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IDADE MÉDIA CATEDRAIS, CAVALEIROS E CIDADES DIREÇÃO UMBERTO ECO Tradução Isabel Branco Carlos Aboim de Brito Carlos Manuel Oliveira

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I D A D EM É D I A

C A T E D R A I S , C A V A L E I R O S

E C I D A D E S

D I R E Ç Ã O

U M B E R T O E C O

Tradução

Isabel BrancoCarlos Aboim de Bri toCarlos Manuel Olive ira

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Í N D I C E

HISTÓRIA

Introdução, de Laura BarlettaOs acontecimentosO cisma da Igreja do Oriente, de Marcella RaiolaA luta pela investidura, de Catia Di GirolamoA política dos papas, de Ivana AitA criação e a expansão das comunas, de Adrea ZorziA concorrência entre as repúblicas marítimas, de Catia Di GirolamoGuelfos e gibelinos, de Catia Di GirolamoAs cruzadas e o reino de Jerusalém, de Franco CardiniFrederico, Barva-Ruiva e a terceira cruzada, de Franco CardiniO aparecimento das ordens de cavalaria, de Barbara FraleA Reconquista, de Claudio Lo Jacono

Os paísesO Estado da Igreja, de Ivana AitO Sacro Império Romano-Germânico, de Giulio SodanoCidades e principados da Germânia, de Giulio SodanoA França capetiana, de Fausto CozzettoO reino de Inglaterra, de Renata PilatiOs países escandinavos, de Renata PilatiOs normandos na Itália meridional e na Sicília, de Francesco Paolo ToccoReinos e principados russos, de Giulio SodanoA Polónia, de Giulio SodanoA Hungria, de Giulio SodanoA Península Balcânica, de Fabrizio MastromartinoAs comunas, de Andrea ZorziOs reinos cristãos da Hispânia, de Massimo PontesilliReinos de taifas: os Estados muçulmanos na Península Ibérica, de Claudio Lo JaconoAs repúblicas marítimas, de Catia Di GirolamoO império bizantino: a dinastia dos Comneno, de Tommaso BracciniO reino de Jerusalém e os feudos menores, de Franco Cardini

A economiade Giovanni Vitolo

A extensão de terras cultivadas e a economia rural, de Catia Di GirolamoMercados, feiras, comércio e vias de comunicação, de Diego Davide

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O tráfego marítimo e os portos, de Maria Elisa SoldaniO crédito e a moeda, de Valdo d’ArienzoA expansão das manufacturas e as corporações de ofícios, de Diego Davide

A sociedadeO feudalismo, de Giuseppe AlbertoniA cavalaria, de Francesco StortiA burguesia (comerciantes, médicos, juristas, notários), de Ivana AitOs judeus, de Giancarlo LacerenzaOs pobres, os peregrinos e a assistência, de Giuliana BoccadamoBandidos, piratas e corsários, de Carolina BelliOs missionários e as conversões, de Genoveffa PalumboOrdens religiosas, de Anna BenvenutiAspirações de reforma da Igreja e heresias nos primeiros dois séculos depois do

ano 1000, de Giacomo Di FioreA instrução e os novos centros de cultura,

de Anna BenvenutiO renascimento da ciência jurídica e

a génese do direito comum, de Dario IppolitoA vida religiosa, de Errico CuozzoO cavalo e a pedra: a guerra na era feudal,

de Francesco StortiO poder das mulheres, de Adriana ValerioFestas, jogos e cerimónias na Idade Média,

de Alessandra RizziA vida quotidiana, de Silvana Musella

FILOSOFIA

Introdução, de Umberto Eco

A retoma da Europa e o desenvolvimento do saberAnselmo de Cantuária: pensamento, lógica e realidade, de Massimo ParodiPedro Abelardo, de Claudio FiocchiJoão de Salisbúria e a conceção do poder, de Stefano SimonettaAs disputas eucarísticas, de Luigi CataloniA Escola de Chartres e a redescoberta de Platão, de Luigi CataloniOs mestres de São Vítor e a teologia mística, de Luigi CataloniIntérpretes e formas da literatura teológica no século XII, de Luigi Cataloni«Anões aos ombros de gigantes», história de um aforismo, de Umberto EcoMulheres intelectuais, de Claudio Fiocchi

de Carla Casagrande

CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Introdução, de Pietro Corsi

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Ciências matemáticasAstronomia e religião: o controlo do tempo,

de Giorgio StranoCultura islâmica e traduções latinas,

de Giorgio StranoAs ciências matemáticas no islão,

de Giorgio Strano

A medicina: saberes do corpo, da saúde e da cura

Medicina e doença no Ocidente nos séculos XI e o XII, de Maria Conforti

Constantino, o Africano, e a medicina árabe no Ocidente, de Maria Conforti

A Escola de Salerno e Articella, de Maria ConfortiRhazes e Cânone, de Avicena, no Ocidente, de Maria Conforti

Alquimia e químicaAvicena e a alquimia arábe, de Andrea BernardoniO acolhimento da alquimia árabe no Ocidente, de Andrea BernardoniAlquimia e mineralogia bizantina, de Andrea BernardoniA tradição dos receituários e dos livros para artesãos, de Andrea Bernardoni

Inovações, descobertas, invençõesA revolução agrícola, de Giovanni Di PasqualeNovas fontes de energia para o trabalho, de Giovanni Di PasqualeA cidade e a técnica, de Giovanni Di Pasquale

de Giovanni Di PasqualeEntre o Oriente e o Ocidente, de Giovanni Di Pasquale

Fora da EuropaCiência e tecnologias na China, de Isaia Iannaccone

Lapidários e magiaMagia e curas mágicas, de Antonio Clericuzio

LITERATURA E TEATRO

Introdução, de Ezio Raimondi e Giuseppe Ledda

Renascimento e renovaçãoA retórica nas universidades, de Francesco StellaAs poetrie em latim da Idade Média, de Elisabetta BartoliA leitura e o comentário dos clássicos, de Elisabetta BartoliPrimeiros documentos e textos literários nas línguas europeias, de Giuseppina BrunettiA nova literatura do fantástico, de Francesco Stella

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A cultura das escolas e dos mosteirosA poesia religiosa, de Francesco StellaTeologia, mística e tratados religiosos, de Irene ZavatteroA predicação e as artes praedicandi, de Silvia Serventi

de Pierluigi LicciardelloVisões do além, de Giuseppe LeddaA poesia didatica, enciclopédica e alegórica, de Francesco StellaCartas de amor, de Francesco Stella

As cortes, as cidades, as nações: a caminho das literaturas europeiasGéneros da literatura latina da Idade Média: fábula e sátira, de Roberto GamberiniPoesia latina e poesia goliarda, de Francesco StellaA historiografía, de Pierluigi LicciardelloA poesia épica latina, de Roberto GamberiniA poesia épica em vulgar, em França e na Europa, de Paolo RinoldiA literatura de viagens, de Francesco StellaAs formas do conto breve, de Daniele RuiniMaria de França, de Giuseppina BrunettiO romance, de Giuseppina BrunettiChrétien de Troyes, de Giuseppina BrunettiA lírica, de Giuseppina Brunetti

TeatroOfício litúrgico e teatro religioso, de Luciano BottoniO teatro clássico: receção e comentário,

de Luciano Bottoni

ARTES VISUAIS

Introdução, de Valentino Pace

Os espaços arquitetónicosGénese e desenvolvimento dos novos espaços sagrados da Europa cristã, de Luigi

Carlo SchiaviO espaço sagrado da ortodoxia, de Andrea ParibeniPortas e portais de entrada nos espaços eclesiásticos, de Giorgia PollioOs espaços do poder (eclesiástico e laico), de Luigi Carlo Schiavi

Os programas de imagem

vitrais, pavimentos, livros), de Alessandra Acconcide Francesca Zago

Os instrumentos da liturgia e os símbolos do poder O mobiliário eclesiástico (frontais, cátedras, cibórios, púlpitos, círios), de Manuela

GianandreaOs símbolos do poder no Ocidente, de Alessandra Acconci

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Os símbolos do poder no Oriente, de Andrea Paribeni

Os territórios e as cidadesde Francesca Zago

A Rus’: Kiev, Novgorod, Vladimir, de Francesca ZagoA Germânia: Hildesheim, Colónia, Espira, de Luigi Carlo SchiaviA Inglaterra, de Luigi Carlo SchiaviA Sicília normanda: Cefalù, Palermo, Monreale, de Manuela De GiorgiSão Marcos em Veneza, de Francesca ZagoA Hispânia: Ripoll, Tahull, Jaca, Bagüés, Leão, de Alessandra AcconciA França das catedrais : Sens, Laon, Paris, de Luigi Carlo SchiaviA Terra Santa, de Giorgia Pollio

As questõesBizâncio e o Ocidente (Teofânia, Desidério de Monte Cassino, Cluny, Veneza,

Sicília), de Manuela De GiorgiAs vias de peregrinação, de Luigi Carlo SchiaviA arte e a reforma eclesiástica nos séculos XI e XII, de Alessia TrivelloneA autoconsciência do artista, de Manuela Gianandrea

MÚSICA

Introdução, de Luca Marconi e Cecilia Panti

O pensamento teórico musicalGuido d’Arezzo e a nova pedagogia musical, de Angelo RusconiA música na cultura enciclopédica medieval, de Cecilia PantiMúsica e espiritualidade feminina: Hildegarda de Bingen, de Cecilia Panti

A prática musicalMonódia litúrgica e religiosa e primeira polifonia,

de Giorgio MonariTrovadores, de Giorgio MonariTroveiros e Minnesänger, de Germana SchiassiA dança nos séculos XI e XII: dança e religião,

de Stefano TomassiniA música instrumental, de Fabio TricomiFestas e cantos da Sicília normanda, de Roberto Bolelli

Ars Musica, a jovem Harmonia, de Donatella Melini

Índice remissivo

CRONOLOGIA

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I N T R O D U Ç Ã O

de Laura Barletta

No século XII, numa crónica de Sigeberto de Gembloux, conta-se que no ano 1000 se deu um terramoto e surgiu um assustador cometa em forma de serpente: a representação do diabo do Apocalipse de João, encarcerado durante mil anos

estavam prestes a viver uma longa e duradoura fase de expansão da sua história.Na verdade, no início do século XI, a população europeia já está em crescimen-

nas cidades, a superfície de terra cultivada, as atividades artesanais e comerciais, os mercados, as feiras, as vias de comunicação, os portos, o tráfego marítimo e a circulação monetária. Estas mudanças não surgem uniformemente por

das regiões europeias e na incidência das guerras, invasões ou epidemias –, no entanto, trata-se de uma tendência de fundo da sociedade. Grupos de camponeses abandonam os territórios dos senhores feudais e deslocam-se para zonas desabitadas para desbravar e lavrar os terrenos fundando novas al-

dirigem-se para oriente e para os países árabes, ou, como os venezianos, para o mundo bizantino, enquanto os frísios e os viquingues rasgam o Báltico e os grandes rios russos; as zonas pantanosas sofrem grandes obras de melhoramen-tos e saneamento, surgem novas técnicas e instrumentos náuticos (a bússola, os portulanos, as cartas náuticas) e agrários (o arado pesado, a ferradura do cavalo, a rotação trienal das culturas); paralelamente aos bens de primeira necessidade começam a circular com maior frequência os bens de luxo, como os perfumes, as especiarias e as pedras preciosas; a produção decompõe-se em fases de ma-nufatura e organiza-se em lojas artesanais; as cidades antigas assumem um novo papel de centro de produção e de troca, diferente daquele que tiveram no pas-sado enquanto centros de consumo, dando origem a guildas regulamentadas por estatutos e que acabarão por ter um importante peso económico e políti-co. Aquela que enfrenta o novo milénio é, em suma, uma Europa que se liberta

A Europa

depois do ano 1000

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A Europa política

As chamadas segundas invasões, que nos dois séculos precedentes se prolon-garam na Europa, vão-se dissipando e se, ainda no início do século XI, a costa a norte do Mediterrâneo é alvo do domínio ou da investida dos muçulmanos, a sua tónica ofensiva enfraquece: a Itália meridional e o Adriático já regressaram ao controlo do Império Bizantino, que vive uma renovada época de esplendor cultural, militar e administrativo; na Península Ibérica, os pequenos reinos das

Astúrias e de Navarra e os condados de Castela e de Barcelona consolidam as suas posições contra o califado omíada de Córdova, cujo desmantelamento no início do século XI permite a ofensiva cristã. Os húngaros, já submeti-dos a Estêvão I (c. 969-1038, rei desde 1000/1001), vão-se radicando nas

terras ao longo do Danúbio, após as derrotas contra os imperadores da dinastia saxónica e em particular após a batalha de Lechfeld, perto de Augs-

burgo (955). Os eslavos, já cristianizados no século IX, organizam-se territorial-mente e formam reinos e principados que terão uma longa existência nos Balcãs e na Sérvia, na Polónia, em Kiev. Os normandos, provenientes da península da Dinamarca e da Escandinávia, já se estabeleceram ao longo da costa atlântica, na região que virá a chamar-se Normandia, constituindo um ducado vassalo do rei dos francos Carlos, o Simples (879-929), e, durante o século XI, alcançam prova-velmente a costa canadiana, com investidas que continuam as dos séculos IX e X

às ilhas atlânticas e ao longo dos rios russos. Mas, sobretudo, naquela épo-ca, instalam-se decididamente na Itália meridional e em Inglaterra: apro-veitando a luta entre os bizantinos e os lombardos, que solicitam apoios

o Guiscardo (c.1010-1085), consegue ocupar grande parte da Itália meridional e da Sicília, enquanto

o duque da Normandia, Guilherme, o Conquistador (c. 1027-1087, rei desde 1066), derrota em Hastings (1066) o exército anglo-saxão de Haroldo e se torna rei de Inglaterra, criando deste modo, além de outros, os pressupostos para os

e domínios locais, a partir do condado de Paris, onde, após a crise dinástica que se seguiu à destituição de Carlos, o Gordosolidamente a dinastia capetiana, enquanto em Aix-la-Chapelle acaba de nascer o Sacro Império Romano-Germânico, em redor do qual se desenrolará grande parte da história do continente.

O feudalismo maduro

Assim se vão delineando as áreas europeias destinadas a serem protagonistas

com a cristianização e a estabilização de novas populações, tende a estender-se para

Consolidações

territoriais

Novas conquistas

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-xadas no Reno e no Danúbio. O sonho da renovatio imperii acalentado pelo casamento entre Otão II (955-983, rei desde 973) da Saxónia e a princesa bizantina Teofânia (c. 955-991, imperatriz de 973 a 983) desvanece-se no

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nia. Inspirado pela teorização da sacralidade do título imperial elaborada pelo seu precetor Gerberto de Aurillac, que elege papa em 999 com o nome de Silvestre II (950-1003), Otão III, muito jovem, tem o sonho de reunir sob o império toda a cristandade, provocando uma viva oposição feudal e nobiliárquica sobretudo na Alemanha e em Itália, onde a aristocracia romana o obriga a abandonar a cida-de para morrer no ano seguinte, sem herdeiros, no convento de Monte Soratte.

No confronto entre o ideal de um império universal, ainda presente nos pri-meiros séculos do novo milénio, e a concretização do poder territorial prevalece este último, e a capacidade de o feudalismo responder às exigências contempo-râneas como modalidade de reorganização do poder público, a sua propagação, o seu profundo enraizamento em todos os aspetos da vida quotidiana são de-monstrados pela ampla persistência do direito feudal em contextos muito diver-

em alguns países, até mais tarde. O feudalismo atinge nos séculos XI e XII a sua idade mais madura, de tal modo que, enquanto alguns historiadores

-meiros séculos do segundo milénio se assiste a uma idade propriamen-te feudal. De facto, se a hereditariedade nos feudos maiores foi validada por Carlos, o Calvo (823-877, imperador desde 875), na capitular de Quierzy (877), é apenas em 1037 que se reconhece a dos feudos menores com a Consti-tutio de feudis -ções feudais tornam-se mais densas, a fragmentação territorial diminui, cresce a feudalização de funções e jurisdições públicas, nasce a feudalidade ministerial e eclesiástica que estará frequentemente em competição com a da aristocracia, consolida-se a tendência para a formalização das relações. Isto faz do feudalismo um verdadeiro sistema social, económico e político que, juntamente com a rela-tiva continuidade da organização do poder público nas cidades-sedes episcopais e na enorme quantidade de pequenos centros de poder em torno dos castelos, conduz às extremas consequências o particularismo que o costume germânico

Novas regras para a sociedade

É precisamente o contínuo confronto e a recomposição das diversas instân-cias particularistas, juntamente com a persistência da ideia de um ordenamen-

Os sonhos imperiais

de Otão III

Um feudalismo mais

sistemático

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to político universal, que constitui o complexo cenário, onde coexistem tanto a violência generalizada e a preeminência do elemento militar em relação à esfera política, como uma renascida tendência para a formação de regras capazes de

de Deus (suspensão das operações militares ordenadas pelas autoridades ecle-siásticas de quarta-feira à tarde até segunda-feira de manhã e nos dias feriados) instituídas nos concílios de Arles (1037-1041) ou relativas à cavalaria, decretadas

XI no Liber de Vita Christiana, de Bonizone di Sutri, que, a par-tir, não por acaso, de França e com o apoio da Igreja, favorecem a estabilização da sociedade, fornecem um quadro de referência às orlas mais agitadas, difun-dem uma ética que exalta a justiça, a defesa dos mais fracos e os ideais cristãos.

Neste contexto de desenvolvimento civil não é surpreendente o papel mais interventivo da mulher, quer nos mosteiros quer na vida política e social, uma maior atenção aos jogos e ao ócio, uma vida social mais intensa e uma nova

difusão da alfabetização e da cultura. A partir do século XI aumenta a dis-ponibilidade dos textos clássicos – já em circulação desde o século VIII – sobretudo em traduções do greco, do árabe e do hebraico, aumentam os leitores, multiplicam-se os comentários nas margens dos livros, sinal de um novo interesse pelo seu conteúdo, os mosteiros tornam-se locais de

laicas, a de Bolonha para o direito, Paris para a teologia. E o direito começa a as-sumir particular relevo para regulamentar as componentes económicas, políticas e religiosas cada vez mais complexas da sociedade. Paralelamente à continuidade de uma variedade de ordenamentos jurídicos que se justapõem e sobrepõem e de um direito pessoal que varia conforme a etnia, a proveniência, o status, a con-dição e as tradições, desenha-se a formação de um direito comum sustentado pela ciência dos juristas e fundado na compilação justiniana. Uma necessidade não diferente de clareza e de uniformidade leva à formação de um direito canó-nico distinto da teologia, com base numa recolha de textos do Velho e do Novo Testamento e dos padres da Igreja, de fragmentos de direito romano, de cânones conciliares e decretos pontifícios, efetuada pelo monge Graciano (século XII) por volta de 1140. O regresso a uma romanidade recuperada através do direito está também na base de uma primeira laicização da política, cujos sinais podem ser

-do centralidade e as instituições políticas se referem à idade da res publica romana.

Renovação religiosa e reforma da Igreja

Neste contexto dominado pelo particularismo, mas percorrido pela busca de perspetivas mais seguras e amplas, insere-se igualmente a tendência para a reno-vação religiosa e a reforma da Igreja. Um clero dedicado à simonia e ao concu-binato não parece responder à sua função de ligação com o além e, por outro

Novo impulso para o

estudo dos clássicos

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-sos, apesar das suas diferenças, mostram em substância um elemento co-mum na aspiração à simplicidade evangélica, muitas vezes à pobreza dos primeiros tempos, e uma adesão ao plano natural que pode chegar até ao respeito pela vida de todos os seres e também à abolição das hierarquias e dos sacramentos e a reivindicações sociais e políticas. Patarinos, cátaros, valden-ses, umiliatas, «maniqueístas» da Aquitânia, cânones de Orleães, hereges de Arras, hereges de Monforte e muitos outros permanecem por um tempo mais ou me-nos longo entre a ortodoxia e a heresia. De resto, muitas das suas preocupações são comuns aos movimentos reformadores que agem no interior da Igreja: bas-

itinerantes para os controlar, para uniformizar a sua doutrina e para lhes

inclusivamente com o objetivo de libertar a Igreja das ingerências aris-tocráticas, passando pelo primeiro mosteiro valombrosano (1115), pelo dos cistercienses em Citeaux (1098) ou ainda pelo de Prémontré, para citar apenas alguns dos mais destacados. O resultado nem sempre será duradouro, os próprios mosteiros cluniacenses, inspiradores da reforma, verdadeiras forjas de personalidades políticas e religiosas, são por sua vez alvo de severas críticas e novas ordens religiosas virão impor uma disciplina mais rigorosa.

Estas tentativas inserem-se na tendência para devolver dignidade ao clero pela moralização dos seus costumes e prestígio ao papado com a eliminação das

destinado a separar a rede de interesses entre laicos e eclesiásticos, a distinguir a esfera religiosa da esfera secular, a reorganizar o clero e sobretudo a garantir a primazia da Igreja sobre qualquer poder terreno em virtude da sua mis-são de salvação. O movimento de reforma é favorecido pelo imperador Henrique III (1017-1056, imperador desde 1046), que solicita a Clemen-te II (papa de 1046 a 1047) que condene a simonia no Concílio de Sutri (1046) e desempenha um papel determinante na nomeação para papa de Bruno, bispo de Toul (1049), que, com o nome de Leão IX (1002-1054, papa desde 1049), chama a Roma os principais reformistas, entre eles Pedro Damião (1007-1072) e Hildebrando de Sovana (c. 1030-1085, papa desde 1073 com o nome de Gregório VII). Esta Igreja forte, que deseja o primatus Pietri e a libertas ecclesiae romanae, rompe, em 1054, todas as relações com a Igreja grega do pa-triarca Miguel Cerulário (c. 1000-1058) e, após a morte de Henrique III, durante a regência de sua mulher Inês de Aquitânia (1025-1077), promulga, em 1059, o decreto que retira a eleição do papa do controlo imperial, particularmente ur-gente após a introdução, no século anterior, do privilegium othonis. A assunção do poder imperial em 1066 por Henrique IV (1050-1106, imperador de 1084 a

O regresso às origens

Mosteiros e monges

Império e reforma

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1105) assume uma substancial reviravolta nas relações de força entre o papa e o imperador, obrigado a combater a usurpação de prerrogativas imperais por duques e príncipes alemães apoiados por senhores feudais menores. É durante esta luta que Gregório VII promove um concílio que, em 1075, além de reforçar a condenação da simonia e do concubinato, introduz a interdição da investidura de eclesiásticos pelos laicos, enquanto num texto contemporâneo de 27 máxi-mas, conhecido como Dictatus Papae, se decreta o primado do bispo de Roma, com legitimidade para destituir o imperador. Esta escolha abre o caminho à luta

ano seguinte, concluída vitoriosamente na Alemanha a prova de força contra o feudalismo alemão, Henrique IV, no sínodo de Worms de 1076, destitui o papa

imperador da aristocracia alemã, cujas franjas rebeldes convocam uma assembleia em Augsburgo (1077) para o avaliar. A Penitência de Canossa (1077), a vitória na Alemanha em 1080 contra Rodolfo, duque da Suábia, e os senhores feudais rebeldes, a expedição em 1081 a Itália contra as tropas da condessa Matilde (c. 1046-1115) e o cerco e tomada de Roma em 1084 representam as etapas de um confronto que termina com a morte de Gregório VII em 1085, em Salerno, onde se refugiara junto dos normandos de Roberto, o Guiscardo. A luta pelo po-der terminará com a concordata de Worms (1122) entre Calisto II (c. 1050-1124, papa desde 1119) e Henrique V (1081-1125, imperador desde 1111).

O cristianismo em expansão

Apesar destes contrastes, a renovação ideológica e política da Igreja mostra toda a sua força com Urbano II (c. 1035-1099, papa desde 1088) na organiza-ção – obra do delegado pontifício Ademar, bispo de Puy – da primeira cruzada,

iniciada em 1096 e concluída vitoriosamente no verão de 1099 com a con-quista de Jerusalém, entendida como uma peregrinação aos lugares santos e que mobiliza uma vasta massa de penitentes e de militares, na maioria

e normandos, como Godofredo de Bulhão – futuro rei de Jerusalém –, o seu irmão Balduíno de Bolonha, Raimundo de Tolosa, Hugo de Verman-

dois, Roberto II da Normandia, Roberto II da Flandres, Tancredo e Boemun-do de Altavila, na busca de novos horizontes espirituais, políticos e comerciais.

Além da explosão da religiosidade, também existe uma relação das cruza-das com a aceleração nos processos de expansão das atividades das cidades cos-

teiras italianas, como Génova e Pisa, que praticam uma política agressiva contra os muçulmanos, expulsos pelas armas da Córsega e da Sardenha. Veneza, por sua vez, com as diretrizes favoráveis do imperador Aleixo I Comneno (1048/1057-1118), assume um papel determinante no co-

mércio do Adriático, do Jónico e do Egeu, sob controlo bizantino. Mas

A primeira cruzada e

a conquista

de Jerusalém

Expansão

do cristianismo

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H I S T Ó R I A

naqueles anos toda a cristandade se expande. Em Espanha, Rodrigo Díaz, chamado El Cid (1043-1099), participa na conquista de Toledo (1085) e, alguns anos depois, em 1118, Afonso I de Aragão (c. 1073-1134, rei desde 1104) entra em Saragoça, enquanto no Oriente se formam, após a conquista de Jerusalém, pequenos estados cruzados de tipo feudal, como o reino da Arménia Menor, o condado de Edessa, o principado de Antioquia, o condado de Trípoli, além do próprio reino de Jerusalém. São instituídas também ordens religiosas militares, criadas para defender os locais santos, mas presentes onde quer que exista uma

XII continuará uma segunda e uma terceira cruzada, em que participarão os so-beranos europeus, sem sucesso.

As autonomias municipais e o império

A vitalidade europeia manifesta-se igualmente na nova conceção das comu-nas que, na Itália setentrional, procuram fazer valer as suas autonomias. É so-bretudo na última parte do século XI que as comunas começam a assumir uma organização institucional com base nas assembleias citadinas, chamadas arengo

por seis meses ou um ano, as funções de governo, e nos conselhos (o conselho maior e o conselho de credenza

(nobres, senhores feudais urbanos e burgueses ricos), povo (banqueiros e grandes comerciantes), povo miúdo (artesãos e comerciantes) e a plebe sem direitos políticos (servos e assalariados). A complexa articulação do sistema comunal, caracterizado pelo recurso a uma forma associativa para

-vamente aos grupos hegemónicos e em particular aos grandes senhores de que

XII, a tendência das comunas para recorrerem a órgãos de governo abstratamente neutrais, como as podestades, verdadeiras especialistas da política, escolhidas en-tre estrangeiros sem vínculo aparente aos grupos hegemónicos.

As comunas italianas assumem um papel particularmente relevante na relação com o império, sobretudo com Frederico, Barba-Ruiva (c. 1125-1190), que assu-me o poder em 1152 e tem de combater repetidamente em Itália para reativar a autoridade imperial contra ligas capazes de criar uma resistência razoável, como a da Marca de Verona por ocasião da terceira invasão da Itália (1163-1164), ou da Liga Lombarda por ocasião da quarta (1166-1168) e da quinta (1174-1178). Frederico não menospreza nem a via militar, nem os canais diplomáticos, nem os acordos dinásticos, como é tradição [em 1178, em Arles, é coroado rei da Borgonha depois de casar com Beatriz em 1156, mas, por ocasião da sexta inva-

-

O sistema comunal

e os conflitos sociais

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I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C A V A L E I R O S E C I D A D E S

que VI (1165-1197, imperador desde1191) é coroado rei de Itália e se casa com Constança de Altavila (1154-1198), ganhando assim os direitos hereditários sobre

a Itália meridional], mas introduz uma novidade a favor do seu desígnio

romano, na sabedoria jurídica de Bulgarus, Martinus, Jacobus e Hugo, todos discípulos de Irnerius, que, na segunda assembleia de Roncaglia

coroa regalias imperiais por parte das comunas. O recurso a esta neutralida-de laica é reiterado por Frederico no seu desejo de impor um poder imperial às comunas rebeldes, e volta a surgir quando, entre 1178 e 1180, o imperador promove, primeiro perante o tribunal palatino e depois perante os príncipes da Saxónia, o processo de Henrique, o Leão (c. 1130-1195), acusado de ter negado ajuda militar em Itália durante a quinta invasão.

O século XII termina com as mortes súbitas de Henrique VI e de Constan-

papa desde 1198), que teoriza a superioridade do poder espiritual sobre o político e encontra espaço para a conceção teocrática do poder na fraqueza do império, onde o provável herdeiro Frederico II (1194-1250, imperador desde 1120) é con-

(1167-1216, rei desde 1199) e a França de Filipe II (1165-1223, rei desde 1180).

As comunas

e o império

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H I S T Ó R I A

O S A C O N T E C I M E N T O S

O C I S M A D A I G R E J A D O O R I E N T E

de Marcella Raiola

As duas sedes relevantes da cristandade ocidental e oriental, Roma e Bizâncio,

atingem, no século XI A questão do Filioque e o proselitismo cristão no tempo de Fócio

do Oriente e a Igreja do Ocidente está em correspondência biunívoca com as respetivas aspirações à instauração de uma teocracia que, claramente, não po-dia deixar de assumir conotações de universalidade e, portanto, de unicidade e

entre as duas Igrejas e as mais ou menos infundadas divergências doutrinais que -

do dois séculos antes entre as duas sedes. O patriarca Fócio (c. 820-c. 891), não reconhecido pelo dinâmico Nicolau I (810/820-867, papa desde 858), que rei-vindicava a anterioridade e a primazia do poder espiritual naquelas perturbações perante a pretensa subordinação dos descendentes de Carlos Magno (742-814, rei desde 786, imperador desde 800) (em 824 fora emitida a Constitutio Romana,

providencia uma excomunhão do papa com o pretexto da fórmula do Credo adotada em Roma, que fazia descer o Espírito não só do Pai, segundo o princí-pio conciliar niceno (saído do concílio de 325), mas do Pai e do Filho (daqui a referência ao motivo da disputa como a «questão do Filioque»). Fócio tencionava reverter as relações de força entre o império cesaropapista e o patriarcado. Por isso, em 870, é destituído.

povos eslavos, então objeto de conquista e conversão forçada tanto por parte dos francos, que agiam em nome da Igreja de Roma, como por Bizâncio. O rei búlgaro Bóris (?-907, rei desde 852 até 889), de facto, já estreitara relações diplo-máticas com Roma para evitar submeter-se ao patriarcado de Constantinopla, ao qual a Igreja búlgara, contudo, permanece submissa mesmo após o afastamento

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I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C A V A L E I R O S E C I D A D E S

de Fócio, por vontade de Basílio I (c. 812-886), com o objetivo de restabelecer as relações com o papado.

Protagonistas e implicações da separação

Além da questão dogmática do Filioque, o Oriente e o Ocidente divergem também em relação à adoção de práticas de culto, modelos litúrgicos e estatu-tos disciplinares. Em particular o Ocidente não consente o matrimónio dos clé-rigos, enquanto o Oriente, na celebração da Eucaristia, só aceita o uso de ázimos, ou seja, de pão não levedado. O cisma de 1054 tem como protagonista Miguel Cerulário (c. 1000-1058), colocado no trono patriarcal de Bizâncio pelo fraco Constantino IX Monómaco (c. 1000-1055), em março de 1043.

O imperador não consegue travar nem orientar as forças dispersas do reino;

dos mecenas e rodeia-se de numerosos intelectuais «laicistas», entre os quais

cronista deste tumultuoso período e funcionário imperial sem escrúpulos, além de «adversário» natural e pessoal de Cerulário. A clara vitória deste

último provocaria uma reviravolta nas relações entre o império e o patriar-cado, libertando a Igreja do pesado jugo da tutela imperial e determinando, no

entanto, o reforço das forças centrífugas em ação nas várias regiões do império.-

saparece a partir do cisma.

bispal prevalecia sobre a púrpura imperial» (Michelle Psello, Epistola a M. Cerula-rio, editado por Ugo Criscuolo, 1990).

É óbvio que a responsabilidade da rutura não recai exclusivamente

enfatizar os efeitos políticos da fratura, ainda que reconhecendo quase

e incuráveis divergências teológicas e litúrgicas.No trono pontifício estava, na época, Leão IX (1002-1054, papa desde 1049),

que, através do «diplomático» Argiro, impopular para Cerulário e apreciado por Monómaco, patrocina um acordo entre o papado e Bizâncio em função anti-normanda (foi prisioneiro dos normandos em 1053) e antigermânica – devia a sua eleição a Henrique III (1017-1056, imperador desde 1046), mas desejava a emancipação, antecipando o espírito que daria lugar ao Dictatus Papae, criado por

Cerulário envia uma carta dogmática bastante provocatória ao bispo de Trani,

sacerdotes dos francos», chamados a emendarem-se e a abraçarem a ortodoxia. No cabeçalho, Cerulário proclama-se «patriarca ecuménico», epíteto inaceitável

Pselo contra

Cerulário

Oriente

contra

Ocidente

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para o papa, que, na sua resposta, reitera as posições já defendidas em 1049 no concílio de Reims – onde postulou a exigência de que o atributo da universalidade fosse exclusivamente aplicado à Igreja de Roma – e decla-ra ilegítima e insolente a pretensão de uma igualdade entre Bizâncio e a sede romana, verdadeira caput et mater ecclesiarum.

Uma outra carta vem dirigida a Constantino IX, brando mediador entre os dois, provavelmente pouco consciente da gravidade da rutura em curso. Hum-berto de Moyenmoutier (1000-1061), conde de Silva Candida, intransigente e impetuoso delegado papal, que já traduzira para Leão IX a epístola de Cerulário para latim, não sem acentuar, obviamente, o seu tom polémico e provocatório, é encarregado de levar a missiva aos destinatários.

Teria sido inteligente manter uma abordagem cautelosa, especialmente depois da morte repentina de Leão, mas talvez por já não ter de prestar contas ao papa, Humberto, sua auctoritate -tar, durante um rito solene, uma bula de condenação e excomunhão de Cerulá-rio, onde argumenta que o anátema não procede do papa e prefere evitar atos de represália, interessado em tirar proveito da indignação do seu povo e da reclama-

No entanto, o episódio tem graves repercussões no mundo latino. Com efei-to, o novo papa Nicolau I (c. 980-1061, papa desde 1058) reconhece, em 1059, ao normando Roberto, o Guiscardo (c. 1010-1085), a soberania nas terras itálicas controladas até há pouco tempo por Bizâncio (Apúlia, Calábria, Sicília – a reti-rar aos muçulmanos – e Cápua).

Como no tempo de Teodorico (c. 451-526, rei desde 474), a Igreja de Roma prefere acordos com bárbaros de ritual latino em vez de ceder às chantagens dos «heréticos» de Bizâncio. Nos séculos seguintes, os imperadores bizantinos procurarão compor a disputa, mas a orientação claramente monárquica da Igreja romana a partir do século XI frustraria qualquer tentativa de rea-proximação, dando argumentos aos teólogos bizantinos para levantarem acusações de heterodoxia contra os papas, que, com o aumento dos pode-res temporais e do património eclesiástico, abandonavam claramente antigas decisões conciliares, que previam uma administração policêntrica e colegial da fé cristã, provenientes das sedes de Antioquia, Roma, Jerusalém e Constantinopla.

A neutralização do poder teocrático. Cisma irreversível

Miguel Cerulário permanece o protagonista dos anos que se seguiram ao

insurreição popular contra Miguel VI (?-1059, imperador de 1056 a 1057), com o claro objetivo de instaurar uma espécie de hierocracia, o ambicioso patriar-ca é levado a legitimar a ascensão de Isaac (c.1007-c.1060, imperador de 1057 a 1059), que percebe o perigo e o manda prender (1058) com a intenção de o acu-

Entre bárbaros

e heréticos

«Os sacerdotes

dos francos»

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sar formalmente num sínodo que seria organizado na Trácia, longe de Bizâncio. No entanto, Cerulário morre subitamente. Segundo as obras de Pselo, Isaac não tinha feito mais do que levar a cabo um plano que a corte manobrava há anos contra o poderoso prelado.

O cisma deve, portanto, considerar-se como a projeção, no plano religio-so, do profundo fosso histórico e ideológico que se tinha vindo a criar entre as duas sedes. As esperanças de curar esta ferida serão ainda mais diminutas em 1024, durante a quarta cruzada, quando os venezianos de Enrico Dandolo (c. 1107-1025) submetem Bizâncio a um tremendo saque e instauram o chamado «Império Latino».

V. também:

-

A L U T A P E L A I N V E S T I D U R A

de Catia Di Girolamo

mundo cristão medieval. Os seus papéis são aparentemente claros: primeiro, o guia

sobretudo nas exigências do local e do momento e nas personalidades que, com mão

será a questão da investidura episcopal, com a qual se cruza, nos séculos XI e XII, a do primado romano sobre a cristandade.

Os contornos do problema

No limiar do século IX, o imperador assume uma posição de força em rela-Christianitas, em que o

No entanto, muito antes da fundação imperial, já o alto clero exercia fun-ções de governo local e, por isso, os próprios imperadores, a partir de Carlos Magno (742-814, rei desde 768, imperador desde 800), valem-se dessa cola-

-cendo-lhes a autonomia perante a instituição da imunidade. Deste modo, os soberanos pretendem ainda fazer oscilar a força dos poderosos laicos através de uma aristocracia diferente, munida de melhores instrumentos culturais, do-