em tempos mais modernos, o estudo detalhado de Daniel B. Wallace confirmou fortemente a validade da regra de Sharp. Ele sinteti­zou adequadamente suas conclusões em Greek Grammar: Beyond the Ba- sics, págs. 270-287. Wallace apresenta uma resenha biográfica de Sharp,o modo como ele descobriu sua “regra” e um detalhado estudo de como esta se revela no Novo Testamento. A interpretação trinitariana de Tito 2:13 repousa sobre alicerces gramaticais muito seguros.

2 Léxico é um dicionário de línguas clássicas antigas. Em nosso caso, tra­ta-se de um dicionário de palavras gregas. Assim, o lexicógrafo é o erudito que procura definir com clareza as palavras gregas e seus termos corres­pondentes em outros idiomas.

3 Os pontos seguintes foram obtidos de Alan E Johnson e Robert E. Webber, em What Christiam Believe: A Biblical and Historical Summary, págs. 123 e 124, e também de Max Hatton, em Understanding the Trinity, pág. 38.

A Plena e Eterna D ivindade d e Cristo: 1“ Parte / 59

Capítulo 3

A Plena e Eterna Divindade de Cristo

I r ParteO Evangelho de João

Na maioria das decisões judiciais, a principal evidência para um veredicto correto centraliza-se no depoimento de “testemunhas oculares”, especialmente o da pessoa identificada como “testemunha-chave”. Conforme já apresentado nos capítulos 1 e 2, temos muitos testemunhos bíblicos impor­

tantes da plena e eterna divindade de Cristo. Contudo, se fôssemos tomar o testemunho primário em favor da divindade de Cristo, nosso voto teria de ser em favor do depoimento do discípulo “amado”, João.

Em seu Evangelho e no livro de Apocalipse, temos os mais impositivos testemunhos em favor da natureza divina de Cristo. Assim, este capítulo e o capítulo 5 (sobre o livro de Apocalipse) procurarão apresentar o testemunho de João acerca da natureza de Cristo, especialmente aquilo que ele relata a respeito da com­preensão que o próprio Cristo tinha de Si mesmo e de Seu rela­cionamento com o Pai Eterno.

A Declaração de Jesus: “Eu Sou”No capítulo 1, examinamos os mais notáveis aspectos da de­

claração “Eu Sou” de Jesus: “Antes que Abraão existisse, EU

SOU” (João 8:58). Lembre-se que Jesus estava inconfundivel­mente reivindicando que a Sua preexistência era a do “Senhor” do Êxodo. Jesus claramente identifica a Si próprio como o grande Deus “EU SOU” do Antigo Testamento (Êxo. 3:14), que ordena a Moisés que diga aos filhos de Israel que ninguém menos que o eterno “Senhor Deus” dos “pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (verso 15; veja também o verso 16), o estava enviando a eles.

Jesus não apenas está reivindicando preexistência em relação a Abraão; Ele também afirma que é o eternamente existente “Senhor Deus” de Israel. Digamos com franqueza: era muito ousado al­guém afirmar ser Deus. Será que os ouvintes de Jesus entenderam o que Ele estava dizendo? É evidente que sim, uma vez que o relato de João afirma que as pessoas imediatamente interromperam a conversação e “pegaram em pedras para atirarem nEle” (João 8:59). Essa era a medida adequada para enfrentar blasfemadores.

É interessante, contudo, que esta não é a única oportunidade, no Evangelho de João, em que Jesus apresenta declarações do tipo “Eu Sou”. De fato, é marcante que João registre sete outras afir­mações de Jesus utilizando a terminologia “Eu Sou”. A medida que analisarmos essas declarações “Eu Sou”, vai ficar claro que elas refletem diferentes metáforas ou símbolos que ilustram vários aspectos da obra redentora de Jesus como o grande “Eu Sou”.

A primeira declaração ocorre em João 6:35 (confira o verso 48): “Eu sou o pão da vida.” O que é verdadeiramente espantoso em relação a este verso é que Jesus afirma que, se alguém comer desse pão, “viverá eternamente” (verso 51) ou terá “a vida eterna” (verso 54). Ele está obviamente afirmando que é capaz de conceder “vida eterna” àqueles que nEle confiam. A capacidade de conceder vida eterna pertence exclusivamente à Divindade (I Tim. 6:16). Assim, ao Jesus afirmar “Eu sou” o pão da vida eterna, está fortemente su­gerindo a autocompreensão de Sua pessoa como sendo divina.

A segunda afirmação aparece em João 8:12: “Eu sou a luz do mundo.” Ela faz eco ao testemunho de João Batista (relatado ante­

A Plena e Eterna D ivindade d e Cristo: 2Í Parte / 61

6 2 1A Trindade

riormente em João 1:6-9) e o elabora; o testemunho havia sido o de que Jesus é “a verdadeira luz que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem” (verso 9). Mais tarde, em I João 1:5, o apóstolo comenta que “a mensagem que, da parte dEle, temos ouvido e vos anuncia­mos, é esta: que Deus é luz, e não há nEle treva alguma”. Quando examinamos cuidadosamente o contexto de I João 1:5, não fica claro se “Ele”se refere ao Pai ou ao Filho. O que é claro, todavia, é que ao João utilizar a metáfora da luz, esta se refere a “Deus”. Os escritos do apóstolo sugerem fortemente que a afirmação de Jesus de ser a “luz do mundo” pertence a alguém cuja natureza é divina.

A terceira afirmação encontra-se em João 10:7: “Eu sou a porta das ovelhas.” (Veja também o verso 9.) O contexto indica que esta é mais uma forma de Jesus declarar que o único caminho para que as “ovelhas” “tenham vida, e a tenham em abundância” (verso 10), é por intermédio dEle. Uma vez mais, a vida abun­dante refere-se primariamente à vida eterna que se encontra, ou naturalmente reside, apenas em Deus.

O quarto “Eu sou”, intimamente relacionado com a metáfora da “porta das ovelhas”, diz: “Eu sou o bom pastor” (verso 11). Claramente, a metáfora também se refere à “vida” eterna, que constitui um dom exclusivo de Deus. Observe como Jesus fala do dom da “vida” que é Sua prerrogativa exclusiva: “Por isso, o Pai Me ama, porque dou a Minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de Mim; pelo contrário, Eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar e também para reavê-la” (versos 17 e 18). Seria ir demasiado longe sugerir que Jesus está aludindo ao Salmo 23 (“O Senhor é o meu Pastor”)? Poderia ser o caso de Jesus estar afirmando ser ninguém menos que o Senhor Jeová doador da vida mencionado pelo rei Davi no Antigo Testamento?

Tudo o que até aqui dissemos acerca de Jesus como a fonte de vida eterna encontra-se sintetizado na quinta, sexta e sétima de­clarações “Eu sou”, apresentadas por Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida” (João 11:25), “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (João 14:6) e “Eu sou a videira verdadeira” (João 15:1).

A Plena e Eterna D ivindade d e Cristo: 2r Parte / 63

Com certeza, a séptupla repetição do uso de “Eu sou” no Evangelho de João aumenta e ilum ina as surpreendentes afir­mações de Jesus de ser Ele uma pessoa da Divindade do Antigo Testamento, agora vindo ao mundo para compartilhar a vida, como o Salvador da Nova Aliança.

João 1:18Neste verso aparece uma das mais esquecidas evidências da

divindade de Cristo nos escritos de João. Muitos comentaristas reconhecem que aqui se encontra o clímax do Prólogo, a seção introdutória do quarto Evangelho. A razão pela qual o texto muitas vezes é passado por alto resulta do fato de que, em mui­tas versões mais antigas, lê-se: “Ninguém jamais viu a Deus; o Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é quem o revelou”. Ocorre que, na maioria das versões modernas, a expressão “Fi­lho Unigénito” é substituída por “Deus Unigénito” (ARA, NVI) ou “Deus Único”.1 A razão para esse testemunho mais marcante da divindade de Cristo é que o mais confiável dos an­tigos manuscritos gregos do Novo Testamento traz a palavra monogenes theos (“Deus Unigénito” ou “Deus Ünico”) em lugar de monogenes huios (“Filho Unigénito” ou “Ünico Filho”).

Ainda que as traduções acima citadas para monogenes theos se­jam perfeitamente aceitáveis, possivelmente exista uma tradução que melhor reflita o sentido que João está procurando transmitir. Ela é sugerida pelo conhecido erudito do Novo Testamento e crente na Bíblia Leon Morris: “E possível que devamos colocar uma vírgula depois de ‘unigénito’, o que nos levaria a termos aqui três títulos para Cristo: ‘Unigénito, Deus, o que está no seio do Pai”’ (Morris, págs. 113 e 114).

Se o testemunho do mais acreditado manuscrito grego apóia o termo theos (“Deus”) em lugar de huios (“Filho”), temos aqui uma das poucas aplicações diretas e incontestáveis do termo “Deus” à pessoa de Jesus no Novo Testamento (tal como em João 1:1, Filip. 2:6 e Heb. 1:8).

6 4 1A Trindade

João 5Este notável capítulo relata a cura do paralítico junto ao

Tanque de Betesda no dia de sábado. O incidente gerou grande oposição dos líderes judaicos. O verso 16 relata que essa cura sabática veio a tornar-se razão para os judeus perseguirem a Je­sus, “porque fazia estas coisas no sábado”. O verso 18 deixa claro que eles “procuravam matá-Lo”. Em resposta, Jesus fez uma afirmação muito importante: “Meu Pai trabalha até agora, e Eu trabalho também” (verso 17).

Muitos comentaristas têm discutido o significado dessas palavras. Parece, contudo, que o verso torna muito claro o que se encon­trava implicado aqui: “Por isso, os judeus ainda mais procuravam matá-Lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era Seu próprio Pai, fazendo-Se igual a D eus”

Os líderes judaicos obviamente entenderam o ponto ao qual Jesus estava chegando: Ele rejeitava abertamente os falsos pontos de vista dos líderes quanto à guarda do sábado e, nas palavras ab­solutamente claras de João, estava “fazendo-Se igual a Deus”. Uma vez que eles rejeitaram as pretensões de Jesus, não é de ad­mirar que tenham tentado matá-Lo. Segundo a visão deles, a pretensão de Cristo constituía blasfêmia, e a única resposta apro­priada era a execução por apedrejamento.

Jesus, entretanto, não retrocedeu. Explicou em termos adicio­nais Sua pretensão à “igualdade”, dizendo: “Pois assim como o Pai ressuscita e vivifica os mortos, assim também o Filho vivifica aqueles a quem quer. E o Pai a ninguém julga, mas ao Filho con­fiou todo julgamento, a fim de que todos honrem o Filho do modo por que honram o Pai” (versos 21-23). Aqui Jesus susten­ta Sua reivindicação de igualdade com o Pai ao declarar que pos­sui vida inerente em Si mesmo e que merece a mesma honra que o Pai, uma vez que todo “julgamento” Lhe foi atribuído.

A última frase — “a fim de que todos honrem o Filho do modo por que honram o Pai” - constitui poderosa evidência da igualdade entre o Pai e o Filho. De que forma poderia Jesus haver sido mais

explícito em Sua afirmação de que deveria ser honrado como o Pai? Ele deveria ser honrado numa maneira caracterizada pela expressão “do modo por que”, ou exatamente da mesma forma. Não é de ad­mirar que “os judeus ainda mais procuravam matá-Lo”!

João 10Em João 5 e 8, vemos os líderes religiosos acusando Jesus de

blasfêmia. Mas, no capítulo 10, Jesus fez declarações que desen­cadearam as mesmas acusações. Em 10:27-30, Jesus prossegue explicando Sua reivindicação de ser o “bom pastor” (verso 11). Diz: “As Minhas ovelhas ouvem a Minha voz; Eu as conheço, e elas Me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará de Minha mão ... e da mão do Pai nin­guém pode arrebatar. Eu e o Pai somos Um” (versos 27-30). Parece bastante claro que essa última frase levou os judeus a O acusarem de blasfêmia e a efetivamente pegarem “em pedras para Lhe ati­rar” (verso 31). Quando Jesus lhes perguntou por qual das boas obras por Ele realizadas por parte do Pai eles queriam apedrejá- Lo (verso 32), os líderes religiosos responderam: “Não é por obra boa que Te apedrejamos, e sim por causa da blasfêmia, pois, sendo Tu homem, Te fazes igual a Deus” (verso 33).

Os judeus entenderam definitivamente o que Jesus afirmava, e Ele nada fez para corrigi-los. Contudo, não aceitou a acusação de que proferira blasfêmia. De fato, nos versos subseqüentes, Ele defende de modo inquestionável Sua pretensão de ser o “Filho de Deus” (verso 36). Jesus afirma: “o Pai está em Mim, e eu estou no Pai” (verso 38).

Ambas as expressões oferecem descrições adicionais de Seu rela­cionamento com o Pai, as quais apóiam Sua declaração explícita e percebida de que Ele e o Pai eram “um” (verso 30). Será que Seus oponentes compreenderam o ponto? E abundantemente evidente que, embora não aceitassem o testemunho de Cristo, compreende­ram plenamente o que o Mestre pretendia dizer. João prossegue afirmando que “procuravam, outra vez, prendê-Lo” (verso 39).

A Plena e Eterna D ivindade d e Cristo: 2- Parte / 65

66 / A Trindade

A Confissão de Tomé: João 20:28Joao não apenas apresenta evidências da divindade de Je­

sus através de seus relatos dos confrontos entre Cristo e Seus oponentes. Ele também sustenta seu argumento ao relatar o modo como os discípulos viam Jesus. Talvez o mais notável testemunho da divindade de Cristo por parte dos doze venha de uma fonte improvável, mas convincente: o “duvidoso” Tomé. De fato, a surpreendente reviravolta de Tomé consti­tui um testemunho final da divina soberania de Jesus no Evangelho de João.

O contexto é uma reunião dos discípulos uma semana após a ressurreição de Jesus. Na tarde da ressurreição, Jesus apare­cera aos discípulos, mas Tomé não se encontrava presente. Quando lhe foi contado acerca do aparecimento de Jesus, o crente relutante declarou ousadamente: “se eu não vir nas Suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no Seu lado, de modo algum acreditarei” (João 20:25).

Durante a reunião decisiva que ocorreu sete dias após a ressurreição, Tomé achava-se presente, e Jesus dirigiu-Se dire­tamente ao relutante seguidor com o seu doloroso e perplexo ceticismo: “Põe aqui o dedo e vê as M inhas mãos; chega tam­bém a mão e põe-na no M eu lado; não sejas incrédulo, mas crente” (verso 27). Tomé respondeu afirmando ousadamente a Jesus: “Senhor meu e Deus m eu!” (verso 28).

Sua proclamação de fé era suficientemente notável por si mesma. Contudo, o mais surpreendente é que Jesus não mani­festou qualquer esforço para corrigir o espontâneo testemunho do agora exultante crente de que o Salvador era o “Senhor” e o “Deus” de Tomé. Aliás, Jesus deu prosseguimento a essa confis­são realizando diante dos discípulos “muitos outros sinais” (verso 30). Ele operou os sinais não apenas para habilitar os discípu­los, mas também para levar todos os que a Ele haviam sido atraídos a crer “que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo”, tivessem “vida em Seu nome” (verso 31).

A Plena e Eterna D ivindade d e Cristo: 2a Parte / 67

João 1:1Parece um pouco estranho haver deixado a análise do primeiro

verso de João para o final. Contudo, sentimos que seria melhor abordar a complexidade de traduzir e interpretar corretamente este verso depois de havermos estabelecido claramente uma com­preensão geral da divindade de Cristo conforme revelada em todo o Evangelho. Já abordamos brevemente a interpretação deste verso no primeiro capítulo de nosso livro, mas agora chegou o momento de dar-lhe um tratamento mais profundo.

Observações PreliminaresEm linguagem que certamente ecoa Gênesis 1:1 (“No princí­

pio... Deus”), Joao introduz seu Evangelho ao declarar: “No prin­cípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (João 1:1). Antes de tentarmos interpretar a terminologia e a gramática da frase-chave - “o Verbo era Deus” — devemos considerar algumas observações teológicas e contextuais.

Em primeiro lugar, poderá ser útil estabelecer o que a expressão “o Verbo era Deus” não significa. No contexto, o “Verbo” certa­mente não tem em mente Deus o Pai. A razão é simplesmente esta: a parte inicial do verso declara que o “Verbo estava com Deus” no “princípio”. Assim, a pessoa chamada “Deus”, com a qual o “Verbo” estava no “princípio”, deve certamente ser Deus o Pai. Portanto, é ex­tremamente improvável que Deus o Pai seja o Deus mencionado na última frase de João 1:1. Mais que isso, se o “Verbo” se refere à Pessoa do Pai, cairemos na armadilha da heresia do modalismo do cristianismo primitivo (veja também sabelianismo).2

Em segundo lugar, é também claro a que se refere a palavra “Deus” na última frase do verso. Os comentaristas são pratica­mente unânimes ao concordarem que a palavra se aplica a algum tipo de natureza divina na pessoa de Jesus.

Mesmo as testemunhas de Jeová reconhecem alguma versão da divindade de Cristo quando argumentam que Deus o Pai é “Todo-Poderoso”, ao passo que Jesus é apenas Deus “Poderoso”.

6 8 1A Trindade

Entretanto, eles não apóiam a plena divindade de Cristo. Não de­veria surpreender-nos, pois, que em sua versão Novo Mundo da Bíblia eles se esforcem por apoiar uma distinção entre a divindade do Pai e a do Filho, afirmando que o Verbo era “um deus”.

Além disso, outros antitrinitarianos procuram destacar o mes­mo ponto - que Jesus não é meramente um ser humano, mas uma espécie de semideus, que de alguma forma derivou Sua na­tureza divina da natureza do Pai, em algum ponto distante das eras passadas da eternidade. Esses conceitos sobre Jesus refletem o pensamento clássico do arianismo.3

Podemos, portanto, afirmar com certa segurança que pratica­mente todos (trinitarianos e antitrinitarianos) que alguma vez hajam ponderado sobre a questão da divindade de Cristo, no contexto da interpretação desse verso, prontamente admitem que o “Verbo” se refere a Jesus Cristo (veja João 1:14). A questão-chave, contudo, é que espécie de natureza divina João atribui à pessoa de Cristo. Era ela plenamente igual à do eterno Pai, ou era uma for­ma de semidivindade, derivada da divindade do Pai?

Importantes Considerações Gramaticais Conforme foi sugerido, a gramática parece desempenhar pa­

pel vital na resposta à pergunta acima acerca da divindade de Cristo. Sem entrar em todos os detalhes de gramática envolvidos, acredito que podemos melhor compreender a última frase de João 1:1 como “e o Verbo [Jesus] era Deus” (não Deus o Pai, mas Jesus, que é Deus no sentido de que possui todas as qualidades do caráter e da natureza divina do Pai).4

Em outras palavras, João abre seu Evangelho com a clara afirma­ção de que Jesus é um ser com todas as qualidades eternas e divinas possuídas pelo Pai eterno. Assim, João 1:1 e 20:28 constituem sóli­dos porta-livros, situados em ambas as extremidades da estante iden­tificada como o Quarto Evangelho, estante que contém “volumes” de “testemunhos-chaves” quanto à natureza divina plena de Jesus!

A Plena e Eterna Divindade de Cristo: 2r Parte / 69

ResumoPerguntamos ao leitor: o que pensa você? Podemos verdadei­

ramente dizer que João, o apóstolo amado, é a testemunha-chave do Novo Testamento no que tange a apresentar o “testemunho de Jesus” referente à plena eternidade e igualdade do Filho em rela­ção ao Pai?

Apresentaremos evidência bíblica adicional em favor da plena e eterna divindade de Cristo a partir dos escritos de João (maiores evidências surgirão no livro de Apocalipse). Mas agora precisamos volver nossa atenção para as evidências bíblicas do segundo e ter­ceiro componentes-chaves da expressão trinitariana da Divindade.

O que dizer da personalidade, ou identidade pessoal distinta, do Espírito Santo, como alegada terceira pessoa divina e vivente do “trio celestial” (White, Evangelismo, pág. 615)? Mais ainda, existem evidências confiáveis que apóiam a alegada profunda unidade existente entre as três pessoas da Divindade? Voltaremos a estas questões no capítulo 4.

Suplemento aoCapítulo 3

Exposição Gramatical de João 1:1

“O Verbo Era Deus ”

A Regra de Colwell

Parece que uma bem conhecida regra gramatical descoberta pelo professor E. C. Colwell (na década de 1930) oferece algumas evidências convincentes quanto à tradução e à in­

terpretação mais apropriadas da expressão “o Verbo era Deus”. Os eruditos identificam este conceito como a “Regra de Colwell”.5

A discussão seguinte é um tanto técnica, mas os leitores poderão acompanhar o argumento, caso consigam lembrar alguns conceitos gramaticais básicos da época de colégio, ao se elaborar sentenças.

As questões básicas da Regra de Colwell abordam os seguintes fatores básicos da estrutura da sentença: (1) o sujeito (a idéia, con­ceito ou pessoa principal); (2) verbos intransitivos (ou seja, verbos que definem ou qualificam um sujeito em vez de demonstrar alguma ação executada pelo sujeito); (3) o predicado nominal (normalmente consistindo de um substantivo ou adjetivo que de­fine, identifica ou qualifica o sujeito); e (4) o significado de artigos definidos ou sua ausência numa sentença (palavras como “o” e “a”, que claramente identificam o sujeito ou especificam o predicado nominal). Tendo em mente esses fatores básicos, podemos agora lidar diretamente com a famosa Regra de Colwell.

Eis o que a regra diz: “Predicados nominais definidos que prece­dem o verbo normalmente não trazem o artigo [definido] ... [;] um predicado nominal que precede o verbo não pode ser traduzido como substantivo indefinido ou ‘qualitativo’ tão-somente em virtude da au­sência do artigo; se o contexto sugere que o predicado é definido, deve ser traduzido como substantivo definido” (Wallace, pág. 257).

Antes de tentarmos aplicar esta regra a João 1:1, pode ser útil apresentar a frase-chave tanto em grego quanto em português. Antes de mais nada, apresentaremos uma citação exata da frase conforme transliterada6 do grego para as letras do português: kaí theos en ho logos.

A seguir, considere (1) a tradução (entre aspas) e (2) a explica­ção do significado gramatical das palavras colocadas entre parên­teses, seguindo cada palavra grega e sua tradução para o português: kaí (“e”, conjunção); theos (“Deus”, o predicado nominal sem artigo definido vindo antes do verbo); en (“era”, o verbo intransitivo que conecta o sujeito, ho logos, ou “o Verbo”, o nome, ao predicado nominal, theos, ou “Deus”); ho logos ( “o Verbo”, o sujeito ou nome da sentença).

A Aplicação da “Regra de Colwell”Daniel Wallace argumentou com persuasão que a regra de Col­

well permite três possíveis traduções.7 O que se segue representa um resumo da apresentação de Wallace das três opções e sua apre­ciação de suas virtudes e seus pontos fracos (ibid., págs. 256-270):

lo A Opção “Indefinida”Conforme observado previamente, o mais conhecido exemplo

desta opção aparece na Tradução Novo Mundo, das testemunhas de Jeová: “o verbo era um deus”. Embora a Regra de Colwell po­deria permitir essa tradução (caso o contexto a favorecesse), tan­to a gramática quanto o contexto a tornam duvidosa.

O primeiro problema com a tradução “indefinida” é que o ar­gumento gramatical é fraco, com pouca ou nenhuma evidência a

Exposição G ramatical d e João 1:1 / 71

72 / A Trindade

apoiá-la. Paul Stephen Dixon talvez tenha exagerado o caso, mas seu ponto é basicamente válido quando ele contende que, se theos fosse “indefinido” em João 1:1, seria a única manifestação de tal tipo no Evangelho de João (ibid., pág. 267).

A segunda complicação tem a ver com a incoerência dos que defendem tal tradução. O Novo Testamento apresenta theos sem o artigo definido em 282 lugares, e a Tradução Novo Mundo emprega a tradução “indefinida” (um deus, deuses ou divino) apenas 16 vezes. Portanto, os tradutores das testemunhas de Jeo­vá aplicam o princípio “indefinido” em apenas 6 por cento das vezes. Claramente, trata-se de um padrão de tradução arbitrário e incoerente - muito obviamente direcionado por suas pressu­posições teológicas e preocupações polêmicas.8

A terceira objeção envolve não apenas o peso teológico do Evangelho de João (João 17:3), como também do restante da Bíblia. As implicações teológicas da tradução “um deus” condu­ziriam a alguma versão de politeísmo! Certamente, tal tradução sugeriria fortemente que Jesus é apenas um semideus secundário, habitando algum panteão de múltiplas divindades - um conceito completamente oposto à mensagem geral da Bíblia!

2. A Opção “Definida”A Regra de Colwell “definitivamente” permite que o nome

theos (“Deus”) seja traduzido como se possuísse artigo definido. Mais que isso, embora o grego não tenha artigo definido, o artigo implícito não precisa ser traduzido: “e o Verbo era Deus”.

Embora esta opção seja gramaticalmente possível, o contexto cer­tamente recomendaria precaução se a tradução implicasse em algo do tipo “o Deus”. Conforme sugerido em nossas observações prelimina­res, o “Deus” com o qual o “Verbo” “estava”, na primeira parte de João 1:1, é claramente Deus o Pai. Portanto, se traduzirmos a última parte do verso como “e o Verbo era o Deus”, tal tradução faria “o Deus” tornar-se Deus o Pai, arrancando-nos do abismo do arianismo para jogar-nos no poço do sabelianismo ou do modalismo.

Exposição G ramatical d e João 1:1 / 73

3. A Opção “Qualitativa”O predicado nominal (theosj pode ser traduzido de uma forma

mais “qualitativa”. Se tomarmos esta abordagem, o nome funciona mais como adjetivo e procura traduzir algumas qualidades ou ca­racterísticas chaves que mais claramentre definem o sujeito {.logos). Podem ser citados exemplos de versões bíblicas que traduzem theos como “divino” (Moffatt) ou “o que Deus era, o Verbo era” (NEB).

Esta opção parece ser a mais satisfatória. Wallace oferece os seguintes comentários judiciosos: “[Esta] opção destaca que, embora a pessoa de Cristo não seja a pessoa do Pai, sua essência é idêntica. ... A idéia de um theos qualitativo, aqui, é a de que o Verbo possui todos os atributos e qualidades que ‘Deus’ [men­cionado antes no verso 1] possui. Em outras palavras, ele com­partilha a essência do Pai, embora sejam pessoas distintas. A construção que o evangelista escolheu para expressar a idéia fo i a forma mais concisa pela qual ele poderia haver dito que o Verbo era Deus e ainda assim distinto do Pai” (ibid., pág. 269).

Poderíamos ilustrar o ponto de Wallace da seguinte maneira: mi­nha esposa e eu temos sido cônjuges desde o “princípio” de nosso matrimônio. Compartilhamos a mesmíssima essência da “humani­dade casada” (emergi na “condição humana de casado”), enquanto mantemos nossa distinção pessoal de seres masculino e feminino, marido e mulher. Ao passo que somos diferentes em gênero e pa­péis conjugais, compartilhamos da mesma essência da “condição humana de casados”. Uma paráfrase ilustrativa de João 1:1 ficaria assim: “No começo de nosso matrimônio, a mulher [minha esposa, a esposa humana] estava com o homem [eu, o marido, o esposo hu­mano] e a mulher [minha esposa] era da mesma essência da condi­ção humana de casados’ do homem [eu, o marido].”

Obviamente, João não está dizendo que Jesus, que possui a di­vindade, era simplesmente “um deus”. Tampouco sugere ele que podemos igualar Jesus com a pessoa de Deus o Pai. Ao contrário, João emprega aqui uma gramática cuidadosamente escolhida a fim de expressar sua convicção de que os cristãos, junto com o discípulo

74 / A Trindade

Tomé, podem verdadeiramente confessar a Jesus como “meu Se­nhor e meu Deus” (João 20:28). João está declarando do modo mais direto possível que “Deus” pode ser usado como um predicado nominal “qualitativo” para descrever Jesus como alguém que com­partilha da essência plena da natureza divina de Deus o Pai.

Notas1 Mesmo a King James Version tem uma nota de rodapé que diz: “Deus

Unigénito”, extraída do texto grego de Nestle-Aland.

2 Esta heresia ensina que existe apenas um Deus, que sucessivamente Se manifesta como o Pai, depois o Filho e depois o Espírito Santo. Em épo­ca mais recente, os Pentecostais Unidos, popularmente conhecidos como o povo de “Jesus somente” (uma vez que crêem que Jesus é o úni­co Deus verdadeiro, que Se manifestou a Si mesmo também como o Pai e o Espírito Santo), têm ensinado este conceito. O modalismo nega completamente a Trindade de três pessoas coeternas, existentes numa profunda unicidade de natureza, caráter e propósito.

3 Ário de Alexandria apresentou a clássica formulação no final do terceiro século e início do quarto. Ensinou que “houve um tempo em que Je­sus não era”. Em outras palavras, Ário e seus seguidores afirmavam que Cristo não existia antes de o Pai trazê-Lo à existência. Veja a apresen­tação completa de Ário e seus ensinamentos elaborada por John Reeve no capítulo 9.

4 Aqueles interessados numa explicação mais detalhada da questão grama­tical envolvida nesta interpretação “qualitativa” de que “o Verbo era Deus” devem consultar a “Exposição Gramatical de João 1:1”, no final deste capítulo.

5 Para os interessados numa discussão mais detalhada do significado, história e aplicações da Regra de Colwell, sugerimos verem Daniel B. W allace, págs. 256-270.

6 O termo “transliterar” significa tomar as letras das palavras gregas (ou hebraicas) e transpô-las ou colocá-las sobre as respectivas letras do alfa­beto português. Nesse processo, duplica-se o som da palavra, não o seu significado.

Exposição G ramatical d e João 1:1 / 75

7 Obviamente, Wallace assume que a aplicação correta emergirá quando houvermos investigado amplamente a regra em todos os seus usos no Novo Testamento, permitindo que o contexto literário e teológico do Evangelho de João nos guie.

8 Polêmica refere-se à atividade de cristãos que buscam defender o que acreditam ser a verdade contra a falsidade (ou erro doutrinário) de outros cristãos, oponentes. Apologética envolve cristãos que buscam defender sua compreensão da verdade em contraposição às afirmações de oponen­tes não-cristãos.

Capítulo 4

A Personalidade e a Divindade do Espírito e

a Unicidade Triúna da DivindadeA personalidade do Espírito Santo

No capítulo 1, apresentamos algumas evidências da per­sonalidade do Espírito Santo. Seguem aqui evidências bíblicas adicionais em favor da personalidade e da di­vindade do Espírito Santo.

Muitas pessoas sinceras entendem que o Espírito Santo é uma espécie de corrente elétrica ou força conectada ao trono de Deus ou a uma Internet celestial, provendo uma linha telefônica im­pessoal para que Deus Se comunique conosco. Sim, por certo o Espírito Santo é um grande canal de comunicação! A esmagado­ra evidência bíblica, entretanto, sugere que Ele é uma pessoa, um membro autoconsciente da única Divindade verdadeira.

Para aqueles que não possuem muita inclinação mecânica, ins­truções escritas às vezes não são tão úteis quanto as orientações e encorajamentos pessoais de alguém que realmente conhece os mecanismos. Lembro-me de minha juventude e da paixão que meu irmão Ivan e eu tínhamos por modelos de aviões e navios. A cada oportunidade que tínhamos, íamos a lojas de modelos e procurávamos pelas últimas réplicas dos grandes aviões e navios militares da época. Eu adorava montá-los. Mas havia um problema:

minha mão tremia muito e eu não possuía muita destreza. Meu irmão, contudo, havia recebido o dom de uma mão firme e grande habilidade espacial.

Quando eu simplesmente tentava seguir as orientações escritas, não conseguia muito progresso. Para ser honesto, habitualmente eu desistia da tarefa bastante cedo. Entretanto, quando Ivan tra­balhava comigo, I oferecendo orientação, estímulo e ocasional­mente sua mão firme para as tarefas mais delicadas, eu me tornava capaz de produzir os mais belos modelos.

A evidência bíblica sugere fortemente que o Espírito Santo é uma presença pessoal profundamente sensível, útil e poderosa, com a finalidade de orientar e guiar. Seu trabalho é moldar-nos em maravilhosos modelos da graça transformadora.

Já salientamos o fato de que é possível mentir ao Espírito Santo (Atos 5:3 e 4), e que Ele pode entristecer-Se (Efé. 4:30). Todavia, encontramos evidências adicionais de que o Seu ser é uma perso­nalidade interativa.

Mateus 12:31 e 32Estes bem conhecidos versos claramente falam da blasfêmia

contra o Espírito Santo. Ora, pode-se blasfemar apenas de Deus. Todo cristão bíblico reconhece que se a blasfêmia é dirigida con­tra o Pai ou o Filho, uma pessoa divina é atingida. Por que, pois, deveria ser diferente com o Espírito Santo? A blasfêmia é uma forma intensamente pessoal de insulto dirigido contra Deus. Portanto, esses versos não somente constituem evidência da per­sonalidade do Espírito, mas também destacam a Sua divindade. Conforme salientamos, a blasfêmia só pode ser dirigida contra Deus, de modo que se torna fácil concluir que o Espírito é um Deus pessoal, e não simplesmente uma força impessoal.

I Coríntios 12Um dos aspectos marcantes das descrições que o Novo Testamen­

to faz das atividades do Espírito Santo é o modo como ele retrata

A Personalidade e a D ivindade do Espírito / 77

78 ! A Trindade

o Espírito de Deus possuindo “vontade” ou a capacidade de fazer escolhas. Tal fato é bastante claro na discussão dos dons espiri­tuais que Paulo apresenta em I Coríntios 12:11. O apóstolo afirma que “o mesmo Espírito opera todas estas coisas [Seus dons], repartindo particularmente a cada um como quer”.

Acredito que todos deveriam reconhecer prontamente que as m áquinas (como computadores e calculadoras) não possuem vontade própria. São simplesmente instrum entos impessoais e passivos, sob o controle de seres racionais au- toconscientes e pessoais. Os dons espirituais são os talentos e m inistérios que o Espírito Santo distribui às pessoas par­ticipantes do corpo de Cristo. Contudo, o Espírito o faz através do exercício de Sua vontade autoconsciente - do modo como Ele quer! A capacidade de querer constitu i um dos mais profundos traços dos seres pessoais.

Romanos 8Em Romanos 8:14-16 e 26, Paulo apresenta descrições adi­

cionais e intimamente relacionadas com as anteriores acerca do Espírito Santo. Em primeiro lugar, nos versos 14 a 16, ele retra­ta o Espírito como alguém que guia (verso 14) os filhos de Deus, e que “testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (verso 16). O guiar e o testificar constituem ações intensamente pessoais. O verso 26, entretanto, talvez constitua a mais podero­sa evidência a respeito da personalidade do Espírito Santo na carta aos Romanos: “E da mesma maneira também o Espírito ajuda as nossas fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis”.

Todo o fenômeno da “intercessão” implica em intervenção ativa e deliberada entre dois seres pessoais. Além disso, os “gemi­dos inexprimíveis” sugerem fortemente um elemento emocional na intercessão do Espírito, o que também é típico de seres pes­soais, e não de tecnologia eletrônica impessoal.

I Coríntios 2 :10 e 11 Esta passagem apresenta uma das mais importantes indicações

da divindade pessoal do Espírito. Observe cuidadosamente a lin­guagem. Em seguida ao conhecido verso afirmando que “as coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao co­ração do homem, são as que Deus preparou para os que O amam” (I Cor. 2:9), Paulo assegura a seus leitores que eles podem possuir um conhecimento das coisas “que Deus preparou para os que O amam” (verso 9). Como é possível tal conhecimento? “Deus no-las revelou pelo Seu Espírito” (verso 10). E de que modo o Espírito priva deste conhecimento? Resposta: “Porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus. Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espí­rito do homem, que nele está? Assim também ninguém conhece as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus” (versos 10 e 11).

O que está Paulo dizendo? Primeiro, devemos destacar que aqui ele descreve que o Espírito tem a capacidade de “penetrar” “todas as coisas de Deus” e que conhece “as coisas de Deus”. Embora seja verdade que os nossos computadores possuem a capacidade de “pesquisar”, Paulo se refere a algo diferente da “pesquisa de pala­vras” — trata-se antes de uma exploração intensamente pessoal das “profundezas de Deus”. Isso sugere fortemente uma comunhão ín­tima e pessoal entre o Espírito e Deus o Pai. Qual é o resultado? Certamente um profundo conhecimento das “coisas de Deus”.

Adicionalmente, o que essa passagem parece querer dizer é que, se você deseja conhecer as “coisas do homem”, será incapaz de adquirir tal conhecimento a menos que possua “o espírito do homem”. Dito em termos mais simples, para realmente conhecer um homem, você precisa ser homem — é necessário ser um deles para conhecer um deles!

Isso é verdade não apenas ao nível humano-humano, mas ocor­re igualmente ao nível da divindade. “Assim também as coisas de Deus, ninguém as conhece senão o Espírito de Deus” ( verso 11). Uma vez mais, unicamente uma pessoa divina pode verdadeira­

A Personalidade e a D ivindade do Espírito / 79

80 / A Trindade

mente conhecer o que se encontra no coração e na mente de outro ser divino. Assim como ao nível humano, isso ocorre também ao nível divino - é preciso ser Um para conhecer Um!

Paulo conclui apropriadamente observando que aquilo que re­cebemos do Espírito não provém do “espírito do mundo” (do ho­mem, da criatura), e sim do “Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente” (verso12). Se você realmente quiser conhecer as coisas de Deus, neces­sita conectar-se com um Deus pessoal (o Espírito), o único capaz de descobrir as “coisas” de Deus.

Por experiência pessoal, sei que é difícil saber o que se passa na mente de muitos de meus alunos que vêm de ambientes culturais e de idiomas diferentes dos meus. Muitas vezes, contudo, tem sido útil obter vislumbres de pessoas que conseguiram estabelecer uma ponte entre esses abismos culturais. Isso tem me ajudado a compreender a “mente” daqueles a quem almejo entender me­lhor. Assim ocorre com o trabalho do Espírito — Ele conhece a mente de Deus porque é um ser pessoal e divino, capaz de comu­nicar-nos a mente de Deus.

Ellen W hite nos oferece alguns comentários explanatórios muito diretos e concisos acerca de I Corintos 2:11 e Romanos 8:16: “O Espírito Santo tem personalidade, do contrário não po­deria testificar ao nosso espírito e com nosso espírito que somos filhos de Deus [comentário sobre Romanos 8:16]. Deve ser tam­bém uma pessoa divina, do contrário não poderia perscrutar os segredos que jazem ocultos na mente de Deus [segue citação de I Cor. 2 :11]” (White, Evangelismo, 617).

Quando colocamos esses versos ao lado de Atos 5 e Efésios 4:30, eles constituem um poderoso testemunho da personalidade e da divindade do Espírito Santo.

João 14-16Estes capítulos, em que João narra as cenas finais do ministério

terrestre de nosso Senhor, contêm maravilhosas e confortadoras

palavras de conselho. Um dos grandes temas dos conselhos de Jesus a Seus discípulos é o que diz respeito ao Espírito Santo.

Jesus lhes está dizendo que Seu tempo de prova e partida está se aproximando, mas que eles não devem permitir que seus corações se turbem por isso (João 14:1). Um grande consolo que deveria ad­vir das cenas de provação ainda por ocorrer seria o envio do Espírito Santo. “E Eu rogarei ao Pai, e Ele vos enviará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não O vê, nem O conhece; vós O conheceis, porque Ele habita convosco e estará em vós. Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós outros” (versos 16-18).

À medida que Jesus prossegue com Suas maravilhosas palavras de conselho, o dom do Espírito Santo continua como o tema que permeia não apenas o capítulo 14, mas também os capítulos 15 e 16. Em João 14:26, Jesus diz: “Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em Meu nome, esse [grego ekeinos, literalmente ‘este mesmo’, ‘ele’, no gênero masculino] vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito.” Palavras similares aparecem em João 15:26: “Quando, porém, vier o Consolador, que Eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dEle procede, esse [uma vez mais o termo grego ekeinos, no gênero masculino] dará testemunho de M im .”

Contudo, é em João 16 que esse maravilhoso discurso, tão re­cheado de promessas quanto à vinda e o trabalho do Espírito Santo, atinge o clímax. Nos versos 7-17, encontramos algumas das mais esperançosas e úteis palavras que Jesus já proferiu:

“Mas Eu vos digo a verdade: convêm-vos que Eu vá, porque se Eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, Eu for, Eu vo-lO enviarei. Quando Ele vier, convencerá o mun­do do pecado, da justiça e do juízo; do pecado, porque não crêem em Mim; da justiça, porque vou para o Pai, e não Me vereis mais; do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado.

“Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis su­portar agora; quando vier, porém, o Espírito da verdade, Ele vos

A Personalidade e a D ivindade do Espírito / 81

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guiará em toda a verdade; porque não falará por Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele Me glorificará porque há de receber do que é Meu, e vo-lo há de anunciar. Tudo quanto o Pai tem é Meu; por isso é que vos disse que há de receber do que é Meu e vo-lo há de anunciar” (João 16:7-15).

O que é realmente marcante nessa passagem são as evidências diretas da^personalidade do Espírito Santo.

Em primeiro lugar, deveríamos observar que, ao passo que a palavra “Espírito” (grego pneuma) se encontra no gênero grego neutro, o pronome pessoal ekeinos (“aquele” ou “ele”, claramente utilizado em relação ao neutro Espírito) se encontra no gênero masculino. Tal fato gramatical levou a maioria dos tradutores a ver­ter os demais pronomes pessoais relacionados com essa passagem como “Ele”, em vez de “este” ou “esse”. A versão antitrinitariana Novo Mundo, das testemunhas de Jeová, utiliza a última forma.

Segue uma lista detalhada dos pronomes pessoais masculinos utilizados em João 14-16, sempre destacando o pronome mas­culino ekeinos-.

“Ele ... estará” (João 14:16); “o Espírito ... o ... o ... Ele” (verso 17); “a quem o Pai enviará”, “esse \ekeinos\ vos ensinará” (verso 26); “esse [ekeinos\ dará testemunho” (João 15:26); “Eu vo-Lo enviarei” (João 16:7); “quando Ele vier, convencerá” (verso 8); “o Espírito da verdade, Ele [ekeinos] vos guiará” (ver­so 13); “Ele Me glorificará” (verso 14).

O neutro Espírito (pneuma) pode certamente ser interpreta­do como impessoal, mas o fato de que os pronomes pessoais (especialmente ekeinos) são masculinos e aparecem repetida­mente indica fortemente a personalidade do Espírito Santo.

Ajudador (ou Consolador ou Confortador) “é um termo co- mumente empregado para falar de uma pessoa que ajuda ou oferece conforto e conselho a outra pessoa ou pessoas, mas no Evangelho de João se aplica ao Espírito Santo (14:16 e 26; 15:26; 16:7)” (Grudem, pág. 232).

As Escrituras atribuem outras atividades ao Espírito, as quais são altamente pessoais ou interpessoais: ensinar (João 14:26), apresentar testemunho (João 15:26; ver Rom. 8:16), convencer do pecado, da justiça e do juízo (João 16:8); guiar na verdade, fa­lar, ouvir e anunciar (verso 13); glorificar a Deus, falar e anunciar (verso 14). Todas elas sugerem fortemente a natureza pessoal e in­terativa de uma pessoa divina, e não de uma “coisa” celestial.

Atos dos Apóstolos Além disso, não é apenas o Evangelho de João que retrata

ações pessoais interativas por parte do Espírito Santo; estas tam­bém aparecem em Atos dos Apóstolos. O Espírito proíbe ou não permite certas coisas (Atos 16:6 e 7), fala (Atos 8:29; 13:2), ava­lia e aprova um determinado curso de ação (Atos 15:28).

O Uso das Palavras “Poder” e Espírito”Wayne Grudem chama a atenção para um ponto interessante

acerca da maneira como certos versos bíblicos empregam o termo impessoal “poder” em associação com o Espírito Santo. Analise cuidadosamente o seu argumento:

“Se o Espírito devesse ser entendido como simplesmente o poder de Deus, em vez de uma pessoa distinta, certas passagens simples­mente não fariam sentido, porque nelas tanto o Espírito Santo quanto o poder de Deus são mencionados. Por exemplo, Lucas 4:14: ‘Então Jesus, no poder do Espírito, regressou para a Galiléia.’ Esta passagem se converteria em: ‘Então Jesus, no poder do poder de Deus, regressou para a Galiléia.’ Em Atos 10:38: ‘Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder’, teríamos: ‘Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o poder de Deus e com poder’ (veja também Rom. 15:13; I Cor. 2:4” (ibid., págs. 232 e 233).

II Coríntios 13:13 A peça final de evidência da personalidade do Espírito provém

de II Coríntios 13:13: “A graça do Senhor Jesus Cristo e o amor

A Personalidade e a D ivindade do Espírito / 83

84 ! A Trindade

de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós.”O primeiro aspecto a ser observado neste verso é que ele descre­

ve o Espírito Santo como o terceiro nome, precedido de Deus Pai e do Filho. A grande maioria dos cristãos bíblicos concorda que o Pai e o Filho constituem seres divinos pessoais. Com certeza, a “graça” que provém de Jesus Cristo só pode possuir uma origem pessoal. O “amor de Deus” obviamente sugere a personalidade do Pai, uma vez que o amor constitui a essência de qualquer relacio­namento interpessoal e expressa cuidado e preocupação. II Corín­tios 13:13 menciona em seguida o Espírito Santo de modo direto, sugerindo fortemente que Ele é um ser divino pessoal e coordenado- a terceira pessoa da Divindade tripessoal.

Grudem o expressou da seguinte maneira: “Quando ‘o Espíri­to Santo’ é colocado na mesma expressão e no mesmo nível das outras duas pessoas, é muito difícil evitar a conclusão de que o Espírito Santo também é visto como uma pessoa, de status igual ao do Pai e ao do Filho” (ibid., pág. 230).

A forma como neste texto Paulo retrata o relacionamento do Espírito Santo com o Pai e o Filho é o que Grudem descreve como “relacionamento coordenado”. Ele prossegue explicando que “desde que tanto o Pai quanto o Filho são pessoas, a expressão coordenada fortemente indica que o Espírito Santo também é uma pessoa” (ibid., pág. 232).

II Coríntios 13:13 não é o único verso “em que o Espírito Santo é posto em relacionamento coordenado com o Pai e o Fi­lho” (ibid.). Mateus 28:19, I Coríntios 12:4-6, Efésios 4:4-6 e I Pedro 1:2 referem-se todos ao mesmo tipo de “relacionamento coordenado com o Pai e o Filho”. Esses versos provêem forte evi­dência de que o Espírito não é “simplesmente o ‘poder’ ou ‘força’ de Deus em operação no mundo” (ibid.), sendo antes uma pes­soa distinta dentro da Divindade.

O segundo aspecto a se observar acerca do “relacionamento coordenado” do Espírito com o Pai (em II Coríntios 13:13) é que ele associa o Espírito Santo com a “comunhão”. Esta palavra, que

descreve diretamente a obra do Espírito, sugere vigorosamente comunicações interpessoais entre seres relacionais - ou seja, seres pessoais, quer sejam humanos, angélicos ou divinos.■* Essa passagem, além de apoiar a personalidade do Espírito, su­gere ainda a profunda unidade ou unicidade inerente à doutrina da Trindade. Aqui Se encontram os três seres divinos unidos uns aos outros de tal forma que é indicada a Sua unicidade de propó­sito ao compartilharem a graça e o amor de Deus através de Seu profundo relacionamento de comunhão uns com os outros e com os redimidos.

Mais ainda, ela parece ser uma expressão quase inconsciente da personalidade do Espírito por parte de Paulo. O apóstolo conclui sua segunda carta aos Coríntios com uma saudação de despedida que simplesmente vincula a obra do Pai, do Filho e do Espírito San­to como uma força pessoal plenamente unida em favor da redenção da humanidade perdida. O verso é uma passagem de transição para evidências bíblicas adicionais da plena divindade do Espírito e da profunda unidade encontrada no interior da Divindade.

A Plena Divindade do EspíritoNo capítulo 1, sugerimos que Atos 5 fornece evidência per­

suasiva em favor da divindade do Espírito. Pedro disse a Ananias que este mentira ao Espírito Santo (Atos 5:3), o que fortemente implica que Ananias praticou falsidades diante do Deus Espírito Santo, e não em relação a Deus o Pai ou a Deus o Filho.

Adicionalmente, as passagens que falam de um forte relacio­namento coordenado entre Pai, Filho e Espírito Santo sugerem a personalidade e a divindade do Espírito (Mat. 28:19; II Cor. 13:13; I Cor. 12:4-6; Efé. 4:4-6, etc.). Em outras palavras, elas “assumem significado em favor da doutrina do Espírito Santo, uma vez que mostram que o Espírito Santo é classificado num nível de igualdade em relação ao Pai e ao Filho” como pessoa divina (ibid., pág. 237). Sugerir que o Espírito é um ser criado ou uma força impessoal parece inteiramente impróprio quando

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86 / A Trindade

as Escrituras repetidamente colocam o Espírito Santo numa posição de igualdade coordenada com o Pai e o Filho. Existem, contudo, evidências bíblicas adicionais em favor da plena d i­vindade do Espírito.

O Salmo 139:7 e 8 pergunta: “Para onde me ausentarei do Teu Espírito? Para onde fugirei da Tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também.” Temos aqui, uma vez mais, a passagem dirigida ao Senhor (Yahweh), onde o salmista atribui ao Deus Espírito a ca­racterística marcantemente divina da onipresença - algo que não se observa em poderes ou seres criados.

Novamente, Grudem ajuda a esclarecer o assunto: “Parece que Davi está igualando o Espírito de Deus com a presença de Deus. Ausentar-se do Espírito de Deus é ausentar-se de Sua presença, mas, se não existe nenhum lugar para onde Davi possa fugir do Espírito de Deus, então ele sabe que qualquer parte para onde for irá dizer: ‘Tu [Senhor] estás lá ’” (ibid.).

Nessa mesma linha de pensamento, I Coríntios 2:10 e 11 atribui ao Espírito Santo outra característica unicamente perten­cente à divindade: a onisciência. “Porque o Espírito a todas coi­sas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus. Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espí­rito que nele está? Assim também as coisas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus.” Será que a capacidade de explorar “as profundezas de Deus” e de conhecer “as coisas de Deus” não sugere fortemente a onisciência?

Outra marcante evidência da divindade do Espírito é o fato de as Escrituras O retratarem como Autor do novo nascimento. Ora, o ato de conceder nova vida espiritual constitui um ato uni­camente pertencente a Deus. I João 3:9 fala de alguém ser “nas­cido de Deus”. Portanto, o novo nascimento, realizado pelo Es­pírito, é mencionado em outras partes pelas Escrituras como sendo operado por Deus - o que implica fortemente que a obra do novo nascimento constitui ato de um ser divino.

A Unicidade ou Triunidade Pessoal da DivindadeNo capítulo 1, sugerimos algumas importantes evidências em fa­

vor da profunda unicidade da Divindade tripessoal. O uso da pala­vra inerentemente plural ’echad em Deuteronômio 6:4, o “nome” singular empregado para descrever o Pai, o Filho e o Espírito Santo em Mateus 28:19, e o plural “façamos o homem à nossa imagem” de Gênesis 1:26, todos esses fatos sugerem poderosamente a profunda unidade manifestada entre as pessoas da Divindade. Esta linguagem indubitavelmente apresenta Deus falando acerca de Si mesmo com referências plurais. É interessante observar a forma como este tipo de evidência se apresenta em outros lugares do Antigo Testamento.

Em adição à terminologia do “façamos o homem à nossa imagem”, que aparece em Gênesis 1:26, encontramos Deus usando linguagem plural similar em outros textos: 1. Referindo-se ao pecado de Adão e Eva, “disse o Senhor Deus: Eis que o ho­mem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal” (Gen. 3:22). 2. Na história do grande pecado do povo junto à Torre de Babel, Deus disse: “Vinde, desçamos, e confundamos a sua linguagem” (Gen. 11:7). 3. Isaías 6 registra a notável visão na qual o profeta viu “o Senhor assentado sobre um alto e subli­me trono” (verso 1). Durante a visão, Isaías relata ter ouvido “a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós?” (verso 8). Embora nenhum desses textos seja coercivo, a evidência acumulada provê interessante apoio do Antigo Testa­mento em favor da pluralidade de pessoas dentro da Divindade.

ResumoAinda não terminamos de apresentar as evidências bíblicas.

Permita-me, porém, perguntar-lhe: aquilo que apresentamos nos quatro primeiros capítulos é suficiente para levar até mesmo o mais nobre dos bereanos a inclinar-se a favor de uma compreen­são tripessoal da Divindade?

Talvez você ainda não tenha se convencido. Se for o caso, peço-lhe que permaneça comigo ao longo de pelo menos mais

A Personalidade e a D ivindade do Espírito 1 87

8 8 1A Trindade

dois capítulos. O próximo capítulo abordará as evidências trini- tarianas encontradas no livro de Apocalipse, e os dois últimos capítulos desta primeira seção tratarão das passagens que os an- titrinitarianos tradicionalmente utilizam como evidência para a defesa de sua posição. Passemos agora a analisar as grandes visões de João, o revelador.

Capítulo 5

Evidências Trínítaríanas no Livro de Apocalipse

Ea convicção dos autores deste livro que nenhum estudo so­bre a Divindade poderia ser completo para os adventistas do sétimo dia sem que se dedicasse cuidadosa atenção ao livro de Apocalipse.

Esse grande livro de visões, ao lado de Daniel no Antigo Testa­mento, forneceu a convincente estrutura profética para a missão adventista no mundo. Temos encontrado significado especial nas grandes cenas retratadas ao longo do livro, especialmente nos ca­pítulos 11 a 14, que sempre nos pareceram muito significativos.

A questão com a qual agora nos defrontamos é esta: será que o tema trinitariano se encontra subjacente aos panoramas proféticos desse livro culminante da Bíblia, no qual “todos os livros da Bíblia se encontram e se cumprem” (White, Atos dos Apóstolos, pág. 585)?

Conforme a experiência dos adventistas com o Apocalipse tem-se desdobrado, torna-se mais e mais claro que o centro des­se livro fascinante ocorre nos capítulos 11 a 14. Além disso, algo realmente marcante em relação a esses capítulos é o modo como o conflito entre as forças do bem e do mal se manifesta em uma luta entre a Divindade (Pai, Filho e Espírito Santo) e sua contra- parte satânica (o dragão, a besta e o falso profeta).

90 / A Trindade

O que está se tornando mais e mais claro aos comentaristas (tanto leigos quanto eruditos), no que tange a Apocalipse, é que o dragão constitui uma paródia e contrafação do Pai; a besta se­melhante ao leopardo procura suplantar e parodiar a obra do Filho; e o falso profeta é a versão enganosa de Satanás em relação à obra do Espírito Santo (Paulien, págs. 105-150).

Ora, se estas observações possuem algum fundamento, faz realmente sentido que o livro de Apocalipse contenha, como um de seus temas-chaves, fortes indicações da profunda unidade do verdadeiro “Trio Celestial”, da plena divindade de Cristo e da personalidade do Espírito. Será que existe evidência digna de cré­dito neste sentido?

Embora o livro de Apocalipse não aborde diretamente a questão da Divindade, ele parece ter definitivamente pelo menos uma base “trinitariana”, que na verdade pode ser um tema da maior impor­tância permeando a expressão da Divindade feita pelo revelador.

Este capítulo apresentará evidências em apoio aos três princi­pais aspectos do conceito trinitariano de Deus: (1) a Divindade manifestada como um conjunto triúno pessoal e profundamen­te unido; (2) a plena divindade de Cristo; e (3) a personalidade do Espírito Santo. As evidências mais claras são encontradas nos capítulos 1-5, 21 e 22.

Evidências dos Capítulos 1-3A natureza trinitariana do Deus de Apocalipse é sugerida logo na

introdução do livro. Apocalipse 1:4 e 5 diz que toda a visão provém “daquele que é, que era e que há de vir, da parte dos sete Espíritos que se acham diante do seu trono, e da parte de Jesus Cristo”. Esta passagem claramente focaliza o Pai, o Espírito e o Filho, Ela é dire­ta em apresentar o Trio Celestial. Ao passo que a referência a “Jesus Cristo” é inegável, as expressões “sete Espíritos” e “aquele que é, que era e que há de vir” merecem comentário adicional.

As razões mais óbvias para que o livro apresente o Espírito Santo como os “sete Espíritos” tem a ver com o seguinte:

Evidências Trinitarianas no Livro d e Apocalipse / 91

1. O significado simbólico dos números (tecnicamente, numero- logia) no livro. Os números 7, 12, 3, 4 e 8 são os mais destacados. Sete, contudo, é o mais preeminente e provavelmente represente algo completo, ou o poder perfeito e criador de Deus.2

2. A implicação de que o Espírito fala e está disponível a todas as sete igrejas.

3. O envolvimento do Espírito nas providências de Deus operando através das numerosas séries de “sete” do livro - sete igrejas (Apoc. 2:1-3:22), selos (Apoc. 6:1-8:1), trombetas (Apoc. 8:6-11:15), trovões (Apoc. 10:2-4), sinais (Apoc. 12:1-14:20) e pragas (Apoc. 15:1-16:21).3

O título dado ao Pai, contudo, é um pouco mais comple­xo. Apocalipse 1:8 identifica o mesmo ser como “aquele que é, que era e que há de vir”, e ainda como o Alfa e o Ômega, o Todo-Poderoso, o Senhor Deus. Quem é o “Senhor” do verso 8: o Pai ou o Filho?

É importante observar que o livro de Apocalipse nunca aplica a expressão “aquele que é, que era e que há de vir”, ou o “Todo- Poderoso”,4 explicitamente a Jesus (ver Apocalipse 4:8; 11:15 e 17; 16:5 e 7).5 Isso constitui evidência bastante forte e implícita de que o ser identificado como “aquele que é, que era e que há de vir”, em Apocalipse 1:4, não se refere nem ao Filho e nem ao Es­pírito, mas exclusivamente a Deus o Pai.

Como foi dito no capítulo 1, é altamente significativo que o título “o Primeiro e o Ultimo”, utilizado nos versos subseqüentes (Apoc. 1:10-13, 17, 18), é muito parecido com o título “Alfa e Ômega”, o qual o livro de Apocalipse aplica a Jesus. Além disso, também observamos que em Apocalipse 22:12 e 13 Jesus aplica a Si mesmo as expressões “o Alfa e o Omega, o Princípio e o Fim” (em adição ao título “o Primeiro e o Ultimo”). O uso desses títulos, junto com o fato de que a terminologia de “o Primeiro e o Último” deriva da descrição de Yahweh apresentada em Isaías 44:6, provê forte evidência em favor da plena igualdade e unici­dade do Pai e do Filho, como regentes coeternos do Universo.

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Adicionalmente, essa equação da identificação do Deus do Antigo Testamento com a do Jesus do Novo Testamento oferece marcante evidência da quase inconsciente e espontânea atribuição de muitas das características do Pai ao Filho. Este é um notável fenômeno das Escrituras, o qual representa constante fonte de consternação para os arianos.6

A evidência a favor da divina unidade da Divindade e da plena divindade do Filho é bastante convincente no Apocalipse; e as su­gestões em favor da personalidade do Espírito, embora nao sejam tão convincentes, ainda assim são sugestivas.

A evidência inicial aparece nas cartas às sete igrejas. Cada carta conclui com a mesma exortação: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (Apoc. 2:7, 11, 17, 29; 3:6, 13, 22). As Escrituras quase sempre associam fala - no contexto da linguagem verbal - com comunicações que ocorrem entre pessoas. Assim, o fato de o Espírito falar com as igrejas sugere a Sua personalidade.7

Evidências dos Capítulos 4 e 5Estes capítulos contêm as mais dramáticas (e talvez convin­

centes) evidências para o tema trinitariano no livro de Apocalip­se (se não explícitas, ao menos implícitas).

Ranko Stefanovic argumentou de forma persuasiva que a melhor forma de se entender estes capítulos é vê-los como descrevendo a entronização de Cristo no dia de Pentecostes em Atos 2 (Stefanovic, págs. 1-8 e 292-301). Esta marcante visão utiliza as imagens da ce­rimônia de posse dos reis de Israel. A cerimônia investia o rei com a autoridade do concerto em virtude do fato de que ele segurava a lei de Moisés (o livro do concerto) na mão direita.

O significado disso parece indicar (em Apocalipse 4 e 5) que os privilégios do concerto do povo de Deus estão sendo restaurados através do governo do Deus triúno que reina em função do poder criador do Pai (Apoc. 4:11) e também através das conquitas re­dentoras do “Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi” (Apoc. 5:5), que Se tornou o ensangüentado Cordeiro sacrificial (verso 6).

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Capítulo 4Esta surpreendente e abarcante visão da cena de entronização

celestial revela o tipo de manifestação trinitariana que tanto reflete as crescentes convicções da igreja primitiva acerca da eternidade e da triúna unicidade do Deus de Israel. Sem dúvida, a figura cen­tral do capítulo 4, identificada como “aquele assentado no trono” (verso 2) e o qual é adorado como “Senhor Deus Todo-Poderoso, que era, que é e que há de vir” (verso 8), é Deus o Pai.

Os títulos apresentados em Apocalipse 4:2 e 8 são claramente coerentes com as cenas reveladas em Apocalipse 1:4 e 8. Uma vez mais, poderíamos destacar que, enquanto Jesus compartilha com o Pai o título de “Primeiro e Último” no capítulo 1, o livro de Apocalipse nunca identifica a Cristo como “Todo-Poderoso” ou aquele “que era e que há de vir” (Apoc. 4:8).

Além disso, devemos observar que diante do trono (e intima­mente associado com os 24 anciãos do capítulo 4 e as quatro criaturas dos versos 6-8) acham-se “sete tochas de fogo, que são os sete Espíritos de Deus” (verso 5). Esta cena, que vividamente retrata a íntima associação existente entre os sete Espíritos, os 24 anciãos e as “quatro criaturas viventes”, implica fortemente que o Espírito Santo é o catalisador e inspirador dos hinos de louvor encontrados nos versos 8 e 11.

A visão do Espírito é coerente com as convicções trinitarianas pos­teriores da igreja de que o Espírito Se sujeitou voluntariamente ao Pai (e ao Filho) a fim de inspirar as criaturas inteligentes do Universo a reconhecer que o Pai é “digno” como o Todo-Poderoso Criador e Se­nhor. O Espírito, contudo, não Se contenta em simplesmente esti­mular hinos de louvor ao Pai. As Escrituras também O apresentam como profundamente vinculado com o Filho em Sua obra como agente-chefe da redenção - o Leão/Cordeiro de Apocalipse 5.

Capítulo 5Podemos concluir com segurança que (1) Apocalipse 5 é uma

continuação da visão que iniciou no capítulo 4, e que (2) o Filho

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é a figura-chave sendo focalizada à medida que esta grande cena de posse/concerto atinge o clímax.8 Apocalipse retrata o aspecto régio da pessoa do Filho através da figura do leão (verso 5), em­bora as imagens-chaves que conduzem aos grandes hinos de ado­ração neste capítulo (versos 9, 10, 12 e 13) tenham a ver com a cena que apresenta o Filho como o cordeiro sacrifical expiatório (versos 6, 9-12).

Vários aspectos trinitarianos da visão chamam a nossa atenção. Em primeiro lugar, podemos observar que os “sete Espíritos”, pre­viamente descritos como “sete tochas de fogo diante do trono” (Apoc. 4:5), agora aparecem em Apocalipse 5 como os “sete olhos” do Cordeiro que foi morto, e aqui também são descritos como “os sete Espíritos de Deus enviados por toda a Terra” (verso 6).9

Uma identidade tão íntima do Filho com o Espírito é bastan­te coerente com os ensinamentos mais amplos de João quanto ao relacionamento entre Filho e Espírito Santo esboçados no quarto evangelho (especialmente nos capítulos 14-17). O Espírito busca iluminar toda a Terra. E Ele quem “Me glorificará”, disse Jesus, “porque há de receber do que é Meu, e vo-lo há de anunciar” (João 16:14).

Assim, parece absolutamente correto concluir que a visão de Apo­calipse 5 visa ensinar-nos que as realizações sacrificiais-expiatórias do Leão/Cordeiro capacitam o Espírito a enviar com poder convincente os raios de luz espiritual e redentiva “a toda a Terra” (verso 6).

Em segundo lugar, ao passo que o Céu considera o Leão/Cor­deiro digno de abrir o livro selado que se encontra na mão do Pai, em virtude de o Filho haver sido morto, Ele é digno de ser morto unicamente por ser o Filho (a passagem não O identifica como tal, mas podemos trazer a imagem de Jesus Cristo de um ponto anterior do livro, onde aprendemos que Ele e o Leão/Cordeiro são a mesma Pessoa). Nenhum ser meramente humano poderia morrer como resgate por muitos (Mat. 20:28). Somente Deus poderia pagar o preço requerido pela transgressão da lei. Mas o Pai, que não assumiu a encarnação, não poderia sofrer tal morte.

Evidências Trinitarianas no Livro d e Apocalipse / 95

Assim, o Filho assumiu a natureza carnal humana, sendo indivi- sivelmente homem e Deus, de modo que Deus (o Filho) pudesse tornar-Se o Cordeiro sacrifical e pagar o custo.

Israel perdera os privilégios do concerto do reino por causa de sua infidelidade, mas o Cordeiro morto, enviado como o Leão/Cordeiro, co-regente do Pai, traz novamente a salvação e a restauração do concerto.10

Em terceiro lugar, a igualdade entre o “Senhor Deus Todo- Poderoso” de Apocalipse 4 e o Leão/Cordeiro do capítulo 5 é fortemente sugerida pelo fato de que a adoração do Senhor Deus Todo-Poderoso por parte dos 24 anciãos e das quatro criaturas vi­ventes do capítulo 4 (versos 8 e 9) agora (no capítulo 5) se amplia para ambos, “Aquele que Se assenta sobre o trono” (o “Senhor Deus Todo-Poderoso”, o Pai) e o Cordeiro (verso 13).

O assunto da adoração merece explicação adicional. Repetida­mente o livro de Apocalipse associa atos de adoração por parte de criaturas (“criaturas viventes” [Apoc. 4:9; 5:8], os “vinte e quatro anciãos” [4:10; 5:14] e o próprio João [19:10; 22:8 e 9]) com o fato de que tais seres “caem prostrados” ante os pés das Pessoas a quem adoram. Nos capítulos 4 e 5, as criaturas em adoração não apenas caem diante do “Senhor Deus Todo-Poderoso” que “Se as­senta no trono” e que “criou todas as coisas” (Apoc. 4:8, 9 e 11; 5:14), mas também caem “diante do Cordeiro” (Apoc. 5:8).

O que deveríamos dizer de tais atos de adoração? Não consti­tuem tais cenas a mais clara evidência de que Jesus, o “Cordeiro”, recebe a mesma espécie de adoração que o Pai? Não seria, pois, correto concluir que esse tipo de adoração constitui poderosa evi­dência da plena divindade de Cristo?

Essa conclusão se torna ainda mais convincente quando com­paramos as cenas de adoração de Apocalipse 4 e 5 com aquelas encontradas em Apocalipse 19:10 e 22:8 e 9. Nestas duas últimas passagens, João fica tão empolgado com as visões recebidas que chega ao ponto de cair prostrado diante dos pés do anjo “para adorá-lo” (Apoc. 19:10; “prostrei-me ante os pés do anjo que me

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mostrou estas coisas, para adorá-lo” [Apoc. 22:8]). Agora, observe cuidadosamente que, nas oportunidades em que isso aconteceu, o anjo repreende a João e lhe recomenda que adore “a Deus” (Apoc. 19:10; 22:9). O que podemos concluir destas cenas?

Se o Cordeiro de Apocalipse 5 fosse apenas um anjo ou um deus criado, não seria idolátrico que Ele recebesse adoração? Claro que seria! Entretanto, não vemos qualquer reprovação aos “vinte e quatro anciãos” e às “quatro criaturas viventes”, como foi feita a João. O contraste entre os atos de adoração em prostração ma­nifestados em Apocalipse 4 e 5 e os mesmos atos de reverência re­gistrados em 19:10 e 22:8 e 9 fortemente sugere a plena divindade do Cordeiro.

Talvez pudéssemos resumir assim o que foi dito: o Apocalipse claramente considera o Leão/Cordeiro, o Filho de Deus, e o Deus Todo-Poderoso (o Pai) como legítimos merecedores da adoração celestial. Se Cristo não é Deus, temos aqui uma situação de ido­latria. Se Ele é apenas uma espécie de semideus, estamos diante de uma situação de politeísmo. Os antitrinitarianos precisam de­cidir se Jesus é plenamente Deus ou simplesmente algum tipo de meia-divindade semitranscendente. Se ele é plenamente Deus, Sua adoração é perfeitamente aceitável. Se Ele não o é, as únicas alternativas que nos restam são a idolatria e o politeísmo (ambas censuradas pelas Escrituras).

Em quarto lugar, não apenas os vinte e quatro anciãos e os quatro seres viventes oferecem louvor e adulação, como ainda Apocalipse 5 amplia e expande essa transcendente cena de ado­ração celestial com o louvor de “dez milhares vezes dez milhares” de anjos (verso 11) e de “toda criatura” no Céu e na Terra (verso 13). Tudo isso é dirigido “ao que está assentado no trono e ao Cordeiro” (verso 13).

A medida que as implicações dos feitos redentivos do Cordeiro que foi morto se tornam claras a todas as ordens de seres criados do Universo, observamos uma espontânea manifestação de adoração, dirigida indiscriminadamente ao Pai e ao Filho. É desnecessário dizer

que isso oferece poderosa evidência da profunda igualdade entre Eles como co-regentes do reino restaurado. Encontramos, todavia, ainda outras implicações nestas cenas de adoração.

Em quinto lugar, a mais convincente evidência da igualdade entre o Pai e o Filho aparece nos hinos dos capítulos 4 e 5. Con­forme salientado antes, os hinos contidos em Apocalipse 4:8 e11 focalizam o Pai, o “Senhor Deus Todo-Poderoso”. Os dois primeiros hinos do capítulo 5 louvam o Filho (versos 9, 10 e12), e o hino final glorifica tanto o Pai quanto o Filho (verso13). Devemos observar cuidadosamente que o hino do verso 12 se dirige ao Filho, e que o hino final do verso 13 tem como ob­jeto tanto o Pai quanto o Filho.

O que constitui um fato convincente, todavia, é que ambos os hinos finais atribuem ao Filho certas características que o capítu­lo 4 atribui ao Pai. Ainda que seja um pouco repetitivo, observe de que modo os hinos utilizam as várias expressões.

Em primeiro lugar, o verso 12 afirma que o Cordeiro é digno de receber “o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e gló­ria, e louvor”. No verso 13, contudo, o hino final atribui tanto ao Pai quanto ao Filho muitas das mesmas características e privilé­gios atribuídos ao Filho no verso 12 — especialmente louvor, honra, glória e poder, termos descritivos previamente associados ao Pai em Apocalipse 4:11.

J. Ramsey Michaels expressou de modo vívido as implicações destes momentos de louvor. Comentando inicialmente Apocalip­se 5:12, Michaels diz: “Mais uma vez é o Cordeiro quem recebe adoração, mas o que Ele agora ‘recebe’ é mais que um rolo selado. São a Ele atribuídos os mesmíssimos predicados (glória, honra e poder) que em 4:11 foram reservados ao próprio Deus. De fato, a lista tem mais do dobro da extensão. Deus e o Cordeiro rece­bem precisamente o mesmo tipo de homenagem por parte da corte celestial.

“Esta igualdade entre Deus e Cristo alcança um crescendo no quarto e último hino, uma explosão de louvor ‘de toda criatura

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no Céu e na Terra e debaixo da Terra e no mar, mesmo todas as coisas que neles existem’ ... Assim, utilizando o vocabulário da adoração em lugar de pensamento especulativo, o livro de Apo­calipse obteve sucesso em elevar o familiar Messias davídico ao nível da Divindade” (Barker, pág. 367).

A convincente evidência apresentada em favor da plena igual­dade entre o Pai e o Filho é a mais poderosa indicação no livro de Apocalipse de que Jesus Cristo é plenamente divino. Se Jesus pos­sui todos os “predicados” (ou características) e reais prerrogativas do Pai, conclui-se que a plena divindade do Pai tem de constituir a plena divindade do Filho.

Embora nesses capítulos as evidências sejam mais fortes em favor da plena divindade de Cristo, também encontramos neles indicações em favor da personalidade do Espírito Santo, ainda que de forma menos dramática. No capítulo 5, os “sete Espíri­tos” tornam-se os “sete olhos” do Cordeiro, “enviados por toda a Terra” (verso 6). As Escrituras muito freqüentemente associam olhos com inteligência pessoal, e assim as imagens provêem al­guma evidência sugestiva em favor da realidade do Espírito como uma personalidade.

Evidências dos Capítulos 21 e 22Em Apocalipse 21:1-6, testemunhamos uma das mais como­

ventes cenas de todo o livro. A “primeira Terra já passou”, e “um novo céu e uma nova Terra” foram criados, tendo a “Nova Jeru­salém” como capital. Aquele “que é, e que era, e que há de vir” (Apoc. 1:4 e 4:8) agora literalmente “veio” à Terra com a Nova Jerusalém, e habita junto a Seu povo. Esses versos indiscutivel­mente se referem a Deus Pai, a quem as Escrituras retratam como efetuando coisas paternais - enxugando “de seus olhos toda lágri­ma” (Apoc. 21:4). Sua confortadora presença parece haver banido completamente a morte, a tristeza, o pranto e a dor.

Além disso, obteremos muitos lampejos se compararmos Apo­calipse 21:1-6 com Apocalipse 7:9 e 17. Apocalipse 21 retrata a

“grande multidão” dos redimidos como estando em pé diante do trono, e “o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará e os guiará às fontes das águas. E Deus limpará de seus olhos toda lágrima”. Aqui a visão retrata a íntima relação operacional entre o Pai e o Filho, ao confortarem os redimidos depois de sua pere­grinação pelo reino do diabo e do pecado. No mínimo, esta cena sugere a profunda unicidade, em propósito, dos dois primeiros membros da Divindade.

Então, Apocalipse 21 :22 e 23 apresenta a visão da profunda unicidade destes seres sagrados. Ao descrever a gloriosa Nova Je­rusalém, João diz que nela não viu “santuário, porque o seu san­tuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso e o Cordeiro”. Encon­tramos aqui a unicidade da Divindade retratada especialmente através da figura do templo. O significado antitípico do templo do Antigo Testamento alcança um ponto de culminância através da convincente sugestão de que todas as figuras relacionadas ao templo, em última análise, apontam ao triunfo da redenção em­preendida através dos esforços unidos do Pai e do Filho.

O Pai e o Filho, unidos, não apenas substituem o templo. O Apocalipse agora Os divisa como completando Seu triunfo final sobre o pecado e as forças do mal. Na cena de coroação de Cristo em Apocalipse 5, confirmada em Atos pelo Pentecostes, a visão atinge o clímax com a adoração de “toda criatura” dirigida Àquele “que Se assenta no trono [o Pai], e ao Cordeiro” (verso 13).

Entretanto, o tema do trono alcança seu clímax absoluto em Apocalipse 22:1-3. Pela primeira vez o livro identifica o trono como “o trono de Deus e do Cordeiro”. Agora o ponto é explícito: o Pai e o Filho são plenamente co-regentes, ambos assentados no trono e compartilhando todas as prerrogativas do concerto asseguradas atra­vés de Seus esforços redentivos operados conjuntamente (e alcança­dos pelo fato de haverem aniquilado as forças usurpadoras do mal e de haverem restaurado as bênçãos do concerto aos redimidos).11

A visão da co-regência do Pai e do Filho constitui a peça final da convincente evidência em favor da plena divindade de Cristo.

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Claramente, o Filho não apenas compartilha os títulos “Alfa e Ômega, o Princípio e o Fim”, mas também todas as prerrogativas reais do eterno Pai, no trono do Universo. Esses títulos reais e os direitos e poderes de uma regência compartilhada e igual forte­mente sugerem que a plena e eterna natureza divina do Pai cons­titui também a própria essência da natureza do Filho. Na cena culminante de todo o livro, Pai e Filho são um e iguais. Aquilo que as Escrituras podem dizer acerca da natureza e autoridade de um, podem igualmente dizer do outro.

É um tanto óbvio que o Pai e o Filho entronizados constituem o foco destes capítulos; mas estaria o Espírito Santo totalmente ausente? Ou participa Ele desta cena de glorioso triunfo? Uma vez mais, encontramos o Espírito realizando duas coisas neste cenário, que são típicas das funções redentivas que Ele esteve a desempe­nhar o tempo inteiro:

1. O Espírito está reconduzindo a humanidade perdida a uma relação de concerto com a Divindade, especialmente enquanto atua através da “noiva”, a igreja, em sua missão evangélica. “O Es­pírito e a noiva dizem: ‘Vem’. Aquele que ouve, diga: ‘Vem’” (Apoc. 22:17).

2. O Espírito age, mas o faz a partir do trono do Pai e do Filho. Seria ir demasiado longe sugerir que o “rio ... da vida” procedente do trono (verso 1) representa o poder doador de vida do Espírito, que derrama a graça de Deus sobre um mundo desesperadamente necessitado de restauração? Possuímos referências literárias, tanto bíblicas quanto da tradição judaica, de que se pode identificar o “rio da vida” com o Espírito Santo.12

Evidência BíblicaPraticamente todos os comentaristas têm observado que as fi­

guras relacionadas com o “rio da vida” de Apocalipse 22:1 deri­vam primariamente de Ezequiel 47:1-12 e de Zacarias 14:8-11. Ezequiel 47:1-12 registra a visão de águas que brotam do portal do templo em Jerusalém.13 Utilizando o princípio da analogia de

interpretação das Escrituras (em que se compara texto com texto, e onde o de significado mais claro lança luz sobre o de significado mais obscuro), Keil estabelece o argumento para uma interpreta­ção figurada da água:

“‘Água’, que torna fértil uma terra infrutífera e provê bebida re­frescante ao sedento, é utilizada nas Escrituras como figura que denota bênção e salvação, que mesmo no Paraíso têm sido repre­sentada como água (cf. Gênesis 13:10). ... Ao passo que a bênção corresponde à água, o Espírito é identificado como a principal for­ma através da qual a bênção se manifesta, o fundamento de toda outra salvação para o povo de Deus”’ (Keil e Delitzsch, pág. 360).

Além disso, Ezequiel 36:24-27 fala do borbulhar de “água pura”. A passagem identifica intimamente esta água purificadora com o Espírito aplicado sobre a carne de pedra, e que produz um “coração de carne” em plena conformidade com os “estatutos” de Deus.

A visão do “dia do Senhor” em Zacarias 14:8-11 ecoa Ezequiel 47, com as “águas vivas” fluindo de Jerusalém. As águas se diri­gem tanto ao Mar Morto quanto ao Mediterrâneo, e possuem efeito restaurador sobre a “terra” e a cidade de Jerusalém. O mes­mo princípio da analogia que se aplica a Ezequiel 47 ajudaria a clarificar esta passagem.

Quanto às evidências do Novo Testamento em favor da água como sendo emblemática do Espírito, é interessante que as mais persuasivas evidências cruzadas se encontram no livro de João. O apóstolo claramente associa a água com as atuações do Espírito Santo (veja João 7:37-39 e compare com 3:5, 4:10-14 e I João 5:8-10). A mais clara evidência encontra-se em João 7:37-39: “Quem crer em Mim, como diz a Escritura, do seu interior flui­rão rios de água viva. Isto Ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nEle cressem” (versos 38 e 39).

Se aceitarmos que João é o autor tanto do quarto Evangelho quanto do Apocalipse, a interpretação do “rio da vida” como simbolizando o Espírito Santo procedente do trono torna-se ainda mais atrativa.

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102 / A Trindade

Embora a evidência para se compreender o rio da vida retra­tado em Apocalipse 22:1 e 2 como simbolizando o Espírito Santo não seja absoluta, devemos enfatizar que esta cena se encontra em pleno acordo com os reclamos trinitarianos da igreja e com a visão escriturística de que o Espírito alegremente opera junto com o Pai e o Filho na redenção.14

ResumoAs evidências em favor da unicidade e igualdade entre o Pai

e o Filho e a íntim a associação dEles com o Espírito são muito fortes e sugerem vigorosamente que um dos grandes temas a permear o Apocalipse é a natureza triána da Divindade. As evi­dências em favor da divina unidade dos Três e a plena divinda­de de Cristo são mais abrangentes do que aquelas oferecidas em favor da personalidade e plena divindade do Santo Espírito. Contudo, a íntima relação do Espírito com o Pai e o Filho nestes três contextos principais (capítulos 1-3, 4 e 5 e 21 e 22) e os as­pectos de personalidade atribuídos ao Espírito (que fala e possui olhos inteligentes e pessoais) são evidências sólidas em favor da plena divindade e personalidade do Espírito.

Notas1 Este capítulo é uma edição condensada de um artigo de Woodrow Whid-

den, intitulado “Trinitarian Evidences in the Apocalypse”, publicado no Journal o fth e Adventist Society 11 (2000): 248-260.

2 Veja a discussão sobre numerologia no livro de Apocalipse feita por G. K. Beale, em The Book o f Revelation: A Commentary on the Greek Text, págs. 58-64.

3 Embora muitos dos comentários mais antigos interpretem os “sete espí­ritos” como referindo-se ao Espírito Santo, opinião divergente aparece nos dois mais recentes comentários magistrais do livro de Apocalipse. David Aune, em Word Biblical Commentary: Revelation 1-5 (págs. 33 e 34), provê excelente resumo das posições dos mais importantes comen-

tários antigos e modernos, e prossegue claramente negando a posição dos comentários mais antigos. O autor sugere que a expressão se refere “aos sete principais anjos de Deus” (pág. 34). Em contraste com Aune, G. K. Beale interpreta-os como “designação figurativa da obra efetiva do Espí­rito Santo” (Beale, pág. 189).

4 E verdade que o Apocalipse nunca se refere a Jesus como o “Todo-Podero- so”. Mas as seguintes passagens sugerem fortemente que Ele também utili­za esse título divino: compare Gênesis 17:1 e 35:11 com Exodo 6:2 e 3 e 3:6, 13-15. Quando alinhamos estas passagens com João 8:58, torna-se claro que o Senhor Deus do Antigo Testamento se aplica ao Jesus do Novo Testamento, e que este “Senhor”, que é Jesus, identifica a Si mesmo como “Deus Todo-Poderoso”. Além disso, Apocalipse 5:5 descreve a Cristo como o Cordeiro que possui “sete chifres”. No livro de Apocalipse, “chifres” sim­bolizam um poder governante e “sete” denota plenitude, perfeição ou in­teireza. Portanto, os “sete chifres” do Cordeiro em Apocalipse 5:6 sugerem fortemente a plenitude de força e poder inerentes à divindade de Cristo.

5 Devemos observar cuidadosamente que em Apocalipse 11:17 a expressão “que é e que era e que há de vir” poderia não apresentar, de acordo com as melhores evidências de manuscritos, a expressão “que há de vir”. A New International Version apresenta o texto como: “Graças Te damos, Senhor Deus Todo-Poderoso, Aquele que é e que era.” Stefanovic sugere que a razão para isso é que a cena aqui retratada apresenta o Pai como já havendo vindo: “O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do Seu Cristo” (verso 15).

6 Compare este uso em Apocalipse 1 com Hebreus 1:10-12, em que o au­tor claramente aplica a Jesus um Salmo (102:1, 25-27) originalmente di­rigido ao Senhor (Yahweh). O fato oferece forte evidência de que, na mente do autor bíblico, o Cristo do Novo Concerto é o Yahweh do An­tigo Testamento.

7 Exemplos similares do Espírito falando encontram-se em Apocalipse 14:13 e 22:17.

8 Veja Aune, págs. 329-338, e Beale, págs. 337, 340-348.

9 Novamente, encontramos evidência de que a ocasião da Festa do Pente­costes, no capítulo 5, foi o momento da história da redenção em que Cristo foi entronizado como rei espiritual de Israel. Um dos poderosos efeitos de tal entronização é que o Espírito de Deus é “enviado a toda a Terra” (verso 6); esta frase, ausente em Apocalipse 1:4 e 4:5, fortemente

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1041A Trindade

implica em que o momento da entronização não deveria ser retratado até Apocalipse 5:6.

10 Quanto à identidade do rolo, veja Beale, págs. 339-342.

11 Stefanovic sugere que até ssta cena do livro Cristo havia Se subordinado ao Pai. Agora, entretanto, com o pleno triunfo do evangelho da verdadei­ra Trindade sobre o falso evangelho da contrafação, Cristo não mais Se encontra subordinado ao Pai (esta sugestão foi compartilhada em conver­sas pessoais, e deverá ser publicada num próximo comentário).

12 O primeiro dos modernos comentaristas principais a assumir esta posi­ção foi H. B. Swete (págs. 294-300).

13 Compare a passagem com Joel 3:18: “sairá uma fonte da casa do Senhor”.

14 Beale parece ter se sentido atraído por esta interpretação, e suas conclu­sões são interessantes: “Se as águas simbolizam o Espírito, de acordo com o retrato similar de João 7:37-39, então Apocalipse 22:1 represen­ta um quadro precoce da confissão cristã posterior de que o Espírito procede do Pai e do Filho. ... Assim como em Ezequiel 47, as águas fluem do templo, pois agora o Pai e o Filho são o templo (21:22). Em­bora o Espírito Santo possa ser conservado em mente, a metáfora da água representa primariamente a vida de eterno companheirismo com Deus e Cristo, o que se deduz da forma como 22:3-5 desenvolve 22:1 e 2” (Beale, pág. 1104).

Capítulo 6

Objeções Bíblicas à Trindade

A evidência apresentada nos cinco primeiros capítulos parece muito atraente. Mas estamos conscientes de que exis- . tem algumas passagens bíblicas que outros têm utilizado

tradicionalmente como evidência contra a posição trinitariana. Além disso, muitos outros têm rejeitado a doutrina da Trindade sob o ar­gumento de que ela é inconsistente do ponto de vista lógico. Neste capítulo e em seu suplemento, analisaremos os principais textos usados pelos antitrinitarianos. O capítulo 7 lidará com a acusação de que a doutrina da Trindade não tem consistência lógica.

Das passagens bíblicas normalmente citadas para questionar a Trindade, os arianos e outros empregam a vasta maioria delas para desacreditar os ensinamentos acerca da eterna divindade de Cristo. Não devemos passar por alto ou considerar levianamente essas pas­sagens. Qualquer verdade que pretenda ser bíblica deve ser capaz de permanecer em pé diante de toda a evidência inspirada, mesmo diante das passagens que parecem contradizer o ponto de vista ma­joritário. Se os dados contraditórios são convincentes, talvez a “ver­dade” necessite ser seriamente modificada ou mesmo abandonada. Ninguém deveria ter medo de fazer uma mudança se alguma crença- inclusive a Trindade - vier a se demonstrar antibíblica.

106 / A Trindade

De fato, abrir mão de doutrinas que finalmente se revelam an- tibíblicas pode representar uma experiência altamente libertadora. Minha própria mãe tinha desistido de Deus e da Bíblia por causa da doutrina do tormento eterno e consciente dos perdidos. Foi so­mente após o testemunho dos cristãos bíblicos adventistas haver mostrado qual é o verdadeiro ensinamento bíblico a esse respeito que ela conseguiu pensar mais claramente sobre Deus como sendo amor, e sobre a Bíblia como uma carta de amor enviada por Deus. Foi apenas quando ela compreendeu que a doutrina do tormento consciente e infindável no inferno não era bíblica, nem condizente com o caráter de um Deus amorável e justo, que conseguiu anali­sar a hipótese de que Deus a amava pessoalmente.

A questão para nós é esta: existe evidência bíblica suficiente para levar-nos a abdicar da doutrina da Trindade como indigna do Deus da Bíblia?

As Principais Passagens Citadas Pelos Antitrinitarianos Quando examinamos as evidências bíblicas, apenas umas poucas

passagens parecem, à primeira vista, causar dano à posição trinita- riana. Estas são as mais citadas: João 3:16; Colossenses 1:15; He­breus 1:6; 5:5-10; João 17:3; I Coríntios 8:6; I Timóteo 2:5 e 6; I Coríntios 15:24-28; e Apocalipse 3:14. Todas pertencem ao Novo Testamento. Do Antigo, é citado o texto de Provérbios 8:22.

A seguir, faremos uma análise em profundidade dos cinco primeiros textos. Os últimos quatro serão examinados no su­plemento a este capítulo. Preparamos o suplemento para aqueles que desejarem um tratamento mais extenso e exaustivo das evi­dências contrárias.1

Observações Preliminares Vamos dedicar atenção especial a cada uma das passagens ci­

tadas acima. Antes de começarmos, todavia, poderá ser útil obter uma perspectiva básica a respeito de Jesus. Sempre devemos con­servar em mente que a Bíblia ensina com toda clareza que Ele

ObjeçÕes B íblicas a Trindade /107

possui natureza dual. Ao mesmo tempo que as Escrituras O iden­tificam como Deus (João 1:1) e se dirigem a Ele como “ó Deus” (Heb. 1:8), também declaram que “o Verbo Se fez carne” (João 1:14) e O descrevem como “Cristo Jesus, homem” (I Tim. 2:5).

Em outras palavras, quando consideramos qualquer texto referente a Jesus, poderá ser útil perguntar se a passagem tem em mente a Sua divindade ou a Sua humanidade encarnada. Max Hatton situa a questão em termos um pouco diferentes: “O verso [em estudo] se aplica à natureza de Cristo? Ou se aplica ele à Sua posição?” (Hatton, pág. 76). O autor prossegue, então, fazendo esta sensível observação: “Se esta regra for apli­cada, várias passagens aparentemente difíceis irão se demons­trar causa de pequena preocupação” (ib id .).

Algumas passagens que parecem indicar uma posição de su­bordinação de Cristo em relação ao Pai podem muito bem estar falando a partir da perspectiva de Sua encarnação, em vez de se referirem a Seu estado glorificado (tanto antes quanto depois de Sua peregrinação pela “carne” humana).2

Outra importante consideração envolve o modo como inter­pretamos a Bíblia. A questão diz respeito a se devemos interpre­tar certas passagens de modo literal ou dar-lhes um tratamento mais figurado. Vamos tentar ilustrar o ponto da seguinte forma: quando nos referimos a Jesus como o Filho e freqüentemente falamos da primeira pessoa da Divindade como o Pai, estamos realmente pretendendo dar um sentido totalmente literal a es­tes termos? Ou seria mais apropriado interpretá-los de um modo mais metafórico, que focalize alguns aspectos seletivos da filiação e da paternidade? Por exemplo, se alguém pretende dar um sentido totalmente literal à expressão “Pai”, deveria isso sig­nificar que também precisa existir uma eterna e celestial “Mãe de Deus” (talvez o Espírito Santo)?

Uma ou duas ilustrações adicionais talvez clarifiquem o ponto. Um antitrinitariano acusou os trinitarianos de negarem ser Jesus um “verdadeiro” Filho de Deus (ele queria dizer literalmente),

108 / A Trindade

uma vez que rejeitam a idéia de que o Filho foi literalmente ge­rado como um ser divino (chamado Filho) por Deus o Pai. Ob­viamente, essa pessoa utiliza o verbo “gerar” para indicar a con­cepção de um filho num sentido idêntico ao modo como um pai humano procria. Entretanto, se aplicarmos o mesmo tipo de in­terpretação literal, e se considerarmos que Jesus declara em João 15:1 que ele é a “videira verdadeira”, teremos de entender que Jesus é literalmente uma parreira? E mais que óbvio que Jesus está aqui falando de modo figurado ou ilustrativo. Poderia ser esse o caso com as palavras “Pai” e “Filho”?

João 3 :16Este texto, o mais amado dentre todos os que costumamos de­

corar, contém a conhecida expressão: “Deus ... deu o Seu Filho unigénito”. Como foi dito, os antitrinitarianos interpretam o tex­to como significando que Deus literalmente “gerou” um ser divino (o Filho), em algum tempo distante na eternidade passada, como uma espécie de pessoa semidivina. Os arianos ensinam que este foi um ato de criação divina. Os semi-arianos sugerem que Jesus como que Se separou da natureza do Pai a fim de formar uma pessoa divina distinta. Assim, ambos os grupos consideram a Jesus, o Filho, como sendo um deus “inferior”, e não um ser verdadei­ra e eternamente preexistente como o Pai. O que devemos dizer desse tipo de interpretação?

Em primeiro lugar, a palavra “unigénito” é uma tradução do termo grego monogenes. Este vocábulo é composto por dois ter­mos gregos, monos, que significa “único” ou “sozinho”, e genos, “espécie” ou, em termos mais amplos, “família”, “raça” ou “na­ção” (nosso termo “gene” provém da mesma palavra grega). Em síntese, a palavra significa “único” ou “único de uma espécie”.

Uma ilustração tirada da experiência de minha própria família talvez se revele útil. Meu irmão Donald era o mais velho dentre os cinco irmãos. Possuía uma personalidade definitivamente brilhan­te, colorida e até mesmo ousada. As pessoas ou o apreciavam

ObjeçÕes B íblicas a Trindade / 109

profundamente ou sentiam uma repulsa quase total por sua dis­posição singular. Lembro-me de meu pai muitas vezes descrever assim a “singularidade” de Donald: “Se eu tivesse a capacidade de gerar filhos por outros mil anos, certamente jamais teria outro igual a Donald!” Donald não era o “único gerado” por meu pai, mas na mente do pai por certo ele era “único”.

Pois bem, qual é o significado bíblico desse importante termo? Será que João e outros autores bíblicos o utilizam no sentido es­trito da analogia com as relações humanas normais, sugerindo fortemente um pai preexistente que literalmente gera um filho? E este o significado do termo monogenes}

O uso mais amplo do termo na Bíblia sugere algo diferente. A palavra genos deriva do verbo grego ginomai, que significa “vir” ou “vir a ser”, e não do termo grego gennao, “gerar” ou “ser pai”. Portanto, a palavra monogenes não se refere a Deus o Pai gerando a Jesus como Seu Filho semidivino literal. Em vez disso, indica a singularidade (o caráter único) de Jesus como o Filho encarnado- o Deus-homem que Se tornou um ser humano carnal, ao mes­mo tempo que preservava Sua plena natureza divina, Sua quali­dade de alguém “igual a Deus” o Pai (João 5:18). Poderia haver existido na história do Universo algo de caráter tão “único” quanto o Deus-Criador tornar-Se “carne” (João 1:14)?

O modo como as Escrituras utilizam o termo monogenes para referir-se ao caráter único de um filho é bem ilustrado pelo texto de Hebreus 11:17, que identifica Isaque como o filho “unigéni­to” (monogenes) de Abraão. Parece claro que o autor de Hebreus não está tentando dizer literalmente que Isaque foi o filho único e solitário de Abraão. O patriarca teve outros filhos, incluindo-se Ismael. E totalmente óbvio que o escritor bíblico está se referin­do a Isaque como o filho “único” em termos da promessa de Deus pela fé.

O que dizer agora dos termos bíblicos “Pai” e “Filho”? O que poderiam eles significar, que não seja a situação de um “pai” es­tar gerando um “filho”? Há três respostas possíveis:

110 / A Trindade

1. A palavra “filho”, conforme empregada na Bíblia, se refere unicamente à geração ou prioridade paterna no tempo, tendo a ver com derivação física ou filial? Ou poderia ser utilizada num sentido mais amplo, figurado e ilustrativo? Note o seguinte uso do simbolismo do termo “filho”.

Em numerosos pontos da Bíblia, “filho” indica o caráter dis­tintivo de uma pessoa ou grupo. Ela faz referência aos “filhos de Sião” (Lam. 4:2), “filhos de Belial” (I Sam. 2:12), “filhos de Deus” (Gên. 6:4), “filhos dos homens” (Ecle. 2:8), “filhos da luz” (João 12:36), “filhos dos profetas” (II Reis 2:3), “filhos do trovão” (Mar. 3:17) e “filhos da desobediência” (Efé. 2:2; 5:6).

Provavelmente o uso mais singular e marcante desse simbolis­mo característico tenha sido aquele em que nosso Senhor disse aos judeus: “Vós sois do diabo, que é vosso pai” (João 8:44). Por certo nenhum intérprete bíblico de mente sã pretenderia inter­pretar João 8:44 literalmente! E mais que óbvio que a Bíblia está procurando primariamente comunicar, através da figura da filia­ção, os traços ou atributos distintivos mais característicos de uma pessoa ou grupo de pessoas.

2. A figura do Pai também denota a intimidade de relaciona­mento entre a primeira e a segunda pessoa da Divindade. Essa in­terpretação é muito mais evidente nos capítulos posteriores do Evangelho de João, especialmente no capítulo 17.

3. Parece, contudo, existir algo mais a ser ensinado pelas imagens de Pai e Filho empregadas no Evangelho de João. Uma vez mais, ob­serve o texto de João 5:17 e 18: “Mas Ele lhes disse: ‘Meu Pai traba­lha até agora, e Eu trabalho também’. Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-Lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era Seu próprio Pai, fazendo-Se igual a Deus.” Nestes versos, João sugere claramente que o povo interpretou a reivindicação de Jesus de ter a Deus como “Seu Pai” como uma pretensão de igualdade com Deus, em vez de alguma forma de su­bordinação de um deus menor ao Deus maior. Jesus “dizia que Deus era Seu próprio Pai, fazendo-Se igual a Deus”.

Além disso, os versos subseqüentes sugerem fortemente uma intimidade típica do relacionamento pai-filho. “Em verdade, em verdade vos digo que o Filho nada pode fazer de Si mesmo, se­não somente aquilo que vir fazer o Pai; porque tudo o que este fi­zer, o Filho também semelhantemente o faz. Porque o Pai ama ao Filho e Lhe mostra tudo o que faz” (versos 19 e 20).

Longe de sugerir que o Pai gerou ou criou o Filho como uma espécie de semideus derivado ou criado, as figuras de Pai e Filho indicam a eterna e profunda intimidade que sempre existiu entre a primeira e a segunda pessoas da Divindade como “iguais” atra­vés da eternidade (passada, presente e futura).

Colossenses 1:15 e 18 Outro termo grego intimamente relacionado com monogenes

é prototokos. Os tradutores normalmente o apresentam como “primogênito” ou “primeiro a ser gerado”. Observe seu uso em Colossenses 1:15 e 18: “Ele é a imagem do Deus invisível, o pri­mogênito de toda a criação. ... Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em to­das as coisas ter a primazia.”

A interpretação antitrinitariana usual afirma que o termo “pri­mogênito” se refere ao Pai gerando a Jesus como primeiro ser por Ele “criado” em algum ponto do tempo, antes da origem do mun­do. Seria esta a interpretação pretendida pelos escritores bíblicos quando usam a palavra prototokos, traduzida como “primogênito”?

Antes de apresentarmos uma explanação mais completa do significado de “primogênito” na Bíblia, Max Flatton apresenta al­gumas interessantes observações preliminares. “Tenhamos claro que alguém não pode nascer e ser criado ao mesmo tempo. ... Se a intenção de Paulo fosse dizer que Cristo foi o “primeiro a ser criado”, ele teria feito uso do termo protoktistos, disponível para isto. Ocorre que nem Paulo nem qualquer outro autor bíblico ja­mais utilizam esta palavra referindo-se a Cristo” (ibid., pág. 91).

Qual é, pois, a definição bíblica de “primogênito”?

ObjeçÕes Bíblicas à Trindade / 111

112 / A Trindade

É verdade que a palavra “primogênito” se baseia no fato histó­rico dos direitos de nascimento que pertenciam ao primogênito literal. Mas a Bíblia a utiliza em sentido não-literal em referência a Cristo. A palavra não tem aplicação real a Cristo como sendo gerado ou nascido como “deus”, a primeira criatura no tempo. Em vez disso, as Escrituras usam o termo para indicar uma'posição privilegiada de dignidade e honra, ou a primazia do filho primo­gênito, que recebia a herança como “direito de nascimento”. Este último significado é o modo principal como os autores da Bíblia utilizam a palavra. Observe cuidadosamente o seguinte.

As Escrituras claramente indicam o status especial de Davi en­tre seus irmãos, identificando-o como o “primogênito” (Sal. 89:20-27). Ora, Davi não era literalmente o primogênito entre seus irmãos. Na verdade, ele era o mais moço dos filhos de seu Pai.

Além disso, não apenas a Bíblia designa como primogênitos fi­lhos que não eram os primeiros nascidos, como ainda se refere a Israel como “Meu filho, Meu primogênito” (Exo. 4:22). Nessa mes­ma linha, o Novo Testamento fala dos membros da igreja de Cristo como pertencendo à “igreja dos primogênitos” (Heb. 12:23).

Que faremos com semelhante padrão? Está a Bíblia afirmando que apenas “primogênitos” literais poderiam constituir o Israel literal e espiritual? Parece mais que óbvio que a resposta é um enfático “não”!

O Novo Testamento emprega o termo “primogênito” oito vezes. Dentre elas, pelo menos duas indicam alguém que efetivamente foi o primeiro a nascer. Lucas 2:7 parece estar falando de modo literal ao afirmar que Maria “deu à luz o seu filho primogênito”. Hebreus 11:28 refere-se aos “primogênitos” egípcios.

O principal uso no Novo Testamento, contudo, parece ser fi­gurado, destacando os privilégios e a primazia do primogênito li­teral. Assim, as Escrituras designam os seres humanos redimidos como a “universal assembléia e igreja dos primogênitos arrolados no Céu” (Heb. 12:23). Obviamente, a igreja não consiste apenas de primogênitos literais. A expressão “primogênitos” enfatiza, antes, seu privilegiado status entre os “filhos de Deus”.

ObjeçÕes Bíblicas à Trindade /113

Paulo e João também recorrem ao uso figurado ou metafórico de “primogênito” para referir-se a Cristo como o “primogênito dentre os mortos” (Col. 1:8) ou “primogênito dos mortos” (Apoc. 1:5). Certamente, nenhum deles está tentando conven- cer-nos de que Jesus foi literalmente a primeira pessoa ressuscitada de entre os mortos (para mencionar apenas dois casos, Deus ressuscitara a Moisés e a Lázaro antes de Jesus).

E bastante óbvio que os apóstolos estavam tentando comu­nicar a idéia de que a ressurreição de Cristo assegurou-Lhe o privilegiado status de “primogênito” no sentido de que Sua vi­tória sobre a morte O habilita a “assumir a primazia” em “todas as coisas” relacionadas com a vitória sobre a morte e a garantia de salvação eterna.

O uso figurado ou metafórico do termo “primogênito” comu­nica a “preeminente” autoridade de Cristo sobre a morte, “a fim de que Ele seja o primogênito dentre muitos irmãos” (Rom. 8:29).3 E quem são os “irmãos” dentre os quais Ele é o “primo­gênito”? Obviamente são os que nEle confiam como o doador da vida através de Sua ressurreição.

Poderíamos ilustrar o conceito bíblico da preeminência do “primogênito” da seguinte forma: embora Bill Gates não tenha sido a primeira pessoa a envolver-se no negócio de programas de computadores, ele pode com justiça ser considerado o “pri­mogênito do software”, no sentido de sua preeminência univer­salmente reconhecida e dominante neste ramo de negócios. Poderíamos dizer o mesmo a respeito de Michael Jordan no mundo do basquete, de Pelé no mundo do futebol e de “Mãe Hale” como “primogênita” quanto ao auto-sacrifício e cuidado maternal em favor dos trágicos “bebês do craque” em Nova Iorque.

Numa aplicação adicional, Paulo descreve Cristo como “o pri­mogênito de toda a criação” (Col. 1:15). O que tem o apóstolo em mente aqui? Da mesma forma como Cristo, o “primogênito” dentre os mortos, comunica Sua primazia sobre a morte, o fato de Ele ser o “primogênito de toda a criação” revela poderosamente

114 / A Trindade

sua preeminência sobre a criação, na qualidade de Criador de “to­das as coisas”. Essa linguagem nada tem a ver com a idéia de que Ele haja sido o primeiro ser criado.

Paulo comunica, a seguir, a preeminência de Cristo na criação, como Criador, ao afirmar que todas as coisas foram criadas “por meio dEle e para Ele”, e que “nEle tudo subsiste” (versos 16 e 17). Portanto, assim como os “irmãos” podem ser salvos da morte apenas através da preeminência do “primogênito dentre os mortos”, assim também podem ter sua existência unicamente através da preeminên­cia dAquele que é o “primogênito de toda a criação” (verso 15).

O contexto da teologia de Paulo sobre a divindade de Cris­to em Colossenses também apóia a idéia de que Cristo não é literalmente o “filho primogênito” gerado por Deus o Pai. Logo depois de o apóstolo declarar a “preeminência” figurada da primogenitura de Cristo sobre “toda a criação” e “dentre os mortos”, no verso 19 ele declara que “aprouve a Deus que nEle [em Cristo] residisse toda a plenitude”.

A questão que imediatamente nos vem à mente é: pretendia Paulo dizer que o Pai permitiu que habitasse no Cristo encarnado apenas a “plenitude” de uma divindade qualificada (uma qualidade de na­tureza semidivina)? Encontramos a resposta em Colossenses 2:9, onde o grande apóstolo afirma que em Cristo “habita corporalmen­te toda a plenitude da Divindade”. Os leitores recordarão que, no capítulo 2, dissemos que a palavra traduzida como “Divindade” provém do grego theotes, que literalmente significa a própria essên­cia da divindade, não apenas suas feições ou algumas características selecionadas. Pois é esta mesma essência da natureza divina que ha­bita “corporalmente” no Cristo encarnado, o “primogênito”!

Hebreus 1:5 e 6; 5:5-10Novamente estamos lidando com outro uso do termo prótoto-

kos (“primogênito”), só que agora o autor bíblico o emprega em conjunção com a sua interpretação do Salmo 2:7 e de haver Cris­to sido “gerado” pelo Pai como um “Filho”. “[Cristo], tendo-Se

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tornado tão superior aos anjos, quanto herdou mais excelente nome do que eles. Pois a qual dos anjos disse jamais: ‘Tu és Meu Filho, eu hoje Te gerei’? [Sal. 2:7]. ... E, novamente, ao introdu­zir o Primogênito no mundo, diz: ‘E todos os anjos de Deus O adorem”’ (Heb. 1:4-6).

O que o autor de Flebreus está tentando ensinar nestes versos? Como já destacamos nos capítulos 1 e 2, ele está iniciando aqui o tema-chave da carta, ao exaltar a Cristo como “superior”. Pri­meiro, ele compara Cristo com os anjos. Embora os anjos sejam tão bons e grandes, o autor bíblico exalta a superioridade de Cristo face a eles, argumentando que Deus nunca chamou um anjo de “Filho” ou “gerado”, e tampouco jamais ordenou que um anjo fosse adorado. Ao contrário, os anjos - tão exaltados, mas infe­riores a Cristo - devem adorá-Lo. Logo, Cristo é obviamente “su­perior” aos anjos.

Assim, no presente contexto, o que devemos deduzir do fato de que Deus chama a Cristo de “Meu Filho”, “gerado” por Deus, e o “primogênito”?

Os antitrinitarianos são muito rápidos em atribuir a estes ter­mos uma interpretação extremamente literal, no sentido de que Cristo é verdadeiramente o Filho “gerado e primogênito”, origi­nado do Pai. Concluem, pois, que Cristo é um “deus” de menor grau de divindade e dignidade que o eterno Pai. E realmente isso o que a passagem ensina?

Obviamente, o que o autor tem aqui em mente não é que Cristo foi gerado pelo Pai como um ser divino, quando muito uma semidivindade menor. Em vez disso, o autor apresenta Cris­to como havendo sido “gerado” como “Filho primogênito” de Deus na encarnação.

No contexto literário de Hebreus 1, Cristo é Filho de Deus no sentido de que Ele - o Filho eterno e plenamente divino - tor- nou-Se “gerado” como “primogênito” na carne da humanidade, de modo a poder alcançar preeminência redentiva sobre os “an­jos” que O adoram. Além disso, Hebreus identifica Cristo como

1 1 6 1A Trindade

“gerado” e “primogênito” no sentido de que Ele - o Deus-ho- mem encarnado - Se tornou o “primogênito” de todos os seres humanos, aos quais veio salvar. Sem essa singularidade divino- humana e preeminência sobre todos os outros humanos, não teríamos salvação do pecado.

É mais que certo que Paulo não está tentando diminuir a divin­dade de Cristo ao proclamá-Lo como o Deus-homem encarnado.O fato de Ele haver Se tornado humano na encarnação, como o “gerado” e “primogênito Filho de Deus”, de modo algum diminui Sua eterna e plena divindade. Uma vez mais, é o próprio contexto de Hebreus 1 que exclui a possibilidade de tal conclusão.

Conforme destacado em capítulos anteriores, Hebreus 1 argu­menta fortemente em favor da plena divindade do Filho encarnado. Hebreus 1:2 e 3 declara que Cristo é não apenas (1) o Criador “dos mundos”, mas também (2) Aquele em quem habita o “resplendor da glória [do Pai]”, (3) a “expressão exata do Seu ser” e (4) Aquele que sustenta “todas as coisas pela palavra do Seu poder”. O verso 6 evidencia a plena divindade do Filho através da ordem dada a todos os anjos para que “O adorem”. No verso 8, Deus Se dirige direta­mente a Cristo como “ó Deus”, cujo trono é um eterno assento de poder. Os versos 10-12 aplicam a Cristo o Salmo 102:25-27, um hino de louvor claramente endereçado ao Senhor do Antigo Testa­mento, Yahweh — o ser eterno e auto-existente. Com absoluta cer­teza, o livro de Hebreus assume que o Senhor Yahweh do Salmo 102 é ninguém menos que o Cristo encarnado, a quem os próprios anjos dirigem adoração e subordinação.

A palavra “gerado” tem um uso similar em Hebreus 5:5-10: “Assim, também Cristo a Si mesmo não Se glorificou para Se tor­nar sumo sacerdote, mas Aquele que Lhe disse: ‘Tu és Meu Filho, Eu hoje Te gerei’ [Sal. 2:7]. Como em outro lugar também diz: ‘Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque’ [Sal. 110:4], Ele, Jesus, nos dias de Sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem O podia livrar da morte, e tendo sido ouvido por causa de Sua piedade, embora

ObjeçÕes Bíblicas à Trindade / 117

sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-Se o Autor da salvação eterna para todos os que Lhe obedecem, tendo sido nomeado por Deus sumo sacer­dote, ‘segundo a ordem de Melquisedeque’ [Sal. 110:4].”

É obvio que a palavra “gerado” em Hebreus 1:5 se refere a Cristo sendo indicado pelo Pai ao ofício de sumo sacerdote no santuário celestial. Outra vez, o contexto sugere fortemente que as Escrituras não estão usando o termo “gerado” no sentido de Deus o Pai estar gerando um Filho como deus menor, e sim com a conotação de Cristo estar sendo tornado o sumo sacerdote di- vino-humano.

O autor do livro de Hebreus esforça-se tremendamente para demonstrar que Cristo não é apenas o Deus eterno, “sem pai, nem mãe, sem genealogia, que não teve princípio de dias, nem fim de existência” (Heb. 7:3), mas também plenamente humano em Sua experiência de encarnação. E a combinação de ambos os aspectos essenciais de Sua personalidade única (singular) que O qualifica para ser “sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque” (Heb. 5:6).

Novamente, é o contexto literário de Hebreus 5:5-10 que pro­vê a chave para entendermos que Cristo foi “gerado” no sentido de haver Se encarnado ou tornado humano. O verso 7 fala dos “dias de Sua carne, [em que] tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem O podia livrar da morte”. É neste sentido, de total e fervente dependência e íntimo relacio­namento com o Pai, que as Escrituras podem descrever a Jesus como o “Filho” “gerado” do Pai (versos 5 e 8). O texto claramen­te retrata a subordinação dependente de Cristo enquanto funcio­nando como o “Filho” humano, e não alguma forma de subordi­nação da natureza divina de Cristo à do Pai.

Em outras palavras, as Escrituras designam a Jesus como o “Filho gerado” no sentido de sua humanidade encarnada e em Sua íntima e dependente relação com o Pai durante o período de Sua vulnerabilidade humana. Em Sua humanidade, Ele Se quali­

118 / A Trindade

ficou para atuar eficazmente como o sumo sacerdote intercessor, não apenas em virtude de Sua natureza divina eternamente existen­te, mas também do aprendizado de fiel “obediência pelas coisas que sofreu” (verso 8), como ser humano dependente e “gerado”. Esse sofrimento em obediência “aperfeiçoou” sua humanidade, de modo que veio a tornar-Se “o Autor da salvação eterna”, sendo “no­meado por Deus sumo sacerdote” (versos 9 e 10).

LeRoy E. Froom resume o uso que Hebreus faz do Salmo 2:7, e Cristo como “Filho unigénito” de Deus, da seguinte forma: “‘Eu hoje Te gerei’ indica que Cristo assumiu a forma humana, com sua seqüência progressiva” de “Nascimento encarnado, Ba­tismo, Ressurreição e Sacerdócio. Tudo se encontra envolvido em Seu climático nascimento em forma humana, pois retornará se­gunda vez como Filho do homem. ... Este é o escopo mais amplo da intenção do Salmo 2:7” (Froom, págs. 308 e 309).

As imagens relacionadas com o termo “gerado” usadas em He­breus não guardam qualquer relação com a idéia de haver Cristo sido gerado por Deus o Pai como alguma forma de divindade infe­rior, derivada da substância ou essência da natureza divina do Pai.

João 17:3Muitos freqüentemente usam esta bem conhecida passagem -

um inspirado convite para que os cristãos busquem um conheci­mento mais profundo de Deus - para negar a plena divindade de Cristo: “E a vida eterna é esta: que Te conheçam a Ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.”

Os que se opõem à igualdade entre o Pai e o Filho asseguram que a afirmação de Jesus de que o Pai é “o único Deus verdadeiro” mostra que Cristo exclui a Si mesmo de identificar-Se com a ple­na divindade do Pai. Seria isso o que Jesus está sugerindo?

Em Sua grande oração sacerdotal, fica bastante claro que Jesus não está discutindo o relacionamento de Sua própria natureza com a do Pai. Ele focaliza, antes, “a necessidade de as pessoas re­conhecerem o único Deus verdadeiro em oposição aos ídolos e

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outros falsos deuses” e “a necessidade de reconhecê-Lo como meio de salvação” (Hatton, pág. 78).

Erickson expressa a idéia da seguinte forma: “Ao falar do Pai como o único Deus genuíno (alethinos, o termo grego para ‘ver­dadeiro’), Jesus está contrastando o Pai não com o Filho, mas sim com outros pretendentes à divindade, os falsos deuses. Efe­tivamente, Jesus aqui Se vincula muito intimamente com o Pai. Vida eterna é não apenas conhecer o Pai, mas também conhecer Aquele a quem o Pai enviou, Jesus Cristo” (Erickson, Christian Theology, pág. 714).

Além disso, o contexto do Evangelho de João nos apresenta am­plas evidências da plena divindade de Cristo. Se Jesus estivesse aqui afirmando que o Pai é a única e exclusiva manifestação do “Deus verdadeiro” no Universo, isso se oporia à igualdade de Jesus com Deus o Pai, tão claramente evidente em João 1:1, 5:18, 8:58 e 10:30-33. Se o Pai é o “único Deus verdadeiro” em contraste com Jesus, não seria lógico concluir que qualquer outra pessoa designada como “Deus” (tal como Jesus) seria um falso deus? Não parece ser isso o que Jesus está procurando expressar no contexto.

I Coríntios 8:6Citaremos primeiramente o contexto mais amplo da declara­

ção que Paulo apresenta aqui: “No tocante à comida sacrificada a ídolos, sabemos que o ídolo de si mesmo nada é no mundo, e que não há senão um só Deus. Porque, assim que há também alguns que se chamam deuses, quer no céu, ou sobre a Terra, como há muitos deuses e muitos senhores, todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós também por Ele” (I Cor. 8:4-6).

De modo muito parecido com o tratamento que dão a João 17:3, os antitrinitarianos utilizam esta passagem como prova de que o Pai é “um Deus”; e uma vez que o texto não identifica ex­plicitamente a Jesus como “um Deus”, Ele só pode ser alguma

120 / A Trindade

forma menor de Senhor divino. Se fôssemos seguir a lógica da in­terpretação antitrinitariana, sugeriu Max Hatton, chegaríamos à seguinte perturbadora conclusão: “Se este verso exclui Jesus de ser Deus, por afirmar que só o Pai é Deus, também deve excluir o Pai de ser Senhor, pois diz que só Jesus é Senhor!” (Hatton, pág. 80).

Além disso, no contexto, Paulo está discutindo os ídolos e se os cristãos devem comer alimentos previamente oferecidos a eles. A chave para compreendermos toda a passagem é ver que os ver­sos 5 e 6 constituem uma explanação ou elaboração interpretativa adicional do significado da expressão do verso 4, que diz: “Não há senão um só Deus”. E quem é este único Deus? Paulo respon­de que podemos definir este “único Deus” como “o Pai ... e um só Senhor, Jesus Cristo” (verso 6). “Se Paulo não está pensando em Jesus como sendo Deus, por que ele O menciona no contex­to? Estava Paulo tentando provar que existe apenas um Deus de­monstrando que ele possuía dois?” (ibid.).

Certamente, Paulo não está tentando opor a divindade de Deus Pai à do Filho, e sim contrastando a divindade de ambos com os falsos deuses e ídolos do culto religioso pagão do primei­ro século. Se o apóstolo está aqui negando a plena divindade de Cristo, teremos de concluir que ele se encontra em franca contra­dição com suas expressas afirmações em Colossenses 2:9, onde diz que em Cristo habita corporalmente a plena essência da divinda­de, e em Filipenses 2:5, onde claramente sugere que Cristo era “igual a Deus”. Wayne Grudem observa que “I Cor. 8:6 não nega que Deus o Filho e Deus Espírito Santo também são ‘Deus’, an­tes Paulo está dizendo que Deus o Pai é identificado como este ‘um Deus’. Em outras partes... ele fala de Deus o Filho e de Deus Espírito Santo como sendo ‘Deus’. Além disso, neste mesmo ver­so, ele prossegue falando de ‘um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós também por Ele’. Aqui ele está usando a palavra Senhor em seu pleno sentido do Antigo Testamento, o de Yahweh como nome de Deus, e dizendo que esta é a Pessoa atra­vés de quem todas as coisas foram criadas, o que também afirma

ObjeçÕes Bíblicas à Trindade /121

a plena divindade de Cristo, embora com um nome diferente. Portanto, este verso afirma tanto a unidade de Deus quanto a di­versidade de pessoas em Deus” (Grudem, pág. 239).

ConclusãoCompletamos a análise das passagens mais freqüentemente

utilizadas para desacreditar a plena divindade de Cristo e a dou­trina da Trindade. Para os que desejarem uma investigação mais exaustiva dos textos problemáticos, insisto que leiam o suple­mento que vem imediatamente a seguir.

Por ora, queremos colocar a seguinte questão: pode alguém realmente dizer que as passagens estudadas neste capítulo (e em seu suplemento) anulam a abundante evidência apresentada nos cinco capítulos anteriores? Não se torna bastante claro que os tex­tos problemáticos só se revelam um problema quando assumimos uma interpretação estritamente literal de termos como “Pai”, “Fi­lho”, “primogênito”, unigénito”, “gerado” e outros? Não parece claro que tal literalismo se choca com o significado figurativo e metafórico principal que os autores bíblicos utilizam para se re­ferirem às pessoas da Divindade? Pode alguém realmente afirmar que os autores bíblicos pretenderam que expressões como “único Deus verdadeiro” e “um só Deus, o Pai” excluíssem a plena divin­dade do Filho, Jesus Cristo?

Desejamos humildemente sugerir que o peso da evidência bí­blica indica fortemente a plena e eterna divindade de Cristo como um em natureza, caráter e propósito com o Pai (e o Espírito Santo). Além disso, o que se demonstra um tanto irônico é que algumas das mais convincentes evidências em favor da igualdade entre Pai e Filho ocorrem exatamente em contextos que empregam as me­táforas de “Pai” e “Filho” (especialmente João 5:16-23).

Pois bem, o que dizer das objeções lógicas de que a doutrina da Trindade não tem coerência racional? Este é o tema do próxi­mo capítulo.

Suplemento ao

Capítulo 6

Outros Textos Utilizados Contra a

Trindade

I Timóteo 2:5 e 6

Os primeiros seis versos de I Timóteo 2 apresentam um dos maiores testemunhos acerca do escopo universal dos propósitos redentivos de Deus. Observe estas frases, tão

familiares aos cristãos agradecidos: “Deus nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens sejam salvos” (versos 3 e 4); “Cristo Je­sus, homem, o qual a Si mesmo Se deu em resgate por todos” (versos 5 e 6). Entretanto, alguns têm usado os versos 5 e 6 para negar a plena divindade de Cristo Jesus: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual a Si mesmo Se deu em resgate por todos” (I Tim. 2:5 e 6).

Os antitrinitarianos interpretam essa passagem como signifi­cando que, desde que existe “um só Deus” e Jesus é identificado como “Cristo, homem”, Jesus não é plenamente Deus, apenas um mediador humano. Neste contexto, entretanto, Paulo natu­ralmente deveria enfatizar o componente humano do ser que efetuao papel de “Mediador entre Deus e os homens”. Observe cuida­dosamente que nos versos 1, 2 e 8 o apóstolo salienta a necessi­dade de “súplicas, orações, intercessões ... por todos os homens” (verso 1), de modo que “todos os homens” possam “ser salvos”

Outros Textos Utilizados Contra a Trindade / 123

(verso 4). Portanto, não nos deveríamos surpreender que, no contexto do tema da oração intercessória humana por “todos os homens”, o ofício mediatório de Cristo em Sua humanidade re­cebesse ênfase. /

Lembre-se de que em Hebreus o tema de Cristo como me­diador e intercessor (na qualidade de nosso sumo sacerdote ce­lestial) sublinha a necessidade de que Ele seja plenamente hu­mano e divino. Hebreus 2:14-18 acentua o Cristo humano, ao passo que Hebreus 7:3 claramente enfatiza o Jesus divino. Nes­te último texto, Cristo (tal como Melquisedeque, que foi “feito semelhante ao Filho de Deus”) é declarado como “sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo começo de dias nem fim de existência ... [permanecendo] sacerdote para sempre”.

Em I Timóteo 2, contudo, Paulo, sem excluir a divindade de Cristo, ressalta Sua profunda identidade com aqueles em favor dos quais é mediador diante de Deus. Alguém observou sabia­mente que “sendo Deus, Jesus pode representar perfeitamente a Deus diante dos homens, e sendo homem, pode representar perfeitamente o homem diante de Deus”. Hatton comenta que “somente sendo Deus pode Jesus compreender as reivindicações de Deus, e somente sendo homem pode compreender plena­mente as necessidades dos homens” (Hatton, pág. 79).

I Coríntios 15:24-28 Ansiando pelo “reino” de “Deus o Pai”, Paulo descreve o fi­

nal triunfante da obra de Cristo: “E então virá o fim, quando Ele [Cristo] entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruí­do todo principado, bem como toda potestade e poder. Porque convém que Ele reine até que haja posto todos os inimigos de­baixo de Seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte. Porque todas as coisas sujeitou debaixo dos Seus pés’ [citação de Sal. 8:6], E quando diz que todas as coisas Lhe estão sujeitas’, certamente exclui Aquele que tudo Lhe subordinou. Quando, porém, todas as coisas Lhe estiverem sujeitas, então o próprio Filho

124 / A Trindade

também Se sujeitará Àquele que todas as coisas Lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos.”

Os que se opõem ao ensinamento trinitariano que ensina a igualdade entre a natureza divina do Pai e a do Filho citam esta passagem para provar que Cristo possui uma natureza inferior à do Pai. O que dizer de tal interpretação?

Em primeiro lugar, é óbvio que temos aqui algum tipo de su­bordinação “funcional” de Cristo ao Pai “no fim”. Cristo estará claramente “sujeito Àquele que todas as coisas Lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos” (verso 28). A questão-chave, con­tudo, é se esta passagem ensina que a divindade de Cristo é de al­guma forma inferior, ou derivada, quando comparada com a do Pai. Mas a questão aqui abordada não é esta.

Anteriormente, ressaltamos ser importante diferenciar entre a natureza de Cristo e Sua posição, ou função, durante a encarna­ção. Poder-se-ia corretamente dizer que aqui Paulo está ensinando uma posição eterna, mas funcional, de subordinação do Filho ao Pai. Essa subordinação provavelmente estará baseada no fato de que Jesus reterá para sempre a Sua humanidade.

Quanto às razões por que Cristo o fará, podemos apenas especu­lar. A mais provável, contudo, é que nosso encarnado Senhor Deus manterá por toda a eternidade a solidariedade com os seres humanos aos quais veio comprar com Seu sangue derramado. Assim, Cristo sempre será sujeito ao Pai de maneira muito semelhante à Sua subor­dinação ao Pai durante a Sua peregrinação terrestre. Isso, porém, de modo algum significa que Sua natureza divina seja inferior à do Pai.

Além disso, este não é o único quadro que temos do eterno governo de Cristo em relação ao reino do Pai. Apocalipse 22:1 e 3 identifica o trono de Deus como “o trono de Deus e do Cor­deiro”. Enquanto Paulo, ao falar da ressurreição em I Coríntios 15, pode retratar a Cristo (“o primogênito dentre os mortos” [Col. 1:18]) como estando em subordinação funcional ao Pai, em Apocalipse 22:1 e 3 o Pai e o Filho aparecem compartilhando o trono como plenamente co-regentes iguais do reino eterno.

Outros Textos Utilizados Contra a Trindade / 125

As duas passagens não se contradizem. É justo que em I Corín­tios 15 Paulo busque comunicar a solidariedade de Cristo com os seres humanos redimidos e ressuscitados, salvos no reino, ao passo que João, o revelador, deseje mostrar que o Pai e o Filho finalmen­te triunfarão na Nova Jerusalém, como co-regentes do reino eter­no. Assim, enquanto encontramos uma subordinação funcional em I Coríntios 15, Apocalipse 22 retrata o pleno compartilhar do governo no reino eterno.

Apocalipse 3 :14 A controvertida expressão-chave na saudação de abertura aos

laodiceanos refere-se a Cristo como “o princípio da criação de Deus”. Os arianos têm interpretado os termos “princípio da criação” como significando que Cristo foi o primeiro, ou o princípio, das criaturas trazidas à vida por Deus o Pai. Embora certo número de versões confiáveis utilizem essas palavras, a pa­lavra grega na verdade significa “origem ou fonte”, em vez de primeiro ou “princípio” das criaturas resultantes dos atos cria­dores de Deus. A palavra grega em questão é arche, e várias ver­sões modernas a traduzem como “governo” ou “origem”.

Essas versões contemporâneas refletem os avanços realizados no estudo do grego do Novo Testamento durante o último sécu­lo, um progresso na compreensão refletido nos comentários do amplamente respeitado autor A. T. Robertson: “O princípio da criação de Deus” (he arche tes ktiseos tou theori). Não a primeira das criaturas, como sustentam os arianos ... [,] mas sim a fonte originadora da criação através da qual Deus opera” (citado em Hatton, pág. 93). Para ser extremamente claro a respeito do as­sunto, essa expressão proclama a Jesus como a causa primária da criação, aquele de quem se originaram todas as coisas criadas. Ele não é o primeiro produto dos esforços criadores de Deus.

Provérbios 8:22 Eis o que diz o texto: “O Senhor me possuía no início de Sua

1 2 6 1A Trindade

obra, antes de Suas obras mais antigas.” Os arianos interpretam este verso como afirmando que Jesus, aqui personificado como a sabedoria, foi criado. Muitos comentaristas cristãos têm entendido o verso como se aplicando a Jesus. Os adventistas compartilham desta interpretação. Contudo, está o verso dizendo que Jesus foi criado?

A palavra hebraica qana (traduzida como “possuía”) pode, de fato, ser traduzida como “criado”. Mas o seu sentido mais bási­co e comum não é o de “criado”, e sim o de “apresentado” ou “possuído” para uma missão especial de bênção ao mundo. Em outros termos, Jesus Cristo, como a “sabedoria de Deus” (I Cor. 1:24), foi possuído pelo Senhor ou “apresentado” diante de nos­so rebelde e ignorante mundo, a fim de manifestar a sabedoria e o conhecimento de Deus.

Adicionalmente, é bastante evidente que não podemos tradu­zir a palavra qana no contexto de Provérbios 8 como “criado”, pois isso “criaria” uma descrição impossível do Deus infinito: “Se a sabedoria foi literalmente criada, teremos de chegar à difícil si­tuação de ter existido um tempo em que Deus não possuía sabe­doria. Obviamente, não pode ter sido esse o intento. ... Sugerir que houve um tempo em que Deus não possuía sabedoria ... é um absurdo” (ibid., págs. 94 e 95). Foi dito o suficiente!

Notas1 Max Hattop, em seu livro recém-lançado Understanding the Trinity (Com­

preendendo a Trindade), apresenta um tratamento mais extensivo dos textos utilizados contra a Trindade e a plena divindade de Cristo. Este seu volume, de fácil leitura, se encontra agora disponível nos centros de lite­ratura adventista da América do Norte. Veja especialmente o capítulo 9 de Hatton, “Answers to Objections to the Deity of Christ” (Respostas às Objeções à Divindade de Cristo), págs. 75-98. Seu capítulo 12 apresen­ta o tema “Answers to Objections to the Personality and Deity of the Holy Spirit” (Respostas às Objeções Quanto à Personalidade e à Divin­dade do Espírito Santo), págs. 109-120.

Outros Textos Utilizados Contra a Trindade / 127

2 Conforme os leitores irão perceber, utilizamos várias observações de Hat­ton no decorrer deste capítulo e seu suplemento.

3 Um desses textos é João 14:28, onde Jesus declara: “[Vou] para o Pai, pois o Pai é maior do que Eu”. Se Jesus fosse algum tipo de ser humano ou deus derivado, Ele “teria representado um papel de tolo ao repetir algo óbvio. Não pode existir qualquer dúvida de que neste ponto Jesus Se re­feria à Sua posição, e não à Sua natureza” (Hatton, pág. 77).

4 Expressão similar, “gerado”, tirada do Salmo 2:7, aparece no livro de Atos e se refere à ressurreição de Cristo. Paulo afirma que Deus ressuscitou “a Jesus, como também está escrito no Salmo segundo: ‘Tu és Meu Filho, Eu hoje te gerei’” (Atos 13:33). Paulo claramente emprega a palavra “ge­rar”, neste verso, para falar de Deus trazendo Jesus para fora da tumba, e não no sentido de gerá-Lo como deus. Discutiremos o texto de Salmo 2:7 mais tarde, quando examinarmos o modo como o autor de Hebreus (1:4-6 e 5:5-10) o utiliza para indicar a encarnação e a qualificação de Cristo para ser sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque.

Objeções Lógicas à Trindade

O testemunho bíblico apresentado nos capítulos l a 6 su­gere fortemente que o Deus revelado nas Escrituras é um Deus que Se manifestou como três pessoas divinas. Para

muitos antitrinitarianos, o conceito de um igual a três parece pa­tentemente ilógico. Millard Erickson sugeriu de modo enfático que os trinitarianos precisam apresentar uma explicação factível e coerente de como podemos logicamente conceber três como um.

Erickson prossegue então dizendo que na vida real e prática, onde vivemos, não toleraríamos tal matemática extravagante: 3=1. Se você ou eu formos à padaria e apanharmos três pães e tentarmos persuadir o responsável pelo caixa de que estamos levando apenas um, e que somente temos de pagar por um pão, o funcionário seria tentado a rapidamente chamar os encarregados da segurança.

Assim, é bastante aceitável que os trinitarianos apresentem al­guma descrição coerente para tentar explicar como três são um e um é três na vida da Divindade. A questão é esta: o que ocorre na natureza da Divindade triúna que torna “uma só” as pessoas identificadas como Pai, Filho e Espírito Santo?

A primeira resposta à questão da lógica inerente ao pensamento trinitariano é admitir que estamos lidando com um mistério extre-

mamente profundo. Eu facilmente acredito na Bíblia ao ela afirmar que Adão e Eva se tornaram “um” e ainda eram dois, mas tenho de compreender os caminhos de qualquer homem com uma jovem (Prov. 30:19). Nos relacionamentos amorosos, parece desenvolver-se uma profunda unicidade. Deveríamos, por isso, dizer que os relacio­namentos amorosos são totalmente ilógicos e incoerentes? Penso que não. Esta parece ser a melhor maneira de oferecer uma explicação coerente do mistério da Trindade e sua unicidade plural.

Uma vez mais, Erickson parece indicar com sensibilidade o ca­minho para uma solução factível e harmoniosa: “Propomos, pois, conceber a Trindade como uma sociedade, um complexo de pessoas que, entretanto, são um só ser. Embora esta sociedade de pessoas possua dimensões para seus relacionamentos que não conhecemos entre os seres humanos, existem alguns paralelos iluminadores. O amor é o vínculo que une, no âmbito da Divindade, cada pessoa com as outras” (ibid., pág. 58).

Não deveria nos surpreender o fato de que Erickson apela en­tão diretamente a I João 4:8 e 16.

I João 4:8“Deus é amor”. Será que verdadeiramente compreendemos as

profundezas desta declaração inspirada, que chega a desarmar-nos em sua aparente simplicidade? Gostaria de sugerir que essas três palavras têm uma profunda contribuição a oferecer no tocante à nossa compreensão de um Deus que preexistiu eternamente sob alguma forma de “unicidade” trinitariana.

Mais um judicioso comentário de Erickson é sugestivamente in­trigante: “A declaração ... ‘Deus é amor’ não é uma definição de Deus, tampouco é meramente a declaração de um atributo entre ou­tros. Trata-se de uma caracterização muito básica de Deus” (ibid.).

Devo confessar que, nos estágios iniciais de minha experiência cristã, eu era um tanto indiferente diante das questões em torno do assunto da divindade. Todavia, ao começar a refletir mais cuidadosamente sobre as evidências apresentadas nos seis primeiros capítulos deste livro, passei a

Objeções Lógicas a Trindade / 129

130 / A Trindade

perceber que algo profundo, até mesmo maravilhosamente complexo, se desvenda quando a Bíblia define a realidade última.

O ponto começou a focalizar-se em torno da questão de um Deus que irradia através das páginas das Escrituras como alguém in­tensamente pessoal e amorável em Sua natureza. Certo dia, então, começou a penetrar em minha atitude racionalista diante da religião e da teologia bíblica o fato de que o Deus do Céu é primariamente um Deus de amorável graça, não de abstrata racionalidade.

A expressão “Deus de amorável graça” começou a despertar maravilhosos pensamentos em minha mente a respeito do amor como sendo a essência da existência humana e divina. Lembro-me claramente do dia em que meu irmão Phillip compartilhou comi­go os lampejos da seguinte linha de pensamento:* se Deus é, em Sua própria essência, verdadeiramente o Deus de “amor” (João 3:16 e I João 4:8), temos de considerar as implicações a seguir.

Poderia alguém que existiu durante toda a eternidade passa­da e que nos criou à Sua imagem amorável — poderia este Deus verdadeiramente ser chamado de “amor” se existisse apenas como um ser solitário? Não é o amor, especialmente o amor di­vino, possível apenas se o ser que criou nosso Universo for um ser plural, que esteve a exercer o “amor” dentro de Sua divina pluralidade ao longo de toda a eternidade passada? Não é o amor real e altruísta possível apenas se procedente de um tipo de Deus que foi, é e será para sempre um Deus de amor? É o Deus Cria­dor, identificado como amor, de alguma forma dependente de Seus seres criados a fim de revelar e demonstrar Seu amor?

Observe cuidadosamente o modo articulado como Erickson, Bruce Metzger e Otto Christensen abordam este ponto crucial: “Existe um sentido no qual o fato de Deus ser amor requer que Ele seja mais de uma pessoa. O amor requer necessariamente um sujeito e um objeto. Assim, antes da criação de outras pessoas - como os seres humanos - Deus não poderia haver realmente amado, e não teria sido verdadeiramente amor. Se, contudo, sem­pre existiram múltiplas pessoas dentro da própria Trindade, entre

as quais o amor pudesse ser mutuamente exercitado, expresso e experimentado, então Deus pode ter sido sempre ativamente amorável. Amor genuíno requer que exista alguém para ser ama­do, e isso teria que ser necessariamente representado por algo mais que mero narcisismo. ... Pelo fato de ser Deus três pessoas, em vez de duas, existe uma dimensão de abertura e extensão que não é necessariamente encontrada no relacionamento de amor entre duas pessoas, o qual pode muitas vezes ser bastante fecha­do em sua natureza” (Erickson, págs. 58 e 59).

“Os unitarianos professam concordar com o pensamento de que ‘Deus é amor’. Contudo, estas palavras - ‘Deus é amor’ — não possuem significado real a menos que Deus seja pelo me­nos duas Pessoas. Amor é algo que uma pessoa tem por outra pessoa. Se Deus fosse uma pessoa singular, então, antes que o mundo fosse criado, Ele não era amor. Pois, se o amor é a pró­pria essência da natureza de Deus, Ele precisa haver amado sempre e, sendo eterno, deve ter possuído um eterno objeto de amor. Além disso, o perfeito amor somente é possível entre iguais. Da mesma forma como o homem não pode satisfazer ou entender sua plena capacidade de amar amando os animais de natureza inferior, assim Deus não pode dar total expansão a Seu amor ao amar o ser humano ou qualquer outra criatura. Sendo infinito, Ele precisa haver possuído um objeto infinito para o Seu amor, uma espécie de alter ego, ou, na linguagem da teologia cristã tradicional, um Filho co-substancial, co-eterno e co- igual” (Metzger, pág. 83).

“A autocomunhão e associação [de Deus] consigo mesmo, total­mente independente do Universo criado, é impossível para uma es­sência destituída de personalidade. Somente a unidade plural da Trindade explica isso, pois precisa existir alguém para ser conhecido. Da mesma forma, precisa existir alguém para ser amado. Houve um tempo em que o Universo não existia, e se a bênção e a perfeição de Deus dependessem do Universo, então teria havido um tempo em que Deus não era autoconsciente e nem bendito. Tanto a inspiração

Objeções Lógicas à Trindade / 131

132 / A Trindade

quanto a razão demandam a existência de um Deus triúno, compos­to de Pai, Filho e Espírito Santo” (Christensen, pág. 70).

Será que já não descobrimos que as unidades humanas mais profundas são as que se baseiam em amor abnegado? Poderíamos experimentar uniões de amor tão profundas se não existisse um Deus plural profundamente unido e de infinito amor, que definiu a própria essência do Universo e a existência das criaturas criadas mais especificamente à Sua imagem? A verdadeira essência da vida em amor flui da grande Divindade triúna de amorável graça!

Desejo expressar isso da forma mais clara possível: se Deus é amor, a própria base do Universo criado precisa ser o amor pes­soal. Eu sugeriria que o amor pessoal infinito e eterno é a própria substância daquilo que faz o Universo expansivo e logicamente coerente. Embora o amor não possa ser plenamente explicado, sem ele as coisas se provariam desesperadamente estéreis. Poderia ser o caso de que o Universo criado por uma Trindade amorável e expansiva tenha uma lógica que transcende aquela do mundo físico? Esperamos que sim!

Além disso, desejo sugerir que as implicações para com a realida­de - conforme definida por uma eterna e infinitamente amorável Trindade - apresenta possibilidades altamente recompensadoras quando se trata de clarificar as questões teológicas que fluem das doutrinas da criação, pecado, redenção, Céu, o problema do mal e o significado último da existência divina e da sociedade humana. “Se a realidade é fundamentalmente física, então a força primária a mantê-la unida é eletromagnética. Se, contudo, a realidade é funda­mentalmente social, então a mais poderosa força constituinte é aquela que exerce a união de pessoas, ou seja, o amor” (Erickson, Trinity, pág. 58).

Por que não optamos pela lógica de uma realidade “funda­mentalmente social”, um mundo criado e benevolentemente re­gido pela Trindade de eterno amor?

Na seção 3, voltaremos a uma discussão mais ampla das im­plicações teológicas e práticas da crença trinitariana. Antes de o

Objeções Lógicas à Trindade / 133

fazermos, contudo, devemos considerar como o pensamento tri- nitariano e antitrinitariano se desenvolveu ao longo dos séculos, desde os dias dos apóstolos. E para estas questões que volveremos agora a nossa atenção.

* Phillip W hidden foi quem primeiro trouxe estes conceitos à minha aten­ção, mas depois descobri que Wayne Grudem (pág. 247), Otto H. Christen- sen (pág. 70) e Bruce M. Metzger (págs. 81-84) articularam essencialmente os mesmos conceitos (nenhum deles, contudo, identificou em nota de rodapé as fontes dessas idéias).

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SEGUNDA SEÇÃOA História da

Doutrina da Trindade de 100 a 1500 d.C.

138 / A Trindade

GLOSSÁRIO DA SEGUNDA SEÇÃO

Docético — do verbo grego dokeo, que significa “parecer” ou “como se fosse”. O ponto de vista docético acerca de Cristo é aquele que assume que Cristo era divino, mas não huma­no. Cristo apenas “parecia” humano.

Gnóstico - do substantivo grego gnosis, que significa “conheci­mento”. A visão gnóstica do Universo contém muitos níveis de existência, do mais baixo (ou material) ao mais elevado (puramente espiritual). O nível mais baixo contém criaturas e seres humanos que vivem apenas fisicamente. O reino mais elevado é feito de pura luz, sendo habitado apenas por Deus. Os níveis intermediários são habitados por emanações de Deus, que variam em sua atuação: podem guiar os seres hu­manos em direção ao reino de Deus ao conceder-lhes códigos secretos ou proteger os reinos do acesso de seres humanos in­dignos. Para os gnósticos, salvação é sinônimo de aprender os códigos secretos, o conhecimento, o qual abre as portas ao reino seguinte, mais elevado. Quanto mais códigos secretos você possuir, mais elevado nível sua alma poderá alcançar após a morte.

Heteroousios - literalmente, “de natureza diferente”. Esse termo ousadamente denunciava homoousios como sendo uma re­presentação errônea do relacionamento existente entre Pai e Filho, e declarava abertamente que o Filho era de uma natureza diferente da do Pai. O termo grego contém o prefixo hetero, que significa “outro” ou “diferente”, ane­xado ao verbo “ser”, utilizado para denotar a natureza de alguma coisa: ousios.

Homoion - literalmente, “semelhante”; é o mais ambíguo dos termos sugeridos para ocupar o lugar de homoousios. Evita qualquer referência à natureza (ousios) do Pai ou do Filho, e simplesmente sugere que Eles são “similares”, sem definir de que forma ocorre esta similaridade.

Glossário da Segunda Seção / 139

Homoiousios - literalmente, “de natureza similar”. Este é um dos termos sugeridos para o lugar de homoousios, o qual era utilizado para sugerir que a natureza do Filho é muitíssimo parecida com a do Pai, embora não idêntica. O termo empre­gado para definir a natureza de um ser ainda se encontra pre­sente (ousios), mas o prefixo homo, que significa “o mesmo”, foi convertido ao plural pela adição de um “iota”(z em grego), transformando o termo em homoi, portanto, “similar”.

Homoousios - literalmente, “da mesma natureza”. Esse termo foi utilizado no Concílio de Nicéia para designar o relaciona­mento entre Pai e Filho. Trata-se da transliteração da palavra composta grega que contém o prefixo homo, que significa “o mesmo”, e do verbo ousios, cujo significado é “ser” ou “essên­cia do ser”. Conforme definido durante os debates teológicos do quarto século, o termo veio a representar que o Filho é da mesma natureza do Pai.

Modalismo - visão radicalmente monoteísta de Deus, a qual fo­caliza tão intensamente a unicidade de Deus que vê Pai, Fi­lho e Espírito como três modos, ou fases, do mesmo ser. Eles não têm individualidade. Existem muitas formas de modalismo, mas a predominante, apresentada por Sabelius, via o Pai, o Filho e o Espírito como formas consecutivas, ou seja, o Pai foi a forma escolhida de Deus no Antigo Testa­mento, o Filho durante a Encarnação e o Espirito é a fase de Deus durante o período da igreja. O termo antigo para esta interpretação era sabelianismo. Atualmente, essa visão é conhecida como monarquismo modalístico.

Pneumatamachoi - literalmente, “lutadores contra o Espírito”. O termo foi cunhado para descrever um grupo de teólogos do final do quarto século. Eles concordavam que Pai e Fi­lho eram da mesma natureza, homoousios, mas defendiam que tal relacionamento não se estendia ao Espírito, o qual eles não percebiam como tendo uma identidade individual.

A Trindade no Primeiro e Segundo Séculos

Os mais antigos escritos cristãos disponíveis - os livros que agora conhecemos como o Novo Testamento — clara­mente apresentam o Pai, o Filho e o Espírito Santo. De

acordo com Mateus 28:19, as igrejas locais deveriam admitir os novos conversos à jovem religião cristã batizando-os “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Cada um dos três Seres era indisputavelmente central à crença e ao culto dos cristãos primiti­vos. O que os documentos do Novo Testamento não tornavam imediatamente óbvio era a relação existente entre os membros da Divindade. Muitas das discussões e desentendimentos entre os cristãos dos quatro primeiros séculos consistiram de tentativas para estabelecer a maneira como deveríamos ver o relacionamen­to entre Pai, Filho e Espírito. Os dois próximos capítulos traçarão algumas das mais antigas visões cristãs acerca de Deus, e explica­rão de que modo a fórmula trinitariana veio a se tornar a preferi­da para a compreensão crista da Divindade.

Podemos ver a história do desenvolvimento da doutrina de Deus na igreja como a história das pessoas tentando entender as Escrituras e o que elas revelam a respeito de Deus. Os cristãos pri­mitivos sentiram a necessidade de construir sua abordagem das

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Escrituras em duas áreas básicas.\J^rimeirp, tiveram de ide n t ifi car quais escritos eram autorizados; em segundo lugar, precisaram descobrir como interpretar tais escritos. Baseados nessa com­preensão, lutaram então para sintetizar as diversas formas através das quais a Bíblia fala de Deus. O que tornou a tarefa particular­mente penosa foi o fato de que até então uma descrição sistemática ainda não havia sido colocada em palavras humanas. Nem a lin­guagem nem a filosofia encerravam à época as categorias que eles necessitavam para expressar o que as Escrituras revelavam acerca da Divindade.

A doutrina cristã sobre Deus surgiu a partir do primitivo pen­samento judaico. O mundo judeu do primeiro século - do qual o cristianismo se desenvolveu - era fortemente monoteísta. Os ju­deus se destacavam de outros grupos religiosos em grande medida por sua forte crença em um - e apenas um - Deus. As palavras da Shema, em Deuteronômio 6:4, ecoavam diariamente na maioria dos lares judaicos: “Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o úni­co Senhor.” Embora não seja absolutamente certo que a repetição diária desta prece retroceda até ao primeiro século da era cristã, não é por acidente que ela se tornou uma das orações judaicas mais universalmente praticadas, pois a Shema representa podero­samente a compreensão monoteísta central à fé judaica. O judaís­mo abarcava vários grupos de pensamento, incluindo os fariseus, saduceus, essênios e outros grupos espalhados pelo mundo do Mar Mediterrâneo, mas de modo geral essas diferentes correntes mantinham em comum a crença monoteísta. O cristianismo, que também aceitava as Escrituras hebraicas como autorizadas, com­partilhava com o judaísmo a forte convicção monoteísta.

Em contraste, o mundo religioso greco-romano fervilhava com muitos deuses. À medida que o Império Romano se expandia, crescia o número de pessoas e de deuses que se agregavam à mis­tura religiosa. A média das cidadeí do Império Romano apresen­tava uma grande diversidade étnica e nacional em sua população, bem como um amplo espectro de divindades e templos pagãos.

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Contudo, na mente de alguns filósofos começou a emergir uma forte reaçao contra tal pletora de deuses.

Entre os filósofos greco-romanos, cresceu uma forte corren­te monoteísta que reconhecia em termos finais um Deus que transcendia não apenas o mundo físico visível, como também qualquer deus pagão que se imaginava interagir com o mundo. No pensamento filosófico grego, a noção de um Deus único, acima de todos os outros deuses, retrocede pelo menos ao quar­to .século antes de Cristo. Nessa época, Platão escreveu em sua obra Timeu a respeito de um Deus transcendente que criara o mundo por meio de um agente identificado como “demiurgo”. Aristóteles chamou esse “Deus acima de todos os demais” de “Inamovível Movedor”.

Mais tarde, os filósofos estóicos conheceram o ser transcen­dente como “Um”. Os estóicos tentaram manter a tradicional re­verência pela literatura antiga sobre os deuses, como os poemas de Hesíodo, Homero e Píndaro, mas ao mesmo tempo escolhe­ram crer no Deus supremo. Assim o fizeram ao interpretarem as descrições de seus deuses - efetuadas em termos humanos, onde os deuses manifestavam comportamentos errôneos e imorais - como sendo uma alegoria.

Por volta do segundo e terceiro séculos da era cristã, aspectos de todas essas filosofias, ao lado de várias outras, haviam se com­binado numa eclética visão de mundo helenística, que envolvia uma forma de monoteísmo, ou em alguns casos um politeísmo

y hierárquico, liderado por um deus supremo. Uma das importan­tes características deste deus maior da filosofia helenista era a sua completa transcendência. Eles criam que ele se encontrava total­mente além do escopo do mundo que vemos e tocamos. Em contraste com a rudeza da galeria de deuses pagãos em suas in­terações com os seres humanos e o mundo físico - seus ciúmes, assassinatos, incestos, glutonaria e adultérios - os filósofos deci­diram conceber este Deus supremo como situando-se acima da esfera humana. Platão, por exemplo, pensava que o “mundo

real” não era o físico, mas o mundo do além, o dos “ideais” (ou do puro pensamento), fora do alcance dos sentidos humanos.

Os pensadores judaico-cristãos conseguiram usar a crença greco- romana em um deus completamente transcendente como ponto de contato com os amigos e conhecidos pagãos. Uma das formas pelas quais o monoteísmo judaico se adaptou à visão helenística sobre a divindade foi pela introdução de agentes semelhantes ao demiurgo de Platão na história da Criação, protegendo assim a Deus de um envolvimento direto com a substância material. Por exemplo, numa das paráfrases aramaicas do Gênesis, conhecida como Targum Neo- fiti,1 encontramos notável número de inserções, nas quais um agen­te de Deus efetua as coisas físicas que o Gênesis atribui diretamente a Deus. Observe esta citação de Gênesis 1 do Targum Neofiti: “No princípio, com sabedoria o Memra do Senhor criou e aperfeiçoou os céus e a terra. ... E o Memra do Senhor disse: ‘Haja luz’.”2 O Mem­ra atua aqui como agente de Deus, de modo que o próprio Deus, que é transcendente, não precisa ser retratado como contaminando- Se a Si mesmo com as coisas materiais da Criação. O Memra tam­bém fala em lugar de Deus, uma vez que Deus propriamente dito não pode ser visto como possuindo características humanas, como boca ou voz.

Um preeminente judeu a sugerir que os agentes efetuaram a obra de Deus foi- Filo de Alexandria. Filo era um intelectual ju -\ deu que vivia na grande cidade egípcia de Alexandria à época de Jesus e Paulo. Sendo um judeu rico e erudito, conhecedor do idioma grego, Filo viu-se imerso em ambos os mundos culturais: o judaico e o greco-romano. Como resultado, muitas vezes ten­tou harmonizar as preocupações filosóficas monoteístas de ambas as culturas. Escreveu abundantemente em várias áreas de inter- , pretação da Torá, e fez uso de rica mistura de interpretações ale­góricas e literais em tratados a respeito da vida de Abraão, José e Moisés. Também foi muito cuidadoso em destacar que qualquer descrição física do Deus na Torá era figurada. Dessa forma, pro­tegeu o Deus transcendente de assumir atributos físicos. Além

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disso, retratou as interações de Deus com o mundo físico e per­ceptível aos sentidos como sendo efetuadas através de vários agentes, como Justiça, Sofia (Sabedoria) e, particularmente, o Lo- gos (Palavra).

Em seu tratado Sobre a Formação do Mundo, Filo retratou o Logos (o conhecido agente estóico de Deus) de forma dupla: como a idéia do universo físico e como o seu autor. Ou seja, Filo sugeriu que, no primeiro dia da Criação, Deus, a Mente Eterna, concebeu a idéia do mundo inteiro e criou o Logos à imagem des­sa idéia. Poderíamos pensar neste conceito como um arquiteto planejando um edifício e então preparando um modelo para vi­sualizar como o edifício se parecerá. Para Filo, o Logos foi o mo­delo de todo o universo criado, embora não um modelo físico. O Logos, contudo, não foi apenas um modelo passivo, mas também participou ativamente, realizando aquilo que Deus planejara. Des­sa forma, o Logos foi um agente criador, ou demiurgo, aquele que criou o mundo visualizado pela mente do Deus transcendente.

A preocupação filosófica greco-romana em ver o Deus supre­mo como transcendendo as atividades mundanas e as caracterís­ticas antropomórficas (isto é, semelhantes às de seres humanos) veio a ser compartilhada por intérpretes cristãos das Escrituras. Conforme veremos, este é um importante fator em várias tenta­tivas primitivas e errôneas de descrever Cristo e a Divindade, e que se tornou parte integral dos pontos de vista arianos a respei­to do Filho, no quarto século.

Por volta de 180 d.C., Teófilo, bispo de Antioquia da Síria, es­creveu uma série de três breves livros para o letrado pagão Autóli- co, que se sentia atraído pela visão monoteísta de Deus, mas que, no entender de Teófilo, ainda não se encontrava preparado para ouvir toda a verdade acerca de Jesus Cristo. No capítulo 15 do se­gundo livro, ele emprega o termo “trindade”, embora não com o mesmo sentido que o termo teria para cristãos de época posterior. O uso que Teófilo faz do termo não pretendia representar, de forma alguma, a Divindade composta de três pessoas. Em vez

disso, utilizou o termo para descrever Deus e dois de Seus agen­tes, Sofia e Logos, que mantinham com Deus uma relação mui­to parecida com aquela descrita por Filo de Alexandria. Teófilo chamou Logos e Sofia de “as duas mãos de Deus”. Além disso, re­tratou o Logos como o agente de Deus que O representava quan­do Ele tinha necessidade de aparecer e agir no mundo físico. Dis­se Teófilo: “o Deus e Pai do Universo não Se acha confinado e nem presente em um dado lugar. ... Mas o Seu Logos, através do qual realizou todas as coisas, o qual é o Seu Poder e Sabedoria, as­sumindo o papel de Pai e Senhor do Universo, achava-se presen­te no Paraíso, no papel de Deus, e conversou com Adão. ... Des­de que o Logos é Deus e deriva sua natureza de Deus, sempre que o Pai do Universo deseja assim proceder, envia o Logos a algum lugar, onde ele pode estar presente e ser ouvido e visto” (Teófilo de Antioquia, AdAutolcum 2.22).

Observe que Teófilo identificou o Logos, a Sabedoria e o Po­der como um agente singular de Deus, e chamou a este agente de Filho de Deus. Teófilo não foi um precoce representante da teolo­gia trinitariana, e sim alguém que abertamente apresentou Cristo como agente de Deus, um ser menor. Teófilo não menciona a Je­sus Cristo em toda a sua obra, porém sempre se refere a Ele como sendo um agente de Deus. Este fato destaca a dificuldade que os cristãos do segundo século sentiam em compreender e comunicar sua forte convicção a respeito do Deus único e ao mesmo tempo adorar o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Os cristãos do segundo século exploraram várias formas de ve­rem a Cristo, algumas das quais já aparecem nos escritos do Novo Testamento. O “docetismo” - termo grego baseado no verbo do- keo, que significa “parecer”, “como se fosse” - incluía ampla va­riedade de crenças, as quais viam a Cristo como apenas parecen­do ser humano. O conceito básico deste ponto de vista incluía a crença de que Jesus era um ser humano totalmente separado de Cristo, que era um ser divino. Essa distinção permitia que a di­vindade fosse separada da humanidade, evitando-se assim a sua

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sujeição a aspectos humanos, como mortalidade, paixões e muta­bilidade. A advertência de Paulo em I Coríntios 12:3 contra aqueles que diriam “Jesus é anátema”, em vez de dizerem “Jesus é Senhor”, é uma defesa contra a crença docética. Similarmente, a admoestação quanto a provar todos os espíritos, feita em I João 4:1-3, identifica o espírito do anticristo como negação de que Je­sus Cristo veio em carne. I João 1:1-3 retrata a Jesus Cristo como eternamente com Deus o Pai e como um ser perceptível aos sen­tidos humanos — ou seja, como Deus e como humano.

Nos Evangelhos, as pessoas à volta de Jesus muitas vezes O viam apenas como ser humano, não como Deus, em grande me­dida porque Ele tinha aparência humana e agia como humano. Pouco tempo depois de Sua ascensão, contudo, surgiu a tentação oposta, e alguns cristãos começaram a ver a Cristo como Deus, negando que Ele verdadeiramente houvesse Se tornado ser huma­no. A separação entre Jesus e Cristo permitiu-lhes acomodar as coisas em ambos os sentidos: Jesus poderia ser humano, ao passo que Cristo era divino. Porém, os livros do Novo Testamento re­petidamente tornam claro que Jesus é Cristo. O problema lógico suscitado por este fato gerou controvérsias ao longo de séculos. As discussões cristológicas do segundo ao quinto séculos aborda­ram diretamente esta questão. No contexto de nosso estudo do trinitarianismo, o foco não deve ser a cristologia, exceto para mostrar o intenso desejo dos teólogos primitivos de proteger a Divindade de ser retratada sob formas que eles consideravam im­próprias para Deus. ^

Para simplificar, podemos classificar as muitas compreensões docéticas da pessoa de Cristo, já amplamente espalhadas no se- gundo século, em dois grupos principais: os marcionitas e os griósticos. Marcion foi um proprietário de navios comerciais que nasceu e cresceu no Ponto, próximo ao Mar Negro.'Em meados do segundo século, )ele apareceu em Roma como crente em Cristo- não um crente representante da média, mas alguém intensa­mente rigoroso. Aparentemente, ele havia vendido sua empresa

marítima e doado o resultado da venda à igreja em Roma, seguin­do o exemplo da igreja primitiva retratado em Atos. Marcion conseguiu grande influência junto à igreja de Roma de duas ma­neiras. Como patrono, assistiu a igreja com sua riqueza e influência, e ao mesmo tempo revelou-se fervoroso líder religioso.

As crenças de Marcion como cristão não eram melhores re­presentantes da média do que era seu comportamento. Ele fazia distinção entre Cristo e o Deus do Antigo Testamento, retratan­do este último como uma divindade justa mas incompetente, que atuara como Criador do mundo físico mau. Marcion sugeria que este Deus doador da lei, o Deus de crua justiça, que exigia “olho por olho e dente por dente”, era incapaz de oferecer amor ou graça ou salvação. Cristo, por outro lado, representava uma divindade muito mais elevada. Marcion retratava a Cristo como o Deus de amor e graça, capaz de perdoar e oferecer a salvação. Em resumo, Marcion acreditava que o Deus judeu era uma po­bre divindade manquejante, ao passo que Cristo era um bom e salvífico Deus, completamente independente do Deus do Velho Testamento e a Ele superior.

Obviamente, Marcion não poderia crer numa separação entre Deus Pai e Deus Filho e ao mesmo tempo conservar a crença de que as Escrituras hebraicas eram uma revelação válida de Cristo. Dessa maneira, rejeitou o Antigo Testamento e considerou-o uma forma de Escritura inferior àquela que revelava o novo Deus. Marcion cria que as Escrituras hebraicas pertenciam ao Deus inferior, ao passo que as novas Escrituras, contendo muito do que hoje conhecemos como Novo Testamento, eram uma acurada representação de Cristo, o Deus da salvação e amor. Uma vez que os Evangelhos retratam a Cristo como intimamen­te relacionado com o Pai, que é o Deus do Antigo Testamento, Marcion também teve de rejeitar muito do que está escrito nos Evangelhos. jDe fato, ele aceitou.como Escrituras apenas partes do Evangelho de Lucas e algumas cartas de Paulo, eliminando qualquer referência ao Pai. A lista de Marcion, embora pudesse

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ser inteiramente inaceitável a muitos cristãos, é o mais antigo câ­non (ou lista de livros escriturísticos inspirados) que agora pos­suímos das Escrituras cristãs. Como reação à lista de Marcion, outro líder cristão primitivo, (Irineu, argumentou em favor da aceitação de quatro evangelhos — Mateus, Marcos, Lucas e João— dentre os muitos que então circulavam.

Os pontos de vista de Marcion provavelmente teriam encon­trado pouco apelo junto a muitos dos cristãos se não fosse o sen­timento anti-judaico já então observado. Fontes antigas tornam claro que tal sentimento já se espalhava amplamente por esse tempo. A Epístola de Barnabé, provavelmente escrita em Alexan­dria por volta de 130 d.C., e o Diálogo Com Trifo, o Judeu, es­crito por Justino, o Mártir, provavelmente em Roma por volta de 150 d.C., retratam o desejo de distanciar o cristianismo de qualquer judaísmo. Igualmente importante para o crescimento do marcionismo foi o fato de que os crentes não haviam até então ex­plorado amplamente os parâmetros dos ensinamentos cristãos. Embora os escritos de Paulo e João estivessem circulando por essa época, advertindo a respeito dos vindouros lobos e anticris- tos que trariam falsas doutrinas, ninguém imaginava que estes pudessem ser representados por crentes cristãos do padrão mo­ral e da generosidade de Marcion. Além de tudo, ele oferecera seus bens para o benefício da comunidade, exatamente como os zelosos crentes dos dias da igreja apostólica haviam feito. Ele vi­via uma vida de elevada moral e ensinava uma ética rigorosa. Em síntese, não tinha qualquer aparência de lobo diante de seus companheiros, membros da igreja.

No fim, a maioria dos cristãos, mesmo na igreja de Roma, aceitou os quatro evangelhos como a autorizada e reveladora fon­te de informação acerca de Cristo. Assim, os crentes rejeitaram os pontos de vista de Marcion sobre Cristo e seu limitado cânon es- criturístico. Devolveram o dinheiro do mercador como sendo inaceitável. O desafio por ele representado ajudou a estimular as decisões quanto aos escritos que a comunidade cristã deveria con­

siderar como Escritura inspirada. Os ensinos de Marcion tam­bém estimularam muita reflexão sobre como formular um ponto de vista acerca de Jesus Cristo capaz de cobrir tudo o que os do­cumentos inspirados revelavam a Seu respeito.

Outro grande desafio à compreensão cristã de Jesus Cristo proveio dos muitos diferentes grupos gnósticos de dentro e em torno do judaísmo e do cristianismo durante o segundo século. Para nossos propósitos, podemos definir o gnosticismo como uma filosofia religiosa que acreditava num Deus último vivendo no mais elevado dos céus, e cujas emanações eram deuses meno­res vivendo em céus inferiores. Para os gnósticos, a escuridão es­piritual enchia o mundo material, e apenas os que possuíssem conhecimento especial poderiam ascender aos céus após a morte do corpo físico. Em alguns sistemas de gnosticismo, esse conhe­cimento advinha sob a forma de chaves secretas que continham o poder de derrotar os “archons” que guardavam cada nível dos céus. Muitos gnósticos usavam as Escrituras como um código que continha conhecimento secreto em suas palavras, mas não em seu significado literal.

Na primeira parte de sua obra Contra as Heresias, Irineu des­creve alguns mitos sobre as emanações de Deus que os gnósticos acreditavam povoar os céus. Irineu derrotou os mitos usando as Escrituras, mas de um modo oposto ao que utilizara para derro­tar Marcion com as mesmas Escrituras. Em resposta à rejeição de Marcion das Escrituras que dele discordavam, Irineu restaurou os quatro Evangelhos e as seções eliminadas das Epístolas de Paulo. Os gnósticos, em contraste, tendiam a aceitar como Escrituras um maior número de evangelhos e cartas do que hoje conhece­mos. Como resultado, Irineu argumentou em favor de apenas quatro Evangelhos. Contudo, mesmo tomando como base ape­nas os quatro Evangelhos e as cartas de Paulo, os gnósticos trata­ram de manejar as coisas a fim de “descobrir” palavras que conti­vessem códigos secretos capazes de retratar a sua própria com­preensão do Universo e de Deus. Portanto, Irineu argumentou

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em favor de uma única forma de ler corretamente as Escrituras — aquela sancionada pela verdadeira igreja apostólica. Na visão de Irineu, todos os heréticos haviam originalmente mantido a forma correta de ler as Escrituras, mas a haviam rejeitado com mau in­tento, em favor de outras interpretações. Até esse ponto, infeliz­mente, os cristãos não haviam concordado quanto a qualquer lei­tura única ou singular. Embora pretendesse estar baseando suas idéias sobre a leitura original correta, Irineu estava, na verdade, apresentando a leitura que ele entendia ser a correta. Felizmente, ele o fez de modo correto, especialmente no que diz respeito à maneira como ele entendia a Deus.

$ Os gnósticos haviam essencialmente criado uma nova forma de protegerem a Deus de qualquer conexão com o mundo ma­terial. Em vez de utilizarem agentes de Deus, como Logos, Sofia e Justiça, retratados por Filo, ou o Memra do Senhor, retratado no Targum Neofiti, eles apresentavam Logos e Sofia e toda uma hoste de outros seres como divindades que constituíam emana­ções do único Deus, e que possuíam existência independente. De várias maneiras, tratava-se de um retorno ao politeísmo dos pagãos, com um Deus último no topo da hierarquia. Essas ou­tras divindades, especialmente na forma valenciniana de gnos- ticismo, por vezes tinham nomes derivados das Escrituras cristãs, como Cruz, Salvador e Igreja. Os gnósticos utilizavam, então, tais palavras fora de seu significado habitual como base para sua leitura das Escrituras. O trabalho de Irineu foi não apenas iden­tificar os quatro Evangelhos corretos, a partir dos quais se cons­truiria a compreensão de Jesus Cristo, mas também definir a correta interpretação das Escrituras.

O argumento de Irineu e o de alguns outros cristãos que se opuseram ao sistema gnóstico era o de que as Escrituras, correta­mente interpretadas, retratam a Jesus como Cristo: um ser humano real e um Deus real. As formas gnósticas de docetismo, contudo, ensinavam que Cristo era uma dentre as muitas emanações de Deus que povoavam os reinos celestiais, e que Ele não Se encon-

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trava no nível de Deus o Pai, o Deus último e transcendente. Os docetistas rejeitavam a idéia de que Deus pudesse mudar ou so­frer. Assim, a cristandade do segundo século abrigava várias ten­dências docéticas distintas a respeito de Jesus Cristo, as quais viam a Cristo como representante do mundo de Deus, mas a Jesus como apenas um ser humano do qual Cristo Se apoderara.

Várias outras concepções errôneas acerca de Jesus Cristo fa­ziam parte do ambiente cristão durante o segundo século, in­cluindo-se o ponto de vista de Sabélio. Ele desenvolveu suas idéias como reação ao triteísmo, tendência que via o Pai, o Filho e o Espírito Santo como três Deuses separados. 'Argumentou que, uma vez que existia somente um Deus, um Deus retratado nas Escrituras sob três formas diferentes, então os três devem ser consecutivos. Em outras palavras, Sabélio sugeriu que Pai, Filho e Espírito Santo eram três modos diferentes do mesmo Deus em épocas diferentes. Segundo seu ponto de vista, Deus Se revelou como o Pai durante o velho concerto, como o Filho durante Sua vida na Terra e como o Espírito Santo no período da igreja, mas todos eram uma só pessoa. Os teólogos têm identificado este conceito como sibelianismo ou modalismo/ denotando três modos de um mesmo Deus. A maioria dos cristãos rejeitou o modalismo com base nas Escrituras. Inúmeros textos revelam a personalida­de independente de cada membro da Divindade e demonstram que o Pai, o Filho e o Espírito Santo coexistem. Com o tempo, òs teólogos perceberam que o sabelianismo era outra fracassada tentativa de manter a crença num único Deus e ao mesmo tempo reconhecer que existem Pai, Filho e Espírito.

Estava claro que a Bíblia parecia revelar a Deus como uno e trino, mas ninguém, no segundo século, conseguia encontrar uma forma capaz de expressar a plena complexidade revelada nas Escrituras. Marcion tentou resolver o dilema eliminando o Deus Pai do Antigo Testamento junto com muitas partes das Escritu­ras que lhe causavam problemas, ao passo que os gnósticos liam as Escrituras como sendo um código possuidor de profundos e

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ocultos significados que apoiavam suas crenças em múltiplas emanações “divinas” provenientes do Deus último. Sabélio explo­rou um monoteísmo radical que se contrastava fortemente com o politeísmo hierarquizado de gnósticos como os valencinianos. Outros viam a Cristo como um agente do Deus transcendente. Embora todos esses pontos de vista fizessem sentido face a parte dos escritos revelados, nenhum deles conseguiu unir tudo o que as Escrituras revelaram acerca da Divindade e de Jesus Cristo. O segundo século findou deixando sem respostas muitas questões.

Notas1 Esse Targum é um documento judaico da Palestina datado do início da

era cristã que podemos considerar uma espécie de “Bíblia reescrita” para tomar a Torá compreensível na linguagem daquele momento.

2 O termo Memra foi tomado emprestado da Caldéia e denota uma autorida­de ou supervisor de nível importante. É um termo adequado para designar um agente do Senhor Yahweh.

"má

A Trindade no Terceiro e Quarto Séculos

O segundo século findou sem qualquer consenso sobre como descrever o relacionamento entre Pai, Filho e Espí­rito Santo. Os eruditos haviam identificado aqueles que se achavam visivelmente em erro como sendo heréticos e contrapro­

ducentes à igreja. Irineu e outros haviam corrigido vários conceitos errôneos no tocante a Jesus Cristo, mas não haviam encontrado ter­mos para definir o que era correto. Ainda não emergira nenhuma forma capaz de explicar a Divindade em harmonia com todos os as­pectos revelados da Escritura.

Uma das conseqüências de tratar o abnegado Marcion e ou­tros semelhantes a ele como heréticos foi que os cristãos começa­ram a identificar-se a si mesmos mais com base no que criam do que com base em como viviam e se comportavam. Essa mudança elevou o tom das discussões teológicas, pois as idéias prevalecen­tes se tornariam um meio de criar uma linha divisória entre os que pertenciam e os que não pertenciam à “verdadeira” igreja. Tal atmosfera fez com que no terceiro è quarto séculos os debates so­bre a doutrina de Deus atingissem crescente agressividade.

Orígenes, cujos comentários bíblicos estabeleceram a base para esses debates, foi provavelmente o mais influente intérprete

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individual da Bíblia na história do cristianismo. Embora nem sempre fosse original em sua compreensão, alcançou de modo impressio­nante seu objetivo de reunir as valiosas interpretações primitivas das Escrituras. Seus numerosos comentários reuniram uma tre­menda quantidade de interpretações prévias da Bíblia e muitos de seus próprios pontos de vista. Estudiosos posteriores das Escrituras apreciaram grandemente tanto a coleção de comentários quanto seu trabalho original, considerando-o um repositório da interpre­tação cristã. Como resultado, os ensinadores cristãos achavam im­portante estar de acordo com Orígenes quando se envolviam em qualquer debate, durante o terceiro e quarto séculos.

Orígenes cresceu como cristão em Alexandria, nas últimas dé­cadas do segundo século. Seus pais enfrentaram o martírio por causa do cristianismo quando ele ainda era adolescente, e Orígenes se­guiu o exemplo deles quanto a um cristianismo sério e comprome­tido. Levou uma vida disciplinada e considerou com seriedade as injunções literais das Escrituras. Conta-se freqüentemente a histó­ria - possivelmente verdadeira - de que quando era jovem, ao en­frentar as tentações sexuais, interpretou literalmente a declaração de Jesus: “Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti” (Mat. 5:29). Verdadeira a história ou não, o próprio fato de as pessoas sugerirem isso a seu respeito revela seu nível de compro­metimento pessoal com a moralidade e a espiritualidade. Uma vez que um dos mais elevados princípios de interpretação bíblica na igreja primitiva era o de que o intérprete deve ser uma pessoa espi­ritual e reta, o profundo comprometimento de Orígenes aumentou muito a aceitação de seus ensinamentos.

Embora Orígenes provavelmente só tenha mantido um cargo ofi­cial na igreja bem mais tarde na vida, ele foi um talentoso professor de interpretação bíblica desde idade precoce. Historiadores da igreja muitas vezes o criticam como responsável por conduzir a erudição cristã a métodos alegóricos. Porém, suas excelentes interpretações li­terais e tipológicas das Escrituras foram igualmente influentes. Uma das razões para o freqüente uso dos comentários de Orígenes foi que

ele deu ampla cobertura aos livros das Escrituras. Encontramos apenas poucas passagens não analisadas por ele, e a maioria dos comentaris­tas posteriores o cita mesmo quando em discordância com ele.

Um dos aspectos negativos de uma cobertura escriturística tão meticulosa é que os escritos de Orígenes não possuem uma con­sistência sistemática^, Em virtude de seu imenso volume e diver­sidade, seus escritos poderiam ser usados — e o foram - para dar apoio a grande número de conclusões teológicas que sem dúvida Orígenes nunca pretendeu alcança^De fato, alg uns desses pro­blemas o levaram a ser condenado como herege dois séculos após sua morte, quando seus escritos pareceram posicionar-se do lado errado dos debates teológicos dos quais ele possivelmente nem pudesse ter conhecimento.

O fato é que vários lados dos debates teológicos usaram seus escritos como fonte de munição. No tempo de Orígenes, as pes­soas suscitavam mais questões a respeito da Divindade do que os teólogos eram capazes de responder definitivamente, e parece que ele próprio investigou certo número de possíveis soluções. Como no caso de qualquer bom escritor, Orígenes direcionava seus escritos da forma que melhor pudessem responder ao ques­tionamento de seus oponentes. Para Orígenes, os adversários iam desde os gnósticos cristãos até o filósofo pagão Celso. Em­bora tivesse alguns detratores, a maioria dos cristãos do início do quarto século considerava Orígenes como parte importante da tradição ortodoxa de interpretação, e sua influência era tal que todos os lados do debate desejavam tê-lo como aliado.

No segundo volume de seu Comentário de João, Orígenes pro­põe-se a lidar com o próprio âmago da perplexidade relacionada com a Divindade revelada nas Escrituras - ou seja, o modo como podemos comparar o relacionamento entre o Pai e o Filho com aquele entre o Filho e a raça humana. Vários textos identificam Jesus como um com o Pai e com os seres humanos, embora ra­cionalmente estes relacionamentos pareçam excluir-se mutua­mente. Como pode o Filho ser o mesmo que o Pai e ainda assim

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ser o mesmo que os humanos? A solução de Orígenes foi utilizar interpretações literais das Escrituras, colocando o Filho numa po­sição intermediária, em que fazia lembrar o Pai em certos aspectos e os seres humanos em outros.

Irineu já havia plantado a semente para essa solução ao suge­rir que o Filho Se relacionava de forma idêntica com o Pai e com os seres humanos. Insistira que as Escrituras mostravam a Cristo como plenamente divino e plenamente humano. Porém, falta- ram-lhe as ferramentas e a terminologia necessárias para sobrepujar os aspectos ilógicos de tal declaração. A fórmula que descreve a Jesus como possuindo dupla natureza levou muito tempo para

| ser construída. Foi apenas no quinto século que alguém chegou a articulá-la com clareza. Orígenes, próximo ao começo do tercei- /? ro século, não dispunha dos conceitos estruturais através dos quais pudesse organizar as informações escriturísticas. Em lugar disso, sugeriu que a conexão entre Deus Pai e Deus Filho era de participação: Deus Pai era o único Deus verdadeiro e Deus Filho era Deus através da participação na divindade do Pai. Numa de­claração que soa a arianismo, Orígenes sugeriu que o Filho “não prosseguiria sendo Deus se não mantivesse contínua e incessante contemplação da profundeza do Pai” (Origen, Commentary on the Gospel According to John 2:18, comentando João 1:1; citado da tradução de Ronald E. Heine, Origen: Commentary on the Gospel According to John, Books 1-10, pág. 99). Orígenes, natural­mente, argumentaria que tal coisa jamais iria ocorrer, pois o Verbo sempre estivera com Deus, sempre fora Deus e sempre permane­ceria sendo. Entretanto, o fato de que ele se dispusesse a mencionar essa idéia, ainda que como uma possibilidade teórica, demonstra que Orígenes não considerava o Filho como sendo Deus por na­tureza, mas apenas por meio da participação.

Em algumas partes de seus escritos, Orígenes também retrata o Filho como efetivamente coeterno com Deus o Pai, embora não da mesma natureza. Sua compreensão do tempo levou-o a ler a palavra grega para “começo” ou “princípio” {arché) em João 1:1

como significando “antes que houvesse tempo”. Ele aplicou essa definição à frase “no princípio era o Verbo” de modo a denotar a eternidade do Filho, e afirmou enfaticamente que “antes de todo tempo e eternidade ‘o Verbo era no princípio’ e o Verbo estava com Deus’” (ibid., 2:9, pág. 97). Isso colocaria o Filho numa po­sição intermediária entre Deus o Pai, que era divino por natureza, e os seres humanos, que por natureza eram criaturas, mas pode­riam participar da divindade em alguns aspectos.£v Ário, de quem deriva o termo “arianismo”, também colocou o Fi­

lho numa posição intermediária. Tal como Orígenes, o conceito de Ário a respeito do monoteísmo não permitia que ninguém, exceto o Pai transcendente, fosse plenamente Deus. Mas, diferentemente de Orígenes, Ário foi muito mais explícito em seus comentários acerca da origem do Filho como ser criado. Ao passo que Orígenes utilizou linguagem ambígua para descrever o princípio, insistindo que, ao nos defrontarmos pela primeira vez com o Filho, Ele já estava com o Pai, Ário falou ousada e abertamente a respeito de um ponto inicial, no qual o Pai criara o Filho, e antes do qual o Filho não existira. Poder- se-ia argumentar que isso representava uma melhora positiva quanto à precisão. Porém, com o tempo, a igreja veio a entender que, embo­ra isso aparentemente se harmonizasse com os textos que sugeriam um início para Cristo, havia uma contradição com outras passagens que falam da plena divindade e eternidade do Filho. A tentativa de precisão de Ário revelou-se um engano.

Ário nasceu na Líbia em meados do terceiro século d. C. Pou­co depois do final da última, mais prolongada e mais abrangente perseguição romana contra os cristãos - a que foi promovida pelo imperador Diocleciano no começo do quarto século d. C. — Ário atuou como presbítero na igreja de Alexandria. Assim como em muitas outras cidades do império, após a perseguição de Diocle­ciano, a igreja de Alexandria passou por anos de argumentos e acusações a respeito de quem merecia conservar-se em posições eclesiásticas, e sobre como tais pessoas deveriam exercer a autori­dade. Durante a perseguição, muitos bispos haviam fugido ou

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abdicado das Escrituras, ao passo que outros haviam sido marti­rizados. Em Alexandria, o bispo metropolitano Pedro fugira 0 ^ princípio; mais tarde, porém, seguindo a revogação de um decreto de tolerância, fora aprisionado e martirizado. Alexandre, o bispo eleito para substituí-lo, teve de lidar com a contenda e a divisão que haviam crescido sob o governo de um bispo não designado, o qual atuara durante a ausência de Pedro. Ario acusou Alexandre de sustentar uma falsa visão de Cristo, possivelmente tirando vantagem da aparente fraqueza política do bispo, de modo a ob­ter apoio a suas próprias idéias, em oposição às do bispo, h

Ario não teria como saber o que surgiria a partir do debate suscitado. Os pontos de vista opostos de Alexandre e de Ario vie­ram a tornar-se centrais no Concílio de Nicéia vários anos mais tarde, em 325 d.C., ao lado das idéias de outros, inclusive as de Eusébio, o historiador da igreja e bispo de Cesaréia. Relata-se que o Concílio de Nicéia reuniu mais de 300 bispos, ao lado de seus respectivos presbíteros e atendentes. Ocorreu na cidade de Ni­céia, próximo a Constantinopla, no que hoje é a Turquia. O im­perador Constantino, que convocou o concílio, havia trabalhado para unir o Império Romano sob sua própria liderança, a despei­to do fato de que seu pai dividira o império entre os três filhos.O principal objetivo de Constantino com o concílio era estimu­lar a união da igreja cristã, para ajudá-lo a manter unido o impé­rio. Ele se sentia muito desapontado ao perceber discórdias entre os bispos em assuntos tão fundamentais como o relacionamento entre Deus Pai e Deus Filho. Embora o desejo de Constantino em relação ao concílio jamais se materializasse, o que o concílio afinal conseguiu foi a rejeição dos pontos de vista de Eusébio de Cesaréia e de Ario. Também conseguiu a formulação de uma de­claração sobre a Trindade que tendia a vindicar os pontos de vista de Alexandre de Alexandria. A declaração era essencialmente a mesma do credo estabelecido pela igreja de Jerusalém, com um adendo que condenava como anátemas os pontos de vista que co­locavam o Filho em sujeição ao Pai. Eis a declaração:

“Cremos em um Deus, o Pai Todo-Poderoso, Autor das coisas visíveis e invisíveis;

“E em um Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, gerado pelo Pai, unigénito, ou seja, da substância do Pai, Deus de Deus, luz de luz, verdadeiro Deus do Deus verdadeiro, gerado e não cria­do, da mesma substância do Pai, através de quem todas as coisas vieram a existir, coisas no Céu e coisas na Terra, que em favor de nós homens e por nossa salvação desceu e encarnou, tornando-Se homem, sofreu e ressuscitou novamente no terceiro dia, ascendeu aos Céus e voltará para julgar os vivos e os mortos;

“E no Espírito Santo” (Peter Toon, Yesterday, Today and Forever: Jesus Christ and the Holy Trinity in the Teachings o fth e Seven Ecume- nical Councils, pág. 20).

Historicamente, Ário não se encontrava tão perto do centro do debate teológico quanto se poderia depreender do fato de que seu nome tem sido associado a praticamente qualquer coisa anti- trinitariana por mais de 1.600 anos. Nenhum dos três principais grupos que se opuseram à fórmula de Nicéia para a Trindade du­rante o quarto século reconheceu Ário como seu representante. Tampouco qualquer desses grupos concordou completamente com a cristologia ariana. Não obstante, em virtude de o credo do Concílio de Nicéia conter vários anátemas contra as idéias origi­nalmente propostas por Ário e identificadas pelo concílio como sendo inverídicas em relação a Jesus Cristo, sempre que alguém propôs idéias similares, a teologia resultante veio a ser identificada como ariana. Ário não acreditava em todas as coisas anatematiza­das em Nicéia, mas o seu nome tem sido normalmente utilizado para rotular qualquer ponto de vista que considere a Cristo como “inferior” - ou seja, qualquer conceito que entenda a Cristo como sendo menos do que plenamente Deus.

Atanásio, jovem secretário de Alexandre e presbítero da igreja de Alexandria, participou do Concílio de Nicéia. Embora houves­se desempenhado papel menor nos debates, o concílio modelou amplamente sua própria vida. Atanásio gastou o resto da vida

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tentando manter o ponto de vista niceano a respeito de Cristo como a doutrina aceita pela igreja. Em virtude disso, sofreu apri­sionamento, foi exilado cinco vezes e enfrentou ameaças de execução. /

Ario declarara ousadamente perante o concílio que o Filho ha­via sido criado pelo Pai. Baseou seu ponto de vista em textos fa­cilmente tirados do contexto, a exemplo de Hebreus 3:2, que po­deria ser traduzido como “fiel Àquele que O fez”, e Atos 2:36/ que poderia ser traduzido como “Deus O fez Cristo’/. A causa destas leituras problemáticas centraliza-se no verbo grego p o ieo f (fazer ou tornar), que possui ambigüidades semelhantes às que encontramos no verbo “fazer” em português. Fazer tem vários significados, desde “criar” até “indicar”. Por exemplo, você pode “fazer” um bolo no sentido de “criá-lo”. Por outro lado, pode-se “fazer” ou “tornar” alguém juiz ou oficial de polícia não por “criar” a pessoa, mas ao “indicá-la” para a função. Em Atos 2:36, a frase completa diz: “Deus O fez Senhor e Cristo”. “Cristo”, o “Ungido”, é um papel ou ofício ao qual Deus indicou Seu Filho. Em Hebreus 3:2 encontramos em operação a mesma dinâmica. Lendo em conjunto os versos 1 e 2, torna-se claro que Jesus é “fiel Àquele que O constituiu” como apóstolo e sumo sacerdote. Uma vez mais, trata-se de papéis como os do juiz ou oficial de polícia. Atanásio utilizou argumentos como estes para refutar as leituras equivocadas de Ario e seus aliados.

Provérbios 8:22 representou um interessante desafio para Ataná­sio. Já lidamos com o texto hebraico desta passagem num capítulo anterior do livro, mas Ario e Atanásio utilizaram a versão grega do Antigo Testamento, conhecida como Septuaginta, a qual apresenta uma leitura ligeiramente diferente. No texto da Septuaginta, confor­me o temos hoje, o verso diz: “Deus me criou [a Sabedoria] no prin­cípio de Seus caminhos para Suas obras.” É utilizado aqui o verbo ktizo: fundar, construir ou criar. Este verbo usualmente traz consigo a conotação de “trazer à existência”. Atanásio empregou vários argu­mentos contra a aplicação literal do texto ao Filho. O melhor deles sugeria que, uma vez que o texto estava em verdade falando acerca

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da Sabedoria, poderia ser aplicado apenas figuradamente a Cristo. Contudo, uma vez que Atanásio tinha razões políticas em Alexandria para não ser percebido como em completo desacordo com Orígenes, e considerando que Orígenes falara do texto como aplicando-se a Cristo, Atanásio interpretou Provérbios 8:22. como significando que Cristo submeteu-Se a uma mudança de status quando veio à Terra. Atanásio argumentou que as “obras” eram as obras de salvação, in­clusive o tornar-Se um ser humano, submetendo-Se à vontade do Pai enquanto na Terra, morrendo na cruz, etc. Em outras palavras, ele interpretou o texto como referindo-se não à criação do Filho a par­tir do nada, mas sim às mudanças de papéis necessárias para que o Filho “realizasse as obras” da salvação. Esta ênfase na mudança de funções do Filho explanava todos os três versos utilizados por Ário para argumentar em favor da criação literal do Filho pelo Pai. Con­tudo, criava-se um novo problema, pois, se o Filho mudou de papel ao tornar-Se carne, isso significava que era “modificável” e desquali­ficado para ser verdadeiramente divino, em vista da definição preva­lecente de divindade. Ao lado da transcendência e da unicidade, a maioria dos pensadores helenistas considerava a imutabilidade uma das principais características da divindade.

Uma corrente filosófica popular sustentava que Deus não po­dia ser afetado por qualquer tipo de paixão ou sentimento, ou por experiências como o sofrimento e a morte. Contudo, de acordo com as Escrituras, Jesus Cristo experimentara mudanças, sofrera e até mesmo morrera! Pelo fato de ainda não existir uma clara definição da dupla natureza de Jesus Cristo capaz de com­preender Sua natureza divina como mantendo os atributos de Deus e ao mesmo tempo Sua natureza humana exibindo os atri­butos da humanidade, a insistência em que Deus preenchesse as descrições filosóficas da divindade representou um sério desafio à descrição niceana do Pai e do Filho como sendo ambos plena­mente Deus. Para começar, Atanásio parece estar falando de dois Deuses (ou, na verdade, três, quando se adiciona o Espírito San­to), ao passo que a definição filosófica de Deus assevera que Ele

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é um e indivisível. Além disso, “tornar-Se carne” certamente su­gere uma mudança, particularmente tendo em vista que Jesus Cristo sofreu e morreu. Jesus simplesmente não correspondia às noções dos filósofos sobre como um Deus real devia ser. »

Para muitos cristãos do início do quarto século, os quais criam que o Filho era eterno, esse conjunto de expectativas não corres­pondidas levou-os a assumir que o Filho era essencialmente dife­rente do PaiyEles necessitavam examinar as definições e as catego­rias tiradas do pensamento popular a fim de descobrir o que poderia representar adequadamente as realidades de Deus conforme revela­das nas Escrituras. Aliás, isso era verdade para a própria palavra “Trindade”. Três em um simplesmente desafiava todas as categorias matemáticas em uso desde o tempo de Aristóteles. O mesmo era verdade em relação ao termo ̂ homoousios, escolhido em Nicéia para representar o Pai e o Filho como sendo da mesma natureza, l/l

Utilizado no Credo de Nicéia e comumente traduzido como “de uma substância” (com o Pai), o termo apresentava dois possí­veis significados em seu uso filosófico. Havia sido empregado para denotar um grupo que compartilhava um conjunto similar de ca­racterísticas (o gênero de Aristóteles), e também para referir-se às características de um indivíduo (a espécie de Aristóteles). Assim, os crentes poderiam entender o termo como retratando Pai e Filho tanto como dois indivíduos de um tipo - ou seja, dois Deuses — ou então como um indivíduo dividido em duas partes — Deus dividi­do em dois modos (a crença anteriormente ensinada por Sabélio e conhecida como modalismo). Nenhuma dessas interpretações re­presentava adequadamente o relacionamento entre Pai e Filho. En­tretanto, o cristianismo manteve o termo por duas razões. Pragma­ticamente, Nicéia já concordara em que o termo era adequado, e seu significado nesta nova situação somente requeria uma defini­ção mais clara.(Mais importante, porém, o termo homoousios enfa­tizava corretamente o contraste entre Deus e a criatura^

Todos os seres criados compartilham um conjunto de caracterís­ticas, ao passo que a Divindade compartilha um conjunto diferente

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de características. Pai e Filho possuem a mesma natureza porque am­bos Se encontram do mesmo lado do abismo (o lado do Criador) existente entre Criador e criatura. Trata-se de uma separação bíblica. Por exemplo, Deus é adorado, as criaturas não são. Apocalipse 22:8 e 9 mostra João prostrando-se aos pés do anjo a fim de adorá-lo, mas o santo ser não o permitiu, pois era “conservo” de João. Em vez dis­so, o anjo orientou João a adorar “a Deus”. A descrição de Pai e Fi­lho como homoousios — da mesma natureza — corretamente retrata ambos como dignos de adoração: Eles são o Criador.

Esta é uma versão simplificada do,.argumento básico de Ata­násio em favor dos termos “Trindade” e homoousios. Por volta do tempo de sua morte em 373, Atanásio convencera a maioria dos teólogos cristãos de que era necessário utilizar a nova terminolo- gia^ em vez de restringirem-se aos termos que apareciam na Bí­blia. Precisão e concisão crescentes eram necessárias, de modo que qualquer pessoa envolvida no debate pudesse ter certeza do que os demais estavam pretendendo dizer com suas palavras. Em virtude das barreiras existentes entre os que falavam e escreviam grego e os que usavam latim, e dos desafios adicionais para os que utilizavam o grego apenas como segundo ou terceiro idio­ma, passaram-se décadas para que todos entendessem os novos significados desses termos. Alinhamentos ou realinhamentos po­líticos também desempenharam papel maior na discussão dos termos e seus significados.

Em muitos sentidos, essas disputas fariam lembrar os proble­mas hoje enfrentados quando se tenta estabelecer um protocolo internacional de telecomunicações. Não basta ser capaz de prepa­rar um chip mais rápido de comunicação; também é necessário conseguir que todas as partes que irão utilizar o chip concordem quanto à maneira como ele deve funcionar e sobre como forma­tar os dados. Portanto, isso requer não somente criatividade e co­nhecimento, mas também a disposição das partes em se abrirem ao diálogo até que todas as questões hajam sido compreendidas e resolvidos todos os desentendimentos.

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A igreja gastou o meio século entre o Concílio de Nicéia em 325 e o Concílio de Constantinopla em 381 em ardorosos de­bates sobre a melhor forma de descrever o relacionamento entre Pai e Filho e, na parte final do período, o Espírito. Considerável número de facções e fortes personalidades utilizaram meios po­líticos e teológicos - e mesmo a força física - para promulgar seus pontos de vista. Três grupos principais mantiveram-se em oposição teológica à formulação de Nicéia. Embora a essa altura Ário já estivesse morto e há muito houvesse deixado de ser o ponto focal das discussões, três das principais visões propostas como corretivas da formulação niceana defendida por Atanásio eram agora identificadas como posições “ariana” e “semi-ariana” por Atanásio e Epifânio.

“Ariano”, o primeiro dos rótulos, referia-se a uma variedade de opiniões que compartilhavam a mesma atitude básica de que a iniciativa de descrever adicionalmente o relacionamento entre Pai e Filho era uma idéia má. Em vez do termo homoousios - da mes­ma natureza - da fórmula de Nicéia, este grupo usava o termo mais ambíguo homoion (“semelhante”) para indicar que o Filho era semelhante ao Pai. A facção preferia o termo em virtude de sua simplicidade e porque ele aparece na Bíblia. O fato de que a Bí­blia jamais o emprega para descrever o relacionamento entre Pai e Filho parecia não incomodá-los. Eles tão-somente desejavam um termo bíblico. Mas essa compreensão do Filho como sendo semelhante ao Pai não fez de modo algum avançar a discussão so­bre o relacionamento entre ambos. Tampouco pretendeu fazê-lo. Na verdade, foi apenas uma tentativa de regressar ao tempo an­terior ao Concílio de Nicéia, quando a igreja tolerava grande di­versidade em torno do assunto. Infelizmente, tal tentativa era algo parecido com tentar empurrar a pasta dental de volta ao tubo, depois de alguém havê-la espremido.

A segunda posição, muitas vezes identificada como “semi-aria­na”, tentou amenizar o termo niceno homoousios — da mesma na­tureza - para descrever a relação entre Pai e Filho. Buscou-se

“vender” a idéia de que Eles eram similares, em vez de iguais. Este grupo veio a associar-se com o termo homoiousios - de natureza similar - significando que o Filho era similar ao Pai em natureza. Observe que a única diferença entre os dois termos se encontrava numa só letra — um “iota” (i em grego)— que tornava o termo plu­ral em vez de singular. Isso significava que a semelhança possuía o elemento da pluralidade, forçando o deslocamento do signifi-

J 1 CC >5 / « • 1 J> \ U • *1 5>cado de mesmo ( igual ) para similar .A história eclesiástica geralmente considera Basílio de Ancira

como o porta-voz do segundo grupo. Basílio tornou-se bispo de Ancira quando o imperador depôs o bispo anterior, Marcelo, em virtude do apoio deste à fórmula de Nicéia. O termo proposto por Basílio de Ancira, homoiousios, buscou eliminar o potencial para unidade radical do modalismo e também para qualquer divisão da natureza de Deus. O temor era de que, se o Pai e o Filho fossem o mesmo, então identificá-Los como Pai e Filho dividiria a essência única/A facção de Basílio ainda argumentou que as coisas que são meramente semelhantes, em vez de a mesma, na verdade nunca podem ser exatamente o mesmo ser, de modo que assim não exis­tiria o perigo de se dividir a unidade de Deus. Infelizmente, com este raciocínio somente o Pai era verdadeiramente Deus no senti­do pleno, pois esta posição identificava a natureza do Filho como sendo apenas “semelhante” à do Pai. Mesmo considerando que Ba­sílio de Ancira tenha agregado vários disfarces ao termo “criatura”, em última análise foi esta a designação que ele aplicou ao Filho.* Uma vez mais, os teólogos basicamente estavam retratando o Filho como subordinado ao Pai e como criatura. E, uma vez mais, isso aconteceu porque viam o Filho como uma mistura de característi­cas de Deus e da humanidade. Retratar as características do Filho como “semelhantes” a Deus, em contraste com o retratá-Lo como compartilhando a mesma natureza e características de Deus o Pai, sempre faz com que o Filho Se torne menos do que plenamente Deus. As experimentações com o termo permitiram que as pessoas vissem que, não importa “quão menor” do que Deus é Cristo re­

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tratado, qualquer coisa “menos que Deus” impede que Ele seja Deus. A alternativa a Deus é a criatura, e, não importa como você defina criatura, surge a questão: é correto adorar uma criatura? Ocorre que os cristãos sempre haviam adorado a Jesus como Deus.

Podemos generalizar a terceira posição sob o termo heteroousios- de diferente substância. Os teólogos o utilizaram para salientar as dessemelhanças de natureza entre o Pai e o Filho. No quarto sé­culo, este grupo foi associado com o nome de Eunômio, embora seu fundador tenha sido Aécio. Em tempos mais recentes, vieram a ser conhecidos como neo-arianos. Depois de haverem sido de­nunciados por vários concílios e rejeitados por numerosas igrejas locais, os neo-arianos ordenaram seus próprios bispos e estabele­ceram sua própria igreja, uma prática não usual naqueles dias.

Em vários sentidos, esse grupo possuía mais consistência in­terna do que as facções que defendiam homoion e homoiousios. Consideravam o Pai como não-gerado, e o Filho como gerado pelo Pai, a partir de uma natureza pousios) diferente da Sua pró­pria. De acordo com Aécio, não existia a Trindade, e sim uma hierarquia com o Deus verdadeiro como líder, e o Filho e o Espí­rito como subordinados, de diferentes naturezas. O ponto forte desta visão é que ela mantinha o monoteísmo sem a necessidade de redefinir qualquer terminologia ou categorias. Seu ponto fra­co era que Jesus Cristo não era Deus. E interessante observar que a igreja defensora de heteroousios alegadamente possuía uma fór­mula batismal distinta, batizando não em nome do Pai, Filho e Espírito Santo, mas apenas na morte de Cristo.

A declaração de Nicéia havia sido extremamente sintética em sua menção ao Espírito Santo. Em resposta a isso, ergueu-se ain­da outro grupo, que se sentia confortável com a descrição dada pela fórmula de Nicéia quanto à natureza do Pai e do Filho como sendo homoousios, mas que argumentava que o Espírito não po­dia ser da mesma substância do Pai e do Filho. Os oponentes deste grupo identificaram seus membros como pneumatamachoi — os lutadores contra o Espírito.

Diversas circunstâncias na década que antecedeu o Concílio de Constantinopla, em 381, prepararam o caminho para esse encon­tro, no qual a fórmula trinitariana finalmente se tornou a teologia ortodoxa oficial da igreja crista. Um dos eventos com repercussão extremamente importante sobre o concílio foi a coroação do im­perador Teodósio, que se achava comprometido com a fórmula homoousios. Durante 50 anos, cada novo imperador havia assumi­do diferentes compromissos com os vários grupos teológicos. Um mesmo imperador poderia mudar de posição várias vezes quanto a qual grupo apoiar ou a qual obstruir. Um deles, Juliano, duran­te um breve período até mesmo tentou levar o império de volta ao paganismo e afastá-lo do cristianismo. O imperador Valêncio, que morreu em 378, foi o último dos imperadores a abertamente fa­vorecer o arianismo e dar apoio a teólogos arianos. E duvidoso afirmar se o apoio ou a oposição do imperador, por si só, haveria sido capaz de determinar o resultado final do Concílio de Cons­tantinopla, pois apenas 75 anos antes outro imperador — Diocle- ciano - havia tentado manipular e destruir a igreja por meio da força e fracassara. O cristianismo se expandira por séculos, a des­peito da censura ou da aprovação imperial. Todavia, o fato de que o novo imperador, Teodósio,Sse encontrava a favor da fórmula ni- cena contribuiu grandemente para a sua aceitação.

Outro fator a preparar o caminho para o concílio foram os escritos teológicos e a liderança política de três teólogos da Ca­padócia: Basílio de Cesaréia; o amigo de Basílio, Gregório de Nazianzo; e o irmão mais jovem de Basílio, Gregório de Nissa. Eles se tornaram a força teológica e política por detrás do trinita- rianismo quando o velho Atanásio deixou o cenário. Basílio e seu amigo Gregório foram ambos educados nas escolas filosóficas de Atenas, e passaram anos estudando teologia cristã e interpretação escriturística. Além disso, Basílio havia viajado extensamente pelo mundo que circundava o mar Mediterrâneo, e possuía am­pla rede de amigos que eram teólogos cristãos. A ampla experiên­cia deles preparou-os de modo singular para levarem avante a

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obra de Atanásio, mas tiveram de lutar em tempos incertos e de mudança.

Basílio comparou a situação de bispos e imperadores mudando de idéia e trocando de lado a “uma batalha naval sendo travada em meio a uma furiosa tempestade, na qual as duas esquadras se encontram tão destruídas pela tormenta que as bandeiras não po­dem mais ser vistas, os sinais não mais são reconhecidos, e a pessoa não mais consegue distinguir entre seus aliados e seus inimigos” (Basílio de Cesaréia, citado na introdução de St. Basil the Great: On the Holy Spirit, tradução de David Anderson, pág. 7). Sua analogia descreve bem o que foram as décadas da metade do quarto século, e especialmente o período anterior ao Concílio de Constantinopla em 381.

Os três teólogos da Capadócia escreveram tratados e cartas, explorando e solidificando a teologia trinitariana e criando uma terminologia padronizada. Falaram do Pai, Filho e Espírito San­to como sendo simultaneamente três quanto à personalidade (.bypostasis), mas apenas um em relação à natureza (ousia). Os ca­padócios estenderam a natureza compartilhada do Pai e do Filho ao Espírito Santo, clarificando assim este ponto vago do Credo de Nicéia. Em sua obra Sobre o Espírito Santo, Basílio argumen­tou em favor do reconhecimento da relação entre Pai, Filho e Es­pírito Santo como sendo de uma mesma substância e de igual status, portanto igualmente dignos de adoração.

Foi no contexto da adoração que Basílio empreendeu seu mais eficaz argumento. Outros teólogos o haviam desafiado quanto ao uso que ele fazia das preposições “com” e “junto com” na benção: “Glória ao Pai com o Filho junto com o Espírito Santo”. Eles de­fendiam que, na oração de bênção utilizada no final dos cultos, as preposições deveriam ser: “Glória ao Pai através do Filho no Espí­rito Santo”. Basílio argumentou, em resposta, que as Escrituras não fazem uma distinção tão clara quanto ao uso de preposições relativas ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Os autores das Escri­turas utilizaram várias preposições para todas as três pessoas da

Divindade. Alguns também argumentaram que o uso de preposi­ções específicas mostrava a subordinação do Filho e do Espírito ao Pai. Basílio demonstrou a partir das Escrituras que tal subordina­ção do Filho envolve apenas a Sua encarnação. Além disso, Basílio argumentou que embora o uso tão preciso de preposições fosse co­mum na filosofia, ele era estranho às Escrituras. Destacou ainda que a Bíblia utiliza praticamente todas as combinações de prepo­sições comuns para descrever o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O teólogo repassou literalmente dezenas de passagens escriturísticas demonstrando o amplo uso de preposições aplicadas a todas as três pessoas da Divindade. Embora a leitura fosse tediosa, tais es­critos lhe possibilitaram desmontar a insistência quanto a meticu­losas distinções entre preposições. Ao assim proceder, ele também demonstrou que as preposições “através de” e “em” não subordi­nam necessariamente o Filho e o Espírito ao Pai.

Um exemplo do uso escriturístico sobreposto de preposições aparece em Romanos 11:36: “Porque dEle e por meio dEle e para Ele são todas as coisas.” Basílio demonstrou, a partir do contex­to, que a passagem utiliza todas as três preposições em relação ao Filho. Porém, mesmo que seus inimigos insistissem em aplicá-las ao Pai, o argumento não se alteraria, pois neste caso todas se apli­cariam ao Pai. Qualquer que fosse a leitura, uma distinção que insistisse em que todas as coisas vêm do Pai através do Filho não se sustentaria à luz do texto. Com referência ao Espírito, tanto Mateus 1:20 quanto Gálatas 6:8 utilizam a preposição de (ou do) em relação a Ele. Mateus 1:20 registra as palavras do anjo con­tando a José que não temesse assumir Maria como esposa, pois a criança nela concebida era “do” Espírito Santo. Gálatas 6:8 retrata a vida eterna como provindo “do Espírito” (Basílio, págs. 7 e 8). Os exemplos escriturísticos de Basílio prosseguem por capítulos e capítulos, demonstrando exaustivamente que a Bíblia retrata uni­dade e igualdade entre os membros da Divindade.

Basílio venceu intelectualmente o argumento a partir das Es­crituras, mas pragmaticamente foi através da prática da adoração

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170 ! A Trindade

cristã que ele persuadiu os bispos cristãos a reconhecerem o Espí­rito Santo como plenamente Deus. Ele demonstrou como no ba­tismo e na oração os cristãos haviam adorado igualmente o Pai, o Filho e o Espírito Santo através dos séculos, a despeito de todos os argumentos teológicos do quarto século. Todos os grupos, com a possível exceção do partido defensor de heteroousios de Eunô- mio, haviam continuado a adorar o Pai e o Filho, a despeito de sua teologia. Basílio provou isso poderosamente nos últimos ca­pítulos de seu livro Sobre o Espírito Santo, e as reflexões que ele provocou estabeleceram as bases para que o Concílio de Constan­tinopla reconhecesse plenamente o Filho e o Espírito Santo como pessoas da Divindade, ao lado do Pai.

E verdade que o Concílio de Nicéia e o Concílio de Constanti­nopla fizeram algumas declarações que hoje temos de rejeitar, por­que contradizem as Escrituras. Mesmo alguns aspectos da com­preensão que Atanásio teve do Filho hoje parecem mais criar pro­blemas do que resolvê-los, inclusive sua descrição do Filho como “eternamente gerado”. Contudo, tais aspectos não fazem parte da fórmula trinitariana de Deus como três em um (ou seja, três pessoas compartilhando uma mesma natureza como Deus), nem são neces­sários para ela. Embora, como adventistas, possamos não reconhecer os concílios como autoridades, devemos reconhecer a validade dos argumentos de Basílio a partir das Escrituras e da adoração. Não aceitamos a fórmula trinitariana baseados na autoridade do dogma da igreja ou de seus concílios, mas sim no fato de que ela melhor re­presenta o que as Escrituras dizem a respeito do Pai, do Filho e do Espírito Santo como um Deus.

Veja a construção dos fragmentos de Basílio de Ancira em R. P. Hanson, The Search fo r the Christian Doctrine o f God, págs. 352 e 353.

Capítu

A Trindade na Idade Média

O Concílio de Constantinopla, em 381, finalmente esta­beleceu as crenças trinitarianas na maioria das áreas da igreja. Contudo, vários tipos de cristãos arianos prosse­

guiram existindo em bolsÕes, inclusive aqueles associados a Aécio e Eunômio na Líbia, assim como outros grupos pequenos que não aceitaram a Trindade conforme exposta no Concílio de Constantinopla. Várias tribos germânicas que se converteram ao cristianismo antes do Concílio de Constantinopla também leva­vam o rótulo de “arianas”.

Segundo uma lenda popular, os godos receberam o evangelho através de um missionário cristão chamado Ulfila, que descendia de um soldado romano tomado cativo por um exército godo in­vasor na Asia Menor, no terceiro século. Ulfila falava fluentemente grego e latim, e conhecia bem tanto a cultura greco-romana quanto a cultura gótica, na qual crescera. E fato que ele foi enviado como missionário cristão aos godos, e que Eusébio, o bispo de Nicomédia, o consagrou por volta do ano 340 d.C. Eusébio es­tudara com Ário sob a instrução de Luciano de Antioquia, e foi uma das três únicas pessoas que se posicionaram a favor de Ário no Concílio de Nicéia, em 325. Por isso, muitos assumem que

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Eusébio era simpatizante dos arianos, e que deve ter consagrado Ulfila como um missionário ariano, o que tornaria arianos os conversos de Ulfila. Entretanto, não está claro se alguma vez Eu­sébio concordou com o modo como Ario interpretava a Cristo (como ser criado), embora certamente discordasse de que Ario devesse ser condenado. Tampouco se sabe se ele concordou com a fórmula nicena do homoousios — da mesma natureza - como uma explanação adequada para expressar o relacionamento entre Pai e Filho. O mais provável é que o cristianismo ensinado por Ulfila aos godos fosse ambíguo acerca do Pai e do Filho, e não uma exposição da doutrina ariana real.

Depois de apenas sete anos de serviço missionário direto, Ulfila foi expulso do território gótico, em virtude de conexões suspeitas com os inimigos romanos. Se o seu envolvimento com os godos houvesse cessado nesse ponto, sua influência não teria causado tan­to impacto. Após a expulsão, no entanto, ele gastou vários anos co­locando a linguagem gótica sob forma escrita e traduzindo a maior parte das Escrituras ao idioma gótico. Seu trabalho exerceu profunda influência na disseminação do cristianismo entre os godos. Duran­te esse tempo, Ulfila ainda se opunha à formula nicena e favorecia o termo ambíguo homoion (similar), em vez de homoousios (da mes­ma natureza), como descritivo da relação entre Pai e Filho. Sua tendência apareceu na tradução que efetuou da Bíblia gótica, dan­do-lhe uma sutil inclinação antitrinitariana.

Quaisquer que fossem as crenças dos godos a respeito da Di­vindade, quando essas tribos cristãs começaram a invadir o Im­pério Romano cristão durante o quinto século, seus inimigos “ortodoxos” os rotularam como arianos. Tivessem ou não dife­renças teológicas entre si, os dois lados utilizavam terminologia diferente para descrever a Divindade. Havia razões políticas de lado a lado para ver a outra parte como herética, o que passava a justificar a animosidade mútua. Por isso, não existia motivação real para o mútuo entendimento. Ao longo dos poucos séculos seguintes, os cristãos góticos e romanos buscaram alternadamente

A Trindade na Idade Média / 173

destruir-se uns aos outros ou coexistir lado a lado. Cada parte buscou manter sua própria identidade através dos rótulos “aria­no” e “trinitariano”. Com o tempo, a corrente principal da igreja, com sua descrição trinitariana da Divindade, absorveu as tribos góticas, possivelmente através da influência de alguns de seus pa­rentes germânicos do oeste, os quais aceitaram o cristianismo em estágio posterior, já seguramente firmado sobre o sistema de crença trinitariana.

O foco principal da teologia cristã depois do Concílio de Constantinopla centralizou-se na descrição adicional de Jesus Cristo, naquilo que a história da igreja agora relembra como as controvérsias cristológicas do quinto e sexto séculos. O trinita- rianismo como um todo também começou a desenvolver-se em novas direções, avançando em linhas espirituais e teológi­cas. Agostinho, bispo de Hipona (no norte da África) durante a parte inicial do quinto século e provavelmente o mais in­fluente filósofo teológico na história do mundo ocidental, foi o ponto focal dessa mudança no desenvolvimento da teologia trinitariana depois de Constantinopla.

Agostinho aceitou a fórmula trinitária basicamente conforme declarada pelo Concílio de Constantinopla, inclusive a aceitação plena e oficial por parte do concílio de um único conjunto de ter­mos e definições do grego. Ele concordou que devemos identificar a unicidade de Deus em termos de uma única natureza comparti­lhada pelo Pai, o Filho e o Espírito Santo, conforme expressa pelo termo grego homoousios — o mesmo termo que o Concílio de Nicéia utilizara mais de 50 anos antes. Os teólogos haviam definido e re­definido o termo durante esses cinqüenta anos, de modo que final­mente ele foi aceito por todos os que participaram do concílio. Os teólogos que falavam latim utilizaram o termo latino corresponden­te (substancia ou “substância”) com o mesmo sentido essencial do termo grego. Além disso, Agostinho aceitou o uso feito pelo concí­lio do termo grego hypostasis, que havia sido quase universalmente adotado para expressar a individualidade e a personalidade do Pai,

174 ! A Trindade

do Filho e do Espírito Santo dentro da unidade da Divindade, ao lado do termo latino correspondente, persona. Assim, por volta do início do quinto século, o cristianismo estabelecera uma fórmula em termos gregos e seus correspondentes termos latinos a qual era bem aceita pela maior parte da igreja.

O reconhecimento do mistério contido na fórmula três em um e o desejo de conhecer a Deus dentro desse mistério torna­ram-se a motivaçao maior do desenvolvimento da doutrina trini­tariana por intermédio da influente obra de Agostinho intitulada Sobre a Trindade. Nesse livro, Agostinho descreve sua própria busca de um conhecimento mais profundo de Deus. Leu toda a Bíblia e contemplou cada texto referente a Deus; ao assim proce­der, veio a compreender a Deus como Pai, Filho e Espírito Santo- três pessoas, mas um único Deus, compartilhando a mesma na­tureza. Ele também reconheceu que esta não era uma descrição completa de Deus — que conhecer a Deus não era simplesmente uma questão de apresentar a fórmula matemática “três em um”, ou de tentar compreender o mistério de Deus nas características de Sua natureza compartilhada, Sua onisciência ou Sua eternida­de. Em vez disso, sugeriu Agostinho, conhecer a Deus também envolve experimentar Seu amorável caráter, um caráter que per­manece sendo mistério mesmo depois de havermos apresentado cada descrição e interpretado cada revelação das Escrituras. Em adição, Agostinho desenvolveu e expressou o profundo vislumbre de que, quando houvermos produzido nossa mais completa des­crição de Deus, não teremos obtido nem mesmo um superficial conhecimento dEle. Ainda assim, encontra-se à disposição co­nhecimento suficiente para que o cristão consiga entender a di­nâmica básica da salvação, e saber como relacionar-se com Ele e com os demais cristãos, à vista de Deus. No final de sua obra, de­pois da haver empreendido todo esforço possível para compreen­der a Deus, Agostinho anunciou em exaltação que havia fracassado gloriosamente em sua pesquisa, pois embora houvesse descoberto muito, aprendido muito e conhecido muito, ainda assim não fora

A Trindade na Idade Média / 175

capaz de apreender a Deus. Tal compreensão, de acordo com Agostinho, terá de esperar até que cheguemos ao Céu.

Outros, mesmo antes de Agostinho, tentaram contemplar a Deus. Em época tão precoce quanto o período de preparo de A Vida de Moisés, de Filo de Alexandria, os teólogos haviam procurado - mais num nível interno que externo - compreender a Deus através de Moisés e suas experiências. Gregório de Nissa também escreveu sobre a vida de Moisés, focalizando sua interação com Deus em Ho- rebe, o monte santo, onde falara pessoalmente com Deus durante prolongados períodos de tempo. Aqui, Gregório tentou captar um Deus pessoal, e não apenas teórico, a partir das Escrituras. Entretan­to, foram os escritos de Agostinho, mais que quaisquer outros, que estabeleceram a base para a tentativa medieval de compreender o mistério de Deus a partir do interior - contemplar e apreender a Deus, não apenas classificá-Lo e compreendê-Lo cognitivamente.

Havendo reconhecido que o livro mencionado de Agostinho, Sobre a Trindade, foi primariamente uma busca espiritual, devemos acrescentar que ele também foi o mais meticulosamente elaborado e intrincadamente definido tratado filosófico sobre a Trindade até os seus dias. O alvo maior de Agostinho era a conexão espiritual com Deus, tão profunda quanto humanamente possível, mas seu método incluiu cuidadosa interpretação das Escrituras e detalhados passos lógicos de cada questão a cada conclusão. Com o tempo, muitas partes do livro tornaram-se parte do dogma trinitariano da Igreja Católica medieval, mas a igreja organizou-o de acordo com a fórmula trinitariana expressa pelo Concílio de Constantinopla. Agostinho, no livro 5, por exemplo, concede grande destaque ao “ge-rar” do Filho pelo Pai, definindo-o cuidadosamente de forma a manter a coeternidade e coigualdade de ambos. O mesmo se aplica ao Espírito Santo como “procedente” do Pai e do Filho. Nenhum dos conceitos, todavia, é parte da fórmula trinitariana central de três em um.

Esses são esclarecimentos adicionais do relacionamento dentro da Divindade aos quais os concílios de Nicéia e Constantinopla

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fizeram alusão, mas não definiram com precisão. Tal como a “eterna geração” do Filho sugerida por Atanásio aproximadamen­te um século antes, Agostinho aceitou-os como se fossem parte integral da doutrina trinitariana, embora não necessitemos, de um ponto de vista lógico, entendê-los como tais. Em vez disso, representam tentativas no sentido de definir com maior precisão o relacionamento entre as três pessoas de um só Deus, ao retratar o Pai como fonte eterna do Filho e do Espírito. Entretanto, esta definição mais detalhada nos obriga a distorcer o entendimento escriturístico do tempo ou a subjugar o Filho e o Espírito ao Pai.

Agostinho, em sua busca da compreensão de Deus, não ape­nas utilizou informações procedentes das Escrituras e da filosofia, mas também sugeriu que, havendo Deus criado os seres humanos à Sua imagem, podemos obter vislumbres da Trindade ao obser­varmos nós mesmos. Seu argumento básico, apresentado no livro 10.4 e clarificado no livro 14.2, foi de que a alma humana repre­senta uma trindade de memória, inteligência e vontade, sendo, pois, semelhante à trindade de Pai, Filho e Espírito Santo. A me­mória, a inteligência (entendimento) e a vontade dependem uma da outra, cada uma contém a outra e cada uma, de per si, pode ser identificada como “mente” ou “vida” ou “ser”. Por exemplo, quando distinguimos entre “memória” e “inteligência”, temos de usar os dois termos, mas quando nos referimos somente à “inte­ligência”, podemos usar apenas o termo “mente”. Assim, o Pai é identificado como “Pai” em referência ao Filho e ao Espírito, mas pode ser chamado apenas de “Deus” quando a referência ocorrer apenas em relação à Sua pessoa, sem distinção em relação ao Filho e ao Espírito. Uma vez que os três - memória, inteligência e von­tade - compõem uma única mente, fica também difícil definir onde termina uma delas e inicia a outra. Onde, por exemplo, a função de memória começa a converter-se em função de inteligên­cia (entendimento)? E impossível dizer em que ponto isso ocorre, pois ambas constituem uma só mente. Agostinho argumenta que, da mesma forma, é impossível distinguir completamente entre os

A Trindade na Idade Média / 177

membros da Divindade, uma vez que constituem um só Deus. O uso que Agostinho fez da alma humana como ilustração da Trin­dade depende do ponto de vista filosófico de que a pessoa possui uma alma separada do corpo, mas o que ele tentava ilustrar mostra que sua elaboração ocorria sobre a fórmula trinitariana, três interagindo em um.

Esse foco sobre a compreensão e a contemplação de Deus prossegue até o século 12, quando o mundo de fala latina redes- cobriu os escritos de Aristóteles, e a Europa se volveu para um es­tudo mais cognitivo e empírico da teologia e do mundo. Dois dentre os teólogos escolásticos que seguiram a filosofia teológica platônica de Agostinho, mas também incorporaram a nova teo­logia empírica sob a influência de Aristóteles, foram Boaventura e Tomás de Aquino.

Boaventura nasceu em 1217 e gastou a maior parte de sua vida em conexão com a Universidade de Paris, a mais importan­te instituição da teologia escolástica daquele tempo. Enquanto residia na universidade, ensinou a Bíblia e escreveu um comen­tário sobre o livro Sentenças, de Pedro Lombardo, pois essa era a maneira normal de receber o grau de Doutor em Teologia. Boa­ventura uniu-se aos Franciscanos, e em 1257 tornou-se o sétimo ministro da ordem de São Francisco de Assis. Agostinho e Fran­cisco influenciaram profundamente a teologia de Boaventura, a qual, dessa forma, era profundamente espiritual.

Enquanto em Paris, Boaventura escreveu um livro intitulado Questões Controversas Sobre o Mistério da Trindade-, também, mais tarde, quando escreveu um livro com o título Itinerarium, ou A Jornada da Mente Até Deus, muitas das questões prosseguiam ten­do a ver com a Trindade. Neste livro, ele apresenta seis passos para se conhecer a Deus e entrar em união com Ele. Depois de começar com a contemplação da beleza e ordem das coisas feitas por Deus, os passos finais focalizavam a contemplação da bonda­de do ser puro - meditação que envolvia profunda consideração das características da natureza de Deus. Para Boaventura, o nível

178 / A Trindade

mais elevado da mente humana pode ser alcançado quando nos absorvemos na comunicação entre as três pessoas de um só Deus. Seu alvo espiritual, nos passos finais, é estabelecido em torno da triúna realidade de Pai, Filho e Espírito Santo.

É, entretanto, nos passos intermediários de seus escritos que o pensamento agostiniano se torna mais evidente. O terceiro e quarto passos da jornada de Boaventura à mente de Deus foca­lizam a alma humana. Ele segue os antecedentes de Agostinho, em Sobre a Trindade, ao sugerir que uma das formas pelas quais os seres humanos podem conhecer a Deus é examinando a ima­gem de Deus em nós mesmos. Boaventura, tal como fizera Agos­tinho, vê a imagem como triúna. Argumenta que a alma humana possui três componentes - memória, intelecto e vontade - den­tro de uma só alma. Os três aspectos correspondem ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo em um único Deus. Até este ponto Boaventura copiou Agostinho, mas agora ele acrescenta um componente que não fora explorado por Agostinho. O teólogo do século 13 utiliza o modo como o intelecto e a vontade sur­gem da memória como ilustração da progressão do Filho e do Espírito Santo a partir do Pai. Assim como o intelecto da pessoa procede da memória enquanto a sabedoria é obtida ao serem re­lembrados os eventos, assim o Filho, que é o Logos ou Verbo, procede do Pai como a Sabedoria do Pai. Em seguida, Boaven­tura estabelece um paralelo similar (embora mais complexo) en­tre a vontade, procedente tanto da memória quanto do intelecto, e o Espírito Santo, procedente do Pai e do Filho. Uma vez mais, tal como ocorrera com Agostinho, Boaventura vê a progressão do Filho e do Espírito como parte integral da doutrina da Trin­dade, mas as coisas não precisam ser dessa forma.

Ele tomou emprestada grande parte de sua compreensão da contemplação de Francisco de Assis, o fundador da Ordem dos Franciscanos. Em particular, Boaventura nos conta, no prólogo de sua obra A Jornada da Mente Até Deus, que encontrara a inspiração para a obra e para a estrutura de seis passos na visão de Francisco,

A Trindade na Idade Média / 179

na qual este vira o serafim de seis asas, de Isaías, na forma do Cruci­ficado. Cada asa do serafim representava um dos passos da contem­plação de Deus, e cada par de asas simbolizava uma das pessoas da Trindade. Ele estruturou toda a sua obra em torno do número três, utilizando tríades e tríades de tríades. O autor apresenta praticamen­te cada peça de informação em três partes, e praticamente toda des­crição vem com três adjetivos. Dessa forma, as próprias palavras do livro ilustram o três em um da Trindade. Há, contudo, outro aspec­to do trabalho que Boaventura deriva de Francisco. O primeiro ca­pítulo abre com estas palavras: “Aqui iniciam as reflexões do pobre homem no deserto.” O “pobre homem” é, evidentemente, Francis­co, que abdicou de sua riqueza terrestre como filho de mercador para abraçar a pobreza de Jesus. Todavia, o “pobre homem” é mais que meramente uma referência a Francisco. Temos de vê-la também como a condição de todos os seres humanos, “separados” de Deus pelo pecado, incapazes de verem a Deus a não ser pela graça, e viven­do no deserto do mundo caído. Assim, todos os seres humanos são pobres em relação às riquezas de Deus, mesmo aqueles que optaram pelo virtuoso caminho da pobreza. O único meio de reverter esta pobreza espiritual é através da ascensão do coração. “Mas”, diz Boaventura, “não somos capazes de erguer-nos acima de nós mes­mos, a menos que um poder superior nos levante.” Assim Boaven­tura inicia sua jornada rumo à contemplação de Deus como Trin­dade, e rumo à entrega das afeições inteiramente a Deus, com o re­conhecimento de que o ser humano precisa ser erguido por Ele. Esta atitude de pobreza Boaventura recebe de Francisco.

Tomás de Aquino, embora talvez tenha sido o mais empírico dos teólogos escolásticos do século 13, também compreendeu algo da impossibilidade de verdadeiramente “conhecer” a Deus, que Agostinho expressara ao final de sua própria busca espiritual. Aquino baseou em Agostinho tanto a sua abordagem teológica quanto sua compreensão da Trindade. Em sua Suma Teológica, tentou demonstrar, por meios inteiramente empíricos, como a razão humana pode desenvolver uma teologia natural, paralela à

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que encontramos nas Escrituras reveladas. Durante sua tentativa de entender racionalmente a Deus, Aquino investigou questões a respeito das características de Deus a partir de muitos diferentes ângulos. Com respeito à eternidade de Deus, por exemplo, suas inquirições o levaram a concluir que somente Deus é verdadeira­mente eterno. Concernente à onisciência de Deus, Aquino decidiu que unicamente Deus conhece todas as coisas, pois Ele é eterno, e somente alguém eterno pode conhecer todas as coisas. Infelizmen­te, um tal questionamento lógico intrincado pode muitas vezes prender o questionador em sua própria arapuca, pois a questão ló­gica seguinte seria: “Se Deus é eterno e onisciente, pode Ele conhe­cer a Si mesmo completamente?” Aquino chegou, uma vez mais, à realidade de que, quando discutimos o que podemos conhecer a respeito de Deus, sempre restarão questões que não poderemos res­ponder. Seu verdadeiro ser continua um mistério para nós.

Que Deus permanece um mistério é facilmente ilustrado por uma experiência que tive com meu próprio filho. Descrevendo a Deus para ele, mencionei que Deus é onipotente e todo-poderoso. Meu filho perguntou: “Você está querendo dizer que Ele é capaz de fazer mesmo qualquer coisa?” Então, sem esperar resposta, ele se­guiu perguntando: “Se Ele pode fazer qualquer coisa, pode até mesmo criar uma rocha tão grande que nem mesmo Ele a conse­gue mover?” Não fui capaz de responder a esta pergunta. Entretan­to, ela não estabelecia limites para Deus. Tão-somente demonstrou nossa incapacidade da captar e entender Deus, demonstrando de modo concreto que Ele é, em termos finais, um mistério.

Apesar de toda a compreensão humana, descrição e concor­dância sobre como retratar a Deus como uma unidade de três pessoas divinas, adoradas como plenamente Deus, não nos apro­ximamos ainda de definir, compreender ou conhecer Deus. Tudo o que ainda conseguimos é simplesmente conhecer acerca de Deus. A história da contemplação do mistério da Trindade é uma história de constante aprendizado acerca de Deus, sem jamais co­nhecermos tudo a Seu respeito - e, com freqüência, a história nos

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faz retroceder. Embora a humanidade tenha penetrado alguns ní­veis do divino mistério e os tenha codificado, o mistério maior ainda permanece. Assim, o alegre fracasso de Agostinho em ten­tar conhecer a Deus e compreender a Trindade, pode - sob muitas formas - representar igualmente o nosso feliz fracasso. Ter uma visão correta de Deus e ser capaz de compreender Sua salvação, Seu perdão e Seu amor, mesmo isso não afasta o mistério da Trin­dade - o mistério de quem Deus é.

BIBLIOGRAFIA DA SEGUNDA SEÇÃO

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TERCEIRA SEÇÃOTrindade e Antitrinitarianismo

da Reforma ao Movimento Adventista

184 / A Trindade

GLOSSÁRIO DA TERCEIRA SEÇÃO

Anabatistas - grupo de cristãos que batizavam adultos por pro­fissão de fé, tendo iniciado a prática em 1525. O apelido, cunhado por seus inimigos, significava “re-batizador(es)”. O batismo de crentes conduziu a uma “igreja apenas de crentes”, um conceito visto como traição contra as igrejas do Estado, que incluíam toda a população, com base no batismo infantil. Veja também Restauracionistas.

Ajtttitrinitariana(o) — antagonismo contra a (ou rejeição da) crença na Trindade.

Atemporalidade - noção não-bíblica do dualismo grego de que a eternidade de Deus é caracterizada pela “ausência de tempo”, ou seja, é “eternamente presente”, em contraste com a vida humana, marcada pelo tempo em termos de passado, presente e futuro.

Conexão Crista - Denominação restauracionista americana, or­ganizada por volta de 1810, que se fundiu com os congrega- cionalistas em 1931. Identificavam-se como cristãos, sendo protestantes evangélicos, similares aos batistas livres, exceto que muitos deles - não todos — eram antitrinitarianos.

Deísmo - sistema de religião natural desenvolvido na Inglaterra e que se espalhou pelos Estados Unidos nos anos 1700. Embo­ra existisse considerável variedade entre os deístas, algumas crenças eram compartilhadas por todos, inclusive a fé supre­ma na razão humana, a dúvida ou aberta rejeição da revelação divina e das Escrituras, e a crença de que, embora Deus hou­vesse criado o mundo, não prosseguia tendo interesse por ele. Alguns deístas criam que a Providência sustentava o mundo fí­sico, mas não tinha interesse pelos indivíduos. Tinham pouca certeza a respeito da vida após a morte.

Dogma - na teologia católica romana, trata-se de um ensina­mento religioso definido pela igreja, no qual todo membro fiel é obrigado a crer.

Glossário da Terceira Seção ! 185

Doutrina - ensinamento de uma crença religiosa. Conforme uti­lizada neste livro, a palavra doutrina é um termo mais geral do que dogma. Veja também Dogma.

Dualismo - crença filosófica de que a alma (ou mente) e a maté­ria são “distintas e igualmente reais” (Oxford Dictionary o fth e Christian Church \ODCC\), e estados radicalmente contrastan­tes da existência. Três aspectos do dualismo grego subjacentes ao tradicional dogma da Trindade são: (1) a distinção entre alma e corpo; (2) a radical separação entre Deus e a humanidade; e (3) o contraste entre tempo e a ausência de tempo.

Escolasticismo Protestante - método teológico construído sobre os mesmos fundamentos filosóficos utilizados pelos escolásticos da Idade Média, antes da Reforma. Os esco­lásticos protestantes afirmam que não apenas as Escrituras, mas também Aristóteles era um dom de Deus essencial para a teologia.

Fundamentalismo - na cristandade protestante, um movi­mento que se desenvolveu entre 1895 e 1914, em reação ao modernismo, a evolução e a alta crítica da Bíblia. Os funda- mentalistas criam (1) na inspiração verbal e na inerrância das Escrituras; (2) na divindade de Cristo; (3) no nascimen­to virginal de Cristo; (4) na expiação substitutiva; e (5) na ressurreição física e na segunda vinda literal de Cristo. Veja também Modernismo.

Geração - processo de gerar ou ser gerado. Alguns teólogos trini- tarianos sustentam que apenas o Pai existe desde a eternidade e que tanto Cristo quanto o Espírito Santo foram “gerados”, ou seja, trazidos à existência pelo Pai.

Impassível - livre de todas as paixões (sentimentos e emoções), inclusive compaixão. A filosofia teológica grega considerava a impassibilidade como um dos atributos de Deus.

Limbo — na teologia católica romana, o lugar para as almas que não foram dignas da plena salvação e tampouco merecedoras do tormento eterno.

186 / A Trindade

Modalista - veja Monarquismo.Modernismo - durante os anos finais de 1800 e iniciais de 1900,

foi um movimento teológico que se caracterizou por abraçar a evolução e teorias de alta crítica das Escrituras, negando os milagres sobrenaturais, como o nascimento virginal de Cristo, a ressurreição física e a segunda vinda literal. Veja também Fundamentalismo.

Monarquismo - movimento teológico do segundo e terceiro sé­culos, que tentou salvaguardar a unidade de Deus ao negar Sua pluralidade. Houve dois subgrupos, um dos quais era o dos modalistas monarquistas, que “sustentavam que na Divindade a única diferenciação era uma mera sucessão de modos ou operações”. Ensinavam que o Pai, o Filho e o Espírito Santo não eram personalidades separadas (ODCC). Sabélio foi um desses proponentes do terceiro século, e seu ensino ficou conhecido como sabelianismo.

Não-trinitariano - que não crê na Trindade.Ortodoxa (o) — (1) crença correta em contraste com a heresia; (2)

ramo do cristianismo que incluía o Império Romano Oriental, com sede em Constantinopla. Também chamada de Ortodoxa Oriental ou Greco-Ortodoxa, inclui igrejas nacionais, como a Ortodoxa Russa, a Ortodoxa Sérvia e a Ortodoxa Romena. A igreja romana excomungou as igrejas ortodoxas em 1054.

Racionalistas - pessoas que aceitavam a razão como autoridade suprema em matéria de crença. Alguns cristãos racionalistas afirmavam a autoridade única da Escritura, mas, enquanto rejeitavam os fundamentos filosóficos da teologia medieval, sua tendência era elevar a razão humana acima da autoridade das Escrituras. Veja também Unitarianos.

Reformadores magistrais — os principais reformadores, os gi­gantes da Reforma do século 16. Os historiadores da igreja geralmente os consideram como sendo Lutero, Zuínglio e Calvino, sendo que Lutero e Calvino, em virtude de seus ex­tensos escritos, exerceram maior influência.

Glossário da Terceira Seção / 187

Restauracionistas - também conhecidos como restitucionistas> eram cristãos que não desejavam meramente reformar (me­lhorar) a igreja, mas restaurá-la às condições de que desfrutava no Novo Testamento. Os anabatistas foram restauracionistas do século 16, impacientes com Lutero porque ele parecia fi­car muito aquém da doutrina e da organização da igreja do Novo Testamento. Um exemplo americano do século 19 foi a Conexão Cristã. Os adventistas do sétimo dia consideram-se restauracionistas no sentido de que acariciam o alvo de “com­pletar a Reforma”.

Sabelianismo - movimento teológico que recebeu a denomina­ção de Sabélio. Veja Monarquismo.

Socinianos - descendentes espirituais do líder unitariano Fausto Socino (1539-1604). Negavam a preexistência do Filho, acreditando que Cristo era “simplesmente homem”, e defi­niam o Espírito Santo como “virtude ou energia” proceden­te de Deus. Os socinianos foram os precursores dos atuais unitarianos (Berkhof, pág. 96).

Sola Scriptura - expressão latina para “a Escritura somente”. Po pularizado por Lutero, o slogan defendia a subordinação de toda autoridade humana - como a tradição, papas, concílios e imperadores - à suprema autoridade das Escrituras.

Trinitariano - relacionado com ou favorecendo a crença na Trin­dade. Utilizado aqui como termo genérico aplicável a todos que aceitam alguma forma de crença em um Deus manifes­tado em três pessoas.

Triteísmo - crença de que o Pai, o Filho e o Espírito Santo cons­tituem três Deuses. Este ponto de vista afirma a trindade de Deus,’ mas nega a Sua unicidade/j

Unitarianismo - historicamente caracterizado pela não-crença na Trindade e na divindade de Cristo, ensina a unicidade, mas nega a trindade de Deus. Na ausência de doutrinas ofi­ciais, os unitarianos atuais sustentam que a razão e a cons­ciência constituem o padrão final de crença e vida.

Capítulo II

A Trindade na Era da Reforma:

Quatro Pontos de Vista

5 ola Scriptura, a expressão latina para “a Escritura somente”, fornece a chave mais importante para se compreender a varie­dade de abordagens à doutrina da Trindade que se desenvol­

veu durante o período da Reforma. Sendo o grito de guerra para o assalto popular à autoridade da igreja medieval, praticamente todos os matizes de dissidentes religiosos utilizavam sola Scriptura - mas nem todos com o mesmo sentido. variedade de pontos de vista da Reforma a respeito da Trindade espelha de modo claro o espectro de atitudes em relação a sola Scriptura e o uso da expressão.

Os quatro grupos que examinaremos com algum detalhe neste capítulo representam um contínuo de pontos de vista sobre a Trindade, do extremo tradicional ao revolucionário.

1. Uma vez que a Igreja Católica Romana rejeitou a autoridade unicamente das Escrituras, ela manteve o dogma tradicional da Trindade, conforme desenvolvido por Atanásio, Agostinho, Aquino e outros.

2. Os principais reformadores - Lutero, Calvino e seus segui­dores - mudaram da tradição e da filosofia para as Escrituras suas provas principais em favor da Trindade, mas mantiveram as fór­mulas trinitarianas dos primeiros credos cristãos.

3. Os restauracionistas anabatistas efetuaram uma ruptura mais radical com a tradição, procurando restaurar plenamente a doutrina e até mesmo o padrão organizacional da igreja do Novo Testamento. Conseqüentemente, embora retivessem a crença na Trindade, sua explanação sobre ela era mais simples e mais pró­xima da linguagem das Escrituras.

4. Os racionalistas antitrinitarianos também afirmavam a au­toridade das Escrituras somente, mas em relação à Trindade che­garam a conclusões radicalmente diferentes. Ao mesmo tempo que repudiavam os fundamentos filosóficos da teologia medieval (Servetus, pág. 67), sua própria reverência pela razão humana tornou-se outra forma de comprometimento da autoridade da Escritura somente.

Parece claro que o conceito de sola Scriptura não significava a total rejeição de todas as demais formas de autoridade. Represen­tava, antes, a subordinação de todas as autoridades humanas — como a tradição, os papas, os concílios e os imperadores — à su­prema autoridade das Escrituras. Entretanto, mesmo Lutero, que inicialmente popularizou o slogan, nem sempre o seguiu comple­tamente. Assim, parece que os reformadores comprometeram o sola Scriptura — quase fatalmente - desde o princípio, pois mes­mo seus campeões não conseguiram perceber a extensão em que pressuposições contrárias às Escrituras haviam moldado sua visão do mundo. Vivendo numa sociedade religiosa difusa, poucos consideravam que pressuposições fundamentais baseadas na filo­sofia grega haviam predeterminado em grande medida o modo como interpretavam as Escrituras. Vários exemplos emergirão à medida que examinarmos mais detidamente as quatro principais abordagens à doutrina da Trindade na era da Reforma.

O Dogma Católico Romano da TrindadeO ponto de vista católico romano foi o ponto de partida de

todos os reformadores. Conforme esboçado nos capítulos ante­riores, a Igreja Católica Romana chegara, durante a Idade Média,

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à conclusão de que a Trindade era o mais “central” e “fundamen­tal dos ensinamentos” (Pelikan, vol. 3, pág. 279). A formulação filosófica da Trindade era central e fundamental porque, mais que qualquer outra doutrina, dependia diretamente das pressuposi­ções filosóficas gregas. Portanto, sua definição como dogma (algo que precisava ser aceito por todos os fiéis) colocou o selo da legi­timidade sobre as pressuposições de Aristóteles e Platão utilizadas para interpretar as Escrituras. Isso era fundamental porque os teólogos da igreja empregaram as mesmas pressuposições para de­fender outros ensinamentos, como a imortalidade natural da alma, que por sua vez era um pré-requisito necessário à crença no tormento eterno, purgatório, limbo e a mediação dos santos, para mencionar uns poucos exemplos. Assim, a aceitação do dogma da Trindade validou toda a estrutura dogmática da igreja medieval (veja Pelikan, pág. 279).

Neste ponto, precisamos apresentar alguns dos principais ele­mentos da filosofia grega, que tão poderosamente influenciou o desenvolvimento da teologia cristã. O mais importante conceito para a presente discussão envolve a noção de dualismo radical. A filosofia grega percebia o Universo inteiro como dividido em duas categorias de existência: alma (ou espírito), definida como ineren­temente imortal e boa; e coisas materiais, que eram transitórias e essencialmente más. Tal dualismo era “radical” no sentido de que envolvia não meramente o conflito entre o bem e o mal, mas con­trastava drasticamente estados de existência. Isso se tornará mais claro quando considerarmos três aspectos do dualismo radical sub­jacentes à doutrina da Trindade: (1) alma e corpo; (2) Deus e homem; e (3) tempo e atemporalidade (ausência de tempo). O que apresento aqui é uma extrema simplificação, mas a baseei parcialmente no tra­balho erudito de Fernando Canale (“Doctrine of God”).

Para muitas pessoas, o aspecto mais familiar do dualismo grego é o conceito de que o ser humano consiste de uma alma imortal, que é naturalmente boa, e de um corpo mortal, que é basicamen­te mau e precisa finalmente morrer a fim de liberar a alma.

Um segundo aspecto do dualismo grego é uma forma particular de definir Deus em relação à humanidade. A filosofia grega não era ateísta — longe disso. A mitologia grega imaginava um panteão de deuses masculinos e femininos muito humanos, de Zeus a Afrodite. A filosofia grega de Aristóteles e Platão, entretanto, en­sinava uma divindade suprema, totalmente diferente dos humanos. Os filósofos gregos entendiam a Deus como a perfeição absoluta. Identificavam o Criador como o “inamovível movedor”, porque Aristóteles acreditava que se Deus tão-somente pensasse a respeito de coisas materiais, defeituosas e mortais, isso arruinaria Sua ab­soluta perfeição. Ele era “impassível”, ou seja, livre de todas as paixões (sentimentos e emoções) - exatamente o oposto do Deus retratado em Isaías 53:4-6 e Hebreus 4:15. Um historiador sinte­tiza desta forma a situação:

“O Deus de Agostinho, embora trinitariano, foi tornado cativo da filosofia teológica grega da divina simplicidade, imutabilidade e impassibilidade, sendo mais semelhante a um imperador cósmi­co do que a um amoroso e compassivo Pai. Anselmo negou que Deus pudesse experimentar qualquer forma de compaixão. ... Aqueles que corretamente criticam o deísmo por ele subverter os ensinamentos bíblicos ao exaltar acima deles o Iluminismo filo­sófico e a religião natural deveriam considerar a extensão em que a doutrina cristã clássica de Deus foi indevidamente influenciada pelas categorias filosóficas gregas da perfeição metafísica” (Olson, Story o f Christian Theology, pág. 530).

Para tal Deus, ingressar na história e interagir com os seres humanos no espaço e no tempo era, por definição, impossível. A única exceção a essa radical separação entre Deus e a huma­nidade era a alma humana, compreendida como uma chama da alma divina e inerentemente imortal. Em virtude de seu apri­sionamento pelo corpo mortal, a alma propiciava o único ponto de contato através do qual o Deus do lado de fora da História podia influenciar os seres humanos, presos na armadilha do tempo e do espaço.

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Um terceiro aspecto do dualismo radical que se encontra sub­jacente aos dois anteriores e assevera em grau adicional o isola­mento fundamental entre Deus e a humanidade é o dualismo do tempo e da atemporalidade. Os filósofos conceberam a eternida­de de Deus como “atemporal”, ou seja, um “eterno presente”, sem passado ou futuro - em forte contraste com a vida humana, expressa em termos de tempo passado, presente e futuro. Pode­ríamos apresentar estes aspectos num diagrama assim:

1. Deus = Alma pura

2. Deus é impassível; não pode ingressar na História...

3. Deus existe na atemporalidade, “eterno agora”

Radical separação entre a atemporalidade de Deus e a história humana

1. Humanos =corpo material mau + chama de alma imortal

2. ...exceto via alma humana

3. Os humanos vivem no tempo e no espaço

Em cada um desses aspectos, as Escrituras apresentam um qua­dro muito diferente daquele proposto pelo dualismo. Em primeiro lugar, em vez de uma alma naturalmente imortal e um corpo mau, as Escrituras asseveram que o corpo foi criação de Deus e era “muito bom” (Gên. 1:31). Além disso, a alma não é algo capaz de experi­mentar existência consciente separada do corpo (Ecle. 9:5 e 6). Em vez disso, a terminologia escriturística para “alma vivente” refere-se à pessoa como um todo, inclusive o corpo (Gên. 2:7). Longe de ser inerentemente imortal, “a alma que pecar, essa morrerá” (Eze. 18:4 e 20). Dar suficiente detalhe a este respeito foge ao escopo deste tra­balho, mas o forte contraste entre as Escrituras e a filosofia grega nessa área tem recebido crescente reconhecimento de conhecidos teólogos em anos recentes (Cullmann, Fudge, Pinnock, Stott).

Em segundo lugar, as Escrituras contradizem a teoria dualista de que Deus não pode intervir na história humana. O dualismo

defende que Deus, sendo pura alma, age fora do tempo e do es­paço e que, adicionalmente, sendo “impassível” (sem compaixão ou sentimentos), não tem qualquer interesse nos assuntos huma­nos. Ao contrário, as Escrituras retratam a Deus como entrando na história humana, no tempo e no espaço, conforme a Sua von­tade. Em Gênesis, o Senhor Deus caminha e conversa com o casal no Éden (Gên. 3:8 e 9), confronta Caim (Gên. 4:6), intervém na Torre de Babel (Gên. 11:5) e negocia com Abraão a respeito de Sodoma (Gên. 18:16-33). No Êxodo, Deus aparece, fala e apre­senta Seu próprio nome a Moisés, junto à sarça ardente (Êxo. 3:4-4:17); revela-Se de forma visível aos 70 anciãos de Israel (Êxo. 24:9-11); e permite a Moisés uma visão direta de Sua pes­soa (Êxo. 33:19-23).

Mas a filosofia grega considera essas coisas como simplesmente impossíveis, impensáveis, de modo que as interpreta como figuras de linguagem. O que quer que as pessoas comuns entendessem dessas histórias bíblicas (e independente de como os escritores bí­blicos houvessem considerado os seus próprios escritos), os filóso­fos “sabiam” que era um absurdo a divindade ingressar na História, uma contradição em termos que obviamente não podia ser toma­da como declaração da verdade última.

jüma terceira área em que as Escrituras desafiam uma premis­sa grega fundamental diz respeito ao tempo e à atemporal idade (Gonzalez, Christian Thought Revisited, pág. 103). As Escrituras retratam a Deus como maior que o tempo e experimentando o tempo de modo diferente de nós (Sal. 90:4; II Pedro 3:8), mas isso não O exclui de viver no tempo. Pelo fato de que Ele “vivifi­ca os mortos e chama à existência as coisas que não existem” (Rom. 4:17), pode antever pessoas que presentemente se encon­tram mortas como serão quando Ele as ressuscitar (Mat. 22:32). Assim, Ele conhece (antevê) o futuro, o que não podemos fazer. Mas isso não equivale ao conceito de atemporalidade, que vê a Deus como existindo num “eterno agora”. A eternidade na qual Deus vive (Isa. 57:15) e a vida eterna que Ele promete aos crentes

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fiéis (João 3:16) não constituem ausência de tempo, mas sim tempo interminável (Sal. 102:27; Isa. 66:22 e 23).

Por causa desses conflitos básicos com as Escrituras, os filósofos gregos consideravam as Escrituras, especialmente as Escrituras he­braicas, como escritas para os de “mente simples”, e grandemente inferiores à filosofia (ibid., pág. 119). Conseqüentemente, avalia­vam qualquer texto das Escrituras a partir da filosofia grega.(Tudo que concordasse com a filosofia era aceito como verdade; tudo que discordasse, eles consideravam figurativo ou história moralizadora para as massas iletradas. J

Observe o que ocorre com o ensinamento bíblico sobre Deus quando o vemos a partir das lentes da atemporalidade. Quando Deus diz, em Malaquias 3:6, “Eu, o Senhor, não mudo”, Ele quer dizer que Seu caráter é imutável, estável, portanto confiável. In­teiramente digno de confiança, Ele cumpre Suas promessas. He­breus 13:8 afirma a mesma coisa em relação a Deus Filho: Ele “ontem e hoje é o mesmo, e o será para sempre”. Mas a atempo­ralidade diz que Ele não tem “ontem”, nem passado ou futuro, antes é estático, imóvel, num estado de “eterno presente”.

Quando Jesus disse: “Vim de Deus e aqui estou” (João 8:42), o significado claro de Seu pronunciamento aos que O ouviam foi uma reivindicação: “Meu testemunho a respeito do Pai é confiá­vel porque Eu O conheço intimamente; foi Ele quem Me enviou ao mundo e Eu falo como o representante indicado por Ele” (pa­ráfrase livre de João 8:14-17, 28, 29, 38 e 42).

Mas um filósofo grego observaria imediatamente que, se Jesus veio de fora do mundo, veio também de fora do tempo; portan­to, Ele precisava haver preexistido na atemporalidade. Uma vez que a atemporalidade era entendida como um eterno presente, se Cristo “veio” do Pai que existe na atemporalidade, então Sua “vinda” do Pai é eterna. Não teve princípio (passado), nem fim (futuro), mas é eternamente “procedente”. Assim, o dualismo in­terpreta essa simples declaração de Jesus a respeito de Sua vinda ao mundo como referindo-se à Sua origem última.

Podemos deduzir daí duas implicações. Em primeiro lugar, um resultado de ler a declaração de “procedência” filosoficamen­te é que “o Pai é a única das três pessoas que não procedeu de qualquer outra” (Boaventura, citado em Pelikan, vol. 3, pág. 278). O conceito ortodoxo oriental difere em detalhes, mas igualmente sustenta que unicamente o Pai “é não-gerado, o Filho é gerado pelo Pai, e o Espírito Santo procede do Pai através do Filho” (ou, como dizem alguns, “do Pai somente” [ODCC\).

A segunda implicação é que, se a eternidade é um “eterno pre­sente” atemporal, então qualquer coisa que já tenha acontecido a Deus está ainda acontecendo, e prosseguirá acontecendo para sempre. Isso deu origem à teoria da “eterna geração do Filho”. Al­guns incluem o Espírito Santo nessa “eterna geração”, uma vez que dEle também se diz haver “procedido” do Pai [João 15:26](ODCQ. Tal teoria não tem estado livre de críticas. João Calvi- no, por exemplo, exclamou que “é tolo imaginar um contínuo ato de geração quando é evidente que três pessoas têm existido em um Deus desde a eternidade” (Institutes I, xiii. 29). Pois ain­da assim, a despeito de brilhantes, famosos e eruditos opositores (Gonzalez, History o f Christian Thought, vol. 3, págs. 91 e 92), a teoria da “eterna geração do Filho” permanece como parte do dogma da Trindade da Igreja Católica até hoje (Hogan e LeVoir, págs. 12-14). Porém, esse conceito e suas implicações estão basea­dos tão-somente no conceito aristoteliano da atemporalidade.

A razão pela qual esse dogma permanece virtualmente inalte­rado até o presente é que a igreja tornou a sua base lógica uma parte oficial da lei da igreja. O Concílio de Trento (1545-1563), que se iniciou no ano anterior à morte de Lutero e terminou no ano em que Calvino morreu, representou uma síntese da respos­ta católico-romana à Reforma. Depois de extensos debates, o concílio votou que a igreja não pode basear a doutrina unicamen­te nas Escrituras, como pretendiam os protestantes, mas em duas fontes de autoridade: as Escrituras e a tradição, dentre as quais a tradição é mais fundamental. Além disso, Trento redefiniu a tradição,

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não mais como herança da antiguidade, mas como a contínua inspiração da igreja. Se a contínua inspiração da igreja é uma fonte mais importante de autoridade do que as Escrituras, então os pronunciamentos oficiais da igreja constituem sua própria auto­ridade suprema. É a posição diametralmente oposta à da sola Scriptura, e a razão pela qual não temos observado qualquer mu­dança significativa no dogma católico da Trindade.

Os Reformadores Magistrais e a Trindade As figuras principais que dominaram a Reforma protestante, no

século 16 e até o presente, foram Martinho Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1564). Lutero e Calvino colocaram as Escritu­ras acima dos papas, dos concílios da igreja e da tradição. Contudo, nas áreas teológicas em que não perceberam problemas óbvios, as­sumiram que a igreja havia se desenvolvido sob a orientação de Deus, e assim tenderam a interpretar as Escrituras sob formas que afirmaram pontos de vista tradicionais. Ao longo de todas as dis­cussões e conflitos teológicos que tiveram com os católicos, prosse­guiram assumindo que a visão da igreja sobre a Trindade constituía terreno comum a eles próprios (Pelikan, vol.4, págs. 157 e 158). Assim, Justo Gonzalez escreve que “Lutero é perfeitamente ortodo­xo” e Calvino “inteiramente ortodoxo e tradicional” a respeito da Trindade (Gonzalez, History o f Christian Thought, vol. 3, págs. 41 e 126). Em poucos aspectos, contudo, eles tiveram o vislumbre da incoerência entre o testemunho bíblico acerca da Trindade e as es­peculações dos filósofos. Tanto Lutero quanto Calvino desejavam uma doutrina da Trindade expressa unicamente em termos bíbli­cos (Bainton, págs. 58-60; Pelikan, vol. 4, págs. 187, 188 e 322). Calvino criticou a teoria da “eterna geração” (Institutes I, xii. 29) e insistiu na autoridade unicamente da Escritura. Contudo, ele tam­bém estava “disposto a interpretar as Escrituras à luz dos primeiros concílios ecumênicos”. Citou “com freqüência, e muitas vezes com aprovação”, os primeiros pais da igreja (Gonzalez, History o f the Christian Thought, vol. 3, pág. 126).

Em certo sentido, é gravemente injusto de nossa parte acusar os reformadores de haverem falhado em conseguir numa única geração a realização de seu ideal de ver a igreja regida unicamente pelas Escrituras. Temos dolorosa consciência de quão lento é o progresso em nossas próprias vidas. Entretanto, olhando em re­trospectiva, torna-se óbvio que, sendo eles um produto da Idade Média, baseavam-se em uma visão de mundo derivada da filo­sofia grega. Não obstante, pelo poder de Deus, tenham obtido grandes conquistas no sentido de remodelar a igreja e a socieda­de segundo os padrões bíblicos, sua educação filosófica e sua imersão na visão comum de mundo tornaram-lhes virtualmen­te impossível reconhecer que, em boa medida, ainda estavam interpretando as Escrituras através das lentes da filosofia grega. Pelo fato de não haverem percebido com clareza o conflito fun­damental entre a sola Scriptura e o dualismo grego, os movi­mentos por eles iniciados em grande medida retornaram, na ge­ração seguinte, às pressuposições medievais. O resultado foi o escolasticismo protestante, método teológico construído sobre os mesmos fundamentos filosóficos utilizados pelos escolásticos medievais, antes da Reforma. Os escolásticos protestantes, a despeito de sua pretensão de adotarem unicamente a autorida­de da Escritura, sustentavam que os ensinos de AristótelesJ “eram também um dom provindo do Pai das luzes’ [Tiago 1:17]” (Pelikan, vol. 4, pág. 348; Gonzalez, History o f Christian Thought, 241). Dessa forma, a fusão medieval de Aristóteles com as Escrituras sobreviveu à Reforma e ganhou um fôlego es­pecial de vida um século depois de Lutero.

O fato de os protestantes abraçarem a filosofia grega levou os católicos romanos a advertirem os protestantes de que, se eles pretendiam reter a crença na Trindade, tinham de “abandonar seu princípio fundamental” da sola Scriptura (Pelikan, vol. 5, pág. 194). Isso faz surgir uma das mais importantes questões do deba­te pós-Reforma acerca da Trindade: se descartamos a autoridade da tradição, será que as evidências das Escrituras ainda nos com-

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pelem a compreender Deus sob uma forma trinitariana? Alguns católicos romanos responderam que não, mas de todo modo o fi­zeram baseados na tradição. Lutero e Calvino disseram que sim, mas seus descendentes pareciam menos seguros a respeito. Um terceiro grupo daria um “sim” bíblico à questão, mas, no decorrer do processo, simplificaria os termos da doutrina.

Os Anabatistas e a TrindadeOs anabatistas avançaram mais que Lutero e Calvino na rejei­

ção da autoridade da tradição. Retiveram a crença na Trindade, mas em termos consideravelmente mais simples que os dos tradi­cionalistas e escolásticos. Os historiadores eclesiásticos descrevem os anabatistas como restauracionistas (ou restitucionistas), pois seu propósito não era meramente reformar (isto é, melhorar) a igreja, mas efetivamente restaurá-la à forma que possuía no Novo Testamento — até onde isso fosse possível, quinze séculos mais tarde (Liechty, págs. 3-7). Especificamente, rejeitaram o batismo infantil, a base da igreja estatal, argumentando que a igreja do Novo Testamento não incluía todas as pessoas em um dado ter­ritório político, mas apenas aquelas que tomassem uma decisão pessoal de seguir a Cristo. Portanto, a igreja deveria reservar o ba­tismo apenas para pessoas suficientemente maduras para assumir um compromisso deliberado.

Sendo que todos os europeus da época já haviam sido batiza­dos como bebês, a sociedade via o batismo de adultos como um segundo batismo. O nome “anabatista”, cunhado pelos opositores, significa “rebatizador”. A lei imperial romana punira o rebatismo com a morte, e as nações européias recuperaram a antiga lei para lidar com os anabatistas. A convicção anabatista de que a igreja do Novo Testamento era uma igreja “apenas de crentes” significa­va afirmar que o batismo infantil não era um verdadeiro batismo, e que as pessoas batizadas como infantes na verdade não eram cristãs. Dessa forma, a sociedade da época percebeu os anabatistas como ameaçando simultaneamente a unidade da igreja e a segu­

rança do Estado. Por isso, seus oponentes muitas vezes os quei­maram na estaca ou os afogaram num “terceiro batismo” (Snyder, págs. 112, 118 e 193).

Os anabatistas pouco escreveram sobre a Trindade, pois não se especializaram em teologia sistemática. Eles acreditavam que os marcos básicos do verdadeiro cristianismo eram encontrados mais na pureza de vida e no fruto do Espírito do que na correção absoluta e precisa da crença. Embora não desprezassem a crença correta (de fato, estavam dispostos a morrer por ela), parecia-lhes que a verdadeira fé sempre produziria “ fruto visível em arrependi­mento, conversão, regeneração, obediência e uma nova vida, de­dicada a amar a Deus e ao próximo, pelo poder do Espírito Santo”, incluindo-se a disposição de sofrer o martírio, se necessário (ibid., págs. 151 e 152; itálicos no original).

O primeiro teólogo anabatista foi Baltasar Hubmaier, que re­cebera educação universitária em teologia antes de abandonar a Igreja Católica Romana. Ele aceitava o Credo dos Apóstolos e utilizou o termo “Trindade”, embora não o tenha elaborado (Pipkin e Yoder, págs. 348, 349, 361 e 430). O principal escri­tor anabatista sobre a Trindade foi Menno Simons, de quem os menonitas adotaram o nome. Por causa de “seu intenso desejo de usar somente a linguagem escriturística”, Menno “evitou o Uso do termo ‘Trindade’”, mas defendeu, a partir das Escrituras, o conceito básico de um Deus em três pessoas (Gonzalez, His- tory ofChristian Thought, pág. 87).

Mais tarde, os “restauracionistas” se expandiram para incluir outros grupos protestantes que também defendiam o ideal de re­cuperar a doutrina e, tanto quanto possível, a organização da igreja do Novo Testamento. A partir de pontos de origem na Suíça, Alemanha e Holanda, os anabatistas levaram o impulso restaura- cionista tão distante quanto à Rússia, norte e oeste da Inglaterra e, atravessando o Atlântico, chegaram à América do Norte. Na Inglaterra, os ideais restauracionistas desempenharam parte signi­ficativa no desenvolvimento dos batistas, puritanos e outros sepa­

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ratistas, a maioria dos quais finalmente enviou representantes à América do Norte. A ênfase dos anabatistas na prática acima da teoria também influenciou os pietistas morávios, que por sua vez ajudaram a moldar o pensamento de João Wesley e dos metodis­tas. Assim, a rejeição mais completa da tradição medieval por parte dos anabatistas e o seu favorecimento da autoridade das Es­crituras contribuíram para maneiras distintivas de ler e interpretar a Bíblia. Isso ocorreu de um modo que exerceu profunda influência sobre o desenvolvimento da religião nos Estados Unidos, incluindo os adventistas, cerca de 300 anos mais tarde.

Racionalistas AntitrinitarianosO quarto e último grupo a considerarmos neste capítulo é o

dos racionalistas antitrinitarianos. Igual a Lutero e Calvino, eles sustentavam a autoridade unicamente da Escritura. E igual aos anabatistas, a história da igreja os considera “reformadores radi­cais”, em virtude de seu decidido repúdio à autoridade tradicional. Diferentemente dos anabatistas, contudo, QS,iaçÍona,listas.inçlina- vam-se a criticar mesmo as Escrituras quando elas pareciam não preencher os critérios da lógica racional. Dessa forma, tendiam a colocar a razão humana acima da autoridade das Escrituras.

Aquilo que os eruditos identificaram como “guerra contra a Trindade” começou com Miguel Serveto (1511-1553) (Pelikan, vol. 4, pág. 323). Serveto, um espanhol, sentiu-se chocado e en­tristecido pelo brutal tratamento - confisco de propriedades e ba­nimento ou mesmo a morte na fogueira - sofrido por seus com­patriotas judeus e muçulmanos por rejeitarem a Trindade. Eles não eram pagãos. Mas viam a doutrina da Trindade como crença em três deuses, e conseqüentemente como a negação da fé que ti­nham num Deus único (Bainton, págs. 14-16).

A trajetória de reforma que finalmente conduziria Serveto à morte na estaca, em Genebra, começou quando ele pesquisou nas Escrituras a palavra “Trindade”, e não conseguiu encontrá-la. Tam­pouco conseguiu descobrir qualquer referência a “uma mesma

substância” ou a “três pessoas”. Encontrou, sim, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, mas nunca sendo chamados de “três em um”. Es­candalizou-se, pois, de que judeus ou mouros viessem a ser exilados ou queimados vivos em virtude de um dogma que nem mesmo se encontrava nas Escrituras (ibid., págs. 15, 16 e 106).

Obviamente, a Espanha inquisitorial não haveria de tolerar esse tipo de pensamento, de modo que à idade de 19 anos Serve- to imigrou para Basiléia, na Suíça, e de lá dirigiu-se a Estrasbur­go, na França, onde publicou o primeiro de seus livros principais, Sobre os Erros da Trindade, em 1531. Quando católicos e pro­testantes denunciaram o livro, Serveto fugiu para Lion, onde trabalhou como editor de livros, completando o curso médico na Universidade de Paris e tornando-se médico praticante (ibid., págs. 32, 58-74, 82, 97 e 123).

Em 1552, ele publicou seu segundo grande livro, Christianismi Restitutio (A Restituição do Cristianismo). Quando estava termi­nando de escrever esse livro, Serveto iniciou uma longa e por vezes cáustica correspondência com Calvino, residente em Genebra. Quando o livro saiu do prelo, um fanático protestante de Gene­bra comprou um exemplar. Sabendo por meio de Calvino a respeito da identidade do autor, denunciou Serveto à Inquisição na França. Serveto foi preso e interrogado. Mantido por certo tempo numa pequena prisão local, tratou de escapar e iniciou uma viagem de fugitivo rumo à Itália. Infelizmente, parou por uma noite em Genebra, foi reconhecido, preso, julgado e, no dia 27 de outubro de 1553, queimado na estaca pelos protestantes, por haver atacado as doutrinas da Trindade e do batismo infantil (ibid., págs. 130, 150, 151, 207 e 219).

O papel de Calvino na condenação de Serveto “colocou a questão da liberdade religiosa para as igrejasjsvangélicas de uma maneira sem precedentes” (ibid., pág. 214)XPortanto, é provável que a morte de Serveto e a revolta por ela causada tenham in­fluenciado a história cristã muito mais profundamente do que seus escritos contra a Trindadei}Um eminente estudioso de Serveto

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observou que, enquanto Serveto “não apreciava a terminologia tradicional da doutrina, era de alguma forma trinitariano, se não adepto de Atanásio”. Ou seja, ao passo que se opunha ao dogmatis­mo, imposição e terminologia filosófica da doutrina da Trindade, Serveto cria pessoalmente no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Contudo, seus escritos influenciaram outros, que vieram a desen­volver em termos adicionais o raciocínio que ele iniciara (Wilbur, vol. 1, pág. 209).

O mais influente dentre os que aceitaram os escritos de Serve­to foi Fausto Socino (1539-1604), um italiano que vivia em Ra- kow, Polônia. Socino juntou a doutrina da Trindade e a teoria da eterna geração do Filho e rejeitou a ambas como “irracionais e não escriturísticas” (Gonzalez, History o fth e Christian Thought, vol. 3, págs. 91 e 92). Foi ativo na Igreja Menor da Polônia, po­rém muitos se referem a seus seguidores simplesmente como so- cinianos.^Negavam a preexistência do Filho, acreditando que Cristo era “simplesmente homem”, embora cheio do Espírito Santo, e que Ele “possuía conhecimento especial de Deus, e quando da ascensão recebeu o domínio de todas as coisasyDefi- niam o Espírito Santo como ‘uma virtude ou energia que fluía de Deus aos homens’”. Os unitarianos atuais descendem, do ponto de vista doutrinário, dos socinianos (Berkhof, pág. 96).

Outra igreja unitariana surgiu na Transilvânia, parte do que hoje é a Hungria. Francis David (1510-1579) nasceu como ca­tólico, mas com o tempo tornou-se luterano e depois líder dos calvinistas (Wilbur, vol. 2, págs. 24-27). Através de um colega, foi exposto aos escritos de Serveto. Neles, David encontrou os pontos de vista antitrinitarianos, e numa série de debates (1566- 1569) convenceu o rei, a Dieta e boa parte do povo de que a Trindade era uma falsa doutrina que deviam abandonar. Conse­guiu, adicionalmente, um edito de tolerância, assegurando a cada pregador o direito de apresentar o evangelho do modo como o entendia, e a cada comunidade o direito de escolher seu próprio clérigo (Wilbur, vol. 2, págs. 32-38). Assim, aTransilvâ-

nia reconheceu quatro religiões legais: católica romana, luterana, reformada (calvinista) e unitariana (Liechty, págs. 46-50).

Com o tempo, Francis David desenvolveu um monoteísmo semelhante ao dos judeus e muçulmanos, ensinando que apenas o Pai deveria receber orações e adoração. Por ensinar a “não ado­ração a Cristo”, seus oponentes o rotularam de judaizante e o condenaram por heresia. Morreu em virtude de doença enquan­to era julgado, o que o fez ser reconhecido como mártir aos olhos de muitos e deu maior credibilidade a seus ensinamentos (Liechty, pág. 52; Wilbur, vol. 2, pág. 77).

Depois da morte de David, os unitarianos se dividiram em dois grupos, os guardadores do domingo e os observadores do sábado. Na sua primeira geração, os observadores do sábado viam-se a si mesmos como cristãos com significativos pontos em comum com os judeus. Criam (1) no mesmo Deus dos judeus; (2) que a salvação viera atra­vés dos judeus; (3) que os cristãos deveriam observar o sábado, como os judeus; (4) que o trinitarianismo era uma invenção do papado; e (5) que os crentes não deveriam comer porco e deveriam observar os dias de festa de Levítico 23 (Liechty, págs. 55-63).

,0 ostracismo social converteu-se em real perseguição em 1618, de modo que, numa tática de sobrevivência, muitos unitarianos guardadores do sábado ocultaram seu não-conformismo ao pro­fessarem ser membros das igrejas cristãs legais. Apesar da profissão exterior de cristianismo (ou, talvez, devido a uma revolta íntima contra a mesma), a segunda geração de sabatistas unitarianos tor­nou-se primariamente judaica em sua teologia, com apenas ele­mentos secundários de cristianismo (ibid., págs. 66-73).

Por volta de 1638, a Transilvânia possuía entre 15 e 20 mil sa­batistas. Nesse ano, a “grande perseguição” irrompeu, ameaçando os guardadores do sábado de morte, a menos que renunciassem ao sábado e se unissem a uma das quatro igrejas cristãs reconhecidas. Isso conduziu a dois séculos de guarda oculta do sábado. Por 230 anos (1638-1867), a religião sabatista consistiu principalmente de leis dietéticas e ensino de crianças (ibid., págs. 73-79).

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Quando a Hungria e a Transilvânia foram colocadas sob o governo da Áustria, no começo dos anos 1700, as igrejas pro­testantes perderam seu status legal, e pela primeira vez os sa- batistas secretos se uniram à Igreja Católica Romana, onde buscaram cobertura. Cinco anos mais tarde, as autoridades descobriram 71 mulheres sabatistas “católicas romanas”, pois elas utilizavam a gordura de ganso, mais cara do que a de por­co, para cozinhar (ibid., pág. 79).

Finalmente, em 1867, o parlamento húngaro declarou a emancipação dos judeus. Cerca de 180 pessoas, de 40 famílias, saíram das igrejas cristãs, anunciaram sua conversão ao judaísmo e formaram uma sinagoga em Bõszõdujfalu, que hoje faz parte da Romênia (ibid., pág. 81). Evidentemente, outros permaneceram nas igrejas cristãs, pois L. R. Conradi, que visitou Bõszõdujfalu em 1890, relatou que “cinco famílias de guardadores locais do sá­bado” ainda pertenciam “nominalmente às igrejas reformada ou católica” {Seventh-day Adventist Encyclopedia, vol. 1, pág. 468).

De 1868 a 1941, os sabatistas estiveram em paz, mas seu nú­mero declinou. O fim dos unitarianos sabatistas chegou em 1941, com o ultimato nazista: reingressem na igreja cristã ou serão de­portados como judeus. Muitos escolheram a deportação e morre­ram nos campos de concentração nazistas. Os que professassem o cristianismo teriam de demonstrar sua sinceridade queimando sua própria sinagoga, um ato que representou um golpe psicológico e destruiu-lhes completamente a fé (Liechty, pág. 81).

Pós-escrito: a Transilvânia é presentemente parte da Romênia, país que possui mais adventistas do sétimo dia que qualquer ou­tro da Europa Oriental. Isso, em parte, ocorreu graças à herança dos guardadores locais do sábado, a qual preparou o caminho para os missionários adventistas. M. B. Czechowski foi o pionei­ro da mensagem adventista em Pitesti, no inverno de 1868-1869, seguido por L. R. Conradi em 1890 (Seventh-day Adventist Ency­clopedia, vol. 11, pág. 468). Naturalmente, em 1868 e mesmo em 1890, os adventistas do sétimo dia ainda eram mais ou menos

antitrinitarianos, o que deve haver representado outro terreno comum com os unitarianos guardadores do sábado.

Os antitrinitarianos do período da Reforma são significativos para o nosso tópico em virtude de várias razões:

1. Eles sustentavam a autoridade unicamente da Escritura, re­jeitando a tradição e a filosofia.

2. Em seu zelo para rejeitar qualquer coisa derivada meramente da tradição, eles descartaram alguns conceitos que, embora tradicionais, refletiam uma compreensão mais ou menos correta das Escrituras.

3. Seus argumentos doutrinários nos revelam os principais antecedentes do antitrinitarianismo americano e dos primeiros adventistas. Não há muita coisa do raciocínio bíblico antitrini- tariano de épocas posteriores que não haja sido apresentada de alguma forma por Serveto, Socino, Francis David e outros.

ResumoDurante a Reforma, as variedades de crença na Trindade re­

fletiam o espectro de atitudes diante da autoridade das Escrituras. Os católicos romanos, que consciente e deliberadamente basea­ram seu dogma na Bíblia e na tradição filosófica, tinham razões lógicas para manter inalterado o ponto de vista medieval da Trindade. Os principais reformadores fizeram grande esforço para fundamentar suas crenças apenas nas Escrituras, mas nem sempre perceberam quantas suposições filosóficas se entrelaçavam com a sua interpretação bíblica e a moldavam. Qs, anabatistas aprofundaram-se na rejeição da tradição, mas também foram radicais em sua crença de que, através do poder do Espírito Santo, os crentes comuns podiam viver de acordo com os man­damentos das Escrituras (I João 5:3 e 4). X)s antitrinitarianos estavam certos em rejeitar a tradição e professar aceitar a auto­ridade apenas das Escrituras, mas sua abordagem racionalista os levou a erradicar a tradição de modo tão veemente que descar­taram qualquer coisa proveniente da igreja primitiva e medieval como sendo igualmente produto da apostasia.

A Trindade na Era da Reforma: Quatro Pontos de Vista / 205

206 / A Trindade

Em sua abordagem geral às Escrituras, os adventistas se en­contram muito mais próximos dos restauracionistas que dos ra- cionalistas. Ambos os grupos, contudo, advogaram uma radical renúncia da tradição como possuidora de qualquer autoridade em matéria de doutrina. O capítulo 12 argumentará que tal re­núncia da tradição foi, de certa forma, um passo necessário para a recuperação da doutrina bíblica da Trindade. Somente ao colocar totalmente de lado a autoridade da tradição e basear-se apenas nas Escrituras, os estudiosos da Bíblia poderiam distinguir entre os conceitos encontrados nas Escrituras e aqueles baseados apenas na tradição. Mesmo se concluirmos que alguns conceitos tradi­cionais refletem a verdade escriturística, é somente ao testar con­tinuamente a tradição pelas Escrituras que conseguiremos preservar a autoridade da Escritura somente.

O próximo capítulo descreverá as principais correntes do pro­testantismo, restauracionismo e unitarianismo racional, no cenário americano das primeiras décadas dos anos 1800.

Trindade e Antitrinitarianismo

nos Primórdios dos Estados Unidos

A singularidade da religião nos Estados Unidos resultou, em grande medida, do fato de que, poucos anos depois da Re- .volução Americana, as autoridades “desestabeleceram” todas

as igrejas - ou seja, privaram-nas do apoio de impostos. Igrejas que governos europeus haviam categorizado como “estabelecidas” (man­tidas por impostos), heréticas (fora da lei) ou, raramente, “sectárias” (toleradas), nos Estados Unidos vieram a ser todas conhecidas como “denominações”. Elas eram iguais perante a lei e dependentes de sua própria iniciativa para se manterem e evangelizarem. Esse clima per­mitiu que as pessoas propagassem legalmente crenças pelas quais outros, no Velho Mundo, haviam sofrido o martírio. Igrejas antes perseguidas, agora floresceram.

O capítulo anterior distinguiu quatro grupos principais do pe­ríodo da Reforma quanto a suas crenças na Trindade: os católicos romanos, os reformadores, os restauracionistas (anabatistas) e os racionalistas (unitarianos). Todos esses pontos de vista aparece­ram nos Estados Unidos antes de 1800. As primeiras igrejas ame­ricanas incluíam católicos romanos, anglicanos (identificados como episcopais depois da revolta contra a Inglaterra), congrega- cionalistas (puritanos), batistas, amigos, luteranos, reformados

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(calvinistas), huguenotes franceses, morávios, presbiterianos, me­todistas, menonitas, cristãos (da Conexão Cristã), unitarianos e variações étnicas, lingüísticas ou teológicas de vários outros ramos (Olmstead, págs. vii-ix, 296 e 310). Outras igrejas americanas, como os adventistas do sétimo dia, as testemunhas de Jeová, os mórmons e os cientistas cristãos, ainda se encontravam no futuro em 1800. Este capítulo focalizará as contribuições diretas para a doutrina adventista da Trindade — vindas dos metodistas, dos ba­tistas, da Conexão Cristã e dos mileritas. Também fará algumas breves observações acerca dos deístas e dos unitarianos.

Metodistas e Batistas: Protestantes DemocratizantesMetodistas e batistas foram significativos para o desenvolvi­

mento do adventismo de várias maneiras. Primeiro, compartilha­ram uma ampla base doutrinária e mesmo um terreno organizacional comum com a emergente Igreja Adventista (Mustard, págs. 26-32, 249-263). Ambos os grupos possuíam raízes que retrocediam à Re­forma inglesa. E ambos haviam recebido influência dos anabatistas- os metodistas através dos morávios e os batistas através dos batistas ingleses. Tanto metodistas quanto batistas dependiam grandemente da liderança leiga, baseados em sua crença a respeito do sacerdócio de todos os crentes.

Por volta de 1855, os metodistas eram a maior denominação nos Estados Unidos, enquanto os batistas eram a segunda maior. O modo como isso aconteceu revela muito acerca da singularidade desses grupos. Muitas das outras igrejas enfatizavam grandemente a educação ministerial de alto nível. Enviavam os ministros de volta a universidades européias, o que lhes proporcionava um nível de treinamento teológico mais elevado. Contudo, o tempo e o di­nheiro gastos estabeleciam sérios limites à capacidade dessas igrejas em capitalizar as oportunidades oferecidas pela expansão dos Estados Unidos rumo ao oeste.

Os metodistas e os batistas, porém, eram capazes de rapida­mente ampliar o ministério e assim acompanhar o movimento das

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fronteiras rumo ao oeste. Os metodistas possuíam os “circuitos”, grandes grupos de igrejas atendidas por um único pastor. Os pasto­res, conhecidos como “percorredores de circuito”, faziam o trajeto a cavalo. Em cada vila ou cidade eles pregavam, organizavam classes, realizavam casamentos, homenageavam os mortos, batizavam os in­fantes e, em seguida, cavalgavam até a próxima cidade. Quando uma nova povoação aparecia na fronteira, o percorredor de circuito mais próximo simplesmente agregava a nova comunidade ao seu circuito. Os percorredores de circuito eram pastores de tempo integral, mas o grande número de igrejas que necessitavam atender abria espaço para a participação leiga no ministério. Os metodistas faziam amplo uso de pregadores leigos, classes de líderes e outros oficiais de igreja lo­cais, de modo a manter a congregação nos intervalos das visitas do percorredor de circuito (Olmstead, pág. 252). Muitos metodistas foram ativos participantes do movimento milerita, dentre os quais Josias Litch, Levi Stockman e Ellen G. Harmon-White. O pai de Ellen Harmon, Robert Harmon, era líder de classe metodista e “exortador” (pessoa que, após o sermão, apresentava um apelo ex­temporâneo) (Life Sketches, pág. 50; Arthur White, Ellen G. White, vol. 1, pág. 32).

Os batistas praticavam uma abordagem diferente, igualmente bem adaptada à fronteira em expansão. Os pregadores batistas sustentavam-se a si próprios, tipicamente através da agricultura. As qualificações esperadas desses pastores de auto-sustento eram à espiritualidade pessoal e a capacidade natural de liderança, su­plementadas pelo estudo da Bíblia. Uma vez que o sistema não requeria educação teológica formal, os pastores podiam ser recru­tados na velocidade em que isso se fizesse necessário (Olmstead, pág. 251). Um desses fazendeiros-pregadores batistas foi Guilherme Miller, que veio a se tornar o mais destacado líder do movimen­to (milerita) do segundo advento nos Estados Unidos.

Ambas as abordagens propiciaram rápido crescimento e capa­citaram pessoas leigas para o exercício de grandes responsabilidades de liderança, resultando na “democratização do cristianismo

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americano” (Hatch). Uma das conseqüências de depender da li­derança leiga foi que as pressuposições da teologia tradicional, per­petuadas através de treinamento teológico formal, não produziam tão acentuado impacto sobre as congregações locais. Dado o senti­mento dominante de feroz independência diante de qualquer auto­ridade exagerada, civil ou religiosa, essas condições - liderança leiga e ausência de treinamento formal - favoreceram o crescimento das igrejas baseadas em uma leitura singela ou de senso comum das Es­crituras. Por todas essas razões, os metodistas e os batistas haviam se tornado, em 1855, a maior e a segunda maior denominações pro­testantes nos Estados Unidos, com 1,5 e 1,1 milhão de membros, respectivamente (ibid., págs. 251 e 254).

Deístas e Unitarianos: Os Racionalistas AmericanosEm contraste com as denominações protestantes relativamente

ortodoxas, encontravam-se dois outros grupos - deístas e unitarianos— que podem ser incluídos sob a designação geral de racionalistas. O deísmo representava uma aplicação ao cristianismo dos princí­pios básicos do Iluminismo do século 17, especificamente que “nada deveria ser aceito como verdade ... a menos que fundamenta­do sobre a natureza das coisas e em harmonia com a correta razão”. Os principais reformadores protestantes baseavam seus reclamos so­bre a autoridade das Escrituras e a direção do Espírito Santo, tanto na inicial “inspiração dos autores e palavras” das Escrituras quanto na subseqüente iluminação dos leitores e pregadoras da Palavra. Em lugar desta vinculação da palavra inspirada com o Espírito Santo auto-autenticador (I João 2:20 e 27), os deístas elevavam a. “razão humana e a religião natural acima da fé e da revelação especialy Para a maioria dos deístas, as doutrinas da divindade de Jesus e da Trin­dade eram “claramente ... incompatíveis com a religião natural” (Olson, págs. 520, 521, 530 e 531).

Entre os americanos deístas de destaque, podem ser citados Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e Joseph Priestley, que imi­grara da Inglaterra. Guilherme Miller foi declarado deísta por

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cerca de 12 anos, mas freqüentava uma igreja batista por causa de laços familiares (Miller, págs. 2-5), um padrão típico de muitos deístas. Nos lugares em que eram poucos, freqüentavam qualquer igreja disponível; onde, porém, eram suficientemente numerosos para formar congregações segundo a forma que lhes parecia ade­quada, as igrejas resultantes eram unitarianas. Na década de 1790, muitas igrejas congregacionais “tornaram-se unitarianas, com uma teologia fortemente influenciada pelo deísmo”. A Asso­ciação Unitariana Americana foi organizada em 1825, “sem credo”, “doutrina” ou autoridade além da congregação local. Tendo a Harvard Divinity School (Escola de Divindade de Harvard) como seu “seminário oficial”, a denominação exerceu uma in­fluência que em muito ultrapassou a proporção de seus mem­bros, dentre os quais se incluíram vários presidentes americanos e muitos membros do Congresso (Olson, págs. 531 e 532).

Em relação à Trindade, os unitarianos são os descendentes es­pirituais de Fausto Socino. Unitarianos representativos têm assu­mido a posição de que Deus o Pai é o único Deus, Jesus era ape­nas humano e o Espírito Santo é apenas um aspecto do poder de Deus, não uma pessoa divina. Este ponto de vista apela à razão em virtude de sua simplicidade. Infelizmente, tal simplicidade é obtida ao ignorarmos as passagens das Escrituras que falam da di­vindade e preexistência de Cristo, bem como aquelas que atri­buem ao Espírito Santo os atributos da personalidade. Tiago White certa vez referiu-se ao conceito unitariano de Deus, ao qual rejeitou porque fazia “Cristo inferior ao Pai” (J. White, Re- view and Herald, 29 de novembro de 1877). No próximo capítu­lo, examinaremos esta declaração e seu contexto.

Conexão Cristã: Os Restauracionistas AmericanosO capítulo anterior dividiu os protestantes em três grupos: re­

formadores tradicionais, racionalistas e restauracionistas. Um no­tável exemplo de restauracionismo nos primórdios da religião americana foi a Conexão Cristã. Essa denominação começou

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com congregações que se separaram de associações metodistas, presbiterianas e batistas, e que se uniram sob a liderança de Ale- xander Stone por volta de 1810. Josué V. Himes, notável minis­tro da Conexão, e que mais tarde tornou-se o segundo mais in­fluente líder milerita, escreveu em 1833 que o propósito primário dos “conexionistas” era “seguir mais estritamente a simplicidade dos apóstolos e dos cristãos primitivos”, um ponto de vista que os identificava claramente como restauracionistas. Alexander Sto­ne era um não-trinitariano, embora jamais houvesse insistido na crença como “condição para tornar-se membro”. De fato, “vá­rios” de seus associados ministeriais não concordavam com ele nesse aspecto. A evidência sugere que Alexander não tornou pree­minentes seus pontos de vista. Em outros aspectos, a Conexão Cristã era inteiramente evangélica e pouco diferia dos batistas li­vres, com os quais, um século mais tarde, eles analisaram a possi­bilidade de fusão (Conking, págs. 13 e 32).

Entretanto, em 1832 Alexander Campbell, fundador dos Discí­pulos de Cristo, cortejou os conexionistas. Uma vez que Campbell era ostensivamente hostil aos não-trinitarianos, sua proposta de fusão dividiu a Conexão Cristã exatamente ao longo da linha da doutrina de Deus. Os trinitarianos tornaram-se em sua maioria Discí­pulos e os não-trinitarianos permaneceram na Conexão, de modo que o ponto de vista não-trinitariano tornou-se dominante na Co­nexão Cristã depois de 1832. Escrevendo um ano mais tarde, Himes observou, em relação aos conexionistas, que “a princípio, eles eram geralmente trinitarianos”, mas que desde então a maioria deles “re­jeitou a doutrina da Trindade como sendo não escriturística” (Himes, pág. 363). A Conexão sobreviveu por mais um século, fundindo-se em 1931 com os congregacionalistas, e assim formando a Igreja Cris­tã Congregacional (Conkin, págs. 29, 32 e 33).

Talvez a explicação principal para o fato de um grande número de mileritas haver provindo da Conexão seja o “princípio distintivo” conexionista de que cada membro “tem o direito de ser seu próprio expositor” das Escrituras e de que “a diversidade de sentimentos não

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constitui empecilho para o companheirismo na igreja” (Himes, pág. 362). Dentre os três principais líderes fundadores dos adventistas do sétimo dia, dois (José Bates e Tiago White) haviam sido conexionis- tas. Não é de surpreender, pois, que os primeiros adventistas concor­dassem com a declaração de Himes da crença conexionista de que “existe apenas um Deus vivo e verdadeiro, o Pai Todo-Poderoso, ... que Cristo é o Filho de Deus ... e que o Espírito Santo é o poder e energia de Deus, a santa influência de Deus através de cuja agência... os maus são regenerados, convertidos e recuperados para uma vida virtuosa e santa” (ibid., pág. 363; itálicos acrescentados).

O Movimento Adventista MileritaA causa comum que levou muitos metodistas, batistas e conexio-

nistas a se unirem foi o movimento (milerita) do Segundo Adven­to, nas décadas de 1830 e 1840. Conforme observado antes, Gui­lherme Miller era um daqueles pregadores leigos batistas que tam­bém era por acaso um mui bem-sucedido fazendeiro. Suas pesquisas particulares levadas a cabo ao longo de 15 anos tornaram-se um movimento em 1831, quando ele - com grande relutância - apre­sentou a primeira série de conferências públicas acerca do Segundo Advento. Em termos de raízes teológicas e tempo de surgimento, o milerismo apareceu como o clímax do Segundo Grande Desperta- mento — um reavivamento evangélico que sacudiu os Estados Unidos nas décadas de 1820 e 1830.(0 próprio Miller possuía uma visão tradicional da Trindade, mas não sem o saudável ceticismo da es­peculação filosóficà. Ele declarou: “Creio em um Deus vivo e ver­dadeiro, e que existem três pessoas na Divindade - assim como existem no homem o corpo, a alma e o espírito. E se alguma pessoa for capaz de me dizer como estes três existem, também lhe direi como as três pessoas do Deus triúno se conectam entre si” (James White, Life o f Miller, pág. 59). Obviamente, a tendência não-trini- tariana dos primórdios do adventismo não veio de Miller.

Everett N. Dick compilou uma lista de 174 pregadores mileri- tas cujas afiliações denominacionais são conhecidas. Se a sua lista

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constitui uma amostra representativa, então aproximadamente 44,3 por cento dos líderes mileritas eram metodistas; 27 por cento eram batistas; 9 por cento eram congregacionalistas; 8 por cento eram da Conexão Cristã; 7 por cento eram presbiterianos; 2 por cento eram episcopais; 1,5 por cento era da Igreja Reformada Holandesa; 0,6 por cento, luteranos; e 0,6 por cento, Amigos (Dick, págs. 166 e 167).

Assim, ao passo que os membros da Conexão Cristã eram ape­nas uma dentre as muitas influências no movimento milerita, entre os adventistas guardadores do sábado nos anos formativos (1845- 1850), dois dentre os três fundadores (Tiago White e José Bates) haviam sido ativos na Conexão Cristã. Bates escolheu a Conexão Cristã, em preferência à Igreja Congregacional de seus pais, espe­cificamente porque concordava com os ensinos da Conexão em favor do batismo por imersão e contra a doutrina da Trindade (Bates, Autobiography, pág. 205).

A terceira fundadora da Igreja Adventista do Sétimo Dia, El- len G. Harmon-White, era filha de um líder leigo metodista. Toda a sua família sofreu a expulsão da Igreja Metodista em vir­tude da crença em um próximo segundo advento. Uma vez que é fato conhecido que ela discordava da igreja de sua infância no tocante a pontos tão cardeais quanto o destino dos ímpios e mais tarde o sábado, não podemos simplesmente concluir que seus pontos de vista naquele momento eram “metodistas”. O capítu­lo 13 examinará as evidências relativas às crenças que, cedo na vida, mantinha a respeito da Divindade.

Em resumo, embora os adventistas reconheçam sua dívida para com Lutero, Calvino e um exército de cristãos do passado, é correta a observação de Conkin de que, em sua aceitação das “leis, heróis e histórias” do Antigo Testamento, e ao advogarem “uma versão do cristianismo menos afetada pelas religiões e filo­sofias dos gentios”, os adventistas são, “neste sentido”, “extrema­mente restauracionistas” (Conkin, pág. 115). Isso se harmoniza com a convicção adventista comum de que sua missão corpora-

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tiva é completar a Reforma tão nobremente iniciada pelos gigantes cristãos dos últimos cinco séculos. Os adventistas advogam um cristianismo construído unicamente sobre a autoridade das Es­crituras - as Escrituras completas, e nada acima ou contrário a elas. O próximo capítulo considerará como esse ponto de vista das Escrituras tem afetado o desenvolvimento da doutrina ad- ventista da Trindade.

Capítulo 13

Trindade e Antitrinitarianismo na História Adventista

José Bates escreveu o seguinte relacionado com a sua conversão em 1827: “Com respeito à Trindade, concluí que me era im­possível crer que o Senhor Jesus Cristo, o Filho do Pai, era

também^Q/ Deus Todo-Poderoso, o Pai, um e o mesmo ser.” Em virtude dessa crença, ele optou por unir-seà Conexão Cristã, e não à Igreja Congregacional de seus pais (Bates, pág. 205). Poderíamos ser tentados a descartar a afirmação de Bates como uma simples ig­norância do significado da Trindade, mas existiam e continuam existindo muitas visões diferentes quanto ao termo “trindade”. Roswell F. Cottrell observou em 1869 que existia “uma multidão de pontos de vista” sobre a Trindade, “todos eles ortodoxos, supo­nho, tanto quanto nominalmente se refiram à doutrina” (Cottrell).

Tornou-se aceito pela história adventista que a maioria dos principais pioneiros adventistas eram não-trini tarianosM as esse fato foi recebido com surpresa pela maioria dos adventistas há cerca de 40 anos, quando Erwin R. Gane escreveu uma tese de mestrado sobre o assunto) Mais recentemente, uma questão adi­cional tem surgido com insistente urgência: era correta ou errada a crença dos pioneiros a respeito da Divindade? Seguindo a linha de raciocínio, ou os pioneiros estavam equivocados e a igreja da

Trindade e Antitrinitarianismo na História Adventista 1217

atualidade está correta, ou os pioneiros estavam certos e a presen­te Igreja Adventista do Sétimo Dia apostatou da verdade bíblica.

O objetivo deste capítulo é examinar os pontos de vista dos pio­neiros e dos adventistas posteriores, tentando ver como eles se alte­raram ao longo do tempo. Isso possibilitará avaliar se as mudanças representam o resultado de crescente compreensão bíblica ou um afastamento das Escrituras a fim de abraçar pontos de vista basea­dos na tradição. Buscaremos respostas substanciais para as seguintes questões: poderiam os pioneiros haver estado parcialmente, mas não totalmente, corretos? Existe uma doutrina bíblica da Trindade que gradualmente foi sendo revelada à Igreja Adventista, no tempo designado por Deus? A aceitação de uma forma de trinitarianismo pelos adventistas representa o resultado de crescente compreensão das Escrituras, o que exemplifica o motivo pelo qual os pioneiros re­jeitaram a formação de um credo? Ou se trata de um erro herético, vestígio do cristianismo medieval, sem sólida base nas Escrituras, de forma que sua aceitação pela igreja hoje representa um afastamento da fidelidade às Escrituras mantida pelos pioneiros?

Podemos dividir a história da dojjtrina da Divindade, no contexto do adventismo do sétimo dia, em cinco períodos:'o predomínio an- titrinitariano, 1846-1888; a insatisfação com o antitrinitarianismo, 1888-1898; a mudança de paradigma, 1898-1915; o declínio do antitrinitarianismo, 1915-1946; o predomínio do trinitarianismo, de 1946 até o presente. Erwin R. Gane, Russell Holt e outros tra­taram dos três primeiros períodos; Merlin Burt cobriu o período de 1888-1957; porém, nenhum deles lidou com a crise de Kellogg ou o período pós-1980.

1. Predomínio Antitrinitariano, 1846-1888Entre 1846 e 1888, a maioria dos adventistas rejeitou o con­

ceito da Trindade - pelo menos da forma como o entendiam. Todos os principais escritores eram antitrinitarianos, embora encontre­mos referências esparsas a membros que sustentavam pontos de vista trinitarianos. Ambrose C. Spicer, pai de William Ambrose

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Spicer, presidente da Associação Geral, havia sido ministro batista do sétimo dia antes de se converter ao adventismo em 1847 (An- derson, págs. 11-13). Evidentemente, ele permaneceu trinitariano, pois W A. Spicer contou a A. W. Spalding que seu pai “ofendeu-se tanto com a atmosfera antitrinitariana de Battle Creek que parou de pregar” (Burt, pág. 3). S. B. Whitney havia sido trinitariano, mas, no decurso de sua doutrinação pelo adventismo, tornou-se em 1861 claramente um convicto antitrinitariano. Sua experiência evidencia que pelo menos alguns ministros ensinavam o antitrinitarianismo como um elemento essencial na instrução dos novos conversos (Whitney). R. E Cottrell, por outro lado, escreveu na Review que, embora não cresse na Trindade, nunca havia “pregado contra ela” ou escrito anteriormente sobre o assunto (Cottrell). Um terceiro traço de evidência de que nem todos estavam unânimes no antitrinitaria­nismo foi a ênfase de Daniel T. Bourdeau em 1890: “Embora afir­memos ser crentes e adoradores de um único Deus, tenho chegado a pensar que entre nós existem tantos deuses quantas são as concep­ções da Divindade” (Bourdeau).

Os que rejeitaram a doutrina tradicional da Trindade dos credos cristãos não questionavam o testemunho bíblico sobre a eternidade de Deus Pai, a divindade de Jesus Cristo como “Criador, Redentor e Mediador”, e a “importância do Espírito Santo” (Gane, pág. 109). Eles criam que Jesus havia preexistido desde um tempo “tão distan­te nos dias da eternidade que para a compreensão finita [Ele] é pra­ticamente sem começo” (E. J. Waggoner, págs. 21 e 22).(Contudo, eles não estavam inicialmente convencidos de que Jesus era sem co­meço, ou que o Espírito Santo é uma pessoa divina individual e não meramente uma expressão do poder ou da presença divina^)

Os pioneiros adventistas destacaram pelo menos seis razões para a sua rejeição do termo “trindade”. A primeira era que eles não viam evi­dência bíblica para três pessoas em uma Divindade. Os capítulos anteriores apontaram evidências bíblicas para o conceito de que Deus é um (Deut. 6:4), mas consiste de três pessoas, o Pai, o Filho e o Espí­rito Santo (Mat. 28:19; 2 Cor 13:14, etc.; Nisto Cremos, págs. 40-44).

Trindade e Antitrinitarianismo na História Adventista / 219

A palavra “pessoa”, como aplicada a Deus, indica um ser com perso­nalidade, intelecto e vontade. Diferentemente dos múltiplos deuses do politeísmo, as três pessoas da Divindade bíblica são profundamen­te unidas em propósito, mente e caráter, de modo que, apesar de Sua individualidade, nunca estão divididas, nunca entram em conflito, e assim constituem apenas um Deus, e não três (ibid., 42).

Como explicar tal mistério tem sido o assunto de muita refle- xaeTe' especulação ao longo dos séculos/Em capítulos anteriores, notamos a pesada influência da filosofia grega nos desenvolvimentos doutrinários na história da igreja primitiva e medieval, levando à aceitação de dogmas como a imortalidade da alma e a santidade do domingo. E essencial que rejeitemos esses conceitos antibíblicos. Contudo, o uso de palavras que não se encontram na Bíblia para descrever conceitos bíblicos não é inerentemente errado. A palavra “milênio”, por exemplo, é um termo latino extrabíblico para um conceito totalmente bíblico—os mil anos de Apocalipse 20. Da mesma forma, “trindade” é um termo latino que significa “tríade” ou “trio” — três componentes que perfazem um todo. A palavra “encarnação” — a Divindade tornando-Se carne (João 1:14) — tam­bém não é encontrada na Bíblia e representa um conceito que de­safia a capacidade humana de explicar. Contudo, ela expressa uma verdade que a Bíblia ensina e os cristãos aceitam. O mesmo acon­tece com a Trindade.

A segunda razão que os pioneiros adventistas deram para re­jeitar a Trindade foi a concepção errônea de que a Trindade torna o Pai e o Filho idênticos (a mesma pessoa). Já vimos o testemu­nho de Bates: “Com respeito à Trindade, concluí que me era im­possível crer que o Senhor Jesus Cristo, o Filho do Pai, era tam­bém o Deus Todo-Poderoso, o Pai, um e o mesmo ser.” Se, pela expressão “um e o mesmo ser”, Bates pretendia negar que Cris­to e o Pai são um em natureza, então ele estava contradizendo Fi- lipenses 2:6 e Colossenses 2:9. Porém, se ele queria dizer que não são “uma e a mesma pessoa”, ele estava certo. D. W. Hull, J. N. Loughborough, S. B. Whitney e D. M. Canright partilhavam

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o mesmo ponto de vista (Gane, pág. 104). Os adventistas hoje concordam com eles em rejeitar o conceito de que o Pai e o Filho são a mesma idêntica pessoa. Como vimos, é uma antiga heresia chamada modalismo, monarquismo ou sabelianismo, ligada a Sa- bélio, um de seus proponentes do terceiro século. Os modalistas “sustentam que na Divindade a única diferenciação era uma mera- sucessão de modos ou operações”. Assim, eles negavam a triuni- dade de Deus e defendiam que Pai, Filho e Espírito Santo não eram personalidades separadas (ODCC).

A terceira e oposta objeção à doutrina da Trindade nasceu da con­cepção errônea de que ela ensina a existência de três deuses. “Se Pai, Filho e Espírito Santo são cada um Deus, seriam três deuses”, escreveu Loughborough em 1861. Ele corretamente rejeitou o triteísmo.

A quarta razão era que a crença na Trindade iria diminuir o va­lor da expiação (Gane, pág. 105). Raciocinavam que, uma vez que o “sempre vivente e auto-existente Deus” não pode morrer, então Cristo tampouco poderia morrer no Calvário, caso possuísse auto- existência como Deus. Se apenas a Sua humanidade morreu, Seu sacrifício era apenas humano, inadequado para a redenção (J. H. Waggoner, págs. 173-175). Assim, para poder proteger a realidade de Sua morte na cruz, os pioneiros sentiram que teriam de negar que Cristo possuísse imortalidade divina preexistente. Ellen Whi­te finalmente respondeu a esta objeção. Em 1897, ela rejeitou o raciocínio pioneiro, explicando que, ao Jesus morrer na cruz, “a divindade não morreu; a humanidade morreu” (Manuscrito 131,1897). Novamente, ela escreveu: “A humanidade morreu; a divin­dade não morreu” (Youth’s Instructor, 4 de agosto de 1898).

Em quinto lugar, os adventistas pensavam que o fato de as Es­crituras chamarem a Cristo de Filho de Deus e de “o princípio da criação de Deus” (Apoc. 3:14) era uma prova de que Ele devia ter uma origem mais recente que a de Deus o Pai (Smith, Daniel and Revelation, pág. 487; Looking Unto Jesus, pág. 10).

Em sexto lugar, eles argumentavam que “existem várias expressões concernentes ao Espírito Santo que indicariam que Ele não poderia

Trindade e A ntitrinitarianismo na História Adventista / 221

ser considerado propriamente uma pessoa, tais como ser derramado no coração’ [Rom. 5:5] e ser ‘derramado sobre toda carne’ [Joel 2:28]” (Uriah Smith, Review andHerald, 23 de março de 1897).

Todas as objeções dos adventistas à Trindade rejeitavam formas especulativas extrabíblicas da crença na Trindade ou interpreta­vam erradamente o testemunho bíblico. Nenhuma delas constitui uma objeção válida ao verdadeiro ensino bíblico sobre um Deus em três pessoas. Ainda assim, todas essas objeções utilizavam textos bíblicos em sua explanação. Os pontos de vista da igreja finalmente mudaram porque os adventistas chegaram a uma compreensão diferente da evidência bíblica.

2. Início da Insatisfação com o Antitrinitarianismo, 1888-1898

Para os que aceitaram, o foco da sessão de 1888 da Associação Geral, priorizando “Cristo, nossa justiça”, assentou as bases para a renovação em cada área de suas vidas, pensamento e prática. A exaltação da cruz de Cristo questionava seriamente a possibilidade de uma divindade subordinada e derivada poder representar ade­quadamente a natureza e o caráter de Cristo. E. J. Waggoner insis­tiu na necessidade de “apresentar a correta posição de Cristo em igualdade com o Pai, de modo que Seu poder redentor possa ser melhor apreciado” (E. J. Waggoner, pág. 19). Embora o Waggoner de 1890 ainda não houvesse captado plenamente a infinitamente eterna preexistência de Cristo, argumentou convincentemente que Cristo não havia sido criado, que Ele “possui Vida em Si mesmo’ [Joãol0:17]; que Ele possui imortalidade inerente a Si mesmo”. Waggoner insistiu na “divina unidade do Pai e do Filho” e afirmou que Cristo é “por natureza da mesma substância de Deus, possuin­do vida em Si mesmo, e assim é adequadamente chamado de Jeo­vá, o que existe por Si mesmo” (Jer. 23:6), que é “igual a Deus” (Fil. 2:6), “tendo todos os atributos de Deus” (ibid., págs. 21-25).

Waggoner ainda não era plenamente trinitariano, mas con­seguiu ver claramente que uma concepção mais exaltada da

222 / A Trindade

obra redentora de Cristo demandava uma visão de Seu ser como divindade. “O fato de que Cristo é parte da Divindade, possuindo todos os atributos da Divindade, sendo igual ao Pai em todos os aspectos, como Criador e Legislador, é a única força presente na expiação. ... Cristo morreu para poder trazer-nos a Deus’ (I Pedro 3:18); mas se Lhe faltasse um jota para ser igual a Deus, não poderia levar-nos ao Pai” (ibid., pág. 44). A força dessa lógica nos leva inevitavelmente a reconhecer a plena igual­dade de Cristo também em termos de preexistência.

Assim, a dinâmica da justificação pela fé e suas conseqüências sobre a doutrina de Deus proveram o contexto histórico para o provocativo comentário de D. T. Bordeau em 1890, de que “em­bora afirmemos ser crentes e adoradores de um único Deus, tenho chegado a pensar que entre nós existem tantos deuses quantas são as concepções da Divindade”. Tal comentário, provindo de um al­tamente respeitado evangelista e missionário, parece indicar que a confiança coletiva no paradigma antitrinitariano começava a mos­trar algumas rachaduras. Evidências adicionais de que esse era realmente o caso apareceram dois anos mais tarde, em 1892, quando a Pacific Press publicou um panfleto intitulado “The Bi­ble Doctrine of the Trinity” (A Doutrina Bíblica da Trindade), escrito por Samuel T. Spear.' O panfleto corrigiu dois falsos con­ceitos prevalecentes da doutrina da Trindade, mostrando que ela “não se trata de um sistema de triteísmo, ou a doutrina de três deuses, antes é a doutrina de um Deus subsistindo e agindo em três pessoas, com a qualificação de que o termo ‘pessoa ... não deve, quando usado nesta relação, ser entendido em qualquer sen­tido que o torneincoerente com a unidade da Divindade”.

A obra de. Uriah Smith Looking Unto Jesus (Contemplando a Je­sus) era a mais abrangente e cuidadosa exposição do ponto de vista não-trinitariano entre os adventistas. Smith repudiou enfaticamente seu ponto de vista anterior de que Cristo havia sido criado, mas pros­seguiu sustentando que “Deus [o Pai] unicamente era sem princípio. No ponto mais distante do passado em que um princípio pudesse

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existir - um período tão remoto que para as mentes finitas ele repre­senta essencialmente a eternidade - apareceu o Verbo”. Embora através de meios não claramente identificados nas Escrituras, Cris­to havia sido “trazido à existência” ou “gerado”. “Através de algum impulso ou processo divino, que não a criação”, o Pai havia trazido Cristo à existência. Num de seus parágrafos, Smith se aproxima sur­preendentemente de uma declaração trinitariana: “A união entre o Pai e o Filho não diminui a nenhum dEles, antes fortalece a ambos. Através dela, em conexão com o Espírito Santo, temos a Divindade toda” (Smith, Looking Unto Jesus, págs. 3, 10, 13 e 17). Mas esse lento debater-se rumo a uma compreensão mais completa foi total­mente eclipsado pela enfática declaração de O Desejado de Todas as Nações, publicado nesse mesmo ano.

3. Mudança de Paradigma, 1898-1915O período de 1898 a 1915 testemunhou uma reversão quase

completa do pensamento adventista acerca da Trindade. Digo “quase” porque a mudança de paradigma não conduziu à unani­midade no assunto. Conforme documentou Merlin Burt, antigos líderes que tendiam ao “velho ponto de vista” permaneceram com voz influente por muitos anos (Burt).

Entretanto, a publicação em 1898 de O Desejado de Todas as Nações, de Ellen White, veio a tornar-se o divisor continental de águas para a compreensão adventista da Trindade. Nesse livro, ela discordou fortemente da maioria dos líderes pioneiros em relação à preexistência de Cristo, a começar com o primeiro parágrafo do livro. Na terceira linha do primeiro capítulo, ela declarou: “Desde os dias da eternidade o Senhor Jesus Cristo era um com o Paz” (pág. 19; itálicos acrescentados). Porém, isso ainda não foi suficiente­mente inequívoco para clarificar sua posição quanto à divindade de Jesus, pois, conforme vimos, outros haviam utilizado lingua­gem similar sem crerem que Cristo fosse infinita e eternamente preexistente. Mais adiante, no mesmo livro, ao escrever sobre a ressurreição de Lázaro, ela citou as palavras de Cristo: “Eu sou a

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ressurreição e a vida”. E, em seguida, apresentou um comentário de sete palavras que veio a inverter a onda de teologia antitrinita- riana entre os adventistas: “Em Cristo há vida original, não empres­tada, não derivada’ (ibid., pág. 530; itálicos acrescentados). Cristo não obtivera, em termos últimos, Sua vida divina do Pai. Como homem sobre a Terra, Ele subordinara Sua vontade à do Pai (João 5:19 e 30), mas como Deus auto-existente, possuía o poder de de­positar Sua vida e retomá-la outra vez. Assim, ao comentar sobre a ressurreição de Cristo, Ellen White uma vez mais asseverou Sua plena divindade e igualdade com o Pai, declarando//‘o Salvador saiu do sepulcro pela vida que havia em Si mesmo”-’(ibid., pág. 785). Isso, evidentemente, refuta não apenas os pontos de vista semi-arianos dos primeiros adventistas, mas também a ortodoxia tradicional. Conforme observado no capítulo 11, o dogma tradi­cional da Trindade sustentava que Cristo derivara do Pai, sendo, portanto, subordinado ao Pai em Sua própria essência.

A afirmação de Ellen White sobre a eterna auto-existência de Cristo foi um choque para a liderança teológica da igreja. M. L. Andreasen, que se tornara adventista apenas quatro anos antes, aos 18 anos de idade, e que posteriormente veio a lecionar no se­minário norte-americano da igreja, disse que o novo conceito era tão diferente da compreensão anterior que alguns preeminentes líderes duvidaram que Ellen White realmente escrevera aquilo. Depois que Andreasen ingressou no ministério, em 1902, em­preendeu uma viagem especial ao lar de Ellen White, na Califór­nia, com o objetivo de investigar a questão por si mesmo. Ela lhe deu as boas-vindas e lhe “franqueou o acesso a seus manuscritos”. Andreasen levara consigo “certo número de citações” que “dese­java ver se realmente se encontravam presentes nos originais es­critos à mão” de White. “Eu estava certo de que a irmã White ja­mais escrevera em Cristo há vida original, não emprestada, não derivada’. Agora, porém, encontrei a expressão em seus próprios manuscritos, exatamente como o texto havia sido publicado. O mesmo ocorreu com as demais declarações. Conforme fui confe-

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rindo, constatei que eram realmente as expressões da irmã Whi­te” (Andreasen, “Spirit of Prophecy”, pág. 20).

O Desejado de Todas as Nações continha igualmente declarações muito explícitas no tocante à divindade do Espírito Santo. Às pá­ginas 669-671, Ellen White repetidamente utiliza o pronome “Ele” em referência ao Espírito Santo, atingindo o clímax com esta impressionante declaração: “O Espírito deveria ser concedido como um agente regenerador, e sem isso o sacrifício de Cristo ha­veria sido sem valor. ... O pecado somente poderia ser resistido e vencido através da poderosa agência da terceira pessoa da Divinda­de, que viria não com energia modificada, mas na plenitude do di­vino poder^Xpág. 671, itálicos acrescentados).

Alguns receberam essa e outras declarações similares como inspi­rada correção doutrinária para a igreja. Outros, descrendo que pudes­sem haver estado em erro por tantos anos, continuaram repetindo os velhos argumentos. O testemunho de Ellen White, entretanto, ao chamar a atenção para textos bíblicos cuja importância a igreja havia subestimado, criou uma irreversível mudança de paradigma. (Os textos que Ellen citou em apoio a vários aspectos da visão trinitaria- na incluíam João 10:30; Col. 2:9 e Heb. 1:3 [todos em Evangelismo, págs. 613 e 614]; Mat. 28:19 e 20; Prov. 8:30 e João 1:1 [ibid., pág. 615]; João 8:57 e 58; 11:25; 16:8; Rom. 8:16; I Cor. 2:11 e 12 [ibid., págs. 616 e 617]; e João 14:16-18 e 26; 16:8, 12-14 [O Desejado de Todas as Nações, págs. 669-671]. À medida que os adventistas, tais quais os bereanos de Atos 17:11, retornaram às Escrituras para ver “se estas coisas eram assim”, finalmente chegaram a um crescente consen­so de que os conceitos básicos da Trindade eram uma verdade bíblica a ser aceita e abraçada.

Embora o livro O Desejado de Todas as Nações tenha colocado em ação a mudança da compreensão adventista da Divindade, ele não foi a última palavra de Ellen White sobre o assunto. Mais tar­de, durante a crise de Kellogg, nos anos 1902-1907, Ellen Whi­te repetidamente utilizou expressões como “as três pessoas viven­tes do trio celestial”, enquanto prosseguia mantendo a unidade

2 2 6 / A Trindade

essencial da Divindade. Assim, ela afirmou a pluralidade e a uni­dade - a triunidade e a unicidade - como os elementos funda­mentais de uma compreensão simples e bíblica da Trindade. No próximo capítulo, ao examinar a crise de Kellogg, analisaremos mais detalhadamente essas declarações e seu contexto.

Uma evidência de que alguns reconheceram as declarações de O Desejado de Todas as Nações como removendo as objeções bíbli­cas à doutrina da Trindade é o resumo das crenças adventistas pu­blicado por F. M. Wilcox na Review andHerald em 1913. Wilcox, editor do mais influente periódico denominacional, escreveu que “os adventistas do sétimo dia crêem: 1. Na divina Trindade. Essa Trindade consiste do eterno Pai, ... do Senhor Jesus Cristo, ... [e] do Espírito Santo, a terceira pessoa da Divindade” (Wilcox).

4. Declínio do Antitrinitarianismo, 1915-1946Apesar da declaração de Wilcox na Review (ou, talvez, exatamente

por causa dela), o debate sobre a Trindade intensificou-se nas primeiras décadas do século 20. Na Conferência Bíblica de 1919, a eternidade de Cristo e Sua relação com o Pai constituíram o maior e não resolvido as­sunto em debate. Curiosamente, em vista da declaração de Ellen White em O Desejado de Todas as Nações, sustentando que a vida de Cristo era “não derivada”, até mesmo W W Prescott, o mais destacado proponen­te de um ponto de vista trinitariano na conferência, sustentou que a exis­tência de Cristo era de alguma forma “derivada” da do Pai (Burt, págs. 26,27 e 31). Isso mostra, no mínimo, que a liderança buscava uma cla­ra compreensão bíblica e que não estavam satisfeitos em simplesmente aceitar o pronunciamento de White sem o conferirem nas Escrituras.

A polarização do cristianismo americano entre o modernismo e o fundamentalismo, nas duas primeiras décadas do século 20, ten­deu a empurrar os adventistas para algo mais próximo de uma posição trinitariana, uma vez que em tantas outras áreas — evolu­ção, crença no sobrenatural, nascimento virginal de Cristo, mi­lagres, ressurreição literal, etc. - os adventistas se opunham ao modernismo e eram simpáticos ao fundamentalismo.

Trindade e A ntitrinitarianismo na História Adventista / 227

Em 1930, respondendo a um pedido da Divisão Africana por “uma declaração daquilo que os adventistas crêem”, a qual pu­desse “ajudar os oficiais do governo e outros a compreender me­lhor o nosso trabalho”, a Comissão da Associação Geral indicou uma subcomissão (M. E. Kern, secretário associado da AG; E M. Wilcox, editor da Review, E. R. Palmer, administrador da Review and Herald; e C. H. Watson, presidente da AG) para preparar uma declaração de crenças adventistas. Wilcox, sendo o escritor principal entre o grupo, esboçou uma declaração de 22 pontos, posteriormente publicada no Yearbook (Anuário) adven­tista de 1931 (Froom, MOD, págs. 410-414). O segundo pon­to falava da “Divindade, ou Trindade”, e o terceiro afirmava que “Jesus Cristo é verdadeiramente Deus”, ecoando o Credo de Ni- céiaj Para que ninguém pensasse que os adventistas do sétimo dia pretendiam preparar um credo, os autores do documento não buscaram “apoio formal ou oficial” para o mesmo. Quinze anos mais tarde, quando a declaração havia obtido aceitação ge­ral, a assembléia da Associação Geral de 1946 tornou-a oficial, votando que “nenhuma revisão desta Declaração de Crenças Fundamentais, conforme agora aparece no Manual [da Igreja], deve ser feita em tempo algum, exceto numa sessão da Associa­ção Geral” (“Fifteenth Meeting”, Review and Herald, 14 de ju­nho de 1946, pág. 197). Isso marcou o endosso oficial ao ponto de vista trinitariano pela igreja, embora um “bem conhecido” antitrinitariano prosseguisse “sustentando o Velho’ ponto de vis­ta” até sua morte em 1968 (Burt, pág. 54).

5. Predomínio do Trinitarianismo, de 19 4 6 até o PresenteDa década de 1950 até a publicação de Movement ofDestiny em

1971, LeRoy E. Froom foi o mais conhecido campeão do trinitaria­nismo entre os adventistas do sétimo dia. Seu livro A Vinda do Con-

" solador, lançado em inglês originalmente em 1928, era sem precedentes entre os adventistas (exceto algumas poucas passagens de Ellen Whi­te) em sua exposição sistemática da personalidade do Espírito Santo

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e da natureza trinitariana da Divindade (A Vinda do Consolador, págs. 37-57). O papel de liderança de Froom na obra Questions on Doctrine, de 1957, foi amplamente documentado (Unruh, Moon). O livro provocou uma tempestade de controvérsia em virtude de certas declarações sobre cristologia e a expiação, mas sua clara afir­mação acerca da “Trindade celestial” (QOD, págs. 36, 37, 645 e 646) ficou virtualmente sem ser desafiada — talvez porque M. L. Andreasen, como principal crítico em outras áreas, era um convic­to trinitariano (Andreasen, “Christ, the Express Image of God”; Burt, pág. 43). A palavra final de Froom foi publicada em 1971 em seu livro de 700 páginas Movement o f Destiny (Movimento do Destino). Apesar de “momentos de favoritismo” e de problemas de distorção histórica que “diminuem o livro como fonte históri­ca fidedigna” (Maxwell), o texto documenta amplamente o progres­so da teologia adventista rumo a um consenso bíblico trinitariano.

O clímax desta fase de desenvolvimento doutrinário foi uma nova declaração dos ensinamentos adventistas, votada pela as­sembléia da Associação Geral de 1980, em Dallas. As novas 27 doutrinas fundamentais afirmavam a doutrina da Trindade de modo mais conciso, mas em termos muito parecidos com a de­claração de 1931, votada oficialmente em 1946.*

Um desdobramento importante desde 1970 tem sido a ten­tativa de articular as pressuposições bíblicas que dão base a uma doutrina bíblica da Trindade, claramente diferenciadas das pressuposições dualísticas subjacentes às declarações dos credos tradicionais. Num notável artigo de 1970, Raoul Dede- ren apresentou uma breve exposição sobre a Divindade com base em ambos os Testamentos. Ele rejeitou a “Trindade do pensamento especulativo”, que fez uso de termos filosóficos para descrever as “distinções dentro da Divindade para as quais não existe base definida dentro do conhecimento revelado de Deus” (Dederen, pág. 13). Advogou, em lugar disso, o exem­plo dos apóstolos: “Rejeitando os termos da mitologia.grega ou a metafísica, eles expressaram suas convicções numa despreten­

Trindade e A ntitrinitarianismo na História Adventista / 229

siosa confissão de fé trinitariana, a doutrina de um Deus sub- sisitindo e agindo em três pessoas” (ibid., pág. 21).

Em 1983, Fernando Canale fez uma análise e uma crítica ra­dical das pressuposições filosóficas gregas subjacentes ao que Dederen havia chamado de “pensamento especulativo”. A dis­sertação de Canale, A Criticism ofTheological Reason (Uma Crítica da Razão Teológica), mostrou que a teologia clássica católica e protestante tomava seus mais básicos pressupostos acerca da na­tureza de Deus, o tempo e a existência de uma “moldura” provida pela filosofia aristotélica.'Argumentou que, para que a teologia cristã se tornasse verdadeiramente bíblica, teria de derivar suas “pressuposições primordiais” das Escrituras, não da filosofia grega (Canale, Criticism, pág. 359; pág. 402, nota 1).

Na obra mais recente Handbook o f Seventh-day Adventist Theology, editada por Dederen, Canale escreveu um artigo magis­tral sintetizando as conclusões alcançadas até aquele momento em seu contínuo trabalho a respeito da doutrina de Deus. Em vá­rios pontos do artigo, Canale claramente diferencia entre uma doutrina de Deus que reflete as pressuposições filosóficas gregas e aquela baseada em evidência bíblica.

“Num sentido muito real, a ênfase adventista nas Escrituras como a única fonte de dados para se estabelecer a teologia ofereceu às reflexões sobre Deus um novo e revolucionário começo. Siste­maticamente desconfiando das posições teológicas tradicionais e criticando-as, os adventistas determinaram-se a construir doutrinas com base apenas nas Escrituras. As dificuldades implícitas nesta nova abordagem podem ser as responsáveis pelo escasso número de declarações adventistas no tocante à doutrina de Deus” (Canale, “Doctrine of God”, pág. 148).

Canale estabelece um forte argumento para o ponto de vista de que os adventistas, pelo fato de “terem se apartado da concep­ção filosófica de Deus como atemporal” e “abraçado a concepção histórica de Deus como apresentada na Bíblia”, conseguiram de­senvolver uma visão bíblica da Trindade (ibid., pág. 150).

230 / A Trindade

ConclusãoEste capítulo esboçou o longo processo que cobre desde a rejeição ini­

cial dos adventistas de um trinitarianismo baseado em credos até sua aceitação final de uma doutrina bíblica da Trindade. Da perspectiva da crença de que Deus estava conduzindo o movimento adventista, parece que a principal razão para esse longo processo foi que Ele não estava cha­mando os pioneiros para uma simples escolha entre trinitarianismo e antitrinitarianismo. Em vez disso, Deus os estava admoestando a desen­volver uma nova compreensão independente da filosofia grega. A úni­ca maneira de os pioneiros, em seu contexto, efetivamente separarem as Escrituras da tradição foi pelo abandono de qualquer doutrina que não pudesse apoiar-se unicamente na Bíblia. Assim, eles inicialmente rejei­taram a doutrina tradicional da Trindade, a qual claramente contém elementos não pertencentes às Escrituras. À medida que prosseguiram trabalhando com base nas Escrituras, periodicamente desafiados e es­timulados pelo Espírito Santo através das visões de Ellen White, gra­dualmente convenceram-se de que o conceito básico de um Deus em três pessoas de fato aparece nas Escrituras.

O próximo capítulo considerará em mais detalhes o papel de Ellen White nesse processo.

* A primeira declaração de crenças fundamentais dos adventistas do sétimo dia foi obra de Uriah Smith. Sua formulação explicitamente não-trinita- riana representava o consenso daqueles dias, mas, em virtude da forte oposição a qualquer declaração que parecesse um credo, tal declaração nunca recebeu aprovação oficial formal. A segunda declaração (1889), também por Uriah Smith, podia ser interpretada como favorável tanto pelos semi-arianos quanto pelos trinitarianos. A terceira declaração (1931), autorizada por uma comissão, mas efetivamente redigida por F. M. Wilcox, editor da Review and Herald, foi a primeira a ganhar status

' oficial. A assembléia da Associação Geral de 1946 votou que a declaração de 1931 não deveria sofrer qualquer modificação, exceto por voto da As­sociação Geral reunida em sessão. Dessa forma, a declaração de Dallas, em 1980, foi a quarta declaração abrangente de crenças fundamentais dos adventistas do sétimo dia, e a segunda a ser formalmente votada por uma assembléia da Associação Geral.

Capítulo 14

O Papel de Ellen White no Debate

da Trindade

O capítulo anterior traçou a mudança histórica na teologia adventista de uma posição antitrinitariana para a aceita­ção do conceito básico de um Deus compreendido em três pessoas divinas. Ninguém questiona que essa mudança ocor­

reu. O que se debate acaloradamente em alguns círculos é se essa mudança representa a descoberta passo a passo de um ponto de vista bíblico ou se é uma apostasia das posições bíblicas anterior­mente sustentadas.

No centro do debate encontra-se a questão da posição de Ellen White e seu papel no processo de mudança. Muitos, tanto entre trinitarianos quanto entre antitrinitarianos, parecem compartilhar a pressuposição comum de que Ellen White nunca mudou — que ela sempre foi trinitariana ou antitrinitariana. Os antitrinitarianos argumentam (1) que ela jamais corrigiu as crenças não-trinitaria- nas de seus associados (examinaremos adiante este ponto de vista); (2) que, com base na interpretação de passagens obscuras da Bí­blia à luz de passagens mais claras, devemos ver o apoio dela a evi­dências trinitarianas em seus escritos posteriores à luz de suas declarações não-trinitarianas mais antigas; e (3) que algumas de suas declarações mais explícitas sobre Deus em “três pessoas” devem

232 / A Trindade

scr atribuídas às infelizes influências de alguns de seus associados. Evidentemente, dizer que seus colegas conseguiram, com êxito, levá-la a escrever falsa doutrina constitui uma rejeição pura e sim­ples dos seus reclamos de que recebia orientação divina direta e proteção contra esse tipo de influência.

Encontramos, todavia, ampla evidência de que os pontos de vis­ta pessoais de Ellen White se alteraram em vários assuntos, de modo que é possível que ela também haja experimentado uma transformação em seu entendimento da Divindade. Quando ela declarou em 1849: “Sabemos que temos a verdade”, referia-se a um conjunto específico de crenças que definiam os adventistas sabatistas em relação a outros grupos cristãos. Os pontos em questão in­cluíam as mensagens dos três anjos de Apocalipse 14 (inclusive o “evangelho eterno”, os “mandamentos de Deus” e a “fé de Jesus”), a segunda vinda de Cristo, Seu ministério sacerdotal no santuário celestial, o sábado, a imortalidade recebida unicamente através de Cristo e a “não imortalidade dos ímpios” (White, Counsels to Wri- ters andEditors [Conselhos a Escritores e Editores], págs. 30 e 31). Ela não acreditava que não mais tivéssemos verdades a descobrir (carta 5, 1849, em Manuscript Releases, vol. 5, pág. 200).

Quando afirmo que algumas de suas crenças pessoais se mo­dificaram, estou fazendo uma distinção entre suas “crenças pes­soais” passadas e aquilo que ela recebeu através de visões. A cada estágio de sua vida, depois da primeira visão, seu conhe­cimento sobre Deus e Sua vontade combinava aquilo que ela aprendera por meios comuns - como os ensinamentos dos pais, a freqüência à igreja, o estudo da Bíblia e a experiência pessoal — com o que ela recebia através de visões. Conseqüen­temente, sua compreensão pessoal, especialmente nos anos in i­ciais, continha significativo número de elementos que não se achavam em harmonia com suas crenças posteriores, pois Deus ainda não chamara a sua atenção para esses novos pontos.

Por exemplo, depois que sua primeira visão afirmara que a profecia se cumprira plenamente em 22 de outubro de 1844, ela

O Papel de Ellen White no D ebate da Trindade / 233

concluiu que a crença-corolário dos mileritas de que o tempo de graça se encerrara e a “porta havia se fechado” também era verda­deira. Foram necessários vários anos e várias visões adicionais para que ela e seus colegas adventistas distinguissem claramente entre os dois conceitos e abandonassem a idéia da “porta fechada”.

Um segundo exemplo de mudança de ponto de vista foi que, depois de sua primeira visão em dezembro de 1844, ela prosse­guiu observando o domingo como sendo o sábado por vários anos mais. Ela ainda não possuía conhecimento sobre o sábado

~ctõ sétimo dia.Um terceiro exemplo foi a descoberta, em 1855, do “horário de

início do sábado”. Durante nove anos, a maioria dos adventistas guardadores do sábado, incluindo o casal White, havia observado o sábado das 6h da tarde de sexta-feira às 6h da tarde de sábado. Foi somente em 1855, quando J. N. Andrews apresentou o con­ceito bíblico de que o sábado se inicia ao pôr-de-sol, que os adven­tistas começaram a guardá-lo desta forma. A própria Ellen White não se convenceu a princípio, até receber uma visão que confirma­va a correção da interpretação de Andrews (A. L. White, Ellen G. White, vol. 1, págs. 322-324).

O quarto exemplo provém da área que os adventistas histori­camente têm identificado como a reforma de saúde. Até 1863, a maioria dos adventistas, inclusive Tiago e Ellen White, eram gran­des consumidores de carne e costumavam matar seus próprios porcos cevados. Não foi senão após a igreja haver fundado suas ba­ses organizacionais que Deus chamou a atenção do movimento para uma plataforma mais ampla de reforma da saúde, incluindo a completa proscrição de produtos suínos e a forte recomendação em favor do vegetarianismo (Robinson, págs. 65-85).

Em vista destas e de outras áreas de desenvolvimento doutrinário, não deve ser particularmente surpreendente que Ellen White possa ter sofrido mudanças em seus pontos de vista quanto à Divindade. Os relatos de suas visões mostram uma clara progressão de revelações crescentemente mais explícitas sobre o tópico.

234 / A Trindade

Antes de considerar tal progressão, desejo tornar muito claro que jamais encontrei em seus escritos posteriores uma declaração que contradissesse aquilo que escrevera antes. Em vez disso, suas afirmações posteriores são crescentemente precisas e explícitas, ao passo que as mais antigas eram mais ambíguas. Algumas declarações iniciais poderiam ser “lidas” sob uma perspectiva tanto trinitariana quanto antitrinitariana. Porém, não encontrei nenhuma declara­ção de sua pena que criticasse a visão bíblica da Trindade.

O Desenvolvimento da Compreensão de Ellen White Sobre a Trindade

Um aspecto dos credos trinitarianos rejeitado pelos pioneiros foi a curiosa declaração de que “existe um único Deus vivo e verda­deiro, sempiterno, sem corpo ou partes” (Doctrines and Discipline o fth e Methodist Episcopal Church [1856], pág. 15). Os pioneiros refutaram vigorosamente essa afirmação, citando várias passagens bíblicas que retratam a Deus como possuindo “corpo” e “partes” (Êxo. 24:9-11; 33:20-23; João 1:28; Heb. 1:1-3; cf. Smith, State o fth e Dead, págs. 27-30).

A questão encontrava-se evidentemente também nos pensa­mentos de Ellen. (Isso não deveria surpreender-nos, considerando que o credo em questão era metodista e que ela fora criada na Igreja Metodista. Além disso, ela se achava intimamente associa­da com os que citavam o conceito como um dos erros do trini­tarianismo). Duas vezes, nas primeiras visões de Jesus, Ellen White perguntou-Lhe acerca da “forma” e da “pessoa” de Deus. Numa das primeiras visões, ela viu “um trono, e assentados nele estavam o Pai e o Filho.” Ela descreve: “Contemplei o semblan­te de Jesus e admirei Sua adorável pessoa. Não pude contemplar a pessoa do Pai, pois uma nuvem de gloriosa luz O cobria. Per­guntei a Jesus se Seu Pai tinha a mesma aparência que Ele. Jesus disse que sim, mas eu não poderia contemplá-Lo, pois disse: ‘Se uma vez contemplares a glória de Sua pessoa, deixarás de existir” (Ellen G. White, Primeiros Escritos, pág. 54).

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Por volta de 1850, ela relatou: “Tenho visto muitas vezes o amorável Jesus, que é uma pessoa. Perguntei-Lhe se Seu Pai era uma pessoa e tinha a mesma forma que Ele. Disse Jesus: ‘Eu sou a expressa imagem da pessoa de Meu Pai’” (ibid., pág. 77; itálicos acrescentados). Assim, ela obteve confirmação, através de visões, daquilo que seu esposo havia escrito numa revista milerita poucos anos antes. Discorrendo sobre Judas 4, acerca daqueles que “ne­gam o único Senhor Deus e nosso Senhor Jesus Cristo”, Tiago White havia declarado que “esta classe não pode ser outra senão os que espiritualizam a existência do Pai e do Filho, negando-Os como duas pessoas distintas, literais e tangíveis. ... A forma como os espiritualizadores ... têm rejeitado ou negado o único Senhor Deus e nosso Senhor Jesus Cristo é, antes de mais nada, utilizan­do o velho credo trinitariano não-escriturístico” (James White, em Day-Star, 24 de janeiro de 1846). Ellen White evidentemente concordou com o esposo, quanto a serem Cristo e o Pai “duas pes­soas distintas, literais e tangíveis”, mas não temos registro (antes da crise de Kellogg em 1905)í de que ela tenha criticado explicita­mente qualquer ponto de vista trinitariano, como fizera o esposo)

Outras indicações de seus pontos de vista iniciais apareceram em 1858, com a publicação do primeiro volume de Spiritual Gifts (Dons Espirituais). (O título era uma afirmação da reivin­dicação que ela fazia de ter recebido o dom de profecia.) Sua crença no Espírito Santo não se encontra sob questão, uma vez que ela vincula o Pai, o Filho e o Espírito à narrativa do batismo de Cristo (Spiritual Gifts, vol. 1, pág. 28). Mas ela não menciona o Espírito Santo em conexão com o concílio divino sobre a Criação e o plano da salvação (ibid., págs. 17, 18, 22-27; veja também o vol. 3, págs. 33 e 34 [1864]).

Por volta de 1869, sua crescente compreensão, baseada nas visões, havia claramente ultrapassado a de seus colegas, à medida que ela as­severava que Cristo é igual a Deus (Ellen G. White, Testimonies, vol. 2, pág. 200; cf. Smith, Revelation, pág. 59). Também é evidente que, se ninguém mais a estava escutando, por certo o esposo estava. As

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declarações de Tiago White acerca da Trindade são relativamente poucas e espaçadas, mas, na próxima vez em que ele volta ao assun­to, segue a liderança da esposa. Num artigo publicado na Review em 1877, ele também sustenta que “Cristo é igual a Deus”. Embora isso não o tornasse um trinitariano, outra observação no mesmo artigo sugere que ele começava a examinar o quadro mais amplo. “A inex­plicável trindade que faz a divindade três em um e um em três é suficientemente má”, escreveu ele, “mas este ultra-unitarianismo que faz Cristo inferior ao Pai é ainda pior” (J. White, “Christ Equal With God”, Review and Herald, 29 de novembro de 1877).

Em 1872, Ellen White contrastou os anjos, que “são seres cria­dos”, com Cristo, o qual “tem poder para depor Sua vida e tornar a tomá-la”, mostrando que Cristo não havia sido criado (.Review and Herald, 17 de dezembro de 1872) /Uma vez mais, ela liderava seus colegas. Uriah Smith, que publicara sua crença de que Cristo fora a primeira pessoa a ser criada, veio a abdicar de seu ponto de vista (cf. Smith, Revelation, pág. 59, e Looking Unto Jesus, págs. 12 e 17).

Podemos estabelecer a seguinte progressão para a reveladora compreensão de Ellen White em termos da pessoa de Cristo:

1850 — Cristo e o Pai são seres pessoais com forma tangível (Primeiros Escritos, págs. 54 e 77).

1869 — Cristo é igual a Deus (Testemunhos, vol. 2, pág. 200).1872 - Cristo não foi criado (Review and Herald, 17 de de­

zembro de 1872).1878 - Cristo era o “eterno Filho” (Review and Herald, 8 de

agosto de 1878; carta 37, 1887, em Manuscript Releases, vol. 15, pág. 26; Youth’s Instructor, 31 de agosto de 1887; 1888 Materials, vol. 1, pág. 29; Review and He­rald, 8 de fevereiro de 1898; Review and Herald, 5 de abril de 1906).

Uma chave para entender o significado de Cristo como “eterno Filho” pode ser encontrada numa declaração correlata de que, em Sua eterna preexistência, Ele não era Filho no mesmo sentido em que Se tornou Filho depois de nascer como humano: “Em Sua

encarnação, Ele ganhou, num novo sentido, o título de Filho de Deus. Disse o anjo a Maria: ‘O poder do Altíssimo lhe cobrirá; portanto, o ser santo que nascer será chamado Filho de Deus.’ Embora filho de um ser humano, Ele tornou-Se o Filho de Deus num novo sentido. Foi assim que Ele esteve em nosso mundo - o Filho de Deus, mas aliado pelo nascimento à raça humana. Desde toda a eternidade Cristo achava-Se unido ao Pai” (Signs o fth e Ti­mes, 2 de agosto de 1905; citado em The Seventh-day Adventist Bi- ble Commentary, vol. 5, págs 1114 e 1115; itálicos acrescentados).

Uma das implicações de Cristo tornar-Se Filho de Deus “em um novo sentido” pode ser a de que, através de Seu nascimento humano, pela primeira vez Ele tenha Se tornado um Filho no sen­tido de ter um começo. A filiação em Sua preexistência denotava que Ele era da mesma natureza do Pai, em unidade e íntimo rela­cionamento; mas isso não implicava ter tido um princípio, uma derivação do Pai, ou uma relação de dependência como a de uma criança pequena para com seus pais. A relação de um filho depen­dente diante do pai foi aparentemente parte do que Jesus experi­mentou, pela primeira vez, quando, como ser humano, Se tornou Filho de Deus “num novo sentido”. Um aspecto adicional deste ponto é que Sua concepção e Seu nascimento como ser humano representam o momento quando Ele “procedeu” e veio de Deus.

1887 — Cristo preexistia com o Pai desde toda a eternidade(Review and Herald, 5 de julho de 1887; O Desejado de Todas as Nações [1898], pág. 19).

1888 - Uma compreensão mais ampla da justiça pela fé de­manda a plena divindade de Cristo.

“Se os homens rejeitam o testemunho das Escrituras inspiradas concernente k divindade de Cristo, é em vão argüir com eles sobre este ponto; pois nenhum argumento, por mais conclusivo, pode­ria convencê-los. [I Cor. 2:14 é citado.] Pessoa alguma que alimente este erro pode ter exato conceito do caráter ou missão de Cristo, nem do grande plano de Deus para a redenção do homem (O Grande Conflito [1888], pág. 524; itálicos acrescentados).

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1888 - Cristo é “um com o eterno Pai - um na natureza, no caráter e no propósito” (ibid., pág. 493), “igual ao Pai em poder e autoridade” (ibid., pág. 495), ainda que, como pessoa, Cristo fosse “distinto” do Pai. “O Senhor Jesus Cristo ... existiu desde a eter­nidade, uma pessoa distinta, mas ainda assim um com o Pai” (Review and Herald, 5 de abril de 1906; itálicos acrescentados).

1888 — Cristo era “o único Ser em todo o Universo que poderia entrar nos conselhos e propósitos de Deus” (O Grande Conflito [1888], pág. 493; Patriarcas e Profetas [1890], pág. 34). O contexto mostra que “o único Ser” se encontra em contraste com os anjos. Entretanto, a expressão é anterior à exposição mais ampla do papel do Espírito Santo.

1890 - Cristo é auto-existente; Sua divindade não é deri­vada da do Pai (.Patriarcas e Profetas, pág. 36).

1897 - O Espírito Santo é a terceira pessoa da Divindade(Special Testimony, Série A, na 10, pág. 37).

1898 - A publicação de O Desejado de Todas as Nações re­capitula os dois pontos anteriores: “Em Cristo há vida original, não emprestada, não derivada” (O Desejado de Todas as Nações, pág. 530), e o Espírito Santo é a “terceira pessoa da Divindade” (ibid.,pág. 671).

1901, 1905-Três “eternos dignitários celestiais”, “os três mais elevados poderes do Céu”, as “três pessoas viventes do trio celestial” - o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um em natureza, caráter e propósito, mas não em pessoa (manuscrito 145, 1901; Special Testimo­nies, Série B, n° 7 [1905], págs. 51, 62 e 63; A Ciência do Bom Viver [1905], pág. 422; todos são citados em Evangelismo, págs. 614-617).

Em primeiro lugar, esta seqüência de conceitos mostra uma

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clara progressão do simples para o complexo, revelando que a compreensão de Ellen White cresceu e se modificou à medida que ela recebia luz adicional. Fernando Canale destacou que o desenvolvimento é similar ao que encontramos no Novo Testa­mento (Canale, “Doctrine of God”, págs. 128-130). Nos Evan­gelhos, o primeiro desafio foi convencer os discípulos de que Cristo era um com o Pai. Uma vez que o conceito monoteísta dos mesmos se expandiu para aceitar “um Deus” em duas pessoas di­vinas, tornou-se comparativamente mais fácil conduzi-los ao reconhecimento do Espírito Santo como a terceira pessoa divina.

Em segundo lugar, torna-se claro que o conceito que Ellen White mantinha a respeito da Divindade achava-se essencialmente completo com a publicação de O Desejado de Todas as Nações, em 1898. Ainda distante 17 anos da sua morte, ela se encontrava mental e fisicamente vigorosa, no pico de sua produtividade lite­rária. O livro não é o produto de sua velhice, e sim a obra madura de seus melhores anos/A atitude de considerar O Desejado de Todas as Nações como não representativo do pensamento de Ellen trai a vontade de colocar de parte os fatos mais claros porque eles con- flitam com idéias preconcebidas ou um alvo acariciado?^

Será que ela mudou de uma visão semi-ariana para Uma trini- tariana, ou mantinha privadamente uma opinião trinitariana todo o tempo? Não é possível apresentar uma resposta taxativa a este respeito. A evidente progressão nos relatos de suas visões pode ter sido o resultado de ela estabelecer uma clara distinção entre suas opiniões pessoais e a mensagem de suas visões. Por exemplo, uma vez ela declarou: “Nessas cartas que escrevi, nos testemunhos de que sou portadora, apresento-vos aquilo que o Senhor me tem apresentado a mim. Não escrevo nenhum artigo expressando meramente minhas próprias idéias. Eles são o que Deus me expôs em visão” {Mensagens Escolhidas, livro 1, pág. 27).

E possível que, quando suas primeiras visões contradisseram alguns aspectos de sua formação metodista (o credo que dizia que Deus não possuía corpo ou partes), ela tenha colocado o restante

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dos pontos de vista trinitarianos de seu credo (metodista) “na es­tante”, por assim dizer, simplesmente para aguardar e ver se visões futuras e o estudo da Bíblia iriam confirmá-los ou negá-los. As­sim, ela pode ter sido tentativamente trinitariana em sua própria opinião, mas cuidadosa em seus escritos, a fim de expressar so­mente o que Deus lhe mostrara em visão — a revelação progressiva que observamos acima.

Qim qualquer caso, seus escritos posteriores relativos à Trin­dade jamais requereram que ela repudiasse declarações anteriores; Ela simplesmente escreveu do modo mais específico que suas visões lhe permitiram. À medida que revelações adicionais tor­navam o assunto mais claro, seus escritos se tornaram mais ex- plícitos^Assim, Deus conduziu a igreja de maneira suave e gradual, sem, de um lado, passar por cima do estudo bíblico individual e sem, de outro lado, levar seus membros a esten­der as mãos e abraçar todas as tradições trinitarianas. ;A razão pela qual Deus não os conduziu a aceitar de modo acrítico o trini- tarianismo tradicional se tornará mais clara quando considerarmos dois tipos de trinitarianismo nos escritos tardios de Ellen White.

Duas Variedades de TrinitarianismoAo continuar analisando a crescente compreensão de Ellen,

torna-se aparente que ela descreve pelo menos duas variedades de crença trinitariana. A uma delas a mensageira se opôs consisten- temente por todo o seu ministério adulto, e com a outra ela veio a concordar gradualmente. Embora os primeiros lampejos desta diferenciação possam ser encontrados lá pelos idos de 1846 e 1850, ela se torna mais explícita durante a crise de Kellogg, de 1902 a 1907. Uma vez que em anos recentes alguns compreen­deram de maneira seriamente equivocada certos escritos de John Harvey Kellogg e de Ellen White desse período, é necessário con­siderar a controvérsia com algum detalhe.

O Dr. J. H. Kellogg, superintendente médico do Sanatório de Battle Creek, era a pessoa líder, com credenciais científicas, entre

os adventistas do sétimo dia no começo do século 20. Ele pos­sivelmente tenha sofrido a influência de alguns companheiros intelectuais não pertencentes ao adventismo (Froom, Move- ment ofDestiny, pág. 351), o que finalmente o levou a conven­cer-se de que a vida de todos os seres viventes constituía a pró­pria presença de Deus no ser, quer fosse uma árvore, flor, animal ou ser humano. Traços deste ponto de vista aparecem em suas apresentações públicas e escritos, bem como nos de alguns de seus associados adventistas, lá pelos anos de 1890. Contudo, a crise sobre o assunto só irrompeu em 1902.

Após o incêndio do Sanatório de Battle Creek, em 18 de fe­vereiro de 1902, Kellogg propôs um plano de levantamento de fundos para financiar a reconstrução. Ele doaria à Review and Herald os manuscritos de um novo livro na área de saúde. Se a Review and Herald bancasse os custos de publicação, e se os 73.000 membros que compunham a Igreja Adventista do Séti­mo Dia em 1902 conseguissem vender 500.000 exemplares do livro, a um dólar por exemplar, o resultado daria para saldar os débitos de longo prazo e reconstruir o sanatório. A igreja aceitou o plano. O livro, intitulado The Living Temple (O Templo Vivo), era primariamente um manual de fisiologia básica, nu­trição, medicina preventiva e tratamentos domésticos para en­fermidades comuns. Mas a página de rosto citava I Coríntios 6:19, afirmando ser o corpo o “templo do Espírito Santo”, e aqui e ali Kellogg incorporou seus pontos de vista teológicos.

O espaço não permite contar toda a história. Basta dizer que, apesar das pesadas críticas de alguns leitores preliminares do ma­nuscrito, Kellogg exerceu pressão para ir em frente. No dia 30 de dezembro de 1902, contudo, enquanto a Review and Herald se encontrava no meio da impressão da primeira edição, a editora foi queimada até aos alicerces. Entre outras perdas, achavam-se as chapas de impressão e cópias inconclusas do The Living Temple. Kellogg prontamente levou o manuscrito a outra editora e con­tratou o preparo de 3.000 exemplares, assumindo a despesa.

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Quando o livro finalmente chegou às mãos de seus ávidos lei­tores, as mais flagrantes disparidades em relação à teologia adven- tista estabelecida apareceram no capítulo de abertura, “The Mystery of Life” (O Mistério da Vida) (Kellogg, The Living Temple, págs. 28-30 [edição original]).*

“Deus é a explicação da natureza”, declarou Kellogg, “não um Deus de fora da natureza, mas na natureza, manifestando-Se através de e em todos os objetos, movimentos e variados fenôme­nos do Universo.” Poucas páginas adiante, Kellogg afirmou que o conceito de um Deus pessoal era essencialmente uma construção conceituai para o benefício das mentes comuns, que, devido às suas limitações intelectuais, precisavam de tal acomodação não factual. A implicação era que os verdadeiros intelectuais, como ele próprio, poderiam perceber a realidade espiritual sem a acomo­dação antropomórfica (ibid., págs. 30-32).

Evidentemente reagindo a alguns críticos de sua publicação, Kellogg procurou circunscrever ou mascarar tais objeções me­diante referência específica ao Espírito Santo. Raciocinou que, se o Espírito Santo podia estar em todas as partes ao mesmo tempo, e se o Espírito Santo também era uma pessoa, então ninguém pode­ria afirmar que o Deus apresentado por Kellogg como permeando todas as coisas era uma divindade impessoal.

O argumento de Kellogg em The Living Temple prossegue: “Al­guém dirá: ‘Deus pode estar presente através de Seu Espírito, ou por Seu poder, mas certamente o próprio Deus não pode estar presente em todas as partes a um só tempo’.” (A distinção entre “Seu Espírito, ou ... poder” e “o próprio Deus” marca esta objeção como provin­do de um dos conhecidos não-trinitarianos de Kellogg [veja G. I. Buder a J. H. Kellogg, 5 de abril de 1904, citado a seguir]). Kellogg responde: “Como pode o poder ser separado da fonte de poder? Onde o Espírito de Deus está atuando, onde o poder de Deus é ma­nifesto, o próprio Deus Se encontra de fato e verdadeiramente pre­sente” (Kellogg, pág. 28). O pensamento de Kellogg neste ponto não é correto, conforme o demonstrará uma breve ilustração. Se o

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presidente de meu país emite uma ordem para mobilizar as forças armadas, o poder do presidente poderá chegar ao lar de meu vizinho e mandá-lo para as tropas de reserva, mas isso é claramente diferente de o presidente chegar em pessoa à casa de meu vizinho.

A igreja debateu ardorosamente os pontos de vista de Kellogg por vários anos. Uma vez que escritores de proa do adventismo já haviam apontado as fraquezas do livro, a princípio Ellen White pensou que não lhe seria necessário envolver-se pessoalmente. Quando, porém, Kellogg afirmou publicamente que seus ensina­mentos em The Living Temple “relacionados com a personalidade de Deus” estavam de acordo com os escritos de Ellen White, ela não pôde ficar em silêncio por mais tempo. “Deus impeça que esta opinião venha a prevalecer. Não necessitamos do misticismo propagado por este livro”, declarou ela. “O autor deste livro en­contra-se num trilho falso. Perdeu de vista as verdades distintivas para este tempo. Ele não sabe aonde os seus passos o estão con­duzindo. O trilho da verdade encontra-se ao lado do trilho do erro, e ambos podem parecer um só a mentes que não são operadas pelo Espírito Santo e que, portanto, não são rápidas em discernir a diferença entre a verdade e o erro” (carta 211, 22 de setembro de 1903, em Spalding-Magan, págs. 320 e 321).

Numa carta seguinte, ela foi direto ao âmago da questão: “o Senhor Jesus não representou a Deus como uma essência que p er­meia a natureza, e sim como um ser pessoal. Os cristãos devem conservar em mente que Deus possui uma personalidade tão ver­dadeiramente quanto Cristo a possui” (ibid., 23 de setembro de 1903, pág. 324; itálicos acrescentados).

Poucas semanas mais tarde, Kellogg defendeu seu ponto de vis­ta diante de George I. Butler, ex-presidente da Associação Geral e naquele momento presidente da União do Sul. “Tanto quanto eu consiga perceber”, começou Kellogg, “a dificuldade toda encontra­da em The Living Temple pode ser resumida na seguinte questão: ‘E o Espírito Santo uma pessoa?’ Você diz que não.” (Buder era da ve­lha escola, a qual sustentava que o Espírito Santo era um aspecto do

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poder de Deus, mas não uma pessoa.) Kellogg prosseguiu: “Eu havia suposto que a Bíblia diz isso pela razão de que ela utiliza o prono­me ‘ele’ quando fala do Santo Espírito. A irmã White utiliza o pronome ‘ele’ e tem dito de tantas formas que o Espírito Santo é a terceira pessoa da Divindade. Como pode o Espírito Santo ser a terceira pessoa e ao mesmo tempo não ser uma pessoa, isso é algo que tenho dificuldade em ver” (J. H. Kellogg a G. I. Butler, 28 de outubro de 1903a, Adventist Heritage Center, Andrews University).- Aqui está um fascinante exemplo de Kellogg como debatedor. Ele está dizendo essencialmente o seguinte: “Fui mal interpreta­do. Não pretendi dizer que o Pai Se encontra em todas as coisas; é o Espírito Santo quem Se encontra em todas as coisas. E se o Espírito Santo é uma pessoa, então Ellen White está errada ao dizer que meu ponto de vista mina a personalidade de Deus.” Ele tentou, dessa forma, livrar-se da reprovação de Ellen White e manter a legitimidade de sua própria opinião. Diz-se que a es­tatística pode mentir. Kellogg demonstra aqui que a lógica tam­bém pode mentir. Ele estava tentando convencer Butler de que o panteísmo de The Living Temple era simplesmente uma versão científica da mesma doutrina de Deus que Ellen White havia es­tabelecido em O Desejado de Todas as Nações.

Butler, entretanto, não se deixou enganar. “No que diz respei­to a você e a irmã White estarem em perfeito acordo, tenho de deixar isso inteiramente entre você e a irmã White. Ela afirma que não existe perfeito acordo. Você afirma que existe. ... Devo dar a ela o crédito ... de afirmar que existe uma diferença” (G. I. Butler a J. H. Kellogg, 5 de abril de 1904; itálicos acrescentados).

Quando o conflito adentrou o ano de 1905, Ellen White es­creveu outro documento que expunha a matéria para a igreja em termos tão fortes que ninguém poderia deixar-se enganar. O ma­nuscrito oferece talvez a mais radical e fundamental condenação escrita por ela contra um falso ponto de vista da Trindade, seguida de uma das mais explícitas descrições daquilo que ela considera­va ser a compreensão correta. Nesse documento, publicado em

1905, ela rotula o primeiro ponto de vista de “espiritualista”, “nu­lidade”, “imperfeito e inverídico”, “as profundezas de Satanás” (Apoc. 2:24) e “o rastro da serpente”. Afirmou que os que acei­tassem esse ponto de vista estariam “dando ouvidos a espíritos sedutores e doutrinas de demônios, apartando-se da fé que ha­viam considerado sagrada durante os últimos cinqüenta anos” (.Spécial Testimonies, Série B, n2 7, págs. 61-63).

Em contraste com o ponto de vista condenado de modo tão incisivo, ela apresentou outro conceito que considerava “a verda­deira plataforma”, em harmonia com “a simplicidade da verda­deira piedade” e “os velhos, velhos tempos ... quando, sob a orientação do Espírito Santo, milhares se converteram num só dia” (ibid., págs. 63 e 64). O antagonismo entre duas perspectivas opostas dificilmente poderia ser descrito em termos mais decisivos, num contexto teológico, do que a discordância entre doutrinas “de espíritos sedutores” e a doutrina dos “velhos, velhos tempos” do Pentecostes original. Ela está falando a respeito dos dois ensi­namentos opostos a respeito da Trindade. Aqui está o primeiro ponto de vista, atribuído explicitamente ao “Dr. Kellogg” e seus associados em “nossa principal fraternidade médica”:

“Sou instruída a dizer: ‘Os sentimentos daqueles que estão buscando idéias científicas avançadas não são dignos de confiança. Têm sido feitas representações como estas:

“‘O Pai é a luz invisível; o Filho é a luz corporificada; o Espí­rito é a luz que brilha por toda parte.’ ‘O Pai é como o orvalho, um vapor invisível; o Filho é como o orvalho reunido de forma graciosa; o Espírito é como o orvalho que cai sobre o assento da vida.’ Outra representação: ‘O Pai é como um vapor invisível; o Filho é como uma nuvem carregada; o Espírito é a chuva que cai e opera com refrescante poder.’

“Todas estas representações espiritualistas são simplesmente nulidade. São imperfeitas e inverídicas. Enfraquecem e dimi­nuem a Majestade com a qual nenhuma semelhança terrestre pode ser estabelecida. Deus não pode ser comparado com as coisas

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que Sua mão criou. Estas são meramente coisas terrestres que so­frem sob a maldição de Deus em virtude do pecado do homem. O Pai não pode ser descrito em termos das coisas da Terra” (ibid., pág. 62; itálicos acrescentados).

Então, exatamente na sentença seguinte, ela define o que enten­de ser verdadeiro acerca da Divindade. “O Pai é toda a plenitude corporal da Divindade, e é invisível ao olho mortal.

“O Filho é toda a plenitude da Divindade manifestada. A Pala­vra de Deus O apresenta como a expressa imagem de Sua [do Pai] pessoa. ‘Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigénito, para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna.’ Aqui se demonstra a personalidade do Pai.

“O Consolador que Cristo prometeu enviar após a Sua ascensão ao Céu é o Espírito em toda a plenitude da Divindade, tornando manifesto o poder da divina graça a todos os que recebem a Cristo e nEle crêem como Salvador pessoal. Existem três pessoas viventes no trio celestial, no nome destes três grandes poderes — o Pai, o Filho e o Espírito Santo - os que recebem a Cristo pela fé viva são batiza­dos, e estes poderes cooperarão com os obedientes súditos do Céu em seus esforços para viver a nova vida em Cristo” (ibid., págs. 62 e 63; itálicos acrescentados).

Ao denunciar que Kellogg, com sua doutrina trinitariana “espi­ritualista”, estava “apartando-se da fé” que os adventistas haviam “considerado sagrada nos últimos cinqüenta anos”, ela claramente refuta a pressuposição de que todas as doutrinas da Trindade são a mesma coisa, e que as objeçoes dos pioneiros a tais doutrinas de­mandam a rejeição de todas elas. Ellen White percebeu pelo menos duas variedades de trinitarianismo - uma que retrata um Deus pes­soal e tangível, e a outra que O espiritualiza como impessoal, filo­sófico e, em termos últimos, irreal.

Significativamente, Ellen White condena a visão trinitariana de Kellogg em termos quase idênticos aos que o esposo Tiago uti­lizara em 1846, quando rejeitou “o velho credo trinitariano não- escriturístico” pelo fato de ele “espiritualizar a existência do Pai e

do Filho negando-Os como duas pessoas distintas, literais e tan­gíveis”. Isso é coerente com a interpretação de que ela percebeu similaridades entre os credos que pretendem que Deus seja “invi­sível, sem corpo ou partes” e a “representação espiritualista” de Deus por Kellogg, sob as metáforas da luz e da água.

Além disso, Ellen White afirmou que na heresia de Kellogg ela reconhecia “as próprias opiniões” encontradas entre os ex-mi- leritas espiritualizantes em 1845 e 1846, às quais se opusera (.Mensagens Escolhidas, livro 1, pág. 203). Isso significa que ela associou os fanáticos espiritualizantes do pós-desapontamento, os ensinamentos dos credos de que Deus é sem forma e intangível e os conceitos impessoais de Kellogg sobre Deus - todos sob o título geral de “teorias espiritualistas” (ibid., pág. 204).

Este vislumbre se relaciona diretamente com o atual debate no meio do adventismo, pois alguns têm concluído que o ponto de vista de Kellogg, condenado por Ellen White, é o mesmo ponto de vista sobre a Trindade posteriormente aceito pela igreja - uma premissa obviamente não sustentada pelos fatos. Ela ensina que um falso conceito da Trindade faz Deus parecer distante, intocá­vel, impessoal e irreal; e que o verdadeiro ponto de vista bíblico da Trindade mostra a Deus compreendendo três personalidades divinas individuais, que se acham unidas em natureza, caráter, propósito e amor (A Ciência do Bom Viver, pág. 422).

Seu apoio a uma visão bíblica da Trindade tornou-se tão ex­plícito entre 1902 e 1907 que em 1913 F. M. Wilcox, editor do mais influente periódico denominacional e um dos cinco deposi­tários originais indicados por Ellen White para assumirem a su­pervisão de sua herança literária, pôde escrever na Review and Herald, sem medo de ser contraditado por ela, que “os adventis­tas do sétimo dia crêem: 1. Na divina Trindade. Essa Trindade consiste do Pai eterno ... do Senhor Jesus Cristo ... e do Espírito Santo, a terceira pessoa da Divindade” (Wilcox, “The Message for Today”, Review and Herald, 9 de outubro de 1913). Tal decla­ração, num artigo que sintetizava as crenças fundamentais dos

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adventistas do sétimo dia, apareceu imediatamente após um artigo escrito por Ellen White, de modo que é virtualmente certo que ao examinar a publicação de seu próprio artigo, como habitual­mente fazia, ela tenha visto a peça escrita por Wilcox.

ConclusãoCom relação à mudança de paradigma no ponto de vista adven-

tista a respeito da Trindade, este capítulo abordou duas questões: 1. A mudança constituiu uma descoberta progressiva do ponto de vista bíblico, ou foi uma apostasia da visão bíblica? 2. Qual foi o papel de Ellen White no processo? As evidências mostraram que as visões recebidas por Ellen conduziram a denominação através de estágios claramente discerníveis rumo a uma plena aceitação do conceito bíblico da Trindade. O conceito se encontrava essencialmente completo em 1888, quando ela publicou O Desejado de Todas as Nações, e suas declarações de 1901-1906 foram suficientemente ex­plícitas para que em 1913o editor da Review and Herald pudesse afirmar - sem medo de ser contraditado - que “a divina Trindade” é uma crença fundamental dos adventistas.

Entretanto, também é clara a evidência de que Ellen White reconheceu pelo menos dois tipos principais de crença trinita- riana. A um deles, ela se opôs consistentemente ao longo da vida; com o outro, suas visões a levaram a concordar progres­sivamente. A visão com a qual finalmente veio a concordar retrata os três membros da Divindade como indivíduos tangíveis e pessoais, vivendo desde a eternidade em união de natureza, caráter, propósito ç amor, mais ainda assim tendo cada um Sua identidade pessoal. Este_é um ponto de vista simples e bíblico da Trindade,' em contraste com os pontos de vista tradicionais, baseados nas pressuposições da filosofia grega.

Se a pessoa acreditar que, entre todos os elementos humanos da história adventista, também podemos encontrar evidência da direção da mão divina, então pode-se sugerir uma explicação de por que o processo avançou tão lentamente, até mesmo de forma

tortuosa, desde a rejeição inicial do “velho credo trinitariano não-escriturístico” até a final aceitação dos elementos bíblicos do trinitarianismo. Para mim, a explicação mais convincente é que Deus estava conduzindo o movimento rumo a uma teologia bí­blica, livre das influências controladoras da filosofia grega. O dogma tradicional da Trindade, baseado em pressuposições dua­listas, era incompatível com os dados bíblicos.

A única forma pela qual os pioneiros poderiam separar os ele­mentos bíblicos do trinitarianismo dos elementos tradicionais era rejeitar totalmente a tradição como base para a doutrina, e lutar ao longo do processo de reconstrução de suas crenças com base unicamente nas Escrituras. Ao assim procederem, tiveram de tri­lhar muitos dos passos da igreja primitiva, aceitando primeiro a igualdade de Cristo com o Pai, e então a igualdade e unidade de ambos com o Espírito Santo. No transcorrer desta jornada, a teo­logia dos pioneiros mostrou temporariamente similaridades com algumas das heresias históricas. Seu repúdio à tradição como au­toridade doutrinária foi custosa em termos do ostracismo que ti­veram de suportar, por serem percebidos como “heréticos”, e em termos do tempo que levou para descobrirem nas Escrituras uma doutrina abrangente de Deus, mas os resultados justificam a con­clusão de que Deus os estava conduzindo ao longo do caminho.

O Papel d e Ellen White no D ebate da Trindade / 249

* A crítica sobre o livro foi tão feroz que, para a segunda impressão, Kellogg reescreveu certas páginas. A editora até mesmo inseriu as novas páginas nas cópias ainda não vendidas da primeira impressão, cortando as páginas originais e colando em seu lugar as novas. Exemplares da edição original, da edição alterada e da edição posterior se encontram disponíveis no Cen­tro de Pesquisa Adventista, Andrews University, Berrien Springs, Michigan.

Suplemento aoCapítulo 14

Ellen White e a Trindade:

Os Documentos Primários Básicos

O Mistério da D ivindade e da Encarnação

Esta verdade [de que ‘Cristo era um com o Pai antes que os fundamentos do mundo fossem lançados’], infinitamente misteriosa em si, explica outros mistérios e verdades de ou­tro modo inexplicáveis, ao mesmo tempo que se reveste de luz ina­cessível e incompreensível” (Review and Herald, 5 de abril de 1906).

“Ao contemplar a encarnação de Cristo em humanidade, sen­timo-nos extasiados diante de um indecifrável mistério, que a mente humana é incapaz de compreender. Quanto mais refleti­mos sobre ele, mais extraordinário nos parece. Quão imenso é o contraste entre a dignidade de Cristo e a desajudada criancinha na manjedoura de Belém! Como podemos captar a distância entre o Deus poderoso e a desajudada criança? ... Contemplando a Cristo em humanidade, contemplamos a Deus, e vemos nEle o brilho de Sua glória, a expressa imagem de Sua pessoa” (Signs o f the Times, 30 de julho de 1896).

“Foi a natureza humana do Filho de Maria modificada para tornar-se a divina natureza do Filho de Deus? Não; as duas naturezas fundi­ram-se misteriosamente em uma pessoa - o homem Cristo Jesus. NEle habitava corporalmente toda a plenitude da Divindade. ...

Ellen White e a Trindade / 251

“Este é um grande mistério, o qual não será plena e completa­mente compreendido, em toda a sua grandeza, até que ocorra a trasladação dos redimidos. ... Mas o inimigo acha-se determinado a mistificar de tal forma este dom que ele venha a tornar-se nada” (carta 280, 1904, citada em The Seventh-day Adventist Bible Com- mentary, vol. 5, pág. 1113).

“E um mistério que Aquele igual ao Pai eterno pudesse rebaixar- Se ao ponto de sofrer a cruel morte na cruz para redimir o homem; e é um mistério que Deus tenha amado tanto o mundo a ponto de permitir que Seu Filho empreendesse tão grande sacrifício” (Signs o f the Times, 24 de outubro de 1906).

“A obra do amado Filho de Deus ao empreender a ligação do criado com o Incriado, do finito com o Infinito, em Sua própria pessoa divina, é um assunto que poderá muito bem ocupar nossos pensamentos por toda a existência” (.Review and Herald, 11 de ja­neiro de 1881).

A Plena Divindade de Cristo“Se os homens rejeitam o testemunho das Escrituras inspiradas

concernente à divindade de Cristo, é em vão argüir com eles sobre este ponto; pois nenhum argumento, por mais conclusivo, poderia convencê-los. ... Pessoa alguma que alimente este erro pode ter exato conceito do caráter ou missão de Cristo, nem do grande plano de Deus para a redenção do homem.” {O Grande Conflito, pág. 524).

“Em Cristo, divindade e humanidade se combinaram. A di­vindade não foi rebaixada ao nível da humanidade; ela manteve seu lugar, mas a humanidade, ao unir-se com a divindade, resistiu às mais ferozes tentações no deserto” (Review and Herald, 18 de fevereiro de 1890).

“Como membro da família humana Ele era mortal, mas como Deus Ele era a fonte de vida do mundo. Ele poderia, em Sua di­vina pessoa, haver até mesmo contido os avanços da morte. ... O Verbo eterno consentiu em tornar-Se carne! Deus tornou-Se homem” {Review and Herald, 5 de julho de 1887).

252 / A Trindade

Cristo “andou na Terra como a Palavra Eterna” (Fundamentos da Educação Cristã, pág. 400).

“Ele era Deus enquanto viveu na Terra, mas despiu-Se da forma divina, e em seu lugar assumiu a forma e a feição do homem. ... Ele era Deus, mas abdicou por um tempo das glórias da forma divina. ... Suportou os pecados do mundo e enfrentou a penali­dade que se arrojou como uma montanha sobre Sua alma divina” (.Review and Herald, 5 de julho de 1887).

“‘Eu e o Pai somos Um.’ As palavras de Cristo estavam cheias de profundo significado ao declarar que Ele e o Pai eram um em substância, possuindo os mesmos atributos” (Signs o f the Times, 27 de novembro de 1893).

“Todavia, o Filho de Deus era o reconhecido Soberano do Céu, igual ao Pai em poder e autoridade” (O Grande Conflito, pág. 495).

“Cristo era essencialmente Deus, e no mais elevado sentido” {Review and Herald, 5 de abril de 1906).

“Em Cristo há vida original, não emprestada^ não derivada. ‘Quem tem o Filho tem a vida.’ I João 5:12. A divindade de Cristo é a certeza de vida eterna para o crente” {O Desejado de Todas as Nações, pág. 530).

“Com solene dignidade, respondeu Jesus: ‘Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse Eu Sou.’ João 8:58. Fez-se silêncio na vasta assembléia. O nome de Deus, dado a Moisés para exprimir a idéia da presença eterna, fora reclama­do como Seu pelo Rabi da Galiléia. Declarara-Se Aquele que tem existência própria, Aquele que fora prometido a Israel, ‘cujas saí­das são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade.’ Miq. 5:2” (ibid., págs. 469 e 470).

“O Redentor do mundo era igual a Deus. Sua autoridade era a autoridade de Deus. Declarou que não possuía existência sepa­rada da do Pai. A autoridade pela qual falava e os milagres que operava eram expressamente Seus próprios, mas ainda assim Ele nos assegura que Ele e o Pai eram um” {Review and Herald, 7 de janeiro de 1890).

Ellen White e a Trindade / 253

“Jeová, o Ser eterno, existente por Si mesmo, incriado, sendo o originador e mantenedor de todas as coisas, é o único que tem di­reito a reverência e culto supremos” (Patriarcas e Profetas, pág. 305).

“Jeová é o nome dado a Cristo” (Signs o f the Times, 3 de maio de 1899).

“A razão da indicação de Cristo encontra-se na humanidade que Lhe foi agregada. Deus outorgou todo julgamento ao Filho, pois sem qualquer controvérsia Ele é Deus manifesto em carne” (Review and Herald, 22 de novembro de 1898).

A Eterna Preexistência de Cristo“Cristo era essencialmente Deus, e no mais elevado sentido.

Estava com Deus desde toda a eternidade, Deus sobre tudo, ben­dito para todo o sempre” (Review and Herald, 5 de abril de 1906).

Quando da ascensão, “Cristo foi de fato glorificado com aquela glória que tinha com o Pai desde toda a eternidade” (Atos dos Apóstolos, págs. 38 e 39).

“O nome de Deus [‘Eu Sou’], dado a Moisés para exprimir a idéia da presença eterna, fora reclamado como Seu pelo Rabi da Galiléia. Declarara-Se Aquele que tem existência própria” (O De­sejado de Todas as Nações, págs. 469 e 470).

“O Verbo existira como ser divino, como o eterno Filho de Deus, em união e unicidade com o Pai. Desde sempre, fora o Me­diador do concerto, Aquele em quem todos os povos da Terra, tanto judeus quanto gentios, se O aceitassem, haveriam de ser abençoados. ‘O Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus.’ Antes que os ho­mens ou os anjos fossem criados, o Verbo estava com Deus e era Deus. ... As palavras proferidas a este respeito são tão decisivas que ninguém precisa ficar em dúvida. Cristo era essencialmente Deus, e no mais elevado sentido. Estava com Deus [o Pai] desde toda a eternidade, Deus sobre tudo, bendito para todo o sempre.

“O Senhor Jesus Cristo, o divino Filho de Deus, existiu desde a eternidade como pessoa distinta, embora um com o Pai. ... Isso não era usurpar’ a Deus. ...

254 /A Trindade

“Existe luz e glória na verdade de que Cristo era um com o Pai antes que os fundamentos do mundo fossem estabelecidos. Esta é a luz que ilumina em lugar escuro, fazendo-o resplandecer com a glória divina e original” (Review and Herald, 5 de abril de 1906).

“Cristo é o preexistente e auto-existente Filho de Deus. ... Ao falar de Sua preexistência, Cristo reporta a mente a infinitas épo­cas do passado. Ele nos assegura que jamais houve um tempo em que Ele não Se achasse em íntima comunhão com o Deus eterno” (,Signs o fth e Times, 29 de agosto de 1900).

“Aqui Cristo mostra-lhes que, embora pudessem querer con­tar os Seus dias como sendo menos de cinqüenta anos, Sua vida divina não podia ser contada de acordo com o cômputo humano. A existência de Cristo antes de Sua encarnação não pode ser me­dida por números” (Signs o fth e Times, 3 de maio de 1899).

“Desde os dias da eternidade o Senhor Jesus Cristo era um com o Pai; era ‘a imagem de Deus’, a imagem de Sua grandeza e majestade, ‘o resplendor de Sua glória ” (O Desejado de Todas as Nações, pág. 19).

“Nela [na Palavra de Deus] podemos aprender quanto custou nossa redenção Àquele que, desde o princípio, era igual ao Pai” (■Conselhos aos Pais, Professores e Estudantes, pág. 13).

Somente Alguém Igual a Deus Poderia Expiar os Pecados Humanos

“Nenhum dos anjos poderia ter se tornado fiador da raça hu­mana: sua vida pertence a Deus; eles não podem depô-la. Todos os anjos encontram-se sob o jugo da obediência. São mensagei­ros indicados por Aquele que comanda todo o Céu. Mas Cristo é igual a Deus, infinito e onipotente. Ele poderia pagar o preço do resgate do homem. Ele é o eterno e auto-existente Filho, que não estava sob nenhum jugo; e quando Deus perguntou A quem enviarei?’, Ele pôde responder: ‘Eis-Me aqui, envia-Me a Mim.’ Ele podia oferecer-Se como fiador do homem, pois era capaz de dizer aquilo que o mais elevado anjo não podia: ‘Eu tenho poder

Ellen White e a Trindade / 255

sobre Minha própria vida, poder para a entregar e ... poder para reavê-la’” (Youth’s Instructor, 21 de junho de 1900).

“O homem não poderia efetuar expiação pelo homem. Sua condição pecaminosa e decaída faria dele uma oferta imperfeita, um sacrifício expiatório de menos valor que o de Adão antes da queda. Deus fizera o homem perfeito e justo, mas depois de sua transgressão não poderia haver diante de Deus sacrifício aceitável em lugar do homem, a menos que a oferta apresentada fosse de valor superior ao do homem quando este ainda se encontrava em seu estado de perfeição e inocência.

“O divino Filho de Deus era o único sacrifício de valor sufi­ciente para satisfazer plenamente os reclamos da perfeita lei de Deus. Os anjos eram sem pecado, mas de menor valor que a lei de Deus.jEles eram submissos à lei. Eram mensageiros da vontade de Cristo, e diante dEle se curvavam. Eram seres criados, sujeitos à prova. Sobre Cristo não haviam sido postos requisitos. Tinha o poder de dar Sua própria vida e de retomá-la. Não fora colocada sobre Ele nenhuma obrigação de assumir a obra de expiação. Foi um sacrifício voluntário de Sua parte. Sua vida era de suficiente valor para resgatar o homem de sua decaída condição” (Review and Herald, 17 de dezembro de 1872; publicado posteriormente em The Spirit o f Prophecy [edição de 1877], vol. 2, págs. 9 e 10).

“Cristo unicamente poderia abrir o caminho, ao apresentar uma oferta igual à exigência da lei divina” (Review and Herald, 17 de dezembro de 1872).

“Ao morrer sobre a cruz, Ele transferiu a culpa da pessoa do trans­gressor para a do divino Substituto, através da fé nEle como Redentor pessoal. Os pecados de um mundo culpado, que em sentido figurado são representados como Vermelhos como o carmesim', foram impu­tados ao divino Fiador” (manuscrito 84a, 1897, citado em The Seventh-day Adventist Bible Commentary, vol. 7A, pág. 462).

“A justiça saiu de seu exaltado trono, e com todos os exérci­tos do Céu aproximou-se da cruz. Ali ela viu um igual a Deus suportando a penalidade de toda injustiça e pecado. Perfeita­

2 5 6 / A Trindade

mente satisfeita, a Justiça inclinou-se em reverência junto à cruz, dizendo: ‘E suficiente”’ (General Conference Bulletin, quarto tri­mestre de 1899, vol. 3, pág. 102).

“A justiça demandava os sofrimentos de um homem. Cristo, igual a Deus, ofereceu os sofrimentos de Deus. Ele não precisava de expiação” (Review a n d Herald, 21 de setembro de 1886).

“Cristo levou nossos pecados em Seu corpo sobre o madeiro. ... Que seria do pecado, uma vez que nenhum ser finito podia fazer expiação? Qual seria sua maldição, se só a Divindade o podia aca­bar? A cruz de Cristo testifica a todo homem de que a pena do pe­cado é a morte” (Carta 23, 1873, em Nossa Alta Vocação, pág. 42).

“Nenhuma tristeza é capaz de comparar-se à tristeza dAquele so­bre quem a ira de Deus se abateu com dominadora força. A natu­reza humana pode somente suportar uma quantidade limitada de teste e prova. O finito pode apenas suportar uma quantidade finita, e a natureza humana sucumbe; mas a natureza de Cristo possuía uma capacidade maior de sofrimento, pois o humano existia na na­tureza divina, criando uma capacidade de sofrimento que poderia suportar aquele que resultava dos pecados de um mundo perdido” (Manuscrito 35, 1895, em That IM ay Know Him, pág. 64).

Somente Alguém que é Deus Pode Ser um Intercessor e Advogado Eficaz Diante de Deus “A reconciliação do homem com Deus somente poderia ser

empreendida por um mediador igual a Deus, possuidor de atri­butos que O dignificassem e O declarassem digno de lidar com o Deus Infinito em favor do homem, e que também representasse a Deus diante do mundo caído. O substituto e penhor do ho­mem necessitava possuir a natureza do homem, uma conexão com a família humana, a quem deveria representar; e, como em­baixador de Deus, teria de participar da natureza divina, possuin­do conexão com o Infinito, de modo a manifestar a Deus diante do mundo, sendo mediador entre Deus e o homem” (Review and Herald, 22 de dezembro de 1891).

Ellen White e a Trindade / 257

“Cristo como Sumo Sacerdote dentro do véu imortalizou o Cal­vário de tal maneira que, embora viva para Deus, morre conti­nuamente para o pecado; assim, se algum homem pecar; tem um Advogado junto ao Pai. Ele ergueu-Se da tumba envolto por uma nuvem de anjos, em maravilhoso poder e glória - a Divindade e a humanidade combinadas’ (Manuscrito 50, 1900, citado em The Seventh-day Adventist Bible Commentary, vol. 7 A, pág. 485).

“Jesus tornou-Se homem para que pudesse mediar entre o homem e Deus. Vestiu Sua divindade com a humanidade, associou-Se com a raça humana, para que com Seu longo braço humano pudesse abarcar a humanidade, e com Seu braço divino tocar o trono da Di­vindade” (Carta 121, 1897, citada em The Seventh-day Adventist Bible Commentary, vol. 7A, pág. 487).

“A plenitude de Sua humanidade e a perfeição de Sua divindade formam para nós um sólido fundamento sobre o qual podemos ser conduzidos à reconciliação com Deus. Foi quando ainda éramos pe­cadores que Cristo morreu por nós. Temos a redenção, o perdão dos pecados, através de Seu sangue. Suas mãos perfuradas por cra­vos estendem-se do Céu à Terra. Com uma das mãos Ele alcança os pecadores na Terra, e com a outra toca o trono do Infinito, efetuando assim a nossa reconciliação. Cristo Se encontra hoje como nosso Advogado diante do Pai. Ele é o Mediador entre Deus e o homem. Carregando as marcas da crucifixão, Ele pleiteia a causa de nossas al­mas’ (Carta 35, 1894, citada em The Seventh-day Adventist Bible Commentary, vol. 7A, pág. 487).

“Somente Jesus poderia ser fiador diante de Deus, pois era igual a Deus. Somente Ele poderia tornar-Se mediador entre Deus e o homem, pois possuía a divindade e a humanidade. Je­sus podia, assim, dar a garantia a ambas as partes de cumprir as condições prescritas. Como o Filho de Deus, representa o nosso penhor diante de Deus, e como Verbo eterno, igual ao Pai, asse­gura-nos que o amor do Pai se encontra à disposição daquele que crê em Sua palavra empenhada. Quando Deus quis assegurar-nos de Seu imutável concerto de paz, ofereceu Seu Filho unigénito

258 / A Trindade

para tornar-Se um com a raça humana, o qual para sempre rete­rá Sua natureza humana como penhor de que Deus cumprirá a Sua palavra” (Review and Herald, 3 de abril de 1894).

A Personalidade e a Divindade do Espírito Santo“O Consolador que Cristo prometeu enviar depois de ascender

ao Céu é o Espírito em toda a plenitude da Divindade, tornando manifesto o poder da graça divina a todos quantos recebem e crêem em Cristo como um Salvador pessoal. Há três pessoas vivas) pertencentes ao trio celeste; em nome destes três grandes poderes- o Pai, o Filho e o Espírito Santo — os que recebem a Cristo por fé viva são batizados, e esses poderes cooperarão com os súditos obedientes do Céu em seus esforços para viver a nova vida em Cristo” (Special Testimonies, Série B, na 7, págs. 62 e 63 [1905], ci­tado em Evangelismo, pág. 615).

“O príncipe da potestade do mal só pode ser mantido em su^ jeiçao pelo poder de Deus na terceira pessoa da Divindade, o Egpírito Santo” (Special Testimonies, Série A, na 10, pág. 37, ci­tado em Evangelismo, pág. 617).

“Precisamos reconhecer que o Espírito Santo, que é tanto uma1 pessoa como o próprio Deus, está andando por esses terrenos” (Ma­nuscrito 66, 1899; de uma palestra feita para os alunos da Escola de Avondale e registrada; afirmação citada em Evangelismo, pág. 616).

“O Espírito Santo é uma pessoa, pois dá testemunho com o nosso espírito de que somos filhos de Deus. Uma vez dado esse tes­temunho, traz consigo mesmo sua própria evidência. Em tais ocasiões acreditamos e estamos certos de que somos filhos de Deus. ...

“O Espírito Santo tem personalidade, do contrário não poderia testificar ao nosso espírito e com nosso espírito que somos filhos de Deus. Deve ser também uma pessoa divina, do contrário não poderia perscrutar os segredos que jazem ocultos na mente de Deus. ‘Por que qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus.’ I Cor. 2:11”

Ellen White e a Trindade / 259

(Manuscrito 20, 1906; citado em Evangelismo, págs. 616 e 617).“Os eternos dignitários celestiais - o Pai, Cristo e o Santo Es-"1

pírito - capacitando-os [aos discípulos] com mais do que energia mortal. . . . haveriam de prosseguir avante com eles, a fim de con­vencer o mundo do pecado” (Manuscrito 145, 1901, citado em Evangelismo, pág. 616).

í“Cumpre-nos cooperar com os três poderes mais altos no Céu- o Pai, o Filho e o Espírito Santo - e esses poderes atuarão por nosso intermédio, fazendo-nos coobreiros de ~Deus”\special Testi- monies, Série B, na 7, pág. 51; citado em Evangelismo, pág. 617).

Nota dos compiladores: Observamos uma reveladora semelhan­ça quando Ellen White, fazendo uso da linguagem de Colossenses 2:9, aplica essa linguagem a todos os três membros da Divindade: “O Pai é toda a plenitude da Divindade”, “O Filho é toda a ple­nitude da Divindade” e o Espírito Santo é “toda a plenitude da Divindade” (.Evangelismo, págs. 614 e 615).

A Unidade ou Unicidade da Divindade “A unidade que existe entre Cristo e Seus discípulos não anu­

la a personalidade de nenhum. São um em desígnio, mente, em caráter, mas não em pessoa. E assim que Deus e Cristo são um” (A Ciência do Bom Viver, pág. 422).

“A Divindade moveu-se de compaixão pela raça, e o Pai, o Fi­lho e o Espírito Santo deram-Se a Si mesmos ao estabelecerem o plano da redenção” (Conselhos Sobre Saúde, pág. 222).

“Cristo, o Verbo, o Unigénito de Deus, era um com o eterno Pai - um em natureza, caráter, propósito - o único ser que poderia penetrar em todos os conselhos e propósitos de Deus” (Patriarcas e Profetas, pág. 34; compare com O Grande Conflito, pág. 493).

“Nunca antes os judeus haviam ouvido tais palavras de lábios humanos, e uma convincente influência os atingiu; parecia que a divindade tinha irrompido através da humanidade quando Jesus disse: ‘Eu e o Pai somos Um.’ As palavras de Cristo estavam cheias de significado quando Ele apresentou o reclamo de que Ele

260 / A Trindade

e o Pai eram um em substância, possuindo os mesmos atributos” {Signs o f the Times, 27 de novembro de 1893).

“A fim de salvar o transgressor da lei de Deus, Cristo, que é igual ao Pai, veio viver o Céu diante dos homens, para que apren­dessem o que significa ter o Céu no coração” {Fundamentos da Educação Cristã, pág. 179).

“O único modo pelo qual a raça caída poderia ser restaurada era mediante o dom de Seu Filho, igual a Si próprio, possuidor dos atributos de Deus” {Review and Herald, 8 de novembro de 1892).

“O Filho de Deus partilhava do trono do Pai, e a glória do Ser eterno, existente por Si mesmo, rodeava a ambos” {Patriarcas e Profetas, pág. 36).

“O Redentor do mundo era igual a Deus. ... A autoridade pela qual falava e operava milagres era expressamente Sua própria, e ainda assim Ele nos assegurou que Ele e o Pai eram um” {Review and Herald, 7 de janeiro de 1890).

“O Verbo existia como um ser divino, o eterno Filho de Deus, em união e unicidade com o Pai. Desde a eternidade fora o Me­diador do concerto, Aquele em quem todas as nações da Terra, tanto judeus como gentios, caso O aceitassem, seriam abençoa­das. ‘O Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.’ João 1:1” {Review and Herald, 5 de abril de 1906; ver Mensagens Escolhidas, livro 1, pág. 247, e Evangelismo, pág. 615).

“Para que o transgressor pudesse de ter um julgamento diferente, para que os homens pudessem ser trazidos ao favor de Deus o Pai, o eterno Filho de Deus interpôs-Se para suportar o castigo pela transgressão. Alguém vestido da humanidade, mas que era um com a Divindade, foi o nosso resgate” {Review and Herald, 8 de fevereiro de 1898).

‘“Examinai as Escrituras.’ João 5:39. Esta injunção veio do eterno Filho de Deus” {Youth’s Instructor, 31 de agosto de 1887).

“Foi uma demonstração de pobreza que, enquanto Ele anda­va para cá e para lá entre os súditos aos quais viera salvar, rara­mente uma voz solitária O chamasse de bendito, escassamente

Ellen White e a Trindade / 261

uma solitária mão se estendesse em amizade, e dificilmente um teto solitário O acolhesse. Olhemos, pois, por detrás daquela aparência, e a quem contemplamos? A Divindade, o eterno Filho de Deus, como poderoso e infinitamente dotado de todos os re­cursos de poder, encontrado sob a feição humana” (Manuscript Releases, vol. 15, págs. 25 e 26; 1888 Materials, pág. 28).

“Cristo, o autor da salvação do homem, [era] o eterno Filho de Deus” (Review and Herald, 8 de agosto de 1878).

“O Senhor Jesus Cristo, o divino Filho de Deus, existiu desde a eternidade como pessoa distinta, embora um com o Pai. ... Isso não era ‘usurpar’ a Deus” (Review and Herald, 5 de abril de 1906).

“Há três pessoas vivas no trio celeste; em nome destes três’( grandes poderes - o Pai, o Filho e o Espírito Santo - os que rece­bem a Cristo por fé viva são batizados, e esses poderes cooperarão com os súditos obedientes do Céu em seus esforços para viver a nova vida em Cristo” (Evangelismo, pág. 615).

“Devemos cooperar com os três mais elevados poderes do Céu - o Pai, o Filho e o Espírito Santo - e estes poderes opera­rão por nosso intermédio, tornando-nos coobreiros de Deus” (ibid., pág. 617).

“Os eternos dignitários celestes - Deus, Cristo e o Espírito1 Santo — equipando-os [aos discípulos] de energia sobre-humana, ... avançariam com eles para trabalhar e convencer o mundo do pecado” (ibid., pág. 616).

“Se o Pai tivesse vindo ao mundo para habitar entre nós, hu- milhando-Se a Si mesmo, velando a Sua glória, para que a huma­nidade O pudesse contemplar, a história que temos da vida de Cristo não se modificaria. ...'Em cada ato de Jesus, em cada lição de Suas instruções, devemos ver, ouvir e reconhecer a Deusy Na visão, na audição, no efeito, trata-se da voz e dos movimentos do Pai” (Para Conhecê-Lo, pág. 338).

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QUARTA SEÇÃOA Doutrina da Trindade

e suas Implicações Para a Prática e o Pensamento Cristãos

270 / A Trindade

GLOSSÁRIO DA QUARTA SEÇÃO

Abba - a palavra aramaica para Pai.Alter ego - literalmente, um segundo eu.Atanásio -pensador e líder da igreja no Egito, o qual teve

um papel de destaque no triunfo do ensino trinitariano no Concílio de Nicéia, em 325 d.C ., e depois dele. Foi o principal oponente de Ário, que defendia a idéia de que Cristo não era eternamente preexistente com o Pai.

Celestial - palavra usada para se referir ao Céu.Cenário - o esboço básico ou trama de uma peça ou ópera.Concílio de Constantinopla - um importante concílio da igre­

ja que se reuniu em 381 d.C. Os participantes reafirmaram a doutrina da Trindade e clarificaram a doutrina do Espírito Santo.

Expiação - termo teológico técnico usado principalmente para explicar as razões ou o significado da morte de Cristo como um evento redentor no plano da salvação.

“Extraterrestre” - um ser que vem do espaço à Terra.Graça justifícadora - a obra de Deus que perdoa o pecador e o

apresenta como completamente perfeito pelo mérito de Cristo.Juízo vindicativo - a idéia de Deus tem uma fase investigativa

no julgamento final não para informar a Si mesmo sobre a inocência ou culpa dos que são julgados, mas para demons­trar que agiu de maneira totalmente justa ao decidir o desti­no de cada pessoa que se encontra diante do tribunal divino.

Legalista - a idéia básica de que uma pessoa pode ser reconcilia­da com Deus pela perfeita obediência à lei divina. A pessoa legalista entende que a obediência à lei cria um mérito que obriga Deus a recompensá-la com a salvação. E o oposto da crença protestante clássica da salvação pela graça através da fé somente, não pelas obras da lei.

Maranata - palavra aramaica usada por Paulo em I Coríntios 16:22 e traduzida como “Vem, Senhor!”

Modelo da Influência Moral - nome dado a uma teoria (ou modelo) sobre a expiação a qual sustenta que deveríamos primariamente entender a morte de Cristo como uma de­monstração do amor de Deus, e não como substituição para satisfazer a justiça divina.

Modelo Governamental - nome dado a uma teoria (ou mo­delo) sobre a expiação que enfatiza que Cristo morreu para demonstrar a justiça celestial. Esse modelo susten­ta que Cristo morreu para que Deus pudesse manter a ordem moral do Universo e ao mesmo tempo perdoar livremente os pecadores.

Modelos objetivos — expressão empregada pelos teólogos para se referir às teorias (ou modelos) sobre a expiação que enfa­tizam o que Deus precisou fazer para prover o perdão dos pecadores.

Modelo da satisfação - nome dado ao modelo da expiação que sustenta que a morte de Cristo foi necessária para satisfazer a natureza divina caracterizada pela justiça. Ao satisfazer a justiça, Ele (ou a Sua morte) fez provisão para o perdão dos pecadores.

Modelos subjetivos - expressão utilizada pelos teólogos para se referir às teorias (ou modelos) sobre a expiação que enfati­zam a resposta apropriada do pecador à morte de Cristo ou o efeito desejado dela sobre eles.

Niceno - termo usado em referência ao famoso Concílio de Nicéia realizado em 325 d.C., no qual a idéia básica da doutrina da Trindade triunfou sobre as idéias de Ário e seus seguidores. O termo também se aplica ao pensamento dos principais defen­sores da Trindade antes e após o concílio.

Substância — termo técnico usado pelos pensadores cristãos des­de o quarto século d.C. para se referir à natureza essencial de alguma coisa ou ser. Essa palavra foi usada para expressar o conceito de que Cristo possuía a mesma substância ou na­tureza divina do Pai.

Glossário da Quarta Seção / 271

272 / A Trindade

Substitucionária - palavra empregada nas discussões teológi­cas sobre o significado da morte de Cristo. O conceito bá­sico do termo é que Cristo sofreu a penalidade da justiça de Deus como substituto dos pecadores. Sua morte satisfaz as exigências da justiça divina, de modo que os pecadores podem ser declarados justos.

Tema do grande conflito - conceito que reflete o tema bíblico de que há uma guerra cósmica em andamento no Universo entre as forças de Cristo e de Satanás desde que Satanás (co­nhecido então como Lúcifer) se rebelou no Céu e tentou usurpar o lugar de Cristo no governo da criação.

Capítulo 15

Por Que a Trindade é Importante:

Ia ParteO Amor de Deus e a Divindade de Cristo

Introdução

Havendo pesquisado as evidências bíblicas em favor da Trindade (o “que” da doutrina) e os desenvolvimentos históricos da mesma (o “como” desse ensinamento),

agora volveremos nossa atenção para a importância de os cristãos a aceitarem (o “porquê” da doutrina). Em outras palavras, se a doutrina é verdadeira, o que faremos agora com ela?

Componentes-Chaves do Ensinamento Trinitariano Antes de avançarmos, vamos revisar os elementos fundamen­

tais da doutrina.A doutrina da Trindade ensina que a Divindade consiste de

três Pessoas divinas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Não são três deuses, e sim três Pessoas divinas unidas em natureza (a mesma essência ou substância), caráter e propósito. Cada uma delas preexistiu desde a eternidade. Ou seja, jamais houve um tempo na eternidade passada em que essas Pessoas não coexistissem, e jamais haverá um tempo em que deixem de existir.

Ao passo que as três Pessoas divinas são unas, assumiram dife­rentes papéis ou posições nas obras divinas da criação, redenção

274 / A Trindade

e amorosa administração do Universo. O Pai assumiu a liderança geral, o Filho subordinou-Se à liderança do Pai e o Espírito vo­luntariamente Se subordina ao Pai e ao Filho.

O Filho é a segunda e plenamente divina pessoa da Divinda­de, o qual, enquanto retendo Sua divindade plena, deixou de lado os privilégios e prerrogativas de Seu poder divino e Se tor­nou plenamente humano através da Encarnação. O Espírito atua como o representante pessoal e divino da Trindade na Terra. O Espírito Santo é tão divino e pessoal quanto o Pai e o Filho.

Essas são as principais convicções que os cristãos têm confessado como sendo a verdade bíblica a respeito da Santa Trindade.

O “Porquê” da Doutrina da Trindade O que será apresentado neste capítulo e nos dois seguintes

são (1) as mais importantes razões teológicas por que um crente deveria considerar a Trindade uma doutrina essencial e (2) algu­mas implicações práticas que decorrem dessas razões teológicas. Em outras palavras, o “porquê” da doutrina da Trindade inclui importantes - ou mesmo essenciais — implicações teológicas que aparecem ao fazermos uma séria reflexão sobre o amor do Pai, a plena divindade do Filho e do Espírito, a personalidade do Es­pírito e a unicidade essencial de natureza compartilhada por todos os Três.

Perspectiva da Doutrina A doutrina, não importa quão correta possa ser do ponto de vista

intelectual, não é de grande utilidade a menos que possa demonstrar claramente algumas implicações teológicas muito práticas.

Podemos situar melhor o assunto com as seguintes pergun­tas: é realmente importante estar doutrinariamente correto no que diz respeito às questões despertadas pela Trindade? Poderia alguém perder a alma se negar essa doutrina? E essa doutrina es­sencial para uma clara compreensão da própria natureza de Deus, do significado da morte e Cristo na cruz e da vitória de

Deus e de Seu povo sobre o pecado, a tentação e a morte? An­tes de apresentarmos reflexões sobre esses pontos, queremos oferecer a perspectiva a seguir.

A doutrina é importante para a experiência cristã, mas encon- trar-se numa posição doutrinariamente correta não constitui um requisito absoluto para a salvação. Devemos admitir que todos nós, de alguma forma, temos tido algum problema doutrinário. Cada um de nós já sustentou ou sustenta algumas convicções teologica­mente imaturas. A dura verdade é que ainda necessitamos de al­gum crescimento e clareza no que tange à nossa compreensão de Deus. Assim, se a salvação fosse baseada na absoluta perfeição doutrinária, estaríamos todos condenados.

Entretanto, depois de admitir isso, temos de reconhecer também que falsas doutrinas ou má teologia podem contribuir grandemen­te para reduzir nossa experiência espiritual, em grande medida por causa de pontos de vista deprimentes ou distorcidos sobre Deus.

Estou certo de que muitos de nós já passaram pela experiência de receber más referências de um empregado em potencial, parcei­ro comercial ou outra pessoa significativa. Esse tipo de informação tende a gerar dúvidas que levam à desconfiança. E a desconfiança constitui um bloqueio importante a qualquer relacionamento pro­dutivo ou relação comercial. Quando, entretanto, tais alegações se demonstram falsas e descobrimos a verdade a respeito da pessoa em questão, isso permite grande progresso no desenvolvimento de ami­zade ou parceria satisfatória e efetiva.

Podemos comparar a sã doutrina com uma boa análise sobre Deus. Seria correto conferir o que se diz a respeito de Deus? A resposta é “sim”!

O desafio é que, simplesmente, muita informação errada a res­peito de Deus tem sido espalhada pelos inimigos de Deus, a ponto de a pessoa ser beneficiada se realizar uma boa verificação quanto ao que é verdadeiro ou falso em tudo aquilo que se diz a Seu respeito.

Para os adventistas do sétimo dia, tal verificação seria coerente com a nossa compreensão do tema do grande conflito. Esse convin­

Por Que a Trindade é Im portante: T Parte / 275

2 7 6 / A Trindade

cente cenário retrata o Universo envolvido numa grande luta acerca da natureza de Deus e Seu amor. Retrata o Deus do Universo como convidando-nos abertamente a ponderar, com todo cuidado, sobre a verdade de Sua natureza e a forma como conduz as coisas. As formas fundamentais de Deus comunicar a verdade acerca de Sua natureza e caráter são a Bíblia e a Sua auto-revelação através de Jesus.

Portanto, nossa pergunta é: existem aspectos envolvidos na doutrina da Trindade capazes de ajudar-nos a alcançar o âmago daquilo que realmente necessitamos conhecer sobre Deus? Além disso, pode tal conhecimento ajudar-nos de modo especial a so­brevivermos nos estágios finais da grande controvérsia?

Queremos humildemente sugerir que a Trindade é uma doutrina absolutamente fundamental e essencial que esclarece conceitos errôneos e grosseiros sobre Deus, Sua natureza e Seu caráter. Sugerimos também que aquilo que a Trindade revela tornará mais fácil a nossa reconciliação com Deus, e nos trans­formará em servos e testemunhas mais fiéis.

A Questão BásicaAo completar a investigação bíblica em favor da Trindade e

contra ela, no capítulo 7, dedicamos alguma atenção ao assunto de Deus como a corporificação do amor. A doutrina da Trinda­de afirma que a Divindade consiste de três pessoas divinas e coe- ternas, que sempre viveram num mútuo relacionamento de amor submisso e apoiador por toda a eternidade. Tal afirmação, se verdadeira, fala-nos em alto tom a respeito da natureza essen­cial da Divindade.

Além disso, nessa revelação do amor triúno, não é só a natureza fundamental de Deus que está envolvida; também está em jogo o que Ele tem em mente para aqueles aos quais criou à Sua imagem.

Se Deus é amor (I João 4:8) na própria essência de Sua natu­reza, e se nos criou segundo a Sua imagem e semelhança (Gên. 1:26 e 27), isso deveria nos revelar que o próprio centro do que significa ser humano se encontra no cultivo de relacionamentos

sociais e espirituais caracterizados pelo amor, a confiança e a sub­missão a Deus e aos demais seres humanos.

Talvez pudéssemos pôr a questão nos seguintes termos: se o fundamento da natureza de Deus é o eterno e infinito relaciona­mento de amor, e se Ele nos criou à Sua imagem, então a própria essência do que significa viver é a participação em relacionamentos amoráveis! Em outras palavras, realmente existir é viver num esta­do de amor orientado para fora, para os outros, e não num tipo de autogratificação focalizada no eu, voltada para dentro.

A primeira implicação prática daí decorrente é que, se a pró­pria natureza do Universo criado por Deus é a do amor que flui para fora, então quaisquer atitudes ou ações destrutivas dos re­lacionamentos de amor genuínos, semelhantes ao de Deus (que estão de acordo com Sua lei), tornam-se suspeitas. Já aquelas atitudes e ações que constroem relacionamentos produtivos e que satisfazem são as que devemos buscar.1

Isso, contudo, faz surgir uma questão muito séria: Podem se­res humanos pecaminosos verdadeiramente conhecer o que constitui um relacionamento legítimo, orientado pelo amor? O grande adversário, Satanás, tem afirmado que a única forma de encontrar o amor e a verdadeira felicidade é tornar o eu e a au­togratificação o objetivo maior da vida.

Quem está certo? Queremos sugerir que Deus, em Sua auto- revelação trinitariana, afirma que nos criou para que reflitamos o amor que reside de modo sobrenatural em Sua própria essência, como um Deus eternamente amorável que é um em três. Além disso, o amor triúno encontrado em Deus não é orientado para o eu, o que implica fortemente que encontraremos nosso maior gozo e satisfação ao vivermos para o serviço em favor de outros, v Pois bem, acreditamos que todos os cristãos reconhecem que o caminho de amor indicado por Deus é o melhor. De fato, é o único caminho pelo qual andar. A consideração se­guinte, contudo, é o fato de que nós, seres humanos, simples­mente não desejamos viver, de modo natural, dessa forma.

Por Que a Trindade é Im portante: Ia Parte / 277

278 / A Trindade

Nossa própria natureza, em conflito com a essência da nature­za divina, que é de relacionamentos auto-sacrificiais, constan­temente nos leva a vivermos de modo semelhante ao do diabo - tudo pelo eu! O que a Trindade diz a respeito desse terrível dilema no qual nos achamos envolvidos?

Quem Unicamente Pode R edim ir-nos?A história bíblica nos informa que, na criação original, Deus

investiu a humanidade com a capacidade natural de amar e viver de acordo com a Trindade. Mas os seres humanos se rebelaram e agora vivem mais de forma demoníaca do que amorável. Como reagiu Deus a esse trágico conjunto de eventos?

As grandes novas provindas de nosso Autor são que Ele não apenas nos criou num extraordinário ato de transbordante amor (Ele desejava ampliar o círculo de amor da Trindade), mas deter- minou-Se a redimir-nos por meio de uma assombrosa revelação de amor auto-sacrificial. E na própria essência deste amor-sacri- fício que a doutrina da Trindade recebe seu mais forte teste e a mais comovedora e chocante revelação.

Deus teve de enfrentar a questão da rebelião angélica e humana, um tipo de pecado totalmente voltado contra a índole de Seu co­ração de eterno amor. O que deveria Ele fazer?

A convincente linha histórica da Bíblia é que o Deus triúno decidiu amar-nos de uma maneira capaz de criar o único cami­nho possível para a reconciliação e a redenção. Ela manifesta um cenário redentivo que pode restaurar o relacionamento com Deus e criar nesse processo uma orientação relacional que capacita no­vamente os seres humanos a viver em amor uns com os outros.

Deus não ama nosso pecado e nossa pecaminosidade. Mas a Sua própria natureza de amor instintivamente O impeliu a esten­der-nos a Sua misericórdia redentora, e não a atacar-nos com os raios ardentes da justiça. E tudo isso Ele realizou com o propósi­to de restaurar nosso estado de filhos e filhas infinitamente valio­sos. Seu objetivo é transformar-nos à Sua imagem por meio da

cura das nossas histórias e naturezas pessoais pecaminosas, que têm desgraçado a nossa existência (e afetado também a Sua).

Uma vez mais perguntamos: como conseguiria Deus tudo isso? Deveria atuar com forte justiça e expurgar o Universo da re­belião? Sim, Ele poderia tê-lo feito, mas preferiu não aplicar um remendo rápido. A narrativa bíblica sugere fortemente que a Sua opção tem sido a de pacientes e longânimos apelos e demonstra­ções de Seu eterno amor. O centro de Seu plano de salvação foi o de oferecer sacrificialmente o Seu próprio divino Filho, para que viesse viver entre nós e revelar-nos, como homem, o que real­mente significa o amor divino. O clímax da missão do Filho foi viver e morrer de tal forma que pudéssemos ser perdoados, recon­ciliados e finalmente curados da doença do pecado.

Somente Cristo Pode R edim ir Deveria, entretanto, o dom sacrifical ser a própria pessoa do

Filho? Não poderia o agente da reconciliação haver sido um anjo ou algum outro ser não caído, proveniente de algum dos outros mundos que sempre amaram a Deus e permaneceram fiéis?

Essas questões estimularam os antigos debates do quarto sécu­lo de nossa era sobre a natureza divina de Cristo. Atanásio, o mais destacado defensor da plena divindade de Cristo no Concílio de Nicéia, tomou firme posição contra Ário ao afirmar que o único ser capaz de efetivamente redimir e restaurar o mundo era nin­guém menos que o próprio Deus. Nenhum ser criado ou deriva­do (um anjo ou qualquer outro) poderia ser considerado apto a desempenhar essa grande missão.

Mas por que apenas o Filho unigénito de Deus poderia cumprir tal missão? Por que Jesus é o único ser capaz de revelar plenamen­te quem é Deus? Os argumentos que se seguem são respostas que fluem do próprio âmago da natureza trinitariana da Divindade!

Somente Deus Pode R evelar a Deus Apenas alguém que é Deus pode, no mais pleno sentido, de-

Por Que a Trindade é Im portan te: Ia Parte / 279

280 / A Trindade

monstrar efetivamente como é Deus (João 14:8-11; I Cor. 1:21-24). Uma vez que Jesus era plenamente um em natureza e caráter com o Pai, poderia revelar a verdade acerca de Deus. É preciso “ser um para conhecer um”, e é preciso alguém verda­deiramente conhecedor por natureza de quem é Deus para ofe­recer uma revelação verdadeira e digna de confiança de como Deus é. Nenhum deus ou semideus criado ou de alguma forma derivado da natureza divina estaria suficientemente equipado para a tarefa. Apenas alguém “de dentro” poderia, de fato, mos­trar à humanidade a verdade acerca de Deus.

Somente Deus Poderia Realizar o Sacrifício A questão mais profunda, contudo, gira em torno de por que

unicamente um dos membros da Divindade (Jesus foi o escolhi­do) poderia oferecer pleno e efetivo sacrifício pelo pecado. Neste ponto, temos de avançar com o maior cuidado e clareza. Deve­mos lembrar a nós mesmos que nos encontramos nas fronteiras de uma pesada verdade envolta em profundo mistério.

Em primeiro lugar, temos de admitir que, num sentido literal, a verdadeira divindade é naturalmente imortal e não pode expe­rimentar a morte. Esta simples verdade bíblica (I Tim. 6:14-16) explica uma das razões por que se tornou necessária a encarnação (Heb. 2:9, 14-18). Apenas a natureza humana, dependente e mortal, poderia estar sujeita à morte. Através da experiência da encarnação, Jesus assumiu a natureza humana e morreu.

Uma vez mais, porém, apresentamos a pergunta: Por que ape­nas um ser plenamente divino seria capaz de oferecer o sacrifício de uma morte expiatória? Como isso poderia ser verdadeiro se Cristo, em Sua divindade, era incapaz de morrer?

Jesus, o Único Expiador Parece que a resposta apresenta várias facetas fascinantes:1. A própria união da divindade com a humanidade, através

da encarnação de Cristo, sugere que, embora a divindade não pu­

desse literalmente morrer, é como se houvesse morrido no seguin­te sentido: a divindade de Cristo, junto com Sua humanidade, con­sentiu voluntariamente, num gesto de auto-sacrifício, em morrer a cada passo no caminho da cruz. Ao assim proceder, a própria natureza da morte humana de Cristo veio a investir-se do infini­to valor do amor eterno.

Uma ilustração vinculada à morte de Abraão Lincoln pode­rá revelar-se útil. De um ponto de vista puramente pessoal e humano, sua morte não foi mais trágica que a de qualquer ou­tra vítima de assassinato. Mas, do ponto de vista de seu valor para a nação, sua morte representou uma tragédia muito maior. O valor investido na vida e caráter de Lincoln, em vir­tude de seu ofício presidencial e de suas ações como restaurador das feridas da nação causadas pela Guerra Civil, investiram sua morte de significado muito maior do que haveria sido a morte de qualquer cidadão comum. E Cristo, Aquele que por Sua natureza divina foi investido dos ofícios de Criador e Re­dentor, é o único ser de valor e virtudes suficientes para ofe­recer um efetivo sacrifício expiatório pelo pecado.

Ellen White, seguindo o mesmo tema de Atanásio e dos pri­meiros autores trinitarianos, colocou a questão nestes termos: “O divino Filho de Deus era o único sacrifício de suficiente valor para satisfazer plenamente os reclamos da perfeita lei de Deus. Os an­jos eram sem pecado, mas de menor valor que a lei de Deus. ... Sua [de Cristo] vida era de valor suficiente para resgatar o homem de sua condição decaída” ( The Spirit ofProphecy, vol. 2, pág. 10).

“Cristo é igual a Deus, infinito e onipotente. Ele poderia pa­gar o resgate pela liberdade do homem. ... Ele podia dizer aquilo que o mais exaltado anjo não poderia dizer: “Tenho poder sobre Minha própria vida, ‘poder para depô-la e ... poder para retomá- la ” (Youth’s Instructor, 21 de junho de 1900).

2. Somente o amor que habita num dos membros da Divin­dade seria capaz de julgar efetivamente o pecado. Poderíamos si­tuar o problema do pecado da seguinte maneira: O amor plena­

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mente divino de Cristo possuía nao apenas valor inato, mas tam­bém o poder de conquistar o pecado. Por quê? Um possível indício está na própria natureza do pecado.

Quando realmente resumimos tudo, podemos com segurança dizer que o pecado envolve a natureza e as ações da criatura carac­terizada pelo “des-amor”. Você poderia perguntar: “A respeito do que, afinal, está se falando quando se utiliza o termo ‘desamor’?”

A própria essência da justiça divina é a manifestação de amor. A lei de Deus é uma concreta expressão de Sua natureza de amor (Mat. 22:36-40; Rom. 13:8-10; I João 5:2 e 3). Ela define, em termos vívidos, a exata maneira como seres plenos do amor divi­no pensam e agem. E aquilo que se posiciona contra a expressa lei de Deus atua em contrariedade ao amor de Deus. Portanto, o pecado é pensar e agir não apenas de forma contrária à lei, mas também de maneira contrária ao amor.

Dito em outros termos, o pecado só poderia vir à existência por causa da própria natureza amorável de Deus. O fato de que o amor de Deus requer o livre-arbítrio torna possível a existên­cia do pecado. Esta liberdade concedida por Deus, essencial ao exercício do amor, é que permite a pecaminosa desobediência. Contudo, quando o pecado toma vantagem da liberdade divina baseada no amor e vai contra a própria natureza divina, ele so­mente pode manifestar-se como atitudes baseadas no egoísmo e em ações de desamor. Assim, o pecado torna-se uma criação hu­mana que se alimenta do amor divino e se torna uma distorção intensamente pervertida do amor divino. O pecado simples­mente não poderia existir sem a natureza divina de amor; seu desenvolvimento é perversamente parasítico.

Com toda certeza Deus não é, de forma alguma, o autor do pecado. O pecado representa uma misteriosa e perversa criação de Satanás, e coisa alguma jamais será capaz de explicá-lo plena­mente. Entretanto, sem que Deus garantisse o direito de escolha de coisas contrárias à Sua natureza de amor, não poderia existir o pecado. Deus poderia haver operado em segurança e nos pré-pro-

gramado para não pecarmos. Neste caso, contudo, seríamos uma coleção de robôs, executando a vontade de Deus apenas por ins­tinto. Sim, Deus escolheu um caminho cheio de riscos ao criar seres à imagem de Sua própria natureza amorosa. Poderia Ele, entretanto, haver procedido de outra forma se verdadeiramente desejava uma raça de seres capazes de, livre e responsivamente, se relacionarem com Ele em amor?

Portanto, uma vez que somente podemos compreender o pe­cado como algo que está em total contraposição ao amor de Deus (algo que escolhe livremente atitudes e ações desamorosas), deve ser verdade que unicamente alguém que é eterno e divinamente amorável em natureza estaria capacitado a expor, definir e des­truir o pecado e seu autor. Somente o poder conhecedor do amor divino residente em Cristo - em quem “habita corporalmente a plenitude da divindade” (Col. 2:9) - possui a capacidade de des­vendar e julgar o seu parasítico alter ego. O corolário destes fatos é que a morte de Cristo sobre a cruz foi, em princípio, o julga­mento e a derrota do pecado.

O julgamento e a destruição do pecado através do poder divi­no de Cristo apresenta duas importantes conseqüências:

a. A vida e a morte de Cristo revelaram o amor sob uma for­ma nunca antes vista em toda a história do Universo. Essa combinação de justiça e misericórdia espalha-se em ondas de influência moral e espiritual capazes de levar os pecadores a se arrependerem do pecado. Esse arrependimento surge não ape­nas do fato de Cristo revelar a enormidade do pecado, mas também resulta de uma apreciação mais profunda da oferta de misericórdia de Deus, a qual não merecemos. Assim, a revela­ção do amor de Jesus em Sua vida perfeita e morte expiatória modifica nossa atitude em relação ao pecado e a Deus. Isso nos habilita a respondermos à oferta divina de misericórdia e novi­dade de vida. Mas o julgamento que o Filho faz do pecado, através de Sua demonstração de amor de vida-e-morte, permi­te que Deus empreenda mais um importante ato.

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b. A perfeita obediência de Cristo à lei e o ato de suportar a pe­nalidade da quebrantada lei em nosso favor permitem que Deus perdoe os pecadores penitentes. Deus garante perdão ao pecador arrependido em consideração a Cristo. Ou seja, uma vez que o amor de Deus foi revelado na vida e na morte de Cristo, Deus Se acha apto a assegurar nosso perdão ao declarar que tudo aquilo que pertence a Cristo agora é considerado como nosso. Recebemos nova história de vida (a vida de Cristo agora é nossa), novo estado legal e poderosas motivações do amor de Deus para vivermos para Ele de agora em diante. Tudo isso foi obtido com base naquilo que o amor de Deus operou, e não por algo que meros seres humanos tenham realizado. Os justificadores méritos de Cristo, não os de al­guma criatura, são a manifestação da justiça de Deus!

Esta compreensão da forma divina de perdoar e aplicar a gra­ça justificadora acha-se inextricável mente vinculada a Seu amor divino. Só o amor que reside na plena divindade de Cristo po­deria assegurar tal justiça. O que se tem demonstrado um tanto interessante é que, ao longo dos séculos, as tradições religiosas antitrinitarianas e unitarianas sempre desembocaram em pontos de vista legalistas quanto à salvação. Em outras palavras, somen­te quando o pecador se torna bom e obediente pode ser consi­derado digno do perdão. Mas, quando aparecem movimentos trinitarianos, sua forte tendência é de apresentar renovada ênfa­se ao perdão e à justificação pela graça através da fé somente.2

O judaísmo, o islamismo, as testemunhas de Jeová e o adventis- mo não-trinitariano inicial sempre tenderam a ressentir-se da falta de uma clara doutrina de justificação pela graça baseada nos méritos da justiça divina. Foi apenas quando o adventismo começou a emergir de sua compreensão não-trinitariana da divindade de Cristo que pas­sou a encontrar clareza na justificação somente pela graça mediante a fé. De fato, parece constituir uma lei da história sagrada que, a me­nos que os crentes adquiram uma compreensão mais profunda da plena divindade de Cristo, a salvação somente pela graça através da fé não consegue desempenhar-se muito bem.

Os benefícios da plena divindade de Cristo não terminam, contudo, com a manifestação da graça justificadora. Sua divinda­de também assegura uma poderosa experiência de nova vida para aquele que crê na graça transformadora.

3. A necessidade de um sacrifício divino também surge do fato de que apenas um ser que naturalmente possuísse a imorta­lidade poderia oferecer a vida eterna a todos os que aceitassem a oferta do poder salvador de Sua morte substitutiva.

A nova vida em Cristo inclui a conversão a uma vida de amor durante o tempo e uma vida infindável por ocasião da segunda vinda. Assim, a morte de Cristo não apenas cancela o pecado e destrói o poder da morte, como o amor divino de Cristo nos ca­pacita a termos nosso caráter restaurado.

4. Identificamos a grande obra de restauração do caráter como graça santificadora ou graça que modifica a vida. Não apenas é a plena divindade de Cristo absolutamente essencial à Sua oferta de perdão e graça justificadora, como também provê o poder da gra­ça transformadora. O pecado deteriorou tão profundamente a criação de Deus que apenas o ser que originalmente executou a criação — o divino Filho de Deus — é capaz de restaurá-la!

Jesus, o grande Criador, torna-se o grande médico da alma hu­mana danificada pela avassaladora infecção do pecado! Fluindo de Sua vida de justiça e morte expiadora, Seu poder para curar é tão grande que ninguém precisa desesperar-se, temendo que sua alma não possa ser restaurada.

Talvez outra metáfora, além dessa da cura, possa também ex­plicar a questão da graça transformadora. Seria a metáfora da confortadora presença de um forte pai ou mãe em relação a uma fraca e temente criança. Quando garoto pequeno, eu temia desesperadamente a escuridão. Quando precisava sair para al­gum recado à noite, imaginava toda sorte de seres maus escon­dendo nas trevas. De alguma forma, porém, quando o meu for­te pai estava comigo, tudo me parecia seguro e em ordem. Quando o Deus poderoso, o poderoso Jesus, Se encontra ao

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nosso lado na luta contra as forças demoníacas da escuridão, não necessitamos temer.

5. Além disso, não apenas foi a plena divindade de Cristo ne­cessária para que Ele pudesse perdoar nossos pecados e transfor­mar nosso caráter, como ainda Sua natureza divina nos assegura que Ele sempre Se encontra lá como nosso Redentor. Ou seja, o Cristo divino é um advogado, intercessor e mediador costante- mente disponível e eficaz entre a humanidade e Deus. Contudo, este mesmo ser divino é “o homem” (I Tim. 2:5).

Este conceito é belamente expresso através da metáfora do “fiador”. Esse termo projeta a idéia de uma pessoa que incessan­temente está em posição de apoiar outra, particularmente em caso de débito. O fiador garante que o débito será pago no caso de o devedor não poder saldá-lo. Os autores que crêem na Bíblia muitas vezes têm utilizado a maravilhosa descrição de Cristo como o “substituto e fiador” do pecador, retratando-O assim como nosso advogado e mediador diante do Pai. Sim, existe Al­guém que está diante do Pai em nosso favor. Sua plenitude de in­finito amor acha-se em nosso favor. Que Salvador totalmente su­ficiente temos em Cristo!

Uma vez mais, Ellen White expressou o tema em termos que bem de perto fazem recordar as clássicas confissões trinitarianas do quarto século da era cristã:

“A reconciliação do homem com Deus somente poderia ser empreendida através de um mediador que fosse igual a Deus, possuindo atributos que pudessem dignificá-Lo e declará-Lo apto para representar o homem diante do Deus Infinito e representar Deus diante do mundo caído. O substituto e penhor do homem precisa ter a natureza do homem, uma conexão com a família hu­mana a quem pretende representar; e, como embaixador de Deus, precisa participar da natureza divina, possuindo conexão com o Infinito, de modo a manifestar Deus ao mundo e ser o mediador entre Deus e o homem” (Review and Herald, 22 de de­zembro de 1891).

Ocorre que Cristo não está mais fisicamente presente para de­sempenhar tal tarefa. Como, então, pode Ele efetuar essas mu­danças e oferecer conforto de uma distância tão grande? Encon­tramos a resposta na obra e pessoa da poderosa agência que é a terceira pessoa da Divindade, o poderoso Espírito Santo. E para esse tema que volveremos nossa atenção no próximo capítulo.

Notas1 No capítulo final desta seção, analisaremos mais a respeito das implica­

ções práticas e éticas do amor de Deus.

2 Uma possível exceção a essa tendência é o catolicismo romano. Gostaria de sugerir duas razões para tal exceção: (1) a doutrina da Trindade é quase uma letra filosófica morta na tradição romana (existe nos livros, mas não é, de fato, utilizada teologicamente); (2) a obra intercessória de Jesus foi quase totalmente obliterada pela ênfase prática sobre a intercessão de Maria e dos santos. Em outras palavras, os intercessores humanos virtualmente substi­tuíram a pessoa divino-humana de Jesus.

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Capítulo 16

Por Que a Trindade é Importante:

1 - ParteO Espírito Santo e a Unicidade Triúna da Divindade

Introdução

O Espírito Santo certamente tem recebido menos desta­que na teologia e no cristianismo prático do que o Pai e o Filho. Parece, entretanto, que é isso mesmo

que o Espírito Santo deseja. Sua ocupação nunca foi chamar a atenção para Sua própria pessoa ou ser. Em vez disso, Seu maior deleite ocorre quando consegue amoravelmente focalizar Seu ministério na exaltação do Pai através de Sua representação do Filho. E neste aspecto de Seu ministério que verdadeiramente se pode falar do Espírito como o “Consolador” ou “Auxiliador” celestial.

Poderia, entretanto, o Espírito Santo realmente levar avante de forma efetiva o Seu ministério se fosse apenas algum tipo de “Internet” celestial criada, e não a poderosa terceira pessoa da eterna Divindade?

E, finalmente, que implicação teológica a triúna unicidade ou profunda unidade da Divindade poderia ter para a nossa compreensão da salvação e da segurança do governo de Deus no Universo? Examinaremos em primeiro lugar a pessoa e a obra do Espírito Santo.

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O Espírito Santo Como Agente D ivino e Pessoal da Salvação

Intimamente relacionadas com as questões relativas à pessoa e à natureza divinas de Cristo, encontram-se as que se referem à di­vindade, personalidade e obra do Espírito Santo. As convicções trinitarianas clássicas têm consistentemente sustentado que apenas um ser que é plenamente Deus poderia corretamente representar o Pai e o Filho diante da raça humana. Além disso, apenas o ple­namente divino Espírito poderia tornar efetivamente a obra de Cristo um fato salvífico no coração humano.

A Plena D ivindade do Espírito O texto bíblico que mais persuasivamente testemunha em

favor da necessidade prática de ser o Espírito Santo plenamen­te divino é I Coríntios 2:7-12: “Mas falamos a sabedoria de Deus em mistério. ... que nenhum dos poderosos deste século conheceu. ... Mas Deus no-la revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus. Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito que nele está? Assim também as coisas de Deus ninguém as conhece, senão Espírito de Deus. Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Es­pírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente.”

Essa passagem afirma claramente que só podemos obter conhe­cimento de Deus através do Espírito de Deus, que agora é o Seu autorizado representante na Terra, a revelação de Seu amor e poder salvador. Portanto, faz sentido afirmar que, se o Espírito Santo deve corretamente representar o Pai e o Filho, Ele próprio precisa ser plenamente Deus. Uma vez mais, não basta “ser alguém para conhecer alguém”; também se requer um ser da mesma espécie ou natureza essencial para revelar tal espécie a alguma outra. Em ou­tras palavras, só um ser plenamente divino, que compartilha em sentido total a eterna natureza do amor divino, pode adequada­

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mente comunicar tal amor a um mundo tragicamente destituído do conhecimento divino e destinado à destruição.

Pondere cuidadosamente sobre outras implicações do tipo “apenas” quando falamos da plena divindade do Espírito Santo:

1. Apenas o Santo Espírito de Deus poderia trazer o converte- dor e convencedor poder do grande amor de Deus à humanidade decaída. Unicamente Alguém que tenha estado eternamente vin­culado ao coração de amor auto-sacrificial do Pai e do Filho pode comunicar plenamente tal amor aos perdidos seres humanos.

2. Apenas o Espírito Santo, que compartilha plenamente do coração de adoção do Pai, inflamado de amor por Seus filhos per­didos, pode imputar a Seus enfermos fdhos humanos “o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai’. O próprio Es­pírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rom. 8:15 e 16).

3. Apenas Alguém que trabalhou com o Filho na criação poderia estar apto a recriar as almas danificadas pelas destruidoras forças de Satanás e do pecado (Rom. 8:10 e 11). A função re-criadora do Es­pírito Santo acha-se intimamente vinculada ao trabalho de produzir frutos espirituais. Portanto, apenas o divino Espírito, que cultiva a vi­nha com Cristo (João 15:1-11), é competente para produzir no povo de Deus “as primícias do Espírito” (Rom. 8:23).

Além disso, a questão do “fruto do Espírito” assume significa­do mais claro quando se constata que os frutos individuais (ale­gria, paz, longanimidade, bondade, etc.) são todos manifestações do todo-abrangente “fruto” que é o amor (veja Gál. 5:22-24).

4. Apenas o Espírito Santo que sustentou Cristo durante o horror do Getsêmani e do Calvário pode plenamente confortar- nos ao longo de nossos próprios vales de escuridão e durante as amedrontadoras noites da alma.

5. Apenas o Espírito, que conhece plenamente o coração de nosso grande Intercessor sumo-sacerdotal, pode adequadamente representar os consolos e compartilhar as bênçãos da constante intercessão de Cristo em nosso favor perante o Pai de amor.

6. Apenas o Espírito que inspirou as orações de Jesus pode efe­tivamente ajudar-nos em nossas fraquezas. “Porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós so­bremaneira com gemidos inexprimíveis. E Aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a von­tade de Deus é que Ele intercede pelos santos” (Rom. 8:26 e 27).

7. Apenas Alguém que pode estar em plena sintonia com o âmago do ministério encarnacional de Jesus, e ao mesmo tempo ser capaz de estar simultaneamente em toda parte (a onipresença de Deus), poderia levar a redentora presença de Cristo ao mun­do inteiro. O único ser que poderia realizar tal coisa é o eterno e sempre presente Espírito Santo.

A Personalidade do EspíritoNo capítulo 4, esboçamos as evidências bíblicas em favor da

plena e divina personalidade do Espírito Santo. Por que é este as­sunto tão crítico? Será que realmente compreendemos o poder da declaração de que o Espírito de Cristo é a manifestação da pre­sença pessoal de Cristo diante de nós?

Não é a presença pessoal da pessoa amada o centro do poder do amor? Pode realmente existir um efetivo amor redentor que não se manifeste, em termos últimos, como uma presença pessoal? O pensamento de que o Espírito Santo é uma espécie de Internet celestial traz algum senso de antecipação de regozijo a nossa alma? Graças a Deus, o Espírito Santo é a pessoa divina comunicando- Se, em vez de ser algum tipo de rede eletrônica impessoal!

Recordo de modo muito vívido a alegria de comunicar-me ele­tronicamente com minha noiva quando estivemos temporaria­mente separados por quilômetros e dias que pareciam intermináveis. Contudo, por mais abençoados que fossem tais meios eletrônicos, eles se demonstraram uma forma não muito satisfatória de substi­tuir a alegria de estar fisicamente com ela! Se as únicas esperanças de amor a que eu pudesse aspirar naqueles dias fossem e-mails e telefonemas, eu teria me considerado “o mais miserável dentre os

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homens” (I Cor. 15:19). Graças a Deus, o Espírito Santo consti­tui a efetiva e pessoal presença do Noivo diante da noiva.

Muitos têm experimentado a competência técnica — mani­festada, porém, através de serviço impessoal - de profissionais médicos aos quais falta a boa relação médico-paciente. Todavia, ao Cristo vir confortar-nos de todos nossos estresses e enfermi­dades decorrentes do pecado, Sua presença “à beira do leito” nos é poderosa e pessoalmente ministrada através das pessoa de Seu Santo Espírito e representante na Terra.

Mais que isso, quando Deus nos chama para O servirmos, para testemunharmos e agirmos poderosamente em Seu favor, são o poder e a orientação do Espírito pessoal que nos fortalecem e nos dão cora­gem, visão e sabedoria. Portanto, unicamente o Santo Espírito, o Consolador celestial, pode verdadeiramente curar a alma humana en­ferma e direcionar nosso testemunho e serviço em favor do mundo.

A Unicidade da Divindade e seu Significado Teológico

A Unicidade d e Deus e a Unidade do Universo O mundo está cheio de terríveis divisões e profundas fraturas.

Uma dilaceradora alienação entre indivíduos, grupos de pessoas, religiões e nações tem retalhado o tecido social.

Além disso, com base nos conceitos subjacentes ao tema do grande conflito, um senso de desconfiança intuitiva permeia o universo mais amplo, quando se trata da questão de como Deus enfrenta a crise conhecida como pecado. Será que a unicidade da Divindade tem algo a dizer face a estes perturbadores dilemas?

A Unidade Triúna P rom ete um Universo Unificado Se as divisões que perturbam a tranqüilidade de nosso mundo

e as preocupações cósmicas do universo inteligente apresentam qualquer chance de serem curadas, isso terá a ver com os esforços de reconciliação da Divindade. Dizemos isso porque a doutrina

da Trindade sustenta que a profunda uniáo de natureza, caráter e propósito da Divindade provê a única base segura para a esperan­ça de cura para a alienação da ordem da criação.

Wayne Grudem expressa a questão nos seguintes termos: “Se não existe perfeita pluralidade e perfeita unidade no próprio Deus, tampouco temos qualquer base para pensar que possa exis­tir, em termos finais, a unidade entre os diversos elementos do Universo” (Grudem, págs. 247 e 248).

A alienação que fragmentou o Universo de Deus encontra sua fonte no horrível fenômeno do pecado. A essência da questão é: possui a Divindade no interior de Sua natureza de infinito amor os recursos para reconciliar as rupturas causadas pelo pecado?

A M orte d e Cristo Traz R econciliaçãoQueremos sugerir que o âmago da resposta cristã à questão apre­

sentada acima gira em tomo da morte expiatória de Cristo. Pode a morte de Cristo verdadeiramente trazer plena reconciliação? Esta­mos convencidos de que sim, e o ponto crucial da questão tem a ver com o julgamento do pecado por parte de Deus, o qual Ele mani­festou através do sacrifício substitutivo de nosso divino Senhor.

Muitos cristãos, contudo, têm expressado profunda descon­fiança acerca de todo o conceito de Cristo oferecendo um sa­crifício substitutivo para satisfazer a natureza da justiça de Deus. Argumentam que tal ponto de vista é moralmente ques­tionável e faz Deus parecer uma divindade irada, dirigindo Seu mau humor sobre uma terceira parte que nada tem a ver com o problema. O que existe de verdadeiro nisso?

Para termos uma abordagem correta do conceito da morte de Cristo, compreendido em termos de um ato de sacrifício substi­tutivo que satisfaz a justiça de Deus, será necessário prover alguma informação básica sobre os vários modelos explanatórios que a cristandade tem utilizado para explicar o significado da cruz. Por­tanto, convidamos o leitor a acompanhar com atenção as linhas de pensamento que se seguem.

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Os M odelos d e ExpiaçãoOs pensadores que têm refletido profundamente sobre o sig­

nificado da morte de Cristo apresentam várias teorias clássicas ou modelos com os quais ilustram o significado ou sentido da mor­te de Cristo. Em outros termos, tais modelos tentam responder a questão de por que Cristo teve de morrer.

Embora todos esses modelos tenham se demonstrado úteis à nossa compreensão da expiação, nem todos eles (e nem mesmo todos em conjunto) são capazes de exaurir as misteriosas profun­dezas do ato redentor do amor sacrificial de Deus. Mas é certo que nos ajudam a organizar o pensamento de maneira a focalizá- lo melhor quando pensamos a respeito da morte de Cristo.

Os modelos mais influentes são classificados em duas catego­rias: “subjetivos” e “objetivos”.

Modelos subjetivos: O que o termo “subjetivo” tenta comuni­car é que a morte de Cristo procura principalmente demonstrar diferentes aspectos do amor divino redentor, de modo a produzir mudança nas mentes e corações dos pecadores rebeldes.

O modelo subjetivo mais conhecido é a teoria da “influência moral”. Ela afirma que Cristo morreu para demonstrar a exten­são percorrida por Deus a fim de manifestar amor ao pecador. Deus nos amou ao ponto de oferecer Seu Filho à morte, para as­sim poder expressar Seu amor solidário aos pecadores na terrível condição em que eles se encontravam. Não conhecemos nin­guém que discorde deste ponto.

Todavia, o que torna controvertida essa teoria é aquilo que ela nega, não o que afirma. Ela não vê necessidade da morte de Cris­to para a satisfação da natureza de justiça de Deus como pré-requi­sito para Sua oferta de perdão. Os defensores da influência moral argumentam que o amor de Deus perdoa gratuita e graciosamente o pecado, e que não havia prévia necessidade de a justiça divina ser satisfeita através da execução de uma justa penalidade pelo pecado.

Os proponentes da teoria afirmam que a necessidade da mor­te de Cristo aparece no desejo de Deus de demonstrar amor, não

na amorável satisfação da justiça através do pagamento da pena­lidade pelo pecado. Portanto, eles consideram a morte de Cristo como tão-somente uma demonstração de amor, e não a amorável execução da justiça divina.

Outro modelo subjetivo bem conhecido é a “teoria governa­mental”. Ela também afirma que a morte de Cristo revela o amor de Deus e que não era necessário que Cristo morresse como subs­tituto para satisfazer a ira pessoal (ou justiça) de Deus. Sejamos bem claros a respeito deste modelo. Ele não nega a necessidade da morte de Cristo; simplesmente afirma que Deus não requereu a cruz a fim de satisfazer a justa ira que existe na própria essência de Sua natureza de amor.

tiste modelo prossegue afirmando que Deus ilustra o Seu amor através de uma manifestação de Sua justiça pública) O que a mor­te de Cristo estabelece é que Deus Se dispõe a sofrer tanto quanto sofreu, de modo a manter a ordem governamental do Universo.

Além disso, a teoria argumenta que a morte de Cristo clara­mente demonstra que, se os pecadores persistirem no pecado, terão de pagar as conseqüências através da pena de morte. Por­tanto, ainda que com muito amor, Deus adverte os pecadores quanto aos resultados de alguém apegar-se ao pecado, e nos faz lembrar que Ele manterá a justiça em Seu universo, sobre o qual preside como governante moral.

O que ambos os modelos subjetivos possuem em comum é que a morte de Cristo foi (1) uma necessidade salvadora e (2) uma clara demonstração do amor de Deus.'Mas ambas prosse­guem fazendo uma importante qualificação: (3) o Pai não ne­cessitava da morte de Jesus para satisfazer a natureza pessoal de justiça de Deus, ou Sua abjeção ao pecado.í,Assim, a morte de Cristo demonstra a grandeza do amor divino e adverte quanto à eliminação do pecado. Os advogados de cada um dos mode­los subjetivos, contudo, têm expressado profundas reservas em relação à necessidade real da morte de um substituto, cujo sa­crifício pudesse satisfazer a natureza divina de amorável justiça.

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Modelos objetivos: Estes conceitos da expiação apresentam ex­plicações para a morte de Cristo sustentando que Deus, em Seu amor,/Aecessitava desempenhar certas ações para assegurar que as provisões em favor da salvação humana fossem plenamente con­sistentes com a justiça e a misericórdia do amor divina)Portanto, estes modelos demandam mais que uma demonstração de amor. Enfatizam fortemente que o amor precisa agir de tal forma que satisfaça plenamente a justiça antes que Deus possa oferecer mi­sericórdia aos pecadores.

A palavra “objetivo”, portanto, refere-se àquilo que a natureza de amor de Deus fez em nosso favor, e não a uma mudança no modo como responderíamos a Deus em nosso próprio íntimo. Objetivamente, Deus tinha de demonstrar Seu amor na morte de Cristo ao julgar, em primeiro lugar, o pecado. Depois, com base em Seu justo julgamento do pecado, Deus pode oferecer-nos o fruto de Seu amor. Ele proveu, assim, um misericordioso perdão

raos nossos pecados, em coerência com Sua natureza de justiça. Em outras palavras, a morte de Cristo modifica objetivamente o estado humano diante de Deus, e não apenas a nossa atitude ou estado mental em relação a Ele.

O mais conhecido dentre os modelos objetivos é a chamada “teoria da satisfação”) Ela ensina, basicamente, que o amor de Deus ofereceu a Cristo como o substituto dos pecadores, de modo a pagar a justa penalidade pelo pecado (a morte eterna). No curso desse sacrifício substitutivo, a morte de Cristo satisfaz a justiça divina.

ÍO modelo da satisfação não nega qualquer dos reclamos posi­tivos dos modelos subjetivos, apenas discorda daquilo que eles negam. Ele ensina claramente que o amor de Deus não pode se

manifestar em misericórdia a menos que primeiro satisfaça plena­mente a justiça de Seu amor através do pagamento substitutivo da penalidade do pecado.

O modelo da satisfação tem defendido por vários personagens conhecidos. Entre os mais conhecidos no meio protestante e ad-

ventista, podem ser citados Martinho Lutero, João Calvino, João Wesley e Ellen G. White.

Apreciação dos M odelosOs leitores poderiam perguntar: o que esses modelos de expia­

ção têm a ver com a unidade divina da Divindade? E o que pode­ria nossa compreensão acerca da morte de Cristo ter a ver com Sua plena divindade e Sua igualdade com o Pai e o Espírito Santo?

Conforme já salientado, todos os defensores dos vários mode­los afirmam a verdade positiva dos modelos subjetivos. Todos concordam que o amor divino necessita de uma extraordinária manifestação feita por ninguém menos que o próprio Deus. E como insistimos no capítulo anterior, unicamente o Cristo que é plenamente divino poderia, de forma efetiva, revelar a completa natureza do amor de Deus a um mundo alienado.

A questão crucial, entretanto, é: Cristo precisava mesmo morrer para preencher os requisitos da amorável justiça de Deus? Era a satisfação da justiça divina uma exigência necessária do amor de Deus antes de Ele poder oferecer Seu misericordio­so perdão aos pecadores?

Queremos insistir que, de fato, a amorável justiça de Deus tinha de ser satisfeita pela morte de Cristo como penalidade pelo pecado.

Toda a base para essa discussão encontra-se naquilo que en­tendemos como sendo o amor de Deus. Afirmamos que a com­preensão da Bíblia e de Ellen White a respeito do amor divino inclui um perfeito equilíbrio de dois componentes comple­mentares - justiça e misericórdia. O amor de Deus se manifesta na justiça de Sua lei e em Sua ira contra o pecado, e não ape­nas num gratuito oferecimento de misericórdia perdoadora. Todos concordam que Deus demonstrou Seu amor através de Sua disposição em perdoar os pecadores. Mas a questão que parece requerer uma resposta mais urgente é: o que estamos querendo dizer quando falamos da ira de Deus? Pode existir tal coisa como uma “ira justa” na natureza amorável de Deus?

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298 / A Trindade

Muitos se sentem confusos com o termo “ira”. A palavra pro­voca visões de um Deus com mau temperamento ou sempre dis­posto a vingar-Se dos pecadores. Esse tipo de imagem mental, contudo, distorce terrivelmente a justiça de Deus. Queremos propor que a ira de Deus se refere ao aspecto de Seu amor que não pode agir de outra maneira senão manifestando uma reação alérgica ao pecado. Ou seja, quando o amor de Deus se confronta com qualquer coisa contrária à Sua justa natureza, esta natureza não consegue conviver, em termos finais, com coisa alguma que se oponha à essência de Seu justo amor!

(Contudo, a revolta de Deus ocorre contra o pecado, não contra os pecadores. JPortanto, quando o justo amor de Deus se defronta com o pecado, o lado da misericórdia entra em ação. A amorável misericórdia de Deus não Lhe permite desistir, sem uma vigorosa oferta de redenção, daqueles que se apegam ao pecado. E ele pro­vê essa oferta através do misericordioso sacrifício de Cristo por nos­sos pecados.

Assim, a morte de Cristo providenciou misericórdia numa forma totalmente coerente com a justiça divina. Cristo, nosso substituto, satisfez a justa ira de Deus, habilitando-O a ser “justo e justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rom. 3:26). Logo, na morte de Cris­to temos não apenas uma demonstração da justiça de Deus, mas também uma plena e justa satisfação da mesma. Isso possibilita que a oferta de misericórdia divina também seja plenamente justa.

Quem é o Substituto?Agora, a questão central com que se defronta o modelo da satis­

fação é: quem seria um candidato aceitável para oficiar a expiação substitutiva? Aqui encontramos a unicidade da natureza divina da Trindade entrando em ação.

Já estabelecemos que, quem quer que seja este substituto, não poderia ser uma pessoa humana ou qualquer outro ser criado. So­mente alguém que fosse plenamente Deus poderia, ao mesmo tem­po, demonstrar o amor divino e julgar o pecado cabalmente, em

todos os seus horrores. Se afirmarmos que algum ser criado pode­ria realizar a tarefa (a versão ariana do Filho de Deus), ou algum ser possuidor de apenas algum tipo de divindade derivada (a visão semi-ariana do Filho de Deus), chegaríamos à estranha situação de Deus tornar-Se dependente de uma criatura a fim de revelar Seu amor e satisfazer a Sua justiça. Tal quadro retrataria visões de uma criatura suplicando a misericórdia de Deus ou Deus demandando justiça de alguma vítima-criatura. Em últimos termos, Deus esta­ria descarregando Sua ira contra uma terceira parte inocente, fazendo surgir a questão de toda a justiça de semelhante ato.

Se, entretanto, a vítima sacrificial é tanto verdadeiramente Deus quanto plenamente humana, tal como encontramos em Je­sus Cristo, temos um diferente conjunto de possibilidades. Pense nisso da seguinte forma:

A morte do Deus-homem, Jesus, não é meramente a morte de um ser humano ou de uma criatura extraterrestre; é também a morte de Deus! Conforme destacamos, a morte de Cristo requereu a Sua divindade. Ela não morreu literalmente, mas estava ali, em profunda unidade com Sua natureza humana. Sua plena divinda­de consentiu em Sua morte como sacrifício pelo pecado. Para usar uma linguagem proverbial, a divindade de Cristo morreu “mil mortes” quando da morte de Sua humanidade!

A oferta de Isaque por Abraão é uma tocante ilustração da ver­dade que estamos tentando esclarecer (veja Gên. 22). Deus fez Abraão suportar o mais duro teste imaginável. “Toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá; oferece- o ali em holocausto, sobre um dos montes, que Eu te mostrarei.”

Ninguém, exceto Deus, será algum dia capaz de compreender plenamente a dor que dilacerou o coração do velho patriarca! Abraão foi inteiramente obediente ao acatar o espantoso teste de Deus, mas a graça do mesmo Deus o poupou da efetiva execu­ção de seu “único filho”. Para todos os efeitos práticos, contudo, Abraão sacrificou seu filho e morreu, ele próprio, “mil mortes” nesse processo.

Por Que a Trindade é Im portante: 2a Parte / 299

300 / A Trindade

Algo semelhante ocorreu com a divindade de Cristo. Sua di­vindade, tão intimamente unida e fundida com a Sua humanida­de, compartilhou plenamente da angústia mental da morte de Cristo, de modo que podemos verdadeiramente afirmar que Deus morreu por nós.

A D ivindade Sofre a P enalidade Quando dizemos que Deus morreu, isso se refere apenas à di­

vindade do Filho? Certamente não! Em virtude de Sua profunda unidade e triúna unicidade em natureza, podemos reconhecer que o Pai e o Espírito Santo estavam também profundamente presentes e solidários com a morte substitutiva de Cristo. É esta profunda e penetrante verdade que o apóstolo Paulo expressa: “Ora, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo ... a saber, que Deus estava em Cristo, recon­ciliando consigo o mundo” (II Cor. 5:18 e 19).

Assim, quem é o substituto? Foi simplesmente o homem Cris­to Jesus? Absolutamente não! Incluiu o ato o homem Cristo Je­sus? Certamente sim! E isso foi tudo o que fez parte da morte substitutiva? Certamente não! A humanidade de Cristo achava-se tão vinculada à Sua plena divindade que, ao Ele morrer, podemos verdadeiramente dizer que toda a Divindade “estava em Cristo” e sofreu a Sua morte expiatória.

A divindade de Cristo é a plena divindade de toda a Divinda­de triúna. E este extraordinário auto-sacrifício unido julgou o pe­cado de tal forma a estabelecer completa provisão para a salvação de toda a raça humana.

Portanto, podemos verdadeiramente dizer que Deus, ao satis­fazer Sua natureza de amorável justiça, não lançou Sua ira sobre alguma vítima involuntária ou uma terceira parte inocente. Em vez disso, em Cristo Ele satisfez as necessidades da justiça através de Seu próprio auto-sacrifício divino e voluntário. Há alguma in­justiça revelada nessa satisfação substitutiva da justiça de Deus? E não constitui tal sacrifício a própria essência do amor triúno por

toda a eternidade? Trata-se de um amor mutuamente auto-sub- missivo e auto-sacrificador, que transborda com conseqüências criativas e redentivas para os seres criados do Universo.

Além disso, o que foi substuído não é o caráter moral, e sim o cumprimento dos requisitos legais que refletem a própria nature­za de amor de Deus. Uma vez mais, sustentamos que o amor de Deus envolve uma exigência contínua de justiça e misericórdia. Se uma delas é negada, a outra se torna sem sentido, dissolvendo o amor de Deus em uma espécie de misericórdia permissiva ou ira incontrolada.

Tanto Ellen White quanto John Stott expressaram poderosa­mente este pensamento. “Por meio de Jesus, foi a misericórdia di­vina manifesta aos homens; a misericórdia, no entanto, nao pôs de parte a justiça. A lei revela os atributos do caráter de Deus, e nem um jota ou til da mesma se podia mudar, para ir ao encontro do homem em seu estado caído. Deus não mudou Sua lei, mas sacri- ficou-Se a Si mesmo em Cristo, para redenção do homem ’ (White, Desejado de Todas as Nações, pág. 762; itálicos acrescentados).

“Para poder salvar-nos de uma forma que satisfizesse a Si mes­mo, Deus através de Cristo substituiu-nos. O amor divino triunfou sobre a ira divina através do divino auto-sacrifício” (Stott, pág. 159).

A grande verdade da Sagrada Trindade e da morte expiatória de Cristo fala eloqüentemente que Deus, através de Seu Filho, supor­tou a penalidade do pecado como nosso substituto e fez uma pro­visão infinitamente valiosa e poderosa para a plena reconciliação de toda a raça humana. E se Deus pode fazer uma provisão tão eficaz para a raça humana alienada pelo pecado, isso assegura-nos que Ele também pode restaurar as divisões mais amplas do Universo.

O Juízo e a Vindicação d e DeusUm dos problemas filosóficos mais prementes com o qual se

debatem todas as religiões é a questão do mal. Muitos indivíduos também têm se debatido com esse assunto desafiador. A questão básica envolve o como um Deus bom, que afirma ser o amorável

Por Que a Trindade é Im portante: 2a Parte / 301

302 / A Trindade

Criador, pode tolerar tanto mal, sofrimento e injustiça, que des- troem a felicidade e a alegria dos habitantes da Terra.

Novamente, queremos sugerir que a doutrina da Trindade ofe­rece uma contribuição vital a essa discussão.

A essência da resposta cristã à questão do mal e da injustiça de tanto sofrimento é que a fonte última do mal e do sofrimento que aflige a humanidade é o pecado. Contudo, de acordo com a compreensão cristã do pecado e do mal, a presente experiência de sofrimento não constitui a história completa. Os cristãos acredi­tam que chegará o dia em que o mal será erradicado e as coisas erradas serão corrigidas. Mas quem realizará esse trabalho?

Aqui a Trindade revela uma verdade profunda. A solução do problema do mal veio e continuará vindo de ninguém menos que o próprio Deus, na pessoa e obra de Seu Filho. Ele Se lançou à ba­talha contra o sofrimento e o mal. E de que forma Ele Se envolveu nisso? Ao enviar Seu próprio e divino Filho como uma solução para a terrível mácula que o mal espalhou por toda a criação. Ne­nhuma mera criatura poderia prover uma resposta completa; uni­camente Deus em Cristo o poderia.

Dito em outras palavras, Deus não enviou o anjo Gabriel, nem um mero ser humano, tampouco alguma criatura extra­terrestre não caída, provinda de outro mundo. Ele enviou o Seu Filho para ser a pessoa-chave na batalha contra o mal. Isso significa que Deus não repassou o problema para algum ser fi­nito (natural ou sobrenatural) resolver. Antes, em Seu divino Filho, assumiu a responsabilidade total.

A Trindade e o Tema do Grande ConflitoQueremos fortemente sugerir que a obra do divino Jesus, no

contexto do grande conflito, provê a única explicação satisfatória para a existência do mal e sua final erradicação do Universo.

O pecado irrompeu no Universo de Deus através da misteriosa e inexplicável rebelião de Lúcifer. Deus o suportou longamente, mas por fim teve de bani-lo das cortes celestiais.

Ora, muitos têm questionado por que Deus nao destruiu ime­diatamente Lúcifer e os anjos que a ele se uniram na rebelião. O grande conflito responde que Deus preferiu uma solução de longo prazo, em vez de produzir um remendo rápido. Ele sabia que os se­res não caídos do Céu e do resto do Universo não compreendiam plenamente, naquele momento, todas as questões relacionadas com a deslealdade de Satanás. Se Deus houvesse destruído imedia­tamente o rebelde, aqueles seres haveriam de servi-Lo motivados pelo temor, e não baseados no amor racionalmente informado.

Mas a emergência do pecado não apanhou a Santa Trindade desprevenida. A Trindade havia concebido um plano pelo qual Deus enviaria Seu próprio Filho a nosso mundo, a fim de en­frentar Satanás num combate corpo a corpo. Através de Sua vida, ensinos e especialmente Sua morte, Cristo derrotou Sata­nás, efetuou a expiação do pecado e demonstrou que o inimigo é, de fato, um mentiroso e assassino.

Embora Satanás houvesse emergido totalmente derrotado das tentações a que submeteu a Cristo, e alienado das afeições dos se­res não caídos, outras questões ainda precisavam ser clarificadas. Estas envolviam a disposição do pecado e a salvação dos pecado­res penitentes, questões que somente poderiam ser respondidas num processo de julgamento.

Quem é a figura central neste julgamento vindicativo? O pró­prio Senhor Jesus. O próprio Filho de Deus, na dupla qualifica­ção de Salvador e Juiz, demonstrará em cada fase do julgamento que Se conduziu de modo inteiramente compatível com Seu amor, ao lidar individualmente com cada caso.(janto os casos dos redimidos como os daqueles que finalmente se perderão testificarão que Deus, em Cristo, atuou de maneira tal a justificar plenamen­te a final erradicação do mal e a salvação dos redimidos. \

Muito provavelmente a razão principal para que ainda exis­tissem questões a serem clarificadas depois da morte expiató­ria de Cristo* provenha do fato de que Satanás originalmente acusara a Deus de ser injusto ao requerer obediência à Sua lei

Por Que a Trindade é Importante: 2r Parte / 303

304 / A Trindade

de amor. Satanás argumentou que a justiça de Deus teria de ser absorvida pela misericórdia. Quando Satanás consegiu ar­rastar os seres humanos ao pecado, argumentou que Deus não poderia estender-lhes a misericórdia. Uma vez que Satanás não recebeu misericórdia e Deus o baniu do Céu, ele afirmou que Deus não poderia revelar misericórdia a Adão e Eva. As­sim, ele inverteu seu argumento original e passou a afirmar que a misericórdia teria de ser tragada pela justiça.

O diabo continua a utilizar ambas as linhas de argumento sempre que sirvam a seus propósitos. Quando, porém, chega­mos à grande crise da cruz, Deus confrontou Satanás com um grande argumento: a morte de Cristo manifestou perfeitamen­te tanto a justiça quanto a misericórdia. Na morte de cristo como nosso substituto, Deus deu uma perfeita demonstração de misericórdia cheia de inatacável justiça. Mas essa justiça, condicionada pela misericórdia, permitiu que Deus perdoasse os pecados em consideração a Cristo. Ao mesmo tempo, a mor­te de Cristo demonstrou uma perfeita justiça profundamente permeada de misericórdia. Dessa forma, Deus enfrentou as ob- jeções de Satanás a Seu amor, e Cristo triunfou. Nesse caso, por que prossegue a controvérsia?

A resposta parece girar em torno da questão de como Deus li­daria com o pecado e os pecadores depois da cruz. Isso se tornou especialmente crucial quando Satanás, depois do Calvário, voltou à plena carga com seu argumento original. Ele defende que a mi­sericórdia precisa envolver totalmente a justiça, e a morte de Cristo de qualquer maneira anulou a lei.

Sim, num exame superficial poderia parecer que a morte de Cristo constituiu uma revelação tão profunda do amor misericor­dioso que muito possivelmente Deus agora poria em prática o lado da misericórdia de toda a questão, aplicando os efeitos da ex­piação a todos os casos humanos. Entretanto, haveria de a mise­ricórdia de Deus levá-Lo a tolerar o pecado e o mal?

O que o julgamento demonstrará (em todas as suas fases:

pré-advento, milenial e pós-milenial) é que Deus nao deixou de exercer o equilíbrio. A investigação de todos os casos, tanto dos redi­midos quanto dos perdidos, consubstanciará plenamente o fato de que o amor divino de Cristo será aplicado com justiça e coerência.

Assim, quando todo o conflito terminar, Deus estará apto a banir o mal e todos os seus proponentes do Universo. Perfeito amor finalmente aniquilará o mal, vindicará os fiéis e dará pleno direito a Deus de exercer o justo governo moral do Universo. En­tão — e somente então - retornará a plena e harmoniosa unidade.

A questão final é: quem obterá a grande vitória sobre o mal? Será claramente visto que Deus, em Cristo, terá conseguido a vi­tória por intermédio do poder do infinito e divino amor. E esse amor é o próprio âmago da natureza do Deus triúno. Finalmente, os seres inteligentes de todo o Universo serão unidos sob o gover­no da Santa Trindade. Um só pulso de harmonia se fará sentir por toda a vasta criação e declarará que a Divindade é amor!

Por Que a Trindade é Im portante: 2“- Parte / 305

* A discussão a seguir é uma condensação da exposição de Ellen White a respeito das questões essenciais do grande conflito, no livro O Desejado de To­das as Nações, págs. 761-763.

Implicações Práticas e Conclusões

Ao chegarmos à conclusão deste estudo bíblico, histórico e teológico, sentimos a necessidade de apresentar algumas , considerações práticas e éticas. Certamente, se uma dou­

trina é tão importante, teologicamente, quanto cremos que a da Trindade é, deve ela apresentar alguma implicações vital para o vi­ver cristão diário.

Já sugerimos certo número de vislumbres práticos e relacio­nados com a salvação ligados à própria natureza trinitariana e à auto-revelação de Deus. Mas o que dizer de assuntos como a oração, o louvor e a adoração?

A Quem D everia a Igreja D irigir suas Orações?A unicidade em natureza e caráter das três pessoas da Divin­

dade suscita a questão, muito útil, da oração, louvor e adoração. A quem deveríamos dirigir nossas petições e adoração em nossa comunhão pessoal e nos cultos coletivos?

Certamente, o método regular de oração é seguir o exemplo de nosso Senhor em Sua grande prece e em Sua prática de diri- gir-Se reverentemente ao Pai (veja Mateus 6:9-13 e Lucas 11:2- 4). É nosso grande privilégio dirigir nossa adoração, petições e

Im plicações Práticas e Conclusões / 307

louvor ao Pai em nome do Filho, e sempre conscientes de que o Espírito Santo transmite nossas comunicações terrestres com “ge­midos inexprimíveis” (Rom. 8:26).

Contudo, temos exemplos nas Escrituras em que os servos de Deus apresentam seus apelos diretamente ao Filho de Deus. Estê­vão, em seus últimos momentos, orou diretamente a Jesus: “Se­nhor Jesus, recebe o meu espírito!” (Atos 7:59). Paulo também di­rigiu-se ao “Senhor Jesus Cristo”, declarando: “Vem, ó Senhor!” (ele utiliza o aramaico “maranata”, I Cor. 16:22). João, o revela­dor, finalizou seu livro com uma oração: “Vem, Senhor Jesus!” (Apoc. 22:20).

Mas o que dizer de uma oração dirigida ao Espírito Santo? Em­bora não tenhamos nas Escrituras um exemplo claro de oração di­rigida ao Espírito, ou uma ordem nesse sentido, o fazê-lo possui, em princípio, algum apoio bíblico implícito. Se o Espírito efetiva­mente é uma pessoa divina, e interage em todos os sentidos através de formas pessoais diretas (trazendo convicção, curando, operando pela graça transformadora, assegurando os dons, etc.), parece lógi­co que o povo de Deus possa orar diretamente ao Espírito Santo e adorá-Lo.

Vamos expressar o assunto nestes termos: o padrão normal de oração é aquela dirigida ao Pai, em nome do Filho, com o conhecimento de que os “gemidos” do Espírito Santo trans­mitem nossas preces. Em ocasiões de oração pessoal e coleti­va, entretanto, parece melhor orar à pessoa mais envolvida da Divindade. Por exemplo, poderia parecer mais apropriado orar diretamente ao Espírito Santo quando solicitarmos dons e poder de testemunho para a igreja. Orações a Jesus poderiam incluir a confissão, penitência e perdão, e o clamor para que Ele venha logo.

Em suma, se as pessoas da Divindade são realmente uma em natureza, caráter e propósito, parece lógico e prático dirigir pe­tições e louvores apropriados a qualquer componente do Trio celestial, num determinado tempo e situação.

308 / A Trindade

Im plicações EticasAs limitações de espaço não permitem uma discussão extensa

das implicações éticas dos ensinamentos trinitarianos. Mas suge­riremos alguns dos mais importantes princípios cristãos quanto a atitudes, ações e relacionamentos.

Argumentamos anteriormente que, se a chama da natureza triúna de Deus é o amor eterno, infinito e relacional (social), e se fomos feitos à Sua imagem, então o próprio âmago do que significa viver é manter amoráveis relacionamentos! Em outras palavras, se a essência da natureza de Deus é o amor relacional, então a própria natureza da existência humana deveria também refletir esses relacionamentos satisfatórios e amoráveis.

Contudo, o que queremos dizer com “relacionamentos amo­ráveis”? Se a realidade é de fato definida pela natureza da Trin­dade, temos de chegar a uma única conclusão: realmente existir é viver no tipo de amor voltado para fora, para os outros, e não naquele que se volta para o interior da pessoa e focaliza a auto- gratificação. Paulo retratou essa verdade ao declarar: “Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e mise­ricórdias, completai a minha alegria de modo que penseis a mes­ma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. Nada façais por partidarismo, ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tendo cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros” (Filip. 2:1-4).

Certamente esse princípio, tão poderosamente evidente na própria natureza e ações da Trindade, deveria excluir toda e qualquer disputa destrutiva por posições ou gratificações do apetite, posição, fama e poder.

Não vemos nenhuma dessas perniciosas características nas manifestações da Santa Trindade. Ao contrário, encontramos constante auto-submissão de um ao outro, e um fluxo de amor que se dirige aos demais. O Filho Se submete à liderança do Pai

Im plicações Práticas e Conclusões / 309

na encarnação, e o Espírito é submisso (quase ao ponto de obli­terar Sua própria identidade) ao Pai e ao Filho, vinculando-Se assim entre Si sob a forma do auto-sacrifício.

O leitor, porém, poderia indagar: “O que dizer do Pai? Encontra­mos também nEle manifestações como auto-sacrifício e mútua sub­missão? O que seria o auto-sacrifício quando se está na liderança?”

Talvez a única forma de respondermos a esta questão seria apresentá-la a líderes e pais cristãos. Eles nos diriam: “Um dos mais extraordinários privilégios, mas também um dos maiores fardos no mundo, é a liderança social e familiar. Sim, tal lideran­ça concede certa preeminência, mas traz igualmente consigo um pesado fardo de cuidados e responsabilidades.” Isso é certamente o que o Pai suportou quando assumiu o papel de líder-chefe no grande plano de criação e redenção.

Sem dúvida, os que são enviados a desempenhar os encargos a eles atribuídos pelos líderes suportam fardos únicos e especiais, mas aqueles que os enviaram também carregam a agonia de se preocuparem por aqueles que foram enviados. Cada dor de cora­ção ou aflição que atingiu nosso Senhor em Sua experiência de encarnação golpeou o amorável coração do Pai. O grande Deus Pai sacrificou-Se a Si mesmo num extraordinário sentido en­quanto “estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo” (II Cor. 5:19). Somente nesse tipo de amor abnegado podemos en­contrar qualquer sentido de comunhão, harmonia e gozo.

O Lar e a Igreja Este último ponto conduz a algumas considerações vitais quanto

a duas instituições-chaves de Deus, do ponto de vista social: a famí­lia e a igreja. Ambas têm estado sob severo ataque, especialmente em tempos recentes. Teria a Trindade alguma contribuição a oferecer quanto à nossa compreensão da importância e do adequado funcio­namento dessas duas unidades sociais básicas?

Se a própria natureza de amor mutuamente submisso de Deus desvenda na arena familiar o “trio celestial”, temos então a essência

310 / A Trindade

daquilo que faz a instituição do matrimônio funcionar. Se nós, igual à Trindade, formos capazes de estudar com auto-sacrifício os interes­ses de nosso companheiro(a) de matrimônio, o mundo será muito mais feliz! Também conseguiríamos descobrir mais plenamente a ver­dade de que, ao estudarmos a felicidade dos outros, Verdadeiramente descobrimos os mais profundos e satisfatórios gozos da existência.

O que dizer, contudo, da igreja? Uma vez mais, se a própria na­tureza da existência flui a partir da natureza social de Deus, então podemos começar a vislumbrar os privilégios de sermos membros da igreja. A igreja e a família provêem as mais importantes arenas para o exercício e a manifestação de amor mutuamente edificante. Temos aqui dois maravilhosos ambientes nos quais podemos aprender e experimentar as bênçãos do encorajamento mútuo, serviço dedi­cado, compartilhamento, adoração e lições vitais de paciência.

De fato, as bênçãos e desafios de participar da comunhão do ma­trimônio e da igreja são tão cruciais para aprendermos do amor de Deus e exercitá-lo que muitas vezes tenho me perguntado se alguém poderia chegar ao Céu sem haver recebido os benefícios destas comu­nhões. Certamente, um grande número de pessoas solteiras entrará no Céu, e algumas pessoas, em virtude de circunstâncias extremas, chegarão ao Céu sem os benefícios da participação na igreja. Mas es­sas pessoas serão a exceção, não a regra.

Onde, a não ser na igreja e na família, poderemos ser mais di­retamente chamados a transformar nossas atitudes e práticas cristãs em ação concreta? Certamente, o ambiente de trabalho e outras situações sociais também nos desafiam. Entretanto, mi­nha experiência tem mostrado que a igreja e o lar são os lugares que mais esperam de nós. Se você conseguir viver sua vida cris­tã de forma verdadeiramente abnegada no lar e na igreja, pode­rá fazê-lo bastante bem em qualquer outro lugar. Sua família e companheiros de igreja normalmente sabem quem você real­mente é. E a chave para o vibrante sucesso cristão em ambas as áreas é o poder predominante desse amor que flui para fora, e que considera os outros como “superiores” a nós mesmos.

Sei que isso que esboçamos acima está em contraste direto com as atitudes altamente individualistas que prevalecem na cul­tura ocidental. Mas se a natureza profundamente amorosa enrai­zada na própria natureza social de Deus significa alguma coisa, isso indica que a vida encontra seus níveis mais profundos de rea­lização somente quando vivemos como seres de unidades sociais. Apenas nessas situações sociais permeadas pelo amor do Deus triúno, podemos experimentar os aspectos mais realizadores da vida. O individualismo radical não é a esfera onde ocorrem as ações num Universo criado para relacionamentos amoráveis.

Gênero e LiderançaMuitos podem ter se perguntado se a doutrina da Trindade tem

alguma contribuição a oferecer aos debates recentes sobre o papel da mulher no ministério. Alguns têm argumentado que a subordi­nação de Cristo ao Pai provê um exemplo do papel menor que as pessoas do sexo feminino deveriam desempenhar nos relaciona­mentos do casamento e da igreja. Outros, mais especificamente, argumentam que a subordinação de Cristo ao Pai é eterna e que isso sugere fortemente que as mulheres deveriam sempre estar, em todos os aspectos sociais, subordinadas à liderança masculina.

E bem possível que a subordinação de Cristo à liderança do Pai possa sugerir algo em relação ao papel de liderança na igre­ja e na família. Mas a Bíblia apenas compara o papel de lideran­ça do esposo ao de Cristo em relação à igreja, não ao papel do Pai em relação ao Filho durante a encarnação (Efé. 5:22-29). E mesmo com o modelo de Cristo, o noivo que é líder da noiva- igreja, cada esposo deve lembrar que o papel de liderança na família é de serviço caracterizado por profundo auto-sacrifício. Qualquer esposo que deseje reivindicar alguma forma de lide­rança dominadora sobre a esposa certamente deveria considerar cuidadosamente o pensamento do apóstolo Paulo: “Maridos, amai vossas esposas, assim como Cristo amou a igreja e Se en­tregou a Si mesmo por ela” (verso 25).

Im plicações Práticas e Conclusões / 311

312 /A Trindade

O que dizer, contudo, do papel de liderança das mulheres na igre­ja? Se alguém quiser argumentar com base na alegada subordinação eterna de Cristo ao Pai dentro da experiência da Trindade, não en­contraremos convincente evidência bíblica de que a subordinação de Cristo tenha ocorrido desde toda a eternidade. Sua subordinação foi apenas temporária. Além disso, a evidência escriturística é de que a subordinação de Cristo ao Pai e do Espírito Santo a ambos ocorre meramente para propósitos práticos de criação e redenção entre aqueles que, de outra maneira, são iguais em Sua natureza divina compartilhada. Finalmente, Apocalipse 22:1 fala do trono de Deus como sendo o “trono de Deus e do Cordeiro”. Existe aí poderosa im­plicação de que Eles compartilharão o trono do Universo na quali­dade de sócios plenamente iguais.

Desejamos, portanto, sugerir que a Trindade não provê in­dicações convincentes, em qualquer sentido, quanto ao tipo de liderança que cada gênero deve exercer na igreja. Temos de decidir esta questão com base em outros princípios bíblicos.

Muitos outros assuntos éticos também brotam da análise da Trindade. Por exemplo, de que modo a gratificação da realização sexual se combina com o ideal divino de mútuo amor submissivo? Se o amor sexual centraliza seu sentido essencial na experiência da Trindade, de amor mutuamente expresso entre os membros da Divindade e Suas criaturas, o que isso tem a dizer-nos acerca das formas de perversão sexual (como a masturbação)? O que o amor trinitariano tem a ensinar-nos sobre os cuidados relacionados com o curar, especialmente na moderna prática médica, que se tornou excessivamente técnica e impessoal?

Essas e muitas outras questões possivelmente tenham de espe­rar por um outro livro, mas não devem escapar de nossa atenta reflexão, baseada na oração.

Conclusão e Apelo Havendo compartilhado as mais apeladoras e convincentes evi­

dências da Bíblia em apoio à visão trinitariana de Deus, queremos

Im plicações Práticas e Conclusões / 313

agora sugerir fortemente que, embora a Bíblia não faça uso do exato termo “Trindade” para descrever a Divindade, o significado central da terminologia trinitariana e de seus conceitos reflete a visão bíblica bá­sica de Deus. O Deus revelado nas Escrituras consiste de três Pessoas divinas que existiram desde toda a eternidade em profunda unidade ou unicidade de natureza, propósito e caráter. As implicações mais marcantes dessa unidade divina surgiram da afirmação de que Cristo é tão plenamente Deus quanto o é o Pai, e que o Espírito Santo com­partilha da mesma natureza e é uma pessoa.

Além disso, descobrimos que a natureza essencial de Sua divina unidade é de um dinâmico e criativo fluxo de amor que se auto-sa- crifica. Esse amor foi mais comovente e ardentemente manifestado na encarnação de Jesus Cristo, o eterno Filho de Deus. Em Sua ma­ravilhosa manifestação de amor abnegado, as boas novas da miseri­córdia e da justiça de Deus revelaram-se na vitória sobre a tentação, na morte que proveu perdão através da satisfação da justiça divina, na ressurreição que conduz à vida eterna e na intercessão celestial que torna sempre e diretamente disponível ao mundo inteiro toda a rea­lização do amor encarnado.

A encarnação do Filho, contudo, não encerra a comunicação do amor de Deus ao mundo. Na ascensão de Cristo, o Pai e o Filho encarregaram a terceira pessoa da Divindade, o Espírito Santo, de ser Seu único agente divino e terrestre de convicção, conversão, conforto e capacitação daqueles que são responsivos às iniciativas salvadoras de Deus através de Cristo.

Apresentamos depois uma visão histórica de como o povo de Deus desenvolveu seu pensamento acerca de Deus e de como repetidamente chegou a convicções trinitarianas. Essas convic­ções foram alcançadas mediante profundo estudo da Bíblia, a experiência do amor de Deus na salvação, reflexão com oração, adoração e o conhecimento do poder de Deus vivenciado no testemunho e no serviço cristãos.

Finalmente, discutimos alguns convincentes aspectos teológi­cos e práticos de implicações éticas selecionadas que derivam da

314 / A Trindade

auto-revelação trinitariana de Deus. Sugerimos que a doutrina da Trindade contém princípios absolutamente essenciais às doutri­nas mais fundamentais e aos princípios éticos do evangelho.

A extraordinária e vital contribuição da Trindade aos ensi­namentos do evangelho levou-nos finalmente a encerrar nossos argumentos. Certamente existem mais coisas a serem ditas, mas desejamos terminar com o que se segue.

Estamos convencidos de que a doutrina da Trindade não se trata simplesmente de uma questão menor, relacionada com uma doutrina periférica ou uma questão moral dúbia e de menor im­portância. A verdade contida nesta profunda doutrina forma a base essencial para o próprio âmago <do que representa o cristia­nismo. A partir de nossos vislumbres da Trindade emerge nossa própria compreensão da maior de todas as noções bíblicas - a de que Deus é amor.

Esse amor não é definido apenas por sentimentos ou expe­riências humanas, mas por ninguém menos que o próprio Deus Criador e Redentor do Universo. E as definições de amor que realmente importam são aquelas que se encontram no próprio centro ou substância da eterna natureza triúna de Deus.

Tal amor, contudo, não pode jazer simplesmente adormecido no íntimo do ser divino. Ao contrário, ele se revelou em modos que levaram Deus a criar o mundo, redimi-lo do pecado e buscar continuamente restabelecer Seu governo moral sobre o Universo. Se o governo moral do Universo não for baseado na justiça do amor divino, toda a criação está em sérios problemas.

Sem as iniciativas criadora e redentora que possuem sua fonte no amor de Deus livremente manifestado e imputado, o Universo mergulharia finalmente em anarquia moral, social e física. Portan­to, unicamente o amor que viceja na natureza triúna de Deus pode estabelecer os princípios morais que tornam a vida organizada e significativa. Devemos nossa existência e salvação a Deus e somos totalmente dependentes dEle para a reprodução de qualquer or­dem moral (tanto agora quanto no mundo porvir).

Im plicações Práticas e Conclusões / 315

Mas o amor divino nao se refere apenas a ternos e misericor­diosos sentimentos e à ordem moral. A manifestação triúna de amor apresenta outro lado - o da justiça. O pecado obrigou o lado da justiça do amor a enfrentar o indescritível horror da in­vasão do mal ao Universo criado pelo expansivo amor divino. E a questão persiste: Há alguma solução para esse terror?

Queremos responder afirmativamente: o amor de Deus é terno, relacional e pessoal, mas também é justo e soberano. Este último conceito nos conforta com o fato de que Deus não permitirá que o pecado e seus horríveis frutos de mal e sofrimento aflijam o Uni­verso para sempre.

Embora as rodas da justiça divina venham se movimentando lentamente, elas finalmente agirão na direção de um alvo satisfa­tório. Deus conquistou os terrores do mal ao finalmente assumir por Si mesmo o comando da emergência. Na pessoa de Seu ama­do Filho, Deus veio e enfrentou o pecado e seus terríveis efeitos diretamente. Deus não delegou a solução do problema do peca­do e do sofrimento dele resultante a algum representante criado.

O conceito da Trindade e fundamental, essencial, bíblico e pre­cioso demais à nossa correta compreensão da própria natureza de Deus para que o consideremos uma questão secundária. Necessi­tamos de um renovado comprometimento com a verdade da Di­vindade Triúna e de uma reverente visão do “trio celestial” para desenvolvermos uma existência humana amorável e benevolente.

Numa só palavra, a compreensão trinitariana de Deus apon­ta-nos a exaltada experiência de tornarmos Deus o ponto central de toda a nossa adoração, formação moral, serviço e testemunho ao mundo. Nossa oração é que um dia, em breve, possamos estar aptos a comparecer diante do trono eterno e exclamar: ‘“Demos glória a Ele!’, pois ‘a hora de Seu juízo’ passou, e tudo está bem com o Universo. Assim seja, Maranata!”

BIBLIOGRAFIA DA QUARTA SEÇÃO

Grudem, Wayne. Systematic Theology. Grand Rapids: Zondervan, 1994.

Stott, John R. W. The Cross o f Christ. Downers Grove, IL: Inter- Varsity, 1986.

White, Ellen G. O Desejado de Todas as Nações. 22a ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, [2001, CD-ROM 2.0].

___________ . Review and Herald Articles (reprodução em fac-sí­mile). 6 vols. Washington, D.C.: Review and Herald, 1962.

___________ . The Spirit o f Prophecy (reprodução em fac-símile).4 vols. Washington, D.C.: Review and Herald, 1969.

___________ . Youth’s Instructor Articles (reprodução em fac-si-mile). Washington, D.C.: Review and Herald, 1986.

'

AAbba 270 Adonai 27 Adventismo 25 Adventismo sabatista

23Adventistas do sétimo

dia 9, 23, 25, 204,208, 213-230

Adventistas do sétimo dia, antitrinitarianos no começo 213-226

Adventistas do sétimo dia, erudição dos 11, 227-230, 249

Aécio 166, 171 Agente(s) de Deus

142-145, 152 Agostinho de Hipona

174-178, 181, 191 Alexandre de Alexandria

158, 159 Alfa e Ômega 32 Alma 138, 176, 177,

178, 185 Alma imortal 190 América, antitrinitaria-

nismo na 207 Amigos 207, 214 Anabatistas 184, 187,

189, 198-200, 205,207, 208

Anderson, David 168, 182

Anderson, Godfrey T.262

Andreasen, M. L. 224,225, 228, 262, 265

Andrews, John Nevins12, 233

Anglicanos 207 Anselmo 191 Antitrinitarianismo 10,

11, 205, 207-230 Antitrinitarianismo,

entre os primeiros adventistas 216-230

Antitrinitarianismo, reavivamento do 9

Apocalipse, apocalípti­co 20

Apocalipse, livro de, evidências trinitaria- nas no 89-102

Apócrifo(s) 20 Apologética 23 Apostasia 25, 231 Aquino, Tomás de —

veja Tomás de Aquino.

Ariano, arianismo 10, 20, 68, 72, 157, 164, 167, 172, 173

Ario 16, 20, 74, 157- 164, 171, 172

Aristóteles, aristotelia- no 142, 162, 177,190, 191, 195, 197

Associação Unitariana

Americana 211 Atanásio 159-164, 167,

170, 176, 188, 202, 270, 279

Aune, David 102, 134 Atemporal 192, 195,

230Auto-existente 14, 20,

238, 254

BBabilônia 12, 13 Bainton, Roland 196,

200, 262 Basílio de Ancira 165,

170Basílio de Cesaréia

167-170, 182 Bates, José 16, 213,

214, 216, 219, 262 Batismo 38, 170, 198,

214, 235 Batistas 199, 207, 208,

209, 214 Battle Creek, incêndio

do Sanatório de (1902) 241

Beale, G. K. 102, 104, 134

Berkhof, Louis 187, 202, 262

Boaventura 177, 178,187, 195

Bourdeau, Daniel T.218

318 / A Trindade

Burt, Merlin 217, 223,262

Butler, George I. 243, 244, 262, 264

CCalvino, João 24, 186,

188, 195, 196, 198, 200 , 201

Campbell, Alexander 212

Canale, Fernando 190,229, 230, 239, 263

Cânon, canônico 20 Caso (gramatical) 20 Catolicismo romano

12, 175, 188, 189, 195, 287

Celso 155Christensen, Otto H.

17, 39, 130, 132, 134

Cientistas cristãos 208 Concílio de Constanti­

nopla 164, 167, 168, 170, 171-175

Concílio de Trento 195 Conexão Cristã 208,

211, 212, 214, 216 Conferência Bíblica de

1919 226 Conkin, Paul K. 212,

214, 263 Conradi, L. R. 204 Constantino,

imperador 158, 175 Coon, Roger 17 Corpo e alma 177, 185,

190

Cottrell, Roswell F.216, 218, 263

Credo dos Apóstolos199

Credo(s) trinitariano(s) 159, 162, 188, 218,230, 234, 247, 249

Crenças Fundamentais dos Adventistas do Sétimo Dia 9, 10,16, 17, 227, 228, 248

Cristo, auto-existência14, 15, 20, 224

Cristo, coeterno 23, 156 Cristo, Criador 163,

218,222, 281 Cristo, divindade de

14, 17, 26, 36, 40, 43-75, 119, 121, 124, 237

Cristo, “Filho eterno” 115

Cristo, gerado (único) 41, 108-111

Cristo, divindade preexistente 10, 16, 35, 53, 58, 61, 202,211, 221, 222, 236,237, 253

Cristo, Emanuel 56 Cristo, expressa

imagem de Deus 46, 235, 246, 250

Cristo, Filho de Deus 14, 29, 237, 250, 299

Cristo, igual a Deus o . Pai 32, 36, 48, 222,

251, 252, 254, 260

Cristo, infinito 15, 281 Cristo, Intercessor 118,

123Cristo, Jeová (Yahweh)

27, 28, 31, 41, 51 Cristo, não criado 58,

159, 253Cristo, natureza

(posição, função)124

Cristo, natureza eterna 131,236,238,253

Cristo, onipotente 15, 254, 281

Cristo, plenitude da Divindade 46, 114, 246, 259, 283

Cristo, primogênito 111-114

Cristo, Redentor 252, 260

Cristo, sabedoria de Deus 126

Cristo, solidário com a humanidade 123

Cristo, subordinação 124, 125, 169

Cristo, teoria da geração eterna 176, 195, 196, 202

Cristo, um (com Deus) 223, 239, 250, 253

Cristologia 146, 228 Criticism ofTheological

Reason, A 229 Cullmann, Oscar 192,

263

ín d ice Geral ! 319

DDavid, Francis 202, 203 Dederen, Raoul 229,

263Deístas 184, 210, 211 Delitzsch, F. 101, 134 Demiurgo 142, 143 Democratização da

América Cristã 209 Desejado de Todas as

Nações, O 223, 225,226, 239, 244, 248

Despertamento,Segundo Grande 213

Deus, inamovível movedor 191

Deus, Pai 14, 27, 32, 67, 68, 72, 73, 109, 114, 119, 121, 165

Deus, Pai, plenitude da Divindade 259

Deus, Pai, ser pessoal com forma tangível 236

Deus, perfeição de 132

Deus, vindicação de 301

Dick, Everett N. 213,263

Diocleciano,imperador 157, 167

Discípulos de Cristo 212

Divina, natureza 15,256, 279, 282, 312

Divindade em três pessoas, veja Pessoas da Divindade

Divindade, dignitários celestiais 15, 238, 259, 261

Divindade, trêsgrandes poderes 15,246, 259

Divindade, três pessoas viventes 15, 16, 225

Divindade, “trio celes­tial” 15, 38, 69, 90, 91, 238, 246, 307, 315

Divindade, amor 84, 85, 106, 129-133, 147, 274, 287

Divindade, considerações éticas 308, 309

Divindade, gênero e liderança 311

Divindade, lar e igreja309-311

Divindade, co-regentes97, 99, 125

Divindade, ira 256,295, 297

Divindade, oração 306, 307

Divindade, pessoal175, 242, 247

Divindade, pluralidade 37, 40, 87, 130, 165

Divindade, reconciliação257, 276, 286, 293, 301

Divindade, só o Filho plenamente divino pode dar imortali­dade 232, 285

Divindade, só o Filho

plenamente divino pode julgar o peca­do 281

Divindade, só o Filho plenamente divino pode mediar pelos pecadores 286

Divindade, só o Filho plenamente divino pode oferecer um sacrifício salvador 280

Divindade, só o Filho plenamente divino pode realizar expiação 280

Divindade, só o Filho plenamente divino pode revelar a Deus 279, 280

Divindade, só o Filho plenamente divino pode santificar e curar do poder do pecado 285

Divindade, só o Filho plenamente divino pode ser efetivo fiador 286

Divindade, sofre penalidade pelo pecado 300, 301

Divindade, substituição 298-300

Divindade, theiotes 46 Divindade, theotes 46,

114Divindade, unicidade

129, 173, 226, 253,

320 / A Trindade

259, 288, 292 Divindade, unidade

13, 26, 39, 40, 69, 85, 87, 90, 92, 165,226, 259, 292

Dixon, Paul S. 72 Docético, docetistas,

docetismo 145,150, 151

Dogma 170, 175, 184, 188

Dogma, da Trindade188, 189, 190, 195

Doutrina, definição 185 Dualismo 185,190-192,

194, 197

EEchad 39, 40, 45, 87 El 27, 41 Elohim 27 Emanação 21, 46 Encarnação 94, 107,

116, 124,169,219, 250

Epifânio 164 Episcopais 207, 214 Epístola de Bamabé 148 Erickson, M illardJ.

48, 49, 119, 128,129, 131, 132, 134

Escolasticismo 185, 197 Espírito Santo, água

(chuva, rios, etc.) 100, 101

Espírito Santo, autor do novo nascimento 86

Espírito Santo, blasfêmia contra o 77

Espírito Santo,Consolador (Ajuda- dor) 81, 82, 246

Espírito Santo, divindade do 15,258, 289, 290

Espírito Santo,importância teológica 287-292

Espírito Santo, onisciente 86

Espírito Santo, oração ao 307

Espírito Santo, personalidade do 15, 76, 258, 289, 291

Espírito Santo, pessoa do 218, 225, 226, 238, 239, 244, 258

Espírito Santo, pleni­tude da Divindade 246, 258

Espírito Santo, poder do 83

Espírito Santo, relação coordenada com o Pai e o Filho 84, 86

Espírito Santo, terceira pessoa da Divindade225, 244

Espírito Santo, único ser a converter e conven­cer pecadores 290

Espírito Santo, único ser a efetuar a adoção por Deus 290

Espírito Santo, único ser a recriar as almas retalhadas pelo

pecado 290 Espírito Santo, único

ser a representar a Divindade 289

Espírito Santo, visão unitariana 24, 187

Estóico 142, 144 Eterna geração do

Filho 176 Eterno, eternidade 180,

192, 195, 253, 273 Eu Sou 34-36, 55,

61-63 Eunômio 166,170, 171 Eusébio de Cesaréia 158 Eusébio de Nicomédia

171Expiação 255, 256, 270,

294Expiação, avaliação de

modelos de 297 Expiação, modelo da

influência moral (de Abelardo) 271, 294

Expiação, modelo da satisfação (de Ansel­mo) 296

Expiação, modelo governamental (de Grótio) 271, 295

Expiação, modelos objetivos 271, 296

Expiação, modelos subjetivos 271, 294,295

FFilo de Alexandria 143,

144, 145, 150, 175 Filosofia grega 191, 192,

ín d ice Geral / 321

197,219, 229, 230, 249

Francisco de Assis177, 178

Franklin, Benjamin 210 French, W. R. 17 Froom, L. E. 118, 134,

227, 228, 241, 263 Fudge, Edward W.

192, 263Fundamentalismo

185, 226

GGane, Erwin R. 216,

217, 218, 264 Gentio(s) 50 Geração — veja Cristo,

teoria da eterna geração

Gerado 108-118, Gnóstico(s), gnosticis-

mo 138, 149, 150 Godos 171, 172 Gonzalez, Justo 193,

196,197,199, 202,264

Graça justificadora 270, 285

Grande conflito, tema do 292, 302, 303

Grega, filosofia - veja Filosofia grega

Gregório de Nazianzo167

Gregório de Nissa 167, 175

Grudem, Wayne 48, 82, 84, 86, 120,

121, 134, 293 Guardadores do sábado

unitarianos — veja Unitarianos guardado­

res do sábado

HHandel, G. F. 22 ,57 Hanson, R. P. 170,

182Harmon, Robert 209 Harmon-White, Ellen

G. 209 Harvard Divinity

School 211 Hatch, Nathan O.

210, 264 Hatton, Max 29, 35,

107, 111, 119,120, 123, 125,126, 134

Helenista, helenistico142, 143

Hesiodo 142 Heteroousios 138, 166,

170Himes, Josué 212, 213,

265História, Deus na 109,

192Hogan, Richard M.

195, 264 Homero 142 Homoion, homoios 138,

164, 166, 172 Homoiousios 139, 165,

166Homoousios 139, 162,

163-167, 172, 173

Hubmaier, Balthasar 199 Huguenotes 208 Hungria 202, 203 Hypostasis 168, 173

IIgreja Cristã

Congregacional 212,214

Igreja Menor da Polônia 302

Iluminismo 191, 210 Impassível,

impassibilidade 185,191

Imutável, imutabilidade 27,161, 191, 194

Inanimado (a) 36, 37 Inquisição 201 Inspiração verbal 185 Irineu 148-150, 153 Islamismo 203, 284

JJefferson, Thomas 210 Jeová — veja Yahweh Jesus Cristo — veja

Cristo Johnson, Alan F. 54, 134 Judaísmo 28, 50, 141 Judeu, ponto de vista

de Deus 203 Judeus e unitarianos 204 Juliano, imperador 167 Justino Mártir 148

KKeil, C. F. 101, 134

322 / A Trindade

Kellogg, John Harvey217, 225, 240-248

Kern, Milton E. 227

LLegalista 270 Le Voir, John M. 195,

264Lexicógrafo 21, 59 Liberdade religiosa 201 Liechty, Daniel 198,

202-204, 264 Limbo 185, 190 Litch, Josias 209 Living Temple, The

241-244 Logos, Palavra 71, 73,

144, 145, 150Longacre, Charles 17 Loughborough, J. N.

219, 220, 264 Luciano de Antioquia

171Luteranos 207, 214 Lutero, Martinho 24,

186-189, 195-198, 214, 297

MMagistral 22 Marcelo 165 Marcion 146-149 Maxwell, C. Mervyn

228, 264 Menno Simons 199 Menonitas 199, 208 Metodistas 208-213 Metzger, Bruce 44,

130, 131, 134 Michaels, J. Ramsey 97

Milênio 219 Milerita(s) 208, 212-

214, 233 Miller, William (Gui­

lherme) 209-213, Modalismo 22, 67, 72,

74, 139,151, 162 Modernismo 186 Moisés 193Monarquismo 139, 186,

220Monogenes 63, 108-111 Monoteísta, monoteísmo

22, 53,142,143,157, 203

Moon, Jerry 228, 265 Morávios 200, 208 Mormons 208 Morris, Leon 63, 135 Mouros 201 Movement o f Destiny 227 Mustard, Andrew G.

208, 265

NNão-trinitariano(a) 211,

212, 222, 284 Neo-arianos 166 Niceno, Credo 162, 168,

227Nicéia, Concílio de 139,

158, 159, 164, 170- 172, 270, 271

OObjeções à Trindade,

bíblicas 105-127 Objeções à Trindade,

lógicas 128-133 Olmstead, Clifton E.

208, 209, 265 Olson, Roger E. 191,

210, 211, 265 Ômega 22, 25 Onipotente 22, 27, 180 Onipresente 22, 27 Onisciente 22, 27 Oratório 22, 57 Orígenes 153-157, 161 Ortodoxia, ortodoxo(a)

12, 195 Ousios, ousia 139, 168 Oxford Dictionary o f

the Christian Church (ODCC) 185, 265

PPai, Deus — veja Deus

PaiPais da igreja 196 Palmer, E. R. 227 Panteão 22 Paródia 23 Paulien, Jon 90, 135 Pedro de Alexandria 158 Pedro, o Lombardo 177 Pelikan, Jaroslav 190,

195-197, 200, 265Percorredores de

circuito 209 Perfeição de Deus 132 Persona 174 Perspectiva doutrinária

274Pessoas da Divindade

179, 219, 225, 238, 306, 307

Pessoas da Divindade, teoria da procissão178, 195

ín d ic e Geral / 323

Pietistas 200 Píndaro 142 Pinnock, Clark 192, 265 Pioneiros adventistas

11, 216-230 Pipkin, J. W. 199, 265 Platão, platônico 142,

143, 191 Pneumatamachoi 139,

166 Polêmica 23 Politeísmo 23, 26, 50,

72, 96, 142, 150, 152

Polônia 202 Preexistente, preexis­

tência 23, 33, 211, 253 '

Presbiterianos 208, 214 Prescott, W. W. 226 Priestley, Joseph 210 Prosélitos 50 Protestante, protestan­

tismo 12, 207-215 Prototokos 111-118 Purgatório 190 Puritanos 199, 207

QQana 126Questions on Doctrine

227, 265

RRacionalistas 186, 189,

200, 207, 210 Razão 189, 200, 210 Reforma, inglesa 208 Reformadores 23, 188,

210

Reformadoresmagistrais 186, 196

Reformadores radicais 200

Reformados (calvinistas)202, 207

Regra de (Granville) Sharp 44

Regra de Colwell (E.C. Colwell) 70-74

Ressurreição 113, 224 Restauracionistas 187,

189, 198, 199, 205, 207, 211

Restitucionistas 187, 198

Review and Herald, incêndio da (1902) 241

Robertson, A. T. 35,125

Robinson, D. E. 233, 266,

Romênia 204

SSabedoria 125, 126 Sabélio, sabelianismo

151, 162, 187,220 Semi-ariano (semi-

arianismo) 24 Senhor ou SENHOR

27-30 Septuaginta 24 Serveto, Michael

(Miguel) 200-203 Sessão da Associação

Geral de 1946 227 Sessão da Associação

Geral de 1980 10,

228Shema (Deut. 6:4) 39,

141Smith, Uriah 222, 223,

236Snyder, C. A 199, 266 Socinianos 187, 202 Socino, Fausto 202,

211Sofia (Sabedoria) 144,

145, 150 Sola Scriptura (a Escri­

tura somente) 187,189, 196, 197

Spalding. A. W. 218 Spear, Samuel T. 222,

266Spicer, Ambrose C. 217 Spicer, William

Ambrose 217 Stefanovic, Ranko 92,

103, 135 Stockman, Levi 209 Stone, Alexander 212 Stott, John R. W. 192,

266, 301 Substância 271

TTempo 192, 195 Teodósio, imperador 167 Teófilo de Antioquia

145Teorias espiritualistas

246, 247Testemunhas de Jeová 9,

27, 72, 82, 208, 284 Tetragrama 24, 30 Thayer, J. H. 46, 135Theiotes 46

324 / A Trindade

Theos 29, 63, 71 Theotes AG, 114 Tomás Aquino 177,

179, 180 Toon, Peter 159, 182 Tormento eterno 190 Tradição, como auto­

ridade 195-198 Transcendente 21, 96,

142-144 Transilvânia 202-204 Transliterar 24 Trindade 24 Trindade e antitrinita-

rianismo, na histó­ria adventista 216- 230

Trindade e antitrinita- rianismo, no come­ço dos EUA 207-215

Trindade, crença dos adventistas do sétimo dia na 217, 227-230

Trindade, dogma tra­dicional da 188,189, 190, 195

Trindade, gênero e liderança 311

Trindade, implicações éticas da 308, 309

Trindade, julgamento 283, 293, 303

Trindade, lar e igreja 309-311

Trindade, na era da Reforma 188-206

Trindade, objeções

bíblicas à 105-127 Trindade, objeções

lógicas à 128-133 Trindade, oração 306,

307Trindade, três em um

162, 170, 174, 175,179, 201, 236

Trindade, visão bíblica da 228, 229

Trinitariana, fórmula 140, 167, 170, 175

Trinitarianas, crenças, dois tipos 240-248

Trinitariano, dogma 175 Trio celestial 15, 225,

238, 246, 309,315 Triteísmo 151, 187,

220 , 222 Triunidade 37, 41, 87,

226

UUlfila 171, 172 Unicidade 13, 15, 292,

306Unitariano, unitaria-

nismo 24, 187, 206 Unitarianos

guardadores do sábado 202, 203

Unruh, T. E. 228, 266

VValêncio, imperador

167Valencinianos 152 Verbal, inspiração -

veja Inspiração

verbal Vinda do Consolador, A

227Vindicação de Deus -

veja Deus

WWaggoner, E. J. 17, 218,

221, 266 Waggoner, J. H. 16, 220,

266Wallace, Daniel B. 71,

73, 135 Watson, C. H. 227 Webber, R. E. 54, 134 Wesley, John 200 Whidden Phillip 130 Whidden, Woodrow

13, 14, 102, 135 White, Arthur 209,266 White, Ellen G. 12,

13, 15, 25, 80, 223-226, 231-261

White, Ellen G„ condenou visão espiritualista da Trindade 245-247

White, Ellen G„ . documentos básicos sobre a Trindade 250-261

White, Ellen G., endossou visão bíblica da Trindade 222, 223, 245-248

White, Ellen G., papel no debate da Trindade 231-249

White, James (Tiago)

ín d ice Geral / 325

213,214,235,236 Whitney, S. B. 218,

219, 268 Wilbur, Earl Morse

202, 266, 268 Wilcox, E M. 226, 227,

247, 248, 268

YYachid 39, 45 Yahweh (Jeová, YHWH

ou JHVH) 24, 27- 32, 3 5 ,4 1 ,4 2 , 45, 51, 86 ,91 , 116, 120

Yoder, J. H. 199, 265

ZZuínglio, Ulrich 24,

186

IndiceEscriturístico^p

Gênesis

1 :1 -3 ,26 ,27 ,31 .................. 40,1922:7, 2 4 .......... . . . . 403:8, 9, 22 . . . . . . 1936 :4 .................. . . . 11011:5,7, 57 . , 87, 1931 3 :1 0 ............. . . .1 0 11 7 :1 ............... . . . 10318:16-33 . . . . . . 1932 2 .................. . . . 2993 5 :1 1 ............. . . . . 4 14 8 :3 ............... 41

3 :6 ..................

Êxodo

___ 413:13-16 .................... 34, 35, 413 :4 -4 :17___ . . . 1934 :2 2 ............... . . . 1126:2 e 3 .......... . . . . 412 0 :2 -4 .......... . . . . 2924:9-11 ___ . . .1933 1 :1 3 ............. . . . 5433:19-23 . . . .193

Deuteronômio

6 :4 .............................................. 27, 39

6 :2 4 ................

Juizes

. . . 54

I Samuel

2 :1 2 ...............................................110

II Reis

2 :3 ................................................... 110

Salmos

2 :7 ................................................... 1168 :6 ................................................... 1231 9 :7 -9 .............................................. 272 3 ......................................................624 5 :6 ................................................... 2989:20-27 ....................................... 11290:2, 4 .................................... 27, 193102:1,25-27 ............................... 11611 0 :4 .............................................. 117139:1-4, 7 -1 2 ................................. 271 4 5 :9 .................................................27

Provérbios

8:22, 30 ............................... 106, 2253 0 :1 9 .............................................. 129

Eclesiastes

2 :8 ................................................... 1109:5 e 6 .........................................192

Isaías

6:1, 3, 8 28

7 :1 4 ...................................................569 :6 ......................................................5740:10,25-28 ................................. 524 1 :4 ................................................... 3143:10 e l l ...................................... 554 4 :6 ................................................... 3148:12 ..............................................315 3 :4 -6 ........................................... 1915 7 :1 5 .............................................. 19366:22, 23 ...................................... 194

Jeremias

23:6 ................................................. 221

Lamentações

4 :2 ................................................... 110

ín d ic e Escriturístico / 327

Malaquias

194

Mateus

1 :2 0 .................................... .......... 1691:21-23 ............................ . . . 56, 582 :6 ....................................... .............573:16 e 1 7 .......................... .............386 :9 -1 3 ............................... .......... 30612:31 e 3 2 ....................... .............7719 :2 6 ................................. .............2720:28 ................................. .............9422:32,36-40 .................. . 193, 28228:19 e 2 0 ....................... . . . 37, 38

Marcos

Ezequiel 3 :1 7 .................................................110

18:4 e 20 ...................................... 192 Lucas36:24-27 ...................................... 10147:1-12 ......................................... 100 2:7 .................................................... 112

4 :1 4 ................................................... 83Joel 1 1 :2 -4 .............................................. 29

2:28 ................................................. 221 João3 :1 8 .................................................104

1:1, 1 8 .............................................. 29Miquéias 1 :3 ......................................................51

1 :6 -9 .................................................625:2 ............................................ 57,252 1:14 ................................................... 68

1 :18 ................................................... 63Zacarias 3 :5 ................................................... 101

3 :1 6 ...................................... 106, 10814:8-11 ...............................100, 101 4 :1 0 -1 4 ........................................... 101

5:16-23 .........................................1215 :19 ,30 ,39 ....................... 224,260

328 / A Trindade

6 :3 5 ,4 8 ,5 1 ,5 4 ............................ 617 :1 7 ................................................... 137:37-39 ......................................... 1018:12, 14-17 ..........................61, 1948:28, 29, 38, 42, 44 .................. 1948:57-59 .................................... 34,3510:7-18, 27-39 ....................... 62, 651 1 :2 5 .................................................621 2 :3 6 .............................................. 11014-17 .............................................. 941 4 :1 .................................................28014:6, 8-11, 26, 28 ................ 62, 81,

127, 28015:1-11,26 .......................... 81,29016:7-15 ............................................821 7 :3 .................................................1181 7 :1 7 .................................................1320:25-31 ......................................... 66

Atos

2 .........................................................922 :3 6 .................................................1605 :1 -4 .................................................367:59 ................................................. 3078 :2 9 ................................................... 8310 :38 .................................................831 3 :2 ................................................... 831 3 :3 3 .............................................. 12715 :28 .................................................8316:6 e 7 ............................................831 7 :1 1 .............................................. 225

Romanos

1:1, 1 6 .............................................. 541 :2 0 ................................................... 462 :1 7 ................................................... 543:26 .................................................298

4 :1 7 ................................................... 545 :5 ................................................... 2218:14-16, 26 ....................................788 :2 9 .................................................1139 :3 ...................................................... 459 :5 ......................................................451 1 :3 6 .............................................. 16913:8-10 ......................................... 28214 :17 .................................................5415 :13 .................................................8316 :16 .................................................54

I Coríntios

1:21-24 ......................................... 2801 :3 0 ................................................... 542:10 e l l .......................................792:4, 7-12, 14 ................................. 236 :1 9 .................................................2418 :4 - 6 .............................................. 11912:4-6,11 ...............................78 ,841 2 :3 .................................................14615:19,24-28 ............................... 12316:22 .............................................. 270

II Coríntios

5:18 e 1 9 .................................... ,3001 2 :9 ................................................... 5413 :14 .............................................. 218

Gálatas

1 :1 2 -1 6 ............................................543 :2 2 ................................................... 545:22-24 ......................................... 2906 :8 ................................................... 169

ín d ice Escriturístico / 329

Efésios Hebreus

2 :2 ................................................... 1102 :1 4 ................................................... 543 :9 ......................................................514 :4 - 6 .................................................844 :3 0 ................................................... 374 :3 2 ................................................... 545 :6 ................................................... 1105:22-29 ......................................... 311

Filipenses

1 :2 6 ................................................... 542 :1 - 8 .................................................474 :7 ......................................................54

Colossenses

1 :13 -19 ..................45, 51, 111-1142:9 .......... 15, 45, 46, 58, 114, 2193 :1 3 ................................................... 543 :1 5 ................................................... 54

I Tessalonicenses

1:8 e 9 .............................................. 545:9, 2 8 .............................................. 54

I Timóteo

2 :5 ......................................... 106, 1072 :1 - 8 .............................................. 1226 :1 4 -1 6 ............................................61

Tito

2:11-14 ............................ 2 9 ,4 3 ,4 43 :4 ......................................................54

1:1-3 .......................................49, 1161:4-12, 14 ....................................1142:9, 14-18 ....................................1233 :2 ................................................... 1604:14 e 1 5 ......................................... 525:5-10 ................................. 114, 1167:2, 3, 1 7 ......................................... 528 :2 ......................................................5211:17, 2 8 ...................................... 1091 2 :2 3 .............................................. 1121 3 :8 .................................................194

I Pedro

1 :2 ......................................................843 :1 8 .................................................222

II Pedro

1 :1 ......................................................443 :8 ................................................... 193

I João

1:1-3, 5 ................................. 62, 1462:20, 27 ......................................... 2103 :9 ......................................................864 :1 - 3 .............................................. 1464:8, 1 6 .............................................. 275:2-4, 8 -1 0 ..........................101,282

Judas

4 ......................................................235

Apocalipse

330 ! A Trindade

4 , 5 .......................... ....................... 92 14 :1 3 .......................... .................. 1034:1-11 .................... ................93, 97 16:5 e 7 ..................... .....................915 :5 -1 4 .................... ....................... 93 19:9 e 1 0 .................. .............29, 967:9, 1 7 ..................... ....................... 98 2 0 ............................... .................. 2198-11 ....................... ....................... 91 21, 2 2 ....................... .....................981 0 :2 -4 ..................... .......................91 21 :1 -6 ,22 ,23 ___ .............98, 9911:15, 1 7 ............... .....................103 22 :1 -5 .......................... .......... 99-10112-14 ..................... ....................... 91 22:8 e 9 . . . . ____ .................. 1631 4 ............................ .....................232 22:12 e 1 3 ...................................... 321 4 :6 -1 2 .................. ....................... 55