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Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO 2012 2012 2012 2012 REVISTA QUERUBIM Letras – Ciências Humanas – Ciências Sociais Ano 08 Número 18 Volume 2 ISSN 1809-3264 REVISTA QUERUBIM NITERÓI – RIO DE JANEIRO 2012 N ITERÓI - RJ

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Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 08 nº18 vol. 2 – 2012 ISSN 1809-3264

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO

2012 2012 2012 2012

REVISTA QUERUBIM

Letras – Ciências Humanas – Ciências Sociais

Ano 08 Número 18 Volume 2

ISSN – 1809-3264

REVISTA QUERUBIM

NITERÓI – RIO DE JANEIRO

2012

N I T E R Ó I - R J

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 08 nº18 vol. 2 – 2012 ISSN 1809-3264

Página 2 de 176 Revista Querubim 2012 – Ano 08 nº18 – vol.2 176 p. (outubro – 2012) Rio de Janeiro: Querubim, 2012 – 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais –Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital Conselho Científico Alessio Surian (Universidade de Padova - Italia) Carlos Walter Porto-Goncalves (UFF - Brasil) Darcilia Simoes (UERJ – Brasil) Evarina Deulofeu (Universidade de Havana – Cuba) Madalena Mendes (Universidade de Lisboa - Portugal) Vicente Manzano (Universidade de Sevilla – Espanha) Virginia Fontes (UFF – Brasil) Conselho Editorial Presidente e Editor Aroldo Magno de Oliveira Consultores Alice Akemi Yamasaki Andre Silva Martins Elanir França Carvalho Enéas Farias Tavares Guilherme Wyllie Janete Silva dos Santos João Carlos de Carvalho José Carlos de Freitas Jussara Bittencourt de Sá Luiza Helena Oliveira da Silva Marcos Pinheiro Barreto Paolo Vittoria Ruth Luz dos Santos Silva Shirley Gomes de Souza Carreira Vanderlei Mendes de Oliveira Venício da Cunha Fernandes

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Página 3 de 176 Sumário

01 Gestão participativa dos recursos naturais e a educação ambiental: inter-relação necessária para o surgimento de um novo paradigma no turismo – Ireneide Gomes de Abreu,

Kettrin Farias Bem Maracajá e Mayara Ferreira de Farias3

04

02 Ecopedagogia, educação ambiental e o turismo na formação de um mundo mais consciente Janaina Luciana de Medeiros e Mayara Ferreira de Farias

17

03 A sétima maravilha do Rio Grande do Norte: perspectivas sobre planejamento e gestão no ambiente natural dos “apertados” na cidade de Currais Novos – Janaina Luciana de Medeiros e Mayara Ferreira de Farias

23

04 A questão da educação ambiental na atualidade - Janaina Luciana de Medeiros e Mayara Ferreira de Farias

30

05 Aprendizagem aplicada e a formação do professor no ensino para a compreensão: uma reflexão necessária sobre o tema – João André Tavares Fernandes

36

06 O homem camusiano: para além do absurdo, para além da revolta, rumo ao nada – João Batista Farias Júnior

45

07 A (des) montagem da máquina: complicações em "conto barroco ou unidade tripartida", de Osman Lins. – João Guilherme Dayrell

50

08 A importância da educação ambiental e turística para os alunos do 4º e 9º ano da Escola Municipal Domingas Francelina das Neves em Florânia – RN – Joelma Pereira Rodrigues, José Rosivan de Medeiros e Kettrin Farias Bem Maracajá

57

09 Classe, cultura e identidade: algumas reflexões teóricas em Cuche, Sansone e Weber -Leandro Haerter

63

10 A (inter)genericidade d(n)o Blog: possibilidades potenciais para o ensino de língua materna – Leila Karla Morais Rodrigues Freitas

70

11 Memórias da emília e a literatura infanto-juvenil frente à prática de deslocamentos – Lucas Martins Gama Khalil e Tiago Henrique Cardoso

77

12 Uma cidade entre o rio e a floresta – Luciana Nascimento e Marcio Roberto Vieira 83

13 Bullying : um novo termo para denominar a violência na escola - Marlene Almeida de Ataíde

90

14 Competitividade turística de destinos: planejamento, gestão e inovação turística como fatores necessários para a efetividade de ações – Mayara Ferreira de Farias e Naia Valeska Maranhão de Paiva

97

15 Racionalidade, imaginação criativa e novos paradigmas em educação: desafios para o conhecimento – Neli Klix Freitas

104

16 Representações monstruosas e duplos em Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso – Ozéias Pereira da Conceição Filho

110

17 A emersão dos propósitos e condições de escolarização a partir do processo de formação permanente: o abismo entre a abordagem praticista e o protagonismo do professor – Rogéria Novo da Silva, Priscila Monteiro Chaves e Gomercindo Ghiggi

116

18 Leitura e avaliação: reflexões – Sandro Luis da Silva e Cirlei Izabel da Silva Paiva 122

19 A questão da identidade profissional numa comunidade de prática com reflexos na sala de aula de línguas – Selma Maria Abdalla Dias Barbosa

129

20 O estágio como pesquisa e a pesquisa como estágio: superando a dicotomia entre teoria e prática – Severina Alves de Almeida, Lídia da Cruz C. Ribeiro, Jeane Alves de Almeida e Joseilson Alves Paiva

139

21 A atuação do professor como mediador de leitura – Solimar Patriota Silva 146

22 O leitor da imprensa italiana em São Paulo – Vitória Garcia Rocha 152

23 Discutindo o gerenciamento escolar de forma democrática – Wagner dos Santos Mariano, Nely Jane Mendonça e Eltongil Brandão Barbosa

157

24 Incentivo a leitura e escrita a partir de contos pedagógicos em uma escola do ensino médio da cidade de Araguaína (TO) – Waldisney Nunes de Andrade, Ana Carolinne Silva Brito, Eltongil Brandão Barbosa e Wagner dos Santos Mariano4

163

25 Sobre o a priori histórico em Michel Foucault – Welisson Marques 169

26 Resenha: COELHO, Eulália Isabel. Jogo do imaginário em Caio F. Caxias do Sul. RS. EDUCS. 2009. 72 p. Literatura & Jornalismo em Caio Fernando Abreu – Rodrigo da Costa Araujo

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Página 4 de 176 GESTÃO PARTICIPATIVA DOS RECURSOS NATURAIS E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: INTER-RELAÇÃO NECESSÁRIA PARA O SURGIMENTO DE UM NOVO PARADIGMA

NO TURISMO

Ireneide Gomes de Abreu1

Kettrin Farias Bem Maracajá2 Mayara Ferreira de Farias3

Resumo Nas últimas décadas a preocupação com a problemática ambiental vem merecendo atenção em todos os países. Diante disso, vê-se na educação ambiental uma ação imprescindível, já que é por meio desta, sendo critica e subsidiada na reflexão/ação, que poderemos colaborar na compreensão das inter-relações entre o homem e o meio ambiente, objetivando, assim, a conquista de novas relações sociais. Destacamos ainda a importância da utilização da educação ambiental emancipatória voltada para uma gestão participativa dos recursos naturais como instrumento transformador de um processo de mudanças dos problemas ambientais. Desse modo, o presente artigo consiste em um ensaio teórico que tem como objetivo refletir acerca de quanto a Educação Ambiental pode contribuir de modo significativo na formação da cidadania crítica e responsável, capaz de participar de forma democrática das decisões políticas, econômicas do desenvolvimento das presentes e futuras gerações enfatizando o surgimento de um novo paradigma no turismo. Para isso recorreu-se ao diálogo com autores considerados referência nas pesquisas sobre educação ambiental e gestão participativa: Freire (2005); Reigota (2006, 2007); Leff (2001, 2006) e outros. Ao final, percebe-se que a inter-relação da gestão participativa dos recursos naturais e a educação ambiental crítica, ética e emancipatória é de fundamental importância no exercício da cidadania e na preservação e solução dos problemas ambientais que afetam, direta e indiretamente, a atividade turística. Palavras-Chave: Desenvolvimento Sustentável. Educação Ambiental. Gestão Participativa dos Recursos Naturais. Paradigma no turismo. Abstract In recent decades, concern about environmental issues has been getting attention in all countries. Given this, it is seen in the environmental education an essential action, as it is hereby being subsidized and criticism in reflection / action, which we can contribute to the understanding of the interrelationship between man and environment, aiming thus conquest of new social relations. We also highlight the importance of the use of environmental education aimed at a participatory management of natural resources as an instrument for transforming a process of changes of environmental problems. Thus, this article is a paper that aims to reflect on how environmental education can contribute significantly to the formation of critical citizenship and responsible, able to participate in a democratic political decisions, economic development of these and future generations emphasizing the emergence of a new paradigm in tourism. For this, we resort to dialogue with the authors considered a reference in research on environmental education and participatory management: Freire (2005); Reigota (2006, 2007), Leff (2001, 2006) and others. In the end, it is clear that the interrelationship of participatory management of natural resources and critical environmental education, ethics and emancipatory is of fundamental importance on the citizenship and conservation and of the environmental problem solution affecting, directly and indirectly to tourism. Keywords: Sustainable Development. Environmental Education. Participatory Management of Natural Resources. Paradigma in Tourismo.

1 Pedagoga, MSc em Educação Popular, Doutoranda do PPGRN/CTRN da Universidade Federal de Campina

Grande, PB. [email protected] 2 Turismologa, MSc em Gestão de Negócios Turísticos, Doutoranda do PPGRN/CTRN da Universidade Federal de

Campina Grande, PB. [email protected] 3 Turismologa, Mestranda em Desenvolvimento e Gestão Turísticos do PPGTUR/CCSA da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte, RN. [email protected]

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Página 5 de 176 Introdução

Sabe-se que atualmente a problemática ambiental está cada vez mais em evidência, não só no

Brasil, mas também no resto do mundo, tornando-se um tema amplamente debatido em toda a sociedade neste início do século XXI, em vista da crescente degradação ambiental existente atualmente e o surgimento de grandes catástrofes que vieram refletir na qualidade de vida da população mundial, tornando-se necessário se repensar a forma de ser, agir e pensar.

A diversidade de recursos disponíveis na natureza levou as sociedades ao errôneo entendimento

de que estes seriam inesgotáveis (BECK, et. al., 2009). Os desequilíbrios ambientais globais da atualidade já demonstram este grave erro de percepção no qual emerge uma grande necessidade de mudança de comportamento da sociedade e de paradigma no que se refere à visão econômica, empresarial, social e ecológica (LIRA; CÂNDIDO, 2008).

No contexto de uma nova visão paradigmática de utilização da educação ambiental para um

desenvolvimento sustentável é fundamental para contribuir na formação de cidadãos aptos de atuar, de se articular e de se organizar na sociedade em que vivem, participando de maneira responsável na construção do seu ambiente e na resolução de problemas que nele vivenciam.

Acredita-se que o grande desafio dessa prática de educação ambiental é desenvolver novos conhecimentos e habilidades, valores e atitudes, que objetivam melhoria da qualidade ambiental e que efetivamente elevem a qualidade de vida para as gerações presentes e futuras.

Por isso, e não só por isso, é indispensável tratar desta temática a partir de sua vinculação direta

com a ética e a cidadania, situando-a numa reflexão mais ampla que envolve uma visão sociológica e política da realidade atual.

Nessa perspectiva, é importante que a educação ambiental desperte nas pessoas o sentimento de

que estas são corresponsáveis pela mudança de atitude, que não só promovam a preservação da vida, mas uma nova mentalidade essencial para promover um novo tipo de desenvolvimento: o desenvolvimento sustentável, o paradigma vigente que mais se tem discutido e levado em consideração nos estudos do turismo.

A ideia defendida por este trabalho consiste em discutir como a educação integrada no processo

de gestão dos recursos naturais pode contribuir na construção de uma cidadania mais sólida e alicerçada em uma visão mais crítica e transformadora de realidades que interferem direta e indiretamente a atividade turística.

O presente artigo tem como objetivo, por conseguinte, estimular o debate ambiental e refletir o

papel da educação ambiental na construção do conhecimento por parte da sociedade responsável por gerenciar as ações de atores sociais em relação ao meio ambiente, direcionando-se através de uma nova visão paradigmática emergente no turismo que é o desenvolvimento sustentável responsável e participativo.

Contexto histórico da educação ambiental

Nas últimas décadas do Século XX a questão socioambiental despertou crescentes inquietações

por se tratar de uma preocupação mundial. Historicamente, a forma irracional adotada na busca do desenvolvimento socioeconômico vem causando danos alarmantes não só ao meio ambiente, mas também à humanidade como um todo.

Os progressos científicos e tecnológicos, o fenômeno da globalização, a transformação dos

processos de produção e suas consequências na educação, trazem à tona novas exigências quanto à conscientização das pessoas objetivando reverter o atual quadro em que se encontra a questão ambiental, que visualizam a temática mais como uma questão teórica do que prática.

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Página 6 de 176 No decorrer da história constata-se diversas situações de degradação ambiental, no entanto o

aparecimento de práticas de intervenção sobre esta problemática é bastante recente. Desse modo, a inquietação com a degradação dos recursos naturais deve ser de todos e através da Educação Ambiental (EA) pode-se obter bons resultados.

A crise ambiental não é crise ecológica, mas crise da razão. Os problemas ambientais são, fundamentalmente, problemas do conhecimento. Daí podem ser derivadas fortes implicações para toda e qualquer política ambiental – que deve passar por uma política do conhecimento -, e também para a educação. Aprender a complexidade ambiental não constitui um problema de aprendizagem do meio, e sim de compreensão do conhecimento sobre o meio (LEFF, 2006, p. 217).

Para Leff (2001), a crise ambiental se tornou mais evidente a partir do século XX, refletindo-se na

irracionalidade ecológica dos padrões dominantes de produção e consumo, marcando os limites do crescimento econômico e iniciando um debate teórico e político para valorizar a natureza e internalizar as externalidades socioambientais ao sistema econômico.

No final da década de 60 e início da década de 70, a problemática ambiental passa a ser avaliada

em uma perspectiva mais global, tornando-se tema de inquietação entre autoridades governamentais de diversos países (PEDRINI, 2008).

De acordo com Reigota (2007) dois eventos foram significativos para a transformação de

perspectiva em relação aos problemas ambientais – a reunião do Clube de Roma (1968) e a Conferência de Estocolmo (1972). Segundo o referido autor, tais eventos foram responsáveis por colocar a discussão da problemática ambiental em uma dimensão planetária.

O Clube de Roma formou-se em 1968, quando inúmeros especialistas de diversas áreas reuniram-

se em Roma para discutir os problemas ambientais e o futuro da humanidade, com relação ao crescimento demográfico e econômico, resultando na elaboração de um relatório que alertava para os prováveis riscos decorrentes do consumo dos recursos naturais, em função dos modelos de desenvolvimento econômico adotados pela sociedade.

A Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente, realizada em 1972 em Estocolmo foi a

responsável pelo surgimento de um plano de ação mundial para orientação dos governos em relação à questão ambiental, resultando em um programa internacional de Educação Ambiental. A declaração de Estocolmo exerceu grande influencia em todos os outros documentos sobre o meio ambiente.

Em seguida, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO

em 1975 promoveu o encontro internacional sobre a Educação Ambiental em Belgrado elaborando a Carta de Belgrado. O evento teve como foco central divulgar a importância de uma política de Educação Ambiental de alcance internacional e regional, cujos objetivos definidos foram: conscientização, conhecimentos, comportamento, competência, capacidade de avaliação e participação. Além disse, a Carta de Belgrado recomenda que a Educação Ambiental seja organizada como educação formal e não formal como processo contínuo e que tenha caráter interdisciplinar.

Em 1977, realizou-se em Tibilisi, na Geórgia, a Conferência Intergovernamental sobre Educação

Ambiental, preparada pela UNESCO com colaboração com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA, onde foram estabelecidos os princípios, objetivos, estratégias e recomendações para a Educação Ambiental. Essas recomendações, ainda hoje, são aceitas em todo mundo.

Em agosto de 1987, aconteceu em Moscou o Congresso Internacional Sobre Educação e

Formação Ambiental, organizado pelo PNUMA/UNESCO, objetivando avaliar o desenvolvimento da Educação Ambiental desde a Conferência de Tibilisi, debatendo-se também, nesse momento, o planejamento para a década de 90.

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Página 7 de 176 Na Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como

ECO-92, realizada no Rio de Janeiro em 1992, contando com a participação de cento e setenta países, também foi elaborada a Agenda-21, que é um programa global que visa regulamentar o processo de desenvolvimento com base nos princípios da sustentabilidade (LEFF, 2001).

Em síntese, a Agenda 21 constitui um plano de ação estratégico, que regulamentou a mais ousada

e abrangente tentativa já feita de realizar, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Assim, estabelecendo uma parceria entre governos e sociedades, ou seja, um programa estratégico, universal, para se alcançar o desenvolvimento sustentável no século XXI. Com isso, a implantação da Agenda 21 pode proporcionar um meio ambiente equilibrado para as futuras gerações (ABREU, 2009).

A construção e implementação de alguns processos da Agenda 21 tem o intuito de sensibilizar a

população através da educação ambiental, transformando e impulsionando as políticas públicas ambientais, levando-se em consideração as demandas populares pela equidade de um desenvolvimento social, econômico e ambiental.

O papel da educação na promoção do desenvolvimento sustentável é tratado mais

especificamente no Capítulo 36 da Agenda 21, que trata da promoção do ensino, da conscientização e do treinamento, propondo um esforço global para fortalecer atitudes, valores e ações que sejam ambientalmente saudáveis e que subsidiem o desenvolvimento sustentável.

Apesar da realização de várias conferências nacionais e internacionais sobre o meio ambiente

apresentando propostas e estratégias para a implantação da educação ambiental para a melhoria da qualidade de vida no planeta é possível perceber que a Educação Ambiental é um campo de conhecimento que ainda se encontra em construção.

Nesse cenário, o papel da educação poderá ser decisivo, se puder contribuir com a formação de

cidadãos capazes de atuar, individual e coletivamente, na busca de soluções para os problemas decorrentes da crise ambiental que ameaça o planeta.

Por ser um poderoso instrumento político para o desenvolvimento de um mundo sustentável,

objetivando a melhoria da qualidade de vida da população mundial, acredita-se que a Educação Ambiental é um fazer pedagógico que se realiza aos poucos, sendo organizada dentro de uma visão histórica, respeitando as necessidades naturais e os valores culturais de cada período.

Para Reigota (2007) a educação ambiental deve estabelecer uma nova aliança entre a humanidade

e a natureza que deverá ser baseada no diálogo entre gerações e culturas na procura da tripla cidadania: local, continental e planetária, e da liberdade na sua mais completa tradução, tendo subentendida a perspectiva de uma sociedade mais justa tanto em nível nacional quanto internacional.

O supracitado autor ainda apresenta, ainda, a educação ambiental como educação política, pois

prepara o cidadão para exigir justiça social, autogestão e ética nas relações sociais e com a natureza. Assim, a educação ambiental, compreendida nessa dimensão, fortalece a ideia de uma prática de educação crítica aos sistemas autoritários, populistas e tecnocráticos (REIGOTA, 2006).

É interessante destacar que, no Brasil, a educação ambiental está garantida desde 1988, e as

questões ambientais se tornaram exigência constitucional garantidas em lei. O artigo 225 da Constituição Federal do Brasil cita: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).

A inserção da educação ambiental em todos os níveis de ensino, como proposto pela Constituição

Brasileira, assim como Política Nacional de Educação Ambiental, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) apontam que o Brasil tem demonstrado empenho de que a educação ambiental seja estabelecida em todo território nacional.

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Página 8 de 176 Os PCN trouxeram sugestões, objetivos, conteúdos e fundamentação teórica dentro de cada área,

com o intuito de subsidiar o fazer pedagógico. Os parâmetros se referem ao tema Meio Ambiente como um conteúdo que deve ser trabalhado não como disciplina, mas como tema transversal e interdisciplinar permeando assim toda a prática educacional. A intenção deste documento é que a perspectiva ambiental de acordo com Brasil (2001):

oferece instrumentos para que o aluno possa compreender problemas que afetam a sua vida, a de sua comunidade, a de seu país e a do planeta. Para que essas informações os sensibilizem e provoquem o início de um aprendizado seja significativo, isto é, os alunos possam estabelecer ligações entre o que aprendem e a sua realidade cotidiana, e o que já conhecem (...) nesse sentido, o ensino deve ser organizado de forma a proporcionar oportunidades para que os alunos possam utilizar o conhecimento sobre meio ambiente, para compreender a sua realidade e atuar sobre ela, por meio do exercício da participação em diferentes instâncias

Os parâmetros definidos nos PCN vêm fortalecer a importância de se trabalhar a educação

ambiental como forma de transformação da conscientização dos indivíduos. Assim, é plausível entender a educação ambiental como um processo de construção de valores sociais, de conhecimentos e atitudes voltadas para alternativas sustentáveis de desenvolvimento, por todos os indivíduos e pela coletividade no decorrer da história.

Leff (2001) defende a tese de que a nova racionalidade social, entendida como racionalidade

ambiental deve ser construída sob uma nova ética entre a existência humana e a transformação social voltada a uma reorientação do progresso científico e tecnológico. Um novo saber científico e tecnológico deve brotar em virtude da crise planetária e civilizatória, exigindo a construção do conhecimento por meio da educação ambiental, onde práticas produtivas e atividades políticas intervenham na práxis educativa das relações entre o homem e a natureza.

A educação, assim como a educação ambiental não se restringe apenas uma mera transferência de

conhecimentos, mas sim um ato de compromisso, de conscientização e de testemunho de vida. Por conseguinte, “a educação terá um papel determinante na criação da sensibilidade social necessária para reorientar a humanidade” (ASSMANN, 2001, p. 26).

A Educação Ambiental pode ser indicada como um dos possíveis instrumentos interdisciplinar

capaz de capacitar e ao mesmo tempo sensibilizar a população em geral acerca dos problemas ambientais nos quais se deparam a humanidade na atualidade. Através desta, torna-se possível a elaboração de métodos e técnicas que facilitam a tomada de consciência das pessoas a respeito da gravidade e necessidade da implementação de providências urgentes no que diz respeito aos problemas ambientais globais.

Neste sentido, o pensar e fazer sobre o meio ambiente esta diretamente vinculada ao diálogo entre

os saberes, à participação, aos valores éticos como valores essenciais para fortalecer a complexa interação entre a sociedade e a natureza.

De acordo com Mininni (1994), a Educação Ambiental enfatiza o desenvolvimento de valores e

comportamentos diferentes na inter-relação homem e meio ambiente, defendendo a necessidade de um conhecimento integrado da realidade e procedimentos baseados na investigação dos problemas ambientais, utilizando estratégias interdisciplinares.

Agir como um fazer metodológico em relação à questão ambiental, que a cada dia se

complexifica, a educação ambiental inicia sua atuação entendendo a necessidade de estabelecer uma pensar fazer interdisciplinar, no intuito de abstrair as relações que surgem no uso e desuso dos recursos naturais pelo homem, e intervir nas realidades socioambientais. A interdisciplinaridade vem fazer um contraponto com o paradigma científico moderno, que se caracterizou pela compartimentalização de saberes e o distanciamento racional entre o sujeito e o objeto de conhecimento. Assim a prática interdisciplinar nos

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Página 9 de 176 envolve no processo de aprender a aprender. Neste sentido, a interdisciplinaridade se converteu num princípio metodológico privilegiado da educação ambiental (LEFF, 2001).

É imprescindível que a interdisciplinaridade seja percebida como um processo tanto individual

quanto coletivo e que a solução dos problemas ocorra especialmente na relação com os outros. Desta maneira, no processo interdisciplinar

não se ensina nem se aprende: vive-se, exerce-se. A responsabilidade individual é a marca do projeto interdisciplinar, mas essa responsabilidade está imbuída do envolvimento – envolvimento esse que diz respeito ao projeto em si, às pessoas e às instituições a ele pertencentes (FAZENDA, 2005, p. 17).

Vê-se, portanto, que o processo de conscientização e sensibilização acerca das questões sociais,

econômicas e ambientais necessita do envolvimento e participação dos sujeitos, que por meio das responsabilidades buscarão a ação e participarão na tomada de decisões para a solução dos problemas ambientais.

A educação ambiental, nesse contexto, pode contribuir de forma significante na formação da

cidadania crítica e responsável, capaz de participar de forma democrática das decisões políticas, econômicas do desenvolvimento das presentes e futuras gerações.

Nessa perspectiva, é importante que a educação ambiental desperte nas pessoas o sentimento de

que estas são corresponsáveis pela mudança de atitude, que não só promova a preservação da vida, mas uma nova mentalidade essencial para criar um novo tipo de desenvolvimento - o desenvolvimento sustentável - onde as sociedades sustentáveis combatem o desperdício, leva em conta o processo coletivo, e o bem comum sem violar os direitos individuais das pessoas. Portanto, a educação ambiental adquire um significado estratégico na direção do processo de transição para uma sociedade sustentável (LEFF, 2001).

A educação ambiental é, pois, um elemento imprescindível para despertar no cidadão atitudes, e

procedimentos relacionados a uma cultura de sustentabilidade essencial a preservação e resgate da qualidade ambiental, cujas reflexões se possa então discutir acerca de uma educação voltada ao gerenciamento adequado e sustentável dos recursos naturais. Gestão participativa dos recursos naturais

O Planeta Terra vive problemas nas diversas esferas (naturais, sociais, culturais, econômicas e políticas), dificuldades com dimensões planetárias e que comprometem diretamente a vida de milhões de pessoas em todo o mundo. Em decorrência disso, o homem vem se organizando como forma de se resguardar dos efeitos destrutivos que estes problemas trazem para a vida humana, e para contestar as ações humanas de exploração e destruição dos recursos naturais ainda existentes no planeta.

Com base em Souza Junior (2004), o paradigma que vem norteando a sociedade moderna tem

sido o da dominação e apropriação da natureza, tendo como base a lógica capitalista da acumulação. Paradigma esse que transmite uma visão errônea de que os recursos naturais são abundantes e de que se podem tudo em relação a eles.

Diante disso, constata-se a necessidade cada vez maior de proteção do meio ambiente, sendo

notada uma mobilização por parte dos atores sociais e governantes para garantir o uso adequado dos recursos naturais e dos ecossistemas, de modo a respeitar sua capacidade de reprodução e sua utilização de maneira sustentável.

Atualmente, o debate sobre o uso dos recursos naturais alcançou proporções fundadas no nível

de degradação em que se deparam, pelas sociedades contemporâneas, em consequência do seu uso excessivo. Como implicação dessa inquietação, a questão que se coloca é como gerenciar melhor os recursos utilizados por muitas pessoas em comum e com interesses distintos.

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Página 10 de 176 A gestão dos recursos naturais é um dos componentes essenciais do processo de regulação das

inter-relações entre os sistemas socioculturais e o meio ambiente biofísico (VIEIRA; WEBER, 2000; GODARD, 2002). Evidencia-se que ela envolve a diversidade de representações dos atores sociais e a variabilidade nas diferentes escalas espaciais (do local ao global) e temporais (do curto ao longo prazo).

Para tanto, a gestão participativa dos recursos naturais configura-se como uma ação importante

no estabelecimento mais harmônico entre a sociedade e o meio ambiente, buscando compromissos diversos de atuação coletiva, seja no âmbito da sociedade civil ou pública (VIEIRA, 2005).

É importante reafirmar, que através da gestão participativa se pode chegar a um processo de

desenvolvimento sustentado, despertando a conscientização dos atores sociais em relação a um melhor gerenciamento dos recursos naturais.

Dessa forma, a gestão, pautada numa relação dialógica pode ser identificada como uma das

possibilidades para contribuir na construção de uma sociedade, que vai do plano individual para o coletivo, cooperando para uma nova forma de uso, proteção, conservação e gerenciamento dos recursos naturais, proporcionando assim, a melhoria da qualidade de vida para todos os cidadãos ( LOUREIRO, et al. 2005).

Necessário se faz então, que os atores sociais no processo de gestão participativa tenham clareza

quanto aos compromissos e benefícios que serão gerados pela participação e implementação de suas tomadas de decisões no processo de gestão.

Cuidar do meio ambiente é dever de todos, por isso, não se pode esquecer que o Poder Público

também é responsável pela gestão dos recursos naturais. Assim, tanto o Poder Público quanto a sociedade são considerados responsáveis de modo igualitário pela gestão dos recursos naturais, conforme determina o Art. 225 da Constituição Federal :ao estabelecer o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito dos brasileiros, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, também, atribui ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Assim, o processo de gestão dos recursos naturais deve envolver uma nova cultura, uma nova

consciência que nos leve a pensar e adotar outras maneiras de viver o agora, pensando o amanhã, tendo como premissa de que os recursos naturais dependem de atos e ações responsáveis que devem ser conduzidas por uma ação coletiva das instituições, dos governos e da sociedade civil organizada. A educação ambiental como instrumento para a gestão participativa dos recursos naturais

A problemática ambiental global é uma das temáticas mais refletidas atualmente pela sociedade

contemporânea. O envolvimento e a participação dos diversos setores da sociedade na busca pela gestão dos recursos naturais é imprescindível para garantir a conservação das riquezas naturais encontradas no planeta.

A gestão nasce no contexto da crise ambiental que se intensificou a partir da década de 70 do século passado em todo mundo (SEIFFERT, 2007). Ela vem se estabelecendo em um saber que objetiva a articulação das ações dos diversos agentes sociais que interagem em um dado espaço com vistas a garantir o ajustamento dos meios de exploração dos recursos naturais, econômicos, sociais e culturais às especificidades do meio ambiente, com base em princípios e diretrizes antecipadamente definidos nas regiões.

Sobre gestão, Phillippi Jr. et al. (2004), diz que pode ser compreendida como um processo que tem

inicio quando se origina adequações ou modificações no ambienta natural, de modo a adequá-lo às necessidades individuais ou coletivas, gerando dessa forma ambientes nas suas mais diversas variedades de adaptação e escala. Ela é um processo que admite aos atores sociais e as comunidades participarem na elaboração de novos valores éticos e sociais, desenvolvendo mudança de atitudes, habilidades e competências direcionadas a preservação e utilização sustentável dos recursos naturais.

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Página 11 de 176 É importante, também, dar-se conta que a prática da gestão, configura-se como uma importante

forma de estabelecer um relacionamento mais harmônico entre a sociedade e o meio ambiente. Para que estas relações sejam viáveis, é necessário que haja uma educação integrada no processo de gestão dos recursos naturais que

proporcione as condições necessárias para a produção e aquisição de conhecimentos e habilidades, e, que desenvolva atitudes, visando à participação individual e coletiva na gestão do uso de recursos ambientais e na concepção e aplicação das decisões que afetam a qualidade dos meios físico-natural e sociocultural (QUINTAS, 2000, p.18).

Nesse contexto a educação ambiental, entendida como um dos instrumentos básicos e

indispensáveis à sustentabilidade dos processos de gestão dos recursos naturais, tendo em vista que a eficiência da gestão de uma área depende do grau de educação da sociedade envolvida. E baseando-se na afimativa de Philippi Jr. (2004, p.468) de que a “educação é a transformação do sujeito que ao transformar-se, transforma o seu entorno”, enfatiza-se pois, que a educação deve fazer parte da prática da gestão como um conhecimento indispensável ao tratamento da questão ambiental.

Nessa condição, a gestão tem, na educação ambiental, o instrumento transformador dos

conhecimentos e práticas socioambientais que buscam acrescentar novos valores, hábitos e culturas de modo interdisciplinar, objetivando conscientizar os diferentes atores sociais envolvidos com a gestão participativa dos recursos naturais a agirem individualmente e coletivamente em relação à problemática ambiental em toda a sua complexidade.

Para tanto, Loureiro (2002, p.69) afirma que

A Educação Ambiental é uma práxis educativa e social que tem por finalidade a construção de valores, conceitos, habilidades e atitudes que possibilitem o entendimento da realidade de vida e a atuação lúcida e responsável de atores sociais individuais e coletivos no ambiente. Nesse sentido, contribui para a tentativa de implementação de um padrão civilizacional e societário distinto do vigente, pautado numa nova ética da relação sociedade-natureza.

Portanto, a educação ambiental deve ser norteada por um pensamento crítico e inovador que

promova a transformação e a construção de uma sociedade ambientalmente sustentável. E para isso, é imprescindível que a educação tenha como prioridade formar cidadãos com uma consciência local e global, cujo processo de ensino e aprendizagem deve ser desenvolvido numa perspectiva dialógica, holística e interdisciplinar.

Convém, no entanto, ressaltar que tem-se a concepção de que, a educação ambiental é um

processo contínuo, voltada a toda sociedade, proporcionando uma vinculação estreita com as práticas sociais e políticas, com as nossas formas de intervir na realidade.

Nessa perspectiva, Reigota (2006, p.10), afirma que “a educação ambiental deve ser entendida como educação política, no sentido de que ela reivindica e prepara os cidadãos para exigir justiça social, cidadania nacional e planetária, autogestão e ética nas relações sociais e com a natureza”.

A educação ambiental como instrumento para a gestão participativa dos recursos naturais,

portanto, deve ser critica e emancipatória, direcionada para a democratização e o exercício pleno da cidadania e, assim, promover mudança de paradigma, transformação integral do cidadão de modo a sensibilizar a população a utilizar os recursos naturais de maneira sustentável garantindo sua preservação.

Com este propósito, a educação no processo de gestão requer profissionais habilitados, que

tenham conhecimentos e prática pedagógica reflexiva, integrativa, crítica, criativa, transformadora, participativa, contextualizadora e emancipatória, objetivando um desenvolvimento de ações que tenha como prioridade uma postura inovadora ética no tratamento das questões ambientais de modo contínuo e sustentável.

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Página 12 de 176 Além disso, compreende-se que pensar o desenvolvimento da educação ambiental como

instrumento de gestão dos recursos naturais é vital e indispensável e que estão indissoluvelmente ligados, assegurando assim, uma gestão responsável e inteligente dos recursos naturais do planeta, utilizando-se de um processo pedagógico dialógico, conscientizador e participativo, fundamentado no respeito de todas as formas de vida, afirmando valores e muitas ações que cooperam para a formação social do ser humano e a preservação do meio ambiente visando à promoção das ações da sustentabilidade. Nesse aspecto a formação de uma consciência crítica em relação a este processo é fundamental para a busca de soluções que não sejam somente mitigadoras, passando a ter um caráter mais preventivo e educativo.

A construção de um sujeito crítico, nesse contexto, é essencial para uma educação para o

desenvolvimento sustentável. Por meio dela o ser social reflete acerca da consciência ambiental imprescindível para o exercício da cidadania transformadora.

Educação para o Desenvolvimento Sustentável constitui-se em um conceito emergente, mas dinâmico que inclui a visão da educação permanente, fortalecendo as pessoas de todas as idades para assumirem a responsabilidade de criar e desfrutar de um futuro sustentável. (UNESCO, 2005)

A educação para o desenvolvimento sustentável deve, portanto, ser direcionada para todos e a sua

perspectiva de aprendizagem é para a vida toda, envolvendo diversos espaços formais e informais, da infância até a fase adulta.

É relevante dizer que, na prática da gestão participativa dos recursos naturais a educação

ambiental torna-se um importante instrumento no processo de conscientização ambiental. Sendo assim, compreender a importância da educação ambiental voltada principalmente para a

sustentabilidade dos recursos planetários é o novo desafio de todos os atores envolvidos no processo de gestão participativa dos recursos naturais. Desenvolvimento sustentável como paradigma do turismo

Há mais de um século, o fenômeno turístico constitui importante meio de distribuição e geração

de renda, e é justamente esse o principal ponto focado pelos estudiosos da maneira geral. Em inúmeros textos, os malefícios do turismo são esquecidos, originando assim uma visão fragmentada e superficial desse fenômeno, que necessita de uma interpretação minuciosa, fugindo dos textos acadêmicos reducionistas que simplesmente abordam uma ou duas de suas facetas (PANOSSO NETTO, 2011).

Sobre o turismo, acrescenta-se que sua história recente é

[...] marcada por atentados terroristas, novas epidemias, crises econômicas e financeiras, surgimento de novos países no fluxo turístico internacional e colapso de empresas e áreas que serviam de paradigma de eficiência até bem poucos anos. Dinamismo, inovação, resiliência tornaram-se palavras-chave para um mercado tão volátil e desafiador. Reflexão, processos e estratégias são elementos norteadores para uma sociedade que não se preocupa apenas com novas tecnologias e métodos de gestão, lucros e controles de mercados. A agenda atual inclui obrigatoriamente questões como sustentabilidade, ética, patrimônio cultural e histórico, responsabilidade social, inclusão de pessoas e melhoria da qualidade de vida para o coletivo. Para se atingir um patamar metodológico e fundamentado da articulação desses desafios tão complexos, a filosofia é um instrumento privilegiado de análise.” (TRIGO apud PANOSSO NETTO, 2011).

Necessita-se, por conseguinte, que essa responsabilidade social seja estimulada e praticada de

acordo com princípios éticos que contribuam, principalmente, na preservação da vida de todos os seres. Neste sentido, é necessário o entendimento sobre paradigmas e sua evolução para a construção de um conhecimento mais disseminado e aceito diante das ações realizadas.

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Página 13 de 176 Para melhor entender a abordagem paradigmáticas, afirmou-se que “As regras derivam de

paradigmas, mas os paradigmas podem dirigir a pesquisa mesmo na ausência de regras.” (KUHN, 2006). O referido autor defende esta idéia a partir do pensamento de que um estudo de um paradigma requer um compartilhamento de idéias seguidas por toda uma comunidade pensante, capaz de analisar e procurar a fonte de coerência de um determinado problema sem precisar ser guiado por regras traçadas a todas as teorias, visto que podem possuir fundamentos diferentes.

O supracitado autor defende, ainda, que para que um paradigma seja efetivado ele tem que ser

aceito e seguido como padrão, sendo articulado e precisado em condições novas e mais rigorosas, atualizando antigos paradigmas. Isso significa, pois, que novas idéias surgem como forma de tentar explicar melhor determinado pensamento transmitido. Defende-se aqui, com isso, a utilização como paradigma vigente no turismo a prática de um desenvolvimento sustentável, que defende a utilização dos recursos naturais pensando nas gerações futuras, baseado, especificamente na abordagem de inserção da Gestão participativa alicerçada na Educação Ambiental.

Paradigmas existem, pois, para que sejam levantadas questões a serem solucionadas para que

possa haver uma revolução no pensamento científico e melhoria na percepção de problemas que venham a dificultar o progresso, visto que caso novos paradigmas não venham provocar diferenças no que era discutido e analisado, ele não se efetivará, visto que não provocará análises para uma nova questão.

O surgimento de novos paradigmas contribui, neste contexto, para o desenvolvimento de

revoluções científicas, que “são episódios de desenvolvimento não cumulativos, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior.” (KUHN, 2006, p. 125).

No turismo a definição de paradigmas requer uma série de avaliações e contextualizações, tendo

em vista sua complexidade e grande abrangência de temáticas. E, para melhor entender sobre a sistemática de desenvolvimento sustentável como paradigma vigente no turismo, é necessário que questões como desenvolvimento local e sustentável sejam destacados.

Parafraseando Fischer (2004) os processos estratégicos de desenvolvimento local + integrado +

sustentável são impactados por fatores como desgaste conceitual, desgaste dos métodos participativos e dos chamados “consensos vazios”, a articulação de comunidades de interesses esbarrar em limites concretos de poder, nas falácias da despolitização das iniciativas e na exacerbação das potencialidades e virtualidades locais, os consensos sobre temas como geração de emprego e renda, a descontinuidade política, as dificuldades de articulação governo + governo, governo + sociedade e sociedade + sociedade não serem triviais e muito menos metodológicas, a construção “externa” das estratégias de desenvolvimento local, as fragilidades metodológicas dos tipos de intervenção em desenvolvimento local, modismos e mimetismos, estruturas de interesses na constituição de agências promotoras do desenvolvimento local e consultores que substituem meios por fins, superposição de programas e projetos de diferentes instituições, e avaliação inexistente ou inadequada de processos, resultados e impactos, que reforça equívocos, impede e limita a reconstrução de cursos de ação.

Esses entraves necessitam ser combatidos diante nossa realidade. Como não apostar em um

Turismo Sustentável em nosso país se temos uma das maiores potencialidades do mundo em recursos naturais? Como equilibrar as relações de poderes existentes entre “dominantes e dominados”? A gestão participativa não existe simplesmente por falta de iniciativa da comunidade em defender seus interessas e os das gerações futuras?

Sabe-se, porém, que nem sempre os interesses voltados para um desenvolvimento sustentável são

atendidos e dispostos como deveria, mas uma participação ativa das comunidades em fóruns, reuniões e movimentações certamente minimizariam esses desafios.

A gestão participativa para a utilização do paradigma de desenvolver com sustentabilidade é,

portanto, fundamental para a manutenção e novas visões sobre a atividade turística. Sendo essa

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Página 14 de 176 participação não só exclusiva para autóctones, mas para o próprio turista que necessita ter a visão de que deve preservar e conservar o ambiente ao qual se escolhe a visitar.

Parafraseando Panosso Netto (2006) um turismo saudável e sustentável deve se valer dessas

reflexões, das possibilidades políticas, culturais e sociais que melhorem a qualidade de vida das pessoas. As inovações em gestão e tecnologia não podem isolar-se em pragmatismos, ignorando vastas tessituras sociais e ambientais que envolvem as atividades de serviços direcionados ao prazer. Os próprios conceitos de prazer, de entretenimento, de lazer e de saúde precisam ser analisados no contexto dos avanços inerentes às sociedades preocupadas com a valorização da vida, da multiplicidade e das maiorias opções do bem viver. Deve-se entender e administrar o presente de maneira a trabalhar desafios locais e globais; planejar o futuro com base nos recursos atuais e latentes, garantindo que as novas gerações tenham um mundo a desfrutar, de preferência melhor do que aquele legado até então.

O turismo, embora visto, em sua maioria, como atividade que impacta negativamente na cultura

da localidade onde se realiza e positivamente quando referido à economia local, deveria ser observado através de uma perspectiva mais complexa.

O turismo é mais que um sistema composto dos subsistemas econômico, social, ambiental e

cultural. Uma análise mais profunda do turismo, sustentada pela fenomenologia, mostra que o turismo deve ser analisado como fenômeno complexo de relações objetivas e intersubjetivas, calcado no significado que o „partir‟ em viagem representa para cada turista. (PANOSSO NETTO, 2011).

O Paradigma vigente ao turismo, e a muitas outras atividades é, indiscutivelmente, o de progredir

pensando nas gerações que virão. Ideia defendida e repassa diante os princípios voltados à uma Educação Ambiental que cada vez mais necessita ser entendida como uma ação que necessita da participação de cada um que compõe a sociedade.

Utilizar o paradigma de desenvolvimento sustentável (ambiental, social, política e cultural) no

turismo é, portanto, essencial para que a atividade turística se sustente a longo prazo. Sem essa premissa, pode-se afirmar que todos envolvidos pela atividade sejam prejudicados, direta e indiretamente.

Considerações

A relação do homem com o ambiente natural passou por diversas mudanças com o decorrer do tempo. Presenciou-se grandes transformações, tanto no campo socioeconômico e político, quanto no campo da cultura, da ciência e da tecnologia, mas sobretudo no meio ambiente.

O presente texto teve o seu foco centrado na educação ambiental e na gestão participativa dos

recursos naturais. No qual a educação ambiental, fundamentada em uma gestão dos recursos naturais responsável, tem por objetivo o desenvolvimento de uma cidadania por parte de todos os atores sociais.

Assumiu-se, nesta perspectiva, que a importância da Educação Ambiental, da Gestão participativa

dos recursos naturais e da Educação ambiental como instrumento para a gestão participativa dos recursos naturais visam à formação de valores e atitudes que se transformem essencialmente em uma prática educacional imprescindível ao gerenciamento adequado e sustentável dos recursos naturais.

Sendo assim, o gestor, o educador e o pesquisador tem um papel importante na formação de um sujeito crítico, participativo e criativo, com argumentação e visão dialética do contexto sócio-político-ambiental e do processo de desenvolvimento sustentável.

Educar ambientalmente consiste em um processo de educação política de formação de atitudes

que tendem à ação. Necessitando-se, assim, que sejam realizadas discussões com os diversos saberes com o intuito de construir novos conhecimentos, favorecendo, com isso, o surgimento de um fazer inovador ético em relação às questões ambientais de forma contínua e sustentável.

É preciso buscar um equilíbrio entre o homem e o meio ambiente, almejando um futuro

planejado, progressivo, por isso se faz necessário uma mudança de comportamento do ser humano em

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Página 15 de 176 relação ao meio ambiente. Portanto, com a finalidade de despertar a consciência dos atores sociais, a educação ambiental pode contribuir no processo de gestão participativa dos recursos naturais.

O ato de educar exige dos atores sociais, por conseguinte, a responsabilidade de construir uma

sociedade que satisfaça as exigências presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades.

A educação ambiental tem-se declarado um importante instrumento da gestão dos recursos

naturais, possibilitando que as pessoas conheçam, compreendam e participem das atividades de gestão, assumindo uma nova postura em ralação homem/ natureza.

E assim sendo, a educação ambiental possibilita aos atores sociais desenvolver uma consciência

ética, emancipatória voltada para uma gestão democrática que permite um fazer educativo participativo, inclusivo, indispensável ao desenvolvimento da cidadania e da capacidade para a tomada de decisões.

Nessa perspectiva, pode-se dizer que o novo paradigma a ser desenvolvido na busca de uma

educação direcionada para uma gestão participativa dos recursos naturais exige uma nova cultura de envolvimento individual, coletivo e comprometido de toda a sociedade.

A atividade turística deve, neste contexto, ser entendido como uma atividade humana que

necessita ser executada com base nos princípios da Educação Ambiental participativa que venham a contribuir para a concreta utilização dos conceitos de Desenvolvimento Sustentável. Paradigma essa que se difunde cada com mais intensidade ao passar dos dias tendo em vista os impactos já sabidos pela humanidade causados pela ambição descontrolável do homem.

Beni (2006, p. 54), em relação às ações humanas afirma que

O homem precisa da ocupação e da exploração do espaço natural para a satisfação de suas necessidades mínimas, e, na medida em que percebe que esse espaço não o satisfaz, tende a manipulá-lo irracionalmente, de maneira que vai traçando um espaço cultural até agora abstrato, porque não está situado com respeito às condições do meio ambiente global muito menos em relação às leis da natureza.

A inter-relação entre a gestão participativa dos recursos naturais e a educação ambiental, é pois,

indispensável para a criação de novos valores, nos quais prevalecerão o holísmo e o diálogo dos saberes que possibilitará a construção e transformação da realidade ambiental ao que concerne à atividade turística, onde o que deve prevalecer consiste em desenvolver mecanismos para um desenvolvimento sustentável responsável.

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Página 17 de 176 ECOPEDAGOGIA, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O TURISMO NA FORMAÇÃO DE UM

MUNDO MAIS CONSCIENTE

Janaina Luciana de Medeiros Discente do curso em Bacharelado em Turismo pela UFRGN

Mayara Ferreira de Farias Mestranda em Turismo na UFRN

Resumo Desde o seu surgimento, o turismo tem em seus principais representantes, grandes produtores de lixo que contribuem para a degradação do meio ambiente. O objetivo principal deste artigo é discutir sobre a relação da ecopedagogia e a educação ambiental quanto ao seu papel sócio-cultural em despertar nas pessoas - autóctones, visitantes ou turistas, a sensibilidade na apropriação dos lugares no tocante à sua preservação e conservação. A metodologia utilizada consiste na pesquisa bibliográfica e na utilização de dados confiáveis de sites referentes à temática de educação ambiental e ecopedagogia que venham ser aplicadas no turismo. Palavras-chave: Consciência. Ecopedagogia. Educação Ambiental. Responsabilidade social. Turismo. Abstract Since its inception, tourism has in its main representatives, large producers of waste that contribute to environmental degradation. The main objective of this paper is to discuss the relationship between eco-pedagogy and environmental education about their role in socio-cultural awakening in people - natives, visitors or tourists, the sensitivity to the appropriation of seats in relation to the preservation and conservation. The methodology consists in bibliographic data and using reliable sites related to the theme of environmental education and eco-pedagogy that will be applied in tourism. Keywords: Consciousness. Ecopedagogy. Environmental Education. Social responsibility.Tourism. Resumen Desde su creación, el turismo tiene en sus principales representantes, los grandes productores de residuos que contribuyen a la degradación del medio ambiente. El objetivo principal de este trabajo es discutir la relación entre la eco-pedagogía y la educación ambiental acerca de su papel en el desarrollo socio-cultural de despertar en las personas - los nativos, visitantes o turistas, la sensibilidad a la apropiación de los escaños en relación con la preservación y conservación. La metodología consiste en datos bibliográficos y el uso de sitios confiables relacionadas con el tema de la educación ambiental y la eco-pedagogía que se aplicará en el turismo. Palabras Clave: Consciousness. Ecopedagogy. Environmental Education. Social responsibility. Tourism. Introdução

O turismo consiste em um símbolo da era da revolução tecnológica, de mudanças e de

desenvolvimento industrial em massa, acelerando a criação de riquezas. Parafraseando LICKORISH e JENKINS (2000) o aumento gradual da riqueza, a extensão das classes de comerciantes e profissionais, os efeitos da reforma e a secularização da educação, estimularam o interesse por outros países e a aceitação da viagem em si como um elemento educacional.

O que remete ao pensamento de que, desde o seu surgimento, o turismo tenha em seus principais

representantes, grandes produtores de lixo e de degradação ambiental, resultados dessa geração de riquezas.

O objetivo principal deste artigo é discutir sobre a relação da ecopedagogia, educação ambiental quanto ao seu papel sócio-cultural em despertar nas pessoas, autóctones, visitantes ou turistas, a sensibilidade na apropriação dos lugares no tocante à sua preservação e conservação.

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Página 18 de 176 O turismo deve ser desenvolvido, portanto, de forma cuidadosamente planejada e controlada,

dividindo, por conseguinte, a responsabilidade de cada ser preocupado com a existência de vida futura na terra.

Para realização deste trabalho disponibilizamos de material didático, como livros e materiais retirados da internet com argumentações e teorias referente aos conceitos de ecopedagogia, educação ambiental e turismo. Educação Ambiental, Turismo e Sustentabilidade

A educação ambiental é a educação voltada para a conscientização e sensibilização de todas as pessoas, independentemente de cor, raça, religião ou posição atual, através da informação voltada para a preocupação com o meio ambiente.

Esta informação está diretamente relacionada aos hábitos cotidianos, que, em conjunto, fazem grande diferença em relação aos impactos que podem vir causar à natureza.

Em decorrência do grande acúmulo lixo e má utilização de nossos recursos naturais, vê-se a necessidade de criar novas metodologias que possibilitem a diminuição e até mesmo o surgimento cada vez maior deste lixo que é produzido diariamente por todos nós.

O homem deve observar melhor suas ações e se considerar mais um ser humano, que faz parte do meio ambiente e tem, por natureza, obrigação de cuidar do ambiente em que vive e que divide espaço com os demais seres vivos.

Além disso, os impactos ambientais devem ser mais severamente vigiados, com punição aos que não respeitam a utilização dos recursos e não trabalham com nenhuma forma de repor à natureza o que foi retirado.

No turismo, a educação ambiental possui relevância indiscutível, visto a necessidade de termos cidadãos mais conscientes de que a limpeza é essencial para atração de turistas e para evitar possíveis doenças que podem surgir com o maior acúmulo de lixo, que atrairá, consequentemente, mais parasitas e pestes.

O turista não freqüenta ambientes em que saiba que não possui, nem ao menos, condições de higiene necessária a sua permanência. A educação ambiental deve, por conseguinte, atingir a todos os cidadãos e aos turistas, para que o local escolhido para desenvolvimento de alguma atividade turística não seja modificado, dificultando retorno de alguns e visita de outros.

A educação ambiental deve atingir, portanto, a todos. Suas ações contribuirão, certamente, para a construção de um lugar melhor para se viver, conhecer e retornar.

Parafraseando Swarbrooke (2000) quando falamos em sustentabilidade geralmente queremos dizer algo que está em desenvolvimento e que irá satisfazer nossas necessidades hoje e não comprometerá o amanhã, tratando, em uma perspectiva de longo prazo, que envolve necessidade de intervenção e planejamento.

A sociedade atual está cada vez mais individualista e capitalista sem a preocupação de repor ou de desenvolver medidas que minimizem esta utilização de nossos recursos naturais, devendo, portanto, repensar seus conceitos de natureza e de apropriação da mesma.

Devem ser criadas medidas alternativas de utilização dos recursos naturais, pois sem um

planejamento e um uso adequado, eles, certamente não mais existirão. A responsabilidade é de cada um.

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Página 19 de 176 Ecopedagogia e turismo

O conceito de Ecopedagogia está relacionado com a sustentabilidade, para além da economia e da ecologia, incluindo abordagens de educação para o futuro, cidadania planetária e virtualidade. Está se desenvolvimento seja como um movimento pedagógico seja como abordagem curricular.

E para introduzir uma cultura da sustentabilidade nos sistemas educacionais nós precisamos

reeducar o sistema: ele faz parte tanto do problema, como também da solução. Gadotti (2010) defende a idéia de que a ecopedagogia só tem sentido como projeto alternativo

global onde a preocupação não está apenas na preservação da natureza ou no impacto das sociedades humanas sobre os ambientes naturais, mas em um novo modelo de civilização sustentável do ponto de vista ecológico, implicando em uma mudança nas estruturas econômicas, sociais e culturais. A Ecopedagogia é uma vertente de Educação que consiste tanto em uma abordagem curricular quanto em um movimento pedagógico.

Sua emergência e surgimento se deram no contexto das transformações sociais, com objetivo de

se pensar em uma educação para o futuro. E ao que se refere aos seus princípio, na Ecopedagogia eles são mais amplos do que os da educação ambiental, pois seu debate inclui processos de co-educação, no marco da cultura de sustentabilidade, dentro e fora das escolas.

O movimento da Ecopedagogia surge no seio da iniciativa da Carta da Terra e ganha maior

impulso, sobretudo a partir do I Encontro Internacional da Carta da Terra na Perspectiva da Educação, ocorrido em 1999.

O conceito de sustentabilidade para Gadotti (2009) encerra todo um novo projeto de civilização e,

aplicado à pedagogia, pode ter desdobramentos em todos os campos da educação, não apenas na educação ambiental.

A sustentabilidade educativa se encontra, portanto, além das nossas relações com o ambiente, ela

se insere desde o quotidiano da vida, o profundo valor da nossa existência e nossos projetos de vida no Planeta Terra.

O paradigma da sustentabilidade é associado à qualidade de vida e relaciona-se com a dimensão

da cidadania ambiental (RUSCHEINSKY, 2002). Na qual sem uma educação sustentável, a Terra continuará sendo considerada como apenas um espaço de nosso sustento e de domínio técnico-tecnológico, objeto de pesquisas, ensaios e de contemplação.

Gadotti (2000) afirma que se deve alcançar um crescimento econômico que não inviabilize as

condições de vida das atuais gerações nem das gerações futuras. Ao que diz respeito à instituições que trabalham com a ecopedagogia, destaca-se o Instituto Paulo

Freire, o qual busca contribuir com a formação de cidadãos com consciência e ação planetária, refletir sobre como se materializam as relações econômicas, políticas, culturais, étnicas, raciais e de gênero, resultantes das transformações pelas quais passa o mundo globalizado na perspectiva capitalista, e atuar como um centro de referência da Carta da Terra, desenvolvendo em sua sede central projetos que contribuem para manter vivo o Movimento, dando suporte a todas as iniciativas para as quais é demandado e sugerindo outras.

Segundo o Instituto Paulo Freire (2010), seus projetos prevêem ações de intervenção em

diferentes níveis:

Organizações governamentais: secretarias de Educação e de Meio Ambiente, municipais e estaduais, divisões diretivas de ensino, escolas municipais e estaduais.

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Página 20 de 176 Organizações não-governamentais, movimentos sociais e populares, igrejas, Organizações de Base

Comunitária, representações classistas: Sindicatos, ordens e conselhos regionais, rede do ensino privado comunidades indígenas.

Dar oportunidade às pessoas de comprometerem-se pessoal e coletivamente com a cultura da sustentabilidade e da paz oferecendo oportunidades de experienciar e vivenciar os princípios da Carta da Terra. A Terra passa a ser considerada também como ser vivo, como gaia. Por isso, seria melhor chamar

a ecopedagogia de “Pedagogia da Terra” (GADOTTI, 2001). Ao que diz respeito à Carta da Terra, consiste em uma declaração de princípios éticos

fundamentais para a construção de uma sociedade global justa, sustentável e que busca a paz. Ela busca inspirar todos os povos a um novo sentido de interdependência global e responsabilidade compartilhada voltado para o bem-estar de todos.

A Carta da Terra se preocupa com a transição para maneiras sustentáveis de vida e

desenvolvimento humano sustentável. Integridade ecológica é um tema maior.

[...] a Carta da Terra reconhece que os objetivos de proteção ecológica, erradicação da pobreza, desenvolvimento econômico eqüitativo, respeito aos direitos humanos, democracia e paz são interdependentes e indivisíveis. Consequentemente oferece um novo marco, inclusivo e integralmente ético para guiar a transição para um futuro sustentável. (A CARTA DA TERRA EM AÇÃO, 2012).

A Carta da Terra nos incentiva a examinar nossos valores e a escolher um melhor caminho, na

busca adotar uma nova ética global e consciência ambiental voltado para a educação baseada no desenvolvimento sustentável. Ela surge, portanto, em um momento em que realmente necessitamos de suas colocações e defesas, visto a necessidade de mudarmos a maneira em que vemos e pensamos sobre o nosso meio ambiente.

O homem precisa da ocupação e da exploração do espaço natural para a satisfação de suas necessidades mínimas, e, na medida em que percebe que esse espaço não o satisfaz, tende a manipulá-lo irracionalmente, de maneira que vai traçando um espaço cultural até agora abstrato, porque não está situado com respeito às condições do meio ambiente global e muito menos em relação às leis da natureza. (BENI, 2007, pág. 54).

A Ecopedagogia, portanto, busca na relação entre os sujeitos a ética para uma batalha em prol de

uma nova sociedade, habitada por uma nova escola, um novo educador e um novo educando e uma nova natureza.

O papel da educação ambiental, ecopedagogia e turismo na educação e formação de um mundo mais consciente

A necessidade de que sejam melhor compreendidas as relações entre homem e natureza é evidente. O que deve ser percebido é que o homem é o ser que mais necessita do meio ambiente para que ele consiga sobreviver.

É da natureza que retiram seus alimentos e a energia necessária para produzir meios que

possibilitem ter moeda de troca que movimentam o sistema capitalista. A longo prazo os recursos não mais existirão caso não sejam tomadas medidas imediatas que minimizem os danos que a sociedade vem causando.

O conceito de sustentabilidade deve ser colocado em prática cotidianamente, pois o mundo não

irá resistir a tantas “cobranças”, ele necessita, por conseguinte, de cidadãos mais conscientes e responsáveis com a preservação e conservação do ambiente em que vivem e retiram sua sobrevivência.

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Página 21 de 176 Swarbrooke (2000, pág. 94, vol. 2.) a relação do turismo e a sustentabilidade é definida como:

Em um mercado relativamente livre, aberto, competitivo como o do turismo, temos que satisfazer o turista porque, caso contrário, nenhuma empresa nem destinação será sustentável. Então, o desenvolvimento de forma mais sustentáveis de turismo significa criar novos produtos e conhecimentos que intensifiquem a experiência do turista e, ao mesmo tempo, cumpram os critérios de sustentabilidade.

O que significa dizer que o papel do profissional na área do turismo deve transcender a suas

tarefas normais, seja de guiamento ou orientação, ele deve ser capaz de despertar no grupo ou turista a sensibilidade de procurar fazer tudo de forma a não degradar o meio ambiente, para que assim, a atividade possa ser realizada mais vezes.

A educação ambiental deve estar presente em todos os momentos na atividade turística, para que

assim, possa ser mantida a beleza natural dos ambientes e que não haja frustração em expectativas. Swarbrooke (2000, pág. 7, vol. 4.) afirma que “os princípios da sustentabilidade significam

assegurar ao turista a sensação de que seu dinheiro foi bem empregado, para não deixá-lo com a impressão de ter sido explorado”.

Ao que se refere à ecopedagogia, ela é capaz de promover o sentido das coisas a partir da vida

cotidiana, ou seja, do caminhar, do vivenciar a abertura de novos caminhos. Considerada, pois, uma pedagogia democrática e solidária, fundada na consciência de que pertencemos a uma única comunidade da vida, que desenvolve a solidariedade e a cidadania.

A conclusão talvez mais importante, ainda que pareça um tanto controversa, é a de que nenhum tipo de turismo é intrinsicamente mais sustentável ou melhor que outro. Sendo bem dirigido, é provável que qualquer tipo de turismo possa ser altamente sustentável, ao passo que todo o turismo mal dirigido será provavelmente insustentável. Por isso, deveríamos nos voltar para abordagens de gestão de turismo, em detrimento daquelas sobre os tipos de turismo. (SWARBROOKE, 2000, pág. 103, Vol. 5).

O turismo, por sua vez, não pode ser visto apenas como vilão na natureza, pois a partir dele são

criadas áreas de proteção da fauna e da flora. Ambientes são estudados e são realizados estudos de capacidade de carga para que, assim, o turismo possa ocorrer de forma mais segura ao meio ambiente. Considerações finais

A humanidade necessita reavaliar seus padrões de consumo e pensar mais no meio ambiente, seja

produzindo menos lixo, seja economizando mais energia, seja dando preferência a produtos com selo verde e à empresas preocupadas com a vida futura na terra.

Ao turismo, por sua vez, cabe utilizar dos conceitos da educação ambiental e da ecopedagogia

para criar iniciativas mais sustentáveis de realização de atividades, atuando em todas as esperas representativas do fenômeno: cultural, social, política e social. O dever de preservar a vida é de todos. Referências A CARTA DA TERRA EM AÇÃO. O que é a Carta da Terra? Disponível em: <http://www.cartadaterrabrasil.org/prt/what_is.html> Acesso em 2012. BENI, Mário Carlos. Análise estrutural do turismo. 12º ed. Ver. e atualiz. São Paulo: SENAC São Paulo, 2007. GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: ARTMEO, 2000. ______. Pedagogia da Terra. São Paulo: Peirópolis. 2001. ______. Educar para a sustentabilidade. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2009. ______. Ecopedagogia, Pedagogia da terra, Pedagogia da Sustentabilidade, Educação Ambiental e Educação para a Cidadania Planetária: Conceitos e expressões diferentes e interconectados por um

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Página 22 de 176 projeto comum. Disponível em: <http://www.paulofreire.org/Crpf/CrpfAcervo000137>. Acesso em outubro de 2010. INSTITUTO PAULO FREIRE. Cidadania Planetária. Disponível em: <http://www.paulofreire.org/Cidadania/WebHom>e. Acesso em outubro de 2010. LICKORISH, Leonard J.; JENKINS, Carson L. Introdução ao Turismo. Tradução de Fabíola de Carvalho S. Vasconcellos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, 7º reimpressão. RUSCHEINSKY, Aloísio. Educação Ambiental: abordagens múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2002. SWARBROOK, John. Turismo Sustentável: Conceitos e Impacto Ambiental. São Paulo: ALEPH, 2000. ______. Turismo Sustentável: Meio Ambiente e economia. São Paulo: ALEPH, 2000. Vol. 2. ______. Turismo Sustentável: Gestão e marketing. São Paulo: ALEPH, 2000. Vol. 4 ______. Turismo Sustentável: Turismo cultural, Ecoturismo e Ética. São Paulo: ALEPH, 2000. Vol. 5. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 23 de 176 A SÉTIMA MARAVILHA DO RIO GRANDE DO NORTE: PERSPECTIVAS SOBRE

PLANEJAMENTO E GESTÃO NO AMBIENTE NATURAL DOS “APERTADOS” NA CIDADE DE CURRAIS NOVOS

Janaina Luciana de Medeiros3 Mayara Ferreira de Farias4

Resumo O turismo como atividade, necessita ser bem planejada e gerida a partir de diretrizes que venham a impactar o menos negativamente possível, com metas e objetivos direcionados a um desenvolvimento responsável que gere oportunidades tanto para os empresários quanto para a comunidade em torno do local utilizado pela atividade. A partir desses pensamentos, o presente artigo visa mostrar o potencial turístico do ambiente dos “Apertados”, bem como ressaltar a importância de uma boa gestão e de planejamento para aumento no número de visitantes e maior conhecimento do mesmo como ambiente natural de possível realização de diversas atividades, fatores que muito contribuem para a movimentar a economia local. E para tal, utilizou-se a metodologia de pesquisa bibliográfica e de dados secundários em sites confiáveis para sustentar os argumentos expostos no texto. Palavras-Chave: “Apertados”. Atividades turísticas. Turistas. Ambiente natural. Abstract Tourism as an activity, must be well planned and managed from guidelines that may adversely impact the least possible, with goals and objectives are directed to a responsible development that creates opportunities for both business and the community around the site used by activity. From these thoughts, this article aims to show the tourist potential of the environment "Tight", and to underscore the importance of good management and planning for an increase in visitor numbers and increased knowledge of the natural environment even as a possible realization of various activities, factors that contribute strongly to move the local economy. And for that, we used the methodology of literature review and secondary data on trusted sites to support the arguments presented in the text. Keywords: “Apertados”. Tourist activities. Tourists. Natural environment. Resumen El turismo como una actividad, deben estar bien planeadas y manejadas de directrices que pueden tener efectos nocivos lo menos posible, con metas y objetivos se dirigen a un desarrollo responsable que crea oportunidades para los negocios y la comunidad alrededor de la zona utilizada por actividad. A partir de estas reflexiones, este artículo tiene como objetivo mostrar el potencial turístico del medio ambiente "Tight", y para subrayar la importancia de una buena gestión y la planificación de un aumento en el número de visitantes y el aumento de conocimiento del medio natural, incluso como una posible realización de diversas actividades, los factores que contribuyen fuertemente a mover la economía local. Y para ello, se utilizó la metodología de revisión de la literatura y los datos secundarios en sitios de confianza para apoyar los argumentos presentados en el texto. Palabras Clave: “Apertados”. Las actividades turísticas. Turistas. El entorno natural.

3Graduanda de turismo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Email: [email protected]. 4Mestranda em turismo na Universidade Federal do rio Grande do Norte.

Email: [email protected]

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Página 24 de 176 Introdução

Os “Apertados”, localizado na cidade de Currais Novos/RN, é a sétima maravilha do Rio Grande do Norte. Eleita com 7.252 votos, o local recebe a visita de moradores e turistas no período das chuvas, quando o rio Picuí desce as serras para desaguar no rio Acauã e ambos findam no Açude Gargalheiras em Acari/RN.

Os Cânions dos Apertados está localizado na Mina Barra Verde, a 10 km da cidade, com uma

formação de serras com a passagem dividida pelo rio Acauã. Quando em épocas chuvosas se torna um cenário deslumbrante e propício para visitação e a prática de esporte de aventuras. (TERRA DA XELITA, 2007).

As paredes de pedra parecem esculpidas pelas águas correntes, e no alto das rochas brotam

plantas que enriquecem a paisagem. Mesmo na época da estiagem os Apertados enchem os olhos dos visitantes com sua vegetação típica, e as pedras talhadas que ficam escondidas na época das cheias (TERRA DA XELITA, 2007).

Consiste em um trecho entre as serras, rodeado por pedras que parecem esculpidas pelas águas correntes, e no alto das rochas brotam plantas que enriquecem a paisagem. O lugar é pouco visitado pela população do município, porém quem conhece se impressiona com a sua beleza selvagem.

Pretende-se através deste trabalho de pesquisa sobre o lugar dos “Apertados”, mostrar o potencial

turístico do ambiente, bem como ressaltar a importância de uma boa gestão e de planejamento para aumento no número de visitantes e maior conhecimento do mesmo como ambiente natural de possível realização de diversas atividades, fatores que muito contribuem para a movimentar a economia local. Planejamento turístico

O Turismo consiste em uma atividade que proporciona movimentação de capital humano e

econômico através da circulação de pessoas a um determinado lugar/ambiente, fortalecendo e melhorando, por conseguinte, sob um olhar positivo sobre a atividade, a estrutura atual da cidade em que se realizem as práticas turísticas, seja ela realizada através dos investimentos por parte da gestão pública em atender as necessidades do turista e fazer com que ele retorne.

Parafraseando Gastal (2002) o turismo talvez seja o fenômeno mais globalizado em um mundo de globalizações, no qual a pós-modernidade traz o apagamento das fronteiras e a busca de universalidades. Traz consigo, pois, o elogio da diferença. E é nessa dialética que faz-se necessário a especificidade, para que nasça o que se pode chamar de “turismo brasileiro”, não apenas como o marketing de um destino emergente, mas como a construção de uma reflexão crítica que considere e construa o instrumental teórico com o qual iremos olhar e organizar os nossos entornos para melhor receber os visitantes, enquanto há um diálogo com o mundo.

Esta globalização, por sua vez, se reflete nos equipamentos turísticos e nos processos de divulgação e marketing, os quais devem atrair o cliente primeiro para o país, depois para o estado, depois para o município, e por fim, para os estabelecimentos de recepção dos turistas.

Nessa perspectiva, Castelli (2006) afirma que o ato de satisfazer os clientes significa atender às necessidades de todas as pessoas com as quais a empresa tem compromisso, com colaboradores, clientes, acionistas e comunidade.

O atendimento deve ser, neste sentido, baseado em atender suas necessidades, agregando valor ao produto oferecido, atraindo turistas a visitarem o ambiente turístico e proporciona um maior oportunidade de retorno.

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Página 25 de 176 Neste sentido, o turismo, por ser um fenômeno em constante transformação, deve sempre prezar

por inovar sua capacidade de atração de turistas, seguindo tendências e modernizando-se, com o objetivo de atender as necessidades do mercado.

Não devendo, porém, ser considerada uma atividade essencialmente econômica, mas uma união de setores econômicos e uma atividade social que é formado por pessoas e, consequentemente, de cultura.

Por isso, ressalta-se a importância de que seja dado um foco mais humano a essa atividade, muitas vezes visto somente sobre a perspectiva econômica, objetivando, com isso, o conforto e o bem estar dos turistas, de modo que venha a propiciar um maior contentamento, procurando, além do lucro, uma prestação de serviços de qualidade com preocupação com o caráter humano que a atividade turística deve possuir.

Sobre o turismo, Castelli (2006) defende que ele é hoje uma realidade que segue ganhando uma importância cada vez maior no contexto do desenvolvimento socioeconômico, tendo em vista que alguns países, que há poucos anos não figuraram no mapa mundial do turismo, atualmente existem fortes centros receptores, impulsionando, sendo direcionado, pois, para o desenvolvimento.

No Turismo, por conseguinte, deve ser priorizada a prestação de serviços baseada na qualidade, visando satisfação do cliente, sobrevivência da empresa no mercado, competitividade e melhorias da imagem. O Planejamento no Turismo, neste sentido, é fator primordial na elaboração de estratégias de desenvolvimento de um ambiente turístico, na medida em que são traçados pontos a serem aprimorados e revitalizados para a satisfação do turista, sem modificar, porém, os conceitos de realização de um Turismo Sustentável.

Segundo Hall (2004, p. 30) “[...] o desenvolvimento turístico completamente destruído de regulamentação e planejamento certamente conduzirá à degradação da base de recursos físicos e sociais da qual o Turismo depende.” E isto permite afirmar que para um bom planejamento turístico, é necessário que seja feita delimitação da área em relação ao público destinado, além do estudo da capacidade de carga do local visitado, visto que ela não pode ser ultrapassada para que não haja modificação no ambiente que venha a comprometer futuras visitações.

Planejamento turístico é o processo de avaliação do núcleo receptor da demanda potencial e de destinos turísticos concorrentes com o propósito de ordenar ações de gestão pública direcionadas ao desenvolvimento sustentável e fornecer direcionamento à gestão privada para que ela estruture empreendimentos turísticos lucrativos com base na responsabilidade socioambiental. (BRAGA, 2007).

Planejar é, portanto, responsabilidade aliada à gestão adequada na realização de atividades que não venham a danificar o meio em que estão inseridas e são praticadas.

O planejamento, por sua vez, pode ser visto sob três perspectivas diferentes: Planejamento Estratégico, Tático e Operacional, destacando o primeiro como uma poderosa ferramenta para diferenciar competitivamente um empreendimento turístico no mercado e garantir seu crescimento e sucesso.

Parafraseando Braga (2007), na realidade contemporânea, caracterizada por um ambiente altamente competitivo, o planejamento estratégico está vinculado à gestão de negócios, que busca otimizar processos que elevem os níveis de competitividade conforme exigência dos dirigentes e acionistas.

O Plano Estratégico se refere, neste sentido, ao conjunto de análises realizadas para a tomada de decisões em relação aos conceitos de diagnóstico estratégico, missão estratégica, estratégia empresarial, clientes pretendidos, competências e objetivos da empresa, análise e capacidades de recursos além da escolha adequada de todas as ações da empresa, sendo feita para ser controlada, pessoal, ordenada e intencional.

No planejamento, pois, devem possuir gestores que conheçam seus clientes e suas preferências, nicho de mercado, funcionários, colaboradores e principalmente seus concorrentes, escolhendo,

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Página 26 de 176 adequadamente, os parceiros, colaboradores, fornecedores e funcionários, bem como mantendo comunicação com todos os setores do empreendimento turístico, trabalhando de forma sistematizada, organizada e eficaz.

Desse modo é possível que sejam disponibilizados meios para gerir adequadamente os custos da empresa, com a finalidade de melhor utilização de recursos através de um capital de giro que venha a atender os objetivos de curto, médio e longo prazo.

É necessário, portanto, atenção aos valores de gestão empresarial, através de profissionais

qualificados, comprometidos com a ética e a moral, além de funções relacionadas à gestão de qualidade no aperfeiçoamento da realização de atividades oferecidas pela empresa, implementando, desse modo, valores em relação à maior preservação do meio ambiente e a ética profissional, de acordo com padrões estabelecidos pela legislação, além de transparência na prestação de serviços.

O Planejamento Tático, por sua vez, tem por objetivo otimizar determinada área de resultados, trabalhando de acordo com os objetivos e estratégias estabelecidos no Planejamento Estratégico. Onde sua rotatividade de informações facilita para um melhor funcionamento de um empreendimento, o que dinamizará as funções a serem realizadas a atingir as metas estabelecidas.

Sobre isto, Franco (2012) defende que a atividade de planejamento da organização, por sua natureza, deverá resultar de decisões presentes, tomadas a partir do exame do impacto no futuro, o que lhe proporcionará uma dimensão temporal de alto significado.

O planejamento por ser um processo contínuo é composto de várias etapas que funciona de forma não linear, em decorrência de haver variabilidade na empresa. Variabilidade que é devida às pressões ambientais que a instituição tem de suportar e que são resultantes de forças externas continuamente em alteração com diferentes níveis de intensidade de influência, bem como das pressões internas, resultantes dos vários fatores integrantes da instituição.

Na perspectiva de Vianna e Costa (2012) é na média gerência, ou seja, no nível tático, onde as transformações institucionais e o aprendizado aconteceram com maior força, onde os planos táticos são acompanhados e avaliados com maior frequência que o plano institucional, propiciando um maior compartilhamento de conhecimento e experiências.

Não existem, portanto, muitas diferenças entre o Planejamento Tático e o Estratégico, sendo o primeiro relacionado aos objetivos e à eficácia e o segundo a dimensão geral da empresa.

Alguns problemas em relação à elaboração de objetivos de curto e longo prazo podem vir a surgir, podendo ser minimizados se o gestor conhecer cada um dos tipos de planejamento que existem e podem ser adaptados à realidade da empresa.

No Planejamento Tático o prazo de realização é mais longo, os riscos são maiores e a flexibilidade menor que no Planejamento Operacional.

O Planejamento Operacional, por conseguinte, pode ser considerado como a formalização, através de documentos escritos, das metodologias de desenvolvimento e implantação estabelecidas, nos quais seus planos de ação ou operacionais correspondem a um conjunto de partes homogêneas do Planejamento Tático. É nele em que se estabelecem os recursos necessários para desenvolvimento e implantação, procedimentos básicos.

Neste sentido, os tipos de planejamentos são fundamentais, porém não podem controlar o que irá ocorrer a todo o momento no empreendimento. Por isso, devem ser identificadas todas as ações e os resultados que o estabelecimento possui com a finalidade de poder estipular o que pode vir a necessitar de correção rapidamente.

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Página 27 de 176 O planejamento é, pois, o principal responsável pelo sucesso do empreendimento, visto ser ele o

que controlará o desempenho e realização dos objetivos e metas, o que, por sua vez, faz aumentar as chances de serem tomadas as melhores decisões que afetarão o futuro de um empreendimento turístico.

Sendo assim, para obter esse sucesso, é necessário que haja planejamento ativo, vigoroso,

contínuo e criativo, o chamado Planejamento Permanente, caso contrário, o empreendimento turístico somente reagirá ao seu ambiente e não será uma participante ativa em relação a seus concorrentes.

O Planejamento de Uso Único consiste, nesta perspectiva, em realizar a construção de metas a serem alcançadas por ferramentas direcionadas, para auxiliar à administração a adaptar-se e ajustar-se às mudanças no ambiente, auxiliar na realização de acordos sobre assuntos de importância e capacitar aos administradores, colaboradores e funcionários, a verem o quadro operativo da empresa com maior clareza e ajudar a estabelecer as responsabilidades de cada um que compõe a empreendimento turístico.

Nesse sentido, esse tipo de planejamento proporciona ordem e coordenação entre as várias partes da organização e tornando os objetivos mais específicos e mais bem conhecidos, minimizando assim a suposição de fatos, o que refletirá diretamente em diminuição do tempo e do dinheiro.

Para a determinação do posicionamento estratégico, por sua vez, faz-se necessária a elaboração de um planejamento que direcione os objetivos, as ações, as atividades e os recursos, e da configuração de um sistema de gestão para operacionalizar e controlar a estratégia, em que sua construção, deve possuir as seguintes etapas: 1 - formulação da missão e de objetivos; 2 - identificação das metas e estratégias atuais; 3 - análise ambiental e de recursos; 4 - identificação de oportunidades e ameaças; 5 - determinação do grau de mudança estratégica necessária; 7 - tomada de decisão estratégica; 7 - implementação e controle da estratégia (STONER e FREEMAN, 1995).

O planejamento do turismo deve ser, pois, pensado de forma que englobe todos os tipos de planejamento, pensando no turismo como uma atividade que necessita de uma gestão mais eficiente, eficaz e efetiva diante de suas ações, as quais devem, por sua vez, serem direcionadas a resultados, essencialmente, de longo prazo, influenciando, portanto, em uma mudança no atual paradigma de planejamento turístico existente na maioria das localidades, nas quais se pensa no turismo como atividade econômica, social e cultural que possui impactos sob a perspectiva somente de curto e médio prazo.

Para melhor elucidar as ideias postas neste tópico sobre Planejamento Turístico, criou-se a seguinte representação com o esquema 1:

Esquema 1. Planejamento Turístico. Fonte: As autoras (2012).

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Página 28 de 176 Métodos

O trabalho utilizou de entrevistas com pessoas conhecedoras das práticas de atividades realizadas

no ambiente dos “Apertados”. Tais entrevistas trazem a compreensão do conceito do que é hospitalidade dentro da visão do turista que visita o lugar, bem como a compreensão sobre o pensamento dos mesmos em relação a gestão e planejamento realizados por parte dos proprietários do loca.

Dentre os entrevistados, destacam-se as figuras de Jorge Lúcio de Macedo e Nelimar Pereira da Silva. Realizou-se pesquisa de campo, com várias visitas ao local, para melhor visualizar o que poderia ser feito para modificar positivamente a atual situação de recepção de turistas que visitam a cidade de Currais Novos/RN e aproveitam o ambiente natural conhecido por suas atividades de ecoturismo, rapel, escaladas, trilhas ecológicas, tirolesas, corrida de aventura, traking, rafting, entre outras atividades que possuem a potencialidade de atrair uma diversidade de turistas. Resultado e discussão

Percebe-se a importância e o potencial dos “Apertados” para o desenvolvimento turístico, não só

para a cidade de Currais Novos/RN como também para a região do Seridó Potiguar, pois, de fato, mostra que o lugar faz jus a escolha de ter sido eleito, a sétima maravilhava do Estado do Rio Grande do Norte.

E este reconhecimento pode ser comprovado e autenticado por aqueles que tiveram o privilégio de conhecer o lugar, que tem uma beleza esplêndida e inenarrável.

Beleza que atrai, envolve e faz com que o turista almeje voltar outras vezes. Como foi visto no testemunho dos entrevistados, o lugar, pelo seu ambiente, é extremamente acolhedor, receptível e propício para quem gosta de curtir e aproveitar o que a natureza tem de melhor.

Entretanto, as pessoas que gerenciam o local, não pensam a curto e médio prazo pra estruturar os “Apertados”, no sentido de, melhorar o acesso, construir espaços para repouso, alimentação e entretenimento, de forma que possa oferecer uma hospitalidade adequada, fundamentada na trade de Mauss, “o dar, o receber e o retribuir”.

Se houvesse tal transformação, o lugar seria mais visitado, e se tornaria mais conhecido, pois seria divulgado não apenas pela mídia de um modo geral, mais também pelos próprios freqüentadores do lugar. E ademais, traria desenvolvimento econômico para a região, e principalmente para os proprietários. Conclusão

Em qualquer época do ano, tanto faz inverno como verão, o lugar pode ser visitado, isso quando

está aberto para visitação, porém, não existe nenhuma estrutura para a acomodação dos visitantes, ou seja, para hospedá-los.

Os Apertados é propício para o turismo ecológico e a prática de esportes radicais, porém, há poucos locais para o rapel, pois, as pedras na sua maioria são soltas, e havendo acidentes não tem um lugar para os primeiros socorros do turista, além do mais, o acesso à casa da fazenda é muito distante, e é dificultado por haver bastante areia no rio e vegetação densa.

Atualmente as pessoas que acampam no ambiente natural dos “apertados”, em sua grande maioria, já se preocupam em preservar o ambiente, porém, ainda existem algumas que sujam o local, quando se alimentam, deixam sacolas, garrafas de refrigerantes e restos de comidas.

Foi evidenciado através das entrevistas, pois, que existe um limite máximo de pessoas que possam ocupar o lugar, porém, quando estão servidos de um guia de turismo, esse limite é de dez pessoas.

No caso de acontecer algum acidente, fica difícil a locomoção da vítima, pois, além de não ter nenhuma estrutura por perto, onde possa socorrer, o acesso tem muita areia, devido ser preciso atravessar

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Página 29 de 176 a pé toda a extensão do rio, necessitando de profissionais qualificados que venham a prestar serviços de primeiros socorros.

Dentre todas as suas características marcantes supracitadas, se pode afirmar que o potencial turístico dos apertados é incontestavelmente dependendo de um bom planejamentos nas ações a serem desenvolvidas e mantidas com a finalidade de fomentar o crescimento da atividade turística com segurança e qualidade. Referências BRAGA, Debora Cordeiro. Planejamento turístico: teoria e prática. Rio de janeiro: Elsevier, 2007. CASTELLI, Geraldo. Gestão Hoteleira. São Paulo: Saraiva, 2006. FRANCO, Robson Batista. O planejamento tático das unidades de execução operacional da 6ª região da polícia militar em ocorrência de alta complexidade. Disponível em <www.pmmg.portalregional.mg.gov.br:81/moodle/.../artigo_cientifico.pdf> Acesso em junho de 2012. GASTAL, Susana (org.). Turismo: Investigação e Crítica. São Paulo: Contexto, 2002. – Coleção turismo Contexto. HALL, Colin Michael. Planejamento Turístico: Políticas, processos e relacionamentos. 2º Ed. São Paulo: Contexto, 2004 – (Coleção Turismo Contexto). STONER, J. A.; FREEMAN, R. E. Administração. 5 ed. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1995. TERRA DA XELITA. OS APERTADOS 7ª MARAVILHA DO RN. 2007. Disponível em: < http://terradaxelita.blogspot.com.br/2007/11/os-apertados-7-maravilha-do-rn.html > Acesso em junho de 2012. VIANNA, Sergio de Gouveia; COSTA, Stella Regina Reis da. A importância do planejamento tático no processo de aprendizagem organizacional: Análise do caso Inmetro. Disponível em: http://www.aedb.br/seget/artigos09/213_seget%20A%20importancia%20do%20planejamento%20tatico.pdf. Acesso em junho de 2012. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 30 de 176 A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ATUALIDADE

Janaina Luciana de Medeiros5 Mayara Ferreira de Farias6

Resumo A questão ambiental torna-se cada vez mais emergente diante da realidade das civilizações atuais, tendo em vista, principalmente, a uma maior divulgação das ações ambientais desenvolvidas por comunidades e empreendimentos preocupados com a defesa do meio ambiente. É neste sentido que se inserem todos os conceitos relacionados ao meio ambiente sejam eles desenvolvimento sustentável, sustentabilidade, preservação, conservação e, com destaque no presente trabalho, as ideologias de conscientização e sensibilização da população através da educação ambiental. Estes conhecimentos podem ser, nesta ótica, transmitidos no ambiente escolar, familiar ou nas mais diversas formas de interação social com a finalidade principal de melhoria da qualidade de vida e de promover uma visão futura de um desenvolvimento responsável. Para realizar o presente trabalho foi utilizada como metodologia a pesquisa em livros e em sites que tratam das temáticas a serem abordadas ao longo do trabalho. Concluiu-se ao final da pesquisa que a educação ambiental consiste em uma ferramenta fundamental na divulgação do respeito para com o ambiente, possibilitando, aos que entendem seus objetivos, que se insiram no meio como seres fundamentais e dependentes de todos os outros formadores desta ciclo da vida, o meio ambiente. Palavras-Chave: Educação ambiental. Meio Ambiente. Desenvolvimento sustentável. Abstract The environmental issue becomes increasingly emerging on the current reality of civilizations in order primarily to greater disclosure of environmental initiatives developed by communities and businesses concerned about protecting the environment. It is in this sense that fall all the concepts related to the environment they are sustainable development, sustainability, preservation, and conservation, especially in the present work, the ideologies of awareness and awareness through environmental education. This knowledge may be, in this light, transmitted in the school environment, family or in various forms of social interaction with the primary purpose of improving the quality of life and promote a vision of a future responsible development. To accomplish this work was used as the research methodology in books and websites that deal with the themes to be addressed throughout the work. It was concluded at the end of the research that environmental education is a fundamental tool in the promotion of respect for the environment, enabling you to understand your goals, which fall in the middle as being fundamental and dependents of all other trainers of this cycle of life environment. Keywords: Environmental education. Environment. Sustainable development. Introdução

A revolução nas discussões sobre as questões ambientais inicia-se com a promulgação da Constituição federal de 1988, no sentido de despertar uma maior preocupação com leis que se referiam à proteção, preservação e conservação ambiental.

Além disso, como resultado da revolução industrial, o aumento do consumismo aumentou ainda mais as consequências negativas decorrentes das ações humanas no meio ambiente.

Neste sentido, surge, pois, os diversos conceitos voltados à minimização de impactos negativos diretos e indiretos ao meio em que o homem vive e desenvolve suas atividades produtivas.

5 Graduanda de turismo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Email: [email protected]. 6 Mestranda em turismo na Universidade Federal do rio Grande do Norte. Email: [email protected].

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Página 31 de 176 Cabe à sociedade, porém, buscar sensibilizar-se diante destas ações que causam efeitos maléficos

ao ambiente, na tentativa de modificar algumas questões culturais tão enraizadas em algumas pessoas que relutam em não respeitar o meio em que vivem, principalmente por não se considerarem parte do mesmo.

Todavia é sabido que o ser humano é o principal ser diante o meio ambiente tendo em vista que é ele o que mais pode contribuir para o reflorestamento e proteção aos recursos naturais existentes e é do meio ambiente que o mesmo irá retirar os recursos para sua sobrevivência.

Para compreender melhor o sentido dos conceitos de meio ambiente, sensibilização, desenvolvimento sustentável e sustentabilidade, é necessário que se tenha um maior conhecimento sobre os efeitos e relevância do que é e como pode ser utilizada a educação ambiental na sociedade atual.

Para tal, utilizou-se na realização do presente artigo, a metodologia de pesquisas bibliográfica e utilização de dados secundários em sites que tratavam das temáticas supracitadas. Necessidade de educação ambiental

Com uma das legislações mais completas e mais avançadas do mundo ao que se refere às questões ambientais, o Brasil necessita de novas formas de se pensar o meio ambiente, no sentido de priorizar a mudança de hábitos voltada às boas práticas de atividades voltadas para a sustentabilidade.

Neste sentido, ressalta-se a educação ambiental como uma possibilidade de haver uma conscientização, geralmente com crianças devido ao fato de ainda estarem formando ideologias e formas de ver o mundo, de sensibilização, voltadas para o público em geral em decorrência de que ocorre, neste caso, apenas uma mudança de atitude em relação a uma ideologia e a uma cultura predeterminada pelo tempo em que conseguem distinguir o certo do errado em relação ao que fazer na sociedade.

Segundo Jacobi (2003, p.190) a reflexão das práticas sociais

[...] em um contexto marcado pela degradação permanente do meio ambiente e do seu ecossistema, envolve uma necessária articulação com a produção de sentidos sobre a educação ambiental. A dimensão ambiental configura-se crescentemente como uma questão que envolve um conjunto de atores do universo educativo, potencializando o engajamento dos diversos sistemas de conhecimento, a capacitação de profissionais e a comunidade universitária numa perspectiva interdisciplinar. Nesse sentido, a produção de conhecimento deve necessariamente contemplar as inter-relações do meio natural com o social, incluindo a análise dos determinantes do processo, o papel dos diversos atores envolvidos e as formas de organização social que aumentam o poder das ações alternativas de um novo desenvolvimento, numa perspectiva que priorize novo perfil de desenvolvimento, com ênfase na sustentabilidade socioambiental.

Deve haver, também, uma mudança de pensamento ao que se refere aos valores consumistas que

cada vez mais ganha uma proporção maior diante às novas oportunidades de aquisições de coisas novas, as quais são criadas para durarem menos para que o sistema continue a existir.

Através do crescente uso das novas tecnologias as relações sociais estão sendo modificadas e as maneiras de socialização precisam de uma atenção diferenciada, em especial em relação à atenção voltada ao meio ambiente e ao uso dos recursos naturais.

Parafraseando Pestana (2012) as metodologias de educação ambiental devem ser entendidas como formas de se obter o desenvolvimento sustentável no sentido de inserção de seus conceitos em parâmetros curricular escolares de forma interdisciplinar em todas as práticas do ensino, na procura por conscientizar e sensibilizar aos alunos.

Para que isto ocorra, porém, é necessário mais que uma reformulação nos projetos políticos pedagógicos, mas que o profissional da educação tenha a boa vontade de conhecer sobre a temática de educação ambiental e queira repassar este conhecimento de forma espontânea e com desejo de perpetuar

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Página 32 de 176 as ideias de proteção, conservação e preservação ambiental como forma de promover resultados a longos prazos diante destes conhecimentos transmitidos.

Diante disso, Loureiro (2007, p. 69) coloca que Por sinal, é fácil observar que educadores e educandos, ao participarem da consolidação de ações afinadas com uma abordagem crítica da educação ambiental se sentem à vontade e motivados com tal perspectiva. Isso se explica, pois, ao trazermos a educação ambiental para a realidade concreta, para o dia-a-dia, evitamos que esta se torne um agregado a mais, idealmente concebido nas sobrecarregadas rotinas de trabalho. Evitamos também que fique no plano do discurso vazio de “salvação pela educação” ou da normatização de comportamentos “ecologicamente corretos”. Com isso, torna-se um componente e uma perspectiva inerentes ao fazer pedagógico, potencializando o movimento em busca de novas relações sociais na natureza. Diríamos mais, ao perceberem tal processo, muitos educadores que antes tinham resistência à “questão ambiental”, por entenderem-na como uma discussão descolada das condições objetivas de vida, acabam incorporando a educação ambiental e vestindo a camisa.

Estes conhecimentos podem, por conseguinte, ser repassados através do convívio escolar e do

social, bem como através das mais variadas formas de comunicação existentes, sejam elas palestras, vídeos, programas de rádio ou televisão, entre outros.

Este processo de educação ambiental na escola através do professor possui, pois, uma ideologia que pode ser transmitida e promover à efetivação das atividades voltadas para o meio ambiente, possibilitando que exista um efeito multiplicador considerável à divulgação dos conceitos envolvidos na educação ambiental.

Devendo, nesta perspectiva, atingir as mais diversas camadas sociais diminuindo, de forma gradativa, o consumismo desenfreado e impensado, que muitas vezes é despertando diante das diversas exigências sociais de inclusão.

Caso a comunidade não redefina, então, seus hábitos, sejam eles considerados simples ou de grande escala, a vida futura na terra ficará comprometida tendo em vista que os recursos para a sua sobrevivência estarão cada vez mais raros.

A educação Ambiental deve ser, portanto, expandida nas mais diversas escalas sociais, seja através da família, do ambiente escolar ou nas diversas outras formas de convívio social, envolvendo pessoas de todas as idades, níveis econômicos, diferentes conhecimentos ou interesses associados ao ambiente.

Consumismo na sociedade capitalista

Caracterizada pelo capitalismo dominante, a sociedade atual se destaca pela presença e preponderância de ações individualistas voltadas para, especialmente, crescimento econômico possibilitado através dos recursos renováveis e não renováveis, sem, na maioria das vezes, preocupação com a reposição destes recursos ao ambiente, impossibilitando, consequentemente, que o homem possa usufruir do mesmo no futuro.

Deve-se, porém, ser elaboradas estratégias de diminuição de utilização destes recursos, em especial dos não renováveis, para que os efeitos negativos destas ações não impactem em maior escola as comunidades que dependem destes recursos para tirarem o sustento de sua família.

O que ocorre é uma verdadeira carência de compromisso com as futuras gerações e com os efeitos muitas vezes irreparáveis que esta exploração pode proporcionar à vida dos seres vivos, sendo o consumismo a forma mais evidente desta despreocupação com o futuro.

Neste sentido, destaca-se que a demanda global dos recursos naturais deriva de uma formação econômica cuja base é a produção e o consumo em larga escala, onde a lógica, associada a essa formação,

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Página 33 de 176 responsável pelo processo de exploração da natureza atual, é culpada por boa parte da destruição dos recursos naturais e criadora de necessidades que exigem um crescimento sem fim das demandas quantitativas e qualitativas desses recursos para a sua própria manutenção (MEC, 2012).

A comunidade necessita, nesta perspectiva, repensar sobre a utilização atual dos recursos naturais para atingir objetivos específicos com consequências irreparáveis ou de difícil modificação e recuperação, e que, na maioria das vezes, atinge a maioria da população menos favorecida da sociedade.

Devendo existir, pois, maior conscientização das pessoas em relação aos seus atos cotidianos, com destaque para a forma e a duração de banhos diários, lavagem de calçadas, reutilização de sacolas ou compra de sacolas ecologicamente corretas, compra em estabelecimentos preocupados com a questão ambiental, entre outras formas.

As pessoas necessitam despertar para as questões naturais com urgência, pois a vida dos seres vivos está ficando comprometida, refletida através das mudanças climáticas, chuvas imprevistas, derretimento de geleiras, queimadas em florestas, etc.

Há a necessidade, portanto, de que sejam organizadas medidas eficazes, eficientes e eficazes que proporcione a minimização de desperdícios de água e de energias diversas, por exemplos, no sentido de repensar conceitos e utilização do avaliar a importância da existência da sustentabilidade, ambiental, social, política e econômica, refletindo a responsabilidade ambiental como forma de conservação e preservação da natureza considerando os interesses atuais e futuros da sociedade.

Entendendo sobre o desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento sustentável se dá através da tentativa por diminuir os impactos negativos provocados no meio ambiente de forma não prejudicial com consequências igualmente negativas para as próximas gerações, possibilitando o desenvolvimento no futuro.

O conceito de desenvolvimento sustentável demanda que exista uma visão ampliada do desenvolvimento e do que compõe o ambiente natura, no sentido de compreender o que tem ocorrido na atualidade em grande parte da sociedade ocidental, em que a economia monetarista e a negação de um interesse público tem sido a característica de tantas políticas governamentais (HALL, 2004).

Neste sentido, ressalta-se que além do interesse público, deve existir o interesse individual em procurar desenvolver estratégias de minimização de impactos, existindo com isso uma projeção de interesses do individual ao coletivo de forma a existir uma maior aceitação comunitária da ideia de educação ambiental.

O desenvolvimento sustentável de uma localidade necessita, além do crescimento econômico, de uma distribuição equilibrada da renda e da devida proteção dos recursos naturais, com o objetivo de assegurar uma qualidade de vida atual e futura adequadas (BARRETTO, 2005).

O sistema de existência social necessita ser reformulado no que diz respeito às construções concretizadas e aspiradas pelo homem, com atenção para os argumentos da ecologia e das formas de uso dos recursos naturais renováveis e dos não renováveis.

A concentração de gás carbônico na atmosfera, por exemplo, cresceu principalmente pelo uso de combustíveis fósseis em termelétricas, indústrias, automóveis e também através da devastação e queimada de florestas, com destaque para o carvão, o petróleo e o gás natural (NATUREBA, 2012).

Pode-se afirmar, com isso, que o desenvolvimento na atualidade trouxe muitos desiquilíbrios ambientais tais como o efeito estufa, a poluição, extinção de espécies e o tão comentado aquecimento global, apesar das melhorias que as mesmas propiciaram.

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Página 34 de 176 Caso novas visão não sejam despertadas para os recursos naturais, portanto, existirão

consequências irreparáveis a vida na terra, sendo necessária a mudança no pensar sobre tudo relacionado ao meio ambiente. A conscientização da comunidade

Os cidadãos estejam inseridos em qualquer sociedade, cargo de trabalho, condição social ou que possuem qualquer nível de conhecimento devem buscar a mudança de hábitos que prejudicam, de alguma forma o meio ambiente. Pequenos hábitos diários podem fazer grande altercação na preservação da vida.

Diante desta condição, ressalta-se o papel dos meios de comunicação para que este pensamento seja propagado em maior escala, tendo em vista a grande quantidade de pessoas que os mesmos podem alcançar. Com estes meios é possível mostrar ações reais de preservação e conservação ambiental, formas e pessoas que sobrevivem da reciclagem, pessoas que mudaram de vida quando passaram a cuidar melhor do meio ambiente, pessoas que passaram a lucrar mais através da imagem verde associada a seus produtos, entre outras formas, como forma de incentivar a outras pessoas a seguirem os objetivos da educação ambiental.

Para essa conscientização ambiental muito têm contribuído os órgãos de comunicação de massa em todos os níveis, a disseminação de publicações semanais que trazem artigos relacionados ao meio ambiente, o trabalho não reconhecido, e quase anônimo, de professores de escolas primárias e secundárias, que de forma muitas vezes isolada buscam transmitir aos seus alunos valores baseados no respeito à natureza e as ameaças provocadas pela ação do homem (DIAS, 2008).

Os meios de comunicação desempenham, sob este prisma, poder sobre as pessoas e sobre a transmissão de informações que podem proporcionar, onde quanto mais informadas sobre as questões ambientais mais poderão fazer em prol das políticas que resguardam as causas de diminuição de impactos negativos na natureza que venham a comprometer o desequilíbrio ecológico.

Para a difusão dos conceitos ambientais é necessário também que sejam realizadas palestras, eventos, mesas redondas e fóruns educativos e de discussão que venham a possibilitar que as pessoas questionem sobre as questões acerca da importância da educação ambiental para todos.

A população deve se posicionar e questionar aos governantes quanto ao uso correto do dinheiro público, com ênfase nas atividades de conservação e preservação, além de políticas de estímulo à recuperação do meio ambiente.

A importância da reciclagem deve ser discutida em escolas como forma de procurar diminuir as ações de impactos negativos do homem moderno na destruição de nosso planeta.

A relação homem-natureza deve ser reelaborada e regida a novos parâmetros de desenvolvimento e utilização de ferramentas humanas para atingir objetivos específicos, ressaltando, com isso a importância do meio ambiente conservado e recuperado, a mudança de pequenos hábitos cotidianos e pensamentos atuais, com a finalidade de abarcar novas formas de visualização do presente e do futuro quanto ao desenvolvimento sustentável e quanto às consequências que a sua não utilização ocasionará.

Preservar e conservar o meio ambiente são deveres que abarca governos e sociedade, devendo partir de interesses individuais ao coletivo na busca contra a destruição de recursos naturais e a busca por um desenvolvimento sustentável e mais comprometido com o futuro.

O desenvolvimento sustentável está, neste sentido, intimamente relacionado à conservação dos recursos ambientais, que por sua vez podem garantir a exploração sem que haja deterioração dos recursos naturais. E isto só é possível se houver a renovação ao mesmo tempo da utilização destes recursos, os quais podem servir para satisfazer necessidades momentâneas, devendo estar comprometidas com a capacidade de sustentar as futuras gerações (ROSE, 2002).

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Página 35 de 176 É fundamental, ainda, que sejam despertados interesses quanto às políticas públicas de

planejamento que possam despertar sensibilização nas pessoas sobre educação ambiental direcionada para a ampliação dos conhecimentos relacionados ao ambiente natural, possibilitando que o processo de conscientização venha a ser ampliado e mais discutindo no ambiente social.

O envolvimento pessoal e comunitário é, portanto, um passo fundamental para a construção de uma sociedade mais consciente e preocupada com o meio ambiente, e para isso a mudança cultural é o primeiro obstáculo que deve ser vencido neste percurso voltado para a educação ambiental aplicada no dia a dia das pessoas.

Considerações finais

Atualmente a sociedade está baseada na superprodução e no superconsumo de uma pequena parcela da população, que atinge negativamente a maior parte diante seus atos, provocando que esta maioria passe a viver em condições de subconsumo.

A consciência ambiental é um ato político e social que transpassa o sentido de sua palavra, abrangendo questões culturais, psicológicas e morais, necessitando ser mais bem avaliada diante das novas formas de se ver a natureza e de se apropriar dela.

Este pensamento deve ser absorvido e aplicado através de atitudes conscientes diante da natureza, principalmente ao que se refere à reposição do que se é retirado dela, para que no futuro haja a possibilidade de sobrevivência na sociedade.

Devem existir parcerias em benefício da natureza, principalmente ao que se refere à difusão da informação. Além disso, deve existir um plano de ação para a preservação e para a conservação de acordo com seus padrões de relação com a natureza, abrangendo pequenos e grandes hábitos que atingem o ambiente natural.

Todos necessitam, portanto, abrir os olhos para as proeminências de que o mundo necessita ser respeitado, seja nos aspectos políticos e sociais, seja pelos aspectos ambientais e culturais, os quais são considerados como mais importantes diante de todas as informações discutidas no presente artigo.

Referências BARRETTO, Margarita. Planejamento responsável do turismo. São Paulo: Papirus, 2005. DIAS, Reinaldo. Turismo, Cidadania e Educação Ambiental. In:______. Turismo sustentável e meio ambiente. 1. ed. 4. reimp. São Paulo: Atlas, 2008 HALL, G. Michael. Planejamento turístico: políticas, processos e relacionamentos. São Paulo: Editora Contexto, 2004. JACOBI, Pedro. Educação Ambiental, cidadania e sustentabilidade. São Paulo: Cadernos de pesquisa, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/n118/16834.pdf . Acesso em 01 de set. de 2012. LOUREIRO, Carlos Frederico. Educação ambiental crítica: contribuições e desafios. In.: ______. MELLO, Soraia Silva de; TRAJBER, Rachel. Vamos cuidar do Brasil: conceitos e práticas em educação ambiental na escola. Brasília: Ministério da Educação, Coordenação Geral de Educação Ambiental: Ministério do Meio Ambiente, Departamento de Educação Ambiental: UNESCO, 2007. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Meio Ambiente. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/meioambiente.pdf> Acesso em agosto de 2012 NATUREBA. A Poluição do Ar e o Desequilíbrio do Clima. Disponível em <http://www.natureba.com.br/> acesso em julho de 2012. PESTANA, Ana Paula da Silva. Educação Ambiental e a Escola, uma ferramenta na gestão de resíduos sólidos urbanos. Disponível em <http://www.cenedcursos.com.br/educacao-ambiental-e-a-escola.html> acesso em Julho de 2012.

ROSE, Alexandre Duratti. Turismo: Planejamento e marketing. São Paulo: Manole, 2002. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 36 de 176 APRENDIZAGEM APLICADA E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR NO ENSINO PARA A

COMPREENSÃO: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA SOBRE O TEMA

João André Tavares Fernandes7 Resumo Este estudo tem como objetivo elucidar algumas considerações apresentadas por alguns autores sobre o Ensino para a Compreensão como proposta de ensino. A metodologia apresentada neste estudo vem com bases em pesquisas bibliográficas, que procura associar os conceitos estudados relacionando-os à prática. Possibilitando um olhar diferenciado à formação do professor para a compreensão, conectados a uma visão baseada na capacidade de desempenho flexível. Importante citar neste estudo as ressalvas postas por alguns autores sobre a relação social entre docentes e discentes, estes e outros aspectos sociológicos permitem uma mudança na escola, já que as salas de aula se enchem e os professores assumem um novo papel. Palavras-chave: Ensino para Compreensão, Aprendizagem, Formação. Abstract This study aims to clarify some points made by some authors on the Teaching for Understanding and teaching proposal. The methodology presented in this study comes with bases for literature searches, to combine the concepts studied relate them to practice. Allowing a different look to the education of teachers for understanding, connected to a vision based on the ability of flexible performance. Important to mention in this study the reservations made by some authors on the social relationship between teachers and students, these and other sociological aspects allow a change in the school, as classrooms are filled and teachers assume a new role. Keywords: Teaching for Understanding, Learning, Training. Introdução

Como sabemos se nossos alunos estão compreendendo? O que é o Ensino para a Compreensão (EpC) na prática? Como aplicar a aprendizagem para compreensão? O professor está preparado para ensinar nessa proposta? É uma questão complexa responder a essas perguntas. Mas, em termos práticos, não são tão confusas, ou seja, conhecimento, habilidade e compreensão são as ações no mercado da educação, vamos qualificar estes conceitos.

Nesse sentido Moreira (2002) afirma que:

“O avanço das pesquisas e da experiência, os professores disporão de instrumentos que lhes permitem delimitar melhor a natureza dos obstáculos às aprendizagens encontradas em cada aluno e, portanto, saber se requerem uma intervenção urgente, ou um desvio, ou um tempo de latência, por exemplo, dando à criança tempo para crescer, amadurecer, superar as crises familiares ou problemas de individualidade. Os professores precisam encontrar meios de criar espaço para mutuo engajamento das experiências de multiplicidade de vozes, por um único discurso dominante. Mas professores e alunos precisam encontrar maneiras de que um único discurso se transforme em local de certeza e aprovação”. (idem, p. 106)

7 Professor do curso de Administração de Empresas da Universidade Cidade de São Paulo. Mestrando do Programa

de Educação da Universidade Cidade de São Paulo – UNICID.

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Página 37 de 176 Dentro desta perspectiva posta por Moreira, este estudo tem como objetivo contribuir com as

reflexões referentes às diversas questões do ensino e aprendizagem. Buscando e promovendo uma mediação entre, alunos e professores, sobre as implicações e desdobramentos dos níveis desiguais que participam dos programas de educação, aprendizagem e formação docente sob o olhar de alguns autores.

A presente pesquisa procurou identificar de forma bibliográfica como é possível professores

motivar os alunos no processo de ensino-aprendizagem utilizando o método de compreensão. A aprendizagem é um fenômeno extremamente complexo, envolvendo aspectos emocionais, sociais, educacionais e culturais. A aprendizagem é resultante do desenvolvimento de aptidões e de conhecimentos, bem como da transferência destes para novas situações.

O processo de organização das informações e de integração do material à estrutura social e educacional é o que os educadores denominam aprendizagem, é necessário refletir que cada indivíduo apresenta um conjunto de estratégias perceptivas que mobilizam o processo de aprendizagem. Em outras palavras, cada pessoa aprende a seu modo, jeito, estilo e ritmo. Aprendizagem versus compreensão: conceitos e práticas

Partindo do pressuposto de que a curiosidade é um elemento fundamental do processo de ensino-aprendizagem, ao ser despertado ela contribui para a motivação dos alunos na busca dos conhecimentos.

Como ensinar para a compreensão? Wiske (2007, p.12) cita em seu livro a pesquisa realizada em Harvard “de 1988 até 1995 um grupo

de pesquisadores da Harvard Graduate School of Education trabalhou em conjunto com professores de escolas vizinhas em pesquisa para ligar com essas questões.

Quando abordamos conhecimento, habilidade e compreensão, David Perkins (apud, Wiske 2007,

p.37) explica que a maioria dos professores demonstram um forte comprometimento com os três. Todos querem alunos emergindo da escolarização ou de outras experiências de aprendizado com um bom repertório de conhecimento, habilidades bem desenvolvidas e uma compreensão do significado, da importância e da aplicação daquilo que estudaram.

Perkins (apud, Wiske 2007, p. 37) diz que a compreensão é a capacidade de pensar e agir de

maneira flexível com o que se sabe, ou seja, de outro modo, a compreensão de um tópico é uma “capacidade de desempenho flexível” com ênfase na flexibilidade”.

Dentro deste conceito de “capacidade de desempenho flexível” o grupo de professores da

Harvard citados acima estabelecem quatro elementos que determinam como marco conceitual8, seus elementos são: tópicos geradores, metas de compreensão, desempenhos de compreensão e avaliação continuada.

O trabalho com professores durante os anos iniciais do projeto revelou que aprender a ensinar

para a compreensão é por si só, um processo de desenvolvimento de compreensão. A partir dessa perspectiva, o próprio marco do EpC oferece uma base para orientar o processo de Compreensão, Planejamento, Implementação e Integração.

A partir de uma análise mais concreta, Wiske (2007) cita que:

Primeiro, define que vale a pena compreender, organizando um currículo em torno de tópicos geradores que são centrais à matéria. Segundo, estabelece que os alunos irão

8 O marco conceitual do Ensino para Compreensão baseia-se na crença de que os alunos constroem e demonstram

compreensão por intermédio de aplicações criativas e inovadoras de seu conhecimento. A fim de desempenhar suas

compreensões eles devem ficar ativamente envolvidos com sua aprendizagem. (Martha, 2007)

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Página 38 de 176 compreender formulando metas de compreensão explícitas, focalizadas em ideias e questões fundamentais à disciplina, tornando-as públicas aos alunos, pais e outros membros da comunidade escolar. Terceiro, estimula a compreensão dessas metas por parte dos alunos engajando os aprendizes em desempenho de compreesão que requerem deles ampliar, sintetizar e aplicar o que sabem. Desempenhos de compreensão ricos permitem aos alunos aprender e expressar-se por meio de inteligências e formas de expressão múltiplas. Quarto, mede a compreensão dos alunos realizando avaliação contínua de seus desempenhos. Tais avaliações são mais eficientes em termos educacionais quando ocorrem com frequência, baseiam-se em critérios públicos, diretamente relacionados a meta de compreensão, são conduzidos pelos alunos e pelos profesores. (idem, p. 13)

Dentro desta perspectiva a autora explica que:

O marco conceitual do EpC organiza investigações para auxiliar professores a analizar, planejar, implementar e avaliar a prática focalizada no desenvolvimento da compreensão dos alunos. Ele não prescreve respostas a questões, mas, sim, proporciona orientação clara, coerente e específica para ajudar educadores a desenvolver suas próprias respostas. (ibidem)

Considerando-se inevitável a presença do marco conceitual nesse contexto de aprendizagem, cabe perguntar: Como a capacidade de uma pessoa de usar seu conhecimento de maneira inovadora podem contribuir com a aprendizagem do aluno?

Perkins (apud, Wiske 2007, p. 45) acentua com propriedade e considera que com a noção de

aprendizagem de desempenho no centro, alguns princípios gerais ajudam a definir o trabalho para o aprendiz e o professor.

O autor faz algumas observações em relação a visão de aprendizagem para compreensão:

1. Aprender visando à compreensão ocorre principalmente por meio do engajamento reflexivo em desempenhos de compreensão acessíveis, porém desafiadores. A aprendizagem também beneficia-se do engajamento reflexivo, incluindo maneiras de obter retroalimentação clara e informativa sobre si próprio e sobre os outros e de como é possível melhorar o desempenho, 2. Novos desempenhos de compreensão são construídos a partir de compreensões anteriores e novas informações proporcionadas pelo cenário educacional. Às vezes, aprendizes constroem novas compreensões inteiramente por intermédio da reflexão sobre e do trabalho com conhecimentos e compreensões anteriores. 3. Aprender um corpo de conhecimentos e habilidades para a compreensão requer necessariamente uma cadeia de desempenhos de compreensão de desafios e variedade cada vez maiores. Como consequência, a compreensão precisa evoluir por meio de uma série de desempenhos de compreensão que aumentam em desafio e variedade. 4. Aprender visando à compreensão geralmente envolve um conflito com repertórios mais antigos de desempenhos de compreensão e suas ideias e imagens associadas. (idem, 2007, p. 45-46)

Sacristán (1988) explica que as tarefas acadêmicas definem modos de trabalhar e de aprender,

permitem utilizar diversos meios, sair ou não fora das salas de aula, criam ambientes de aprendizagem particulares e definem modelos de comportamento para os quais as individualidades adaptam-se melhor ou pior.

Chris Unger (apud, Wiske 2007, p. 188), por sua vez, alerta que o EpC requer que os alunos assumam maior responsabilidade que de costume em muitas salas de aula. Os alunos que compartilham uma visão de compreensão como desempenho demonstram maior sucesso em classe de EpC em que aqueles cujas crenças são mais coerentes com a visão tradicional da realização acadêmica.

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Página 39 de 176 O autor afirma que: “além disso, acredita-se que discutir as ideias dos alunos sobre compreensão e

aprendizagem aliado à visão baseada em desempenho subjacente à estrutura do EpC possa ajudar os alunos a alcançar uma compreensão ativa, criativa e autômona”.

Para Wiske (2007):

O marco conceitual do EpC oferece orientação, mas faz muitas exigências ao conhecimento e ao tempo dos professores no planejamento de currículo e pedagogia. Os professores constantemente relatam que o EpC é um trabalho árduo, mas que o marco “transformou minha classe”, que estão “conseguindo muito mais de suas crianças” e que sua classe “é um lugar excitante para estar”. Os professores iniciam o trabalho a partir de suas paixões, interesses, necessidades e metas. À medida que os alunos se engajam em desempenhos, os professores percebem maneiras eficazes de apoiá-los e de refinar tarefas a fim de que devotem cada vez mais seus esforços para a compreensão, e não para o trabalho trivial ou de memorização. (idem, p. 114)

O professores em geral iniciam o engajamento do aluno por meio de uma exploração aberta

inicial, discussão ou tempestade de idéias. Nesse sentido Gómez (1998, p. 69-72) afirma que “o aluno/ a é um ativo processador da

informação que assimila, e o professor/ a, um mero instigador deste processo dialético por meio do qual se transformam os pensamentos e as crenças do estudante.

O autor contempla afirmando que: “para provocar este processo dialético de transformação o

docente deve conhecer o estado atual de desenvolvimento do aluno/ a, quais são suas preocupações, interesses e possibilidades de compreensão”.

De acordo com o autor, ninguém duvida hoje em dia que o estudante é um ativo mediador de

suas respostas e que o objetivo chave da educação e do ensino é provovar nele o desenvolvimento de capacidades, conhecimentos e atitudes que lhe permitam se desempenhar por si mesmo no meio em que vive.

Dentro dessa perspectiva o Gómez (1998) define que:

Aprender a aprender, perceber, interpretar, racionalizar, investigar e intervir na realidade são capacidades operativas que somete se aprendem agindo, fazendo, intervindo ativamente, mediando, enfim, ente as situações externas e as condutas. Assim, o aspecto mais importante dentro dessa corrente são os processos de socialização do professor/a, já que se considera que neste longo processo de socialização vão se formando lenta mas decisivamente as crenças pedagógicas, as ideias e teorias implícitas sobre o aluno/a, o ensino, a aprendizagem e a sociedade. (idem, p. 73)

O ensino é uma atividade prática que se propõe dirigir as trocas educativas para orientar num

sentido determinado as influências que se exercem sobre as novas gerações. Compreender a vida da sala de aula é um requisito necessário para evitar a arbitrariedade na intervenção.

Por outro lado Gómez (1998) explica que:

Cada uma dessas formas e modos distindos de ser cria possibilidades de novos esquemas de conhecimento, novas formas de compreensão e novas perspectivas de intervenção. A relação entre compreensão e intervenção forma uma espiral dialética na qual ambos os elementos estimulam-se mutuamente. Por isso, não se pode separar os modelos de compreensão e os modelos de intervenção. O professor/a, os alunos/as, os administradores e todos que participam no processo educativo intervêm condicionados por um modo de pensar mais ou menos explícito sobre os fenômenos educativos. (idem, p. 81)

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A qualificação do trabalho do professor em todos os componentes curriculares e o seu comprometimento constitui condições indispensáveis para desencadear qualquer ação que objetive aperfeiçoar o processo educativo, não é um processo fácil e sim complexo.

Pensando a respeito desta complexidade, as escolas e os professores, entre outras medidas, podem distribuir suas atenções em função das possibilidades ou necessidades de cada estudante, munir-se de recursos para o trabalho independente e criar climas de cooperação entre os alunos, facilitando a informação, o conhecimento e principalmente o intercâmbio.

Para Gómez (1998, p. 85) “o docente não pode ser nunca um mero técnico que aplica um

currículo e desenvolve técnicas e estratégias de comunicação e ensino elaboradas desde fora para uma suposta comunidade homogênea”. Cada aluno/ a e cada grupo constitui e continua constituindo seus próprios esquemas de interpretação da realidade e, concretamente, está desenvolvendo redes de troca de significados peculiares no espaço e no tempo onde vive e evolui como grupo social.

Nesta concepção o autor acredita que, a escola deve se preocupar em construir pontes entre a

cultura acadêmica tradicional, a cultura dos alunos/ as e a cultura que se está criando na comunidade social atual. Por isso, o currículo deve ser um meio de vida e de ação, de modo que os indivíduos construam e reconstruam o significado de suas experiências.

Desse modo, escolas e professores/ as precisam viabilizar o livre avanço dos mais capazes de

forma natural, alimentando o interesse do aluno/ a, abrindo-lhe caminhos e adotando a postura de um professor mediador de condições e recursos. Acreditando em uma proposta educacional suas características, experiências e condições de aprendizagem, para que os alunos/ as possam ser capazes de acreditar em uma oportunidade de igualdade mais sólida e serem mais confiantes em si mesmos.

Enguita (2007) contribui dizendo que:

A escola tem sido e é um pedroso instrumento de igualdade social, o problema surge quando, por um lado, se tem de compartilhar a igualdade com a liberdade e a responsabilidade, e por outro, quando, ao passar das palavras aos fatos, se esbarra dentro e fora da instituição, com a diversidade do potencial e real público. (idem, p. 110)

Dentro dessa perspectiva o autor acredita que “podemos até admitir que educar seja sinônimo de dar, ou de acordo com a sua etimologia, extrair, mas aprender requer sempre fazer. Por outras palavras, a educação, não depende apenas do professor, mas também do aluno.

Enguita (2007) reconhece que:

O professor pode, enquanto cidadão, apoiar qualquer outra coisa, mas como profissional e mais ainda como funcionário, deve aplicar o que a sociedade que e se, por alguma razão, considera que os critérios desta devem mudar ou não são aplicáveis à escola, deve, em todo o caso, ater-se aos procedimentos democráticos, dado que a escola é um serviço público, não dos professores. (idem, p. 112)

Os objetivos esperados devem impulsionar as capacidades nos processos de igualdade social,

como sabemos, levam ao desenvolvimento de capacidades de diversos tipos: cognitivas, de inter-relação, de equilíbrio pessoal e até motoras.

De acordo com Gómez (1998):

A cultura que se vive, trabalhada na escola, pode e deve configurar-se como uma concretização da cultura social da comunidade onde são experimentados aberta e conscientemente os problemas, os conflitos, os interesses, as alternativas e as propostas de intervenção da própria comunidade. Ou, pelo contrário, pode se construir como um

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Página 41 de 176 gueto artificial onde os problemas são simplificados e distorcidos, onde se estimule a aprendizagem acadêmica e enciclipédica, teórica e descontextualizada de instrumentos, estratégias e teorias, com pretenso valor universal, mas nula aplicação aos problemas cotidianos. (idem, p. 95)

O autor denomina como um modelo denominado processual, no qual os valores regem a

intencionalidade educativa devem ser erigidos e concretizados em princípios de procedimentos que orientem cada momento do processo de ensino. Neste modelo, o desenvolvimento do currículo é construído pelo professor/ a e, requer a atividade intelectual e criadora do mesmo, para aprofundar seus conhecimentos acerca dos valores educativos e para transferir tais valores para a prática da aula.

Para Gómez (1998, p. 376-377) a realidade é transformada porque este processo de interações

inovadores requer novas condições sociais, nova distribuição do poder e novos espaços para ir situando os retalhos de nova cultura que emergem na aula. Como todo processo de mudança conduz inevitavelmente a confrontos polêmicos, dentro de uma realidade plural cujo desenlace, ainda que imprevisível, será obviamente uma modificação da realidade.

O resultado destas mudanças é o desdobramento de ações efetivas que colabora com um processo dinâmico e flexível de sua formação acadêmica propiciando condições e recursos em sua tomada de decisão.

Uma sala de aula que propicia um espaço interativo de diálogo em complexidade crescente

potencializa o papel do professor/ a e do aluno/ a. O professor/ a torna-se “facilitador” do processo de construção dos conhecimentos e dos significados inerentes a eles e, em parceria com os alunos/ as, problematiza o contexto escolar e social via grupos colaborativos e cooperativos. A formação do professor no ensino para a compreensão: do trabalho individual ao trabalho coletivo

Para Pereira (2008, p.136-137), compreender o trabalho docente é, antes de tudo, assumir um

campo de investigação complexo. Não resta dúvida de que a Sociologia da Educação é um elemento fundante na compreensão do trabalho docente, visto que a profissão surge no contexto da constituição da escola na modernidade.

Entretanto, para o autor:

Uma parte importante do trabalho dos professores está centrada em gerir relações sociais com seus alunos. Conforme Freire: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre sim mediatizados pelo mundo. Neste sentido, ambos os alunos e professores, constituem-se como humanos e ativos prontos a agir e a reagir ao que está sendo proposto, ou seja, é reconhecer um ponto de partida adequado para um a proposta de formação continuada, pois possibilita-nos fazer a conexão adequada com o saber. (PEREIRA, 2008, p. 139-140)

De acordo com Teixeira (2007, apud Pereira, 2008, p. 142), a condição docente não é um dado

fixo e acabado, e não resulta também apenas das vontades, sejam elas individuais, sejam elas coletivas. Considerar a condição docente, ou o fazer docente, é levar em consideração também os aspectos materiais envolvidos nesse campo.

Pereira (2008) reconhece que além de considerar que a condição decente envolve essa complexa

realidade, Teixeira chama a atenção da trama de interações e trocas, em que não faltam tensões, conflitos e problemas relativos às hierarquias e estruturas, às dinâmicas e as relações de poder e à diversidade de interesses.

A autora argumenta que o cerne da docência, ou o que “funda” a condição docente é, exatamente,

a relação social entre docentes e discentes.

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Página 42 de 176 Teixeira (2007) afirma enfaticamente:

Um não existe sem o outro. Docentes e discentes se constituem, se criam e recriam mutuamente, numa invenção de si que é também uma invenção do outro. Numa criação de si porque há o outro, a partir do outro. O outro, a relação com o outro, é a matéria de que é feita a docência. Da sua experiência é a condição. Estamos, pois no domínio da alteridade. O outro está ali, diante do professor, da professora, podendo sempre surpreendê-lo, instaurando o inédito em sua ação instituinte, tanto quanto repetir ou repor o conteúdo, o instituído. O outro está ali, efetivamente ou virtualmente presente, na educação presencial ou na educação à distância, como se costuma chamar uma e outra. (apud PEREIRA, 2008, p. 144)

Teixeira e Arroyo (apud Pereira, 2008, p. 148) nos incitam a pensar a formação e os saberes

docentes, para além dos procedimentos didáticos, das perspectivas do conteúdo e da perspectiva curricular.

Imbernón (2010, p. 17) faz uma análise das últimas décadas, inicia-se nos anos de 1980 onde a

sociedade espanhola consegue a escolarização total da população. Estes e outros aspectos sociológicos surgem uma mudança na escola, já que as salas de aula se enchem e os professores assumem um novo papel.

Para o autor o trabalho docente nas escolas de graduação obriga os educadores a considerarem

uma forma diferente de trabalhar. São introduzidos elementos técnicos, como planejamento, programação, objetivos bem redatados, avaliação, etc., que terão sua difusão na etapa seguinte. Além disso, luta-se contra o analfabetismo, próprio de muitas camadas da população.

Anos de 1990 segundo o discurso daquela época, a institucionalização da formação continuada

nasce com a intenção de adequar os professores aos tempos atuais, facilitando um constante aperfeiçoamento de sua prática segundo as necessidades presentes e futuras.

De acordo com Imbernón (2010):

Nesta mesma época, anos de 1990, algo se move na formação. As mudanças sociais e políticas ajudam. Também é certa que muitas das novas ideias são assumidas como modismos, e há momentos em que não se pode distinguir quem as praticas de quem unificamente fala sobre elas, nem os que antes defendiam tenazmente o dirigismo e suas derivações dos que agora se convertem a essa nova religião e saem em sua defesa, centrados em sua ideias, mas não em suas práticas. (idem, p. 21)

Imbernón (2010, p. 23) contribui dizendo que: “no entanto, é certo que nos últimos anos,

principalmente naqueles países governados por uma direita conservadora, que aplica um neoconservadorismo9 profundo na educação, apareceu um “desânimo” ou talvez um desconcerto não apenas entre grupos de professores, mas também entre todos que, de uma forma ou de outra, se preocupam com a formação”.

Para o autor é imprescindível uma alternativa de formação que aceite a reivindicação desse eu, da

subjetividade dos professores, da identidade docente como um dinamismo da forma de ver e de transformar a realidade social e educacional, e seus valores, e da capacidade de produção de conhecimento educativo e de troca de experiências.

Tal concepção chamada de identidade docente, por Imbernón (2010, p.79-80), pode-se relacionar

tal identidade com o que vem chamando de “trajetória ou desenvolvimento profissional”, já que se tem

9 É uma corrente da filosofia política que surgiu nos Estados Unidos a partir da rejeição do liberalismo social,

relativismo moral e da contracultura da Nova Esquerda dos anos sessenta. Originalmente os neoconservadores se

colocavam em uma perspectiva mais a esquerda.

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Página 43 de 176 feito uma leitura de desenvolvimento profissional com conotações funcionalistas, quando o definem apenas como uma atividade ou um processo para a melhoria das habilidades, atitudes, significados ou do desenvolvimento de competências genéricas.

Para o autor motivar a formação continuada, é necessário gerar uma motivação intrínseca

relacionada à tarefa de “ser professor ou professora”, ação que é muito mais difícil, se os docentes se encontram imersos em um ambiente de desmotivação e passividade, educacional ou ideológica.

Imbernón (2010, p.109-110) propõe a formação em atitudes10 (cognitivas, afetivas e

comportamentais) que ajuda no desenvolvimento pessoal dos professores. De acordo com o autor, em uma profissão em que a fronteira entre o profissional e o pessoal está difusa. A formação dos professores junto ao desenvolvimento de atitudes será fundamental.

Juntos, professores passam a estabelecer relações com outros saberes e com o próprio cotidiano, estabelecendo relações e construindo redes de conhecimentos. Este cenário conduz a uma transformação da capacidade de gerar novos conhecimentos pedagógico-didáticos a partir de seu próprio contexto.

A formação deve ajudá-los a estabelecer vínculos afetivos entre si, a coordenar suas emoções, a se motivar e a reconhecer as emoções de seus colegas de trabalho, já que isso os ajudará a conhecer suas próprias emoções, permitindo que se situem na perspectiva do outro, sentindo o que o outro sente.

Podemos citar vários pilares ou princípios para uma formação no coletivo, como por exemplo: elaborar projetos de trabalho em conjunto; conhecer as diversas culturas da instituição para vislumbrar os possíveis conflitos entre colegas; aprender sobre prática mediante a reflexão e a resolução de situações problemas; aprender de forma colaborativa, dialógica, participativa, isto é, colegialidade participativa e não artificial.

O processo reflexivo torna-se alicerce para que se construa um processo interdisciplinar efetivo no cotidiano, por meio de uma prática pedagógica que esteja impregnada de pesquisa, discussão, análise e desenvolvimento metacognitivo dos professores/ as e alunos/ as sobre o conhecimento construído de forma individual e coletiva.

Perrenoud (2000) alerta que:

Trabalhar a partir das representações dos alunos não consiste em fazê-las, expressarem-se, para desvalorizá-las imediatamente. O tentar compreender suas raízes e sua forma de coerência, não se surpreender se elas novamente, quando julgávamos ultrapassadas. A escola não se constrói a partir do zero, nem o aprendiz não é uma tabula rasa, uma mente vazia; ele sabe, ao contrário, “muitas coisas”, questionou-se e assimilou ou elaborou respostas que o satisfazem provisoriamente. Por causa disso, muitas vezes, o ensino choca-se de frente com as concepções dos aprendizes. (idem, p. 28)

Perrenoud (2000, p. 147-148) vai mais além, “lutar contra os preconceitos e as discriminações

sociais, étnicas e sociais na escola não é só preparar o futuro, mas é tornar o presente tolerável e, se possível fecundo. E antes de qualquer coisa, para pôr os alunos em condições de aprender que é preciso lutar contra as discriminações e os preconceitos.

Seria importante que cada vez mais professores se sentissem responsáveis pela política de

formação contínua e interviessem individual ou coletivamente nos processos de decisão.

10 Entende-se aqui, “atitude” como o sentimento de disposição ou predisposição conseguido e organizado por meio

da experiência e que exerce uma influência específica sobre a resposta do indivíduo ao contexto.

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Página 44 de 176 Para finalizar, Martha (2007) alerta que:

O marco conceitual do EpC orienta professores a revisar antigas questões sobre o que e como ensinar. Ele os incentiva a continuar aprendendo sobre sua matéria, enquanto desenvolvem tópicos geradores mais potentes, e a articular metas de compreensão mais penetrantes. Ele os ajuda a ouvir seus alunos a fim de aprender como estão entendendo o currículo e ajudá-los visando a atender seus interesses, pontos fortes e pontos fracos. (idem, p. 68)

Com o EpC o professor tem a possibilidade de adquirir mais capacidade didática em compreender

ainda mais os alunos/ as, propor algo mais sugestivo, inovador, um novo modelo de professor possibilitando condições e recursos aos alunos/ as. Trabalhar criando diferencial, novas estratégias e novas formas de atuar em sala de aula buscando resultados e alcançando os objetivos pré estabelecidos.

Considerações finais

Com o mercado globalizado há uma preocupação muito forte em relação à formação do professor para atender a demanda aplicada pela sociedade, a qualidade da formação oferecida é o mínimo exigido para que as instituições sobrevivam. Teorias e modelos de aprendizagem são disseminados por toda a instituição, nenhuma inovação irá produzir uma ampla melhoria na escola se ela desenvolver apenas nas mãos de professores com capacidade e apoio incomuns.

Após o término deste estudo, acredito em um trabalho contínuo, empenhado em uma energia considerável com apoio de professores, alunos, comunidade, onde o conjunto possa contribuir com valores e reflexão diferentes. As instituições são obrigadas a reaprender a aprender, priorizando-se o todo e o trabalho em grupo, na busca de soluções para os problemas, ou seja, da individualidade para o coletivo.

A partir das novas concepções vistas e pela nova metodologia na qual foi apresentada neste estudo – Ensino para Compreensão – (EpC), percebemos uma grande mudança, inserida no contexto educacional, possibilitando um maior entendimento do que é “compreensão”. Mas, ainda estamos caminhando, para construção de valores e objetivos em comum.

O motivo para desenvolver a compreensão se torna o desejo de ajudar outras pessoas, de acordo com suas circunstâncias, considerando quais são os fatores mais decisivos em cada caso. Portanto, compreender, dentro de uma visão macro, significa ter o desejo pelo aprendizado e pelo outro. Saber se realmente há o envolvimento em sala, a participação ativa dos alunos. Permitindo que o professor opere neste cenário como facilitador de condições e recursos e os alunos participem ativamente promovendo discussão, debates, trocando experiências profissionais, pesquisando.

O professor deve encontrar estratégias, recurso para fazer com que o aluno/ a queira aprender, deve fornecer estímulos para que o aluno/ a se sinta motivado a aprender. Ao estimular o aluno/ a, o educador desafia-o sempre, para ele, aprendizagem é também motivação, onde os motivos provocam o interesse para aquilo que vai ser aprendido. É fundamental que o aluno/ a queira dominar alguma competência. O desejo de realização é a própria motivação, assim o professor deve fornecer sempre ao aluno o conhecimento de seus avanços, captando a atenção do aluno. Referências ENGUITA, M. F. Educação e transformação social. Portugual: Edições Pedagogo, 2007. IMBERNÓN, F. Formação Continuada de professores. Porto alegre: Artmed, 2010. MOREIRA, A. F.; SILVA, T. T., Currículo, cultura e sociedade. 6. Ed. São Paulo: Cortez, 2002. PEREIRA, J. E. D. Quando a diversidade interroga a formação docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000. SACRISTÁN, J. G. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 1988. SACRISTAN, J. G.; GÓMEZ, A. I. P. Compreender e transformar o ensino. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. WISKE, M. S. [et al.] Ensino para a compreensão: a pesquisa na prática. Porto Alegre: Artmed, 2007. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 45 de 176 O HOMEM CAMUSIANO: PARA ALÉM DO ABSURDO, PARA ALÉM DA REVOLTA,

RUMO AO NADA

João Batista Farias Júnior Resumo Este artigo tem como intenção apontar alguns traços do homem que Albert Camus destaca. Para além de sua condição existencial absurda e para além de qualquer revolta para com tal condição, nos engajaremos em apontar o ponto para o qual a existência humana converge, este nada mais é do que o próprio nada, o niilismo aporta na obra camusiana e assume uma importante posição para o homem. O homem, segundo Camus, vê-se diante do absurdo da vida e mais, vê-se caminhando rumo a coisa nenhuma. Palavras-chave: absurdo, revolta, niilismo. Abstract: This article is intended to point out some features of the man who Albert Camus show us in his works. Beyond his existential condition absurd and beyond any anger toward such a condition, we will intend to descry the point to which human existence converge, this is nothing more than his own nothingness, nihilism brings in the work and assumes an important position for the man. The man, told us Camus, finds himself at the absurdity of life and more, he sees himself moving toward anything. Key-words: absurd, revolt, nihilism. Considerações iniciais

Arriscamo-nos na busca por uma elucidação a respeito do homem na obra de Albert Camus sem grandes pretensões. E se vamos deixar de lado pretensões que possivelmente nos impediriam de avançar rumo ao esclarecimento de um ponto como este na obra de Camus, talvez devamos então já, desde o inicio de nossa jornada, deixar claro que a obra de Camus não pode ser base para um estudo antropológico que vise uma definição de homem, bem como de suas diversas perspectivas. Não falaremos de um conceito de homem que pretenda ser absoluto, nos colocamos longe desse absurdo. Trabalharemos antes com a concepção de uma condição humana que se mostra cada vez mais delineada nas últimas décadas. E Camus com suas ideias conseguiu alcançar bem essa condição tão contingente, compreendendo o momento em que se encontra o homem no último século.

Essa condição humana de que nos fala Camus se desenvolve através de seus personagens, bem como se apresenta teorizada nas bases de seus ensaios, principalmente no ensaio O mito de Sísifo. Tomaremos como base para nosso estudo principalmente O mito de Sísifo, além dele, O estrangeiro nos auxiliará nessa tentativa de aproximarmo-nos do que Camus tem a dizer sobre o homem. Evidente, para além dessas duas obras, O homem revoltado também terá muito a nos dizer sobre o que Camus pensou, sobretudo a respeito do caráter ético presente em sua obra. O absurdo da condição humana

Albert Camus é sempre lembrado como grande representante da corrente filosófica chamada existencialismo. Filósofo, literato e engajado com a política em seu tempo, Camus nos legou uma obra densa e singular. Em sua obra ensaística, e mesmo em suas obras mais literárias, a temática existencial é preponderante.

Camus em seu ensaio filosófico O mito de Sísifo de início deixa claro a questão fundamental a ser

respondida: “julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida” (CAMUS, 2008c, p.17). As questões demais são também importantes, entretanto jamais poderão alcançar a seriedade da primeira. Respondê-la é o ato definitivo para o homem. Assim, propondo ensaiar sobre tal questão Camus nos levará a pensar toda a dimensão da pergunta e da resposta daquele que é o problema filosófico mais sério.

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Página 46 de 176 O suicídio para Camus não é uma questão que deve ser pensada como um problema social, mas,

longe disso, diz respeito ao intimo do indivíduo, é uma questão que do pensamento que pode irromper a qualquer instante, desencadeada até mesmo por atos aparentemente incapazes de levar alguém a matar-se. O suicídio é o momento em que o homem confessa a si mesmo que sua vida não é digna de ser vivida.

Viver naturalmente, nunca é fácil. Continuamos fazendo os gestos que a existência impõe por muitos motivos, o primeiro dos quais é o costume. Morrer por vontade própria supõe que se reconheceu, mesmo instintivamente, o caráter ridículo desse costume, a ausência de qualquer motivo profundo para viver, o caráter insensato da agitação cotidiana e a inutilidade do sofrimento. (CAMUS, 2008c, p.19).

O suicídio pode não ser uma porta aberta por muitos, mas ainda assim aqueles que a ultrapassam

estão dotados de um sentimento forte o suficiente para a realização da última privação. Mas “qual é então o sentimento incalculável que priva o espírito do sono necessário para a vida?” (CAMUS, 2008c, p.20). Ora, se enquanto vive o homem dorme, o suicídio só pode se dar com aqueles que acordam para algo, algo novo e não pensado antes durante o sono. O absurdo, sentimento do homem que se reconhece privado da possibilidade de afirmação de algum sentido para a vida, comanda então o homem até seu ato final.

O mito de Sísifo, obra base para essa nossa investigação, aborda a relação existente entre suicídio e o absurdo. Tal relação nos permitirá apreender algo sobre o homem camusiano e sobre o próprio homem contemporâneo, este mesmo que se reconhece, reconhece o absurdo de sua condição, mas, no que tange ao último, ainda não pensa a respeito de tal condição, não consegue colocar-se a questão de julgar se a vida vale ou não ser vivida.

Em O mito de Sísifo o absurdo é o ponto de partida para se pensar o homem, para pensarmos a única questão importante ao homem. Quem então é este homem? O homem absurdo é este que não acredita em nada além do sentimento de estranheza que o agora comporta, este para quem não importa se é o Sol que gira em torno da Terra ou se é o contrário que se dá. O homem absurdo é este que não tem crença alguma, para quem metafísica alguma adianta.

Sísifo na mitologia é o herói condenado a empurrar um rochedo até o cume de uma montanha para logo em seguida o mesmo rochedo rolar montanha abaixo, fato que o leva à repetição, ao eterno trabalho, vão, inútil e sem esperança. Este Sísifo é para Albert Camus um herói, um herói absurdo. Esse fado, o destino de Sísifo e de todos os homens, se faz absoluto no momento em que Sísifo desce a montanha e pensa em todo seu trabalho, sua vida condenada, e continua firmemente sua jornada. Sísifo suporta o peso da rocha e de sua vida graças à afirmação que o mesmo faz-se, tudo está bem, Sísifo dá seu salto e segue para seu destino.

Esse salto é proveniente do reconhecimento do absurdo e nele se configura a afirmação de que o absurdo exige que seja admitido. Vejamos o que nos diz Camus sobre o absurdo, o homem e o salto:

Se há absurdo, é no universo do homem. Desde o momento em que sua noção se transforma em trampolim de eternidade, não está mais relacionada com a lucidez humana. O absurdo é mais aquela evidência que o homem constata sem admitir. (CAMUS, 2008c, p.49).

Não se trata, nos aleta Camus, de um salto para a eternidade. O homem que se reconhece, que

reconhece o absurdo, sabe de sua finitude e de sua solidão. “Este salto é uma escapatória” (CAMUS, 2008c, p. 49). Escapar para onde ou o quê? Para a consciência de que não há nada além da presente condição, condição absurda.

Albert Camus possui outro personagem distinto no que tange à problematização do absurdo, é Meursault o encarregado de absorver o tema do absurdo na obra O estrangeiro. O estrangeiro inicia-se já bruscamente, seu protagonista recebe um telegrama do asilo no qual a sua mãe vivia informando-lhe que esta falecera.

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Página 47 de 176 Hoje morreu mamãe, ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentimos pêsames. Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem. (CAMUS, 2008a, p.47).

Mas o fato da morte parece que já não exige atenção. Meursault atem-se muito mais ao tempo. E

ainda esta atenção que ele dedica ao tempo é simplesmente algo acidental, que logo passará e será esquecido. Este personagem é singular. Meursault é alguém que não espera nada da vida, que vive a repetição de seus dias, sente uma saudade que não sabe bem definir e é completamente indiferente às coisas que os outros homens dão atenção. Aí está o homem absurdo de Camus.

Sua vida muda bastante quando diante do Sol, segurando um arma, Meursault atira e mata um árabe. Em seu julgamento tem-se a certeza que sua condenação advém não absolutamente do crime cometido, mas do fato de ter demonstrado indiferença à morte de sua mãe. No entanto, desse momento em diante, mais ainda o absurdo de sua existência é passado a nós leitores. Meursault em momento algum mostra-se arrependido, não se arrepende de nenhum fato em sua vida. No entanto ao ser questionado pelo padre que vem para confessá-lo se este pensa numa outra vida, responde prontamente que não. Para ele todas as vidas equivalem e a sua não lhe agradou absolutamente. Meursault, vive o absurdo, para ele qualquer vida é apenas mais um suceder de acontecimentos. Desejar uma outra vida, diz ele ser apenas um fato tão em vão quanto desejar ser rico ou possuir melhores feições. O homem e seu engajamento: a revolta

O absurdo do qual se dá conta o homem está muito próximo da expressão de revolta que tomará

este mesmo homem. E já este outro sentimento que aparece à inteligência é outro salto. Camus nos fala do absurdo que é a condição humana, mas já nesse absurdo estarão as raízes do homem revoltado, insatisfeito com a vida, mas ainda assim engajado com ela.

É bem sabido por todos que da obra de Camus alguns trabalhos são abertamente críticos e são fruto do pensamento político de nosso literato-filósofo. Albert Camus não foi um homem que diante dos acontecimentos daquele momento se reservou um espaço e se alienou do tempo, muito longe disso, seus textos são reflexos dos ideais que defendia.

O absurdo precede a revolta, e esta na obra de Camus irrompe em O homem revoltado. Esta é sem dúvida uma de suas obras mais polêmicas. Quanto ao engajamento político, Camus deságua sua frustração e revolta contra os atos terríveis daqueles países que ocuparam a França.

O homem revoltado, segundo Camus, é aquele que deixa de lado a vida em si para exigir as razões da vida. Nenhum crime pode ser justificado em nome da história. A revolta é esse movimento do homem contra aqueles que fazem todo tipo de crueldade em nome de qualquer ideal que seja. A revolta deixará de lado a indiferença do homem no que tange à vida com os outros. O homem revoltado reconhece-se unido a todos os outros.

Na experiência do absurdo, o sofrimento é individual. A partir do movimento de revolta, ele ganha a consciência de ser coletivo, é a aventura de todos. O primeiro avanço da mente que se sente estranha é, portanto, reconhecer que ela compartilha esse sentimento com todos os homens, e que a realidade humana, em sua totalidade, sofre com esse distanciamento em relação a si mesma e ao mundo. (CAMUS, 2008b, p.35).

Camus escreve O homem revoltado poucos anos depois da Segunda Guerra Mundial. A obra vem então a fim de engajar aqueles que não conseguem se resignar diante das atrocidades que os bárbaros cometem.

Não se deve aceitar simplesmente o absurdo, pelo menos não se a isso seguir uma passividade que degenere ainda mais a condição humana. Para além do absurdo resta ao homem a revolta. Encarar o absurdo e fazer deste seu combustível para a contínua revolta em favor da retomada da vida, agora em termos comuns com o outro. A vida requerer lucidez, e aqueles que não a negarem com o suicídio terão a

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Página 48 de 176 possibilidade de viver honestamente com sua condição absurda e mais, verão no compartilhamento de tal condição com o outro uma forma de levar o absurdo à revolta. Para além do absurdo: o homem e o niilismo

Camus adverte que a revolta pode ser vã se tomar uma direção bem contrária a aquela originária

que une a todos os homens. Ele nos adverte que tomemos cuidado. Devemos atentar para os sentimentos que guiarão nossa revolta, já que desde muito tempo o homem encontra-se em um extremo.

Estamos neste extremo. No fim destas trevas, é inevitável, no entanto, uma luz, que já advinha – basta lutar para que ela exista. Para além do niilismo, todos nós, em meio aos escombros preparamos um renascimento. Mas poucos sabem disso. (CAMUS, 2008b, p. 38).

Se pudermos concluir algo sobre o homem na obra de Camus, esta conclusão poderia ser

exemplificada em seu personagem Riex da obra A Peste. Este é o verdadeiro exemplo de um homem revoltado, consciente da absurdidade de sua existência, decididamente inconformado com a situação do resto das pessoas, com o próprio mundo e até consigo mesmo.

Lembrando do ato que Camus diz ser preciso ser feito para tomarmos o absurdo em absoluto para nós mesmos, o salto; Riex é sem dúvida alguma o tipo de homem que conseguiu dar o salto. E como iremos concluir aqui, o salto o dignificou. Já que este alcançou aquilo que o esperava logo após o salto, e ao contemplá-lo não se ressentiu, até mesmo porque não haveria absurdo maior que este, Riex se deu conta do mal estar que a situação presente o trazia, mas conseguiu associar sua sensibilidade à luta.

Camus nos advertiu em O mito de Sísifo que não existe a verdade, mas verdades. O homem deixa as convenções sociais, descontente com o mundo e consigo mesmo, pois se reconhece como um grão de areia inútil e perdido na vastidão do deserto. Ele será descontente, sozinho e incoerente com os outros, porém, será verdadeiro e coerente consigo mesmo. Aí residem os termos que importam ao homem, a aquele mesmo que a princípio se perguntou sobre sua vida, sobre sua existência. Aqueles que disseram não ao suicídio, talvez depois de algum certo tempo, depois de algum tempo diante do Sol, conseguiram dar o salto e preservarem-se homens. E sobre aqueles que responderam não ao absurdo, talvez estes tenham se resignado já desde o inicio e concluíram não haver caminho mais rápido que o caminho da morte.

Meursault pode estar sob a égide do absurdo, completo em sua solidão e abstenção do resto do mundo. Seu salto foi este que se dá sozinho. Mas já sabemos que não é este o único modo de saltar, já que não existe uma verdade, mas verdades. Cada homem camusiano dá seu salto de forma nova, original. E sob isso que é dito teremos o salto dado pelo homem revoltado. Com o homem revoltado tem-se consciência que essa condição absurda é compartilhada por todos os homens. Assim, este pode engajar-se junto do outro na aventura que é a vida. Mesmo que isso signifique ter que enfrentar em algum momento uma peste. Essa será enfrentada com uma vontade de superação, com toda a frustração e revolta que o homem pode ter.

A obra de Albert Camus deve ser compreendida por nós como uma tentativa de mostrar não apenas a condição do homem, quem é este e o que o espera. Acima de tudo o pensamento de Camus se constitui como um engajamento, uma reflexão que visa trazer à nossa consciência a certeza que cada um possui; não somos nem apenas vítimas e nem completos carrascos. Resta-nos o salto que a pergunta fundamental exige. Se iremos responder à pergunta já é outra questão. E tão pouco espera-se algo para além do salto. Para além do absurdo não há nada, para além da revolta não há vida. Além do absurdo e da revolta, subjacente ao nada está a possibilidade de prepararmos um renascimento como afirma Camus. É isso que o homem camusiano possui. Para além de tudo isso, nada.

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Página 49 de 176 Referências Bibliográficas: CAMUS, Albert. A peste. São Paulo: Record, 1997. ____________. O estrangeiro. Trad. Valerie Rumjanek. 29ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008a. ____________. O Homem Revoltado. Trad. Valerie Rumjanek. 6ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008b. ____________. O Mito de Sísifo. Trad. Ari Roitman e Paulina Watch 6ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008c. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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A (DES) MONTAGEM DA MÁQUINA: COMPLICAÇÕES EM "CONTO BARROCO OU UNIDADE TRIPARTIDA", DE OSMAN LINS.

João Guilherme Dayrell11 Resumo Este artigo pretende abordar o texto "Conto barroco ou unidade tripartida", presente em Nove Novena, de Osman Lins, por meio da análise do conceito de dobra, que Deleuze infere ao ler o barroco, e da estratégia da interrupção e suas implicações segundo as anotações de Walter Benjamin. Conclui-se que o escritor brasileiro produz por meio de tais estratégias a desmontagem de uma máquina, fornecendo-nos uma expressão americana em devir, conforme o enunciado por Lezama Lima. Palavras-chave: Conto barroco ou unidade tripartida; Dobra; Montagem. Abstract This paper intend to approach the text "Conto barroco ou unidade tripartida", present in Osman Lins‟s “Nove Novena”, by analyzing the concept of fold, which Deleuze infers reading the baroque, and by the strategy of interruption and its implications according to Walter Benjamin‟s annotations. It is concluded that the brazilian writer produces, from such strategies, the machine‟s unsetting providing us an american expression in becoming, as enunciated by Lezama Lima. Keywords: Conto barroco ou unidade tripartida, Fold; Setting.

“Sem ânimo sequer de abrir os olhos, porém com um novo e passageiro sentido à espreita em algum ponto do meu ser (...), percebo os lentos e solenes movimentos do mundo, a montagem da máquina.” Osman Lins, Avalovara

Em uma entrevista ao periódico Outra Travessia, de Florianópolis, Silviano Santiago nos lembra

que “o verbo complicar tem as raízes no verbo latino „dobrar”.12 Para o autor, “tudo que dobra se desdobra, tudo que se desdobra não deixa que se ocultem à vista as partes dobradas.”13 O dicionário Aurélio inclui o ato de “reunir coisas heterogêneas”14 entre as definições do termo complicar. Sendo assim, ao falar em complicações poderíamos falar também em dobras, mas não como substituição da última pela primeira – metáfora –, mas como uma metamorfose da própria palavra; um desdobramento que abraça outra coisa que é também heterogênea.

A dobra – le pli -, segundo Deleuze, existe em diversos lugares: “há todas as dobras vindas do

Oriente, dobras gregas, romanas, românicas, góticas, clássicas...”15, mas o barroco “curva e recurva as dobras, leva-as ao infinito”, o que faz com que o barroco não remeta a uma essência, mas a “uma função operatória, a um traço”16. Isto nos leva a entender que o excesso da linguagem encontrado no barroco o retira de sua coincidência para consigo – algo como um caráter autônomo, contente e fechado em si de um texto ou obra artística – e o coloque no tempo, em devir: assim, ele não é “uma variação da verdade de acordo com um sujeito, mas da condição sob a qual a verdade de uma variação aparece ao sujeito”17.

11 Doutorando em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concentrando sua pesquisa nas relações entre homem e natureza/animalidade na obra de Osman Lins. Possui mestrado em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina E-mail: [email protected]

12 SANTIAGO, 2004, p. 12. 13 Ibidem. 14 FERREIRA, 1986, p. 441. 15 DELEUZE, 1991, p. 13. 16 Ibidem. 17 Ibidem. p. 40.

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Página 51 de 176 Partindo destas colocações, este trabalho toma o texto "Conto Barroco ou Unidade Tripartida",

presente na obra Nove Novena, de Osman Lins, publicada pela primeira vez em 1966, como objeto de análise. Aqui se pretende evidenciar como o dobrar da linguagem sobre si, que no especificado conto nos diz de um lançar de tempos heterogêneos – tal qual Haroldo de Campos se servia das galáxias, do tropeço nos astros18 –, nos obriga a operar a leitura por meio de uma montagem. Faz-se, para tanto, necessário lançar os olhos para construções teóricas realizadas para abordar a estética barroca, o que permitiu, por sua vez, sua ampla retomada na modernidade19; o que quer dizer também lançar os olhos sobre o contemporâneo através de anacronismos – Giorgio Agamben dizia que o verdadeiro contemporâneo é aquele que vira as costas para seu tempo para ver com maior nitidez o “sorriso demente do seu século.”20

"Conto Barroco ou Unidade Tripartida" se inicia com a busca da personagem principal – um

capanga pernambucano – por aquela que será sua vítima em consequência do cumprimento de um contrato: uma morte encomendada. A personagem está em Congonhas, em Minas Gerais, e conhece a ex-amante do procurado, iniciando um diálogo: a mulher resolve ajudá-lo preparando uma armadilha para o antigo affair, quando a história é interrompida. De “haverá de mostrar-me: „este é o homem‟. Dar-lhe-ei a paga, poderá mudar-se”21, somos transportados através de um “ou” para: “O enterro nas ruas de Ouro Preto.”22 Logo após, outro “ou” surge e a personagem se mistura à voz do narrador: “Estou em Tiradentes, na igreja Matriz, na prefeitura, na rua, no chafariz, de chapéu na cabeça.”23 As três localidades se misturam – cidades mineiras de arquitetura barroca –, e o desenrolar da história é cortado por outros “ou” que obliteram possíveis continuidades, o que nos levaria dizer que a interrupção se faz característica profícua do conto.

Ao promover sua leitura acerca do teatro épico de Bertold Brecht, Walter Benjamin24 propunha

que cada vez que se interrompia a protagonista, um maior número de gestos era obtido: o foco principal do teatro épico era, destarte, não o desenvolvimento de ações, mas sim a interrupção das mesmas; assim o teatro de Brecht representava condições, ou melhor, descobria condições a partir da interrupção de todo desenvolvimento. E Benjamin concluía:

As formas do teatro épico correspondem às novas formas técnicas, o cinema e o rádio. Ele está situado no ponto mais alto da técnica. Se o cinema impôs o princípio de que o espectador pode entrar a qualquer momento na sala, de que para isso devem ser evitados os antecedentes muito complicados e de que cada parte, além do seu valor para o todo, precisa ter um valor próprio, episódico, esse princípio tornou-se absolutamente necessário para o rádio, cujo público liga e desliga a cada momento, arbitrariamente, seus alto falantes. O teatro épico faz o mesmo com o palco. (BENJAMIN, p. 83, 1995)

Anatol Rosenfeld, por sua vez, enunciava que no teatro épico:

os atores de repente ficam petrificados em posições fantásticas – espécie de close up temporal ou foto fixa no fluxo cinemático – compondo quadros cuja imobilidade serve de ponto de exclamação e realce de um momento arrancado da corrente temporal. (ROSENFELD, 2000, p. 16)

De tal sorte, o gesto25 nos diz de um jogo com a exterioridade tal qual aborda Michel Foucault26,

18 CAMPOS, 2004. 19 Há grande importância de Stéphane Mallarmé para a retomada explícita do barroco realizada posteriormente, como a empreendida pelos cubanos Severo Sarduy e Alejo Carpentier, por exemplo, entre inúmeros outros que incorporam o que é chamado por alguns de „neo-barroco‟. Sobre o assunto ver VILLANI, 2000. p. 159-176. 20 AGAMBEN, 2009, p. 62. Tal colocação do teórico possui consonância com o que Didi-Huberman chama de “ponto de vista anacrônico”, a ver: DIDI-HUBERMAN, 1999, p. 25-40. 21 LINS, 1999. p. 120. 22 Ibidem. 23 Ibidem. 24 BENJAMIN, 1994. 25 Vale notar que Osman Lins possui uma obra com este título: Os Gestos, 1957. 26 FOUCAULT, 2009.

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Página 52 de 176 ou seja, o contato e a assunção da fricção com os dispositivos dessubjetivantes27: a máquina do mundo28. Através de um ato que é interrompido, elimina-se qualquer transcendência esvaziando-se o significante que passa a comunicar apenas sua comunicabilidade29: de tal forma, o dispositivo é desmontado e trazido ao uso; é profanado30, permitindo “uma oscilação irresoluta entre um ato de estranhar-se e um novo evento de sentido”31, ou seja, uma pré e uma pós-história – sua materialidade “pura”, próxima à fonte (arké), e sua potência, sua capacidade de estar em vias de ser algo, sua projeção posterior.

Destarte, a continuidade temporal é obliterada e o tempo se mostra como um rizoma32: "Conto Barroco" nos coloca este processo em suas interrupções, trazendo no texto um conjunto de gestos, de imagens carregadas de história, ou como diz Raúl Antelo, de “nonsense, de equívocos”33. Estas imagens irrompem o contínuo na forma de um sopro indistinto34, singular, ou como diria o próprio Osman Lins: “a palavra, porém, não é o símbolo ou o reflexo do que significa, função servil, e sim o seu espírito, o sopro na argila.”35 Um sopro que é um “espaço virtual da auto-representação e do desdobramento: a escrita significando não a coisa, mas a palavra, (...) mantê-la (a palavra) além da morte que a condena, e liberar o jorro de um murmúrio”36.

Conto Barroco permite proliferar, através do corte da narrativa, imagens que vão se sobrepondo em dobras, dobras que vão ao infinito a partir da zona cinzenta que se instaura em relação à tripartição temporal, qual seja: passado, presente e futuro. Seria uma “unidade tripartida” 37 que corrói a própria unidade através da indistinção de sua tripartição: como uma descrição que “não progride”, mas “contradiz-se, anda à volta”38, as narrativas que se entrelaçam em Conto Barroco seguem como um inventário de tempos, de mundos possíveis, como uma lista de histórias potenciais permutáveis. De tal sorte, vale elencar: o capanga, que teria tido um envolvimento amoroso com a mulher negra, ex-amante da futura vítima, a partir da uma traição da mulher, teria a matado. Porém, de acordo com o processo permutativo proposto pela conjunção "ou", o assassino-narrador teria eliminado aquele que desejava com a ajuda da negra, e, por fim, resta outra alternativa: o pernambucano extermina o pai de Gervásio – aquele que deveria ser sua vítima –, quando o velho se coloca para ser morto no lugar do seu filho. Algumas outras tripartições, ainda, contribuem para corroborar o aspecto inconcluso de "Conto barroco": ao delatar Gervásio, a negra lembra que quando o procurado não poderia ir à cidade mandava seu primo, José Pascásio. Além disso, com o decorrer da narrativa, somos informados que, na verdade, a vítima chama-se Arthur.

Nesta espécie de jogo com os nomes, as resoluções das tramas e o espaço no qual elas desenvolvem – as três cidades mineiras – adquire curiosa correlação à memória do assassino. Ele se pretende um funcionário exemplar, e, para tanto, deve matar sem que nenhum traço da personalidade daquele a ser morto possa fixar em sua mente. Ele, então, é obrigado a ter um máximo desprezo pela vida alheia ao ponto de tentar a todo custo impedir que a vítima possa "ser", como constata-se em seu diálogo com a negra:

27 AGAMBEN, 2009. 28 Tivemos acesso ao poema "A Máquina do Mundo" na seguinte edição: DRUMMOND de ANDRADE, 1982. 29 AGAMBEN, 2000. 30 Ibidem, 2007. 31 SCRAMIM, 2007. 32 DELEUZE, 2007. 33 ANTELO, 2004, p. 9. 34 FÉDIDA, 1996. 35 LINS, 1999, p. 98. 36 FOUCAULT, 2009, p. 64. 37 ANDRADE, 1987. A pesquisadora lê a unidade tripartida como a santíssima trindade católica composta por pai, filho e espírito santo, que no conto encontra-se profanada em uma estética barroca moderna. A tripartição agora é a do assassino – Deus pai que decide sobre a vida -, explorador/vítima – Filho, falsificador da imagem de Cristo - e prostituta como Espírito Santo, que não une, mas separa pela traição pai e filho. Nota também para a tríade das cidades mineiras. 38 ROBBE- GRILLET, 1965.

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Página 53 de 176 -Vai embora por quê?/ - Você agora existe. Infelizmente./ - Que foi que eu fiz de errado? / - Passou a ser. Não posso lhe explicar. Mas uma puta, uma vítima, não podem existir. Se existem, abrem uma chaga no carrasco. (LINS, 1999, p. 124)

Assim se coloca o pensamento do bandido quando frente ao outro. Todavia, quando sua

memória é instigada por meio da retomada das lembranças da convivência com sua irmã, o que temos é radicalmente oposto ao procedimento supracitado. Sua memória advém numa pletora de imagens desconexas que se permutam, se conectam indiscriminadamente. Diz o narrador: "Minha irmã aponta o pão no meio da mesa. É um menino! Você vai comê-lo?", pergunta sua irmã. E o bandido conclui "que não é um menino e sim um escorpião", e revela: "nossos pratos e xícaras vivem transbordando jacarés, lacraias, búfalos, cavalos, mães e flores, que devoramos sorrindo." (LINS, 1999, p. 126)

Frente à morte, as vidas permanecem sem memória, jamais devem ser lembradas. Mas a

articulação textual do conto, por meio da estratégia permutativa, nos provê uma pluralidade de possibilidades de vidas, já que nenhum deles é, efetivamente, assassinado. Em um processo metonímico, vislumbramos, então, a austeridade da memória que assola a personagem-narradora em sua relação com os outros desdobrando-se num inventário excessivo de imagens que se interpenetram quando da lembrança de sua irmã, dizendo-nos da estrutura geral do próprio conto. Neste, uma infinda lista de realidades tornam-se possíveis a partir da desarticulação da soberania do bandido, isto é: de sua capacidade decisória sobre o destino das demais personagens que é arrefecida pela conjunção "ou". De uma vida indiferente e anestesiada, marcada pela necessidade de assassinar sem produzir sacrifício, como a do bandido, passamos a um jogo lúdico que abre a anomia das outras personagens à possibilidade de diversas identidades e caminhos que podem percorrer em suas vidas: como, por exemplo, ter a negra se envolvido emocionalmente com o capanga, o pai de Gervásio ter conseguido manter a vida do seu filho e a sua própria vida. É criado uma espécie de inventário de resoluções possíveis para as querelas. Como aponta Maria Esther Maciel acerca dos inventários de Carlos Drummond de Andrade, essa possível lista que propomos no citado texto:

(...) adquire tanto uma função lúdica, (...) e a insere no espaço cambiante da poesia (...), quanto um efeito desestabilizador do próprio fluxo temporal do discurso poético, que ganha configurações notadamente paratáticas, assentadas no jogo continuidade/descontinuidade, sucessão/simultaneidade.” (MACIEL, 2010, p. 72)

Esses jogos que descreve Maria Esther Maciel se colocam em Osman Lins através do corte e

repetição, que para Giorgio Agamben são condições transcendentais da montagem39. A saga das personagens de Conto Barroco se mistura à fruição do próprio leitor que navega em sobreposições, em fraturas: esta experiência vem através de uma esfera sensível40 anestesiada em virtude dos choques a que está exposta – o assassino de aluguel no conto especificado diz não ser um carrasco, mas um “funcionário exemplar”41, como já dito –, que encontra correspondência na montagem cinemática, ou melhor, na “superfície da tela (que) funciona como um órgão artificial de cognição.”42 Isto, pois „a experiência cinemática é a de choque”43, já que ao nos defrontar com os “procedimentos cirúrgicos da câmera”, passamos a “suportar as mais eróticas provocações, os atos mais brutais de violência, mas não fazemos nada. Corta-se a continuidade entre cognição e ação”44, sendo a experiência cinemática um paradigma da experiência contemporânea dos choques45. Como descreve Ana Luiza Andrade sobre o fragmentário em Osman Lins:

As mudanças de percepção estética, na era da reprodutibilidade técnica, substituem os sentidos antigos de sua percepção de totalidade, enquanto limitam-se, ao invés, a „somente trechos de histórias e de sonhos. Fragmentos esparsos que falam do fim da

39 AGAMBEN, 1995. 40 COCCIA, 2010. 41 LINS, 1999, p. 125. 42 BUCK-MORSS, 2010. 43 Ibidem. 44 Ibidem. 45 BENJAMIN,1994.

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Página 54 de 176 palavra, indubitavelmente uma ameaça de destruição, mas também (...) esperança e possibilidades de novas significações‟. (ANDRADE, 2004, p. 77)

Para Ana Luiza Andrade a quebra do fio linear por meio de sua interrupção “desconstrói a

mecânica pronta da mentalidade técnica, estabelecendo uma volta constante aos sentidos cognitivos corpóreos que a originaram”46, e o contato entre estes fios narrativos fazem explodir constelações de sentido. Conto Barroco arma suas constelações na indistinção entre o que foi e o que será, entre aquilo que aconteceu e o que parece especulação ou sonho da personagem – como nas imagens-lembrança de Deleuze47.

Assim, a anacronia de Conto Barroco nos remete a um procedimento de leitura histórica como “uma extraordinária montagem de tempos heterogêneos que formam anacronismos.”48 Trata-se de uma montagem poética impura, que nos atenta para relação entre imagem e história, fazendo com „o que foi‟ possa vir a ser novamente através repetição como alteridade e não como retorno do idêntico, que é, por sua vez, compreendida na representação, na identidade, no comensurável e no simétrico49. De tal forma, temos, em "Conto barroco", coadunado a uma estética barroca do excesso, das dobras, ou do inconstante, das formas arredondadas em prejuízo da exatidão geométrica, como diria Wofflin50, que é, por sua vez, trazida ao moderno a partir da profanação e obliteração do vínculo com o cristianismo tal qual prefigurava no século XVII e XVIII, vários estratos temporais: a saga do capanga nos remonta o banditismo pernambucano em contraposição ou a serviço do coronelismo de uma sociedade patriarcal e escravocrata em torno da cana de açúcar tal qual tínhamos – ainda que, até hoje, seja possível vislumbrar seus resquícios – a partir do século XVII. A situação da negra em Minas, como resto ou espelho da escravidão que permitiu a extração do ouro e construção das igrejas barrocas em Minas. As cidades históricas e sua explícita anacronia em relação ou tempo das tecnologias no qual vivemos, traz todos estes restos temporais e "Conto barroco" os coloca em fricção, nos permitindo uma espécie de leitura da história pelas imagens de uma barbárie que aconteceu e subjaz os problemas sociais que se intensificam na história brasileira. Porém, todo este trabalho com o passado se dá em "Conto barroco" a partir de uma retirada da autonomia do discurso – que se dá por meio da estratégia do "ou", propondo a resolução da querela a cargo do leitor – que propõe, por outro lado, sua potência, isto é: seu caráter irresoluto, que Wofflin apontava na estética barroca, serve para que esta realizada possa vir a ser novamente, que não se estanque como um fato dado no passado. Assim, vemos todos estes tempos passados presentes ainda hoje, e é nossa tarefa vermos que se desejamos o retorno de todas as mazelas. A retirada da autonomia do relato é a potência de ele vir a ser novamente e a articulação de algo que é inerente à linguagem, isto é, à relação entre as palavras e as coisas.

Didi-Huberman argumenta que Plínio, o velho, teria, ao seu modo, mostrado que a imagem se tornava simulacro ao se inserir em uma rede de intercambio, inversão e perversão51, o que impossibilitava a existência de uma gênese do fazer artístico52. Todavia, Osman Lins assume a dessubjetivação da linguagem se mostrando através de sua ausência, na borda do arquivo, como gesto53: "Conto Barroco" opera pelo dispêndio singular do significado54, e em sua montagem de tempos segue, como Barthes apontava na literatura neo-barroca de Severo Sarduy:

(...) demonstrando assim que a vidraça não existe, que não há nada a ver por detrás da linguagem, e que a palavra, longe de ser o atributo final e o último toque da estátua humana, como diz o mito enganador de Pigmalião, nunca é mais do que sua extensão irredutível. (BARTHES, p. 296, 2004)

46 ANDRADE,. 47 DELEUZE, 1985. 48 DIDI-HUBERMAN, 2008. 49 DELEUZE, 2006. 50 WÖFFLIN, 2010. 51 DIDI-HUBERMAN, 2008, p. 123. 52 BENJAMIN, 1984. Tal perspectiva vem relacionada às reflexões de Benjamin sobre gênese e origem. 53 AGAMBEN, 2007. 54 BATAILLE, 1975.

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Página 55 de 176 Este “nada a ver por detrás da linguagem” é para Agamben aonde vai se jogar toda ética e política

do cinema – a pornografia e a publicidade teriam se apossado da estratégia metalinguística, mas nelas ainda residiria uma imagem por de trás55. O fato de nada haver por detrás da linguagem é, entretanto, o que permite que possa se ter algo. A montagem de tempos heterogêneos presente em Conto Barroco desdobra na leitura da história brasileira através de uma ótica pós-autônoma; assim como o barroco lido no contemporâneo. De tal maneira, experimentamos uma expressão americana em devir 56.

Bibliografia

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55 AGAMBEN, 1995. 56 LIMA, 1988.

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Página 56 de 176 FOUCAULT. Michael. O Pensamento do Exterior. IN: Ditos e Escritos III. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. Tradução Inês Autran dourado Barbosa. 2 ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. _____. "A Linguagem ao Infinito". IN: Ditos e Escritos III. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema.Tradução Inês Autran dourado Barbosa. 2 ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. LIMA, Lezama. A Expressão Americana Trad. Irlemar Chiampi. São Paulo: Brasiliense, 1988. LINS, Osman. Nove Novena. São Paulo, 1999. _____. Os Gestos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957. ROSENFELD, Anatol. O Teatro Épico. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000. SANTIAGO, Silviano. IN: CAPELA, Carlos Eduardo Schimidt e SCRAMIN, Susana. Revista Outra Travessia. América Latina: uma arquitextura barroca. Florianópolis, 2004. SCRAMIM, Susana. Literatura do Presente. História e Anacronismo dos Textos. Chapecó: Argos, 2007. VILLANI, Arnaud. Mallarmé selon le pli deleuzien. In: Tombeau de Gilles Deleuze. ed. Yannick Beaubatie, 2000. p. 159–76. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 57 de 176 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E TURÍSTICA PARA OS ALUNOS DO 4º

E 9º ANO DA ESCOLA MUNICIPAL DOMINGAS FRANCELINA DAS NEVES EM FLORÂNIA – RN

Joelma Pereira Rodrigues Graduanda do Curso de Turismo – UFRN

José Rosivan de Medeiros Graduando do Curso de Turismo – UFRN

Kettrin Farias Bem Maracajá Prof. ª Msc. do Curso de Turismo – UFRN

Resumo Este trabalho visa mostrar a importância da Educação Ambiental e Turística para os alunos da Escola Municipal Domingas Francelina das Neves em Florânia – RN, tendo em vista que esta temática vem ganhando força em decorrência do aumento da preocupação com a preservação do meio ambiente. Assim esse estudo apresenta-se como de total relevância para os alunos, como também para a escola, uma vez que com indivíduos educados ambientalmente, o meio ao qual estarão se inserindo poderá ser mais preservado. Este artigo irá abordar conceitos sobre a temática principal que será enfatizada no transcorrer do trabalho, como por exemplo, a Educação Ambiental e Turística na escola, um breve histórico da mesma, e, por conseguinte os resultados esperados que foram obtidos através do questionário aplicado, em que foi possível detectar que os alunos tem interesse em participar de projetos na área, bem como cobram um aumento em explanações em sala de aula e em toda escola sobre o tema. Concluindo-se assim que a Educação Ambiental e Turística apresentam-se como itens primordiais para serem trabalhados no âmbito escolar, visto que a inserção do indivíduo no meio ambiente de maneira inadequada poderá causar danos irreversíveis ao espaço. Palavras – chave: Educação Ambiental e Turística. Preservação. Meio Ambiente. Abstract This work aims to show the importance of environmental education for students and Tourist Municipal School Domingas Francelina das Neves in Florânia - RN, given that this issue has been gaining strength due to the increased concern for environmental preservation. So this study presents itself as a total relevance to students, but also for the school, since individuals with environmentally educated, half of which will be entering can be best preserved. This article will touch on the main thematic concepts will be emphasized in the course of work, such as the Tourist and Environmental Education in school, a brief history of it, and therefore the expected results that were obtained by questionnaire, it was possible to detect that students are interested in participating in the project area as well as an increase in charge explanations in the classroom and in every school on the topic. Conclusion is thus that the Environmental Education and Tourism presented as primary items to be worked in the school, since the insertion of the individual into the environment improperly can cause irreversible damage to the space. Keyword: Environmental Education and Tourism. Preservation. Environment. Introdução

O meio ambiente vem passando por inúmeras transformações do decorrer das últimas décadas, isto em decorrência da falta de preservação e conservação dos espaços onde são desenvolvidas algumas práticas exploratórias destes locais. Com isso surge a preocupação em criar medidas que agreguem melhoramento para que o meio seja sempre preservado.

Desse modo, surgem as formas de educações voltadas para uma maior conscientização e sensibilização, de modo que haja de fato um aprendizado pensado na preservação do meio ambiente,

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Página 58 de 176 como é o caso da educação ambiental e turística que vem ganhando força no âmbito acadêmico, como também no âmbito geral.

Neste contexto, este artigo apresenta-se como um estudo de relevância para captar informações sobre o conhecimento dos alunos da Escola Municipal Domingas Francelina das Neves em Florânia – RN a respeito da Educação Ambiental e Turística, como também mostrar aos mesmos que estas são de total importância para a vida de todos, e sendo bem desenvolvidas e explanadas na escola, os alunos só tem a ganhar, tendo em vista que esta temática vendo sendo cada vez mais discutida.

Serão apresentados neste artigo conceitos sobre Educação Ambiental e Turística, como também estas no desenvolvimento do turismo, a aplicação dessas temáticas na escola, um breve histórico da instituição de ensino e as análises dos resultados com a utilização de um questionário, para melhor entender o nível de conhecimento sobre o assunto por parte dos alunos e verificar se eles realmente se preocupam com o meio ambiente e valorizam a real importância de sua preservação.

Com o artigo também espera-se atingir a sensibilização dos alunos e que esses dêem mais importância às questões ambientais, não apenas no âmbito escolar como também no cotidiano de suas vidas, dando ênfase que se de fato houver um aprendizado sobre a Educação Ambiental e Turística, os mesmos só terão a ganhar, pois cada vez esta temática vem ganhando força e todos nós devemos buscar medidas que haja sempre uma constante preservação do meio ambiente, gerando assim benefícios para todos. Educação Ambiental e Turística

Atualmente o turismo é uma das principais atividades desenvolvidas em todo o mundo, visto que as pessoas estão buscando cada vez mais viajar para fugir da sua rotina e um turismo voltado para a preservação do meio ambiente vem se difundindo, visto que as pessoas estão mais preocupadas com o meio ambiente.

Desse modo é preciso pensar na educação ambiental como forma de fazer com que os indivíduos adquiram atitudes, comportamentos e valores para suas vidas, como contribuição para o meio ambiente, e assim a educação ambiental se faz necessária para o desenvolvimento sustentável de uma localidade, uma vez que concilia o crescimento econômico com a preservação do meio, para que assim as futuras gerações também possam usufruir desses ambientes.

De acordo com Geerdink e Neiman (2010, p. 69): A educação ambiental visa promover uma mudança nos valores e ideais de cada individuo. No entanto, quando o processo educativo em questão fixa-se somente em transmitir conteúdos e procedimentos corretos, e não na vivência e experimentação que permitam, por meio do sentimento de pertença, gerar um comportamento ambientalmente correto, pode-se dizer que a EA não cumpriu o seu papel.

Com base nas autoras, a educação ambiental tem o papel de mudar o comportamento de como as

pessoas devem agir em determinadas situações e em seu cotidiano, para que assim os mesmos possam adquirir conhecimentos que sejam colocados em prática, uma vez que estas questões podem promover mudanças que contribuirão para o meio ambiente.

Outra questão a ser apontada é que a educação ambiental pode fazer com que os indivíduos

adquiram uma consciência correta em relação às questões ambientais, uma vez que os mesmos devem ser preservados e conservados, pois sabemos que os recursos são finitos, uma vez que usados de maneira incorreta podem se esgotar rapidamente.

A educação turística é entendida como uma forma de educar ambientalmente os turistas quer seja

em uma localidade sustentável ou não, que os mesmos ao chegar a uma localidade possam ter um contato inicial, que lhes der instruções para que assim os mesmos não venham a cometer erros ou danos ao

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Página 59 de 176 ambiente, buscando medidas que os sensibilize dos danos que estes podem estar causando ao meio ambiente ao praticar as atividades de forma incorreta. SOLHA (2010).

Assim a educação turística é essencial para uma localidade que pratica a atividade turística, uma

vez que pode promover o desenvolvimento sustentável da mesma, e dessa forma contribuir para que os turistas tenham uma maior consciência com os recursos naturais, visto que alguns segmentos do turismo precisam do meio ambiente para que seja executado, por isso é preciso preservar e conservar os mesmos. E também a educação turística deve contar com a participação de todos os envolvidos na prática do turismo, tanto os residentes, quanto os turistas, mostrando que o turismo sendo desenvolvido de forma responsável todos serão beneficiados. (AZEVEDO, 2010).

Portanto, a educação ambiental e turística é de extrema importância para amenizar os efeitos

causados pela não preservação e conservação dos espaços, e atrelada ao turismo são fatores que devem estar em conjunto para que a atividade turística não prejudique o meio ambiente. Educação ambiental e turística no desenvolvimento do turismo

O turismo tem uma intensa relação com a educação ambiental, uma vez que o mesmo é praticado,

muitas vezes, em áreas naturais, contribuindo assim para o desenvolvimento do destino e de uma forma que não afete negativamente o meio ambiente. Vale salientar a importância de um planejamento para que a área em que o turismo está sendo inserido, visto que é de extrema importância haver a existência deste para que o lugar venha ter sempre vantagens perante os outros.

Neste sentido, segundo Braga (2007, p.6):

No caso do planejamento de empreendimentos turísticos, os fatores relacionados à localidade são muito importantes, pois o negocio tem de estar em sintonia com os rumos do planejamento publico, respeitando as necessidades da comunidade local e agindo segundo as premissas do desenvolvimento sustentável.

Dessa forma, a autora mostra que é relevante à existência de um planejamento onde esteja atrelada a comunidade local, o poder público, e os empresários que estão criando estes empreendimentos turísticos, lembrando também a importância de serem criados mecanismos voltados para a sustentabilidade destes lugares. Sendo fundamental também a introdução da educação ambiental e turística para que assim as pessoas tenham uma maior preocupação com o meio ambiente.

A educação ambiental e turística é de grande relevância para o desenvolvimento do turismo de

uma localidade, nesse sentido PELICIONI e TOLEDO (2010, p.303) dizem que “é importante incentivar a integração das comunidades no planejamento, na implementação, execução e avaliação das atividades turísticas”, uma vez que as mesmas ao serem trabalhadas em conjunto podem proporcionar uma melhor funcionalidade da atividade turística e uma consciência também voltada para uma preocupação ambiental e turística, pensando sempre para a sustentabilidade dessas localidades.

Desse modo é possível perceber que na atividade turística podem acarretar grandes impactos se

praticados de formas inadequadas, por isso é preciso que a educação ambiental esteja presente em cada individuo para que assim estas atividades sejam praticadas de forma sustentável, sem comprometer as futuras gerações.

Então a educação ambiental e turística sendo desenvolvida em uma localidade, a mesma terá

grande êxito, uma vez que este irá trabalhar de forma sustentável em seus segmentos, podendo assim cada vez mais atrair um grande numero de turistas, visto que a maioria destes estão preocupados com as questões ambientais.

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Página 60 de 176 Um breve histórico da escola

A Escola Municipal Domingas Francelina das Neves em Florânia – RN apresenta-se como a

única escola municipal na zona urbana da cidade, onde nela estudam jovens da cidade, vale salientar que na escola também estudam crianças e adolescentes da zona rural. Segundo RIO GRANDE DO NORTE (2006, p.7) “a escola foi criada através do Decreto N° 253/86 de 17 de janeiro de 1986”. Situada no Bairro Rainha do Prado, Praça Calon N° 57, recebeu esse nome em homenagem a avó do prefeito em exercício, o Sr. Nicomar Ramos de Oliveira. Na época de sua criação a escola atendia alunos apenas do bairro, entre eles, alguns ciganos que residiam nas proximidades desta.

De acordo com RIO GRANDE DO NORTE (2006, p. 7) o estabelecimento de ensino passou a

ser autorizado através da: Portaria de N° 1597/2006 SEGCD/GS de 16/11/2006 publicada em DOE de N° 11359 edição de 21/11/2006 o qual credencia a Escola Municipal Domingas Francelina das Neves como instituição de educação de Educação Básica e autoriza a oferta do Ensino Fundamental Regular por um prazo de cinco anos e na modalidade de Educação de Jovens e Adultos níveis I, II, III e IV por um prazo de quatro anos.

Devido à existência da modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) a escola hoje em dia atende pessoas de variadas idades, diferenciando-se de antigamente quando era apenas para crianças e adolescentes. A escola tem como órgão mantedor a Secretaria Municipal de Educação e Cultura, com recursos oriundos da esfera federal como: PDDE (Plano Dinheiro Direto na Escola) e Recursos do Orçamento Municipal.

Quanto à estrutura física, segundo AZEVEDO (2012), a escola disponibiliza de cinco salas de

aulas, biblioteca, dispensa, cozinha, banheiros, secretaria e sala da direção. Sua capacidade de matricula era de 420 alunos. Atendendo alunos do Ensino Fundamental I no turno matutino, alunos do Ensino Fundamental II no turno vespertino e Educação de Jovens e Adultos Níveis I, II, III e IV no turno noturno. O quadro geral de funcionários da escola conta com 28 servidores, sendo 14 professores e outros 14 sendo estes distribuídos em: um gestor, um coordenador administrativo, um coordenador pedagógico, um supervisor, um secretário, dois auxiliares de secretaria, dois auxiliares de biblioteca e dois professor de telessala, somando-se também com seis auxiliares de serviços gerais. O objetivo primordial da nossa escola enquanto entidade sócio-educativa é a formação de cidadãos conscientes, participativos capazes de construir sua própria existência, identidade e cidadania. Na atualidade (ano letivo 2012) a escola atende turmas de Ensino Fundamental I e II com 400 alunos, na faixa etária de 6 a 14 anos. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) na escola recebe turmas do Projeto PROEJA Flores com cerca de 200 alunos.

Assim, pode-se dizer que a escola atende de forma satisfatória todos os seus alunos, estabelecendo

um ensino voltado para o aprendizado efetivo e concreto, sendo referência na cidade. Desenvolvendo sempre um ensino dando voz aos pais na condução de um ensino participativo gerando benefícios para os alunos, quanto para a escola também. A importância da aplicação da educação ambiental e turística na escola

Devido o aumento nos impactos negativos causados por uma falta de educação ambiental em muitas localidades sejam essas turísticas ou não, isto vem gerando inúmeros prejuízos para estes lugares, como por exemplo, poluição, degradação ambiental, entre outros.

Levando para os lugares visitados a fins turísticos a aplicação da educação ambiental deve ser imposta como fundamental para que seja desenvolvida a prática da sustentabilidade e conscientização, fazendo assim que exista uma educação ambiental e turística, onde os visitantes irão ter uma preocupação em preservar o meio ambiente e consequentemente vão mostrar para os residentes e para os outros visitantes que é de suma importância haver uma educação ambiental e turística.

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Página 61 de 176 Para a escola a aplicação da educação ambiental e turística tem total relevância, nesse sentido

SILVA (2011, p. 41) diz que “a aplicação da Educação Ambiental no ambiente escolar é de extrema importância para a construção de uma vida ambientalmente correta e saudável”, com isso os alunos terão um melhor desenvolvimento no aprendizado e estarão cada vez mais preocupados com o meio ambiente, destacando também que havendo de fato esse ensino mostrando a real valorização da preservação e conservação do meio ambiente, os alunos estarão mais cientes e em caso de vierem a fazer uma viagem turística irão ter um olhar diferenciado a respeito do meio ambiente, dando total ênfase para que seja preservado e conservado este local. Análise dos resultados

A Educação Ambiental e Turística nos dias atuais tem grande importância para todos, tendo em vista que o meio ambiente está cada vez mais sensível e necessita que haja uma preservação e conservação para que este não venha sofrer danos muitas vezes irreversíveis.

Para melhor analisar o nível de conhecimento dos alunos sobre o tema proposto no artigo, foi aplicado um questionário com os mesmos para melhor captar informações sobre a referida temática. Para melhor esclarecimento, questionário para MARCONI (2007, p. 98) “é um instrumento de coleta de dados constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador”. Desse modo, com a aplicação do questionário na escola foi possível verificar que os alunos do 4° ano quase ou não têm conhecimento sobre o assunto, já os do 9° ano já tem um conhecimento sobre Educação Ambiental mais aguçado, porém alguns ainda desconhecem, não dando a devida importância ao assunto. Com isso pode-se esperar que os mesmos a partir de então mudem sua forma de pensar perante o meio ambiente e tenham educação ambiental e turística introduzidas em suas vidas. Foi possível também verificar que boa parte ou a maioria tem interesse em participar de projetos na escola voltados para a Educação Ambiental.

Outra verificação foi que a maioria dos alunos que responderam o questionário mostrou um grande interesse para que seja mais desenvolvido na escola abordagens sobre educação ambiental e turística, como também a realização de palestras sobre o tema, sendo cada vez mais enfatizado pelos professores em sala de aula, isto por que sabemos que esta temática vem ganhando força gradativamente e merece ser explicitada para os alunos, repassando sua real importância para o meio ambiente como para as pessoas também.

Mostrando a real valorização destas educações para os alunos da escola onde foi feito o artigo, espera-se que os mesmos tenham sido sensibilizados de forma que se a caso vierem praticar algum turismo ou no seu próprio dia-a-dia tenham um olhar diferenciado para a preservação do meio ambiente, dando-lhe uma importância significativa, pois sabemos que este precisa de cuidados para que possa ser explorado sem que sofra malefícios.

Espera-se também que seja mais trabalhada a premissa da educação ambiental e turística na escola, incentivando os alunos a cobrarem dos professores mais explanações a respeito desse estudo tão relevante, visto que estas educações se faz necessário no cotidiano de todos e merecem ser mais debatidas e estudadas, gerando nos alunos um desejo maior de estar sempre preservando o meio ambiente e mostrando que este precisa de cuidados e uma constante conservação. Considerações Finais

Diante do que foi apresentado neste artigo, conclui-se que a educação ambiental e turística vem ganhando cada vez mais espaço nas escolas, isto por que vem acontecendo um aumento no número de pessoas que se preocupam com o meio ambiente e pregam que haja sempre uma preservação e conservação do mesmo.

Foi possível analisar na escola onde foi feito o artigo, que este trabalho sobre educação ambiental e turística está apenas no inicio, mas vem ganhando força com o passar dos meses, tendo em vista que alguns dos alunos já estão se preocupando com o meio ambiente como foi detectado com a aplicação do

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Página 62 de 176 questionário e pedem que sejam feitas aulas mostrando a real importância de haver sempre um cuidado para com o meio ambiente. Com a aplicação do questionário ficou evidente que os alunos do 4° ano, devido sua pouca idade, ainda não conhecem a importância do tema proposto, já os do 9° ano, mostraram entendimento e um interesse voltado para a implantação de projetos na escola. Porém ficou evidenciado que a maioria dos alunos mostrou interesse na realização de palestras na escola sobre educação ambiental e turística, como abordagens sobre o tema em sala de aula.

Entretanto, verificou-se que a maioria dos alunos ainda desconhece a importância de terem uma educação ambiental e turística, ou não estão preocupados com a preservação e conservação do meio ambiente, mas sendo bem trabalhados pelos professores e gestores da escola, eles podem se tornar pessoas mais preocupadas com o meio ambiente, onde terão sempre um cuidado diferenciado com o meio ambiente, isto quando forem fazer suas viagens a fins turísticos, como também usarão a educação ambiental no seu dia.

Ao final do artigo, pode-se dizer que o mesmo foi de total relevância para os alunos da Escola Municipal Domingas Francelina das Neves em Florânia – RN, isto por que foi possível mostrar que a educação ambiental deve ser implantada na formação das crianças e adolescentes, mostrando a eles que havendo de fato a existência dela, os mesmos estarão sendo pessoas diferenciadas perante aquelas que não se preocupam com o meio ambiente, e isso trará apenas vantagens para todos. Salientando também a importância da educação turística para os alunos, levantando seu posicionamento de extrema valorização para a formação dos mesmos. Referências: AZEVEDO, Adilene. Educação Ambiental e Educação Turística nas escolas públicas da zona urbana do município de Parelhas/RN. Currais Novos: UFRN, 2010. AZEVEDO. Escola Municipal Domingas Francelina das Neves. MEDEIROS, José Rosivan de. Florânia: UFRN, 2012. Entrevista realizada em: 19/04/2012. BRAGA, Débora Cordeiro. Planejamento turístico: teoria e pratica / Débora Cordeiro Braga. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. – 2ª reimpressão. GEERDINK, Stefanie. NEIMAN, Zysman. Educação Ambiental pelo turismo. In: Turismo e meio ambiente no Brasil / Zysman Neiman e Andréa Rabinovici (Orgs.). – Barueri, SP: Manole, 2010. MARCONI, Marina de Andrade. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração, análise e interpretação de dados / Marina de Andrade Marconi, Eva Maria Lakatos. – 6. Ed. – 3. Reimpr. – São Paulo: Atlas, 2007. PELICIONI, Maria Cecília Focesi. TOLEDO, Renata Ferraz de. Educação para o turismo: turistas e comunidade. In: Gestão ambiental e sustentabilidade no turismo / Arlindo Philippi Jr., Doris van de Meene Ruschumann, editores – Barueri, SP: Manole, 2010. – (Coleção Ambiental, v.9.) RIO GRANDE DO NORTE. Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Regimento Escolar. Florânia: Escola Municipal Domingas Francelina das Neves, 2006. Documento elaborado por exigência da Lei 9394/96, (LDB), em consonância com a Secretaria de Educação, para atender as necessidades legais da escola. SILVA, Gilmara Barros da. A educação ambiental e a educação turística do ensino fundamental: um estudo nas escolas públicas de Santa Cruz – RN. Currais Novos: UFRN, 2011. SOLHA, Karina Toledo. Papel do poder público para o turismo sustentável. In: Gestão Ambiental e sustentabilidade no turismo / Arlindo Philippi Jr., Doris van de Meene Ruschumann, editores – Barueri, SP: Manole, 2010. – (Coleção Ambiental, v.9.) Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 63 de 176 CLASSE, CULTURA E IDENTIDADE: ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS EM

CUCHE, SANSONE E WEBER

Leandro Haerter

Resumo Neste texto, apresentamos uma discussão teórica entre classe, cultura e identidade a partir das abordagens de Denys Cuche, de Livio Sansone e de Max Weber. As temáticas – classe, cultura e identidade – são bastante presente nas Ciências Sociais e o texto que segue traz algumas destas reflexões, buscando relações e aproximações possíveis entre os referidos autores, em especial, no que tange à construção de identidades coletivas e étnicas. Palavras-chave: Classe; Cultura; Identidades. Abstract In this text, we present a theorical discussion between class, culture and identity since of the Denys Cuche, of Livio Sansone and of Max Weber approaches. The themes – class, culture and identity – are present in Social Science and the following text shows some reflections about, in search of relations of the possible approaches between the authors, specially referring to the collective identity and ethics. Key words: Class; Culture; Identities. Introdução

O presente artigo pretende trazer algumas reflexões teóricas sobre a relação entre classe, cultura e

identidade e consiste em uma tentativa de realização de uma aproximação possível entre Denys Cuche (2002), Livio Sansone (2003) e Max Weber (s/d), a partir de textos pré-selecionados. Os dois primeiros foram trabalhados durante a disciplina "Classe, Cultura e Identidade" junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Pelotas, enquanto que o terceiro foi incluído tendo em vista sua contribuição à Teoria Social Clássica acerca da temática proposta.

Assim, o texto que segue apresenta algumas reflexões e aproximações possíveis entre os autores,

em um trabalho teórico que pretende, na medida do possível, perceber relações e diferenças entre as abordagens, em especial no que se refere à constituição de identidades coletivas e étnicas. Classe, Cultura e Identidade: aproximações possíveis

É de fundamental importância reconhecermos que uma discussão sobre classe, cultura e

identidade entre autores contemporâneos como Cuche e Sansone, aliada a um trabalho específico de Weber – enquanto representante da Teoria Social Clássica – possui relevância teórica, na medida em que contribui para a reflexão e análise de situações concretas da realidade social, em especial quando nós, pesquisadores, trabalhamos com a temática proposta, muitas vezes na especificidade das manifestações culturais, do trabalho e da construção de identidades coletivas e étnicas.

Versão modificada do Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão da disciplina “Classe, Cultura e Identidade”, ministrada no primeiro semestre letivo de 2009 pela Profª. Drª. Beatriz Ana Loner, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Pelotas – UFPel. Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pelotas. Técnico em Assuntos Educacionais e Tutor à Distância no Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Educação: Espaços e possibilidades para Educação Continuada do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense Campus Pelotas, Pelotas/RS. E-mail: [email protected].

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Página 64 de 176 Identidade, classe e cultura são temáticas muito próximas dentro das Ciências Sociais; uma

discussão leva à outra. Principalmente quando se trata de debates sobre a exaltação de diferenças e formas de associação. Assim, o conceito de identidade se relaciona, inclusive, com a vinculação consciente de pessoas ou grupos, construída a partir de oposições simbólicas e elementos culturais e de classe.

A partir da abordagem de Cuche (2002), percebemos que a idéia de identidade surgiu inicialmente

como uma construção “fechada”, entendida como uma elaboração dada e acabada, em que o indivíduo tinha sua conduta determinada por sua identidade. Mais tarde, esta concepção foi ultrapassada por outras, mais dinâmicas e capazes de apreender identidade como algo construído no processo de interação, levando em consideração o contexto relacional em que ela se forja. Nas palavras do autor:

No âmbito das ciências sociais o conceito de identidade cultural se caracteriza por sua polissemia e fluidez. Apesar de seu surgimento recente, este conceito teve diversas definições e reinterpretações [...] (CUCHE, 2002, p. 176).

Para o autor, a identidade cultural é um fragmento de uma identidade mais abrangente que é a identidade social. Esta pode ser compreendida como uma série das mais variadas vinculações de um indivíduo dentro de uma estrutura social específica: nos referimos ao sentimento de pertença a uma classe social, a uma identidade etária, entre outras... como exemplos de vinculações. Em seus termos: "[...] A identidade permite que o indivíduo se localize em um sistema social e seja localizado socialmente" (CUCHE, 2002, p. 177).

Dessa forma, a identidade também é social. Os grupos possuem determinadas identidades que os

definem socialmente, localizando-o em determinados sistemas sociais. Identidade, nesta perspectiva, apresenta dois elementos fundamentais de constituição: em primeiro lugar ela é includente, ou seja, ela identifica e aproxima os "iguais" em determinado aspecto ou contexto e, em segundo, porém não menos importante, a identidade social se apresenta como excludente, à medida que diferencia determinado grupo dos demais.

Nesse sentido, percebemos que a identidade é forjada nas situações de contato, onde se define o

que é o "eu" em oposição aquilo que é o "ele", assim como os "nós" e os "eles", sempre tomando a distinção cultural muitas vezes apegada a elementos de classe como maneira de rotulação e categorização humana.

Cuche (2002) aponta que para os teóricos de cunho objetivista:

[...] a identidade etno-cultural é primordial porque a vinculação ao grupo étnico é a primeira e a mais fundamental de todas as vinculações sociais. É onde se estabelecem os vínculos mais determinantes porque se trata de vínculos baseados em uma genealogia comum [...] É no grupo étnico que se partilham as emoções e as solidariedades mais profundas e mais estruturantes [...] (p. 179-180).

Paralelamente a isso, na opinião de Weber (s/d) cuja noção de consciência de comunidade nos

remete à origem comum dos indivíduos como elemento de fortalecimento de laços de pertencimento, que é um critério objetivo de definição identitária. É inerente ao grupo e por ele repassada aos seus membros.

[...] A crença na afinidade de origem, somada à semelhança dos costumes, é apropriada para favorecer a divulgação da ação comunitária assumida por parte dos “etnicamente” unidos entre o resto dos membros, já que a consciência de comunidade fomenta a “imitação” [...] (WEBER, s/d, p. 273).

Para Cuche (2002) também há um viés subjetivista, em que a identidade étnica é simplesmente um

sentimento de vinculação e de identificação a uma comunidade, onde se destacam as representações dos membros do grupo sobre a realidade. Muito embora tenhamos em mente que a perspectiva subjetivista nos abra os olhos para o viés variável da identidade, este ponto de vista pode nos levar a uma falácia, uma vez que considera muito amplamente o caráter passageiro da identidade, como se esta fosse uma escolha apenas individual e não sofresse interferências internas e externas tanto ao nível individual quanto grupal.

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Cuche (2002) elenca uma série de divisões de identidade, entre elas a objetiva e a subjetiva como importantes abordagens teóricas, mas reconhece que o uso de uma perspectiva ou de outra não é suficiente. Adverte para necessidade da utilização de "identidade" situada em um contexto relacional. Essa posição teórica nos fornece elementos para a compreensão do porquê, em contextos distintos, determinado grupo social aciona/afirma (ou escamoteia) determinada identidade em detrimento de outras.

Dessa forma é possível pensar em uma aproximação possível entre Cuche e Sansone, à medida

que: [...] As fronteiras e os marcadores étnicos não são imutáveis no tempo e no espaço e, em algumas circunstâncias, a despeito de muitas provas de discriminação racial, as pessoas preferem mobilizar outras identidades sociais que lhes parecem mais compensadoras [...] (SANSONE, 2003, p. 12).

Ou ainda,

[...] a identidade étnica e/ou racial só é mobilizada em certas situações. Ser de ascendência africana, pobre e até discriminado não basta, como tal para que uma pessoa negra reivindique algum tipo de identidade negra. Isso fica patente no mundo afro-latino, onde a identidade negra tem tendido a ser um fator mais episódico do que político e eleitoral sistemático (SANSONE, 2003, p. 22).

Cuche assim como Sansone partem do pressuposto que a identidade não é um dado, algo pronto

e acabado, mas sim uma construção social que se dá no interior de contextos sociais diversos, que influencia a posição dos indivíduos, orientando suas maneiras de sentir e agir socialmente. Deve ser encarada em um contexto relacional, também, porque é tecida em relações de oposição entre grupos em situações de interação social.

Já na abordagem da Teoria Social Clássica, temos uma importante contribuição conceitual. Weber

cria seu conceito de grupos étnicos, enfocando a relevância da crença em uma ascendência comum, os costumes e das relações comunitárias como elementos de traços de pertencimento a determinada coletividade ou grupo social, fundamentais a elaboração do conceito. Desta maneira:

[...] Chamaremos grupos 'étnicos' aqueles grupos humanos que, em virtude de semelhanças no habitus externo ou nos costumes, ou em ambos, ou em virtude de lembranças de colonização e migração, nutrem uma crença subjetiva na procedência comum, de tal modo que esta se torna importante para a propagação de relações comunitárias, sendo indiferente se existe ou não uma comunidade de sangue efetiva [...] (WEBER, s/d, p. 270).

Nos parece central a idéia de relações comunitárias para o entendimento da relação entre

identidade e cultura, na perspectiva de Weber. As relações comunitárias, na perspectiva do autor, dizem respeito a um sentimento de comunidade e também a uma ação do coletivo na comunidade, que se refere a fazer parte e interagir numa consciência comunitária, cujos laços de pertencimento ao grupo (identidade) se manifestam nesta crença de comunhão étnica.

A crença em uma "honra étnica" específica é, segundo Weber (s/d), o fundamento da comunhão

dos membros de um grupo, onde pessoas que compartilham de outras crenças são consideradas estranhas e, por este motivo, não podem fazer parte do grupo e que, via de regra, a língua e a crença religiosa são elementos essenciais.

Também chama a atenção para a influência dos costumes no processo de constituição de

identidade étnica, sendo este afetado, inclusive, por questões de "condições de existência econômicas” (grosso modo, classe).

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Página 66 de 176 Fortes diferenças nos 'costumes', as quais [...] desempenham um papel equivalente ao do hábito hereditário, na formação de sentimentos de comunhão étnica e de idéias de consangüinidade, têm sua origem, em regra, sem contar as diferenças lingüísticas e religiosas, nas diferentes condições de existência econômicas ou políticas às quais um grupo humano tem de se adaptar [...] (WEBER, s/d, p. 272).

A noção de identidade para Weber, a partir do seu entendimento de grupos étnicos e de relações

comunitárias, diz respeito então ao sentimento e a ação social que une determinado coletivo enquanto grupo social por afinidade nos costumes, dado pela educação de geração à geração e pela crença em uma procedência comum.

Voltando a uma perspectiva de Teoria Social Contemporânea, temos as formulações de Sansone

(2003) que nos fornece expressiva contribuição aos estudos de classe, de cultura e identidade racial e/ou étnica, a partir de uma densa análise sobre classificação racial, mostrando que o que as pessoas pensam sobre raça e a posição em termos de status econômico que ocupam no grupo variam significativamente de geração para geração. Ou ainda, aponta em seu texto que diferentes informantes percebem a noção de “morenidade” de maneiras bastante distintas.

Para o antropólogo Livio Sansone (2003, p. 10), a idéia de étnico passa a abranger sinônimos de

exótico ou diferente, tornando "etnicidade" um termo conhecido para além dos muros da academia. Desde o quanto a cultura é afetada pelo "xampú étnico" até como representam a idéia de negro, de preto, de parto, entre outros... dizem respeito à forma como a cultura popular brasileira se relaciona e percebe a diversidade étnica. Suas elaborações são de extrema relevância, pois está analisando um contexto concreto, que é a realidade de Salvador – Bahia, onde encontra dados riquíssimos sobre a relação entre cor e classe social e a possibilidade de mobilidade social.

A relação entre cor e classe é, obviamente, complexa. Se, historicamente, a cor e a classe estiveram estreitamente associadas, no sentido de a tez escura e o fenótipo africano se associarem a uma posição de classe baixa, a relação entre a mobilidade social e a identidade negra é comumente mais complexa do que se costuma presumir [...] (SANSONE, 2003, p. 55).

Soma-se a isso o fato dos negros terem sido desqualificados historicamente, tendo em vista sua

condição passada de escravos, que, para lembrar Weber, tal condição (procedência comum) pode alimentar experiências também comuns, o que passa a apoiar determinadas relações sociais.

Se Weber tinha uma ênfase na procedência comum e nos costumes que favorecem as relações

comunitárias entre os grupos étnicos, Sansone faz uma abordagem mais contemporânea da questão, tratando das influências do local e do global (o "glocal") e de como os indivíduos percebem distintamente sua condição de classe.

Reconhece que a idéia da democracia racial, a partir dos anos 30 do século passado, passou a

influenciar decisivamente as relações raciais no Brasil. Tendo em vista a tentativa da construção de uma (única) identidade nacional, a idéia calcava-se no culto à miscigenação, tendo na "morenidade" e no “mestiço”, a síntese de uma “raça brasileira”. Tal noção fora amplamente aceita e constantemente reproduzida nas relações sociais no Brasil, realidade que mostra que nas classes menos abastadas essa percepção existe simultaneamente com a prática da minimização da diferença de cor, diminuindo a "desvantagem racial" (SANSONE, 2003) como é o caso, por exemplo, da manipulação da aparência negra.

Associado a isso, ocorre o que Sansone chama de "ausência de distinções raciais claras",

apontando para uma certa ambigüidade nas situações de interação e entre "cor" e classes distintas, ao contrário de outros países em que a noção de raça é definida mais claramente. Ou, para traçar um paralelo com Weber (s/d, p. 268): "[...] Nos Estados Unidos, uma mínima gota de sangue negro desqualifica uma pessoa de modo absoluto [...]", demonstrando que em outros países como os Estados Unidos a construção/definição racial é mais rígida e não tão flexível quanto no Brasil, mesmo porque a identidade étnica brasileira seja marcadamente uma construção social, contingente e variável de contexto para contexto.

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Página 67 de 176 Sansone (2003) também realiza importante contribuição sobre a questão de "raça", apostando no

uso de um outro termo, qual seja: "processos de racialização". Constrói este conceito a partir da negação do uso de "raça" e por este se tornar mais apropriado, considerando as experiências das pessoas e como vivem cotidianamente sua etnicidade e também outros fatores de cunho internacional que passaram a investir no uso do termo.

[...] o interesse renovado na 'raça' e na etnicidade, no Brasil faz parte de uma tendência internacional generalizada, que leva em conta três fatores interferentes inter-relacionados: o papel dos meios de comunicação de massa e da globalização; a mudança da agenda política do mundo acadêmico; e a inexistência de uma perspectiva comparada madura e internacional sobre as relações raciais e a etnicidade no Brasil [...] (SANSONE, 2003, p.14).

Com o primeiro elemento – globalização e meios de comunicação de massa – temos uma

disseminação de símbolos de identidades locais que valorizam o "etnicamente diferente" em escala mundial. Dessa forma, vemos um fenômeno específico que são as mercadorias étnicas se disseminarem facilmente, situação que, segundo Sansone, cria novas fronteiras que de um lado favorece o desenvolvimento de identidades étnicas, de outro, a globalização cria novas formas de racismo. A cultura, em certa medida, passa então a ser vista quase que como sinônimo de etnicidade. Cultura, "raça" e etnia passam a não ter uma distinção tão rígida.

A força da noção de "raça" está em sua popularidade, em sua abrangência nativa, mas ao mesmo

tempo é uma noção indeterminada. Já se tornou consensual por parte dos antropólogos afirmar que "não existem raças verdadeiras mas apenas a raça humana", sendo um conceito frágil, muito embora ainda opere em variados círculos sociais tendo se tornado poderoso do ponto de vista nativo. Por isso, o autor acredita que não adianta ignorarmos este termo; o melhor é usarmos em nossas pesquisas o termo "racialização" que nos mostra que "raça" é apenas uma das formas de se viver determinada etnicidade, sendo um conceito intercambiável.

Sansone (2003) que negros e índios no Brasil não são vistos e nem se vêem em sua maioria como

membros de uma comunidade étnica, talvez por serem considerados desvalorizados recebendo atributos negativos. Esta realidade possibilita uma manipulação da identidade étnica, que dificulta a formação de grupos étnicos, de acordo com o autor:

[...] o tipo de relações raciais que se podem considerar típicas da América Latina deu margem à manipulação da identidade racial, sobretudo no plano individual, e tendeu a não fomentar a mobilização étnica e a formação de grupos étnicos [...] (SANSONE, 2003, p.20).

Sansone (2003) identifica três períodos distintos em que as relações raciais no Brasil afetam

significativamente a terminologia racial. Estes períodos estão diretamente relacionados com o grau de desenvolvimento econômico do país de inserção da população negra brasileira no mercado de trabalho.

O primeiro período - entre o término da escravidão e a década de 30 do século passado - fora

caracterizado por uma sociedade "altamente hierarquizada em termos de cor e de classe": os negros integravam a classe baixa e a elite era representada por brancos em sua maioria. Este período foi marcado também por uma forte estagnação econômica no estado da Bahia. O segundo período - de 1930 até o fim do regime militar (término dos anos 70) - abriu possibilidades de trabalho para a população negra, pois Vargas restringiu a imigração e estimulou a mão-de-obra nacional. Neste segundo período, muitos negros conseguiram empregos formais na indústria, no comércio e no setor público, aumentando sua mobilidade social e aumentando o interesse de participação em associações negras. O terceiro período - da redemocratização (início dos anos 80) até a atualidade - com a recessão e a "modernização" são forjadas condições para que os canais de mobilidade social criados anteriormente deixem de ser entendidos como importantes para a criação de uma classe operária negra. Até nos postos de trabalho menos qualificados houve baixa expressiva nos salários. Paralelamente a isso, é importante ressaltar que também ocorrem muitos avanços na trajetória do Movimento Negro.

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Página 68 de 176 No que tange ao mercado de trabalho no Brasil, os pobres - onde se concentra boa parte da

população negra brasileira - têm poucas oportunidades, o que reflete por sua vez uma baixa possibilidade de mobilidade social.

Ao interpretarmos esse quadro em termos dos grupos de cores na população - usando a terminologia oficial, que a divide em cinco grupos -, fica evidente que o grupo oficialmente definido como pardo, e mais ainda o definido como preto, têm-se saído muito pior do que o grupo definido como branco (SANSONE, 2003, p. 50).

Ao considerar outras variáveis como o grau de analfabetismo e a renda, Sansone percebe um verdadeiro quadro de exclusão para a população negra brasileira, levando a afirmar que "[...] a cor e a renda estão estreitamente relacionadas". No que tange especificamente à classe a à "raça" e à geração, percebe que os jovens negros de Salvador em sua grande maioria aguardavam ainda o emprego "ideal" e eram obrigados a aceitar empregos mal remunerados e não qualificados. Neste sentido:

Os jovens se vêem como 'formados' ou adequadamente instruídos, percepção esta que é reforçada pelo orgulho parental pelos diplomas de seus filhos. Entretanto, esse nível de instrução, que é de fato impressionante, se comparado ao dos pais, não resultou em melhores postos no mercado de trabalho. Vários fatores são responsáveis por isso. Uma questão fundamental é que o nível mais alto de escolaridade não se equiparou aos requisitos mais exigentes do emprego [...] (SANSONE, 2003, p. 52).

O sistema de classificação racial é historicamente determinado e, por este motivo, pode ser

(re)construído cotidianamente, sistema este que mostra muito dos conflitos sociais quando o que está em jogo é a negociação, mais especificamente, como essa ideologia racial é vivida no interior dos grupos.

A situação pesquisada por Sansone mostra, por exemplo, que o modo como os indivíduos se

categorizam racialmente ou como são categorizados pode ser variável, o que nos remete ao caráter variável da identidade cultural atribuída por Cuche e reafirmada por Sansone. Assim,

[...] cada indivíduo integra, de maneira sintética, a pluralidade das referências identificatórias que estão ligadas à sua história. A identidade cultural remete a grupos culturais de referência cujos limites não são coincidentes. Cada indivíduo tem consciência de ter uma identidade de forma variável, de acordo com as dimensões do grupo ao qual ele faz referência em tal ou tal situação relacional [...] Mas, apesar de ser multidimensional, a identidade não perde sua unidade (CUCHE, 2002, p. 194-195).

E ainda,

É claro que a negritude, assim como a branquidade, não é uma entidade dada, mas um constructo que pode variar no espaço e no tempo, e de um contexto para outro. A identidade negra, como todas as etnicidades, é relacional e contingente. Branco e negro existem, em larga medida, em relação um ao outro; as "diferenças" entre negros e brancos variam conforme o contexto [...] (SANSONE, 2003, p.24).

Mais precisamente,

[...] a terminologia racial é sumamente subjetiva e situacional" (Sansone, 2003, p.67), a medida que "[...] um filho pode ser preto para a mãe e moreno para o pai, ou, como foi comprovado por meu questionário, uma família pode ser chamada de 'escura' pelos vizinhos da esquerda e de 'mista' pelos do lado direito [...] (SANSONE, 2003, p.71).

O trabalho de Sansone ao descrever mudanças na terminologia e na classificação raciais é de

fundamental relevância porque além de relacionar classe, cultura e identidade, também mostrar o que o autor chama de "lógica interna do sistema de classificação" e como as pessoas utilizam o elemento "cor" na sua cotidianidade.

Uma conclusão importante é que a autodefinição da cor define grupos de indivíduos

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Página 69 de 176 (pretos, pardos, morenos, brancos e assim por diante) com características sociais e culturais semelhantes. Em outras palavras, embora esteja claro que a fluidez e a variedade dos termos associados à cor continuam a se perpetuar, o termo empregado para indicar a cor do próprio indivíduo ainda se refere também a uma posição social e cultural específica [...] (SANSONE, 2003, p.86-87).

Entretanto, enquanto pesquisadores não se podemos empreender tentativas de buscar uma única

identidade, sob pena de estarmos reduzindo a heterogeneidade cultural de um determinado grupo. Isso porque a identidade é multidimensional nos termos de Cuche (2002), ou seja, as pessoas ou grupos não está encerrados numa única dimensão de identidade, ao contrário, estão constantemente definindo suas identidades e até mesmo acionando umas em detrimento de outras, devido justamente ao caráter flutuante que a identidade multidimensional apresenta.

Considerações finais

O texto procurou trazer algumas reflexões acerca dos conceitos de classe, cultura e identidade, expondo aproximações entre as abordagens teóricas de Cuche, Sansone e Weber no que tange à temática proposta, em especial na questão da constituição de identidades coletivas e étnicas.

Weber elabora original contribuição sobre o conceito de grupo étnico, calcado na crença em uma

procedência comum, nos costumes e nas relações comunitárias. A noção de grupo étnico é retomada também por Cuche e Sansone, em suas especificidades: o primeiro formula uma discussão teórica sólida sobre identidade e cultura e o segundo, a partir do estudo de realidades sociais concretas, mostra além das terminologias raciais uma íntima relação entre "cor" e "classe" e constata, entre outras questões, que jovens com maior nível educacional que seus pais não conseguem melhores empregos. Ambos os autores corroboram para a necessidade de pensarmos a identidade em termos relacionais, de maneira não estanque mas influenciada por situações, contextos e interações diversas.

Acreditamos que identidade étnica seja um processo, marcado pela história, por circunstâncias

contemporâneas e pelas dinâmicas locais e globais, que nos informam muito sobre o grau de pertencimento dos indivíduos a determinado grupo, sua vinculação e identificação à dada comunidade e não a outra. Também acreditamos que o termo identidade seja de difícil definição em função de sua dinamicidade e multidimensionalidade que a torna tão complexa por um lado e, por outro, tão flexível. Isto, a medida que as pessoas não estão encerradas em uma única identidade e podem fazer uso/acionar várias.

Assim, por não existir uma identidade única e acabada, é necessário que o olhar acadêmico recaia

não somente sobre as distintas definições de identidade, mas, sobretudo, sobre os reais significados que elas adquirem em diferentes situações, contextos e grupos, nos ajudando a compreender situações concretas em que pessoas ou grupos atribuem a si e aos outros, determinadas identidades culturais. Referências Bibliográficas CUCHE, Denys. Cultura e identidade. In: A Noção de Cultura nas Ciências Sociais. 2ª ed. Bauru: EDUSC, 2002, p. 175-202. SANSONE, Livio. Negritude sem Etnicidade: o local e o global nas relações raciais e na produção cultural negra do Brasil. Salvador: Edufba; Palas, 2003. WEBER, Max. Relações comunitárias étnicas. In: Economia e Sociedade: fundamentos da Sociologia Compreensiva. 3ª ed. Vol. 1, Brasília: Editora UnB, s/d, p. 267-277. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 70 de 176 A (INTER)GENERICIDADE D(N)O BLOG: POSSIBILIDADES POTENCIAIS PARA O

ENSINO DE LÍNGUA MATERNA

Leila Karla Morais Rodrigues Freitas Mestra em Letras – UERN

Membro do GEDUERN – Grupo de Estudos do Discurso da UERN Professora da rede básica de ensino do Estado do RN

Resumo Neste trabalho reflete-se sobre as possibilidades de uso do blog no processo de ensino-aprendizagem, mais especificamente, para o ensino de Língua materna, tomando como elemento básico sua natureza (inter)genérica. O blog consiste em um novo Gênero discursivo (digital) que resulta, a priori, de uma transmutação do Gênero diário. Considerando que o trabalho com a variedade discursiva é uma das prerrogativas do ensino de Línguas segundo os PCN (BRASIL, 2002), concebe-se que o blog figura como ferramenta de suma relevância nesse processo. As discussões ora travadas se ancoram em Bakhtin (2000), Marcuschi (2005), Koch (2006), Komesu (2004), Schittine (2004), Araújo (2005) e Perrenoud (2000). Palavras-chave: Blog. Integenericidade. Ensino de língua materna.

Abstract This paper reflects on the possibilities of using the blog in the teaching-learning, more specifically to the teaching of mother tongue, taking as a basic element of nature (inter) generic. The blog consists of a new gender discourse (digital) that follows, a priori, a transmutation of the journal Gender. Whereas the work with a variety of discourse is a prerogative of the teaching of languages according to the CPN (BRASIL, 2002), conceives that the figure blog as a tool of utmost relevance in this process. Discussions are now locked anchor in Bakhtin (2000), Marcuschi (2005), Koch (2006), Komesu (2004), Schittine (2004), Araújo (2005) and Perrenoud (2000). Keywords: Blog. Integenericidade. Teaching of Mother Tongue. Considerações iniciais

O desenvolvimento das novas tecnologias digitais a serviço da informação e comunicação, sem sombra de dúvida, representa um dos fenômenos de maior envergadura dos últimos tempos e, ao que tudo indica, não injustificadamente. As então denominadas TICs têm revolucionado de maneira inconteste os modos de ser, estar e, principalmente, relacionar-se no mundo. Além dos relacionamentos erigidos na esfera da vida real, após o seu advento, os indivíduos contam com a possibilidade de estabelecerem interações num outro âmbito, o virtual.

Vantagens e/ou desvantagens à parte, o fato é que não se pode negar a dimensão que as TICs

adquiriram desde o seu advento até aqui. Seu avanço vertiginoso é prova mais do que irrefutável de sua aceitação por parte de grande parcela da sociedade ─ o que não quer dizer que não haja manifestações contrárias a tais mecanismos. Há os tradicionais extremados que se opõem ao uso dessas tecnologias sob a legação de que estas representam um perigo à sociabilidade em sua vertente real, face-a-face. Entretanto, ao que tudo indica, conter esse movimento não parece ser uma tarefa das mais fáceis ─ isso para não dizermos impossível.

Em meio a esse impasse, entre os discursos de aceitação e condenação das TICs, subjaz a Escola

que, enquanto instituição escolar destinada, por excelência à promoção da educação, encontra-se, no mais das vezes, confusa. De um lado, ecoam as vozes da tradição que execram o uso dessas tecnologias em detrimento das metodologias já consagradas, ao passo que, do outro, ouve-se os ecos de vozes mais progressistas que defendem a atualização da Escola mediante a utilização desses novos recursos em prol do ensino-aprendizagem.

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Página 71 de 176 A este respeito os PCN ─ Documentos oficiais, elaborados em consonância com a LDB e que

norteiam as escolas e os profissionais da educação no prumo do processo de ensino-aprendizagem ─ posicionam-se, de modo favorável ao uso das TICs na educação e, para além disso, defendem sua inserção no currículo escolar como forma de atender às necessidades demandadas pela conjuntura social.

Em que pese essa discrepância de posicionamentos, o que se observa é que muitos professores e

escolas em geral já seguem essa orientação preconizada nos/pelos PCN (BRASIL, 2002) e adotam as TICs em sua prática pedagógica. Dos dispositivos digitais possivelmente utilizáveis, destacamos o Blog ao qual aludiremos preferencialmente doravante.

Diante dos estudos aos quais tivemos acesso que versam sobre essa questão, nos parece muito

clara a relevância da inserção das TICs na Escola, de modo que as discussões tecidas nesse trabalho caminham nessa direção. O blog é tomado aqui para além da consideração como diário virtual ─ novo gênero digital transmutado do diário de papel ─ posto sua disposição de agregar diversos outros gêneros, ao que denominamos de natureza (inter)genérica.

A transmutação (BAKHTIN, 2000) é um dos traços fulcrais das novas tecnologias digitais, pois, a

Internet, no dizer de Marcuschi, “transmuta de maneira bastante complexa gêneros existentes, desenvolve alguns realmente novos e mescla vários outros” (2005, p. 19). Por se tratar de um gênero (inter)genérico, o blog figura, a nosso ver, como uma ferramenta não só relevante, como indispensável a serviço do professor, sobretudo do professor de língua materna que se incumbe, irrestritivamente, da tarefa de ensinar os alunos a fazerem uso da língua com competência e destreza consoante um amplo repertório de práticas sócio-comunicativas.

A problemática desse trabalho consiste, pois, em refletir sobre a natureza (inter)genérica do Blog e,

a partir daí, aludir às possibilidades potenciais que o trabalho com Blogs oferece para o ensino de Língua materna. Com vistas a materializar nossas análises, lançamos mão de alguns recortes extraídos do blog “Diário de uma professorinha”. Nele, selecionamos trechos que ilustram o caráter (inter)genérico do blog tal como nos propomos investigar.

A composição do gênero blog

O blog é um (novo) gênero discursivo digital, que se inscreve no campo das denominadas TICs,

figurando como um dos dispositivos mais populares no Ciberespaço. A princípio, o blog ─ uma vez que responde por um diário, mesmo sob a lápide virtual ─ remete-nos logo à idéia de intimidade, de privacidade. E é nesse prisma que ele é conceituado, conforme nos diz Schittine (2004), sobretudo na sua gênese, quando se destinava à escrita de foro privado, pessoal, sendo, por muito tempo tido como uma espécie de continuidade do diário tradicional, escrito à mão numa folha de papel.

Esta ideia de que o blog seria a transmutação do diário ainda é a que está mais em voga, inclusive

no campo acadêmico, tal como nos aferem os estudos de Komesu (2004), Momesso (2004) e Schttine (2004), por exemplo.

O termo blog, na verdade é uma abreviação da expressão Weblog, que resulta da junção de duas

palavras de origem inglesa – Web, que significa teia, ligação, interação, que por vez também é usado para designar o ambiente virtual de maneira geral, e Log, que significa diário de bordo. Decorre daí a sua primeira aproximação com o gênero diário, posteriormente, “virtual”.

Considerando-o em sua dimensão pessoal, Komesu (2005) atribui ao blog a função de auto-

expressão, à medida que ele possibilita a exibição de “pessoas comuns”, sem destaque social, através da “publicização de si”. Essa é uma das razões, segundo a pesquisadora que garantem o sucesso do blog como prática discursiva na Internet.

Além disso, o blog é considerado um dos dispositivos de mais fácil acesso aos usuários, visto não

exigir conhecimento especializado em informática e ser gratuito. Neste prumo, a definição de blog apresentada abaixo parece ser esclarecedora no sentido de revelar-nos elementos de seu funcionamento.

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O blog pode ser definido [...] como uma página web, composta de parágrafos dispostos em ordem cronológica (dos mais ou menos atuais colocados em circulação na rede), atualizada com freqüência pelo usuário. O dispositivo permite a qualquer usuário a produção de textos verbais (escritos) e não-verbais (com fotos, desenhos, animações, arquivos de som), a ação de copiar e colar um link é sua publicação na web, de maneira rápida e eficaz, às vezes praticamente simultânea ao acontecimento que se pretende narrar (KOMESU, 2005, P. 99).

Apesar de contar com a convivência de diversas semioses, tais como fotos, imagens e ícones

gráficos de toda sorte (âmbito visual) e de músicas e falas (âmbito sonoro), seu ponto forte ainda é a escrita. A linguagem empregada no Blog é caracterizada, via de regra, pela aproximação entre as modalidades da fala e da escrita.

Mais uma vez remetemo-nos a Marcuschi (2005) para quem a escrita digital perfaz-se de um

hibridismo acentuado entre fala e escrita. Ademais, o blog é um gênero digital assíncrono, cuja interação não se dá em tempo real (on-line) a exemplo do chat, de modo que o blogueiro conta com a alternativa da (re)escritura e (re)postagem de seus textos.

Transmutação e (inter)genericidade no blog

Antes de volvermo-nos ao fenômeno da transmutação n(d)o blog, faz-se necessário aludirmos aos

conceitos bakhtinianos de gênero discursivo e transmutação. Bakhtin (2000) classifica os gêneros em primários ou simples e secundários ou complexos. Os primeiros são aqueles que atendem às funções comunicativas básicas, cotidianas, ao passo que os segundos respeitam aos gêneros mais elaborados, não utilizados nas situações mais corriqueiras.

A partir dessa definição, o pensador russo acrescenta que os gêneros primários são absorvidos

pelos secundários, fato que não ocorre em sentido inverso. Para exemplificar, Bakhtin nos apresenta a conversa face-a-face (elemento do cotidiano) como representativa dos gêneros simples e o romance que, como elemento artístico, pertence aos gêneros secundários. Isto quer dizer que a esfera na qual o gênero faz parte é que é a responsável pelo seu enquadramento em primário ou secundário.

Embora o autor não trate especificamente do fenômeno da transmutação nos ambientes digitais

─ sua análise centra-se sobremaneira no discurso literário ─ não nos parece descabível transpor suas considerações para esse terreno, de modo que, assumimos a premissa de gênero secundário, transmutado e, mais ainda (inter)genérico para o Blog, haja vista que a esfera virtual é extremamente complexa.

É cediço que a Internet, através das TICs tem gerado uma gama de novas formas de usos da

linguagem e, por isso mesmo, suscitado o advento de novos gêneros discursivos. Assim sendo, dizemos que o blog representa, a priori, a transmutação do gênero diário, de modo

que o antigo diário, nosso velho conhecido, escrito à mão numa folha de papel e guardado a sete chaves nos recônditos mais secretos do quarto, ganhou novos contornos, adequados e pertinentes à esfera digital, pois, “cada esfera conhece seus gêneros apropriados à sua especificidade, aos quais correspondem determinados estilos” (BAKHTIN, 2000, p. 284).

Contudo, vale salientar que, mesmo depois de realizada a transmutação diário (real) /diário

(virtual), o blog não cessou seu movimento de mutação. A dinâmica (hiper)interativa do Ciberespaço possibilitou-lhe outras mudanças. A (inter)genericidade é uma delas. Ela consiste, basicamente, na possibilidade de agregação de diversos outros gêneros em seu interior. Mais adiante, apresentaremos alguns exemplos da (dessa) (inter)genericidade no blog.

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Página 73 de 176 Escola, ensino e novas tecnologias

Ensinar, educar, formar, preparar. Essas são apenas algumas das prerrogativas atribuídas à Escola.

Não precisamos ir muito longe, nem apoiarmo-nos em teóricos renomados da educação para reconhecermos que tais tarefas são, no mínimo, complexas, difíceis. A história da educação formal, sobretudo no Brasil, nos dá mostras de que a Escola (brasileira), ao que parece, não tem dado conta do recado, mesmo com as inúmeras (re)formulações paradigmáticas e estruturais constantes.

À semelhança das outras instituições sociais, a Escola está sujeita, necessariamente, a mudanças.

Essa necessidade advém da sua própria condição. Ora, se a Escola é constitutiva da/pela sociedade ─ como o é ─ nada mais natural que ela siga na direção pela qual se move a teia social. Eis o grande desafio. A sociedade não para. Ela é um corpo vivo, orquestrado por muitos outros corpos vivíssimos e, por isso, não cessa de transmutar-se.

A sociedade atual, a dita sociedade da informação ─ marcada pelo dinamismo da comunicação e

da informação, resultantes da emergência da Internet e das novas tecnologias digitais ─ representa, nesse sentido, um desafio gigantesco, quiçá o maior de todos os já vivenciados pela Escola.

Diante da nova realidade que ora se desenha em que as TICs invadem todos os espaços sociais,

inclusive a sala de aula, a Escola, os professores e especialistas em educação, não têm muita opção. Ou melhor, até têm: ou se negam a aceitar o novo ─ que já não é tão novo assim, principalmente para os alunos ─ ou se rendem às novas mídias digitais e, para, além disso, transformam-nas em aliadas e tiram o melhor proveito possível disso.

Infelizmente, alguns preferem “remar contra a maré”. O discurso tecnófobo (XAVIER, 2005) ou

internófobo (ARAÚJO, 2005) ainda se faz muito presente no meio escolar. A esse respeito, os PCN aferem que a discussão sobre a incorporação das novas tecnologias na prática da sala de aula é muitas vezes acompanhada pelas crenças de que elas podem substituir os professores em muitas circunstâncias. Existe o medo da máquina como se ela tivesse vida própria (BRASIL, 2002).

No entanto, conforme nos asseguram diversos pesquisadores que têm se debruçado sobre essa

questão, tais como Araújo (2005), Mercado (2002) e Perrenoud (2000) esse discurso fóbico é infundado. Ele nutre-se do mito da substituição do homem pela máquina emergido há muito tempo quando do advento da industrialização e intensificado com o nascimento da informática. Portanto, esse mito é infundado e precisa ser desconstruído.

Segundo Perrenoud (2000) a utilização das novas tecnologias na sala de aula integra a lista das 10

novas competências necessárias ao professor no século XXI. Experiências exitosas não nos faltam que sinalizam as contribuições que a inserção das TICs na Escola podem trazer para o processo de ensino-aprendizagem, sobretudo para o ensino de língua materna, haja vista que a Internet promove o aumento do fluxo da escrita, da hibridização de gêneros textuais bem como evoca a ampliação da dialogicidade (BAKHTIN, 2000) da interlocução de um para um/todos, para todos/todos (MARCUSCHI, 2005).

A (inter)genericidade d(n)o blog na prática

Os recortes ora apresentados são representativos da análise do fenômeno da Intergenericidade

que caracteriza o gênero blog. Todos eles foram retirados de um único blog. Este, intitulado de Diário de uma professorinha pertence ─ como o próprio nome já sugere ─ a uma professora que o utiliza para postar conteúdos de naturezas diversas, embora sua ênfase recaia sobre as questões pertinentes à educação. O referido blog já é nosso velho conhecido, de modo que já acompanhamos seu trajeto há algum tempo.

A seleção dos excertos se deu consoante nosso gesto de interpretação, guiado pelo interesse em

rastrear a presença dos muitos gêneros no interior do blog e a partir daí refletirmos sobre as possibilidades de exploração deste gênero no/para o ensino de língua materna.

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Figura 1

No excerto acima, temos a disposição do gênero piada. Trata-se de um gênero humorístico muito

conhecido. Sua ocorrência se dá, principalmente na esfera da oralidade. No entanto, há já uma vista literatura escrita no mercado livresco que versa sobre este gênero, no

sentido de documentá-lo via escrita.O texto acima, conforme indicam as evidências, não é de autoria da professora, mas sim de outrem, tendo sido tão-somente “reproduzido” pela blogueira através de uma/sua postagem.

Figura 2

No excerto 2 faz-se uso do gênero Convite que é endereçado a todos os que a ele tenham acesso

─ no caso, a todos os leitores do blog, haja vista sua publicação neste espaço. O referido gênero, ao que parece, fora produzido pelos alunos da professora ou, quiçá por ela mesma, haja vista que trata de um evento da escola em que leciona e que conta com a sua assinatura na categoria coordenação.

Figura 3

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Página 75 de 176 No recorte 03 podemos observar a disposição de dois gêneros textuais a um só tempo, embora

ambos estejam relacionados a um só propósito comunicativo, a saber, o de divulgar o novo endereço de um blog e suas correlatas informações.

A divulgação feita pela blogueira de um outro blog que não o seu no seu espaço figura como um

anúncio. Anúncio em duas acepções do termo. Em primeiro lugar, tem-se o anúncio, sem conotação comercial quando trata da divulgação do blog. E em segundo, o texto alude à natureza publicitária (comercia) por assim dizer, ao aludir ao propósito comunicativo do blog em questão que, ao que parece, consiste em promover o merchandising de dois estabelecimento comerciais: um hotel e um restaurante.

Além dos elementos já relatados, vale ressaltar a presença de um outro gênero textual nessa

postagem: o link ─ gênero textual novo, emergido com as TICs, cuja característica é “conduzir” o leitor na teia hipertextual da Ciberesfera.

Figura 4

No excerto acima, mais um gênero discursivo é disposto no blog objeto de nossa investigação.

Desta vez, é a notícia que é veiculada pela blogueira de maneira clara e sucinta. A clareza e a brevidade, por sinal, são traços em geral inerentes aos gêneros digitais, dentre os quais se insere o blog que, dada sua natureza hipertextual (XAVIER, 2005) precede da concisão/precisão textuais.

Figura 5

Na figura 5, a charge é o gênero veiculado. A charge é um texto que mescla os elementos

imagético e gráfico (escrita), resultando numa ilustração que tem por finalidade satirizar, por meio de uma caricatura, algum acontecimento. Novamente a professora posta um texto de outrem no seu blog. Considerações finais

As discussões tecidas ao longo deste trabalho parecem convergir para nossa hipótese inicial, a

saber, de que o blog, além de ser um novo gênero discursivo (digital), fruto do processo de transmutação genérica tal como assinala Bakhtin (2000), carrega em si um traço ainda mais interessante. Esse traço consiste na sua condição de aplacar diversos outros gêneros em sua esteira. É exatamente sob este aspecto que apoiamos toda nossa defesa do blog como ferramenta didático-pedagógica relevante no processo de ensino-aprendizagem. Nossa argumentação sustenta-se principalmente nas possibilidades potenciais que o blog oferece para o ensino e, tendo em vista seu caráter (inter)genérico ora salientado, para o ensino de língua materna.

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Página 76 de 176 A escrita digital, tal como nos assegura Xavier (2005) é apenas mais uma das tantas maneiras de

fazer uso da língua, dentre as tantas já consolidadas, de modo que acolhê-la parece ser, inquestionavelmente, a melhor opção para a Escola e, por conseguinte par ao professor de Língua Portuguesa.

Assim sendo, a internet figura como um espaço sócio-discursivo novo, erigido sob a égide da

virtualidade que amplia as possibilidades de interação ─ logo potencializa o fator da dialogicidade (BAKHTIN, 2000) ─ bem como amplia o repertório linguístico-comunicativo dos indivíduos.

Levando em consideração que aprender a língua, na concepção da Linguística moderna, vai muito

além da capacidade de dominar regras previstas em manuais gramaticais, o ensino de língua materna deve estar pautado nos princípios da dinamicidade e variedade que tão bem caracterizam seu objeto/disciplina. A língua é viva, seus usos não são estanques. Ela é camaleônica e, nas sociedades com elevado grau de letramento como as sociedades tecnológicas como a nossa, onde é forte a influência das novas tecnologias digitais, sua complexidade é maior ainda. Portanto, resta-nos, enquanto professores de línguas, despontarmos nosso olhar perscrutador para os novos recursos que a Internet nos traz e, para além disso, tomando-os em nosso favor. Ou melhor dizendo, em favor da cidadania, do aluno, do social.

Os casos que configuram a (inter)genericidade n(d)o blog aqui rastreados são meramente

ilustrativos do leque de possibilidades de produção (re)produção, reconhecimento e leitura (hiper)textuais que podem ser elencados nele.

De certo, o professor de língua, arguta e sabiamente, saberá engenhosamente, arquitetar outros

modos de explorar esse novo mecanismo e com isso, otimizar todo o processo do qual é mediador. Não é intenção nossa esgotar essa problemática com as nossas observações, mas antes, instilar a reflexão, contribuir com o debate e (por que não?) com a ação crítica.

Referências ARAÚJO, J. C. A conversa na web: o estudo da transmutação em um gênero textual. In: MARCUSCHI, L. A., XAVIER, A. C. Hipertexto e gêneros digitais. (Orgs.) Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. BAKHITN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. 4. ed. Brasília: A Secretaria, 2002. KOCH, I. V. & ELIAS, V. M. Ler e Compreender. São Paulo: Contexto, 2006. KOMESU, F. C. Blogs e as práticas de escrita sobre si na Internet. In: MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In: _____, XAVIER, A. C. Hipertexto e gêneros digitais. (Orgs.) Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. MOMESSO, M. R. Weblogs: a exposição de subjetividades adolescentes. In: SARGENTINI, V.; NAVARRO-BARBOSA, P. Foucault e os domínios da linguagem: discurso e poder, subjetividade. São Carlos: Claraluz, 2004. SCHITTINE, D. Blog: comunicação e escrita íntima na internet. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. PERRENOUD, P. Dez Novas Competências para Ensinar. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artmed, 2000. XAVIER, A. C. Leitura, texto e hipertexto. In: MARCUSCHI, L. A., _____. Hipertexto e gêneros digitais. (Orgs.) Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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MEMÓRIAS DA EMÍLIA E A LITERATURA INFANTO-JUVENIL FRENTE À PRÁTICA DE DESLOCAMENTOS

Lucas Martins Gama Khalil Mestrando em Estudos Linguísticos (Universidade Federal de Uberlândia – UFU)

Bolsista CAPES Tiago Henrique Cardoso

Mestrando em Teoria Literária (Universidade Federal de Uberlândia – UFU) Resumo O objetivo deste estudo é realizar uma análise da obra Memórias da Emília, de Monteiro Lobato. Essa análise focalizará alguns elementos específicos, como: a inscrição da obra de Lobato em uma emergente literatura infanto-juvenil brasileira; as peculiaridades da escrita literária; e o desenvolvimento da noção de memória no interior da obra. Para isso, o estudo basear-se-á em perspectivas teóricas de estudiosos como Jesualdo, Regina Zilberman e Roland Barthes. Palavras-chave: Monteiro Lobato, literatura infanto-juvenil, memória. Abstract Studying the work Memórias da Emília by Monteiro Lobato is the aim of this essay. It focuses on Lobato‟s entry into an emerging Brazilian children‟s literature; the peculiarities of literary writing; and the concept of memory within the work. This study is based on some theoretical perspectives from Jesualdo, Regina Zilberman and Roland Barthes. Keywords: Monteiro Lobato, children‟s literature, memory. Introdução

O presente trabalho objetiva realizar uma análise da obra Memórias da Emília, do escritor Monteiro

Lobato, focalizando alguns aspectos relevantes para a configuração de uma literatura infanto-juvenil brasileira. Partir-se-á de um panorama geral da obra, observando como ela se constitui dentro de alguns “pressupostos” peculiares à escrita para crianças, embora consideremos que a leitura da obra em questão não deva se limitar a um público restrito. Ao qualificarmos a obra de Lobato como literatura, torna-se necessário demonstrar como a escrita de Memórias da Emília inscreve-se no interior dessa denominação. Para isso, alguns estudos do teórico Roland Barthes nos serão úteis no sentido de explicitar os “deslocamentos” do texto literário.

Um dos deslocamentos mais interessantes no nosso corpus é a constante movência dos sentidos

que giram em torno da palavra “memória”. Assim sendo, desenvolve-se um tópico específico para refletirmos acerca de tal problemática. A oscilação entre invenção e “transcrição empírica” incita-nos a questionar a posição dos narradores diante da obra, haja vista a estruturação polifônica da narrativa.

A inscrição da obra de Monteiro Lobato no universo infanto-juvenil

A constituição da literatura infantil no Brasil deve-se em grande parte ao pioneirismo do escritor

Monteiro Lobato. Além de consolidar, no Brasil, dada concepção de literatura para crianças, o autor revestiu sua obra com um caráter fortemente nacionalista. Lembra-se que algumas das grandes bases para a instituição da literatura infanto-juvenil no Brasil foram importadas de concepções pós-burguesas da infância. O conceito de criança como “adulto em miniatura” precisou ser rigidamente abandonado, passando-se a observar as características peculiares da infância. Em Memórias da Emília, a perspectiva infantil é representada fortemente pela personagem Emília, que se aproxima da criança enquanto ser questionador, inventivo e, principalmente, bastante ativo: “Eu não dou muita importância à gente grande” (LOBATO, 1968, p. 66), diz a personagem.

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Página 78 de 176 O sentimento nacionalista trabalhado na obra de Lobato carrega também, de certa forma,

resquícios do nascimento da literatura infantil na Europa, visto que as primeiras histórias voltadas para a criança burguesa europeia provinham das narrativas orais que eram difundidas na cultura popular dos próprios países.

Monteiro Lobato exerceu também fundamental importância na construção da primazia do caráter

imaginativo/ literário sobre o caráter informativo/ utilitário. Isso não significa dizer que o utilitarismo é ausente na obra Memórias da Emília, porém tal característica coloca-se um “degrau” abaixo da função propriamente literária da obra. O trecho a seguir exemplifica de forma efetiva tal sobreposição: “Vomitou logaritmos, ângulos e triângulos, leis de Newton - uma trapalhada”. Percebe-se que, apesar de Lobato trabalhar com questões consideradas úteis para a criança (ao menos na perspectiva do adulto), a linguagem fortemente conotativa proporciona a ressignificação e, consequentemente, uma não fixação de saberes.

O caráter imaginoso, caraterística-chave da literatura infanto-juvenil, está presente em toda a série

do Sítio do Pica-pau Amarelo. Jesualdo (1992) explica que:

Essa qualidade imaginosa é que afirmará, em primeira instância, o máximo interesse da expressão para a criança. Vida mais imaginativa do que real [...] que caracteriza todas as etapas iniciais da criança, seu tempo de invenção para suprir o que ignora, em relação com a distância que vai do raciocínio à comprovação experimental, é tão fundamental como o movimento interior de suas relações cognoscitivas (JESUALDO, p. 37).

A inventividade, desse modo, é um dos fatores que materializam a convergência entre a obra

literária e a psicologia infantil. Em decorrência dessa importante característica, surgem alguns outros fatores: a antropomorfização, concessão de características humanas a objetos ou animais, tal como percebemos nas figuras do Visconde de Sabugosa (espiga de milho), Quindim (rinoceronte) e Emília (boneca de pano); a localização em ambientes fantásticos (por exemplo, Emília no País da Gramática); a ressignificação de histórias cristalizadas na cultura ocidental (por exemplo, a retomada da história de Peter Pan); etc. O caráter imaginoso na obra de Lobato pode ser contemplado a partir da noção de fantástico maravilhoso, desenvolvida por Todorov (2004), pois há na obra uma compactuação hesitante de eventos estranhos ao “natural”.

A consolidação da literatura infanto-juvenil no Brasil e o movimento literário denominado

modernismo são praticamente contemporâneos. Além de o nacionalismo ser um ponto convergente nessa relação, encontramos também na própria construção linguística uma característica em comum: a eventual busca por uma simplicidade da linguagem. No modernismo, tal noção de simplicidade deve-se à tentativa de aproximação entre a literatura e o falar popular, fazendo a primeira descer de uma “torre de marfim”. Já na literatura infanto-juvenil, a simplicidade da linguagem parte da própria necessidade de identificação das construções linguísticas (principalmente em relação ao vocabulário) já dominadas pelas crianças. Entretanto, ser simples não significa ser facilitador, visto que a literatura tem caráter problematizador e, principalmente, artístico. Segundo Maria Antonieta Antunes Cunha (1990), muitos autores confundem a simplicidade com a facilitação, produzindo textos bastante artificiais. Pode-se dizer que, em Monteiro Lobato (1968), a linguagem é simples, mas não artificial, como vemos nos exemplos: “O chão do pomar ficou ensopado de lágrimas” (p. 102); “E nasci duma saia velha de tia Nastácia” (p. 10). Observa-se que, nas proposições acima, o grau de elaboração da linguagem na obra Memórias da Emília não está no nível do “fácil”, pois, apesar da linguagem possuir um vocabulário simples e cotidiano, os sentidos conotativos povoam todo o texto, proporcionando à criança aquilo que o formalismo russo chamaria de prolongamento da percepção.

Obras que trabalham o universo infantil perpassam constantemente duas problemáticas

entrecruzadas: o contato da criança com a língua/ cultura e a formação de conceitos, questões que influenciam fortemente a construção de Memórias da Emília. Podemos conceber o personagem Anjinho como a representação da criança na fase de seus primeiros contatos com os signos linguísticos. Desse modo, esse personagem apresenta-se questionador, como se observa em uma de suas constantes falas: “Mas por que é assim?” (LOBATO, 1968, p. 20).

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Página 79 de 176 Com relação à questão da formação dos conceitos, considera-se como ponto de partida a

constatação de que as crianças têm uma relação peculiar com a abstração; isto é, em vez de conceber um conceito por uma proposição fundamentalmente abstrata, busca-se encontrar uma natureza concreta para os conceitos, como se nota a seguir no exemplo retirado da obra em análise: “A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca” (LOBATO, 1968, p. 12). Observa-se que o tema “vida”, de natureza fundamentalmente abstrata, transpõe-se no “pisca-pisca”, valendo-se de certa concretude. Além de esse recurso ser importante na identificação do universo infantil, ainda proporciona o trabalho com a linguagem literária, visto que os sentidos são constantemente deslocados.

Ao realizar o percurso citado no parágrafo acima, a tomada de conceitos pelo escritor da literatura

infanto-juvenil precisa saber lidar com os conhecimentos prévios da criança, como observamos nos excertos: “Árvore – dizia – é uma pessoa que não fala; que vive sempre de pé no mesmo ponto; que em vez de braço tem galhos; que em vez de unha tem folhas” (LOBATO, 1968, p. 16); “Raiz é o nome das pernas tortas que elas enfiam pela terra adentro” (LOBATO, 1968, p. 17). Vê-se que Lobato trabalha com um tipo de conhecimento prévio por parte da criança (partes do corpo do ser humano) a fim de construir junto ao leitor outros conhecimentos (no caso, sobre a árvore).

Além de todas as características supracitadas, podemos incluir ainda a ilustração como fator de

fundamental importância na literatura infanto-juvenil. Utilizamos, para a execução deste trabalho, duas edições de Memórias da Emília, uma do ano de 1968 e uma mais atual, do ano de 2002. Em ambas as edições as ilustrações contêm traços que se distanciam da pura referencialidade, buscando um pano de fundo de caráter mais imaginativo (tal como na ilustração da p. 101- ed. 1968, na qual a figura de uma tesoura toma dimensões desproporcionais em relação ao resto da imagem). É importante salientar que, cada vez mais, as edições vão se reformulando em relação à apresentação de atrativos para as crianças. Uma constante nas edições de Memórias da Emília é a paulatina diminuição do tamanho e da presença das ilustrações, haja vista a tentativa de viabilizar financeiramente a obra.

Os deslocamentos como artifícios literários

Ao afirmar que a obra de Monteiro Lobato privilegia o literário em detrimento do utilitário, torna-

se necessário demonstrar o modo como Memórias da Emília constitui-se como literatura. Para esse fim, utilizamos ao longo desse tópico os estudos de Roland Barthes acerca dos deslocamentos presentes na literatura. Barthes ([1977]) explica que a literatura promove a linguagem fora do poder, isto é, proporciona a não fixação de saberes, o jogo com os signos instituídos e a “desconstrução” da mimesis.

Muitos deslocamentos presentes na obra em análise acontecem na esfera da semiosis, tendo em

vista “o trabalho que recolhe o impuro da língua, o refugo da linguística, a corrupção imediata da mensagem” (BARTHES, [1977], p.32). Ou seja, há no texto de Lobato uma constante saída da “instituição ditatorial da língua”, resultando em um intenso universo lúdico das palavras. Os deslocamentos mais explícitos no nível da língua ocorrem na reinvenção gramatical nas falas da personagem Emília, como, por exemplo, quando ela flexiona o grau do pronome pessoal: “é elíssimo mesmo!” (LOBATO, 1968, p. 68).

Encontra-se também um interessante jogo entre significante e significado, no qual os personagens

reinventam os elementos gráficos das construções textuais. Ao discorrer sobre a jabuticaba, a personagem Alice supõe que “pelo nome, deve ser do tamanho de uma melancia” (LOBATO, 1968, p. 54). Nesse caso, o deslocamento ocorre no sentido de atribuir ludicamente ao significante a “essência” do significado. No trecho “eis porque se apressou a pôr um rabinho naquele ponto final, transformando-o em vírgula” (LOBATO, 1968, p. 129), o autor utiliza outro recurso interessante, estabelecendo um “devir” dos traços linguísticos, fato que alegoriza justamente a movência de sentidos dentro da obra literária.

A utilização dos deslocamentos no nível da semiosis – que se refere ao “jogo” com os signos e seus

sentidos –, proporciona também o desenvolvimento do tom humorístico ao longo do texto, como observamos no excerto: “No estábulo, a Mocha teve a honra de ser apresentada ao Almirante Brown, o qual foi saudado por um mu! especial, em português, visto que a pobre vaca não sabia uma só palavra de inglês, nem yes”. (p. 60). Ainda na esfera da linguagem, Monteiro Lobato trabalha intensamente as figuras de linguagem, como observamos na riqueza sinestésica do trecho a seguir: “Você devorou o bilhete,

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Página 80 de 176 Rabicó! – fui gritando. Tanto devorou que está com cheiro de bilhete devorado na boca” (LOBATO, 1968, p. 110).

Em uma das suas reflexões sobre as palavras, Emília infere que “a língua é a desgraça dos homens

na terra” (LOBATO, 1968, p. 20). A protagonista da obra em análise, ao interagir com o Anjinho nas suas “explicações” linguísticas, depara-se com as possibilidades de significações inerentes às próprias palavras: “Até os países tem cabo” (LOBATO, 1968, p. 18); desse modo, a afirmação “a língua é a desgraça dos homens na terra” faz parte de um complexo de reflexões sobre a língua, exercendo a função de “provocar” o leitor no que diz respeito a sua relação com as palavras.

Também no nível da mathesis, relacionado à construção dos saberes no interior das obras literárias,

ocorrem deslocamentos. Barthes ([1977]) destaca que a literatura reúne diversos saberes e, em vez de fixá-los, faz girar os sentidos, ressignificando-os. No trecho seguinte, ao retomar outra história da série Sítio do Picapau Amarelo, inserindo o leitor numa rede de diversos textos, Monteiro Lobato mescla diversos saberes, proporcionando a realização dos efeitos citados por Barthes: “Pedrinho havia tirado os vidros para fazer aquele célebre telescópio com que espiou o dragão de São Jorge na lua” (LOBATO, 1968, p. 28). Observa-se nessa passagem que a fusão do discurso científico com o discurso religioso reforça o caráter imaginativo do texto, deslocando os dois saberes por meio de uma “inevitável” aproximação.

É no movimento intertextual que os deslocamentos aparecem mais difundidos, visto que o

resgate de histórias já conhecidas pelo leitor não significa uma transposição de personagens de uma obra para outra, mas sim um intenso emaranhado de ressignificações. Sobre a história de Peter Pan, na qual o personagem Capitão Gancho supostamente teria morrido, Emília afirma: “Morreu nada!”, retomando uma história fixada e deslocando seus sentidos já postos. Semelhante processo ocorre em relação ao personagem Popeye: herói nos cinemas e vilão no Sítio do Picapau Amarelo. E o que dizer da figura do anjinho? Na acepção bíblica, anjos não tem sexo, são seres poderosos e estão longe de serem classificados em faixas etárias ou tratados como indivíduos inofensivos ou ingênuos. Eles. A “salada” intertextual promovida por Lobato não tem fronteiras, haja vista a variedade de fontes que permeiam as histórias do Sítio: cinema, contos de fada, literatura universal, folclore etc; tal como observamos no exemplo: “Emília se atracava com Alice no País das Maravilhas, que também viera no bando” (LOBATO, 1968, p. 46).

Outra força da literatura citada por Barthes ([1977]) é a mimesis, relativa aos movimentos

representativos do texto literário. Na obra Memórias da Emília, o deslocamento da mimesis se dá justamente pela variedade de conceitos de memória que estão presentes ao longo do texto. Tal diversidade proporciona uma reflexão sobre a própria forma de “retratar o mundo” na escrita memorial. Emília, por exemplo, tem a seguinte concepção de memória: “Minhas Memórias – explicou Emília – são diferentes de todas as outras. Eu conto o que houve e o que devia haver” (LOBATO, 1968, p. 129). Visconde de Sabugosa, por sua vez, concebe a memória como algo factual, empírico, o que abordaremos no tópico a seguir.

Memórias ao avesso

A capacidade inventiva de Monteiro Lobato o tornou notável tanto entre as crianças quanto entre

os adultos. Suas personagens e histórias ficaram de certo modo tão consagradas que, muitas vezes, nós as conhecemos sem ao menos ter tido contato com as suas obras. Invadindo a nossa imaginação, as obras de Monteiro Lobato, e aqui especificamente a coleção Sítio do Picapau Amarelo, oferecem uma leitura lúdica, um passeio pelos bosques da ficção.

O trabalho com a linguagem, a multiplicidade de saberes e o intenso deslocamento de sentidos

formam uma tríade contínua na obra de Lobato. Mas “a fantástica máquina de criar” (conforme denominação de Regina Zilberman) de Lobato é ainda mais desafiadora ao explorar e (des)construir o mundo a sua volta: um de seus maiores trunfos. O autor explora gêneros textuais, personagens, enredos, transformando e reconstruindo continuamente a concepção do literário. É onde entra o livro Memórias da Emília, que se configura como um trabalho ousado e criativo do autor. O mote recorrente da narrativa é a ambiguidade do próprio conceito de memória, que dá título ao livro. O conceito ambíguo é construído a

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Página 81 de 176 partir do jogo dialético entre os narradores: de um lado a sabedoria cristalizada de Visconde, do outro a transgressividade de Emília.

O que o dicionário conceitua como memória é algo próximo à concepção de Visconde, mas,

teimosa e impertinente como sempre, Emília adota para si uma memória ao avesso, instaurando uma aporia incessante na obra. O jogo dialético se inicia quando Emília, interessada em relatar sua vida, solicita ao seu secretário Visconde que comece com a narração de suas memórias. A primeira polêmica se estabelece: o narrador das memórias não é Emília, mas Visconde, e, como se sabe, uma lembrança é fruto de impressões e experiências individuais, apenas aquele que as viveu pode se lembrar, e, posteriormente, contar. Neste sentido, as memórias da boneca deveriam ser rememoradas e registradas apenas por ela, e não por Visconde, como acontece na obra.

Visconde, entretanto, questiona a autoria das memórias: “mas assim as Memórias ficam minhas e

não suas, Emília” (LOBATO, 2002, p. 12). No entanto, para Emília, “todo mal vem da língua”, e, fugindo do senso comum, sua resposta é imediata: “não se incomode com isso. No fim dou um jeito; faço como na „Aritmética‟...” (LOBATO, 2002, p. 12).

Ao iniciar as memórias, o sabugo de milho se preocupa com a fidelidade dos fatos, narrando com

o máximo de veracidade. O episódio rememorado faz parte do livro Viagem ao céu: o anjinho de asa quebrada. No decorrer da narrativa, a organização e a fidelidade verídica dos eventos ocorridos são os alvos do pequeno sábio, que não esconde nem mesmo o vexame pelo qual passou ao se tornar um falso anjo. As crianças inglesas que foram visitar o verdadeiro anjo deparam com Visconde vestido como um e, ao verem, não escondem a frustração: “„Que anjo feio!‟ e a barulhada começou.” (LOBATO, 2002, p. 22). A tradicional concepção de Visconde se liga aos apontamentos de Fischer (2003, p. 37): “um traço da narrativa de memórias, o relato do transcurso de uma história a partir da experiência vivida.” A premissa “só quem viveu pode contar” norteia a concepção de memória do sabugo, que embora escreva as memórias de outra autoria, relata um episódio comum a ambos.

Verdadeira “dona” das memórias, a esperta Emília só irá assumir suas memórias a partir do

décimo primeiro capítulo, desconstruindo e colocando ao avesso o conceito de memória (narrativa memorialística). A boneca relata um passado que nunca existiu, mas que poderia ter existido. Assim, contrária à concepção de Visconde, Emília se justifica aristotelicamente: “Minhas memórias – explicou Emília – são diferentes de todas as outras. Eu conto o que houve e deveria haver.” (LOBATO, 2002, p. 54). Porém, Dona Benta é incisiva, e questiona as memórias da boneca: “então é romance, é fantasia...” (LOBATO, 2002, p. 54). Emília, sem rodeios, responde: “são memórias fantásticas” (LOBATO, 2002, p. 54).

A ilustração sugestiva da enorme tesoura, comentada neste artigo, surge assim para mostrar

definitivamente a guinada que sofre a narrativa quando Emília a assume. Não satisfeita com o final fatídico das suas memórias, a boneca resolve narrar o que teria acontecido se Tia Nastácia tivesse cortado as asas do anjinho, evitando assim a fuga da criancinha ao seu lugar de origem. Neste momento em diante, instaura-se a contraposição entre o tradicional e o transgressivo. A ficção ganha espaço nas memórias da boneca e o relato fiel de visconde “perde as asas”.

Beatriz Sarlo (2007) afirma que a ficção é uma parte essencial da memória, já que o sujeito nunca

é capaz de registrar satisfatoriamente em outro momento espaço-temporal, aquilo que viveu. Algo que não se pode fugir, pois o presente avassalador atravessa o passado, moldando-o. O sujeito esquece, lembra, cala, modifica em função daquilo que as suas ideias atuais exigem. A invenção surge com o presente, para dar à lembrança, fragmentária e fissurada, certa coerência, preenchendo as lacunas de uma memória estilhaçada pelo tempo. Emília, transgressiva ou não, tem essa consciência.

Além disso, a ideia transgressivo-inventiva do espírito libertador de Emília se sustenta nos pilares

da autopromoção, ressaltando o positivo e escondendo o negativo. E para que tudo isso adquira um efeito de real, como propõe Roland Barthes, é preciso, segundo Emília, mentir bem, para que tudo pareça verdade. Era o que a boneca já previa para Dona Benta antes de começar a narração:

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Página 82 de 176 Bem sei que tudo na vida não passa de mentiras, e sei também que é nas memórias que os homens mentem mais. Quem escreve memórias arruma as coisas de jeito que o leitor fique fazendo uma alta ideia do escrevedor. Mas para isso ele não pode dizer a verdade, porque senão o leitor fica vendo que era um homem igual aos outros. Logo, tem de mentir com muita manha, para dar ideia de que está falando a verdade pura. (LOBATO, 2002, p. 7).

A obra, ao longo da narrativa, dialeticamente constrói e reconstrói o conceito de memória,

inscrevendo, entre a ficção e a realidade, o termo memórias fantásticas, nada surpreendente vindo de onde vem: “a fantástica máquina de criar” de Monteiro Lobato. É o complexo trabalho com essa pluralidade dos sentidos em torno da noção de memória, aliado aos deslocamentos supracitados no nível de semiosis, da mathesis e da mimesis que a obra em questão faz amadurecer uma inventividade literária, no âmbito infanto-juvenil, que foge ao mero utilitarismo.

Bibliografia BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Editora Cultrix, [1977]. CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Características da obra literária infantil. In: Literatura Infantil: teoria e prática. São Paulo, Ática, 1990. FISCHER, L. A. Linhagem das memórias. In: Superinteressante. v. 11. São Paulo: Abril, 2003. JESUALDO. A literatura Infantil. São Paulo: Editora Cultrix, 1992. LOBATO, Monteiro. Memórias da Emília e Peter Pan. Obras Completas de Monteiro Lobato. São Paulo: Editora Brasiliense, 1968. LOBATO, Monteiro. Memórias da Emília. 42ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2002. OLIVEIRA, Danielle Cristine Santim de. Memórias da Emília: uma leitura do traço memorialístico às avessas. In: Estudos Linguísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, 2007. p. 323 / 326. SARLO, Beatriz. A retórica testemunhal. In: Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras, UFMG, 2007. TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. 3. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. VELLOSO, M. A literatura como espelho da nação. In: Revista de Estudos Históricos. Rio de Janeiro: v.1, n. 2, p. 239-263, 1988. ZILBERMAN, Regina. Monteiro Lobato e sua fantástica máquina de criar. In: Como e por que ler a Literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 83 de 176 UMA CIDADE ENTRE O RIO E A FLORESTA*

Luciana Nascimento** Marcio Roberto Vieira***

Resumo Entender as lógicas que estruturam essa diversidade de formas de ocupação urbana na Amazônia torna-se extremamente interessante, pois remete a uma reflexão sobre a formação histórica e cultural dessa região e mais ainda através da literatura, espaço de recriação e captação oblíqua da realidade. Tal reflexão nos permite perceber a interação entre os processos locais e nacionais, ou seja, em que medida essa literatura amazônica expressa a cidade em seus compassos e descompassos com outras narrativas urbanas. Palavras-Chave: Amazônia, cidade, narrativa Abstract This work aims to understand the logical that structure the diversity of urban forms concerning the Amazon settlement and this process becoming extremely interesting, since it refers to a reflection on the historical and cultural formation of this region and also through the literature, recreation space and capture oblique reality. Such reflection allows us to understand the interaction between national and local processes, it means, to what extent this literature expresses the Amazonian city in its compass and discompass with other urban narratives. Keywords: Amazonia, city, narrative.

A cidade é o templo onde o homem celebra e promove dia após dia a sua habilidade de interagir

e reinventar o ambiente. Fruto da imaginação e do trabalho articulado de muitos homens, a cidade é uma obra coletiva que desafia a natureza. Nesse sentido, falar sobre a cidade, essa vasta rede de múltiplas significações, pode ser uma atividade prazerosa, é uma oportunidade de ler, reler e repensar esse espaço criado em que se vive, onde as pessoas se agregam e se desagregam e cada indivíduo é um e, simultaneamente, fragmento de um conjunto, parte de um coletivo.

A cidade como lugar do homem, onde ele realiza seus projetos, vai ser evidenciada neste trabalho,

para que os conflitos, as relações sociais, as práticas de interação venham à tona, voltem a fazer sentido no presente, que se constitui como tempo histórico, no sentido de conhecermos um pouco mais dos enredos de uma memória tão carente de estudo.

Sendo a cidade, por excelência, o „lugar do homem‟, ela se presta à multiplicidade de olhares

entrecruzados que, de forma transdisciplinar, abordam o real na busca de cadeias de significados (PESAVENTO, 1999, p.8). nossa proposta é trabalhar a cidade a partir das suas representações

[...]mais especialmente as representações literárias construídas sobre a cidade. Tal procedimento implica pensar a literatura como uma leitura específica do urbano, capaz

* Este trabalho constitui um recorte do Projeto “ Literatura, Cidade e Vida social” financiado pela FUNTAC-Fundação de Tecnologia do Acre, com recursos do FDCT- Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico coordenado pelos professores Luciana M. do Nascimento e Francisco Bento da Silva. ** Doutora em Teoria e História Literária pela UNICAMP. Docente do Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagem e Identidade da Universidade Federal do Acre- UFAC. Docente dos cursos de Letras da UFAC- Centro de Educação, Letras e Artes/UFAC ***Mestre em História pela UFAM. Docente do Curso de História da Universidade Federal do Acre-UFAC.Centro de Filosofia e Ciências Humanas/UFAC.

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Página 84 de 176 de conferir sentidos e resgatar sensibilidades aos cenários citadinos, às suas ruas e formas arquitetônicas, aos personagens e às sociabilidades que nesse espaço têm lugar (PESAVENTO, 1999, p. 10).

É justamente no século XX que se consagra a cidade como síntese e projeção da modernidade. A

cidade passou a expressar, em grande medida, os anseios de uma nova ordem econômica e política com vistas ao progresso. Tal processo pôde ser observado também quando se trata da formação do espaço urbano na Amazônia, cujas cidades se formam a partir dos primeiros núcleos de povoamento, na esteira da economia extrativista da borracha, tornando o campo e a floresta, lócus que trazem um significado relativo ao atraso. Assim, se vivencia na Amazônia uma experiência de Belle Époque, como àquela ocorrida em Belém, em Manaus ou em Porto Velho, com a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, cujo evento foi muito apropriadamente chamado por Foot Hardman de “a modernidade na selva”57 e o famoso período de fausto do ouro negro.

Pode-se perceber que, por um lado, a cidade como lócus da modernidade ascendeu

definitivamente; por outro, o campo passou a ser identificado ao lócus do isolamento e do atraso. Foram muitos os aspectos políticos e históricos determinantes desse novo cenário, entretanto, não vamos discutir tais aspectos, pois, o que nos interessa é perceber de que maneira essa ascensão da cidade na Amazônia motivou outras escritas de romances, não somente àquelas cuja temática reside numa “poética do verde”, ou seja, há uma série de obras a qual Afrânio Coutinho classifica como “romance do ciclo do Norte”, cujo autor principal foi Dalcídio Jurandir. Em muitas narrativas, se coloca em cena a floresta, seus trabalhadores, a exploração do seringueiro e seus desafios diante da natureza exuberante e hostil a este sujeito. A floresta deixa de ser o espaço idílico postulado pelos viajantes estrangeiros em seus textos nos séculos XVIII e XIX, para nos textos ficcionais do século XX (anos 40 e 50), se tornar o lugar que se deixa; o lugar do abandono.

Acreditamos que as representações da cidade na literatura são importantes, pois, faz-se mister que

a Amazônia seja lida como uma região urbana, tendo em vista que aproximadamente 70% de sua população vive nas cidades, ainda que tal estatística possa ser redefinida em função das estruturas rural-urbanas ali existentes. Os antigos povoados passam por uma recomposição de seu papel, resultantes de confrontos sociais e de modelos diversos de constituição do território e da integração em mercados globalizados.

Entender as lógicas que estruturam essa diversidade de formas de ocupação urbana na Amazônia

torna-se extremamente interessante, pois remete a uma reflexão sobre a formação histórica e cultural dessa região e mais ainda através da literatura, espaço de recriação e captação oblíqua da realidade. Tal reflexão nos permite perceber a interação entre os processos locais e nacionais, ou seja, em que medida essa literatura de expressão amazônica escreve e inscreve a cidade em seus compassos e descompassos com outras narrativas urbanas.

Ao falarmos o campo semântico Amazônia, nossas referências tendem a conferir um grau de

identidade à região no todo, o que se explica pelo longo processo histórico de estabelecimento, de criação e de “invenção da Amazônia” como processo de percepção e apropriações de imagens acerca dessa região, imagens essas imortalizadas pelos relatos de viajantes, pela literatura e pela mídia. (GONDIM, 1994, p.9), conforme atesta Amarílis Tupiassú:

[...] quem profere a palavra Amazônia ilumina logo na idéia a enormidade da bacia hidrográfica do rio máximo, seus veios, entrâncias e reentrâncias, barrancas, cataratas, corredeiras, pântanos, várzeas etc., tudo coberto e entremeado pela maior floresta tropical do Planeta. Quem diz Amazônia enuncia incríveis padrões de riqueza, mas também o local de inacreditável concentração de miséria humana e social [...]. (TUPIASSÚ, 2005, p.299).

E pensando um pouco na heterogeneidade da Amazônia, hoje, é que devemos levar em

consideração que a sua constituição geopolítica, ao Norte do país, compreende os seguintes estados: Acre,

57 Refiro-me ao livro de Francisco Foot Hardman Trem fantasma: a modernidade na selva (1987).

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Página 85 de 176 Amapá, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia e Tocantins, sendo que este foi resultado do desmembramento de Goiás. Juntando-se a esses estados, há o que se denomina de Amazônia legal, compreendendo os estados supracitados e as regiões norte de Mato Grosso e noroeste do Maranhão. E na sua configuração de Pan-Amazônia, acrescente-se ainda o Suriname, a Guiana, a Venezuela, a Colômbia, o Equador, o Peru, a Bolívia e a Guiana Francesa, que geograficamente se encontra no espaço amazônica, mas que por questões políticas não faz parte da Organização do Tratado de Cooperação dos países amazônicos.

E é nessa Amazônia, um tanto heterogênea, na qual a cidade e sua espacialidade não podem ser

vistas somente como elementos geográficos, mas, de acordo com José Aldemir de Oliveira, quando se trata de cidade na Amazônia, a paisagem urbana não é apenas o conjunto de objetos e edificações, mas traz consigo a cultura e a vivência do homem com a natureza, considerando:

a floresta e a água como ponto de partida e não de chegada. Nas pequenas cidades amazônicas, localizadas no meio da floresta e às margens dos rios, o habitante deste espaço pode ser levado inconscientemente a estabelecer a dimensão de espacialidade a partir do encantamento da realidade física. (OLIVEIRA, 2006, p.4)

É nesse sentido que podemos compreender os passeios literários sobre as cidades amazônicas

como “mapas textuais” (GOMES, 2008, p. 18), ou seja, como textos passíveis de leitura e de construção pela memória, tal qual o percurso realizado por Kublain Khan, narrador de Italo Calvino, em As Cidades Invisíveis (CALVINO, 1990, p. 14), em cuja obra este nos narra múltiplos percursos em inúmeras cidades, a partir de uma memória signica.

Escrever a cidade na Amazônia: escreve o romancista paraense Abguar Bastos, a cidade de Rio

Branco, em seu romance intitulado Certos Caminhos do Mundo. Romance do Acre, publicado em 1936. Nesta narrativa, o romancista tematiza a Revolução acreana, a anexação do Acre ao território

brasileiro e a nascente urbanização da cidade, nos mostrando a imagem da “cidade partida” pelo rio que a atravessa. Naqueles tempos, os da derrocada58 (MEDEIROS, 1942), o Brasil passava por profundas modificações políticas e econômicas. Inertes aos acontecimentos do território do Acre o país ia se transformando e mudando aos sabores das elites da época. Vagamente, lembravam que nestes estirões tinha havido um sério conflito entre Brasil e Bolívia pela posse do então território acriano.

Naquele período, um desconhecido produto conquistou o segundo lugar na pauta de exportação brasileira. A partir de 1890, com o aumento da produção de automóveis, o látex ganhou lugar especial na vida econômica brasileira. A exportação de matérias-primas e de gêneros tropicais continuou (e continua) sendo a principal marca da economia brasileira. É com essa reviravolta da economia brasileira que se articula os dramas e tramas de todas aquelas gentes que passam a ocupar a região amazônica e das elites que passam a explorar esse produto tão cobiçado. Segundo Nice Ypiranga Benevides de Araújo (1985), para a compreensão do significado da borracha na economia brasileira da Primeira República é preciso não isolá-la de um contexto maior – capitalismo – no qual o Brasil se inseria como país periférico, fornecedor de produtos primários. Segundo a autora, a região amazônica, desde o início da colonização, caracterizou-se pela exportação de tais produtos. Sendo assim, o seringal representava o núcleo da estrutura sócio-econômica da região amazônica no período da borracha, conforme afirma Nice Ypiranga Benevides de Araújo:

Na margem erguiam-se o barracão central e os barracões menores. O barracão central, construído de madeira ou paxeúba – uma espécie de carnaúba – com cobertura de zinco e levantado sobre barrotes de madeira para proteção contra as enchentes na época do inverno, era a residência do seringalista, o depósito de mercadorias e o

58 Ocelio de Medeiros, escritor acreano, quando fala em derrocada se refere ao processo de desarticulação da

empresa extrativista. O autor é uma testemunha do processo de miséria e abandono por que passa os seringais

acrianos quando o látex passa a ser produzido na malásia. O autor, com sua obra, evidencia a ida de uma massa

humana para as periferias das cidades acrianas, retornando para o nordeste ou se emancipando e virando agricultores.

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Página 86 de 176 escritório. Com o desenvolvimento do comércio da borracha, o barracão central tornou-se apenas a residência do proprietário ou do gerente, quando aquele não residia na propriedade (ARAUJO, 1985, p. 86).

A República, segundo Nicolau Sevcenko (1985), capitalizou e remodelou cidades, mas não permitia que seus cidadãos tivessem cidadania. Naqueles tempos de uma jovem república o povo parecia “embasbacado” com as transformações ocorridas e lideradas pelos aristocratas de São Paulo e Minas gerais. O povo, que pelo ideário republicano deveria ter sido protagonistas dos acontecimentos, “assistira a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar” (CARVALHO, 1987, p. 9). Trata-se da primeira grande transição na história brasileira. A transição do Império para a República que acontece sem a iniciativa popular e que promove na nação uma fase extremamente turbulenta de sua existência. Talvez seja por isso que Euclides da Cunha59 diz que o povo da Amazônia é um povo sem história. Em uma região por demais distante e sem estrutura nenhuma. Os acontecimentos transcorrem sem a anuência do povo e a presença de tal regime político é extremamente escassa. A ausência da República brasileira nos estirões das selvas amazônicas torna seus moradores uma espécie de deserdados da própria República.

Com grande descrença nesse novo regime, nascida da “inaptidão militar” e da insubordinação frente às estruturas hierárquicas militares, o autor foi controverso em suas observações sobre esse contraditório regime que se punha em prática no Brasil. Euclides acreditava ser inevitável a passagem da monarquia à República, no entanto, o “governo do povo pelo povo” se mostrou um governo de “todos por alguns”. Apesar disso, o autor não abandonava a ideia de que da República como sendo a “coisa pública”, deveria ser baseada na soberania do povo, que delegava o poder a representantes eleitos. De acordo com Roberto Ventura, esse sonho distante perdurou na obra do autor por toda sua trajetória:

Para combater tamanha desesperança, tomava, como guia, a verdade luminosa dos ideais elevados e da retidão de caráter, "linha reta", que procurou traçar ao longo da existência. Exprimia por meio de tal imagem, freqüente nas cartas aos amigos e familiares, a fidelidade aos princípios éticos aprendidos com o pai, que entravam em choque, muitas vezes, com as exigências da vida profissional ou política (VENTURA, 1996, p. 281).

A fase de consolidação desse novo regime foi marcada pela ausência do vasto mundo da

participação popular (CARVALHO, 1987). A proposta era clara naquele período:

Governar país por cima do tumulto das multidões agitadas da capital. O rio podia ser caixa de ressonância, mas não tinha força política própria porque uma população urbana mobilizada politicamente, socialmente heterogênea, indisciplinada, dividida por conflitos internos não podia dar sustentação a um governo que tivesse de representar as forças dominantes do Brasil agrário (CARVALHO, 1987, p. 33).

Nesse Brasil agrário se movimentavam as ideias, em geral, importadas da Europa, e havia o rápido

avanço de valores burgueses. Os princípios ordenadores da ordem social e política estavam sendo implantado no país com muita força. Em meio a esses processos, dadas às concepções restritivas da participação, havia uma nítida distinção entre sociedade civil, o povo, e sociedade política, os burocratas.

O Acre Federal nasce envolto e participante dessas questões de participação popular, exclusão social e articulação política. Segundo Barros (1993), o processo de anexação do território do Acre ao território brasileiro e o processo de organização administrativa do território do Acre foi uma criação astuta dessa jovem República brasileira. Esse imenso deserto ocidental, que por muito tempo figura na literatura disponível como “inferno verde” ou “paraíso verde”, nasce em um misto de movimento popular e

59 A revisão da república é central na obra de Euclídes da Cunha, revelando uma preocupação que manteve ao longo da vida. Está presente nos artigos que escreveu para jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro, de 1888 a 1892, e na maior parte de seus livros. Discutiu o regime republicano não só em Os sertões (1902), narrativa crítica da guerra de Canudos, como em Contrastes e confrontos (1907) e na terceira parte de Á margem da história (1909), em que tratou da história política no período entre duas proclamações: a da Independência e a da República.

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Página 87 de 176 caudilhismo. É fato que, as movimentações intensas dos jovens estados do Pará e Manaus, foram decisivas na construção desse novo território federal. Esse território, que graças a artimanhas das elites amazônicas, tinha passado às mãos do Brasil, era preservado como algo que deveria ser conservado na esfera federal. Essa federalização vinha para neutralizar as intenções econômicas das elites amazônicas e não para não alterar o contexto político nacional.

A República inventou o Território Federal do Acre. Como já foi dito, a borracha ocupou o

segundo lugar nas exportações brasileiras. Dada a maior procura no mercado internacional e o aumento substancial de sua produção a borracha passou a ser um produto estratégico na economia nacional, conferindo certo poder às elites amazônicas.

Reconstituindo o fio histórico através do texto de um dos primeiros escritores a tematizar tais

eventos acerca do Acre e de seu processo de urbanização, pretendemos abordar, a partir da relação ficção/história, a construção das imagens da cidade como indício do moderno, mas também investigaremos a sua outra face, a mais perversa – o seu avesso – ou seja, Penápolis versus Rio Branco. Sendo a literatura uma produção "de um tipo muito particular", que estabelece diálogos interdisciplinares com outros textos, ela, sem dúvida, "assume muitos saberes": "A literatura faz girar os saberes, não fixa, não fetichiza nenhum deles – ela lhes dá um lugar indireto." (BARTHES, s.d. p. 18):

Tal como a literatura, a história, enquanto representação do real constrói seu discurso pelos caminhos do imaginário. No caso da história, o passado e inventado, os fatos são selecionados, a memória e criada, a história e fabricada, mas se trata de uma produção “autorizada”, circunscrita pelos dados da passeidade (as fontes), a preocupação com a pesquisa documental e os critérios de cientificidade do método. Na narrativa literária, este componente de liberdade construtiva e de “vôo” de imaginação é mais amplo, podendo esquecer um pouco as condicionantes da “testagem” das fontes (PESAVENTO, 1998, p.13)

Mais do que elemento da natureza, o rio na narrativa de Certos Caminhos do Mundo. Romance do Acre,

constitui espaço de demarcação das identidades, da diversidade cultural e dos espaços urbano e rural:

Empresa à margem direita e Penápolis à margem esquerda do rio Acre defrontam-se e formam Rio Branco, capital do território. Ao contrário de Empresa, Penápolis, da outra banda, é uma cidade tímida. É o lado da administração, da justiça e da Igreja. O seu nome é uma homenagem a Afonso Pena. Zona essencialmente morigerada, rescende a jesuitismo e a burguesia, os seus divertimentos não constrangem ninguém. Às dez horas da noite toca o silêncio. Tudo em Penápolis é doméstico, cerimonioso e familiar.[...] (BASTOS,1936, p.64-65)

É por meio do rio que se tece o fio da vida do povo amazônico e são assim estabelecidas as

relações do sujeito com a natureza e a sua sociabilidade, estabelecendo, assim os limites da espacialidade e da temporalidade, pois home e rio são, para Leandro Tocantins, “dois mais ativos agentes da geografia humana na Amazônia. O rio enchendo a vida do homem de motivações psicológicas, o rio imprimindo à sociedade rumos e tendências, criando tipos característicos na vida regional”. (TOCANTINS, 2000, p. 233). Ainda acerca dessa imagética do rio para o amazônida, João Jesus Paes Loureiro, assim se manifesta:

Os rios na Amazônia consistem em uma realidade labiríntica e assumem uma importância fisiográfica e humana excepcional. O rio é o fator dominante nessa estrutura fisiográfica e humana, conferindo um ethos e um ritmo à vida regional. Dele dependem a vida e a morte, a fertilidade e a carência, a formação e a destruição de terras, a inundação e a seca, a circulação humana e de bens simbólicos, a política e a economia, o comércio e a sociabilidade. O rio está em tudo (LOUREIRO, 1995 p.121).

A bipartição da cidade de Rio Branco em espaço oficial da administração e das famílias

importantes, em contraposição ao primeiro núcleo de povoação, onde se exibiam os avessos da cidade, ou seja, o meretrício, a casa de jogo e a boêmia demarcam a cidade como espaço da exclusão e de um possível ordenamento urbano, que vinha na esteira do urbanismo moderno utilizado em muitas cidades brasileiras:

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Em se olhando Empresa e Penápolis é o mesmo que ver o vício desafiando a virtude. Quando anoitece, os maridos hipócritas e os filhos onanistas abandonam apressadamente as ruas de Empresa, atravessam o rio e somem-se em Penápolis, onde moram. È uma forma de serem bons moços, paradigmas da distinção, da moralidade e da ordem. Mas, os maridos alegres, os celibatários, os rapazes felizes e as mulheres duvidosas, ao cair da noite, saem de Penápolis e desaparecem nos becos de Empresa. (BASTOS,1936, p.70).

No caso de Rio Branco, vemos que a dualidade se dá entre Empresa e Penápolis60 (Abguar

Bastos), como espaços específicos que demarcam a identidade e a estratificação social, bem como as trocas entre os dois espaços também descortinam os véus da hipocrisia da sociedade. De acordo com Certeau, “o espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, circunstaciam-no, temporalizam-no e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais.” (DE CERTEAU, 1998, p. 202). Certeau, ao discutir uma base para a compreensão das culturas de rua populares e localizadas, sublinha que esses “espaços singulares”, nos quais as populações empobrecidas estão segredadas nos espaços adjacentes às cidades, são, pois, instâncias abertas à criatividade e ação do homem, dando uma forma aos espaços, unindo lugares, recriando a cidade por meio de atividades e movimentos diários na “invenção do cotidiano”.

Interessante notar que a constituição do espaço urbano, no caso acreano, se deu pela bipartição da

cidade, que para além de uma fronteira geográfica, definiu também uma fronteira social, sendo o rio o marco de tal divisão, não sendo um elemento que apenas corta geograficamente a paisagem urbana, mas um importante demarcador das identidades, sendo que “os rios comandam a vida” na Amazônia, conforme postulou o historiador Leandro Tocantins: “O primado social dos rios, trazendo a marca da geografia singular revela-se nos múltiplos aspectos da vida amazônica.” (TOCANTINS, 2000, p. 276). Citando Roland Barthes, a cidade é um discurso, “verdadeiramente uma linguagem: fala aos seus habitantes, falamos a nossa cidade, onde nos encontramos, simplesmente quando a habitamos, a percorremos, a olhamos.” (BARTHES, 1987, p. 184), ou seja, é uma linguagem que revela os espaços que se pretendem eternos, sinalizados com palácios e igrejas, mercados e quartéis ou tudo aquilo capaz de emoldurar a vida social num sistema fixo de valores.

A guisa de conclusão, podemos afirmar que a narrativa, Certos Caminhos do Mundo- Romance do Acre

não se constitui como obra de denúncia das questões sociais ou das condições de trabalho nos seringais, mas tematiza a Amazônia na sua outra face, ou seja, na constituição do seu espaço urbano, que no caso acreano, se deu pela bipartição da cidade, que para além de uma fronteira geográfica, definiu também uma fronteira social.

De acordo com Sandra Pesavento (1999), o olhar literário sonha e reconstrói a materialidade da

pedra sob a forma de um texto, pois, os escritores exercem sua sensibilidade para criar uma cidade do pensamento, traduzidas em palavras e figurações mentais imagéticas do espaço urbano e de seus atores: “A literatura, ao „dizer a cidade‟, condensa a experiência do vivido na expressão de uma sensibilidade feito texto.” (PESAVENTO, 1999, p.10). Dessa forma, trazemos nos remetemos à Kublai Khan, narrador de As Cidades invisíveis, de Italo Calvino, que nos diz que as cidades não são feitas apenas de um projeto, mas de sentimentos, ressentimentos, tradições e acontecimentos, desde os mais monumentais aos mais prosaicos, afinal, o passado da cidade está escrito: “na linha da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas

60 1903, a mando do governo federal chegou ao Acre, Cunha Matos para governar, como prefeito, o departamento

do Alto Acre até 1905. Matos escolheu a margem direita do rio para montar a sua prefeitura, e o local passou a ser

chamado de Vila Rio Branco. Em 1910, o então prefeito do Departamento do Alto Acre, o Coronel Gabino

Besouro, transferiu a sede para a margem esquerda do rio, passando a cidade a se chamar Penápolis. Um ano depois,

o prefeito Leônidas de Melo assinou uma Resolução criando o município de Empresa, juntando a Vila Rio Branco e

Penápolis. Em 1911, o nome voltou a ser Penápolis e um ano depois, os dois lados da cidade passaram a se chamar

"Rio Branco".

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Página 89 de 176 grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhos, esfoladuras” (CALVINO, 1990. P.14-15). Referências Bibliográficas ARAÚJO, Nice Ypiranga Benevides de. “O Milagre dos Manauaras”: Zona Franca de Manaus (Uma análise do processo de industrialização implantado em Manaus e da universidade corno formadora da mão-de-obra especializada). Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Avançados em Educação Departamento de Administração de Sistemas Educacionais/ Fundação Getúlio Vargas, 1985. Dissertação de Mestrado. BARTHES, Roland. Aula. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, S.d. _________, A aventura semiológica. Trad. Maria de Fátima de santa Cruz. Lisboa: Edições 70, 1987. BARROS, Glimedes Rego. Nos Confins do extremo Oeste. Rio de janeiro: Biblioteca do Exército, 1993 BASTOS, Abguar. Certos Caminhos do mundo. Romance do Acre. Rio de Janeiro: Hersen Editor, 1936. CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Trad. Diogo Mainardi. São Paulo; Companhia das Letras, 1990. CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das letras, 1987. COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil. Vol. V, 5. ed. São Paulo: Global, 1999. DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. As artes de fazer. Trda. Ephraim Ferreira Alves. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1998. GOMES, Renato Cordeiro. Todas as cidades, a cidade. Literatura e experiência urbana. 2 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2008. GONDIM, Neide. A invenção da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 1994. HARDMAN, Francisco Foot. Trem fantasma, a modernidade na selva. São Paulo: Companhia das letras, 1988. LOUREIRO, João Jesus Paes. Cultura Amazônica: uma poética do imaginário. Belém: CEJUP, 1995. MEDEIROS, Ocelio. A Represa. Romance da Amazônia. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores. 1942. OLIVEIRA, José Aldemir de. A cultura, as cidades e os rios na Amazônia. In: Ciência e Cultura, Vol. 58, n. 03, Julh-Set, 2006. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Discurso histórico e narrativa literária. Campinas: Editora da UNICAMP, 1998. ____________, O imaginário da cidade. Visões literárias do urbano. Porto Alegre:UFRGS, 1999. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 2a ed., São Paulo: Brasiliense, 1985. TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida: uma interpretação da Amazônia. 9 ed. Manaus: Valer, 2000. TUPIASSÚ, Amarílis. Amazônia, das travessias lusitanas à literatura de até agora. In: Estudos Avançados/USP, vol. 19, N. 53, 2005, p.299-320. VENTURA, Roberto. Euclides da Cunha e a República. Estudos Avançados/USP [online]. 1996, vol.10, n.26, p. 275-291. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 90 de 176 BULLYING : UM NOVO TERMO PARA DENOMINAR A VIOLÊNCIA NA ESCOLA

Marlene Almeida de Ataíde1

Resumo: À luz de alguns autores que discutem a questão aborda-se neste texto a problemática do novo termo denominado bullying para justificar a violência no espaço escolar. A violência na escola denominada bullying sempre esteve presente nas instituições de ensino sejam nas escolas publicas ou privadas em todo o mundo cujos vitimados preferenciais são crianças e adolescentes os reféns desse jogo do poder instituído pelos agressores. As práticas de violência deixam marcas indeléveis, sejam do ponto de vista físico, psicológico e emocional, bem como pode ceifar a vida dos vitimados, bem como contribui para a evasão escolar de crianças e adolescentes. Palavras Chave: Bullying. Crianças. Adolescentes. Abstract: To the light of some authors who argue the question approaches in this text the problematic one of the new called term bullying to justify the violence in the pertaining to school space. The violence in the called school bullying it was always present in the education institutions are in the schools you publish or private in the whole world whose victimized preferential are adolescent children and the hostages of this game of the power instituted for the aggressors. The practical ones of violence leave indelible marks, are of the physical, psychological point of view and emotional, as well as it can cut with a scythe the life of the victimized ones, as well as it contributes for the pertaining to school evasion of children and adolescents. Keywords: Bullying. Children. Adolescents Introdução

A violência é um tema que na atualidade além de ser denunciado com muita freqüência e abordado pela mídia nos mais variados espaços midiáticos, vêm sendo também objeto de debates que se propõem discutir sobre o assunto, pois na cena contemporânea brasileira esse fenômeno toma proporções alarmantes, se manifestando para além do espaço urbano, mas e também no espaço escolar atingindo sobremaneira crianças e adolescentes que se encontra em processo de aprendizagem.

Na década de 1980, o tema da violência na escola era abordado pelos pesquisadores a partir de manifestações relativas à segurança pública: atos juvenis de depredações e pichações serviam de objeto para a reflexão sobre a violência. A partir da década de 1990, as relações interpessoais passaram a tornar-se centrais no fenômeno violento. (PLAN, 2010, p. 4)

As escolas diante do caos vivenciado procuram à sua maneira algumas formas para participar da

luta contra essa violência que ocorre tanto fora como dentro do ambiente de aprendizagem. Mas esse fenômeno denominado violência passa por uma definição ampla que pode ser

resumida nos comentários do autor francês, Bonafé-Schmitt (1997) apud Debarbieux, (2002, p. 61), ao frisar que este “conceito reúne agressão física, extorsão, vandalismo e aquilo que é conhecido como incivilidade: xingamentos, linguagem rude, empurra-empurra, humilhação”.

Do ponto de vista que visa a preservação do patrimônio, as instituições escolares não medem

esforços em criar mecanismos para coibir esse fenômeno, ou de acordo com Fante (2005, p. 20) „[...] muros e grades altas, detectores de metais e câmeras de vídeo para monitoramento dos alunos são

1 Doutora em Serviço Social, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC – SP). Professora e

pesquisadora do curso de Serviço Social da Universidade de Santo Amaro (UNISA – SP). Endereço Profissional:

Rua Isabel Schimidt, 349 – Santo Amaro – SP. E-mail: <[email protected]>. Telefone: (11) 2068-6823.

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Página 91 de 176 instalados e seguranças particulares dentro e fora da escola são disponibilizados”. Mas tudo isso parece se configurar uma maneira de proteger o patrimônio contra a violência advinda do lado externo, pois, diferente da violência que causa dano ao patrimônio, o bullying é violência contra a pessoa e ocorre tanto no espaço interno quanto externo à instituição de ensino.

Assim, o novo termo denominado bullyng e que vem causando preocupações na área da educação

é de origem inglesa e surge para designar a violência na escola cuja palavra foi adotada também em outros países, inclusive, no Brasil, e definido como o "desejo consciente e deliberado de maltratar uma pessoa e colocá-la sob tensão" (TATTUM e HERBERT, 1993 apud DEBARBIEUX e BLAYA, 2002, p. 72).

Mas o que é o bullying? Na compreensão de Fante,

[...] bullying é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro (s),causando dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são algumas das manifestações do „comportamento bullying‟ (FANTE, 2005, p. 28-29).

Por outro lado a ABRAPIA num texto de língua inglesa, apresenta alguns termos para denominar

o fenômeno bullying, em outros países, ou seja, Bullying is not a new phenomenon but it is increasing in number and severity in all countries around the world. Low self-steem, insecurity, depression, suicide attempts and real suicide could be consequences of school bullying. Maybe you had suffer bullying when you were in school. Maybe you are still suffering its consequences. And now, do you know what bullying is yet? In France they call it „harcèlement quotidien”, in Italy “prepotenza” or “bullismo”, in Japan “ijime”, in Germany “agressionen unter schülern” and in Portugal “maus- tratos entre pares”. In Brazil we will define the phenomenon of the continuous aggression among pupils with the world used in English language: bullying. Disponível em http://www.abrapia.com.br> Acesso em 03 de agosto, 2010).61

Embora na literatura existam referências sobre esse fenômeno Silva, (2010, p. 111) ressalta que

“O bullying é um fenômeno tão antigo quanto à instituição denominada escola.” Porém esse tema passou a despertar interesse de estudiosos no inicio dos anos 70, em principio na Suécia devido às preocupações naquela sociedade em função da violência entre estudantes e a partir de então os demais paises escandinavos passaram a ter interesse pela questão.

No final de 1982, um acontecimento dramático começou a reescrever a história do bullying naquele país: três crianças, com idade entre 10 e 14 anos haviam se suicidado no norte da Noruega. As investigações do caso apontaram, como principal motivação da tragédia, as situações de maus tratos a que tais jovens foram submetidos por seus colegas de escola (SILVA, 2010, p. 111).

61 O Bullying não é um fenômeno novo, mas está aumentando em número e gravidade em todos os países do mundo.

Baixa auto-estima, insegurança, depressão, tentativas de suicídio e suicídio podem ser conseqüências do bullying na

escola. Talvez você tenha sofrido quando estava na escola. Talvez você ainda esteja sofrendo as conseqüências. E

agora, você já sabe o que significa bullying? Na França ele é chamado de „harcèlement quotidien‟, na Itália, „prepotenza‟ou

„bullismo‟, no Japão, „ijime‟, na Alemanha „agressionen unter schülern‟ e em Portugal, „maus tratos entre pares‟. No Brasil,

define-se o fenômeno de agressão contínua entre alunos com a palavra usada na língua inglesa: bullying.

(TRADUÇÃO DA AUTORA)

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A partir do fato mencionado uma resposta deveria ser dada àquela sociedade e para tanto o Ministério da Educação da Noruega realizou em 1983 uma campanha em larga escala de combate ao bullying.

Especialmente nos países escandinavos um dos precursores do fenômeno bullyng, é o pesquisador

Dan Olweus, um influente intelectual sobre o assunto, devido os seus trabalhos de investigação, que perpassa pelo suicídio dos três adolescentes noruegueses em cujas circunstâncias delineavam supor que os fatos se associavam a vitimação por bullying.

Debarbieux (2001) frisa que estudos realizados sobre violência em países de língua inglesa, encontraram dificuldades em definir a multiplicidade de conflitos presentes no interior da escola, pois em inglês violence se refere apenas à violência física. Em decorrência, os pesquisadores convencionaram usar o termo bullying para descrever grande parte das violências que acontecem no espaço escolar.

Na visita à literatura encontramos várias identificações para os diversos tipos de violência como a física, a doméstica, a psicológica, a sexual, o bullying, entre outros, cujos atos, geralmente nem sempre são praticados por pessoas estranhas à vítima. Quando ocorre no ambiente freqüentado por crianças e jovens, na maioria das vezes, essa violência é omitida e as vítimas se sentem intimidadas em denunciar. Brigas, ofensas, intimidações, comentários maldosos, agressões físicas e psicológicas, repressão são tipos de violência geralmente associados à infância. Estudos indicam que brincadeiras de mau gosto podem gerar conseqüências sérias, incluindo-se casos de suicídio, baixa auto-estima e novas fontes de violência.

Artigo publicado em 15 de dezembro, por Hogan Sherrow, na Scientific Americamn denominado “The Originis of Bullying” o referido autor comenta que,

According to psychological sources, bullying is a specific type of aggression in which (1) the behavior is intended to harm or disturb, (2) the behavior occurs repeatedly over time, and (3) there is an imbalance of power, with a more powerful person or group attacking a less powerful one. This asymmetry of power may be physical or psychological, and the aggressive behavior may be verbal (eg, name-calling, threats), physical (eg, hitting), or psychological (eg, rumors, shunning/exclusion). The key elements of this definition are that multiple means can be employed by the bully or bullies, intimidation is the goal, and bullying can happen on a one-on-one or group basis (NANSEL et al, 2001, Apud SHERROW, 2011)3.

Assim, a violência ou o novo termo bullying, como é denominado o fenômeno, é um problema

mundial, e vem ocorrendo em todos os extratos sociais, e, assume proporções na contemporaneidade. Portanto, faz-se necessário buscar compreender este momento, marcado pelas suas repercussões que tem vitimado crianças e adolescentes na idade escolar.

3De acordo com fontes psicológicas, bullying é um tipo específico de agressão em que (1) o comportamento destina-

se a perturbar ou prejudicar, (2) o comportamento ocorre várias vezes ao longo do tempo, e (3) há um desequilíbrio

de poder, com a mais poderosa pessoa ou grupo atacando um menos potente. Essa assimetria de poder pode ser

física ou psicológica e o comportamento agressivo pode ser verbal (por exemplo, xingamentos, ameaças), físico (por

exemplo, bater), ou psicológicos (por exemplo, rumores, evitando/exclusão). Os elementos-chave desta definição

são múltiplos meios que podem ser empregados pelo bully ou bullies, intimidação é o objetivo, e bullying pode

acontecer em uma base individual ou em grupo (NANSEL et al., 2001, Apud SHERROW, 2011). (TRADUÇÃO

DA AUTORA).

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Página 93 de 176 A agressividade nas escolas é um problema universal. O bullying e a vitimização representam diferentes tipos de envolvimento em situações de violência durante a infância e adolescência. O bullying diz respeito a uma forma de afirmação de poder interpessoal através da agressão. A vitimização ocorre quando uma pessoa é feita de receptor do comportamento agressivo de uma outra mais poderosa. Tanto o bullying como a vitimização têm conseqüências negativas imediatas e tardias sobre todos os envolvidos: agressores, vítimas e observadores (NETO, 2005, p. 165).

Nesta perspectiva, de acordo com a Abrapia, (2005) o bullying compreende “[...] todas as atitudes

agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudante contra outro(s), causando dor e angústia, sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder”.

Ou interpretando a afirmação de Sherrow (2011), neste caso, há uma assimetria dentro dessa relação de poder que está associada ao bullying e isto se deve por conseqüência pela diferença de idade, tamanho, desenvolvimento físico ou emocional, ou ainda, do maior apoio dos demais estudantes que estimulam as agressões.

Crianças/adolescentes e a prática de bullying: alguns dados reveladores

Não obstante os vários desafios postos na instituição escolar na atualidade, a mesma se depara com outro desafio, qual seja, o de combate ao bullying, um novo termo para denominar a violência nas escolas o qual vem desafiando autoridades e educadores do mundo inteiro e esse, talvez seja um dos problemas mais graves na área da educação. Monteiro (2008) afirma que o bullying não é um fenômeno moderno mais apenas agora vem sendo reconhecido como causador de danos e merecedor de medidas especiais para a sua prevenção e enfrentamento, pois no cotidiano escolar enfrentam-se complexas questões sociais, no qual o conhecimento pedagógico não consegue enfrentar sozinho, o que requer saberes de outros profissionais para lidarem com a questão.

Esse novo, mas antigo fenômeno que serve para designar a violência vem tomando proporções devastadoras tendo em vista que se trata de um tipo de violência não apenas do ponto de vista físico, mas e principalmente a violência psicológica que ridiculariza, humilha e intimida as suas vitimas deixando marcas indeléveis. Portanto, está a merecer atenção especial, do ponto de vista de alguns autores que consideram ser uma epidemia mundial que atinge um número significativo de crianças e adolescentes, pois além de trazer sofrimentos submete as suas vitimas em potencial a se evadirem das instituições escolares. Portanto, apontar alguns dados sobre a ocorrência desse fenômeno em nosso e noutros países se torna imperativo.

Neste sentido, aos 15/06/2010 o G1 em Brasília publicou uma pesquisa realizada pelo IBGE intitulada: “Pesquisa do IBGE aponta Brasília como campeã de bullying”, e aponta a Capital Federal como sendo “do bulliyng”. O estudo mostrou que, “35,6% dos estudantes entrevistados disseram ser vítimas constantes da agressão”. Nesta pesquisa, Belo Horizonte, ficou em segundo lugar com 35,3%, e Curitiba, em terceiro lugar com 35,2 %, foi, junto com Brasília, a capital com maior freqüência de estudantes que declararam ter sofrido bulliyng alguma vez.

“A população-alvo da pesquisa foi formada por estudantes do 9º ano do ensino fundamental (antiga 8ª série) de escolas públicas ou privadas das capitais dos estados e do Distrito Federal, cujos resultados apontaram a prática do bullying na escola, ou seja: Distrito Federal 35,6%; Belo Horizonte 35,3%; Curitiba 35,2%; (estes mencionados anteriormente), Vitória 33,3%; Porto Alegre 32,6%; João Pessoa 32,2%; São Paulo 31,6%; Campo Grande 31,4%; Goiânia 31,2% e Teresina e Rio Branco com 30,8%. A reportagem reforça que “no ranking das capitais com mais vítimas de bullying, aparecem ainda Vitória, Porto Alegre, João Pessoa, São Paulo, Campo Grande e Goiânia. “Teresina e Rio Branco estão empatadas na 10ª posição, e São Paulo, ocupa a 7ª posição”. Destaca Palmas ao apresenta o melhor resultado da pesquisa ao frisar que na capital do Tocantins, 26,2 % dos estudantes afirmaram ter sofrido bullying. Em seguida, estão Natal e Belém, ambas com 26,7% e Salvador com 27,2%. Infere que “em Brasília, o maior número de casos ocorreu nas escolas particulares: 35,9%, nos estudantes do sexo masculino (32,6%) do que entre os escolares contra 29,5% nas escolas públicas. A pesquisa mostrou que,

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Página 94 de 176 “o bullying é mais freqüente entre os estudantes do sexo masculino (32,6%) do que entre os escolares do sexo feminino (28,3%).

Por outro lado, aos 08/04/2011 a Revista Época publicou outra reportagem denominada “O bullying no Brasil e no mundo” em que mostra o percentual de estudantes de 15 anos que disseram ter sofrido bullying, cujos resultados a seguir indicam os casos de agressões praticadas em alguns paises, vejamos o quadro 1.

Pais Meninos Meninas

Estados Unidos 7 14

Canadá 5 13

Reino Unido 6 10

Espanha 6 7

Áustria 11 26

Alemanha 9 21

Turquia 7 13

Fonte: OCDE (2009) (adaptado pela autora)

A referida reportagem mencionou também que pesquisa realizada pelo IBGE e PLAN (2009), sobre o bullyng no Brasil traz resultados de que, “1 em cada 3 estudantes de 14 anos já sofreu bullying na escola; 70% de alunos entre 11 e 14 anos testemunharam agressões e 21% dos casos acontecem dentro da sala de aula”. (REVISTA ÉPOCA, 2011).

As vitimas do bullying são sempre [...] pessoas que apresentam alguma diferença em relação aos demais colegas, como um traço físico marcante, algum tipo de necessidade especial, o uso de vestimentas consideradas diferentes, a posse de objetos ou o consumo de bens indicativos de status sócio-econômico superior ao dos demais alunos. Elas são vistas [...] como pessoas tímidas, inseguras e passivas, o que faz com que os agressores as considerem merecedoras das agressões dado seu comportamento frágil e inibido (PLAN, 2010, p. 105).

De acordo com o site de Observatório da Infância foi realizada uma parceria entre a Petrobrás,

IBGE e Secretaria da Educação do Município do Rio de Janeiro quando a Abrapia realizou então uma pesquisa no período de novembro e dezembro de 2002 e março de 2003 em alunos da 5ª a 8ª série de 11 escolas, sendo 9 públicas e 2 particulares que resultou na publicação da obra intitulada “Diga não ao Bullyng” e, no bojo da pesquisa foi detectado alguns tipos de bullying conforme o quadro 2 a seguir:

Tipos de Bullyng

Geral Geral Masculino Feminino

Apelidar 54,2% 50,4% 64,0%

Agredir 16,1% 27,2% 7,9%

Difamar 11,8% 6,4% 12,3%

Ameaçar 8,5% 8,9% 7,8%

Pegar/Quebrar pertences 4,7% 2,2% 4,2%

Excluir 2,5% 1,8% 2,0%

Outros 2,0% 2,3% 1,5%

Não opinou 0,2% 0,8% 0,3%

Total 100% 100% 100%

Fonte: http://www.observatoriodainfancia.com.br/IMG/pdf/doc-100.pdf. Acesso em 21de julho de 2012. (adaptada pela autora).

Retomando Dan Olweus já citado anteriormente pesquisador da Universidade de Bergen na Noruega, este pode ser considerado um dos primeiros a realizar estudos sobre violência no ambiente escolar. Foi o referido pesquisador, inclusive, quem desenvolveu os primeiros critérios para a identificação do bullying na escola, diferenciando-o de outras possíveis interpretações sobre o comportamento dos escolares. Dan Olweus entrevistou 84.000 estudantes em diversos níveis e períodos escolares, 400

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Página 95 de 176 professores e cerca de 1.000 pais. Por intermédios desses estudos verificou-se que, a cada grupo de sete alunos, um estava envolvido em situações de bullying (FANTE, 2005).

Fante (2005) ancorada pelo professor Olweus ressalta que os dados de outros países sobre a ocorrência de bullying indicam que esse tipo de conduta existe com relevância similar ou superior às da Noruega, como é o caso da Suécia, Finlândia, Inglaterra, Países Baixos, Japão, Irlanda, Espanha, Austrália, Canadá e Estados Unidos.

Ainda de acordo com esta autora, pesquisadores de todo o mundo tem voltada a atenção para esse fenômeno e sinalizam questões preocupantes do ponto de vista do elevado índice de crescimento, e ainda, devido atingir principalmente os primeiros anos de escolarização. Frisa por oportuno que gira em torno de 5% a 35% das crianças em idade escolar que estão envolvidas de uma forma ou de outra em condutas de práticas agressivas na escola, ora atuando como vítimas ora como agressoras.

No que diz respeito ao Brasil, segundo referida autora o fenômeno bullying é uma realidade inegável nas escolas brasileiras independentemente de turno de estudo, localização da escola, tamanho da escola ou da cidade onde ela se localiza ou se são séries finais ou iniciais ou ainda se a escola é pública ou privada. Portanto, trata-se de um fenômeno preocupante e carece de intervenções que sejam afirmativas para que tal problemática seja abolida do contexto escolar. Considerações finais

Apesar de o termo bullying soar estranho no Brasil, merece maiores esclarecimentos, devido a sua importação pelo viés da língua inglesa, contudo, ganhou algum sentido utilizado por todos nós devido às pesquisas realizadas pelo Professor Dan Olweus, na Universidade de Bergen – Noruega.

O bullying é, portanto, um fenômeno que está posto na nossa sociedade, e, qualquer que seja a forma como se manifesta, deve-se reconhecer que este é um importante aspecto da violência social e escolar, o qual cresce de forma acelerada e conclama por atenção e a real necessidade de seu enfrentamento, pois, suas conseqüências para àqueles que são vitimados repetidamente causam sofrimentos como a baixo-estima, baixo rendimento escolar, evasão escolar, ansiedade, agressividade entre outros, cujas situações podem, então, progredir para outros transtornos psicopatológicos graves, como fobias, depressões, idéias suicidas e desejos intensos de vingança, haja vista fatos que desencadearam interesse governamental e social sobre essa problemática e foram palcos de tragédias, que demonstraram os atos de violência extremada que esse ato violento pode induzir, ainda que lentamente, a exemplo da repercussão internacional de um dos primeiros casos ocorrido na Noruega em 1983 - quando três adolescentes que sofriam bullying por parte de colegas acabaram cometendo suicídio.

O bullyng vem se instalando em todos os países do mundo para desestabilizar a grande riqueza humana que é a diversidade onde todos devem ter liberdade e o direito de ir e vir com dignidade e respeito aos diferentes e as diferenças. Destarte, a escola e a família enquanto instituições que contribui para a formação dos sujeitos sociais, e ainda, a primeira como um dos primeiros contatos da criança com o ambiente público, o qual é considerado plural por natureza, ou seja, o lócus em que crianças e adolescentes entram em contato com um conjunto de valores onde deverão aprender a viver em sociedade para adquirir noções do coletivo, da convivência harmônica e democrática deve, a partir dos seus corpos dirigentes e docentes fomentarem ações junto às famílias, crianças e adolescentes atitudes de cooperação, reciprocidade e respeito mútuo, necessária a uma Educação para a Cidadania, para a Democracia e para o respeito aos Direitos Humanos.

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INOVAÇÃO TURÍSTICA COMO FATORES NECESSÁRIOS PARA A EFETIVIDADE DE AÇÕES

Mayara Ferreira de Farias

Naia Valeska Maranhão de Paiva Resumo O turismo, um fenômeno complexo e que necessita de uma atenção especial de e para com todas as ciências que o compõe, precisa ser mais bem planejado e gerido de forma a conseguir acompanhar as novas mudanças que ocorrem com o passar dos anos, necessitando de mais criatividade para atrair os turistas, que, por sua vez, estão mais exigentes e com padrões de qualidade diferenciados. Para melhor entender este fenômeno, então, faz-se necessário a compreensão de alguns fatores que influem, direta e indiretamente, no bom desenvolvimento da atividade turística, sejam eles os conceitos que envolvem planejamento, gestão, qualidade com inovação, competitividade e desenvolvimento turístico. Para tal, utilizou-se, a metodologia de pesquisa bibliográfica e de sites confiáveis que tratavam das temáticas supracitadas. É evidente, a partir de todos os levantamentos feitos pelo presente trabalho, que o turismo necessita ser compreendido de forma mais holística, com visão de longo prazo voltado ao pensamento de um desenvolvimento mais sustentável econômico, social, cultural e ambientalmente, tendo como principal premissa uma maior aplicabilidade de ações que deixem de ser apenas pensadas e não colocadas em prática. O turismo, e todos que o compõe e o faz ser o que é, são, pois, os responsáveis por construir uma nova realidade sobre o cenário atual de apropriação dos espaços, dos gostos e das pessoas. Palavras-chave: Competividade. Efetividade. Inovação. Turismo.

Abstract Tourism as a complex phenomenon that requires special attention to and with all the sciences which compose it, must be better planned and managed so as to keep up with the new changes that occur over the years, requiring more creativity to attract tourists, in turn, are demanding more and different quality standards. To better understand this phenomenon, then it is necessary to understand some factors that influence, directly and indirectly, in the proper development of tourism, they are concepts that involve planning, management, quality innovation, competitiveness and tourism development. To this end, we used the methodology of literature research and trusted sites that dealt with the issues mentioned above. Clearly, from all surveys conducted by the present work, that tourism needs to be understood more holistically with long-term vision aimed at the thought of a more sustainable economic, social, cultural and environmentally, having as a main premise wider applicability of actions that are no longer just thought of and not put into practice. Tourism, and all that composes and makes it what it is, are therefore responsible for building a new reality about the current ownership of the spaces, tastes and people. Keywords: Competitiveness. Effectiveness. Innovation. Tourism. Introdução

O turismo é uma atividade realizada mundialmente e necessita de atenção especial, sobretudo porque as condições atuais voltadas para bens e viagens têm, visivelmente, melhorado nos últimos anos.

Viajar para conhecer novas formas de se viver, de se portar, conhecer lugares que possuam belezas naturais diferenciadas, atrai e faz crescer, cada vez mais, a atividade turística, a qual muitas vezes, também, pode ser praticada por outros motivos como o de status social, da participação em eventos dos mais variados tipos e modalidades, visitar parentes, fazer novos amigos ou simplesmente satisfazer alguns desejos.

Vale ressaltar, ainda, que a atividade turística é capaz de movimentar grande quantidade de pessoas e dinheiro, gerando possibilidades de sobrevivência de grande número de trabalhadores

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Página 98 de 176 envolvidos, direta ou indiretamente com o setor, sejam eles em estabelecimentos como meios de hospedagem, restaurantes, bares, locadoras, agências, pequenos e grandes comerciantes, entre outros.

Essa grande arrecadação, por sua vez, necessita de um bom direcionamento e ser bem administrada, momento no qual se destaca o papel dos gestores e demais responsáveis pelo planejamento das atividades turísticas.

Tal planejamento requer alguns direcionamentos referente ao fluxo turístico, que sofre alternâncias decorrentes da sazonalidade e de diversos contratempos que inviabilizam a visitação dos turistas, dentro os quais se pode destacar problemas de violência e prostituição no destino, mudanças climáticas, entre outros.

Os elos entre planejamento e gestão são, na perspectiva do turismo, essenciais para que haja uma promoção do desenvolvimento local no qual devem existir esforços localizados e direcionados à mudanças favoráveis à prática de atividades que fomentam a atividade turística, podendo partir, neste contexto, de gestores de pequenos a grandes empreendimentos, seja particular ou estatal. Além disso, necessita-se que esta gestão seja participativa e que permita à comunidade atuar na elaboração de estratégias e na avaliação do que será feito diante de sua localidade. Porém, sabe-se que, por motivos de conflitos de valores, percepções, interesses e visões esta participação comunitária nem sempre tem o espaço que deveria ter diante de algumas tomadas de decisões.

Diante do exposto, pode-se inferir que o turismo, um fenômeno complexo e que necessita de uma atenção especial de e para com todas as ciências que o compõe, precisa ser mais bem planejado e gerido, de forma a conseguir acompanhar as novas mudanças que ocorrem com o passar dos anos, necessitando de mais criatividade para atrair os turistas, que, por sua vez, estão mais exigentes e com padrões de qualidade diferenciados.

Para melhor entender este fenômeno, então, faz-se necessário a compreensão de alguns fatores que influem, direta e indiretamente, no bom desenvolvimento da atividade turística, sejam eles os conceitos que envolvem planejamento, gestão, qualidade com inovação, competitividade e desenvolvimento turístico. Para tal, utilizou-se, a metodologia de pesquisa bibliográfica e de sites confiáveis que tratavam das temáticas supracitadas.

Planejamento e gestão no turismo

O Turismo é uma atividade complexa que envolve diversos setores da economia necessitado assim, de um planejamento adequado através de uma gestão competente e responsável.

Parafraseando Molina e Rodriguez (2001) para planejar não existem regras em seus aspectos mais gerais, podendo haver, porém, descrição do processo lógico do pensamento voltado ao planejamento, o qual dependerá da natureza do problema específico, dos meios disponíveis, das características das pessoas responsáveis por intervir neste processo e das pessoas que serão afetados por essa aplicação, tendo como base o conceito de que erros devem ser evitados com a finalidade de diminuição de altos custos que podem surgir.

Ruschmann e Widmer (2000, p. 66) esclarecem dizendo que o planejamento turístico “consiste em um conjunto de atividades que envolvem a intenção de estabelecer condições favoráveis para alcançar objetivos propostos”.

Deste modo, analisando a atividade turística turismo, o planejamento é direcionado como uma ferramenta necessária para o manejo sustentável da atividade, pois é com medidas coerentes e presumidas que se trabalha em concordância com o meio. Sem o planejamento, corre-se o risco de o crescimento desordenado da atividade turística atentar contra a atratividade dos recursos e das localidades. Ainda sobre planejamento, Ruschmann e Widmer (2000, p. 67) acrescentam que o mesmo consiste no

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Página 99 de 176 processo que tem como finalidade ordenar as ações humanas sobre uma localidade turística, bem como direcionar a construção de equipamentos e facilidades, de forma adequada, evitando efeitos negativos nos recursos que possam destruir ou afetar sua atratividade.

Dito isso, o planejamento visa alterar a realidade atual frente ao futuro, alcançando uma condição

almejada. O planejamento, de um modo geral, direciona para o crescimento econômico acelerado, todavia, para o planejamento turístico, os objetivos podem estar atrelados ao desenvolvimento de localidades e/ou regiões turísticas, no que diz respeito à iniciativa pública como a privada, no que tangem à atividade turística (Ruschmann e Widmer, 2000).

O planejamento turístico necessita, consequentemente, ser valorado e bem administrado, ação na qual se destaca o papel dos gestores, responsáveis por direcionar objetivos que venham a despertar em um bom relacionamento entre as pessoas envolvidas na atividade, com o intuito de proteger os interesses da coletividade. Segundo Yázigi (2001, p.291) “precisamos nos conscientizar e ficar atentos em face de localismos ou políticas locais, virtualmente míopes, por desviar-nos da visão de iniciativas regionais ou globais que estruturam desigualdades”.

Parafraseando Glaesser (2008) o termo gestão descreve a liderança de uma unidade organizacional podendo compreender a forma institucional incluindo as descrições de atividades de grupos de pessoas que executam tarefas administrativas em suas funções, e forma funcional, na qual a gestão é um termo para todas as tarefas e processos relativos ao funcionamento de uma organização, com destaque para o planejamento, a organização, a implementação e o controle relativos aos objetivos da organização.

A gestão existe, por conseguinte, como a articuladora entre a teoria e a prática de todas as ações e Stakeholders envolvidas no processo de desenvolvimento turístico.

Pode-se inferir, que o turismo deve ser observado de uma forma holística e detalhista diante de todas as atividades que o compõe, tendo como premissa a visão de que se um desses Stakeholders cometa uma falha, podem ocorrer riscos de modo que toda a cadeia de atividades seja afetada.

Nesta perspectiva, afirma-se que para o turista, mesmo tendo sido bem recepcionado depois de ter uma viagem tranquila, mesmo que o meio de hospedagem escolhido estava de acordo com o que foi previamente ajustado, que o serviço oferecido tenha superado suas expectativas, que suas necessidades tenham sido atendidas prontamente, tudo perde seu valor se o tratamento recebido pelos autóctones tenha sido hostil e desagradável, pois isso afetará o olhar que o turista terá do destino escolhido para conhecer ou retornar. Tudo necessita estar intimamente relacionado e direcionado ao atendimento que prime pela qualidade total.

A partir desta concepção de compreender o turismo a partir de todas essas necessidades que são impostas pelo turista e por todos os outros Stakeholders do processo de desenvolvimento turístico, ressalta-se que devem existir diversas formas de articulação entre os poderes individuais e os coletivos de uma comunidade, de forma a coordenar adequadamente todas as atividades previstas no planejamento, promovendo, a partir deste, melhor comunicação e aprendizagem com todas as partes envolvidas na atividade turística, a qual deve ser desenvolvida de forma sustentável, em todos os aspectos que esta palavra envolve, com destaque para tudo que deve ser feito, para quem estão sendo direcionadas estas atividades e por quê determinadas funções devem ser direcionadas para isso.

Compreendendo que o turismo possui a fragilidade em alguns processos decorrentes da falta de competência de alguns gestores em observar todas as informações supracitadas, é notório que devem haver maior interação entre governantes, comunidade e gestores objetivando o crescimento e desenvolvimento de um turismo mais efetivo e de qualidade.

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Página 100 de 176 Qualidade e inovação no turismo

Há alguns anos atrás, qualidade era a palavra de ordem que o mercado exigia como diferencial de uma empresa, e com isso o empresário se viu obrigado a praticar tudo o que o mercado queria dizer com a palavra qualidade. Em pouco tempo não tardou a aparecer o termo “qualidade total”, ou seja, não adiantava ter qualidade em um determinado setor ou departamento e falhar em outro.

O movimento pela qualidade foi tão intenso que com o passar dos anos e para se manter no mercado, as empresas tiveram que aderir ao movimento cuidando da qualidade em tudo o que elas faziam, caso contrário, estariam condenadas ao desaparecimento. De modo que a qualidade deixou de ser diferencial dessa ou daquela empresa passando a ser obrigação de todas.

Para atingir esta qualidade, contudo, é necessário que haja a preocupação em identificar os fatores críticos de sucesso envolvidos no escopo (descrição detalhada do projeto ou do produto oferecido) das empresas que prestam determinado serviço. Para isso ressalta-se que a qualidade necessita de três pilares para existir, sejam eles o escopo, o tempo e os recursos necessários aos resultados finais pretendidos. Porém esta qualidade necessita de um novo diferencial, a Inovação.

Diante disso, ressalta-se que hoje, o exercício da qualidade já está incorporado no dia a dia das empresas. E a prática, que se tornou primordial agora é outra: inovação.

A palavra inovação significa a introdução de alguma novidade, de algo novo, em qualquer atividade humana, e ela está presente em nosso dia a dia mais do que podemos imaginar. Mas há a preocupação em definir corretamente o termo “inovar” em sua amplitude, já que o mesmo se difere dos termos “inventar” ou simplesmente “fazer algo novo”. Nele estão inerentes também as ações de implantar, empreender, viabilizar e ter sucesso. Mesmo ciente de que a criatividade e ideias novas são peças chaves e fundamentais no processo de inovação.

A inovação é a maneira pela qual as empresas respondem às exigências dos consumidores. Em outras palavras, é pela inovação que uma empresa pode continuar viva no mercado, adaptando e melhorando continuamente seus produtos e serviços para satisfação das necessidades de seus clientes, as quais estão em permanente transformação.

As novas pessoas que surgem, com novos e diferentes pensamentos, ideologias, desejos, valores, são as mesmas que buscam experiências únicas, inovadoras, capazes de satisfazê-las, muitas vezes com pensamentos contraditórios, são elas que fazem parte de uma demanda que valoriza o aperfeiçoamento dos serviços e a inovação.

Empresa que inova oferece produtos e serviços que são mais úteis aos seus clientes, utiliza processos mais eficientes, é aberta a novos métodos organizacionais e jamais descuida do marketing. Enfim, empresa que inova é a que estará sempre preparada para continuar viva no mercado.

Assim como ocorreu com a qualidade, a inovação é uma forma de atender às exigências do mercado – o que significa manter a empresa atuante e competitiva.

A competitividade, por sua vez, é algo inerente ao setor produtivo, ela existe e é benéfica, pois desenvolve o setor. Todo o setor econômico deve buscar a inovação, e com a atividade turística não deve ser diferente. Pois a demanda turística procura sempre uma novidade.

De acordo com a definição de Pine e Gilmore (1999) sobre a “Economia da Experiência”, temos que os produtos, serviços e demais novidades tendem a ser adaptados para as demandas provenientes dos desejos do coração e não mais para as demandas dos pensamentos racionais.

Interpretando o contexto atual como de importante movimento estratégico para o desenvolvimento de destinos turísticos, configura-se assim um ambiente de oportunidades para a inovação e para a diferenciação da oferta sem precedentes No entanto, este mesmo contexto impõe novos condicionantes e

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Página 101 de 176 exige perfis de atuação mais ajustados a uma nova ordem mundial, com traços e atributos de impacto direto sobre as estruturas e formatos de gestão, sobre os processos e ações e sobre os padrões competitivos dos destinos turísticos (RITCHIE & CROUCH, 2003).

Quando aumenta a concorrência e aparecem os problemas oriundos da competitividade, é o momento que a inovação do turismo ganha intensidade. É quando surgem as novas oportunidades, mesmo que seja em atrativos já existentes ou destinos tradicionais, o importante é que haja renovação ou reinvenção do já conhecido. Horner e Swarbrooke (2002) mencionam o conhecimento das emoções e percepções vividas como sendo o ponto principal para elaboração de estratégia para posicionar a marca do destino turístico.

A inovação de produto ou serviço ocorre quando um novo produto ou serviço é colocado no mercado ou oferecido a ele, ou então quando um produto ou serviço já existente é significativamente melhorado, ou seja, passa por transformações importantes.

É fundamental, por conseguinte, considerar que a inovação só ocorre de verdade quando o novo produto ou serviço é aceito pelo mercado e que a empresa tenha lucro com ele. Ou seja, inovar na empresa é obter ganhos (resultados econômicos) por meio da introdução de novos produtos ou serviços, aceitos pelo mercado. Lembrando sempre que melhorar um produto ou um serviço já existente também significa inovar. O maior dos riscos, contudo, é não inovar, pois isso poderá fazer com que a empresa desapareça, por não acompanhar as necessidades dos clientes.

Efetividade das ações no turismo

O turismo, fenômeno em constante transformação, necessita primar pela inovação na atração de turistas objetivando adequar-se às novas necessidades do mercado, devendo ser considerado como atividade social e não essencialmente econômica como geralmente acontece. Cabe ressaltar, nesta perspectiva, a importância da existência de um pensamento voltado para o desenvolvimento do turismo de forma sustentável, econômico, político, cultural e socialmente. O turismo sustentável, segundo Araújo (2003, p. 99)

[...] visa satisfazer, ao mesmo tempo, as necessidades das populações residentes e dos turistas, protegendo e estimulando, simultaneamente, as oportunidades e os benefícios que ambos os grupos poderão continuar a usufruir no futuro. [...] o turismo é sinônimo de localidades e suas culturas. Portanto, a preservação de ambos é fundamental, não somente para a existência e perpetuidade da atividade turística, mas principalmente para que se possibilite a fruição desses recursos, ora protegidos pelas próximas gerações.

No contexto de entendimento sobre planejamento, alguns conceitos referentes à eficiência,

eficácia e efetividade são necessários. Seus conceitos se confundem na maioria das vezes, porém são distintos. Ao referir-se a alguém eficaz pode-se inferir que a mesma é capaz de atingir determinada meta, realizar alguma função ou tarefa que lhe foi predeterminada, onde muitas vezes pode existir o momento denominado “zona de conforto” quando tido como comportamento padrão a ser seguido.

Eficiência, por sua vez, vai além do que denominamos eficácia tendo em vista que ser eficiente não é só cumprir a meta, mas executá-la com excelência, repetindo ações até conseguir o melhor resultado, o principal foco aqui é a obtenção dos melhores resultados.

Fazer algo com efetividade abrange, neste sentido, a união de eficácia e eficiência. Efetividade engloba o fazer bem, atingindo os melhores resultados, aliando, com isso, o pequeno espaço de tempo, não perdendo, porém, seu padrão e foco na qualidade.

Faz-se necessário pois, que exista, no planejamento e na execução de ações, um nível de percepção realista e visionário por parte do gestor de forma a englobar todos os meios e atitudes que faça determinado plano ser, essencialmente, mais efetivo diante do que for proposto e que contenha elos entre

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Página 102 de 176 os conceitos de integração, sustentabilidade, qualidade e oferta integral com ênfase nas ações voltadas para a competitividade do destino.

Competitividade de destinos turísticos

Observando o cenário econômico global cada vez mais concorrente, o turismo apresenta-se como atividade econômica ajustada a conceitos que se complementam, como planejamento, marketing e sustentabilidade, e posturas de diversos agentes da cadeia produtiva (poder público, iniciativa privada, comunidade e terceiro setor) na formatação de serviços e produtos com altos padrões de qualidade. A competitividade impõe o desafio proveniente da conquista do equilíbrio entre todos estes fatores que contribuem para o progresso do segmento.

Sendo assim, o estudo da competitividade tem a finalidade de mensurar, de forma objetiva, vários aspectos – entre eles os econômicos, sociais e ambientais – que indicam o coeficiente de competitividade dos destinos turísticos. A partir da identificação e do acompanhamento de indicadores objetivos e da geração de um diagnóstico da realidade local, torna-se mais viável a definição de ações e de políticas públicas que visem o desenvolvimento da atividade turística. A seguir seguem alguns fatores que influenciam na competitividade turismo.

Para um local ser competitivo é necessário possuir, neste sentido, um planejamento pontual para

que exista uma boa infraestrutura, adequação de atividades a sua localização geográfica, bons gestores por trás de tomadas de decisões importantes, profissionais competentes na realização de tarefas com qualidade, ter inserida a premissa da inovação aplicada a todos os setores dos empreendimentos que prestam serviço ao turismo e efetividade em todas as ações postas a atenderem as expectativas dos turistas de forma a fidelizá-los e proporcionar sensação de bem estar no local escolhido.

Este bem estar do turista irá proporcionar, por sua vez, um fator de marketing positivo ao destino, haja vista que o “boca a boca” é uma das ferramentas mais eficazes de divulgação.

Um destino competitivo deve constituir-se de infraestruturas adequadas, deve se espelhar em exemplos de destinos concorrentes que deram certo, acrescentando novas idéias e melhorias, escolher empreendimentos de qualidade para divulgação, deve haver atividades para conscientizar a comunidade da importância de receber bem o turista e acima de tudo, é necessário pensar nas ações do turismo a médio e longo prazo, tendo em vista a complexidade de atividades que necessitam funcionar em sintonia e prestar serviços de qualidade.

O estudo da competitividade constitui-se, pois, em ferramenta estratégica de gestão, à medida que fornece conhecimentos que permite a elaboração de planejamentos públicos e empresariais do setor, auxiliando na junção de esforços de todos os agentes – poder público, iniciativa privada, comunidade e terceiro setor – objetivando garantir o desenvolvimento do turismo e a sustentabilidade da localidade como destino turístico. Considerações finais

Pensar no sucesso na atividade turística e estar atento a tudo que implica o seu bom funcionamento. Para isso se faz necessário o planejamento de ações de forma a atender requisitos que influenciem o setor em diferentes momentos, no qual se ressalta a capacidade de planejamento dos gestores desempenhando atividades de maneira responsável e visionária, incluindo seus colaboradores no processo, buscando resultados positivos tanto em curto, quanto em médio e longo prazo.

O turismo necessita, diante do que foi exposto no presente trabalho, criar a concepção de que todos os Stakeholders inseridos no desenvolvimento da atividade turística necessitam estar envolvidos no processo de tomada de decisão que venha a servir na implementação de tarefas.

As parcerias envolvidas na atividade turística necessitam ser bem selecionadas, pois devem estar engajadas em um objetivo comum, mantendo a qualidade na prestação de serviços e buscando a inovação

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Página 103 de 176 no setor. Sendo valorizadas, nesta perspectiva, as formas de gestão e planejamento voltados para a efetividade das ações na atividade turística, de maneira a fidelizar e atrair cada vez mais turistas.

É evidente que, a partir dos levantamentos feitos pelo presente trabalho, que o turismo necessita ser compreendido de forma mais holística, com visão de longo prazo voltado ao pensamento de um desenvolvimento mais sustentável econômico, social, cultural e ambientalmente, tendo como principal premissa uma maior aplicabilidade das ações planejadas.

O turismo e todos que o compõe são, pois, os responsáveis por construir uma nova realidade

sobre o cenário atual de apropriação dos espaços, dos gostos e das pessoas. Esta nova realidade necessitará, contudo, ser inovada a cada dia e todas as ações relacionadas à atividade turística necessitará adequar-se às novas realidades criadas pela informatização e globalização em evidência.

REFERÊNCIAS ARAÚJO, Cíntia Moller. Ética e qualidade no turismo do Brasil. São Paulo: Atlas, 2003. GLAESSER, Dirk. Gestão de crises na indústria do turismo. Tradução Feliz Nonnenmacher. 2 ed. Porto Alegra: Bookman, 2008. MOLINA, E., Sergio; RODRIGUEZ, Sergio A. Planejamento integral do turismo: um enfoque para a América Latina. Tradução: Carlos Valero. Bauru, SP: EDUSC, 2001. PINE, B. J., & GILMORE, J. H. (1999). The Experience Economy: work is theatre and every business a stage. Boston: Harvard Business School Press. RITCHIE, J., & CROUCH, G. (2003). The Competitive Destination: A Sustainable Tourism Perspective. Wallingford: CAB International Publishing. RUSCHMANN, D.; WIDMER, G. Planejamento turístico. In: ANSARAH, M. Turismo: como aprender como ensinar. Vol 2. São Paulo: Senac, 2000. SWARBROOKE, J., & HORNER, S. (2002). O comportamento do consumidor no turismo. Ed. Aleph. YÁZIGI, Eduardo. A alma do lugar: turismo, planejamento e cotidiano em litorais e montanhas. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2001. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 104 de 176 RACIONALIDADE, IMAGINAÇÃO CRIATIVA E NOVOS PARADIGMAS EM EDUCAÇÃO:

DESAFIOS PARA O CONHECIMENTO

Prof.Dra.Neli Klix Freitas Universidade do Estado de Santa Catarina

Resumo O artigo apresenta propostas para práticas pedagógicas imaginativas e criativas tendo como foco o aporte da Construção Amorosa do Saber. Aborda também a temática da racionalidade em educação a partir de paradigmas instalados e de novos modelos. Assinala para a importância da reflexão crítica no ensino na contemporaneidade para religar racionalidade, sensibilidade e intelecto; objetividade e subjetividade, o pensamento e a imaginação a partir de aportes teóricos de diferentes autores. Palavras Chave: imaginação criativa, paradigmas, ensino. Abstract The article aims is to present propositions about imaginative and creative pedagogical practice in education focusing the approach about Construction Loving of Knowledge. The article also focuses the rational thought thematic in education accord traditional paradigmatic and new model. The text points to the critical reflection in education now for an open union between sensibility an rational thought, objective and subjective, thought and imagination of trying to analyze theoretical approaches of different authors. Key Words: creative imagination, rational thought, paradigm, teaching

No livro sobre a construção amorosa do saber Byington (2003) apresenta os fundamentos de sua proposta pedagógica alicerçada em princípios teóricos da Pedagogia Simbólica de Carl Jung Refere que a pedagogia dominante fundamenta-se na transmissão do conhecimento racional da consciência. Retoma as quatro funções da consciência, que são pensamento, sentimento, intuição e sensação e as duas atitudes: a extroversão e a introversão (JUNG, 1921). Estabelece relações com a pedagogia racional, que privilegia o pensamento e a sensação, em detrimento das funções do sentimento e da intuição.

Formula algumas questões que esclarecem uma construção amorosa do saber: uma pedagogia

baseada na formação e no desenvolvimento do indivíduo, e que inclui todas as dimensões da vida: “corpo, natureza, sociedade, idéia, imagem, emoção, palavra, número e comportamento” (BYINGTON, 2003, p. 15).

As principais propostas da pedagogia amorosa do saber proposta por Byington (2003) são:

1.Um método de ensino centrado na vivência, que “evoca diariamente a imaginação de alunos e educadores para reunir o objetivo e o subjetivo dentro da dimensão simbólica ativada pelas mais variadas técnicas expressivas para vivenciar o aprendizado” (p.15). São atividades que o professor deverá utilizar em sala de aula, como objetos e experiências do cotidiano, relatos de alunos, contos, dentre outros que acionem o imaginário dos alunos, a afetividade, a sensibilidade e que possibilitam expressões simbólicas pela imaginação. 2.Um referencial teórico baseado no desenvolvimento simbólico e arquetípico da personalidade e da cultura para “tornar o estudo naturalmente lúdico, emocional, cômico e dramático, atraente e emergente da relação amorosa entre aluno, classe e professor “ (P.15). Os contos de fadas, os mitos, o desenho são materiais recomendados. 3.Uma pedagogia que busca “inter-relacionar o aprendizado, a utilidade, o trabalho e as fontes de produção e relaciona simbolicamente os conteúdos ensinados com a totalidade da vida” (P.15). O ensino não pode ser dissociado da realidade, mas deve sim contemplar questões relacionadas com o trabalho, com o contexto social e cultural o que o professor insere ao trazer estes assuntos para a sala de aula.

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Página 105 de 176 5.Uma pedagogia “centrada no ecossistema corpo humano e ambiente dentro do processo emocional, cognitivo e existencial do indivíduo, da cultura, do planeta, do cosmos” (BYINGTON, 2003,p.15).Neste item o ensino insere-se na vida dos seres humanos que são também habitantes do planeta. É importante a discussão sobre as experiências dos alunos sobre fatos relacionados com os cuidados consigo mesmo, com os outros e com o planeta, que contemplam também os laços sociais.

Nosso ensino é predominantemente racional, sem o sentimento, e exclui metodologicamente o amor, segundo Byington. O ensino dissociado da vivência e que prioriza a memorização é racional, enfatiza a “decoreba e pode ser facilmente esquecido ou aplicado posteriormente na vida sem inteligência criativa”. O autor refere ainda que tal “metodologia paralisa a criatividade e pode ser aplicada ao longo da vida descortinando a intolerância rígida e o fanatismo” (BYINGTON, 2003, p.74-75).

Byington volta às proposições de Jung e retoma os arquétipos, mas em uma visão que contempla a consciência. Quando cita as contribuições teóricas de Jung o autor traz para o debate em educação a polaridade inconsciente-consciente. Entretanto, avança em suas formulações teóricas para além do aporte de Jung. Alerta ainda que, ao voltar a atenção para a noção do inconsciente Jung se distancia de outras áreas do conhecimento deixando de lado a interdisciplinaridade, o que compromete as relações com áreas do conhecimento das Ciências Humanas, referindo a Antropologia, a Sociologia, a Filosofia, a Educação.

Quando estabelece que o inconsciente é a fonte primária da consciência, apresenta-se um

reducionismo que invalida a compreensão da abrangência da imaginação. “A transformação da imaginação em mera projeção do inconsciente, seja pessoal, seja coletivo, confundiu grandemente a compreensão de suas vicissitudes no nível individual, histórico e cultural” (Byington, 2003, p.302). O autor apresenta outra compreensão sobre a imaginação e traz para a sua formulação a consciência, o que possibilita a aplicação de uma pedagogia amorosa do saber à educação.

Ao referir o arquétipo do professor, a pedagogia amorosa do saber aborda o relacionamento eu/outro e é também o “arquétipo do professor-aluno, do mestre discípulo” (p. 120). Implica na integração do professor, aquele que se deixa ensinar pelos alunos, enquanto ensina, sendo que esta referência consta também das proposições de Paulo Freire quando refere a dodiscência. Decorre daí a sabedoria do professor e, ao mesmo tempo, como refere Byington a sua busca de se exercitar como aluno. Entretanto, alerta que não se pode confundir a identidade individual e social do professor e do aluno, já que ambos têm papéis e responsabilidades distintas entre si. Do mesmo modo alerta “que os pais esquecem os limites dos seus papéis e, com isso propiciam alterações perigosas e destrutivas, como é possível observar no filme Sociedade dos Poetas Mortos” (BYINGTON, 2003, p.121).

O desafio que se apresenta para professores é o de exercer seu papel com responsabilidade e simultaneamente estar aberto, vivenciando a polaridade do mestre-aprendiz. A valorização excessiva da razão nos séculos XVIII e XIX no âmbito do conhecimento desconsidera a importância da imaginação. Assim, o paradigma racional não possibilita um espaço para a amplitude da imaginação que vincula as estruturas criativas humanas.

Decorre daí que um dos desafios propostos para a educação é o de encontrar práticas pedagógicas que propiciem atividades imaginativas e criativas no ensino. Outro desafio é o de questionar modelos, paradigmas instalados na Educação e propor outros capazes de contemplar as dimensões humanas e as demandas da sociedade e do conhecimento. Na obra Construção Amorosa do Saber Byington apresenta exemplos de práticas imaginativas e simbólicas e instiga a reflexão sobre racionalismo e afetividade, sobre intelecto e imaginação, sobre razão e intuição. Neste sentido o autor recomenda os contos de fadas, as crenças, os mitos para possibilitar a expressão dos símbolos pela imaginação. Outros autores, como Radino (2003); Reyzábal (1999) corroboram estas recomendações, apoiados em modelos teóricos diferentes. O que há em comum entre a proposta da Construção Amorosa do Saber e as proposições de outros autores, quando referem a importância da imaginação e da simbolização na infância é o questionamento do modelo racionalista ainda vigente na educação, que separa a razão e a imaginação. As práticas pedagógicas, ao longo da história da educação fundamentam-se nos paradigmas vigentes em cada

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Página 106 de 176 época, e ao longo de muitos anos pode-se constatar a prioridade de atividades voltadas para a razão, em detrimento da intuição, da sensibilidade e da imaginação. Racionalidade e Imaginação: desafios para o conhecimento

Muitos estudiosos, ao desenvolver seus estudos e pesquisas sobre os paradigmas consolidados questionam o modelo racional que favorece a reprodução e a memorização. Apresentam sugestões sobre novos modelos mais coerentes com as demandas da educação na contemporaneidade. Pode-se referir as pesquisas de Behrens, Moran e Masetto (2000), Moraes (1997), a obra de Edgar Morin sobre o Pensamento Complexo, os estudos de Capra (1996), de Prigogine (1986), de Pimentel (1993), dentre tantos outros.

Morin assinala para a necessidade da busca de bases paradigmáticas mais centradas na investigação, na incerteza, na incompletude para que se abandone a lógica racionalista. Apresenta o paradigma da complexidade referindo que “o progresso da retomada de consciência das realidades complexas ocorrido após o desmoronamento do dogma determinista requer um pensamento e um método capazes de religá-las.” (MORIN, 2002, p.107).

A educação tem se apresentado como conservadora, ainda sob forte influência do paradigma cartesiano-newtoniano típico da ciência dos séculos XVIII e XIX com repercussões até mesmo no século XX. Trata-se de um modo de pensamento fragmentado e de práticas educativas vinculadas à reprodução do conhecimento, à cópia e à memorização e no qual não existe espaço nem para a emoção, nem para a intuição.

Em nossos tempos as demandas são outras, e espera-se dos educadores uma visão mais ampla, que possa ser considerada autônoma e que seja capaz de ser compartilhada com os alunos e outros profissionais. O professor passa a ter um papel de articulador e de mediador, o que implica em repensar a educação. Isso traz para o discurso os novos paradigmas e, nesta direção Moraes (1997) propõe um diálogo entre as abordagens interacionista, construtivista, sociocultural e transcendente. Considerando que uma única abordagem não atende às exigências da sociedade atual, e que o educador tem liberdade de escolha espera-se do mesmo uma atitude crítica que seja ao mesmo tempo criativa e transformadora.

Segundo Morin (2002) não se parte do nada, mas sim do modelo racionalista e da crítica aos seus princípios norteadores. O pensamento complexo traz alguns referenciais para a superação de aspectos inadequados deste modo de pensar puramente racional e de suas conseqüências negativas. Propõe que é possível constatar que “[…] o progresso da retomada de consciência das realidades complexas ocorrido após o desmoronamento do dogma determinista requer um pensamento e um método capazes de religá-las”(MORIN, 2002, p. 107).

O pensamento do Morin encaminha o educador para a superação da visão fragmentária e dualista do modelo racionalista. Envolve todos os fenômenos da vida humana, e como tal, também a educação. Assinala para a importância da educação e de seus desdobramentos na formação humana e da sociedade em geral. Não considera a possibilidade de inserção de modelos dicotômicos e excludentes.

Segundo Behrens trata-se de uma produção do conhecimento que permite que os seres humanos “sejam éticos, autônomos, reflexivos, críticos e transformadores” (BEHRENS, 1999,p.387).

A proposta de Touraine (2005) é direcionada para um processo geral que seja capaz de dissolver os mecanismos de pertencimento a grupos e instituições que tendem a manter de forma linear algumas verdades e certezas que as caracterizam. Este modelo mantém as pessoas como autômatos e prisioneiras destes valores e mapeamentos mentais, das normas e determinações que geram a subserviência e a falta de liberdade no exercício do pensamento.

A educação deveria fazer o contrário, mobilizando os processos criativos, imaginativos e o próprio pensamento no sentido da emancipação, mesmo com os riscos e responsabilidades éticas, sociais e ecológicas particulares a cada indivíduo.

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Há paradigmas emergentes para a educação na contemporaneidade, e o debate está aberto. Algumas questões, no entanto merecem ponderações mais particularizadas. Sabe-se que a reprodução em educação ainda é forte, e não é possível desconsiderar que os avanços tecnológicos também propiciam a cópia, diante da facilidade de veiculação das informações pela mídia e pela internet.

As redes sociais e de conhecimento multiplicam-se a cada instante e as reflexões sobre as demandas e as motivações humanas para investir de modo continuado em sua formação pessoal e profissional são muito divergentes. A sociedade de consumo típica de nossos tempos parece fechada para a crítica e para a reflexão humana sobre si mesmo tão necessária e tão urgente. A educação tem dificuldades para acompanhar tantas inovações e projetos que sequer se viabilizam, e são substituídos quase que compulsivamente por outros sem a reflexão necessária sobre sua real aplicação na prática e especialmente sobre suas conseqüências na dinâmica que regula a convivência e os laços sociais.

É então um desafio muito mais amplo, e que requer além dos estudos teóricos e das pesquisas, propostas de práticas educativas e de modos integrados que articulem ensino e pesquisa, com uma ancoragem teórica consistente e coerente.

É uma proposta que instiga e que convida a mudar a direção do olhar para atividades criativas e imaginativas integradas com o ensino de conteúdos. A Construção Amorosa do Saber apresenta um aporte que contempla atividades imaginativas e criativas e que convida os educadores para uma reflexão crítica sobre sua prática, em oposição ao modelo puramente racionalista, sendo coerente com as demandas de uma educação que contempla simultaneamente aspectos objetivos e a subjetivos dos indivíduos inserindo no cotidiano as experiências dos alunos, bem como atividades em que estas podem ser simbolizadas ativando a imaginação e a criatividade. Atividades Criativas: propostas da Pedagogia Simbólica

Os contos de fadas, os mitos, as atividades artísticas, as histórias são meios importantes que possibilitam as expressões da imaginação, reconhecidas em diferentes culturas. São tipos de atividades criativas nas quais podem ser vivenciados sentimentos: medo, inveja, cobiça, esperança, saudade, ódio, doença, afetividade, culpa, ambição, poder, vergonha, honra, traição, magia, desespero, dentre outras. “Acima e à volta delas todas percebemos a função estruturante da imaginação” (Byington, 2003, p.344).

O autor exemplifica com suas vivências pessoais nas aulas de Ciências, onde sua professora explicou “a importância do oxigênio contando a história do Patinho Feio”. Outro professor, o “de Botânica narrou o conto de Frankenstein para ilustrar as deformações do ecossistema”, exemplos estes que permanecem vívidos em sua memória (BYINGTON, 2003, p.145).

Muitos professores apresentam restrições ao uso destes materiais com a alegação de que mantêm as crianças fora da racionalidade, ativando o mundo mágico e irreal.

Byington alerta que os pais e educadores devem estimular o trabalho de elaboração simbólica ao empregar as histórias, os mitos, por exemplo, e acompanhar dialeticamente as reações dos alunos. ”Um dado crucial é que é praticamente impossível símbolos tão carregados de energia arquetípica não despertarem reações significativas nas crianças e nos adultos cuja sensibilidade não tenha ficado completamente embotada” (BYINGTON, 2003,p.345).

É importante retomar o professor aprendiz, que busca participar da elaboração simbólica em conjunto com as crianças, enriquecendo a sua consciência.

Quando uma criança ingressa na escola ela traz consigo muitas marcas de sua cultura, do meio familiar e social. São representações simbólicas transmitidas pelos pais, avós, amigos. A criança participa da transmissão cultural de ritos, valores, costumes, normas. Gradativamente, pelas cantigas de ninar, pelos contos e vivências artísticas a criança torna-se um ser cultural, que simboliza enquanto convive. A inserção da língua materna permeada pela afetividade também possibilita o acesso da criança ao universo

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Página 108 de 176 simbólico. Reyzábal (1999) refere que a transmissão oral, muito mais do que comunicação é formadora do indivíduo.

Sabe-se que a tradição oral dos contos de fadas foi substituída por outros modelos de narrativas, como a escrita, a expressão corporal, as vivências e experiências diretas com materiais do meio, mas continuam vivos alimentando o imaginário das crianças. Os contos aguçam a imaginação e favorecem o processo de simbolização o que, segundo Radino (2003, p.117) ”é necessário para a inserção em um mundo civilizado e cultural”.

Os contos são ricos são em material simbólico, segundo Radino (2003), Bettelheim (1980) e ouros pesquisadores do imaginário infantil. Inclusive há distintas interpretações teóricas para estas atividades, mas o foco recai sobre a importância do emprego desses recursos em educação. A linguagem do símbolo é a linguagem da emoção, “da afetividade, que não foi enformada, disciplinada, ordenada, refletida, em suma, racionalizada” (ALVES COSTA, 1991, p.34).

Os elementos mágicos que se manifestam nos contos de fadas podem desencadear preconceitos dos adultos, identificados como elementos que dificultam o acesso à realidade como a mentira, por exemplo. Na verdade a prioridade ainda é do intelecto, e a emoção não tem sido considerada como importante na linguagem e no processo do conhecimento. A linguagem dos contos de fadas não pode ser considerada como inferior ou superior, porque é apenas diferente. É a linguagem que permite sentir “o mistério das coisas, dos outros, de si por quem se propõe desvendá-lo sem ser com os olhos da razão lógica” (ALVES COSTA, 1991, p.34).

Comprometer-se implica em uma atitude afetiva na interação com o outro, e é a expressão da mobilização do interesse pelo outro, o que é fundamental em educação. Ensinar não é apenas transmitir conhecimentos, mas é corporificar as palavras pelo exemplo, pelo testemunho. “Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o reduz em lugar de desdizê-lo”. Não é possível ao professor referir que pensa certo e ao mesmo tempo questionar “se o aluno sabe com quem está falando” (FREIRE, 1997, p.38). Nesta direção Freire refere o pensamento crítico e libertador.

Retomando as propostas da “Construção Amorosa do Saber” pode-se estabelecer relações com estes modelos e paradigmas abordados no texto, em um movimento que aponta para a ruptura do modelo puramente racionalista, com outras formas de ensino que contemplem uma conexão entre o pensamento, a intuição, a sensibilidade e o intelecto. A imaginação criativa aciona o simbolismo e, afinal este não pode ser dissociado do conhecimento, uma vez que o cérebro humano não consegue captar os objetos em si, nem a realidade de modo objetivo, mas sim pelos símbolos e sua representação na imaginação. Nesta perspectiva a educação pode contemplar a objetividade e a subjetividade dos indivíduos e o exercício da imaginação criativa.

Mesmo com o advento das novas tecnologias, que geram um fascínio nos estudantes, com os games a imaginação encontra espaço na educação. “Na união da comunicação verbal, numérica, imagética e perceptiva abre-se um mundo de criatividade que terá acesso às vivências humanas”(BYINGTON, 2003, p.354).

Cada mestre é aprendiz e essa é outra dimensão importante da pedagogia amorosa do saber. Retomando os paradigmas o mestre corporifica o conhecimento e as palavras pelo testemunho. Conclusão

Algumas das propostas de autores que abordam temáticas aparentemente distintas, como a imaginação e sua relevância em educação, bem como os paradigmas em educação constituem o foco deste texto. O que parece ser comum a estas propostas é o questionamento sobre modelos de ensino pautados exclusivamente na razão. Inicialmente foram apresentadas algumas das principais proposições da “Construção Amorosa do Saber”, segundo as propostas de Byington apresentadas no texto, tendo como eixo condutor imaginação criativa e as atividades simbólicas, considerando que o ser humano, além de razão tem imaginação, sensibilidade, intuição em uma totalidade que constitui sua humanização. A seguir

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Página 109 de 176 foi apresentada em tópicos uma reflexão crítica sobre os paradigmas vigentes em educação, trazendo para este debate os estudos de vários pesquisadores e pensadores. O eixo central foi a crítica ao modelo puramente racionalista em educação que pauta todo o ensino na tradição racional. Concluindo conectamos as duas abordagens, direcionando o olhar atento para a importância de atividades que possam contemplar as vivências humanas evocando a imaginação e reunindo dimensões objetivas e subjetivas no cotidiano da educação. Referências ALVES-COSTA, I; BARGBANNHA, F. Lutar para dar um sentido à vida. Portugal: ASA, 1991. BEHRENS, M. A Prática Pedagógica e o desafio do paradigma emergente IN: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, V.80, n.196, Set/Dez. 1999. BYINGTON, C. A. A Construção Amorosa do Saber: o fundamento e a finalidade da Pedagogia Simbólica Junguiana. São Paulo: Religare, 2003. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. JUNG, C. (1921) Tipos Psicológicos. Petrópolis: Vozes, 1967. MORAES, M.C. O Paradigma Educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997. MORAES, J.M; MASETTO, M; BEHRENS, M. Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica. Campinas: Papirus, 2000. MORIN, E. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2002. RADINO, G. Contos de Fadas e Realidade Psíquica. A importância da fantasia no desenvolvimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. REYZÁBAL, M.V.A. A Comunicação Oral e sua Didática. Bauru, São Paulo: EDUSC, 1999. TOURAINE, A. Um Novo Paradigma. Petrópolis: Vozes, 2005. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 110 de 176 REPRESENTAÇÕES MONSTRUOSAS E DUPLOS EM CRÔNICA DA CASA

ASSASSINADA, DE LÚCIO CARDOSO

Ozéias Pereira da Conceição Filho Graduado em letras português-espanhol

Universidade Federal de Sergipe. Pesquisador em literatura brasileira.

Professor de espanhol. Resumo Este artigo pretende investigar as representações da monstruosidade dentro do romance de Lúcio Cardoso, Crônica da casa assassinada, assim como também as manifestações da figura do duplo. Verificar-se-ão como alguns personagens incorporam à figura do monstro e de que forma estas incorporações simbolizam um constructo social, um questionamento da ordem, do momento histórico. A análise dos duplos revelará tanto uma dicotomia entre o passado e o futuro como também revelará uma forma subversiva de existir que põe em xeque valores sociais. Palavras-chave: representações monstruosas, Duplos, Crônica da casa assassinada Abstract This article is to investigate the representations of monstrosity within the novel by Lúcio Cardoso, Crônica da casa assassinada, as well as the manifestations of the Double figure. Check will be how some characters embody the figure of the monster and how these incorporations symbolize a social construct, a question of order, the historical moment. The analysis reveals both a Double dichotomy between past and the future but also reveal a subversive existence the calls into question social values. Keywords: representations monstrous, Double, Crônica da casa assassinada Introdução

Este trabalho averigua como a figura do monstro (COHEN, 2000; SANTOS, 2007) se apresenta no espaço narrativo do romance cardosiano, Crônica da casa assassinada (CARDOSO, 1959), examina como o ser monstro perpassa as teias da construção social dentro da obra e representa a quebra de valores, a ruína de um sistema social, a saber, o patriarcalismo. Será possível perceber como as representações monstruosas se dá num espaço onde o encontro do eu com o outro gera ao mesmo tempo estranheza e aproximação.

Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso (1912-1968) é uma obra que representa a maturidade

de um autor intimista que conhecia as profundezas da alma humana. Nesse romance, o leitor é convidado a fazer um passeio pelos meandros dos sentimentos obscuros de personagens marcados pela decadência, por digressões psicológicas, por sondagens interiores, por vícios e por uma série de outras características que dão ao romance um ar de mistério e sombriedade. A obra é uma observação minuciosa da natureza mesquinha e, em certos momentos, até mesmo maldosa do ser humano.

No espaço da narrativa, simbolizado em máxime pela casa, cabe todas as representações que

permeiam o mal, que tangenciam uma incógnita, uma incerteza, uma sensação de ruína que acontece gradativamente, a cada diário, confissão, narrativa, ou carta dos personagens. E é em meio a este palco misterioso que surge a figura do monstro, sempre tão persistente na obra, sempre tão representativo exatamente desta ruína, fruto da simbolização de um ser que pode ser ao mesmo tempo repulsivo ou atraente, um ser que anuncia algo, uma criatura que se não nos horroriza, nos fascina, ou faz as duas coisas ao mesmo tempo, pois estas significações de mão-dupla são uma marca quase que essencial desses seres. E é nesse ínterim também que se marca a presença do duplo, do ser que se reflete no outro, ou que encontra no outro seu revesso.

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Página 111 de 176 Lúcio Cardoso nasceu em 1913, numa cidade do interior de Minas Gerais chamada Curvelo. O

lançamento de seu primeiro romance, Maleita (1933), se dá quando ele tinha somente 20 anos. Depois seguem outras publicações: Salgueiro (1935), A luz no subsolo (1936), Inácio (1944), O enfeitiçado (1954), entre outros. Contudo, é com a Crônica da casa assassinada (1959) que o autor culmina num perfil que o caracteriza como um escritor de sondagem interior, preocupado com questões que envolvem as páginas íntimas da alma. A Crônica da casa assassinada faz parte de uma trilogia inacabada, seguem a esta obra: O viajante (edição póstuma) e Réquiem (não publicado). Lúcio Cardoso, além de ter sido romancista, foi poeta, cronista, e no final de sua vida também atuou como pintor. Talvez esta sua tendência a beirar temas sombrios em suas obras tenha surgido com o seu contato com leituras de romances europeus, como Drácula de Bram Stoker, do qual foi o primeiro tradutor brasileiro (SANTOS, 2007, 127). Aparecem os monstros, refletem-se os duplos

O monstro é recorrente na literatura e na mitologia desde tempos primórdios – do canto das sereias, em a Odisseia, até o Drácula. Talvez esta regularidade de monstros na literatura se deva ao fato de que o homem precise criar manifestações que representem aquilo que no outro ele enxerga como estranho, mas que em realidade faz parte daquilo que também é seu, que também o compõe (COHEN, 2000, 41).

O monstro é o ser que traz consigo a anunciação de um perigo iminente. Ele é um transgressor da ordem, ele se revela e se rebela contra aquilo que está posto, contra o senso de (falsa) harmonia de um determinado sistema social, de um momento histórico (SANTOS, 2007). Como afirma Cohen (2000, 30): “O monstro é o arauto da crise de categorias”, pois ele não se encontra em nenhum invólucro classificatório, ele foge às padronizações, ele é a mistura, ele é a via dupla.

O desenrolar da Crônica se dá com a chegada da personagem Nina à residência dos Meneses, quando se casa com um dos irmãos da família, Valdo. É exatamente ela o ser que chega como prenúncio da derrubada deste clã aristocrata, portanto, ela não só representa um anúncio em relação às mudanças de valores que a casa vai passar, como também um anúncio da ruína de um sistema social fundado no patriarcalismo.

O sentimento de que havia chegado em casa dos Meneses um ser diferente, envolto de excepcionalidade, de certa presença, que desperta sentimentos de aflição ao mesmo tempo em que gera sentimentos de admiração, é percebido quando Betty, a governanta, descreve sua impressão no momento de chegada de Nina à chácara:

Creio que fui eu a primeira pessoa a vê-la, desde que desceu do carro e – oh! – jamais, jamais poderei esquecer a impressão que me causou. Não foi um simples movimento de admiração, pois já havia deparado com muitas outras mulheres belas em minha vida. Mas nenhuma como esta conseguiu misturar ao meu sentimento de pasmo essa leve ponta de angústia, essa ligeira falta de ar que, mais do que a certeza de me achar diante de uma mulher extraordinariamente bela, forçou-me a reconhecer que se tratava também de uma presença – um ser egoísta e definido que parecia irradiar a própria luz e o calor da paisagem [...] Não havia apenas graça, sutileza, generosidade em sua aparição: havia majestade. Não havia apenas beleza, mas toda uma atmosfera concentrada e violenta de sedução. Ela surgia como se não permitisse a existência do mundo senão sob a aura do seu fascínio – não era uma força de encanto, mas de magia (CARDOSO, 2009, 60)

Nina surge como uma rainha, uma rainha monstruosa que aparece como figura de fascinação

angustiante, ela traçará caminhos que atraiam todos para si, destruindo-os, e afetando tudo que a cerca: a família na qual se insere; as relações que encontrou já formadas num conservadorismo; o movimento da pequena Cidade, Vila Velha; e, como uma rainha digna desse título, ela não poderia deixar de exercer influência em seu palácio, representado pela chácara, onde ela deixará seus rastros, seus vestígios, um pouco dela em cada parte da casa. Porque um monstro nunca passa sem deixar suas marcas (COHEN, 2000, 27). E Nina deixa suas marcas.

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Página 112 de 176 Nina é a figura capaz de reverberar vida em todos os seres “sem vida” da família Meneses. Este

impacto é muito perceptível na relação dela com Ana, esposa do primogênito da família, Demétrio. Nina representa para Ana uma possibilidade de vivência que ela não ousou experimentar, devido à sociedade interiorana onde estava inserida. Dessa feita, “os monstros, felizmente, existem não para nos mostrar o que não somos, mas o que poderíamos ser” (GIL, 2000, 168).

Ana inveja tudo o que há em Nina: sua beleza, sua capacidade de seduzir, seus cabelos, seus gestos. Nina é a mulher que ela gostaria de ser, Nina tem o que ela gostaria de ter: o amor dos homens, a admiração, a beleza de ser uma „mulher fatal‟. O mal como metáfora que Nina representa é escancarado pela própria doença que a mata: o câncer. Ela é a própria doença para a casa dos Meneses: infectuosa, nociva aos valores, insígnia maior da decadência.

No caso da figura de Timóteo, um dos irmãos da família Meneses, renegado ao isolamento por representar para família uma imagem que está “fora da ordem”, que causa desagrado social, pois seus trejeitos femininos ferem a moral patriarcalista. Sobre Timóteo, podemos dizer que é a mesma forma monstruosa que também já fora representada por Maria Sinhá, uma antepassada da família que, assim como o irmão efeminado da família, vivia numa inversão de papéis: ela era uma mulher que se portava como homem. É o que podemos perceber numa conversa de Timóteo e Betty:

- Quem foi então Maria Sinhá? [...] -Maria Sinhá vestia-se de homem, fazia longos estirões a cavalo, ia de Fundão a Queimados em menos tempo do que o melhor dos cavaleiros da fazenda. Dizem que usava um chicote com cabo de ouro, e com ele vergastava todos os escravos que encontrava em seu caminho. Ninguém da família jamais a entendeu, e ela acabou morrendo abandonada, num quarto escuro da velha Fazenda Santa Eulália, na Serra do Baú (CARDOSO, 2009, 54)

Timóteo pode ser considerado como um duplo de Maria Sinhá. Para Zilá Bernd, “segundo uma

acepção psicológica, o duplo é a projeção do sujeito, que se vê a si mesmo, como Outro, como entidade autônoma, mas idêntica ou semelhante em todos os aspectos” (2007, 229). Aqui o duplo é também tratado como um monstro, à medida que ele aparece como o não familiar, o estranho ao comum. Timóteo e Maria Sinhá se aproximam em sua subversão de gênero, no desvio da norma social vigente, no papel representado por uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que se é homem também se é mulher; e vive-versa. Por tais motivos é que se pode considerar Timóteo o duplo de Maria Sinhá, na aproximação da identidade.

O Outro representado pela figura de Maria Sinhá aparece em Timóteo como o Mesmo, pois este

é encontrado igualmente naquela. Os dois se identificam. O monstro figurado por Sinhá é repetido na imagem de Timóteo. O duplo pretende ser imortal, por isso, se repete, e, ao mesmo tempo em que se repete também se transforma, pois o duplo é um Mesmo.

Todavia, Timóteo além de ser a repetição de Maria Sinhá pela identidade, também é sua diferença,

encontrada no papel desempenhado dentro do sistema social que os cerca: o patriarcalismo. Enquanto Maria Sinhá se travestia de homem, assumindo uma posição de explorador, batia em escravos, se portava como um senhor de latifúndio, mantinha o sistema patrialcal; já em Timóteo, seu papel, enquanto travestido de mulher, é exatamente o oposto, pois seu desejo é desmascarar um sistema opressor e hipócrita, arruinar os interesses sufocantes desse mesmo sistema.

Sobre o duplo, Freud citando Otto Rank afirma que “depois de haver sido uma garantia de

imortalidade, transforma-se em estranho anunciador da morte” (1976, 294). Isso se aplica a Timóteo, pois além dele assegurar a vitalidade de Maria Sinhá, sendo seu duplo, assim como Nina, prenuncia e proclama uma “morte”. Esta morte não se refere aqui à falência de um ser, embora em se tratando de Nina seja ela uma prenunciadora de mesmo modo de uma morte desse tipo. No caso de Timóteo a morte se dá pela sua auto-revelação a um sistema que o crucifica, e na medida em que ele se revela como é – um monstro trangressor – também causa um impacto mortífero nas bases dessa conjuntura social.

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Página 113 de 176 Aquilo então que era tido como o lado obscuro do sistema opressor, e por isso era renegado ao

isolamento, vem à superfície para desmascarar e se rebelar contra uma organização hipócrita – o patriarcalismo. Nesse momento ele proclama a morte daquilo que estava escondido, revelando-o. Timóteo é a metáfora da revelação da hipocresia, da doença que é o próprio sistema patriarcal aristocrata. É o que se pode observar nessa passagem, na qual Timóteo surge ultrajante, vestido de mulher, em direção aos seus irmãos e à sociedade de Vila Velha, no momento do velório de Nina, sua amiga:

Avanço, procurando sem querer, num movimento que vem espontaneamente do mais fundo de mim mesmo, esses irmãos que não vejo há tanto tempo. [...] O outro, mais longe, próximo à mesa da morta é Demétrio [...] Que lhe parecerá mais estranho, o modo como surjo diante deste mundo que ele tanto respeita, ou as jóias que me cobrem, e que cintilam de mil cores a cada movimento que faço? [...] À medida que me aproximo, as pessoas vão-se afastando – dir-se-ia que carrego comigo não esmeraldas e topázios, mas o emblema de uma doença horrível, de uma lepra que eles desejam evitar a todo custo [...] Agora, há em torno de mim um lado estagnado de silêncio. E divisando finalmente o rosto da morta, agudo sob o lenço que o cobre, sinto que a sala não existe mais, nem existem as pessoas que me fitam, nem a nossa história, nem o sonho de que somos a viva carnação. Somos apenas nossos impulsos, desatinados, e que vogam acima do tempo e da verdade como inumanas correntezas (CARDOSO, 2009, 481).

Timóteo ao aparecer vestido de mulher expõe aos seus irmãos e à sociedade de Vila Velha aquilo

que eles abominam: o diferente, o assustador, que o é exatamente porque é estranho e muito próximo de todos. O silêncio provocado pela presença de Timóteo na sala simboliza não somente a falta de sons, mas também o espanto em encontrar noutro ser uma verdadeira face, e não uma máscara, esta que é símbolo da sociedade patriarcal. Pois, embora a veste de Timóteo represente para a sociedade uma máscara, para ele é sua verdade máxima, é sua revelia diante de um sistema que prefere as máscaras do comedimento, do bom comportamento social, das virtudes, da semelhança, excluindo e escandalizando o que supostamente se apresenta apenas no Outro.

Para Nicole Bravo, “um conflito psíquico cria o duplo, projeção da ordem íntima; o preço a pagar

pela libertação é o medo do encontro” (2000, 263). Nesse tocante, Timóteo toma para si o preço de sua libertação, através do enfrentamento com os seus irmãos, escancarando a figura monstruosa que lhe é própria, assumindo sua forma, tirando de si o peso de ser um renegado.

No momento da passagem acima Timóteo transforma as expectativas sobre ele em solidez, faz por em cena a face de seu duplo, seu monstro, libertando-se, encontrando-se. O encontro que Timóteo faz é mais consigo mesmo do que com as pessoas que o cercam. Sobre essa questão, afirma Bravo: “Mas aquele que se desdobrou (duplicou) cria para si a ilusão de agir sobre o exterior, quando na verdade não faz mais que objetivar seu drama interior” (2000, 267). Destarte, o que se passa de revolucionário, em se tratando da passagem acima, é mais interior, na alma do próprio Timóteo, do que em seu exterior, pois embora o aparecimento dele vestido de mulher represente um espanto para os cidadãos de Vila Velha, para ele mesmo sua aparição totalmente travestido é mais significativo, representa um desejo latente, uma mudança, uma revelação do seu mais verdadeiro eu.

Para ilustrar um pouco mais a figura do duplo, é possível também percebê-lo na relação de Nina e

Ana. Como já foi posto, aquela representa para esta uma possibilidade não vivida, e por isso, Nina é um espelho para Ana. Mas, não é somente por isso que se pode constatar a duplicidade dessa relação. O Novo encarnado em Nina é um monstro simbólico, que representa valores à frente dos provincianos de Vila Velha, que põe em xeque a antítese Rio de Janeiro – interior de Minas Gerais. A relação invertida desses lugares, invertida porque um é exatamente o contrário do outro (Novo/Velho), está simbolizado em Nina e Ana. Nesse sentido é que o duplo que perpassa a figura delas é mais do que um jogo de aproximação e estranheza no que se refere ao que uma representa para outra.

Nina e Ana são dicotômicas e essa dicotomia é observada por Enaura Quixabeira (1995). Para

essa autora, esse antagonismo entre os tempos passado e futuro fica claro através da indumentária das personagens: Nina, símbolo da moda vigente; e Ana, metaforizando o velho, o sem graça, vestida em

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Página 114 de 176 roupas obscuras, sem cor ou monocromática: “Nina, introduzindo a moda, faz aparecer a primeira manifestação de uma relação social que encarna um novo tempo legítimo e uma nova paixão própria ao Ocidente, a do moderno” (QUIXABEIRA, 195, 56). Quixabeira ainda afirma que Ana e Nina “formam uma unidade na sua imagem especular, uma sendo o avesso da outra” (1995, 68).

O duplo representa um questionamento sobre a própria existência do ser. Nesse sentido,

Timóteo, assim como Nina, resume uma reflexão sobre a identidade, um questionamento não somente sobre suas existências, mas também sobre a própria razão de ser da própria casa dos Meneses, sobre os valores vigentes, sobre os medos e as obscuridades de suas vidas. Enfim, um questionamento que envolve a existência como um todo, incluindo os seres e as coisas que os cercam.

Voltando ainda para a figura de Maria Sinhá, os monstros também podem se apresentar como

simulacros, uma cópia defeituosa, imperfeita, incompleta em seu papel de ser simulação. Maria Sinhá pode ser entendida como um simulacro do patriarcalismo, pois se comportava como homem sem realmente o ser.

Não é próprio de o simulacro representar uma cópia de um modelo (neste caso o modelo

patriarcal da figura do homem), pois ele subverte as cópias, e, portanto, também os modelos (MACHADO, 2006, 17). Este é o caso do que acontece com Maria Sinhá, pois ao tentar imitar a figura masculina ela pode se apresentar como uma cópia do sistema patriarcal, todavia, ela subverte as cópias, pois sendo ela uma mulher a cópia não se faria original, mas, sim, o símbolo de uma subversão de um modelo representado por homens.

Dessa maneira o simulacro simboliza uma agressão (MACHADO, 2006, 17). A agressão está no

pensamento de que uma mulher pode assumir um papel representado por um homem, assumindo os mesmos predicados, as mesmas atitudes, e, nesse sentido, Maria Sinhá desempenha igual postura dum chefe patriarcal, maltratando escravos, utilizando da força para marcar o poder, como já foi mencionado.

Esse tipo de monstro vivido por Maria Sinhá é depois também incorporado na figura de Timóteo:

um monstro subversivo, que inverte os papéis e fere a ordem social em relação ao gênero e seus atributos. Assim retomamos a questão aqui já apresentada sobre a resistência do monstro em se enquadrar em categorias. Já nos diz Cohen: “Essa recusa a fazer parte da „ordem classificatória das coisas‟ vale para os monstros em geral (2009, 30)”, pois é exatamente o que acontece com Timóteo e Maria Sinhá: a resistência a um sistema que define os papéis, que pressupõe os valores para os gêneros, assim como condena aqueles que fogem a este encapsulamento que dita o que é feminino ou masculino, e nesse sentido, o que sobra para Timóteo e Maria Sinhá é a punição pela fuga do padrão: o abandono, o isolamento. Apreciações conclusivas

Em a Crônica da casa assassinada o que podemos perceber é uma série de representações monstruosas e de duplos que se incorporam ao romance para romper a aparente falta de ação, pois a ação do romance é exatamente este jogo simbólico da sombriedade perpassado na memória dos personagens, e o que marca estas ações é a aparição de imagens que se apresentam como figurações do monstro, da ruína, da decadência, de duplos. Monstros e duplos se cruzam para figurar um momento histórico arruinado, mascarado pela (falsa) ordem, carente de um novo paradigma, que é representado principalmente pelos personagens aqui abordados: Nina e Timóteo.

Os duplos também serviram para evidenciar o antagonismo que há entre o passado explorador, usurpador da liberdade; e a promessa de um futuro, alicerçado em perspectivas modernas, na liberdade de existir, “um novo tempo legítimo”, para usar as palavras de Quixabeira, que valorem o indivíduo em sua duplicidade de ser, que não transforme os seres em invólucros mesquinhos.

O monstro não está revestido simplesmente num determinado personagem, ou em vários personagens, mas sim em todo o sistema que cerca esses seres: o sistema patriarcal, conservador, majoritariamente masculino, hipócrita. Os personagens são mais as “personificações” monstruosas desse

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Página 115 de 176 funcionamento histórico-social, eles representam como seres (fictícios) aquilo que está fora deles mesmos. A monstruosidade aqui não é somente fruto da existência desses seres como personagens, mas também a relação desses personagens com o recorte histórico em que está inserido o enredo e da relação que eles têm consigo mesmos, com o outro, estrangeiro e próximo deles mesmos. Referências BERND, Zilá (org.). Duplo. In: BERND, Zilá (org). Dicionário de figuras e mitos literários das Américas. Porto Alegre: UFRGS, 2007. p. 227-234. BRAVO, Nicole Fernandez. Duplo. In: BRUNEL, Pierre (org). Dicionário de mitos literários. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000. p. 261-288. CARDOSO, Lúcio. Crônica da casa assassinada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Pedagogia dos monstros: Os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 23-60. GIL, José. Metafenomenologia da monstruosidade: o devir-monstro. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Pedagogia dos monstros: Os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p.167-183. MACHADO, Roberto. Prólogo In: DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. Rio de Janeiro: Graal, 2006. p. 15-18. SANTOS, Josalba Fabiana dos. Monstros e duplos em A menina morta. In: JEHA, Julio (org.). Monstros e Monstruosidades na Literatura. Belo Horizonte: UFMG, 2007. p. 125-145. SIGMUND, Freud. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud – Volume XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 275-314. SILVA, Enaura Quixabeira Rosa e. A alegoria da ruína: uma análise da Crônica da casa assassinada. Maceió: HD Livros, 1995. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 116 de 176 A EMERSÃO DOS PROPÓSITOS E CONDIÇÕES DE ESCOLARIZAÇÃO A PARTIR DO

PROCESSO DE FORMAÇÃO PERMANENTE: O ABISMO ENTRE A ABORDAGEM PRATICISTA E O PROTAGONISMO DO PROFESSOR

Rogéria Novo da Silva62 Priscila Monteiro Chaves63

Gomercindo Ghiggi64 Resumo Muito se tem discutido acerca da formação docente em serviço articulada com a pesquisa, no entanto, torna-se necessário refletir sobre experiências concretas, seus obstáculos e formas de transpô-los para redimensionar as práticas escolares efetivadas ao longos dos anos. Este texto se destina justamente a refletir sobre uma experiência em construção em uma escola pública de anos iniciais, no que se refere aos processos de formação docente articulados pelo princípio da pesquisa. Este conceito se sedimenta nos referenciais de pesquisa participante de Brandão (2003) e Freire (1991), e demanda uma compreensão dos limites desse profissional, bem como seu espaço no contexto. Palavras-chave: formação permanente; Paulo Freire; pesquisa participante. Abstract Much has been discussed on the in-service teacher training linked with the research, however, it becomes necessary to reflect on concrete experiences, their obstacles and ways of overcoming these barriers in order to resize school practices which had been enforced over the years. This paper is intended precisely to reflect on an experience in construction in a elementary public school, in relation to the processes of teacher education articulated by the principle of research. This concept is deposited in the participant research reference of Brandão (2003) and Freire (1991), and demands an understanding of this professional limits as well as its place in the context. Keywords: permanent education; Paulo Freire; participant research. Entre a pesquisa e a formação- é possível definir fronteiras?

Refletir sobre o espaço/tempo da formação docente requer delimitações que podem mascarar a

complexidade deste processo resultando num elenco de indicações e prescrições que negam o protagonismo do sujeito professor. O artigo que se apresenta busca justamente, a partir da sistematização de uma experiência, construir referencias para pensar sobre o movimento de formação permanente de professores que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental de uma escola de periferia do sul do país.

Esta experiência se pauta pela necessidade da oferta de tempo/espaço ao professor para sua

formação tendo como eixos centrais: a) o ponto de partida nas necessidades concretas do cotidiano escolar; b) e a construção a partir do olhar/pesquisar/buscar/refletir/mudar do próprio professor na relação com os demais. Assim corresponde a um movimento de aprendizagem do professor que considera a objetividade da realidade concreta, sua subjetividade e sua intersubjetividade.

Considerando tais imperativos, organizam-se encontros sistemáticos semanais/ individuais e

quinzenais/coletivos, com temas diversos que são evidenciados a partir da relação do processo de ensino-aprendizagem estabelecido na cotidianidade da escola. o movimento epistemológico de formação proposto aponta a dois momentos complementares e concomitantes: problematização, feita pela coordenação aos professores, das práticas tendo em vista o projeto político pedagógico da escola; e

62 Mestranda do PPGE da Universidade Federal de Pelotas, seguindo a linha de pesquisa Filosofia da Educação. Bolsista CAPES. 63 Mestranda do PPGE da Universidade Federal de Pelotas. Membro da equipe diretiva de uma das Escolas de Ensino Fundamental do município de Pelotas/RS. 64 Prof. Dr. do PPGE da Universidade Federal de Pelotas.

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Página 117 de 176 organização do trabalho pedagógico em relação aos mais variados aspectos, como demanda dos próprios professores.

Os momentos individuais, que acontecem semanalmente com duração de duas horas, visam

auxiliar o professor na organização do seu fazer e na solução de problemas imediatos. A partir deste processo é que, de forma colegiada, se encaminham ações com vistas a redimensionar os limites encontrados. Neste processo, embora com um conjunto de indicadores gerais a todos os professores, cada um é compreendido em suas especificidades e ao longo do ano se pode evidenciar frentes de trabalho bastante distintas.

Os encontros quinzenais reúnem todo o grupo e se fazem a partir de algumas dinâmicas65 que

abordam: motivação, no sentido de relação com a vontade de ir em busca de novos conhecimentos; reconhecimento do trabalho feito e dos avanços percebidos pelos professores individualmente e por todo o grupo; construção coletiva como possibilidade de discussão coletiva dos temas que vão se tornando urgentes no processo da escola; problematização, de forma mais ampla e geral, permitindo a discussão sobre temas mais gerais do processo educativo. Neste espaço ainda preservava-se a importância da troca, da partilha e do apoio que o grupo pode oferecer a cada professor.

Inicialmente é preciso considerar que quando é permeado um trabalho de formação permanente

pela crença nas professoras e na capacidade que elas têm de assumirem sua formação colaborativamente, não é possível desconsiderar que o fazer docente é fruto de diferentes relações objetivas, subjetivas e intersubjetivas inseridas num movimento de triangulação praxiológica (FORMOSINHO, 2008, p.28), que envolve as práticas fecundadas nas teorias e nos valores, antes, durante e depois da ação, permitindo a “concretização no cotidiano duma práxis pedagógica e este é fator de sustentação da práxis” (GUIMARÃES, 2007, p.214), que leva a superar dicotomias e polaridades que tendenciam a sobrepor ora a teoria, ora a prática e ainda a negligenciar a existência de um conjunto de valores e sentidos dados à vida como mediadoras da constituição do ser professor.

A práxis, a partir das concepções de Paulo Freire (1996) é o entendimento de que há um

imperativo de o homem sempre estar reflexionando sobre seus atos, sugerindo a apreciação ou o análise de suas práticas e noções. Assim, a educação engendrada por esta perspectiva interpela para o crescimento da capacidade especulativa e criativa do homem, cuja forma de ponderar, de compreender o nexo entre os elementos que compõem a realidade social, política e cultural é privilegiada nas práticas pedagógicas cotidianas. A partir do conceito de práxis proposto por Freire, influenciado por Karl Marx, compreende-se que as relações sociais são produtoras de sociabilidade humana e, sendo assim, a humanização destas realizações constitui condição essencial para o contexto educacional. Uma vez que a autoconstrução do ser social, na perspectiva da emancipação humana, advém mediante este procedimento de ação e reflexão sobre a ação, na investigação constante de compreensão da história, repensando conceitos engessados, no processo de interlocução sobre a compreensão do homem, da sociedade e do mundo que o circunda.

Neste sentido e ancorado em tais preceitos, o professor se insere num processo de formação

elucidado pela reflexão das ações, situações e demandas cotidianas, buscando estratégias concretas de responder a imprevisibilidade, emergência e urgência do processo de ensino-aprendizagem. Coloca-se entre ensinar, pesquisar e aprender. No momento em que compreende a necessidade de melhor ensinar, se coloca num esforço de busca de respostas às suas dúvidas e na pesquisa percebe-se aprendendo sobre ensinar. Este movimento cíclico vai determinando o processo de formação permanente e colocando em plena relação estes momentos intersequentes do processo de formação.

Formação em serviço – ponto de partida ou de chegada?

No âmbito das instituições responsáveis pelos processos de escolarização desde a educação

infantil até o ensino superior o conceito de formação em serviço tem sido demasiadamente tomado com

65 Dinâmica deve ser entendida aqui como processo planejado de trabalho e não como técnicas de trabalho em grupo.

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Página 118 de 176 bastante atenção e pode ser percebida com mais clareza a partir da promulgação da LDBN (9394/96)66. No entanto, há uma diversidade de entendimento sobre qual o objeto e a metodologia mais adequada para tal processo que já não pode ser compreendida como sinônimo de treinamento, reciclagem, aperfeiçoamento ou capacitação nem pode ser compreendida como o único elemento67 do desenvolvimento profissional.

Analisando a metodologia adotada à formação em serviço pode-se destacar que nos últimos anos

há dois modelos bastante distintos para tal: cursos compensatórios oferecidos como pacotes feitos por experts (GATTI, 2009) (INBERNÒN, 2009, p. 9) ou como formação centralidade no professor, entendendo-o como pesquisador (GARRIDO; BRZEZINSKI, 2006).

No primeiro modelo de formação se encontram as palestras, cursos de curta e média duração,

seminários e treinamentos que se constituem pela definição do conteúdo a priori a partir de indicadores externos. Neste caso tem como ponto de partida a avaliação feita por outros profissionais que vão indicando os limites dos professores e não os temas que os professores necessitam enfrentar naquele momento.

No segundo modelo proposto, a centralidade da formação está no professor, o que pode ser

considerado como auto-formação ou como formação centrada no modelo de professor reflexivo. Assim, há um outro formato para o processo que, por si, faz a exigência prévia ao professor de assumir sua competência de conhecer e buscar conhecer sobre seu fazer. Neste caso, é preciso que se tenha cautela tendo em vista que pode haver uma tendência de reduzir a questão da reflexão da própria prática à busca do puro fazer, em lugar de um quefazer, que assim se coloca como busca do conteúdo e da direção do seu fazer. (FREIRE, 1996; 2005).

A partir das fragilidades que se apresentam em cada modelo, há necessidade de organizar-se um

outro, que não desconsidere o papel do professor como sujeito inacabado e ativo no processo de conhecer melhor para ensinar melhor, tampouco a contribuição fundamental que as teorias e os suportes teórico-metodológicos dão ao professores. Coerentemente com estes indicadores pode-se rearticular o conceito de formação continuada sob três pontos centrais: em relação ao espaço/tempo da formação; sua relação com a realidade, com a subjetividade e com a intersubjetividade; e sua relação com o conhecimento cientificamente organizado.

Compreender a formação docente a partir de tal revisão traz uma aproximação das considerações

feitas por Freire (1991, 2009) em relação à formação permanente dos professores. O autor considera que a formação permanente intensifica o papel docente, uma vez que coloca o professor e o seu fazer como ponto de partida dos processos formativos e os faz dialogar com outras teorias, campos e áreas do conhecimento sem a tentativa de validação, mas em um movimento de problematização tendo em vista a qualidade da aprendizagem dos alunos.

A formação permanente tem por base o entendimento e reconhecimento da vocação ontológica

dos homens de inacabamento, que os impelem à necessidade de busca pelo ser mais. Está permeada pela ideia de que ensinar, aprender, conhecer e pesquisar estão em íntima relação com o fazer docente e encontram-se indissociáveis. Prescinde da reflexão sobre a própria prática e da sistematização de experiências, no sentido de

reconstruir, ordenar o acontecido, para compreender e interpretar o acontecido e para poder então transformar e tirar lições dessa própria experiência, supõe uma postura epistemológica, social, política e cultural.[...] devemos também interpretar quais tem

66Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12907:legislacoes&catid=70:legislacoes. Acesso em 02 de julho de 2012. 67 Além da formação, dada no sentido de reflexão da própria prática ou dada pela busca de conhecimentos renovados sobre o seu fazer, se coloca como dimensões do desenvolvimento profissional questões de salário, carreira, condições de trabalho, relações democráticas no local de trabalho que possibilitam o desenvolvimento da autonomia profissional.

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Página 119 de 176 sido as contradições, as continuiades e as descontinuidades, as coerências e as incoerências. (JARA, 2006, p. 230)

A formação permanente traz como possibilidade a rearticulação destes movimentos

epistemológicos sem desconsiderar a dimensão ontológica dos processos de construção de conhecimento dos professores e dos seus alunos. Neste sentido a ação docente não é reduzida à aplicação de técnicas e procedimentos burocráticas e evita-se negligenciar os imperativos da docência em relação ao envolvimento do professor na construção do conhecimento- seu e de seus alunos.

Pensar a pesquisa em relação à docência não significa um processo de organização de estratégias

de “descoberta” da realidade, embora muitos a compreendam desta forma e tomem iniciativas a partir deste entendimento. O processo investigativo precisa ser compreendido sob a perspectiva da formação e também como compromisso ético e político. É a definição destas dimensões que tornará evidente os caminhos a serem trilhados, ou seja, as estratégias e instrumentos adequados aos objetivos que se possui.

A relação direta com a concretude do fazer docente e o enfrentamento dos limites que surgem

desta ação cotidiana dentro da escola vão apontando à necessidade de aprofundar os conhecimentos e as discussões em torno de muitos temas. Os professores, neste sentido, não estão à margem do processo de construção, mas mergulhados por relações de igual intensidade, porém condizentes à ação que desenvolvem. Assim, o professor, enquanto age, vai tendo a possibilidade de transformar seu conhecimento, transformando também sua ação, ultrapassando a concepção de professor como transmissor de um conhecimento já fixado e pronto, que ele já é possuidor. Lidando com o conhecer, algo que é construído e reconstruído constantemente, o professor vai adquirindo e requerendo elementos próprios da pesquisa, pois deve estar em constante busca por respostas e novas perguntas surgidas a partir do seu contato real com seu fazer.

Este professor-pesquisador, que tem sua ação como objeto de reflexão e como eixo do conhecer,

tem a possibilidade de entender cada vez mais, a partir das necessidades surgidas na própria ação concreta, sobre o processo de conhecer de seus alunos. Encontra-se assim no caminho do pensar certo. Segundo Freire

pensar certo, em termos críticos, é uma exigência que os momentos do ciclo gnosiológico vão pondo à curiosidade que, tornando-se mais e mais metodicamente rigorosa, transita da ingenuidade para o que venho chamando "curiosidade epistemológica". A curiosidade ingênua, de que resulta indiscutivelmente um certo saber, não importa que metodicamente desrigoroso, é a que caracteriza o senso comum. O saber de pura experiência feito (1996, p.16).

Pesquisar, assim, se relaciona com o fazer docente antes, durante e depois dele, o que vai

delineando os processos e caminhos necessários, vai ajustando a aproximação de outros referenciais e vai se tornando cada vez mais complexo. Permite ao professor estabelecer relações autônomas no plano ontológico e epistemológico na medida em que, ao ir desvelando suas práticas e suas necessidades, envolve-se num movimento de categorização que o permite apropriar-se em maior profundidade de sua ação e da teoria desta ação, assim avançando na necessária coerência entre o fazer e o pensar sobre/do fazer.

O trabalho a partir dos três elementos – triangulação praxiológica, consciência do inacabamento e a

relação intrínseca entre ensinar, aprender e pesquisar - fornecem a sustentação necessária ao processo de formação uma vez que possibilita que os professores o direito de se sentirem em aprendizagem e se sentirem respeitados pelo fato de estarem em permanente busca e assim permitindo-lhes que assumam a

responsabilidade ativa pelo levantamento de questões sérias acerca do que ensinam, como devem ensinar, e quais são as metas mais amplas pelas quais estão lutando. Isto significa que eles devem assumir um papel responsável a formação dos propósitos e condições de escolarização. Tal tarefa é impossível com uma divisão de trabalho na qual os professores têm pouca influência... (GIROUX, 1997, p.161)

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Página 120 de 176 No entanto, este processo não se conquista apenas por decisão ou por vontade, é preciso que se

estabeleçam estratégias concretas em que a colaboração seja a base e que se enfrente, profissionalmente, os embates decorrentes da posição que se assume frente aos demais colegas. Exatamente por isso é que refletir sobre a experiência que se está construindo na escola em relação à formação precisa ser feita com densidade e disciplina intelectual.

Na tentativa de superar tanto a visão tecnicista, quanto a praticista da formação, as formulações

feitas por Giroux (1997) oferecem importantes indicativos na medida em que coloca o professor como agente da transformação, o que lhes impõe a necessidade de “desenvolver um discurso e conjunto de suposições que lhes permita atuarem mais especificamente como intelectuais transformadores”(p. 29), permitindo que qualquer discurso “precisa estar engajado crítica e seletivamente, de forma que possa ser usado em contextos específicos por aqueles que vêem valor no mesmo para seu próprio ensino em sala de aula e luta social” (1997, p. 31).

Andreola (2010) denuncia o caráter bancário destes tipos de “oferta”, uma vez que se apresentam

de forma autoritária, antidialógica, dominadora e opressora. Sem excluir a importância da escuta de “grandes especialistas em determinadas áreas do conhecimento” (2010, p. 93), defende que os espaços que se destinam à formação dos professores em serviço se sustentem a partir do diálogo.

Freire (1991) também aponta a necessidade do diálogo entre professores e especialistas

competentes como ponto de partida da formação dos professores em serviço. Benincá (2004, p. 103), critica algumas tendências da formação continuada colocando em destaque a formação continuada que se apresenta como processo sistemático e metódico de reflexão individual e coletiva a partir da observação prática e não como receptáculo de grandes teorias e indicações metodológicas. Uma metodologia de trabalho que possibilita a todos envolver-se com disciplina intelectual na formação. (FREIRE, 2009, p.119

Considerações e provocações finais

No decorrer dos processos que se constituem, analisar os embates necessários à formação

permanente gerida no interior das escolas é um outro esforço teórico-reflexivo e que precisa ser feito sob pena de apenas serem criadas novas nomenclaturas para processos idênticos. No sentido com que a relação entre ensinar e pesquisar foi apresentada até aqui, o processo de formação permanente não pode furtar-se de colocar os professores como pesquisadores de sua prática, da realidade cognitiva e concreta dos alunos e do conhecimento que ensinarão.

Assim considerando, a formação permanente deve ser sistemática, intencional, local, individual e

coletiva, garantindo assim que o professor assuma o protagonismo de sua prática que se faz nos enfrentamentos cotidianos, nas formas criativas de resolver as situações limites que a relação pedagógica e educativa lhe apresenta e que, ao sistematizar sua experiência, reflita sobre as razões de ser tanto das situações limites, quanto das ações e reações que possui, que compartilhe com outros professores seus achados e suas procuras e que, através da dialogicidade, rigorosidade metódica e disciplina intelectual, construam o inédito viável. E por isso não deve tratar de abstrair o saber tácito, ou de respaldar a permanência na curiosidade ingênua, mas se coloca como possibilidade de, ao propiciar momentos de reflexão individual e debate público, organizar as fragilidade que são inerentes ao fazer docente naquele momento, ir em busca de novos referenciais, de conhecimento cientificamente organizado, redefinindo a própria ação, ou seja, tem por finalidade sair do estado de fatalismo ou da curiosidade ingênua para a curiosidade epistemológica (FREIRE, 2009).

Desse modo, estará sendo promovido o que Inbernón chama de verdadeiro colegiado, com vistas a

uma reestruturação profissional, na qual o objetivo deveria ser ressituar o professorado para que este seja protagonista ativo de sua própria formação, mediante os desafios postos pelo seu contexto trabalhista, no qual deve coligar julgamentos mediados entre o que é prescrito e o que é real. Para que e consiga sedimentar a ideia da formação permanente “será preciso ajudar a remover o senso comum pedagógico, recompor o equilíbrio entre os esquemas práticos predominantes e os esquemas teóricos” (2009, p. 107). Percebendo a possibilidade de superação de alguns pontos da relação vertical entre teoria/prática presente em discussões a respeito da formação continuada/em serviço.

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Página 121 de 176 A formação não deve ser abreviada por uma visão tecnicista, na qual estaria centrada no acesso a

métodos de ensino aos educadores, domínios de como a gestão deve proceder, funcionamento escolar, técnicas para uma melhor avaliação, elaborados por “especialistas” da área. Pois assim, o exercício docente restringe-se a uma atividade meramente instrumental e a formação está para instrumentalizar o educador das técnicas ditas necessárias à sua prática. Tampouco se deve resumir a formação permanente a uma abordagem praticista, na qual seria reforçada a visão de que a teoria deveria ser formulada na academia e a necessidade dos professores seria apenas um elenco de atividades e situações que poderiam levá-la a sua efetivação ou ainda uma formação centrada na ação e reflexão do professor como reconhecimento de que no decorrer do trabalho docente a existência de uma sabedoria tácita, um conhecimento espontâneo, intuitivo, experimental; e construído no cotidiano da prática educativa, a partir do qual o educador abaliza seu processo de reflexão sobre a experiência prática. Recaindo assim no perigo de atribuir ao professor unicamente a responsabilidade pelos resultados do processo educativo.

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Página 122 de 176 LEITURA E AVALIAÇÃO: REFLEXÕES

Sandro Luis da Silva Doutor em Língua Portuguesa pela PUC/SP

Professor Adjunto de Língua Portuguesa (UNIFESP) Cirlei Izabel da Silva Paiva

Doutora em Ciências Sociais pela PUC/SP Professora Adjunta de Sociologia na Universidade Nove de Julho (UNINOVE/SP)

Resumo Este artigo objetiva uma reflexão sobre o processo avaliativo da leitura na formação inicial do professor de língua portuguesa, a qual tem tomado lugar significativo nas pesquisas acadêmicas. Para atingir o objetivo proposto, vale-se de Kleiman (1992), Lajolo (1993), Chartier (2001) e Silva (1995, 2002 e 2005) no tocante à leitura, a Koch (1998) em relação ao texto e de Condemarín & Medina (2005), Municio (1978), além de Solé (1998) quanto às estratégias de leitura e dos PCN (1998). Pode-se afirmar que o desenvolvimento de habilidades de leitura e de avaliação durante a formação inicial do professor de língua portuguesa é condição sine qua non para que seja realizado um trabalho competente de leitura e sua avaliação na escola básica. Palavras-chave: leitura; avaliação; formação inicial.

Abstract: The assessment has taken a significant place in academic research. This article aims to reflect on the evaluation process of reading in the initial formation of a Portuguese language teacher. To achieve this purpose, it is Kleiman (1992), Lajolo (1993), Chartier (2001) and Silva (1995, 2002 and 2005) with regard to reading, Koch (1998) in relation to the text and Condemarín & Medina (2005), Municio (1978), and Solé (1998) about the reading strategies and the NCP (1998). It can be argued that the development of reading skills and evaluation during the initial formation of a Portuguese language teacher is a sine qua non to be done a competent job of reading and its assessment in primary school. Keywords: reading, assessment, training. Considerações iniciais

Este artigo tem por objetivo trazer reflexões sobre a avaliação no processo de ensino-aprendizagem, em especial no que diz respeito à leitura na formação inicial do professor de língua portuguesa. Não podemos negar que uma formação inicial competente do professor, seja em qual área for, refletirá no trabalho que ele realizará com seus alunos na escola básica, um trabalho significativo a partir de uma formação que não vise apenas à informação, mas também à criticidade, à leitura de mundo (na concepção dada por Paulo Freire), ao diálogo constante na construção do conhecimento.

Vários foram os caminhos apontados para que a escola, em especial a básica, superasse a

dificuldade do trabalho com a leitura e sua avaliação. O Parecer 9/2002, por exemplo, vai ao encontro desta nova proposta que vem sendo colocada nos cursos de gradução. Se pensarmos nos PCN (1998), também constatamos que, segundo o documento oficial, o ensino deveria ser mais voltado para o texto, com base em pesquisas nas áreas de Sociolinguistica, LInguistica Textual e Análise de Discurso. O texto seria, então, um apoio para o ensino de língua portuguesa, pautado na leitura e produção textual.

É preciso ser ressaltado, no processo de ensino-aprendizagem de língua portuguesa, em especial

no trabalho com a leitura, estratégia de avaliação da leitura. A aferição da leitura restringe-se, ainda nos dias de hoje, infelizmente, a provas ou fichas de leitura superficiais que pouco contribuem para a construção de um sentido para leitura que o aluno realiza e isso precis ser (re)pensado, a fim de que a leitura se torne uma prática social dentro da sala de aula.

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Página 123 de 176 Este texto tem como respaldo teórico, para atingir o objetivo proposto, os estudos de Kleiman

(1992), Lajolo (1993), Chartier (2001) e Silva (1995, 2002 e 2005) no tocante à leitura, a Koch (1998) em relação ao texto e de Condemarín & Medina (2005), Municio (1978), além de Solé (1998) quanto às estratégias de leitura e dos PCN (1998).

O processo de leitura

Quando nos referimos à leitura, entendemo-la como uma prática social (Kleiman 1992), uma vez

que faz parte do cotidiano do homem, levando-o a interagir no mundo em que está inserido e, consequentemente, com seus pares. E, ainda, consideramos que a leitura constitui-se em um processo cognitivo que busca, a partir do conhecimento prévio, uma (in)formação do leitor para que ele possa atuar de forma ativa e crítica no mundo em que está inserido.

Assim, é preciso que adotemos um conceito para texto, tendo em vista que é por meio dele que o

leitor passa a interagir com a ideia trazida pelo enunciador. Para Koch (1998, p. 22), Poder-se-ia, assim, conceituar o texto como uma manifestação verbal constituída de elementos linguisticos selecionados e ordenados pelos falantes, durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas sociocultural.

É possível verificar que a concepção de texto dada por Koch é concebida por aquela dada por

Kleiman (1992) em relação à leitura, ou seja, trata-se de uma prática social. É por meio de texto que o ser humano interage com seus pares e, nesse sentido, a leitura é condição sine qua non para que ocorra, de fato, a interação social.

Para tratar da leitura como prática social e como meio para inserção em um determinado

grupo, torna-se relevante recorrer a alguns conceitos colocados por Pierre Bourdieu (2001). Para ele, o que existe no mundo social são relações objetivas entre os sujeitos que compõem a sociedade. Essas relações se desenvolvem dentro de variados campos, os quais são considerados como um espaço de posições que funcionam principalmente com capitais que são específicos e determinados pelos grupos do campo. Bourdieu compreende que os atores sociais estão inseridos espacialmente em determinados campos sociais. Para ele, a posse de grandezas de certos capitais (cultural, social, econômico, político, artístico, esportivo etc.) e o habitus seriam uma predisposição para ações. O habitus seria um sistema de disposições duráveis e transponíveis que funciona como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações. Bourdieu nos fala que habitus significa o sistema de esquemas interiorizados que permitem engendrar todos os pensamentos, percepções e as ações características de uma cultura e somente esses. O habitus apresenta um caráter gerador que pode ser utilizado pelo sujeito em diferentes situações - cada ator social condiciona seu posicionamento espacial e, na luta social, identifica-se com sua classe social. Bourdieu afirma que, para o ator social tentar ocupar um espaço, é necessário que ele conheça as regras do jogo dentro do campo social e que esteja disposto a lutar.

Recorrendo a Bordieu, Roger Chartier dirá que o hábito social é o que um grupo humano

compartilha em termos de um sistema de representações que fundamenta suas maneiras de classificar, de se situar no mundo social, de atuar (Chartier, 2001). Ao encontrarem em suas relações um grupo que apreciava e via sentido na leitura, os entrevistados parecem ter sentido uma maior necessidade de também procurarem nos livros aquilo que os colegas viam. Para se situarem no campo a busca pela leitura passou a ter um sentido maior. Ao que parece, a leitura colocada como prática social e cultural que implica intencionalidade e elaboração de sentidos, tinha muito mais significado do que apenas a realização de tarefas.

De acordo com Kleiman (1992), o ato de ler é concebido como um processo interativo entre

autor e leitor, mediado pelo texto; a leitura pressupõe conhecimentos (de mundo, de língua) por parte do leitor, para que haja compreensão e apreensão da mensagem, a fim de que ele realize um trabalho ativo de

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Página 124 de 176 construção de significado. Ler é, antes de tudo, compreender e negociar sentidos. Para uma leitura efetiva, o leitor precisa ativar conhecimentos prévios (linguísticos, textuais, enciclopédicos).

Quando pensamos na formação inicial do professor de língua portuguesa, é necessário que o

trabalho realizado pelos professores formadores leve o discente, futuro professor, a uma reflexão “no que” e “no como” realizar a prática de leitura na sala de aula da escola básica, assim como sua avaliação, possibilitando-lhe a criação de estratégias para as futuras atividades de leitura que ele desenvolverá junto a seus alunos durante a prática docente. É preciso fazer com que o futuro professor vislumbre estratégias que promovam uma leitura significativa em seu aluno, a qual seja capaz de levá-lo a entender (-se) (n)o mundo em que está inserido.

Como aponta Rios (2001, p. 26),

A tarefa fundamental da educação, da escola, ao construir, reconstruir e socializar o conhecimento, é formar cidadãos, portanto, contribuir para que as pessoas possam atuar criativamente no contexto social de que fazem parte, exercer seus direitos e, nessa medida, ser, de verdade, pessoas felizes.

Trabalhar a leitura na escola requer do professor e do aluno clareza e competência sobre o ato de

ler. E, nesse ponto, postulamos que é preciso entender que Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista (Lajolo, 1993, p.91).

No processo de ensino-aprendizagem, espera-se que o professor seja capaz de valer-se de um

discurso didático em torno de idéias-fim, para a formação de leitores críticos, capazes de distinguir o que é ou não revelador de sua identidade como ser humano, participante de uma sociedade em constante modificação; que avalie o que lê, que se torne um sujeito capaz de exercer sua cidadania plena e, acima de tudo, que tenha consciência da importância dessa para si e para o mundo. Em outras palavras, que tenha competência para construir um sentido para o ato de ler que realiza frente a um determinado texto, independentemente do gênero textual a que este texto pertença. E, para que isso possa ocorrer, é fundamental que na escola o profissional de Educação tenha consciência de seu papel (in)formador.

Silva (1995, p. 19) adverte que a realidade atual não parece favorecer uma transformação social, na

medida em que a própria formação do professor para o ensino da leitura deixa muito a desejar, levando-o (o professor) a imitar procedimentos esclerosados ou a aplicar técnicas de ensaio-e-erro em suas aulas. Com esse professor enfraquecido pelas circunstâncias, as sementes não vingam e as ervas daninhas, juntamente com outras pragas, começam a se alastrar por toda a área do terreno da leitura.

Também o discurso e a prática pedagógica empregados em uma sala de aula são fundamentais

para que o professor realize conscientemente a sua prática docente no futuro. Como lembra Silva (1995), é importante que na formação inicial haja um trabalho de conscientização da relevância de se criarem estratégias de leitura (Solé, 1998), que tornem o texto um elemento significativo para o futuro professor.

Pactuamos com Cintra e Passarelli (2012, p. 52), quanto ao conceito de estratégias, que são

consideradas pelas autoras como “operações mentais destinadas a processar a informação visual (ou auditiva) de sorte a levar o leitor a construir os sentidos”. As estratégias referem-se, na verdade, ao conhecimento geral do leitor e constituem uma habilidade aprendida e reaprendida continuamente. Como se observa, é por meio de estratégias de leitura que o aluno será capaz de produzir um sentido para o texto, tornando-o significativo para o seu ato de ler.

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Página 125 de 176 O que acontece (ou deveria acontecer) na prática docente realizada na escola, sendo traduzido

como o objetivo principal desta Instituição social, é o ato de educar. E a leitura constitui-se em caminho pelo qual o ser humano faz-se presente dentro do mundo em que está inserido, justamente por essa relação dialética em que se baseia o mundo hoje. Ratificando a ideia colocada anteriormente, a prática docente precisa ser um ato de conscientização do mundo, de humanização, mesmo porque, como aponta Silva (2005), o homem e o mundo são inseparáveis.

Ao se pensar no atividade docente do professor universitário, é preciso lembrar que a atividade

profissional dele ultrapassa os processos da sala de aula em que ele atua com seus educandos; é preciso por em discussão o “quê” e o “como” trabalhar com esse conhecimento construido nesse momento na atuação do futuro professor na escola básica, em especial, no trabalho com a leitura.

Pensar na leitura, assim, é concebe-la como um ato crítico, como uma prática social, sendo vital aos modos de se produzir ensino-aprendizagem nas escolas, e aos modos de participação democrática em socidade. A leitura e sua avaliação

O termo avaliação deriva da palavra “valer”, do latim vãlêre; refere-se a ter valor, ser válido. Um

processo de avaliação tem por objetivo averiguar o "valor" de determinado indivíduo. Avaliar é um ato estreitamente ligado a escolher e optar.

A concepção de avaliação envolve uma série de procedimentos que permeiam a mediação

(Hoffmann 1996, 1998 e Luckesi, 2003, Cappelletti, 2004), a gestão e a medição, como discute Municio (1978), Bonniol (2001) e Hadji (2001), como estratégias no processo de ensino-aprendizagem (Solé, 1998) e, ainda, numa perspectiva construtivista (Hoffmann, 1998, Solé, 1998).

As práticas de avaliação do sistema educacional constam, principalmente, dos conteúdos das áreas

e disciplinas. Os procedimentos de avaliação constituem um importante instrumento por meio do qual se constroi o conhecimento; é uma das formas de aprender e apreender os conteúdos desenvolvidos na sala de aula e fora dela. Aprender é, sem dúvida, dominar conteúdos e também mobilizar esses saberes para o domínio de competências acadêmicas. Mais que isso: aprender é transformar o olhar diante da realidade; é perceber com criticidade o mundo em que o homem está inserido; é desenvolver as diferentes habilidades do ser humano nas diversas áreas do saber.

Quando se pensa na avaliação escolar, há de se refletir se o professor tem desenvolvida a

habilidade de avaliar, que não se restringe à dimensão cognitiva. Integra, indissociavelmente, conhecimentos, capacidades, comportamentos e atitudes, e ainda constituem objeto de avaliação as áreas curriculares não disciplinares. Entende-se por "processo de avaliação" um conjunto de instrumentos e/ou estratégias capazes não só de quantificar o conteúdo apreendido pelo educando, como também verificar a transformação ocorrida por ele dentro do processo de ensino- aprendizagem e, no caso deste artigo, a transformação derivada da prática da leitura no contexto da sala de aula nos cursos de formação inicial do professor de língua portuguesa.

Para Condemerin & Medina (2005, p. 13), “a função ou propósito principal da avaliação autêntica

é melhorar a qualidade do processo de aprendizagem e aumentar a probabilidade de que todos os estudantes aprendam”. Assim, mais do que “medir” ou “quantificar” o quanto o aluno “sabe ler”, avaliar a leitura é procurar intervir no processo de ensino-aprendizagem da leitura, para assegurar que as estratégias utilizadas no desenvolvimento da habilidade de ler respondam aos objetivos propostos.

Este trabalho, obedecendo aos seus limites, atém-se ao aluno universitário do curso de Letras, que

se tornará professor de Língua Portuguesa para atuar na escola básica. A avaliação, neste contexto, tem como sujeitos todos aqueles envolvidos no processo de ensino-aprendizagem no curso de formação inicial.

Podemos afirmar que o olhar do homem nunca é neutro. Ele está determinado pela condição

social, política, econômica, religiosa, enfim, por uma ideologia. E assim o é a avaliação – permeada pela

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Página 126 de 176 subjetividade, tendo em vista que ela envolve juízo de valor. Ressalte-se, entretanto, que o importante é sempre observar o „como‟ se realiza a avaliação, uma vez que ela é um processo de descrição, análise e crítica de uma dada realidade, visando à transformação daqueles que nela estão envolvidos.

O processo de ensino-aprendizagem exige uma série de conhecimentos e de habilidades

trabalhadas no dia a dia escolar, para serem aplicados em situações concretas. Durante esse processo, o professor atenta-se para o fato de “compreensão do significado e estabelecimento de um novo ponto de vista, focando o ordenamento dos elementos da comunicação”, como aponta Municio (1978, p. 31).

Pensar na avaliação da leitura é pensar, antes de tudo, nos objetivos do ato de ler que se realiza, a

princípio, na sala de aula. Solé (1998) chama a atenção para o fato de que existem diferentes objetivos para a leitura: lê-se para obter uma informação; lê-se por prazer; lê-se para rever o texto escrito próprio. O importante é evidenciar que o ato de ler implica necessariamente um objetivo.

O professor de língua portuguesa avalia a leitura de seu aluno, dentre vários objetivos, para

identificar o conhecimento prévio que o discente possui e, a partir dele, direcionar o trabalho que se realizará com o texto – oral ou escrito. Avalia-se também para conhecer as facilidades e as dificuldades que o aluno apresenta diante do texto, para planejar atividades que o levem a aprofundar o conhecimento que já possui e/ou superar as dificuldades apresentadas, desenvolvendo a habilidade de leitura e, também, a da escrita (por que não?). O processo de avaliação ocorre ainda para ver até que ponto houve apreensão do que foi ensinado, trocado e construído na sala de aula, num processo dialógico; visa à verificação do que é preciso ser retomado no processo de leitura desenvolvido durante as aulas.

Na formação inicial do professor de língua portuguesa, fazem-se necessárias algumas reflexões

sobre a avaliação concebida pelos PCN (1998), tendo em vista que o documento oficial funciona como parâmetro para a prática docente. Segundo o documento, “uma prática constante de leitura na escola pressupõe o trabalho com a diversidade de objetivos, modalidades e textos que caracterizam as práticas de leitura de fato” (PCN, 1998, p. 57). O professor precisa pensar em diferentes estratégias que façam da leitura um exercício significativo para seu aluno, que atenda às necessidades do aluno-leitor e que seja capaz de levá-lo a vislumbrar reflexões sobre o que lê e a realidade em que ele está inserido. O próprio documento oficial afirma ser a leitura uma prática social e, por isso, sempre um meio e não um fim em si mesma.

No momento em que se vivem tempos de ressignificações no processo educacional, é preciso

refletir sobre a avaliação, seja na sua concepção, seja nas suas estratégias, seja nos seus objetivos. E, tendo em vista o tema deste artigo, é preciso refletir sobre a avaliação da leitura.

Diante desse contexto, é preciso levar o futuro professor de língua portuguesa a executar com

competência a tarefa de avaliar seus alunos também nas atividades de leitura. No entanto, para que isso ocorra, há de se desenvolver as habilidades necessárias para esse fim durante a formação inicial. Recorremos, mais uma vez, aos PCN (1998, p. 58)

Formar leitores é algo que requer, portanto, condições favoráveis para a prática da leitura – que não se restringem apenas aos recursos materiais disponíveis, pois, na verdade, o uso que se faz dos livros e demais materiais impressos é o aspecto mais determinante para o desenvolvimento da prática e do gosto pela leitura.

Assim, a atuação do professor nesse processo é condição sine qua non para que se forme, de fato,

um aluno leitor. O docente precisa pensar em estratégias, como afirmamos anteriormente, que façam do ato de ler algo presente e significativo na vida do discente.

Vale lembrar que a legislação que regula os cursos de formação de professores também apresenta

a preocupação em relação à avaliação. Cite-se, por exemplo, a Resolução CNE/CP 1, de 18/02/2002, no seu artigo 3º., inciso II, letra d, que apresenta o seguinte texto:

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Página 127 de 176 Art. 3º. A formação de professores que atuarão nas diferentes etapas e modalidades da Educação básica observará princípios norteadores desse preparo para o exercício profissional específico, que considerem: (...) II – a coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor, tem em vista: (...) d) a avaliação como parte integrante do processo de formação, que possibilita o diagnóstico de lacunas e a aferição dos resultados alcançados, consideradas as competências a serem constituídas e a identificação das mudanças de percurso eventualmente necessárias. (itálico dos autores do artigo)

Como se observa, a habilidade de avaliar há de ser desenvolvida na formação inicial do professor,

para que seja refletido este trabalho na sala de aula da Educação básica, onde ele atuará profissionalmente. Não se pode conceber um curso de formação de professores, portanto, nos dias de hoje, em que

não se trate a questão da avaliação. Não há como se pensar num curso de Letras em que não haja um espaço para a discussão e reflexão sobre a avaliação da leitura na formação inicial do professor de língua portuguesa. Para que isso se efetive na sala de aula, é preciso que o professor formador conheça a legislação sobre a formação inicial, para que sejam quebradas as estruturas engessadas que ainda se fazem presentes na Educação brasileira.

O professor formador há de considerar alguns aspectos quanto à avaliação no trabalho que

desenvolve com seus alunos. Entre eles, podem-se destacar os seguintes: reconhecer aspectos e critérios de avaliação, de acordo com os objetivos traçados; ressaltar a importância da avaliação na escola e como ela contribui na formação de um cidadão crítico; identificar os princípios que contribuem para uma avaliação competente; expor as modalidades de avaliação mais adequada com base nos objetivos pretendidos. Considerações Finais

Ao longo deste artigo, procuramos levantar algumas reflexões sobre a leitura e sua avaliação no curso de formação inicial do professor de língua portuguesa. Julgamos ser um tema muito importante, pois é nesse momento da graduação que o futuro professor desenvolverá suas habilidades para atuar na prática docente.

Pensar na leitura é pensar em uma prática social; pensar na avaliação é pensar em uma das

possíveis formas de intervir no processo de ensino-aprendizagem, a fim de que sejam atingidos os objetivos propostos pelos sujeitos nele envolvidos.

Não há como pensar na formação inicial do professor de língua portuguesa sem ser naquele em

que sejam desenvolvidas as habildades necessárias para realizar atividades de leitura competentes e sua devida avaliação.

Portanto, mais do que a legislação, o que realmente desenvolverá a habilidade de avaliação de

leitura do futuro professor é a atuação do professor formador nessa etapa de formação inicial. Parafraseando os PCN, o docente do curso de formação de professor precisa desenvolver o movimento de ação – reflexão – ação, a fim de formar um futuro docente que atue competentemente na sala de aula, junto a seus alunos, na prática da leitura. Referências: BOURDIEU, P. “Os três estados do capital cultural”. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (orgs.) Escritos de Educação. 3. ed., Petrópolis: Vozes, 2001. _____________. Os usos sociais da ciência - Por uma sociologia do campo científico. São Paulo, Ed. UNESP, 2003. ______________. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva, 1974. BRASIL, Parâmentos Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Brasilia, 1998. Parecer

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Página 128 de 176 CHARTIER, R. (org.) Práticas da leitura. Trad. Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. ____________________. Cultura escrita, literatura e história. Porto Alegre, RS, Artmed. 2001 CINTRA, A.M. & PASSARELLI, L. G. CONDEMARÍN, M. & MEDINA, A. Avaliação Autêntica – um meio para melhorar as competências em linguagem e comunicação. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2005. KLEIMAN, A. Texto e leitor – aspectos cognitivos da leitura. 2. ed. Campinas: Pontes, 1989. KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1998. LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1993. MUNICIO, P. Como realizar a avaliação contínua. Coimbra: Almedina, 1978. RIOS, T. A. Compreender e ensinar – por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez, 2001. SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6. ed. Trad. Claudia Schilling. Porto Alegre: Artmed, 1998. SILVA, E. T. A produção da leitura na escola – pesquisa x propostas. São Paulo: Ática, 1995. ________________. O Ato de Ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2005. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 129 de 176 A QUESTÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL NUMA COMUNIDADE DE PRÁTICA

COM REFLEXOS NA SALA DE AULA DE LÍNGUAS

Selma Maria Abdalla Dias Barbosa Professora Assistente da Universidade Federal do Tocantins

Doutoranda em Estudos Linguísticos UNESP: Resumo Este artigo é um recorte de um estudo mais amplo de doutoramento, o qual se sustenta na tese de um contínuo fluxo de (re)construção de identidades profissionais dentro de contextos presenciais e virtual. A partir da criação de uma Comunidade de Prática (Moodle) segundo os construtos de Wenger (2008), pretendemos analisar de forma crítica e colaborativa seus reflexos e influências nos discursos produzidos dentro e fora de sala de aula de língua estrangeira. Este estudo está embasado na metodologia da Análise de Discurso no estudo da linguagem. Palavras-chaves: identidade(s); comunidade de prática; discurso. Abstract This article is a piece of a larger study of doctorate, in which we support the continuous flow of (re)construction of professional identities in presence and virtual contexts. From the creation of a Community of Practice as argue Wenger (2008), we propose to analyze critically and collaboratively its reflexes and effects in discourses inside and outside foreign language classroom. This study is based in the Discourse Analyses methodology studying language. Keywords: identity; community of practice; discourse. Introdução

Nas duas últimas décadas, as pesquisas voltadas para a disciplina de Estágio Supervisionado e

Prática de Ensino nos cursos de Letras no Brasil vêm crescendo assustadoramente, como também é notável a crescente preocupação de todos os agentes envolvidos no processo: os graduandos (doravante professores em formação), os professores universitários (professores formadores) e os professores em atuação nas escolas campo, com tal disciplina, principalmente os professores em formação, pois quando chegam no 5º período do curso, que no contexto deste estudo, é quando eles têm contato pela primeira vez com a realidade das escolas campo, surgem vários questionamentos e desafios variados, como por exemplo: “O que fazer com todo conhecimento acadêmico adquirido quando temos que controlar uma sala de aula lotada e barulhenta?” “Como adaptar esse conhecimento ao contexto singular de cada sala de aula?” “Que abordagem, método ou estratégia escolher para dar uma aula com resultados satisfatórios?” “Como agir em situações inesperadas?” Ou até mesmo questionamentos mais peculiares: “Como me tornar professor do dia para a noite?” “Tenho que dar aula mesmo?” “Será que tenho dom ou aptidão para tal profissão?”

Por outro lado, as responsabilidades e inquietações do professor-formador também não são

poucas, e as mais freqüentes são: será que preparei meu alunado adequadamente para atuar na realidade do século XXI? Globalizada e altamente tecnologizada? Como melhor utilizar o vasto aporte tecnológico em prol de uma educação mais eficaz e ao mesmo tempo mais humana e subjetiva? Como adaptar a disciplina de Estágio Supervisionado a essas transformações? A partir dessas e várias outras inquietações que me motivaram a dar continuidade aos estudos realizados na área: “Desafios do Estágio Supervisionado numa Licenciatura Dupla: Flagrando Demandas e Conflitos” ( SILVA&BARBOSA, 2011), em que constatamos vários desafios internos e externos à prática pedagógica, dentre eles ressaltarei alguns mais pertinentes ao ensino e aprendizagem de língua estrangeira (doravante LE): a baixa competência comunicativa dos professores em formação, conflitos no tocante às contribuições teóricas e práticas da licenciatura para sua formação profissional, baixa auto-estima e insegurança gerando incertezas em relação à profissão. Para tais constatações, foram utilizados os relatos-reflexivos dos professores em formação como principal instrumento de investigação.

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Página 130 de 176 Os relatos-reflexivos são trabalhos realizados na disciplina de Estágio Supervisionado, nos quais

os professores em formação relatam suas histórias e experiências com e na docência de LE (Inglês) e compõem o banco de dados sobre o estágio supervisionado, arquivado no Centro Interdisciplinar de Memória dos Estágios das Licenciaturas – CIMES. Após analisar esses relatos de vidas dos professores em formação, verificamos a relevância do gênero narrativo e seu poder transformativo que, segundo Johnson & Golombek (2011), é o instrumento de pesquisa em potencial e propulsor de transformações das práticas pedagógicas, pois ao narrar e (re)contar estórias e experiências vividas em sala de aula, os professores em formação são capazes de (re)viver e (re)formular atitudes de forma crítica e reflexiva.

Apesar da notória relevância do gênero narrativo para a (re) construção das identidades

profissionais desses professores em formação, detectamos também algumas limitações geradas no emprego do gênero narrativo, dentre elas, ressaltamos a necessidade de discussões e apreensões dialógicas dos tópicos abordados nos relatos-reflexivos, haja vista que os relatos são entregues no final do semestre letivo para leitura, correções e avaliação do professor formador, e posteriormente são arquivados no CIMES. Com isso, raramente esses professores em formação se interessam em revisitar esses relatos para verificação das observações de seu interlocutor, excluindo assim, uma interação dialética e dialógica entre professor em formação, professor-formador e professor da escola campo.

Nesse intuito de haver mais interação entre os agentes responsáveis pela disciplina de estágio,

propomos a criação de uma Comunidade de Prática através da plataforma Moodle (na próxima seção explicarei mais detalhadamente como funciona e suas concepções teóricas), onde os professores em formação e professor-formador pudessem interagir com mais dinamicidade e informalmente sobre suas experiências vividas nas escolas campo e na universidade.

No que se refere à organização deste trabalho, este texto está dividido em quatro seções, a saber:

(i) Alguns Pressupostos Teóricos (ii) Identidade, Discurso e Comunidade de Prática – na qual abordarei pressupostos teóricos dos termos e como se inter-relacionam; (iii) A Comunidade de Prática e a (re)produção do discurso científico da sala de aula- analisando os dados, isto é, as falas dos interagentes na plataforma Moodle; e, finalmente a seção (iv) Considerações e encaminhamentos para estudos futuros. Alguns Pressupostos Teóricos:

Partindo do pressuposto de que o sujeito se revela em suas práticas discursivas (FOUCAULT

1969\1995 apud UYENO, 2003) e de que é no uso da linguagem, sobretudo, no exercício da escritura (DERRIDA, 1998) que as pessoas se constituem, se (re)constroem e projetam suas múltiplas identidades, me propus a analisar as interações e relatos reflexivos postados na plataforma Moodle por alunos graduandos de Letras de uma universidade federal do extremo norte do país. A Plataforma Moodle é também conhecida como um ambiente virtual de aprendizagem (Virtual Learning Environment –VLE), que se tornou amplamente conhecido no meio acadêmico por oferecer sítios e formas criativas de se ensinar e aprender, e pode ser instalado gratuitamente.

A criação desse curso na plataforma Moodle, como já mencionado anteriormente, teve como

objetivo propiciar um ambiente informal de discussões sobre tópicos teóricos e práticos vivenciados por eles na disciplina de Estágio Supervisionado de Língua Inglesa, estimulando uma aprendizagem crítico-reflexiva, engajadora e colaborativa, que em outras palavras se traduz como “Comunidade de Prática” (WENGER, 2008).

No entanto, a minha opção em analisar o discurso desses professores em formação inicial nessa

Comunidade de Prática (WENGER, 2008) é por estar diretamente relacionado às nossas indagações enquanto profissionais inseridos no complexo processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras, e uma dessas indagações que me proponho a analisar neste estudo segundo os construtos teóricos da Análise do Discurso de Linha Francesa (PÊCHEUX, 1988) é: como o cyber-espaço (moodle) e tempo (momento sócio-histórico) influenciaram nas suas significações e/ou interpretações quanto ao papel e identidades do sujeito-professor em formação? Para tentar responder esse e outros questionamentos que foram surgindo no decorrer da análise, lançaremos mão de um estudo interdisciplinar, ou seja, que perpassa outras áreas de conhecimento, como por exemplo, a Psicolingüística, a Sociologia, a Lingüística Aplicada e etc.

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Página 131 de 176 Dentre várias linhas e modos de se estudar a linguagem, preferimos por empregar neste estudo a

metodologia da Análise de Discurso, de linha francesa (doravante AD), que trata seu objeto como um fenômeno sócio histórico e dinâmico, ou, ainda, que nos possibilita observa o homem falando, fazendo sentido num tempo e espaço específico, como podemos observar nas palavras de Orlandi (2001):

Assim, a primeira coisa a se observar é que a Análise de Discurso não trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de significar, com homens falando, considerando a produção de sentidos enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos seja enquanto membros de uma determinada sociedade. (ORLANDI, 2001, p: 15 e 16)

Ainda dentro dessa perspectiva de estudo da linguagem, leva-se em consideração o sujeito em

suas práticas discursivas, sendo esse sujeito constituído ideologicamente e afetado pelos fatos históricos. Como podemos observar, a Análise do Discurso é uma disciplina de entremeio, que leva em consideração o sujeito afetado por suas condições históricas e ideológicas. É necessário dizer que a AD tem, como objeto, o discurso, o qual se apresenta como um fenômeno complexo e dinâmico, aqui entendido como efeitos de sentidos forjados na relação que se estabelece entre interlocutores. Para a AD, o discurso materializa no texto, que é nossa unidade básica de análise e, por isso, faz-se necessário fazermos um recorte do corpus a ser analisado, ou seja, procuraremos analisar sistematicamente as formações discursivas (PÊCHEUX, 1988) que, conforme sabemos, representam as formações ideológicas e, assim, é por nossos atentarmos ao modo como esses professores em formação na CP produzem sentidos que observamos as formações discursivas se desenhando e, então, como o sujeito se diz ao mesmo tempo em que enuncia (ORLANDI, 2001). No entanto, o paradigma de dinamicidade na construção de identidades profissionais na formação inicial de professores de LE, a partir do qual essas identidades são construídas num processo envolvente de cooperativismo entre os participantes de uma comunidade de prática (WENGER, 2008), contrapõe às visões tradicionais e estruturalistas de formação de professores em que se acredita que o conhecimento é transmitido de forma compartimentalizada pelos professores formadores da academia, e que os professores-aprendizes sabem como aplicar esse conhecimento em outro contexto distinto, ou seja, na prática (CLARKE, 2008). Mostrando assim, uma formação que preconiza e supervaloriza a teoria em relação à prática, sendo que ambas precisam sempre estar em níveis iguais de relevância e interagirem dialogicamente.

Dentro desse contexto tradicional de formação de professores, pressupõe-se que teorias e

elaboração de pesquisas são de exclusividade do meio universitário, enquanto que a prática se reduz exclusivamente às escolas de Ensino Básico, o que promove, assim, um contínuo ciclo vicioso de distanciamento da teoria/prática e universidade/escola (GIMENEZ, 2009, 2010). Além disso, podemos afirmar que esse contexto de formação inicial ou continuada é muito mais complexo do que se pensa (ABRAHÃO, 2008; ALMEIDA FILHO, 2002, 2005; GIL, 2008)

O propósito do presente artigo é proceder a uma reflexão sobre os construtos vigentes de

formação de professores de língua estrangeira existentes desde os anos 60 até a atualidade, em que estamos vivendo o pós-modernismo ou o pós-colonialismo como é chamada por outros. E, a partir desse novo contexto altamente tecnologizado e globalizado, no qual se demanda uma formação de professores capazes de atuarem ativamente e de forma autônoma sobre seu próprio conhecimento, propomos uma formação através de uma comunidade de prática (WENGER, 2008), na qual os participantes interagem através do meio midiático, e a partir de uma participação engajada e colaborativa dos participantes nessa comunidade de prática, proporcionará a (re)construção de seus discursos profissionais concomitantemente com a (re)construção de suas identidades profissionais.

Como podemos afirmar que discurso, identidade e comunidade de prática são indissociáveis

(WENGER, 2008; CLARKE, 2008; WENGER; RICHARD McDERMOTT & SNYDER, 2002), propomos a discutir, na próxima seção, a relação intrínseca entre esses termos e seu impacto na formação de professores de línguas.

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É sabido que o termo identidade é amplamente discutido entre o final do século XX e início do

século XXI, e que ele ainda suscite bastante interesse entre estudiosos de várias áreas, e principalmente da Linguística e da Linguística Aplicada (CORACINI, 2003; CLARKE, 2008; WENGER, 2008; MOITA LOPES, 2003, 2006; CORACINI & GRIGOLETTO, 2006; RAJAGOPALAN, 2003; LAVE &WENGER, 2009; SIGNORINI, 2006; HALL, 2005a, 2005b dentre outros). Por outro lado, podemos constatar que ainda não há um consenso sobre sua (re)definição e suas reais implicações no contexto da educação e na construção do conhecimento, ou mais especificamente, na formação de professores de LE/L2.

Para tanto, nesta seção, me proponho a discutir sobre as implicações do termo identidade na

formação inicial de professores de LE e sua intrínseca relação com discurso/linguagem e comunidade de prática. Essa relação nos proporciona um terreno fértil para discussão sobre a determinação e (re)construção das identidades profissionais desses professores em formação inicial à partir das construções enunciativas postadas na Comunidade de Prática (doravante CoP), as quais estão interligadas ao discurso do “saber científico” (CORACINI, 2003) preponderante na sala de aula de língua materna ou estrangeira.

Primeiramente, quando nos referimos ao termo identidade neste artigo, estamos nos embasando

no construto teórico de uma identidade multifacetada e fragmentada (MOITA LOPES, 2002, 2003, 2006; MOITA LOPES E BASTOS, 2002, CORACINI, 2003) do homem pós-moderno. Em outros termos, seria dizer que estamos amparados pelo paradigma das “diferenças” (SILVA, 2005), no qual o sujeito “EU” está representando várias identidades, dependendo do contexto histórico, social, cultural, político e etc. em que esteja atuando. Por exemplo, uma professora de Língua Inglesa pode ser ao mesmo tempo, mãe, esposa, escritora, poeta, religiosa, membro de um partido político e etc., em oposição a um “OUTRO” (professor, advogado, arquiteto, doutor, e etc.)

Entretanto, quando nós afirmamos que somos uma “pessoa” diferente da “outra”, estamos a

dizer que por existir as identidades dos outros, que as nossas existem, e que entre “nós” e os “outros” há subjetividades que às vezes podem ser semelhantes ou contraditórias, mas que se constituem mutuamente através das interações sociointeracionais de Vygotsky (1979, 1981, 1998, 2003a, 2003b) e do princípio dialógico bakhtiniano. Figueredo (2007) reafirma essa questão salientando o seguinte:

Nossas identidades sociais nos representam e revelam tudo aquilo que somos, acreditamos e fazemos. Sua construção se dá por meio da linguagem, do simbólico e, sobretudo, de nossas praticas discursivas, isto é, pelo modo como produzimos nosso discurso em relação ao “outro” e como ele nos influencia pelo seu próprio. Tendo em vista que os participantes do discurso o constrói através de suas ações sociais, produzindo e negociando sentidos, as identidades são ininterruptamente formadas pela dependência de circunstâncias históricas e culturais. (FIGUEREDO, 2007, P. 65)

Como podemos observar nos apontamentos de Figueredo, (2007), ao dizermos que as identidades

constroem e são construídas através da linguagem (que neste estudo preferimos pelo termo discurso), estamos a afirmar que discurso é indissociável de identidade (CLARKE, 2008), ou ainda, que a (re)construção das identidades se dá, primordialmente, através de nossas práticas discursivas, do que representamos socialmente, do que acreditamos ser para nós mesmos e para os outros (FIGUEREDO, 2007). Conseqüentemente, nossas identidades são (re)construídas de forma dinâmica, a partir de nossas representações e interações em determinado contexto social. Como exemplo, podemos citar a relação aluno/professor em sala de aula, onde o sujeito-aluno é subordinado pelo papel do professor com maior autoridade (CORACINI, 2003), mas em outro contexto social, essas representações de poder podem ser trocadas, pois esse mesmo aluno, agora “sujeito-guarda” de trânsito pode exercer sua autoridade sobre esse mesmo professor, multando-o por infracionar uma lei de trânsito.

Com isso, podemos afirmar que passamos por várias faces/identidades fragmentadas no

desenrolar de nossas vidas, como também, ressaltar a dinamicidade, instabilidade e/ou fluidez do processo de representações figurativas, simbólicas e significantes de nossas identidades. Agora, se levarmos toda

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Página 133 de 176 essa discussão de noção de identidade e discurso para o contexto de formação de professores de LE/L2 que é o foco a ser abordado nesse artigo, podemos antecipar que a complexidade do processo se acentua, devido à amplitude e pluralidade de sentidos que subjazem os termos acima explorados, e, mais ainda quando colocados em uma perspectiva de interdependência, ou inseparabilidade. Ou seja, essa complexidade pode ser representada através da interação dialógica do formador e do formando, que muitas vezes pode ser conflituosa, mostrando um embate contínuo de vozes no intuito de (re)conhecer o “EU” e o “OUTRO”, e (re)construir temporariamente as identidades em jogo.

E, quando falamos de formação inicial de professores de LE, podemos dizer que o processo se

torna, muitas vezes, um pouco mais complexo e conflituoso, haja vista que a ferramenta de trabalho desses professores é a língua do “outro”, a cultura do outro, isto é, o “outro” representado pela língua- cultura estrangeira (FIGUEREDO, 2007) em contraste e/ou conflito com a língua-cultura materna do “eu”. Segundo Rajagopalan (2003) esse embate conflituoso das diferenças de idéias, ideologias, crenças e outros, na sala de aula de LE, torna-se essencial na (re)construção das identidades, tanto do formador, quanto dos professores-aprendizes.

É certo que essas diferenças presentes nas práticas discursivas no contexto acadêmico aparecem,

muitas vezes, carregada de tensão (PAIVA, 2009; PÊCHEUX, 1997) e conflito de culturas, que se revelam de várias formas, a saber: aculturamento, desejo consciente e/ou inconsciente de ser o “outro” (falante nativo da língua-alvo), poder/imperialismo, discursos políticos, ideologias, rejeição ao outro simbolizado no “colonizador” pós-moderno, e outras tantas formas que promovem uma arena fértil e frutífera de discussões propulsoras de formação identitária.

E, dentro desse jogo discursivo, o professor-formador precisa, mais do que nunca, estar atento a

esses embates, os quais são essenciais para o processo de (re)construção desses discursos identitários, como Clarke (2008) reafirma essa questão, salientando que discurso e identidade são indissociáveis, e que a comunidade de prática seria a ponte que liga essas duas vertentes. Como já mencionamos anteriormente, a comunidade de prática a que mencionamos se refere à noção de Wenger( 2002, 2008), ou seja, um lugar comum pra se discutir sobre novos conhecimentos e ideias, as quais são de interesse comum de um grupo de pessoas, como também, um lugar para compartilhar problemas, experiências, preocupações ou uma paixão por certo tópico. Contudo, a partir dessas discussões participativas e colaborativas em que essa comunidade se encontra engajada por certo período de tempo, promoverá novo fraga momentâneo de identidades sociais, culturais e profissionais construídas e redefinidas.

Wenger (2008) nos sugere o meio midiático como um novo ambiente acolhedor dessas

comunidades de prática, como por exemplo, as plataformas Moodle, Blogs, emails, wikis, orkuts e etc. Neste sentido, o autor supracitado nos aponta que a formação dessas comunidades de prática também “é uma forma de negociação de identidades” (p.149).

Ainda nas palavras do autor, esse paralelo de identidade e comunidade de prática, “constitui um

nível de análise que apresenta identidade e prática como imagens de espelho”. Em outras palavras, Wenger (2008) nos apresenta identidade e práticas sociais como parte do mesmo processo, as nossas experiências de identidade na prática como uma forma de ser no mundo. Além disso, ela nos acrescenta que linguagem/discurso não é tudo na construção das identidades, como podemos constatar no trecho abaixo:

Nós freqüentemente pensamos sobre nossas identidades como imagens de espelho porque falamos e pensamos sobre nós mesmos e sobre os outros em palavras. Estas palavras são importantes, sem dúvidas, mas elas não são tudo, como as experiências de vida, envolvimento na prática. (...) quem somos recai no modo como vivemos dia a dia, e não somente no que pensamos ou dizemos sobre nós mesmos, entretanto, isto é parte (mas somente parte) da forma como vivemos. ( p.151) tradução minha.

Entretanto, em consonância aos apontamentos do autor, a comunidade de prática assume o

mesmo nível de importância que o discurso/linguagem na (re)construção de identidades, em outras palavras, seria dizer que nossas ações no mundo também nos identificam ou nos relata quem somos. Na

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Página 134 de 176 próxima seção iremos analisar as formações discursivas desses professores em formação inicial, na comunidade de prática. A Comunidade de Prática e a (Re)produção do Discurso Científico da Sala de Aula

Pressupõe-se que os sujeitos do discurso de sala de aula- professor e alunos- se constituem na heterogeneidade, isto é, resultam de uma pluralidade de vozes que se cruzam em consonância ou em dissonância.” (CORACINI, 2003. p. 319)

Segundo Coracini (2003), a construção discursiva dominante na ciência desde a antiguidade até os

dias atuais é o de “objetividade que lhe confere confiabilidade inquestionável”, em outras palavras, é a separação do objeto a ser analisado do seu contexto histórico e social em função de uma ilusória homogeneidade da análise científica, ao extrair o sujeito e\ou subjetividade do objeto, pode-se aplicar métodos cientificamente comprováveis. Dentro desta perspectiva de incompletude e subjetividade que constitui sujeito e língua(gem), iremos analisar as interações discursivas (re)produzidas na Comunidade de Prática, as quais, concomitantemente, refletiram as discussões produzidas em sala de aula, na disciplina de Estágio Supervisionado de Língua Inglesa, ou seja, o discurso científico, que segundo a autora, tanto o professor como os alunos assumem “uma suposta postura de isenção diante do saber”, que em outras palavras, seria uma fictícia neutralidade desses agentes (professor-alunos) em suas práticas discursivas, como podemos perceber nos segmentos seguintes:

S1---Rosana: Assim, diante fato mencionado, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira

(PCN) nos orientam no sentido de priorizarmos o desenvolvimento da habilidade de leitura no aluno, dessa forma o óbvio seria uma abordagem que propiciasse esse objetivo.

S2----Alessandra: Quando li o texto “TENSÕES” onde a autora cita as competências de acordo com

ALMEIDA FILHO (2007) no texto há 5 delas, mas a q me veio lembrar de vc foi a competência profissional, pois segundo ele “ancora-se no sentido de responsabilidade, no sentido de valia q o professor tem de si mesmo, no q representa ser professor, nos deveres do professor, na responsabilidade social que ele tem, na responsabilidade consigo mesmo.” E é isto q eu vejo em vc....pois muitos sai do curso de letras sendo professores, mas competências e responsabilidade não é para todos.

Como podemos observar nos dois segmentos acima, os alunos reproduzem o discurso científico

produzido nos textos acadêmicos com pouca ou quase nenhuma reflexão crítica, como se os autores dos textos lidos (PCNs e Tensões) estivessem divulgando verdades inquestionáveis, e, conseqüentemente, eles se colocam como porta-vozes ou mero reprodutores dessas teorias. Por outro lado, a Comunidade de Prática foi criada com o intuito de ser um ambiente informal, no qual eles poderiam debater assuntos de relevância comum, dialogicamente, e, por conseguinte, a partir de várias vozes em consonância ou conflitante, conseguissem (re)produzir novos conhecimentos de forma crítica e conscientizadora (FREIRE, 1987, 1996). No entanto, convergentemente, nos dois segmentos (S1 e S2) percebemos o freqüente uso de asserções, impessoalidades diante das frases assertivas ou ainda isenção diante do saber, como prova disso, observamos citações de autores e suas teorias (ALMEIDA FILHO, 2997\há 5 competências) e menção aos textos lidos (Tensões e PCNs).

Observa-se ainda em S1, a aluna Rosana, após citar os PCNs e uma de suas orientações ao ensino

de língua estrangeira (priorizar a habilidade de leitura em sala de aula de LE), conclui de forma simplificadora e inocente, que o “óbvio seria uma abordagem que propiciasse esse objetivo” – sendo que o uso do adjetivo óbvio para expressar algo que está claro\evidente e do verbo “ser” no futuro do pretérito, indicando a arbitrariedade ou ao avesso do que é dito, isto é, o não-dito ou aquilo que é “subsidiário ao dito” (ORLANDI, 2001) ou ainda o complemento, que neste caso seria: as abordagens empregadas no ensino de LE nas escolas públicas não priorizam a habilidade de leitura como orienta os autores dos PCNs de língua estrangeira, ao contrário, prioriza a fala (speaking), a qual é objetivo primordial da Abordagem Comunicativa, que surgiu no início dos anos 80 como proposta pós-estruturalista de ensino\aprendizagem de língua estrangeira.

Observemos outro exemplo extraído da Comunidade de Prática (Moodle):

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Página 135 de 176 S3---Fabrício: O importante é que o professor tenha ciência de tudo que faz na sala de aula. O educador deve

sempre fazer uma análise da sua postura diante da sala de aula, sempre na tentativa de saber se o método, a abordagem e as estratégias estão funcionando.

No segmento acima (S3), é muito freqüente o uso de modais do tipo deônticos ou pragmáticos

como: “o educador deve”, “O importante é”,“que o professor tenha”, apresentando o sujeito “ele” o sujeito-professor, o educador como dêiticos da língua (BENVENISTE, 1989). É interessante notar a presença da memória discursiva no enunciado de Fabrício, que são dizeres que se entrecruzam para formar o “EU” que se completa no “OUTRO”, em outras palavras, Fabrício assume a posição de sujeito-professor falando por ele em contraste à sua outra face identitária, o Fabrício sujeito-aluno de Letras vivenciada em outro momento na sala de aula, na Disciplina de Estágio supervisionado de Língua Inglesa. No entanto, ele assume dizeres que já foram ditos anteriormente (presença do interdiscurso) e por meio do esquecimento, assume como verdades ditas por ele, naquele momento de interação social: “O Educador deve sempre fazer uma análise de sua postura” ou “que o professor tenha ciência de tudo que faz na sala de aula”.

Vale ainda ressaltar o uso do advérbio sempre no S3 que evidencia a inquestionabilidade do saber

científico, ou ainda, o desejo de Fabrício de ser fiel às informações acadêmico-científicas estudadas na sala de aula. No entanto, mais uma vez o discurso científico perpassa as falas dos interagentes na Comunidade de Prática (cyber-espaço), as quais são reflexos emitidos dos espelhos da sala de aula, isto é, do discurso pedagógico.

Entretanto, a partir dessas análises e reflexões, na seção seguinte, tentaremos responder a questão

que norteou este estudo, a saber: como o cyber-espaço (moodle) e tempo (momento sócio histórico) influenciaram nas suas significações e\ou interpretações quanto ao papel e identidades do sujeito-professor em formação? Conclusões e Encaminhamentos

Ao final dessas reflexões que partiram de três pressupostos básicos: 1) que o sujeito se revela em suas práticas discursivas e de que é no uso da linguagem que as pessoas se constituem, se (re)constroem e projetam suas múltiplas identidades; 2) sendo essas identidades multifacetadas, provisórias e que se (re)constitui nas diferenças entre o “EU” e o “OUTRO”, ou seja, da imagem que tenho do “eu” diferente do “outro” , ou ainda de imagens que outros constroem, numa relação de incompletude; 3) e que discurso\linguagem e ação social são imprescindíveis na (re)construção de identidades, podemos concluir à guisa da metodologia de estudos da Análise do Discurso, que apesar de tentarmos introduzir o meio midiático (Moodle) como um aporte inovador no processo de ensino\aprendizagem de língua estrangeira, continua a predominância de divulgação do discurso científico-acadêmico (CORACINI, 2003) arraigado no inconsciente dos agentes interacionais, mesmo em contextos informais, como podemos observar na Comunidade de Prática analisada.

Entretanto, apesar da CoP ser criada no intuito de corroborar para uma aprendizagem reflexiva,

informal e colaborativa, houve poucos momentos de reflexão crítica dos temas-teóricos abordados nos fóruns de debates, por outro lado, observamos vários momentos de suporte afetivo, compartilhamento de angústias e frustações vivenciadas nas aulas práticas e no percurso do Curso de Letras. Observamos, ainda, que um número razoável de interagentes na CoP não conseguiram assimilar ou até mesmo aproximar a teoria discutida em sala de aula e nos fóruns com o real contexto de ensino\aprendizagem de línguas, ou seja, a sala de aula.

Podemos afirmar que, uma das razões da reprodução do discurso científico da sala de aula na

Comunidade de Prática, atribui-se ao desejo do aluno de ser fiel ao discurso acadêmico, como também pela participação do professor-formador, muitas vezes de forma onisciente, representando sua posição de poder em relação ao aluno, isto é, de avaliador das formações discursivas produzidas naquele momento sócio histórico específico, em que os professores em formação inicial representam de forma submissa o papel de aluno consumidor de saberes.

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Página 136 de 176 Ainda podemos afirmar que, outra razão da reprodução do discurso científico na CoP seria a forte

influência da objetividade inquestionável e irrefutável dos resultados de pesquisas científicas divulgadas no meio acadêmico, os quais se apresentam impregnados no inconsciente dos sujeitos agentes de sala de aula: professor e alunos, que muitas vezes, possuem o mero papel de divulgadores desses resultados.

Concluímos, no entanto, que apesar das grandes mudanças tecnológicas pós-modernas do século

XXI, o discurso científico de várias décadas passadas, ainda continua predominante e arraigado nas concepções teóricas e ações\atitudes dos agentes discursivos em sala de aula e fora dela. Entretanto, sabemos que esse mapeamento das significações e\ou interpretações quanto ao papel e identidades do sujeito-professor em formação são momentaneamente correlacionados ao contexto histórico e social dos mesmos, haja vista uma contínua (trans)formação desses aspectos, como também da necessidade de mais estudos nessa área, os quais possam contribuir para a teorização da identidade do professor de línguas. Referências Bibliográficas ALMEIDA FILHO, J. C. P. de. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. Campinas, São Paulo: Pontes, 2002. _______. Lingüística Aplicada, ensino de línguas e comunicação. Campinas, São Paulo: Pontes Editores e ArteLíngua, 2005. BARBOSA, S. M. A. D. Perfis Variados de Competência Comunicativa de Professores de LE (Inglês) e seu Impacto no Ensino e aprendizagem de Línguas. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada ao Ensino de LE/L2) – Universidade de Brasília, Brasília, 2007. BAKHTIN, M. M. The dialogic imagination: four essays. Austin: University of Texas Press, 1981. BENVENISTE, E. O Aparelho Formal da Enunciação. In: Problemas de linguística geral II. Campinas: Pontes, 1989. CORACINI, M. J. R. F. Língua estrangeira e língua materna: uma questão de sujeito e identidade. In: CORACINI, M. J. R. F. (Org.). Identidade e discurso: (des)construindo subjetividades. Campinas: Editora da Unicamp, 2003. p. 139-159. CLARKE, M. Language Teacher Identities: co-constructing Discourse and Community. Clevedon: MultilingualMatters, 2008. FIGUEIREDO, C. J. Construindo Pontes: A produção Oral Dialógica Dos Participantes Do Processo Ensino-Aprendizagem De Inglês Como Língua-Cultura Estrangeira. Tese (Doutorado em Letras: Estudos Lingüísticos) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2007. P. 63-68 FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. _______. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Editora Olho d‟ Água, 1993. _______. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GUIMARÃES, E.. Enunciação e Acontecimento. In: Semântica do Acontecimento: um estudo enunciativo da designação. Campinas, SP: Pontes, 2002, p. 11-31 . GIMENEZ, T.; CORREA, L. N. Poder e assimetria no desenvolvimento profissional de formadores de professores de inglês. Anais do II CLAFPL. Rio de Janeiro, 2009. GIMENEZ, T. A formação de professores de línguas estrangeiras nos programas governamentais: integrando universidade e escola em comunidades de aprendizagem. In GIL, G.; VIEIRA-ABRAHÃO, M.H. (org.). Educação de Professores de Línguas: os desafios do formador. Campinas: Pontes, 2008. GRIGOLETTO, M. Representação, identidade e aprendizagem de língua estrangeira. In: CORACINI, M. J. (Org.). Identidade e discurso: (des)construindo subjetividades. Campinas: Unicamp, 2003. p. 223-235. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005a. _______. Quem precisa de identidade? In: SILVA, T. T. da. (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Editora Vozes, 2005b. p. 103-133. LAVE,J;WENGER, E. Situated Learning Legitimate Peripheral Participation. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. MOODLE: http://www.moodle.ibilce.unesp.br/

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Página 139 de 176 O ESTÁGIO COMO PESQUISA E A PESQUISA COMO ESTÁGIO:

SUPERANDO A DICOTOMIA ENTRE TEORIA E PRÁTICA

Severina Alves de Almeida68 Lídia da Cruz C. Ribeiro69 Jeane Alves de Almeida70

Joseilson Alves Paiva71 Resumo Um dos mais sérios desafios enfrentados pelas instituições formadoras de professores para atuação na educação Infantil diz respeito a mecanismos que favoreçam a inserção dos alunos graduandos junto às escolas para exercitarem a prática docente. Afinal, a transposição da teoria para a prática na formação inicial de professores tem mobilizado as universidades no sentido de fazer com que a prática do estágio transcorra satisfatoriamente, tanto para o estagiário, quanto para a escola que o recebe em suas dependências para concluír sua formação. Sendo assim, este artigo traz o resultado de uma atividade de Estágio Supervisionado a partir da execução de um projeto de pesquisa, quando relatamos nossa experiência numa Escola de Educação Infantil com uma turma do Jardim II. Os resultados demonstram que trabalhar num regime de parceria envolvendo a universidade, a escola e as famílias, pode transformar o estágio supervisionado numa atividade bastante significativa com resultados expressivos para todos que se envolvem no processo. Palavras chave: Educação Infantil; Formação Inicial de Professores; Estágio. Abstract One of the most serious challenges faced by teacher training institutions to work in the Children's education relates to mechanisms that promote the inclusion of graduate students in the schools for teaching practice exercise. After all, the implementation of theory to practice in initial teacher education has challenged the universities to make the practice of stage elapse satisfactorily for both the intern and for the school that gets in its dependencies to complete their training. Therefore, this article presents the result of an activity from the Supervised implementation of a research project, when we report our experience in a Preschool classroom with a Garden II. The results show that working on a partnership basis involving the university, the school and families, can transform the supervised internship in a very significant activity with significant results for all who engage in the process. Keywords: kindergarten; Initial Teacher Training, Internship. Introdução

O momento atual nos convida para refletir sobre uma realidade onde tudo converge para o

utilitarismo quando, sob a ideologia do projeto neoliberal, as sociedades em todos os seus segmentos, buscam mecanismos de adaptação e/ou assimilação dos impactos promovidos pela globalização que, muito embora esteja vinculada aos aspectos econômicos, não se restringe a estes. Antes, encontra-se presente em todas as instâncias sociais, sendo a educação um dos campos mais vulneráveis à sua atuação. Por conseguinte, com os avanços tecnológicos e a Rede Mundial de Computadores – Internet – sua incidência se propaga encurtando distâncias e permitindo que tudo aconteça em tempo real e de modo sincronizado em todos os recantos do planeta.

Com efeito, esse trabalho tem como objetivo sistematizar, em forma de artigo, a experiência de

trabalhar o estágio supervisionado por meio de um projeto de pesquisa numa turma do Jardim II de uma Escola de Educação Infantil na cidade de Tocantinópolis, Estado do Tocantins. Concomitantemente, discutimos a importância de se promover essa prática pedagógica na formação inicial dos professores da

68 Pedagoga e Doutoranda do PPGL - Programa de Pós Graduação em Linguística da UnB – Universidade de Brasília. e-mail:[email protected]. 69 Professora da UEG – Universidade Estadual de Goiás. e-mail:[email protected]. 70 Professora Adjunta da UFT – Universidade Federal do Tocantins. e-mail:[email protected]. 71 Professor Adjunto da UFT – Universidade Federal do Tocantins.

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Página 140 de 176 Educação Infantil, apresentado suas vicissitudes e anseios, sinalizando para o fato de que, mesmo diante dos desafios com os quais nos deparamos, os resultados podem ser compensadores.

A metodologia utilizada para executarmos nosso estágio foi a elaboração de um projeto de

pesquisa fundamentado nas teorias de Jean Piaget, mediatizado pelo trabalho de Constance Kamii e Georgia Declark (1991), abordando questões relevantes no tocante à alfabetização através dos números, o que implica dizer que encontramos em suas propostas de caráter sócio-interacionista os subsídios necessários para a realização de uma atividade didático-pedagógica com resultados bastante expressivos.

O estágio se realizou em dois momentos que se interrelacionaram de forma sistêmica.

Inicialmente foi realizado um período de observação junto à classe nos meses de maio e junho de 2008 e, na medida em que eram diagnosticados impasses na relação pedagógica da professora com seus alunos, íamos identificando pontos salientes para uma possível intervenção. Em seguida, nos meses de setembro a novembro do mesmo ano, colocamos em prática o projeto de pesquisa idealizado conforme as necessidades da classe em estudo. Tudo sustentado pelos resultados alcançados pelas pesquisadoras Kamii e Declark (1991) que, ao comprovarem as teorias piagetianas de eficácia da alfabetização através dos números, em trabalho com crianças de diferentes países, nos possibilitaram a experiência de trabalharmos, respeitando as peculiaridades das crianças envolvidas, uma proposta inovadora em termos de estágio supervisionado no curso de pedagogia do Campus da UFT – Universidade Federal do Tocantins – Campus de Tocantinópolis. A Construção do Conhecimento na sala de aula

A prática da pesquisa pedagógica qualquer que seja sua abordagem, se qualitativa ou quantitativa, bibliográfica ou de campo, tem importância vital na qualidade da formação do/a professor/a e reflexo imediato no nível de aprendizagem do/a aluno/a. Lizere Maciel, Eliana Silva e Sirlei Bueno (2002), alertam para a necessidade de que o futuro professor esteja preparado para se posicionar e atuar diante das reais carências da educação brasileira atual, ou seja, que a prática de ensino e o estágio supervisionado façam parte do seu currículo, pois através de observação e análises da prática na sala de aula, vivenciando o cotidiano de alunos/as e professores/as, sua formação se tornará mais consistente. É através do estágio supervisionado que o futuro professor tem oportunidade de manter um primeiro contato com a prática escolar na qualidade de educador. Daí a importância desse tipo de pesquisa, pois ela o credenciará a iniciar seu ofício alicerçado em uma formação educacional adequada, que lhe condicione articular a teoria adquirida na sua graduação com a prática exercida na sala de aula.

No tocante à formação acadêmica do futuro professor, Marli André (1994) e Georgina Ramalho

(1998) enfatizam a importância da pesquisa como elemento fomentador e formador do profissional da educação. Para essas autoras, a pesquisa viabiliza a aquisição de conhecimentos, articulando teoria e prática no trabalho desenvolvido pelo docente, cujos resultados visam a auxiliar a ruptura com o modelo vigente, o qual está cada vez mais repetitivo.

Com efeito, a importância de se trabalhar com pesquisa no período que compõe a parte prática da

formação docente, ou seja, no estágio supervisionado, é algo que precisa ser incorporado às práticas curriculares dos cursos de preparação para o magistério, o que possibilitará uma oportunidade para que se estabeleça um diálogo entre as partes envolvidas, neste caso, as instituições formadoras e as escolas, sendo que estas últimas disponibilizam suas dependências como verdadeiros laboratórios experimentais abertos aos estagiários.

Não obstante trabalhar com o estágio em forma de pesquisa, este poderá render ao formando e

futuro professor uma oportunidade para delimitar a temática a ser abordada em seu TCC - Trabalho de Conclusão de Curso - o que se configura sempre como um problema a mais para aqueles que não tiveram experiência anterior em pesquisa. Segundo Selma Garrido Pimenta & Maria Socorro Lucena Lima (2004) podemos realizar o estágio através da pesquisa e que este, ao ser sistematizado em forma de projeto, configura-se como uma estratégia, uma possibilidade, um método capaz de desenvolver competências que irão auxiliar na dinamização das relações entre os professores das escolas e os estagiários, o que será corroborado a seguir.

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Página 141 de 176 O Estágio como Pesquisa e a Pesquisa como Estágio: Relato de uma experiência.

Ao sermos encaminhados a uma Escola de Educação Infantil para realizar as atividades práticas exigidas para a habilitação em docência na Educação Infantil buscamos, junto ao corpo diretivo da instituição, numa conversa em forma de entrevista, saber quais seriam suas expectativas em relação ao nosso trabalho. A recepção não foi das melhores, pois segundo a diretora, todos os estagiários que lá estiveram só atrapalharam o andamento das atividades previamente planejadas. Foi então que apresentamos uma proposta de trabalho diferente, ou seja, executaríamos um projeto de pesquisa baseado nas teorias sócioconstrutivistas de Jean Piaget, mais precisamente abordando a alfabetização através dos números como fundamento de nossa prática.

Sendo assim a diretora em diálogo com as professoras escolheu a turma “Jardim II” do período

vespertino o que, segundo a professora da turma, se deu por ser essa uma classe onde as relações pedagógicas encontravam-se bastante comprometidas devido à hiperatividade da maioria das crianças, uma vez que participamos à escola que nosso objetivo era elaborar e executar um projeto de pesquisa que contemplasse as implicações das teorias de Piaget, a partir dos resultados alcançados pelas pesquisadoras Kamii e Declark (1991), que estabelecem a autonomia como fundamento da educação também das crianças em sua primeira infância, atuando principalmente na questão da disciplina.

As atividades na escola deram-se ainda no primeiro semestre de 2008 quando nos instalamos na

classe da professora Mariana composta por 15 crianças com idade entre quatro e cinco anos para observar a dinâmica de suas aulas e sistematizar os objetivos do projeto, considerando sempre a especificidade de cada criança em particular. No segundo semestre, após um estudo mais detalhado do livro “Reinventando a Aritmética: Implicações das teorias de Piaget”, de Kamii e Declark (1991), produzimos um projeto de pesquisa intitulado “Alfabetização Matemática: atividades e princípios pedagógicos numa abordagem piagetiana”, e executamos conforme um cronograma previamente estabelecido. Objetivos da pesquisa

O objetivo geral foi fazer uma abordagem da educação matemática no que diz respeito à

alfabetização através dos números com atividades que estimulam o raciocínio, priorizando aspectos vividos diariamente pelas crianças, focalizando a importância desse procedimento para que se alfabetizem também matematicamente as crianças em sua primeira infância, para que elas avancem em sua escolarização sem traumas em relação à matemática e autônomas em suas convicções. Especificamente buscamos: Desenvolver atividades de alfabetização através dos números; Estimular as crianças para que, por meio de atividades matemáticas, pudessem desenvolver um raciocínio lógico; Trabalhar com essas crianças mecanismos que as levassem a interagir com outras crianças de forma que a socialização acontecesse na sala de aula e também fora dela; Promover situações visando à construção de um ambiente sócio-afetivo na/da classe, criando mecanismos para que as crianças apreendessem os assuntos que são relevantes para elas; Criar situações que levassem as crianças a agirem com autonomia no seu cotidiano, tanto na escola como nas relações sociais e familiares; Enfatizar a importância das experiências sensoriais das crianças, (não desprezando o raciocínio lógico); Trabalhar durante as aulas atividades baseadas em situações que envolvessem a matemática como prática social integrante do cotidiano de alunos/as. Metodologia

Inicialmente procuramos observar os procedimentos usuais da sala de aula e evidenciar que eles

não têm contemplado, em grande parte, a capacidade de pensar própria da criança, nem seus interesses e/ou motivações, com reflexos negativos na sua aprendizagem. Simultaneamente, fizemos uma intervenção direta com esses alunos utilizando princípios pedagógicos que foram praticados nos estudos das pesquisadoras Kamii e Declark (1991), além de outros dispositivos que, no transcorrer das atividades foram se tornando necessários e assim incorporados à prática. Nesse sentido, o trabalho se realizou com atividades envolvendo números, contemplando situações cotidianas e buscando desenvolver nas crianças

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Página 142 de 176 aptidões e interesses pela atividade escolar, pois ao realizarem algo que é importante para suas vidas elas se envolvem tanto intelectual quanto afetivamente, o que favorece a aprendizagem em todos os sentidos.

Dessa forma nos inserimos na escola e em parceria com a professora, todas as Segundas Feiras,

nos reuníamos para planejamento das atividades sempre de acordo com o projeto. Como nossa proposta era trabalhar segundo as implicações das teorias de Piaget, nem sempre o que planejávamos era seguido conforme estava no papel, de sorte que muitas vezes modificamos nossa estratégia para que atingíssemos nossos objetivos. A seguir descrevemos algumas das atividades por ordem cronológica.

Dia 29 de setembro de 2008. Ao planejarmos as atividades das aulas da semana resolvemos que

seria pertinente envolver as crianças numa dinâmica que abordasse algo que estava deixando todos em frenesi: as eleições municipais. Foi então que, baseados numa experiência relatada por Kamii e Declark (1991:173), decidimos simular uma eleição, não para prefeito, mas para um “presidente” da classe.

Dia 30 de setembro de 2008. Neste dia trabalhamos atividades com música e jogos de socialização

e consultamos as crianças quanto à possibilidade de elegermos um presidente para a classe, o que foi recebido por elas como uma festa e foram compostas as chapas, de um lado Valdonêz e João Victor e do outro, Rodrigo Augusto e Maria Vitória. Esse momento foi bastante proveitoso, pois pudemos trabalhar de forma interativa adição e subtração desde que todos votaram em todos, e no final as crianças mesmas fizeram as contas para saber quem eram os vencedores. O raciocínio lógico também foi alvo dessa atividade.

Dia 01 de outubro de 2008 – Conforme enunciado, tendo em vista as proximidades das eleições

municipais, resolvemos trabalhar a cidadania por meio do voto, explicando a necessidade de se escolher os representantes, resultando numa atividade muito proveitosa. Para tanto, foram elaborados títulos de eleitor para cada criança bem como uma carteira de identidade, pois para votar, precisamos nos identificar para não haver fraude. Ao final foram escolhidos Rodrigo Augusto e Maria Vitória para presidente e vice respectivamente, os quais representavam a chapa 1. Todos levaram seus documentos para casa com muito “orgulho” e, segundo relato de alguns pais, com entusiasmo as crianças falaram do que fizeram naquele dia na escola. Essa atividade foi muito relevante porque trabalhamos noções de cidadania, principalmente em relação ao exercício de alguns direitos, além de mostrar-lhes que na vida existem momentos em que perdemos e que precisamos lidar com isso, além das rotineiras operações matemáticas, de adição e subtração.

Dia 08 de outubro de 2008. Neste dia foram desenvolvidas atividades com música, sendo que os

conteúdos das músicas continham números e figuras que representavam números. Foram confeccionados cartazes sobre o que cada música anunciava e as crianças desenharam o que entenderam. Nesta atividade percebemos que, trabalhando essa dinâmica era favorecido o espírito de equipe, pois cada criança precisava de outra para concluir sua tarefa. Tal atividade exercitou também a coordenação motora exigida ao formular os desenhos.

Dia 14 de outubro de 2008. Aqui foi trabalhado com a classe alfabetização matemática por meio

dos números em um relógio, o qual foi confeccionado numa atividade coletiva, com ênfase aos horários que fazem parte do dia-a-dia, como é o caso da hora de levantar, do almoço, ir à escola, voltar para casa, comer, dormir, escovar os dentes, etc. Neste tipo de atividade foi possível observar que quando as atividades fazem parte da vida da criança ela corresponde de maneira satisfatória. Todos se sentiram bastante animados e corresponderam desenvolvendo as tarefas sempre com entusiasmo.

Dia 21 de outubro de 2008. Foi trabalhado adição e subtração. Através de pinturas e alguns jogos

foi possível despertar nas crianças o espírito de equipe, a noção de alteridade e ética, desde que tivemos jogos em que elas precisavam agir com o coleguinha sem “trapaça”, mesmo que viesse a perder. Foi importante trabalhar a noção de ética nesse tipo de atividade, muito embora tenham ocorrido alguns conflitos que logo foram negociados.

No dia 28 de outubro de 2008 foram trabalhados jogos e pinturas em tinta guache, jogo ponto a

ponto, e jogo da velha, atividades que precisavam sempre de duas pessoas, o que possibilitou trabalhar

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Página 143 de 176 mais uma vez a interação entre as crianças, a coordenação motora bem com sua autonomia frente a alguns desafios. Neste dia contamos com a presença na classe de nossa professora orientadora do estágio Lídia Ribeiro, a qual pôde observar o progresso de nossa proposta de trabalhar através de projeto de pesquisa nosso estágio supervisionado.

Já no dia 11 de novembro de 2008 foram executadas atividades práticas abordando a questão do

dinheiro e como se faz para ganhá-lo. Vale dizer que o interesse mais uma vez foi unânime. Dessa forma, foram compradas algumas mercadorias – de verdade – que fosse interessante para as crianças – pirulitos, salgadinhos, bombons, bolachas, pipocas, e outros mantimentos como feijão, açúcar, etc., que algumas crianças trouxeram de casa, numa demonstração do envolvimento das famílias, uma vez que partiram delas a idéia de colaborar. Nesse tipo de atividade pretendemos, dentre outras alternativas, discutir a questão do trabalho infantil, enfatizado sua proibição. Entretanto, as crianças precisavam entender que o dinheiro se ganha através do trabalho, mas que criança não trabalha. Então, como ganhar o dinheiro necessário para ir às compras? Foi então que o Rodrigo Augusto deu a idéia de que deveríamos promover uma atividade que valesse o dinheiro e elas mesmas escolheram uma espécie de gincana – cantar, dançar, contar uma história, entre outras. Aí cada qual fazia jus ao dinheiro que era depositado num banco improvisado num canto da classe junto ao “mercadinho”.

Após realizar a atividade a criança ganhava um salário de R$ 170,00, cada criança entrava na fila

do caixa do Banco – a professora Edilene era a atendente - e, mostrando sua identidade, retiravam o dinheiro como bem entendessem. Isso porque montamos um mini-mercado e cada compra era realizada trabalhando adição e subtração, com papel moeda em miniatura imitando as notas de verdade – distribuídos em notas de um, cinco, dez, vinte, cinqüenta e cem reais. Eliminamos os centavos para facilitar o raciocínio da moçadinha. Aí trabalhamos diversas categorias como cidadania: que para ganhar dinheiro precisa-se trabalhar; que crianças não devem trabalhar e sim estudar; ética: que na fila temos que respeitar quem está à nossa frente, etc. As operações matemáticas de adição e subtração foram exaustivamente trabalhadas e as crianças foram para suas casas muito alegres.

No dia 27 de novembro de 2008 também realizamos atividades práticas, dessa vez extraclasse,

quando fomos à biblioteca municipal e a uma sorveteria. Na biblioteca foi possível verificar que algumas crianças, por exemplo, a Lívia, que é especial, teve um desempenho surpreendente. Ela se empolgou tanto com os livros e suas historinhas coloridas que chegou a nos emocionar. Outras crianças ficaram muito excitadas, pois, por ser tudo novo, queriam ficar sempre correndo, mas também aproveitaram e no final foi tudo muito positivo.

Na sorveteria eles, com dinheiro de verdade arrecadado entre os componentes do grupo do

estágio – eram entregue cinco reais a cada criança que compraram um sorvete por R$ 1,00 – isso para facilitar a contagem deles quando recebessem o troco, quando foram trabalhados adição e subtração, desenvolvimento de raciocínio lógico e aspectos da cidadania. Todos ficaram muito excitados e era visível a satisfação deles. A Maria Vitória disse, quando estava entrando na Van para voltar à escola, que aquele era o dia mais importante da vida dela. Isso por si só avalia de forma positiva nosso esforço.

No dia 02 de dezembro de 2008 realizamos a última atividade na classe. Foi uma tarde de

confraternização quando assistimos ao filme “Madagascar” e depois, na medida em que cada um falava o que entendeu do filme, ganhava um bombom e um pirulito, não com uma compensação pelo seu desempenho, mas como um presente. E já estávamos com saudade.

O mais importante nesse trabalho foi constatar que a atividade prática de estágio pode ser algo

prazeroso e, se trabalhado em parceria com as escolas, numa ação coordenada que possa atender aos anseios também da classe em que o estagiário se instala, os resultados podem ser relevantes, principalmente quando trabalhamos entendendo a criança como um ser humano que pensa e é capaz de gerar sua própria aprendizagem, sem prescindir da presença do professor.

Entendemos que o estagiário deve fazer desse momento o mais agradável possível, para quando

estiver no exercício da docência poder agir de forma que seja companheiro de seus alunos, respeitando suas limitações e favorecendo suas potencialidades, para no final obter um resultado que satisfaça a

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Página 144 de 176 ambos. Entretanto, se as condições exigidas pela instituição formadora para a realização do estágio supervisionado não favorece a pesquisa em sala de aula, cabe ao formando e futuro professor expor suas idéias e trabalhar por elas, sempre pautado num referencial teórico consistente que possa sustentar suas argumentações.

A classe de quinze alunos da professora Edilene, como constatamos, tinha problemas sérios de

disciplina e convivência. Entretanto, fazer das aulas momentos de aprendizagem mútua é tarefa do professor, nomeadamente do professor de crianças em sua primeira infância. Não pretendemos dizer com isso que em pouco menos de seis messes, período de convivência pedagógica junto com essas crianças resolvemos o problema enfrentado pela professora Edilene. Mas podemos sim, testemunhar que nos dias em que estávamos à frente da classe o comportamento das crianças era outro, e certamente favorecerá atitudes de respeito e solidariedade nas relações futuras dessas crianças tanto na escola quanto fora dela.

Por conseguinte, ao construirmos uma relação pautada em consenso em vez de confronto,

esperamos ter contribuído para que a professora Edilene, em suas futuras turmas do Jardim II, possa pôr em prática alguns dos fundamentos abordados no curto espaço de tempo em estivemos, em regime de parceria, ensinando e aprendendo nesta atividade de projeto supervisionado através de uma pesquisa participante. Que em vez medidas corecitivas faça-se uma negociação, favorecendo a emergência de um momento ideal para que o/a professor/a possa exercer sua autoridade sem autoritarismo. Considerações Finais

Trabalhar as práticas pedagógicas a partir de um referencial teórico que contemple as múltiplas

faces de uma sociedade que avança sempre em direção a mudanças conceituais e estruturais, quando o que está em jogo é a formação do/a professor/a de Educação Infantil, num momento de extrema complexidade como o que vivenciamos atualmente, quando os sistemas educacionais enfrentam os desafios de adaptação num cenário em que imperam a virtualidade própria da era tecnológica, o fatalismo do projeto neoliberal e o determinismo marcante do processo de globalização, foi, conforme evidenciou este artigo, uma ação coordenada entre instituição formadora e unidade escolar, com resultados expressivos para ambos os lados.

Quando propusemos às professoras orientadoras do estágio supervisionado nossa proposta de

trabalhar por meio de projeto de pesquisa enfrentamos algumas resistências, como é normal ocorrer sempre que se busca modificar a ordem pré-estabelecida, principalmente quando essa ordem está vigente desde sempre, e mudar significa arriscar, se abrir para novas experiências, o que requer determinação e responsabilidade, desde que os resultados, se positivos tudo bem, é só aplausos, mas se for o contrário, ninguém quer assumir a responsabilidade pelo fracasso.

Com efeito, um trabalho como este que desenvolvemos com a turma de alunos da professora

Edilene, desde que seja planejado e executado em parceria, respeitando e visualizando as carências e necessidades tanto da professora monitora quanto do estagiário e também, e principalmente, das crianças objeto do estudo, já se inicia vencedor, quer pela ousadia do professor em formação, quer pela disponibilidade da escola em se abrir a novas experiências, quer pela compreensão e espírito de renovação por parte do professor orientador, resultando numa ação coordenada em que a interação assume o contorno de prática dialógica, pois segundo Paulo Freire (1997), o diálogo é um dos saberes necessários à prática educativa.

Dessa forma foi possível, em regime de parceria, fazermos do estágio supervisionado uma

atividade permeada de momentos de desafios, prazer e conforto, desde que temos aprendido nestes quatro anos de estudos, alternando teoria e

Nessa perspectiva, acreditamos que o êxito de nosso trabalho deve-se a uma ação coordenada que mobilizou diferentes setores e categorias educacionais: a Universidade, a Escola, professores e estagiários e até técnicos administrativos de UFT, uma vez que precisamos, por reiteradas vezes, de auxílio para atividades práticas – salas com TV e DVD, transporte para locomoção visando à realização de atividades extraclasse, entre outros momentos que evidenciaram a importância de um trabalho em equipe e de uma proposta pedagógica interativa.

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Página 145 de 176 Referências ANDRÉ, Marli. A integração Ensino Pesquisa: Goiânia, UFG, EDA, 1994. FERREIRO, Emília & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. FREIRE, Paulo - Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997. KAMII, Constance, DECLARK, Geórgia. Reinventando a aritmética: implicações da teoria de Piaget. São Paulo: Papirus, 1991. MACIEL, Lizere; SILVA, Eliana; BUENO, Sirlei:in NETO, Shignou Alexander: Reflexões sobre a Formação de Professores: São Paulo, Papirus, 2002. PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. PIMENTA, Selma Garrido e LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e Docência. Campinas: Papirus, 2004. RAMALHO, Georgina: Estagio, Pesquisa e Formação de Professores: Gama, M.C 1998. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 146 de 176 A ATUAÇÃO DO PROFESSOR COMO MEDIADOR DE LEITURA

Solimar Patriota Silva Universidade do Grande Rio / UNIGRANRIO

Doutoranda em Linguística Aplicada / UFRJ Resumo Este artigo apresenta reflexões acerca do papel do professor, especificamente de língua portuguesa, como mediador de leitura, de modo que ele possa propor atividades de leitura significativas e que permitam o diálogo dos alunos com os textos, de maneira a formar leitores questionadores, críticos e que tenham prazer no ato de ler. Palavras-chave: Leitura, Mediação de leitura, Mediador de leitura. ABSTRACT This article presents reflections on the role of the teachers, especially Portuguese language teachers, acting as reading mediators, so that they can propose meaningful reading activities that allows dialogues between students and the texts, in order to form inquisitive and critical readers who have pleasure in the act of reading. Keywords: Reading, Reading mediation, Reading mediator Introdução

Certa vez alguém disse que ler é mais importante que estudar (ZIRALDO, [1980] 2009). Afinal, para estudar é necessário que realmente se saiba ler. Importante destacar que o ato de ler deve se transformar não apenas em uma maneira de se adquirir conhecimento. Deve, sobretudo, ser o caminho na construção e transformação desse conhecimento, através da interação texto-leitor-texto.

A mediação da leitura pode e deve ser exercida em outros espaços, como o familiar, eclesiástico,

empresarial, entre outros. Entretanto, a escola constitui-se espaço privilegiado para o ensino da leitura para a maior parte da população brasileira (CECCANTINI, 2009). Assim, o objetivo deste artigo é apresentar o professor de Língua Portugesa como mediador de leitura no espaço escolar. Iniciamos a discussão definindo a concepção de leitura que acreditamos ser norteadora de um trabalho que se pretenda mais crítico e interacional. Em seguida, apresentamos algumas características do professor como mediador da leitura. Por fim, apontamos, brevemente, de que maneira podem ser feitas atividades de leitura, de forma a extrair o máximo de um texto e buscar a interação do leitor com ele. Conceitualização de leitura e ensino

De acordo com Solé (1998: 33 apud STRIQUER, 2007: 37), “o problema do ensino de leitura na escola não se situa no nível do método, mas na própria conceitualização do que é leitura”. Como professores, precisamos ter em mente qual concepção de leitura norteia nosso trabalho efetivo em sala de aula e na qual acreditamos ser suficiente para dar conta do processo de formação de leitores proficientes.

Embora critique-se a decodificação, convém destacar que percebemos o ato de compreender o

código escrito como passo fundamental na construção de leitores competentes e críticos. Afinal de contas, não conseguiríamos avançar na formação leitora sem o domínio do código lingüístico na sua modalidade escrita. Se me apresentarem um texto em japonês, todas as minhas estratégias, técnicas e conhecimento de como se deve ler um texto não valerão de nada, posto que desconheço totalmente o código que rege o sistema escrito do idioma japonês. Não consigo, pois, decodificar o texto e, por isso, impossível avançar na minha habilidade leitora daquele idioma.

Todavia, entendemos a leitura como atividade que vai além da mera decodificação lingüística.

Partilhamos da concepção proposta por Villardi (1999:4) de que “ler é construir uma concepção de

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Página 147 de 176 mundo, é ser capaz de compreender o que nos chega por meio da leitura, analisando-se criticamente frente às informações colhidas para exercer a cidadania.”

Cremos que ler é uma atividade ativa, que exige do leitor o desencademento de seus

conhecimentos lingüísticos, enciclopédicos e interacionais (KOCH & ELIAS, 2008). Assim, o leitor interage com o texto, contrapondo o seu mundo com o mundo oferecido pela leitura, ampliando, simultaneamente, o seu próprio, em uma perspectiva freireana de leitura (FREIRE, 2006:11).

É preciso que nos preocupemos com a formação de leitores que não sejam meramente

competentes ou proficientes. É necessário que sejam críticos. E entendemos o termo aqui como ser capaz de fazer intervenções, mudanças, alterações a partir do que se lê. Daí que a atividade de ler não é um ato passivo. Ao contrário, requer interação leitor-texto-leitor o tempo inteiro para que haja compreensão e criticidade.

E essa criticidade implica questionar, duvidar, discordar, comparar, analisar o que se lê. Pois se até

bem pouco tempo as verdades “incontestáveis” recebiam como argumento imbatível o fato de estarem escritas em algum lugar, atualmente essa característica talvez mereça mais o ceticismo saudável que aceitação plácida, visto que, com o advento da internet, os mecanismos de autoria se ampliam exponencialmente.

Vários estudiosos apontam a necessidade de se trabalhar textos literários na formação leitora de

nossos alunos (VILLARDI, 1999; CECCANTINI, 2009), visto que estes permitem diferentes interpretações, ou seja, diferentes leituras. Contudo, acreditamos que, para que formemos apreciadores da leitura em geral, é necessário termos em conta que o ensino da leitura, bem como o ensino da língua de um modo geral, deve ser feito com base no estudo de um número cada vez maior de gêneros discursivos (PCN, 1997), porque tudo o que comunicamos só é possível através de algum gênero discursivo (BAKHTIN, [1979] 2000), afinal, as novas demandas dos contextos sociais tornam necessário o domínio dos mais diversos gêneros para a socialização e cidadania dos aprendizes (JOHNS, 2002 IN SILVA, 2006). Esse uso variado de tipos textuais na formação de leitores será determinante na formação de leitores competentes na escolha de “textos que [atendam] às suas necessidades e [usem] procedimentos adequados para ler” (PRADO, 1999:83).

O professor como mediador de leitura

Entendemos o termo mediador como aquele que intervém em algo. No que se refere a leitura, essa mediação pode ser exercida pela família, amigos ou outro adulto. Desta maneira, teríamos o aluno-leitor no centro, com vários núcleos a seu redor. Na família, os pais, irmãos, avós, tios. Na igreja, com os professores de escolas dominicais, por exemplo. Na escola, professores, educadores, bibliotecários e animadores da leitura.

Contudo, restringimos aqui, para os objetivos deste artigo, o termo mediador de leitura ao papel do

professor exercido no campo escolar. Objetivamos destacar a sala de aula, um dos vários núcleos onde é possível haver a mediação de leitura.

O papel do professor como mediador de leitura abrange múltiplas tarefas, desde criar condições

de leitura e orientar os alunos quanto ao acervo existente na escola, ensiná-los como realmente ler um texto, como cuidar do livro até coordenar as atividades de leitura de sua turma ou escola, de modo a atingir objetivos específicos de leitura e ser ele mesmo um exemplo de leitor assíduo dos mais variados gêneros discursivos e literários. Acreditamos que a leitura que se faz na escola precisa ser intencional e sistemática. Não deve ficar restrita ao “canto” ou “hora” da leitura ou a projetos esporádicos.

Em primeiro lugar, é imperativo que o professor, como mediador de leitura, seja ele mesmo um

modelo de leitor. Em segundo lugar, é necessário que ele trabalhe no sentido de que o livro seja visto com outro olhar em nossas escolas. Eles não podem ser aqueles ultrapassados, empoeirados e trancados em uma biblioteca. É preciso que eles estejam acessíveis a todos os alunos. É imperioso que haja tempo nas

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Página 148 de 176 aulas para a leitura, principalmente o simples ato de ler por ler – sem ter prova, projeto, questionário, nem debate. Aprende-se a ler lendo.

Claro que o papel do professor como mediador de leitura é o de facilitar os caminhos a serem

percorridos, planejar atividades organizadas para que a leitura não se perca ou para explicitar conhecimentos que sejam necessários para a compreensão mais ampla de um texto. Mas, é necessário também que haja um tempo nas salas de aula para a leitura sem essa intervenção o tempo inteiro.

Um outro ponto a ser considerado é que deve haver um propósito para a leitura. Lemos para

buscar informação específica, para passar o tempo, para adquirir conhecimento, para ficar por dentro das notícias ou das fofocas, realizar algum trabalho ou pesquisa, para aprender ou simplesmente porque gostamos de ler. Lemos por inúmeras razões. E nossos alunos precisam saber por que devem ler determinado texto que a eles chegam no espaço escolar. Não pode ser apenas ler para responder a um questionário. Daí a importância de o próprio professor saber orientar seus alunos, ou seja, fazer a mediação da leitura, de forma a proporcionar esse prazer em ler.

Fernández Paz (1994, p. 76, apud CECCANTINI, 2009, p. 217) destaca três aspectos que a escola

deve levar em consideração ao pensar no livro que apresenta a suas crianças e, acrescento, a seus adolescentes, jovens ou adultos. Para o autor, o livro deve ser visto como: a) brinquedo; b) porta aberta ao conhecimento do mundo e das pessoas; c) elemento motivador.

Ao considerarmos o livro como um brinquedo, permitimos possibilidades de prazer com a leitura.

Encarar o livro como porta aberta ao conhecimento do mundo e das pessoas, nos remete ao caráter dialógico e interacional que o livro proporciona. O livro foi escrito por alguém, um ser real, que conta sua história – fictícia ou não – para uma outra pessoa, no caso, o leitor, o qual também tem suas histórias para compartilhar, contar, contrapor, comparar. E é no diálogo texto-leitor-texto que o conhecimento é construído. Por fim, como elemento motivador, Férnandez Paz (ibidem) afirma que o livro visto assim “nos impulsiona a deixar de ser tão somente receptores e a nos convertermos em construtores ativos de nossas próprias histórias.” Propostas metodológicas

Nesta seção, nos valemos de Villardi (1999) e Braga & Silvestre (2009) que fazem uma proposta metodológica para o trabalho com a leitura em sala de aula. Ambas dividem o trabalho em três etapas. Villardi nomeia essas etapas como atividades preliminares; atividades com o texto (roteiro de leitura); e atividades complementares. Já Braga & Silvestre propõem os seguintes nomes para as três etapas: 1) pré-leitura; 2) leitura-descoberta e 3) pós-leitura.

Apesar de a nomenclatura diferir de uma obra para outra, percebemos que são similares. Isto

porque as atividades preliminares ou de pré-leitura, que chamaremos aqui de atividades antes da leitura, possuem por objetivos desencadear o conhecimento prévio do aluno acerca do texto, fornecer informações que o aluno desconheça e que será necessário para um maior entendimento do que se está lendo, antecipar o sentido do texto a ser trabalhado ou, ainda antes, estimular a curiosidade para a leitura do texto.

Na segunda etapa, temos as atividades com o texto ou leitura-descoberta, aqui denominadas de

atividades durante a leitura. Nesta etapa, o professor deve trabalhar o texto em si, concentrando-se no que deseja que seu aluno descubra, buscando os significados possíveis, permitindo que o aluno faça sua própria leitura. É o momento em que, através da mediação do professor, ocorre a construção de sentido (BRAGA & SILVESTRE, 2009: 29).

Nas atividades feitas após a leitura, mesmo havendo uma pequena diferença na proposta das

autoras estudadas, percebe-se objetivos semelhantes. Villardi afirma que esta etapa deve representar a culminância de todo um trabalho feito por projetos e que, por isso, é importante que envolvam o restante da escola e atender aos objetivos de favorecer relações interdisciplinares, trazer a problemática do texto para a realidade do aluno e desenvolver a criatividade. Já para Braga & Silvestre, nessas atividades é que “o

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Página 149 de 176 aluno-leitor poderá utilizar criticamente o sentido construído, refletir sobre as informações recebidas e, assim, construir o conhecimento” (p. 29).

Em comum, esta etapa apresenta a oportunidade de o aluno confirmar ou confrontar o que leu e

o sentido que deu com sua própria realidade. Ele não apenas lê e deixa o livro de lado ao final da leitura. Ele exerce influência sobre o que leu e recebe a influência dessa leitura, ainda que seja para rechaçar as ideias ou valores apresentados. É neste instante que o aluno ultrapassa a mera concepção de decodificação do texto ou mesmo de entendimento da leitura feita e exerce a criticidade acerca do que foi lido. É quando damos voz aos alunos que eles podem refletir, exercitar seu pensamento e ser mais participativos, criativos e originais – ao invés de mero reprodutores.

Algumas atividades para antes da leitura

Há quanto tempo a redes televisivas brasileiras exibem novelas? Esse gênero já até faz parte da

nossa cultura. Ainda assim, já reparou que sempre que uma nova novela está para começar há várias chamadas, propagandas durante várias semanas? Tais chamadas servem para aguçar a curiosidade do telespectador e fazê-lo querer ver o primeiro capítulo – até ser fisgado por todo o tempo de duração da novela. Afinal, o capítulo sempre acaba “na melhor parte”!

Poderíamos utilizar esse recurso para despertar a curiosidade de nossos alunos para os livros

disponíveis na biblioteca ou sala de leitura. Há várias maneiras de se fazer um trabalho de chamada para antes da leitura do livro:

Mural de resenhas – o professor pode criar um mural no qual ele mesmo ou os próprios alunos forneçam informações acerca de livros lidos – dando até a classificação por número de estrelas. Ao consultar as informações do mural, outros alunos podem ter seu interesse despertado por algum obra ali sugerida.

Cartazes interessantes com o nome do livro e uma sinopse nada ortodoxa. Por exemplo: Marido passa a vida inteira sem saber se a mulher o traiu mesmo com seu melhor amigo – Dom Casmurro Desta forma, o aluno pode ser levado à leitura de um clássico sem aquela distância que muitos sentem, por achar que não vão entender a obra ou que o assunto abordado é do “tempo da vovozinha” e que não vale a pena se r lido nesta época.

Feira do livro – o professor pode levar vários títulos, ao invés de indicar apenas um – como se fosse agradar a todos os alunos –, e deixar que os alunos escolham pela capa, título, formato, cor etc. Ao permitir que os alunos escolham o que ler, a probabilidade de eles continuarem a leitura e se envolverem com ela é maior do que meramente impor determinado título a todos da turma – meninos e meninas, e geralmente com idades diferentes devido ao desvio série-idade ainda tão comuns em nossas salas de aula.

Usar a imaginação... – Ninguém melhor que o próprio professor, conhecedor de sua turma, para criar maneiras interessantes de chamar a atenção de seus alunos para a leitura. Seja uma contação de histórias, ler a sinopse do livro, mostrar um trecho de filme, contar sobre seus sentimentos ao ler determinada obra... Enfim, existe uma infinidade de formas de atrair a atenção para o livro, basta usar sua imaginação.

Contudo, é bom que fique claro que as atividades feitas antes da leitura não servem apenas ao

intento de despertar a curiosidade e interesse do leitor. Elas também podem ser utilizadas para sondar o conhecimento dos alunos acerca do que será lido, fornecer pistas e informações necessárias para a construção do conhecimento do aluno, objetivando que ele entenda melhor o texto. Pode ser o momento de o aluno fazer predições acerca do que vai ler, a partir da fonte, ano ou autor da publicação de um determinado texto (BRAGA & SILVESTRE, 2009: 33).

Concordamos com Villardi (1999: 44) ao dizer que “as atividades que antecedem o trabalho com

o texto (...) devem ser o mais lúdicas possível”. Essa autora sugere o uso de jogos, música, brincadeiras,

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Página 150 de 176 atividades livres, passeios e visitas que envolvam toda a turma. O objetivo é despertar interesse, aguçar os sentidos e dar sentido ao que se vai ler, ao se propor objetivos específicos de leitura.

Atividades para durante a leitura

As atividades durante a leitura devem ter como foco o trabalho com o texto. Não o texto como

pretexto para atividades gramaticais ou de outras áreas. Essas atividades devem ajudar a perceber se o que os alunos haviam predito sobre o texto conferem com o que o mesmo apresenta. Podem servir para guiar o aluno pela leitura – não através do tradicional questionário. Segundo Villardi, o roteiro de leitura deve ser feito de modo a ser “capaz de levar o aluno a compreender o texto em toda a sua extensão, a refletir sobre cada elemento que compõe sua estrutura e, perceber a importância dos pormenores, até, finalmente, posicionar-se criticamente frente ao que foi lido.” Ou seja, o roteiro deve ser criado com a finalidade de servir de instrumento que ofereça maneiras de o aluno fazer sua própria leitura.

O professor pode fazer jogos, questionários de múltipla escolha, perguntas, debates (com roteiro

prévio preparado), pode elucidar questões levantadas pelos alunos, fazer perguntas – sempre permitindo diferentes olhares, diversas formas de interpretar. Enfim, é o momento de trabalhar o texto exaustivamente. Atividades para depois da leitura

Essas atividades, muitas vezes, tem uma aplicação mais prática e levam o aluno a correlacionar o que leu com sua própria vida, seja através de levantamentos e pesquisas complementares ao assunto do texto; reescrita do que leu, em nova versão, alterando o final, ampliando a discussão, etc; ou mesmo através de um grande evento com apresentação para toda a escola dos trabalhos desenvolvidos com a leitura do texto.

Esse é o momento de o aluno imprimir sua voz, sua marca ao que leu. Essas atividades visam

permitir que o aluno vá além do livro lido e atribua um sentido ainda maior à leitura feita. Palavras Finais

O objetivo deste artigo foi o de apresentar brevemente o conceito de leitura que deve nortear o trabalho do mediador de leitura, nomeadamente o professor, no espaço escolar. Pretendeu-se também refletir sobre como deve ser feita a mediação da leitura e que atividades podem ser feitas antes, durante e após a exposição do aluno a qualquer texto, ao se pretender formar leitores críticos.

Discutimos e colocamos em pauta a própria formação leitora do professor que tem deixado

muito a desejar, no que tange ao repertório e atualização de suas leituras. Percebemos que, apesar de o ato de ler criticamente signifique ter trabalho por parte do leitor e dar bastante trabalho para o mediador conduzir o leitor iniciante, pode ser uma atividade lúdica e prazerosa, não pesada e sisuda. É possível, assim, atrair o interesse de nossos alunos para que leiam mais e com mais qualidade. Referências Bibliográficas BAKHTIN, M., Os gêneros do discurso. In: Estética da Criação Verbal, São Paulo: Martins Fontes, [1979] 2000, pp. 278-326. BRAGA, Regina Maria & SILVESTRE, Maria de Fátima. Construindo o leitor competente: atividades de leitura interativa para a sala de aula. 3 ed. São Paulo: Global, 2009. CECCANTINI, João Luis. Leitores iniciantes e comportamento perene de leitura. In: SANTOS, Fabiano dos, MARQUES NETO, José Castilho, RÖSING, Tânia M.K. (orgs). Mediação de Leitura: discussões e alternativas para a formação de leitores. São Paulo: Global, 2009. p. 207-231. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 48ª ed. São Paulo: Cortez, 2006. KOCH, Ingedore Villaça & ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2008.

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Página 151 de 176 MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 19ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2006. MEC – Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília : MEC/SEF, 1997. PRADO, Iara Glória Areias. Para formar leitores na escola. In _______. A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro: Argus, 1999, pp. 81-84. SILVA, Ezequiel Theodoro da. Formação de leitores literários: o professor leitor. In: SANTOS, Fabiano dos, MARQUES NETO, José Castilho, RÖSING, Tânia M.K. (orgs). Mediação de Leitura: discussões e alternativas para a formação de leitores. São Paulo: Global, 2009, pp. 23-36. SILVA, Solimar Patriota. Os gêneros discursivos em livros didáticos de inglês como língua estrangeira: representações e implicações pedagógicas. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Letras, 2006. STRIQUER, Marilúcia dos Santos Domingos. Os objetivos de leitura no livro didático. Dissertação de Mestrado em Letras. Universidade Estadual de Maringá, 2007. Disponível em http://www.ple.uem.br/defesas/pdf/msdstriquer.pdf. Acesso em 07 setembro 2009. VILLARDI, Raquel. Ensinando a gostar de ler e formando leitores para a vida inteira. Rio de Janeiro: Qualitymark/Dunya Ed., 1999. ZIRALDO. O menino maluquinho. 103 ed. São Paulo: Melhoramentos, 2009. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 152 de 176 O LEITOR DA IMPRENSA ITALIANA EM SÃO PAULO

Vitória Garcia Rocha Doutoranda em Letras – Língua Italiana - USP

Resumo O presente trabalho tem como objetivo analisar o perfil do leitor dos jornais escritos em língua italiana no Brasil do final do século XIX ao início do século XX. Sabe-se que o nosso país recebeu muitos imigrantes, os italianos formavam o grupo mais numeroso e além de instituir associações e escolas, foi criada também a imprensa em língua italiana. Inicialmente foi muito difícil formar um público leitor, mas com o crescimento da industrialização no Brasil e a chegada de muitos italianos, o número de leitores cresceu de forma considerável. Palavras-chave: Jornal; língua italiana; leitor. Resumen El presente trabajo tiene como objetivo analizar el perfil del lector de los periódicos escritos en lengua italiana en Brasil del final del siglo XIX hasta principios del siglo XX. Se sabe que nuestro país ricebió muchos inmigrantes, los italianos formabam el grupo más numeroso y además de establecer asociaciones y escuelas, fue creada también la prensa en lengua italiana. Inicialmente fue muy difícil formar un público lector, pero con el crecimiento de la industrialización en Brasil y la llegada de muchos italianos, el número de lectores creció de manera considerable. Palabras clave: Periódico; lengua italiana; lector. Introdução

Sabe-se da grande importância das emigrações transatlânticas sobretudo a partir do final do século XIX, quando muitas pessoas emigraram para as Américas do Sul e do Norte buscando melhores condições de vida.

O Brasil recebeu muitos imigrantes que ajudaram a enriquecer a cultura do nosso país e a compor a população brasileira. Os italianos exerceram grande influência sobre a nossa cultura. Quanto aos hábitos, os costumes e a vida social ocorreu uma grande “simbiose” entre as culturas italiana e brasileira, principalmente nas camadas populares. A cultura italiana atingiu vários setores: a língua, a literatura, a gastronomia, a arte, a arquitetura, etc. Os italianos criaram por todo o país, principalmente em São Paulo, entidades, associações, escolas, clubes e a imprensa em língua italiana que foi um importante elemento para manter a italianidade (TRENTO, 1989, p. 201).

A imprensa em língua italiana foi marcante na história do Brasil e teve seu auge de 1890 a 1920.

Eram publicados jornais, informativos e revistas para todos os tipos de públicos, incluindo publicações religiosas, políticas, econômicas, femininas, infantis, entre outras. A imprensa política apresentava diferentes tendências ideológicas (liberais, monarquistas, republicanos, fascistas, antifascistas) (TRENTO, 2000). Dessa forma, com o crescimento das publicações, ocorreu a formação de um público leitor que não queria perder o vínculo com a sua pátria. A imigração italiana em São Paulo

A partir do final do século XIX a imigração italiana, cresceu de modo espantoso e contribuiu para o aumento demográfico brasileiro. “Entre 1880 e 1924 entraram no país mais de 3.600.000 imigrantes, dos quais 38% eram constituídos por italianos” (TRENTO, 1989, p. 18).

O Estado de São Paulo, com um território quase do tamanho da Itália, ofereceu melhores condições para a fixação dos imigrantes italianos. Conforme Trento (1989, p. 107), o Estado “foi a meta de 44% da emigração italiana para o Brasil entre 1820 e 1888, de 67% entre 1889 e 1919 e atingindo seu

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Página 153 de 176 ponto máximo na década de 1900 a 1909, com 79%”.

Os primeiros italianos que chegaram ao Estado de São Paulo vieram para trabalhar, sobretudo nas fazendas de café. Alguns preferiram permanecer no centro urbano e outros com o tempo, mudaram do campo para a cidade (FERREIRA, 1978).

Na cidade, os imigrantes se dedicaram a várias atividades: comerciantes que tinham seu próprio negócio, ambulantes, barbeiros, sapateiros, pedreiros, ferreiros, entre outras categorias. A industrialização brasileira foi tardia, mas no Estado de São Paulo, entre 1907 e 1920, o número de operários cresceu de modo mais veloz que a mão-de-obra empregada na agricultura e assim, muitos italianos foram trabalhar nas indústrias. A presença dos italianos era muito grande dentro do proletariado das fábricas, atingindo mais de 60% na capital paulista entre 1900 e 1915 (TRENTO, 1989, 2000).

Durante muitos anos São Paulo manteve a característica de “italianidade”, ouviam-se pessoas falando italiano ou dialeto nas ruas, brincando com jogos típicos, pois eram formas de garantir a identidade, de manter contato com os compatriotas, participando de eventos, reuniões e discussões sobre a Itália (TRENTO, 1989). A imprensa italiana em São Paulo

A imprensa em língua italiana foi marcante na história do Brasil e, sobretudo, de São Paulo. O

primeiro jornal escrito em italiano surgiu no Rio de Janeiro, em 1765, se chamava La Croce Del Sud e era uma publicação religiosa. Em São Paulo, o primeiro jornal foi o Garibaldi, de 1870, e a partir deste muitos outros foram publicados. Desde as origens até 1940 existiram 500 publicações italianas no Brasil, sendo quase 300 em São Paulo (BERTONHA, 2001; TRENTO, 1989).

O fato de ser usada a língua italiana nos jornais, além de outros fatores, mostrava o sentimento de

italianidade e de nacionalidade. Ghirardi (1994) ressalta que depois da consolidação do Estado nacional da Itália, a língua e a cultura italianas adquiriram dimensões políticas, e também, passou a ser de grande importância a preservação e a expansão da italianidade.

Os jornais dessa imprensa passaram por muitas dificuldades, boa parte deles não durou muito

tempo. Muitos sobreviviam não somente com a venda de exemplares, mas porque contavam com uma pequena ajuda de pessoas, na maioria das vezes compatriotas, que colocavam propagandas de suas empresas ou de seus comércios nos jornais (TRENTO, 1989). Além disso, era muito difícil manter a impressão desses jornais, pois não existiam grandes máquinas impressoras e para os diários havia grandes dificuldades em conseguir notícias da Europa, uma vez que não existiam serviços de agências telegráficas (CENNI, 1975).

A imprensa italiana mostrava tendências diversas, havia jornais satíricos, humorísticos, religiosos,

políticos, econômicos, entre outros. Os assuntos tratados eram principalmente relativos à colônia e aos problemas de trabalho, eram evitados os temas referentes à política brasileira (BERTONHA, 2001). O conteúdo de grande parte das publicações era pequeno: publicavam-se curiosidades, pequenas notícias, folhetins, fatos, fofocas. Algumas publicações italianas demonstraram, na maioria das vezes, respeito às instituições e difundiam o conhecimento e o amor pelo Brasil (CENNI, 1975; TRENTO, 1989).

Entre todas as publicações da imprensa em língua italiana, o Fanfulla – que surgiu em 1893, em

São Paulo, através do jornalista italiano Vitaliano Rotellini - foi o maior e mais popular jornal publicado no Brasil. No início era um semanário humorístico e, em menos de um ano, passou a ser um diário. Com o tempo, o Fanfulla foi deixando o humor para adotar um estilo sério e patriótico. Inicialmente não tinha um público-alvo, era feito para todos os italianos (CONSOLMAGNO, 1993). Segundo Trento (2000, p. 106) o jornal chegou a ter uma tiragem de 15 mil exemplares, sendo considerado “o segundo maior jornal da capital” de São Paulo, perdendo somente para O Estado de S. Paulo.

Durante o Estado Novo, o Fanfulla precisou escrever os editoriais e algumas matérias em

português, devido à proibição do uso da língua italiana no governo Vargas. Em 1942, foi proibido de

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Página 154 de 176 continuar suas publicações, voltando a circular em 1947. Saiu de circulação em 1965. Um ano depois, foi fundado o La Settimana que em 1979 passou a ser nomeado de La Settimana del Fanfulla, sendo considerado um herdeiro do Fanfulla (CONSOLMAGNO, 1993). Em 2001 voltou a ser chamado de Fanfulla (BERTONHA, 2001). Atualmente possui o mesmo nome e passou ser quinzenal.

Uma grande parte das publicações era destinada à imprensa política, o Brasil e principalmente São

Paulo, recebeu muitos imigrantes anarquistas, socialistas, anarco-sindicalistas, e alguns liberais, republicanos e mais tarde fascistas.

Os primeiros militantes em São Paulo tentavam convencer operários da necessidade de formação de sindicatos fortes e de maior participação na vida coletiva, assim criaram a imprensa proletária, com um grande número de periódicos, principalmente no Rio e em São Paulo onde havia o maior índice de industrialização do país. Muitos periódicos tiveram vida breve e outros por algumas vezes foram interrompidos (TRENTO, 1989).

A partir do final do século XIX, a cidade de São Paulo começou a receber alguns italianos que traziam idéias anarquistas do movimento que estava se difundindo no continente europeu. Segundo Biondi (1995), na América do Sul o anarquismo se difundiu a partir do final do século XIX devido à imigração de muitos trabalhadores originários da Europa do sul, principalmente italianos.

Os jornais anarquistas em língua italiana foram publicados principalmente no período de 1885 e

1920 (TRENTO, 1989). Deve-se ressaltar a importância do jornal La Battaglia que circulou por quase dez anos em São Paulo.

O auge da imprensa italiana ocorreu de 1890 a 1920, a partir daí houve uma queda gradativa nas

publicações, que pode ser justificada devido ao fato de que os descendentes dos imigrantes começaram a se interessar pelo Brasil e pela imprensa escrita na língua portuguesa (BERTONHA, 2001). Além disso, no período entre as duas guerras, poucos imigrantes vieram para o Brasil, os problemas aumentaram com o regime fascista e com a proibição do uso da língua italiana no governo de Getúlio Vargas.

Com o segundo pós-guerra alguns imigrantes italianos vieram para o país e tentou-se reorganizar

essa imprensa, mas pouco restou, somente alguns jornais mantidos pelo Consulado, por associações e escolas (BERTONHA, 2001). O público leitor

A imprensa em língua italiana surgiu em São Paulo em 1870, nesse período ainda não existia público apto para ler essa produção jornalística e até esse momento as publicações preocupavam-se com a difusão cultural e com a defesa da língua italiana. Após 1880 essa situação mudou, a imprensa precisou se adaptar a seu novo público, pois a imigração italiana aumenta e passa a ser constituída por pessoas modestas (CENNI, 1975).

A maioria dos imigrantes quando chegou ao Brasil, foi para a zona rural, muitos eram analfabetos

e falavam dialetos. Além disso, as pessoas tinham horário de trabalho ou compromissos pesados que não lhe permitiam um tempo para a leitura. Mesmo com muitas dificuldades, devido ao grande número de imigrantes começou a se formar um público leitor.

No auge da imprensa italiana, os imigrantes tinham uma grande variedade de publicações para

escolher, as tendências eram variadas, pessoas que liam jornais religiosos, políticos, humorísticos, e principalmente existia um grande público leitor de periódicos anarquistas, socialistas ou sindicalistas revolucionários. Os leitores vinham de várias partes da Itália e a maior parte vivia na cidade (BERTONHA, 2001).

Um dos motivos para criarem a imprensa proletária foi fortalecer e difundir as ideias entre o

proletariado e realizar uma maior participação na vida coletiva. Os leitores desse tipo de periódicos eram na maior parte homens que compactuavam com os ideais dos jornais, acompanhavam as notícias,

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Página 155 de 176 principalmente sobre os problemas de trabalho, enviavam cartas para as redações e ficavam informados sobre as próximas manifestações, festas ou comícios.

É importante ressaltar que o presente estudo analisa o leitor de jornal e não de livros, nesse caso é

um leitor de textos informativos em primeiro lugar e não de textos literários. É um leitor que deseja estar informado, que muitas vezes identifica-se e escolhe determinados textos. Segundo Semeghini-Siqueira (2006), os textos literários trazem a imaginação, a subjetividade e a sedução, e os textos informativos são objetivos, argumentativos, muitas vezes críticos e de opinião, sendo assim o leitor de jornais se posiciona de outra forma quanto à leitura.

Outra questão interessante a ser tratada é o que Iser (1996) chama de repertório, o conjunto de

normas sociais, históricas, culturais trazidas pelo leitor para realizar a leitura e ressalta ainda que deve existir uma interseção entre o repertório real e o repertório do texto. O leitor da imprensa italiana trazia consigo o seu idioma, a sua cultura e a sua história, escolhia ler um jornal por sua crença religiosa ou política, e os jornais faziam o possível para publicar textos que atendessem seu público leitor, muitas vezes procuravam atingir uma determinada classe. Dessa forma, pode-se explicar a reação do leitor com a seguinte citação “A identificação entre leitor e texto ocorre a partir da interação entre ambos e surge como conseqüência do confronto do horizonte de expectativas do leitor e da obra” (COSTA, 2011).

Ainda sobre o papel do leitor, Compagnon (1999) faz a seguinte pergunta: “A leitura é ativa ou

passiva?”, pode-se dizer que no caso de um leitor de jornal, e principalmente do leitor da imprensa proletária, essa leitura é ativa, pois cartas são enviadas para a redação do jornal para fazer reclamações, para reivindicar algo, para fazer uma solicitação ou os leitores participam enviando histórias e fazendo convites para festas de associações. É um leitor que reage, que participa. Para concluir a explicação sobre a leitura ativa tem-se as palavras de Lyons e Leahy (1999, p.10): “o leitor nunca se aproxima do texto passivamente ou de mãos vazias, e jamais absorve sem resistir ou criticar”.

Quanto ao efeito produzido no leitor, pode-se classificá-lo em individual ou coletivo

(COMPAGNON, 1999). Na imprensa italiana a recepção era individual e coletiva, individual porque cada um que lia identificava-se com as notícias e com as situações, e coletiva, pois atingia um grupo de imigrantes com uma identidade e uma cultura em comum, e no caso da imprensa proletária visava grupos que possuíam determinados ideais políticos.

O leitor da imprensa proletária compreendia a si mesmo, a situação de sua classe através do que

lia e se compreendia por identificar-se com as notícias e com as cartas de leitores que também passavam pelas mesmas dificuldades que ele.

Como foi visto anteriormente, o auge da imprensa italiana deu-se de 1890 a 1920, depois as

publicações e o público leitor diminuíram devido a vários fatores: houve uma redução na entrada de imigrantes no Brasil, um desinteresse por parte dos filhos que aqui estavam quanto ao idioma e a cultura italiana e nos anos 40, durante o governo de Getúlio Vargas, no Estado Novo, ocorreu uma grande repressão política e a criação de medidas que proibiram o uso da língua italiana (BERTONHA, 2001; CORSETTI, 1987; TRENTO, 1989).

A partir daí, os descendentes italianos não demonstraram grande interesse em manter a sua

italianidade, a imprensa continuou a passar por sérias dificuldades, a população falante da língua italiana e o público leitor diminuíram ainda mais. Com o segundo pós-guerra chegou ao Brasil mais um grupo de imigrantes italianos, procurou-se reorganizar a imprensa e conquistar novos leitores, contudo essa tentativa fracassou. Atualmente existem algumas publicações de escolas, de associações, de alguns órgãos e o jornal Fanfulla. Consideração Finais

Com o presente estudo pôde-se verificar que os imigrantes foram responsáveis por modificações na sociedade brasileira e por ajudar a enriquecer a nossa cultura.

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Página 156 de 176 Quanto aos italianos, muitos elementos foram representativos para manter a comunidade unida e

valorizar a italianidade, todavia a imprensa foi extremamente significativa e proporcionou aos imigrantes italianos informações sobre a sua pátria e sobre os acontecimentos que envolviam a comunidade italiana no Brasil, além de promover a manutenção do uso da língua italiana.

Sendo assim, a imprensa em língua italiana é um material rico e interessante não só para pesquisadores da área de italiano, mas também para historiadores. Referências BERTONHA, João Fábio. “Imprensa italiana em São Paulo, 1880-1945”. In: Insieme, nº 8, 2001. BIONDI, Luigi. Anarquia e movimento anarquista. In: A imprensa anarquista italiana no Brasil: 1904-1915. Título original em italiano: La stampa anarchica italiana in Brasile:1904/1915. Roma: 1995. CENNI, Franco. Italianos no Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1975. COMPAGNON, Antoine. “O leitor”. In: O demônio da teoria. Belo Horizonte: UFMG, 1999. CONSOLMAGNO, Marina. Fanfulla: Perfil de um jornal de colônia (1893 – 1915). 1993. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993. CORSETTI, Berenice. O crime de ser italiano: a perseguição do Estado Novo. In: BONI, L. A. DE. (Org.) A presença italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987. p. 363-382. COSTA, Márcia Hávila Mocci da Silva. Estética da recepção e teoria do efeito. 2011. Disponível em: http://abiliopacheco.files.wordpress.com/2011/11/est_recep_teoria_efeito.pdf. Acesso em: 01/08/2012. FERREIRA, Maria Nazareth. A imprensa operária no Brasil (1880 – 1920). Petrópolis: Vozes, 1978. GHIRARDI, Pedro Garcez. Imigração da palavra – Escritores de língua italiana no Brasil. Porto Alegre: EST Edições, 1994. ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Tradução: Johannes Kretschmer. São Paulo: Ed. 34, 1999, v. 2. LYONS, Martyn. A História da Leitura de Gutenberg a Bill Gates. In: LYONS, M.; LEAHY, C. A Palavra Impressa: Histórias de Leitura do século XIX. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 1999. SEMEGHINI-SIQUEIRA, Idméa (2006). Modos de ler textos informativos impressos/ virtuais e processos de compreensão: estratégias para alavancar a construção do conhecimento em diferentes disciplinas. In: REZENDE, N; RIOLFI, C; SEMEGHINI-SIQUIERA, I. Linguagem e Educação: ética, estética e estratégias. São Paulo: CAPES/FEUSP. TRENTO, Ângelo. Do outro lado do Atlântico – Um século de Imigração Italiana no Brasil. São Paulo: Nobel, Instituto Italiano de Cultura de São Paulo, 1989. ______________ Os italianos no Brasil. São Paulo: Prêmio, 2000. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 157 de 176 DISCUTINDO O GERENCIAMENTO ESCOLAR DE FORMA DEMOCRÁTICA.

Wagner dos Santos Mariano Prof. Assistente. do Curso de Licenciatura em Biologia.

Universidade Federal do Tocantins (UFT),

Nely Jane Mendonça

Tutora de graduação de pedagogia da ULBRA Universidade Luterana do Brasil. Pólo: Campo Grande

Eltongil Brandão Barbosa3

Mestre em Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação.

Faculdade de Educação (FAED) Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

Resumo Processos democráticos e participação de todos os segmentos do processo educacional na gestão de uma escola são sempre almejados e objetivados, porém não é uma tarefa fácil. Ao promover a participação e compromisso da comunidade em seu entorno, a gestão democrática consegue ultrapassar a estrutura física da escola e estabelecer um elo de co-responsabilidade com a comunidade externa, a quem na realidade a escola pertence. A Constituição Federal de 1988 possibilitou aos Municípios criarem seus próprios sistemas de ensino, atribuindo aos mesmos autonomia relativa na formulação de políticas educacionais, e principalmente para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, uma vez que, até então, a esfera municipal detinha, apenas, sistema administrativo. É nesse contexto que, em meados da década de 1980, se apresentaram as novas tendências relativas especialmente à gestão escolar e às medidas para assegurar a qualidade do ensino. O presente estudo observou a realidade de uma escola do Município de Campo Grande (MS), e a possível utilização dos preceitos da gestão democrática na educação. Palavras-chave: escola; gestão democrática; qualidade do ensino. Abstract Democratic processes and participation on every segment of the educational process in the management of a school are always desired and objectified, but are not an easy task. At promoting participation and commitment of the community around it, the democratic management can surpass the physical structure of the school and establish a co-responsibility link with the external community, to whom, indeed, the school belongs. The Federal Constitution of 1988 allowed municipalities to create their own educational systems, giving them relative autonomy in the formulation of educational politics, mainly for Childhood Education and Basic Education since, until then, the municipal responsibility range owned only the management system. It's in this context that, in early 1980's, the new tendencies showed up, relative foremost to the school management and measures to ensure educational quality. This study observed the reality of a school of the Campo Grande (MS) municipality, and the possible use of democratic management precepts in education. Keywords: school; democratic management, quality of teaching Introdução

A democracia liberal tem como princípios fundamentais a igualdade, a liberdade e a fraternidade.

Esses princípios passaram a fazer parte do arcabouço originário dos direitos individuais e coletivos modernos. A crítica a este modelo democrático tem como base a concepção de sujeito adotada na modernidade. Assim, o paradigma democrático moderno precisaria ser revisto, pois a fundamentalidade do direito de igual respeito e consideração exige uma esfera pública pluralista na qual se assente o respeito recíproco e simétrico às diferenças. Dessa forma, o mérito da discussão democrática atual se coloca na revisão crítica da subjetividade moderna, que deve ser descentralizada e desconstruída, não com base na anulação da ação humana (especialmente a do coletivo), que deixaria a democracia rendida aos caprichos do mercado, mas com a exposição do agente humano ao outro, com o qual estabelece uma relação de

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Página 158 de 176 questionamento. O coletivo, nesta perspectiva, não é uma identidade estática, mas sim uma possibilidade de autotransformação e amadurecimento, caracterizando-se pela diversidade (MARQUES, 2008).

A estrutura da escola e do sistema educacional foi por muito tempo comparada a uma caixa preta,

que processava insumos e oferecia resultados à sociedade. Este modelo mais simples parece hoje incapaz de refletir a complexidade do real. Eles estão muito distantes de uma empresa, com estrutura piramidal, onde as ordens passam de escalão a escalão. Ao contrário, os fatos se sucedem diferentemente, de tal modo que uma metáfora útil seria a da cebola. De fato, o sistema educacional está dividido em camadas: primeiro, abrem-se as das diversas redes, depois de órgãos gestores regionais e locais; em seguida, as diferentes escolas e, nestas, as diversas turmas, com os seus variados professores e, por fim, os grupos de alunos, com adesão maior ou menor aos objetivos da escola. Desta forma, orientações e normas não passam com facilidade de uma para outra camada (GOMES, 2005).

Processos democráticos e participação de todos os segmentos do processo educacional na gestão

de uma escola é sempre almejado e objetivado, porém não é uma tarefa fácil. Desde o início da década de 1980 o tema da gestão da escola e sua autonomia vem ganhando destaque merecido nos debates políticos e pedagógicos sobre a escola pública. No quadro da luta pela construção de uma sociedade democrática, uma das grandes vitórias das escolas no campo político-educativo foi a conquista da liberdade de ação e de decisão em relação aos órgãos superiores da administração e a maior participação da comunidade escolar nos espaços de poder da escola, por meio de instâncias como os conselhos de escola (KRAWCZYK, 1999).

Ao promover a participação e compromisso da comunidade em seu entorno, a gestão

democrática consegue ultrapassar a estrutura física da escola e estabelecer um elo de co-responsabilidade com a comunidade externa, a quem na realidade a escola pertence. Essa retomada da função política e social da escola a situa no exercício de um importante papel, o de contribuir para a organização da sociedade civil (GUTIERREZ E CATANI, 1998) e, portanto, tornar-se agente de transformação, indo além da promoção da dinâmica do Estado e articulando os atores sociais. Isso significa que a escola embora represente a esfera estatal, também forma e organiza os sujeitos sociais que irão constituir-se em cidadãos para o embate, a leitura de mundo e o debate, levando a posturas que possam construir novos posicionamentos na prática social e nas estruturas de poder mais amplas da sociedade. Ou seja, mudar o mundo, emancipar-se individualmente e coletivamente, emancipando o outro (LIMA, 2009).

Este artigo pretende identificar e caracterizar a importância da gestão participativa e democrática,

bem como a importância da relação entre escola, funcionário e comunidade, balizados em uma realidade escolar específica – uma escola pública do município de Campo Grande (MS).

A nova constituição – novos caminhos para o gerenciamento escolar.

A noção de Plano de Educação, avizinhado da idéia de sistema educacional, se faz pela primeira vez presente no Brasil no âmbito do Manifesto dos Pioneiros da Educação, em 1932 (SAVIANI, 1999; VALENTE, 2001), tendo influenciado a Constituição de 1934. Contudo, o primeiro Plano Nacional de Educação (PNE) viria a ser elaborado, somente, em 1962, na vigência, também, da primeira LDBEN (Lei n° 4.024/61).

A Constituição Federal (CF) de 1988 possibilitou aos Municípios criarem seus próprios sistemas

de ensino, atribuindo aos mesmos autonomia relativa na formulação de políticas educacionais, em específico para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, uma vez que, até então, a esfera municipal detinha, apenas, sistema administrativo (SOUZA & FARIA 2004). Assim, com aquela CF, foi facultado aos Municípios o direito de emitir normas e a estabelecer políticas, viabilizando, com isto, a implantação do Regime de Colaboração e não mais a manutenção de relações hierárquicas entre as três esferas políticas de poder (União, Estados e Municípios), pelo menos no âmbito da lei. Em que pese a importância da CF nesta matéria, é importante sublinhar que a definição clara de competência dos Municípios para a instituição de seus próprios sistemas de ensino decorre mais das definições prevista na nova LDB (Lei n° 9.394/96), do que naquela Constituição (SAVIANI, 1999). De um modo ou de outro, em face da atribuição de uma maior autonomia aos Municípios, estes se viram diante de desafios concernentes à:

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Página 159 de 176 participação no Regime de Colaboração, de forma solidária, junto aos Estados e à União; previsão da educação municipal, enquanto capítulo específico, na formulação de suas Leis Orgânicas (LOs); elaboração dos Planos Municipais de Educação (PMEs); constituição de seus Conselhos de Educação e também de Acompanhamento e Controle Social (SOUZA & FARIA 2004). A instituição escolar estudada

Nos últimos 15 anos, a discussão educacional no continente latino-americano vem sofrendo deslocamentos importantes na direção do reforço à educação básica e, em especial, à sua qualidade. As razões disso devem ser buscadas dentro da própria evolução dos sistemas de educação em nível mundial, nas novas exigências que o sistema produtivo impõe ao setor educacional e na forma como a discussão desencadeada nos países centrais, nos últimos 20 anos, reflete-se nos periféricos. É nesse contexto que, em meados da década de 1980, se apresentaram as novas tendências relativas especialmente à gestão escolar e às medidas para assegurar a qualidade do ensino (KRAWCZYK, 1999).

O presente estudo observou a realidade de uma escola do município de Campo Grande (MS), a

Escola Municipal Coronel Antonino (EMCA). A EMCA foi fundada no dia 26 de novembro de 1967 e até o presente momento teve 12 diretoras a frente da gestão, sendo que o tempo médio de cada gestão foi de 4 anos72. A EMCA atualmente conta com 85 funcionários, 55 (cinqüenta e cinco) professores e 30 (trinta) funcionários administrativos. No ano letivo 2009 matriculou 1201 (um mil duzentos e um) alunos vinculados a Educação Infantil e Ensino Fundamental. A equipe pedagógica é composta por 3 (três) supervisoras educacionais e 3 (três) orientadoras educacionais, coordenadas pela diretora adjunta da escola.

Segundo informações prestadas pela atual diretora, que já está a frente da gestão a 3 anos, essa

escola já sofreu com problemas de ganges que agrediam os alunos e professores antes e depois das aulas, na entrada e saída das aulas. Porém, com o crescimento do bairro e da cidade esse problema atualmente já não existe mais. A escola possui boa estrutura física e espaço suficiente para alojar os alunos matriculados conforme exigências da Secretaria e do Ministério de educação. A diretora ainda pontua que o principal problema hoje na gestão escolar e no bom desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem é a falta de envolvimento dos pais na vida escolar dos alunos e a alta rotatividade de professores. A jornada de trabalho e o estresse da vida contemporânea dos docentes também são agravantes para o bom funcionamento escolar. Professores cansados e exaustos não se dedicam como deveriam nos processos educacionais.

Quando foi questionado para a direção atual se era possível afirmar que todos os integrantes da

escola (discentes, docentes, funcionários e pais) participavam das decisões administrativas e pedagógicas da escola ela comentou o seguinte:

...As decisões são feitas de forma democrática, com participação de todos os segmentos da escola...

A escola de qualidade foi considerada como aquela em que os alunos gostam de aprender e que

trata bem os seus alunos, não importando a sua cor ou origem social Para os discentes o prazer de ir à escola estava ligado ao gosto de encontrar amigos e colegas, ao desejo de aprender e aos professores que ensinavam bem (CAMPOS, 2002; GOMES, 2005). A direção da EMCA conta com a comunidade e todos os setores da escola para que sua gestão torne-se participativa e democrática e o resultado que comprova essa afirmação são os bons índices de aprendizagem dos alunos pautados pelo IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e avaliações internas. A satisfação dos alunos com relação à escola pode ser medida pela freqüência, segundo a direção. O índice de falta às aulas é pequeno nos turnos matutino e vespertino na EMCA.

72 Informações prestadas pela atual diretora.

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Página 160 de 176 A luta pela democratização dos processos de gestão da educação no Brasil está relacionada aos movimentos mais amplos de redemocratização do país e aos movimentos sociais reivindicatórios de participação. Na sua especificidade, porém, esta luta está também e particularmente vinculada a uma crítica ao excessivo centralismo administrativo, à rigidez hierárquica de papéis nos sistemas de ensino, ao superdimensionamento de estruturas centrais e intermediárias, com o conseqüente enfraquecimento da autonomia da escola como unidade da ponta do sistema (MENDONÇA, 2000, p. 92).

Com base no texto de Mendonça (2000) é possível traçar elucidar caracterizar a realidade da

EMCA. A diretora em sua entrevista deixou claro que a gestão participativa que ocorre hoje na escola foi algo difícil de ser construído, pois ao longo desses três anos o qual é diretora encontrou resistência de várias partes para que a democratização ocorresse. Na baia da resistência encontrava-se a secretaria de municipal, os pais e até mesmo alguns funcionários da escola acostumado com regimes ditatoriais irraigados a anos na história desta escola. A diretora acentua que o processo ainda está em construção, pois em determinadas situações as normas vem prontas e sem possibilidades de escolhas.

Conceição e colaboradores (2006) comentam que uma forma encontrada para democratizar a

escola foi a institucionalização de instrumentos legalmente responsáveis como a eleição de diretores que é um mecanismo através do qual a comunidade da escola (Professores, Alunos, Funcionários e Pais) escolhe o diretor da escola.

A redemocratização da escola e eleição de diretores é uma antiga reivindicação da sociedade e,

com a aprovação da constituição de 1988 reforçou-se esta prática que alguns sistemas escolares já desenvolviam desde o início da década de 80, antes mesmo da regulamentação via legislação nacional. Embora a eleição tenha propiciado à comunidade a livre escolha de seus dirigentes também pode converter-se em um corporativismo que atenda interesses individuais ou de grupos em detrimento da comunidade. Esta prática requer consciência política, comprometimento e não apenas participação restrita ao momento do voto (CONCEIÇÃO et. al., 2006).

A escolha dos diretores nas escolas municipais de Campo Grande (MS) ainda não é por eleição. É

um cargo nomeado pelo prefeito da cidade avalizado pela Secretaria Municipal de Educação. Para ser diretor de uma escola municipal em Campo Grande é necessário a aprovação em um exame de certificação promovido pela própria secretaria. As escolas estaduais do Mato Grosso do Sul já possuem eleição para diretores a muito tempo. A diretora da EMCA não acredita que a eleição de diretores seja uma estratégia fundamental para a democratização escolar. Segunda ela nas escolas estatuais, onde há eleição para diretoras, criou-se estruturas partidárias dentro da escola, separando pais, funcionários e alunos que não favorável ou não favorável aquela gestão. Os que não são favoráveis “não-aliados” aquela gestão não cooperam travando o processo participativo na escola.

A diretora da EMCA comentou durante a entrevista que segundo deliberação do MEC todas as

escolas deverão constituir um CONSELHO DE PAIS (CP) eleito pela comunidade escolar, esse CP trabalhará em parceria com a direção escolar no destino de verbas e nas regulamentações administrativas e pedagógicas. Essa é mais uma estratégia que possibilita a democratização escolar.

Em princípios da década de 1980, as bandeiras de luta dos movimentos sociais ocupavam o

espaço escolar. A luta por democracia e por meios crescentes de participação política no macrocosmo social levava a uma vinculação desses movimentos por liberdades e participação para dentro dos muros da escola A campanha das Diretas Já é exemplo disso e provocou, quando as discussões giravam em torno da questão da indicação dos dirigentes escolares, uma mobilização centrada nas eleições diretas para diretores de escola e que "a ampla temática da gestão democrática fosse, de certa maneira, reduzida a esse mecanismo. A indicação de diretores por razões meramente políticas ainda é largamente utilizada em muitos estados brasileiros, sendo o provimento de cargo de diretor por indicação mais utilizado pelos sistemas estaduais e o segundo em importância nesse processo (LIMA, 2009).

Como é possível perceber, a questão da democratização da escola ainda é assunto polêmico, pois

durante esta pesquisa a maioria dos artigos verificados entrelaça a gestão democrática com a eleição de

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Página 161 de 176 diretores, como fator determinante para que se consolide a organização do trabalho pedagógico-administrativo de maneira participativa conforme abaixo:

Não há dúvida de que a implantação do processo de eleições diretas para diretores, como superador do processo de indicação, é o procedimento, no mínimo, adequado quando o que se propõe é a gestão democrática da escola, mas esta não se concretizará apenas com a eleição de diretores com perfis democráticos. Há a necessidade de mudanças na estrutura de poder da escola (LIMA, 2009).

Porém, a direção da escola EMCA se opõem a eleição de diretores e pontua que esse não seja o melhor caminho. Segundo Ferreira & Aguiar (2001), a gestão democrática se constrói ao serem respeitados os princípios de uma escola voltada para a inclusão social, é: fundamentada no modelo cognitivo/afetivo com clareza de propósitos, subordinados apenas ao interesse dos cidadãos a que serve; com processos decisórios participativos e tão dinâmicos quanto a realidade, geradores de compromissos e responsabilidades; com ações transparentes e com processos auto-avaliativos geradores da crítica institucional e fiadores da construção coletiva. Dessa forma, a gestão democrática constitui-se num componente decisivo em todo o processo coletivo de construção do planejamento, organização e desenvolvimento do projeto político-pedagógico e de um ensino de qualidade, podendo a escola cumprir sua função social e seu papel político-institucional na formação humana (FERREIRA & AGUIAR, 2001).

A autonomia é uma conquista da modernidade e, no mundo do mercado globalizado em que

vivemos afastados das propostas da modernidade, tornam a busca da autonomia uma necessidade material, sóciocultural, psicológica e política no sentido de favorecer aos cidadãos um maior domínio sobre suas vidas. Isto implica em participação e, portanto, é uma tarefa gigantesca a ser conquistada pela educação, especialmente quando observamos que a escola, na prática cotidiana, enquanto instituição social não está conseguindo se desincumbir de todas as tarefas que lhe são imputadas. Dentre os entraves a este processo se destacam as questões burocráticas, a fragmentação como reflexo da divisão do trabalho, o distanciamento entre escola e sociedade, além das dificuldades encontradas junto ao próprio professorado, visto a formação tecnicista que ainda predomina nas escolas e outras que aparecem como de menor significado, tais como os problemas sociais que se evidenciam no interior da escola distanciando a instituição educativa de seu papel social. Estas questões tomam tempo na jornada de trabalho escolar e dificultam e ou limitam discussões e questionamentos sobre a própria instituição e suas relações com as políticas públicas, o que acaba limitando a gestão democrática e, conseqüentemente, a conquista da autonomia (CONCEIÇÃO et. al., 2006). Os docentes

Os docentes são usualmente recompensados em suas carreiras com base na escolaridade e no

tempo de serviço, em graduação crescente. Entretanto, as resenhas das pesquisas mostram que estas são variáveis com impacto controvertido sobre o rendimento do aluno. Gênero, formação pedagógica, formação continuada e salário com muita freqüência não têm impacto significante (WOESSMAN, 2002). Em certos casos o prolongamento da escolaridade se revelou menos apropriado para as séries iniciais (CASTRO et al., 1984). O tempo de experiência, em vez de ter um impacto crescente, parece percorrer uma linha ascendente e depois declinante (WOESSMAN, 2002). Os todos os 55 professores da EMCA possuem graduação (licenciatura) concluída e cerca de 76% (setenta e seis) são pós-graduados em nível latto sensu, porém estudos de impactos de significância da relação entre o grau de escolaridade e desempenho escolar não foi mensurado. Segundo entrevista com a equipe pedagógica da EMCA, os professores com larga experiência em sala de aula são os que menos recrutam os supervisores e orientadores para intervenções de mau comportamento dos alunos73. A equipe pedagógica comenta ainda que a maioria dos professores que estão a mais tempo na escola são os menos faltam e que são mais comprometidos e preocupados com a aprendizagem.

73 Salvo algumas exceções.

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Página 162 de 176 Considerações finais

A Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB de 1996,

compuseram o cenário jurídico e legal, ao determinarem a gestão democrática da escola como princípio na forma da lei. Porém, as conquistas que orientam os atores educativos são obtidas na vivência diária do cotidiano escolar, quebrando as esferas fechadas das estruturas democráticas do sistema e as barreiras do pensamento de alguns, acostumados à ação centralizadora e às rotinas autoritárias.

Não obstante o reconhecimento de que o processo de municipalização do ensino no Brasil vem

sendo marcado por uma racionalidade econômico-financeira excludente, de inspiração neoliberal, torna-se difícil negar o caminho da descentralização como uma estratégia potencialmente capaz de facilitar o exercício da experiência democrática. Isto significa, portanto, considerar o financiamento e a gestão da Educação Municipal como faces de uma mesma moeda, a serem redesenhadas por políticas que realmente levem em conta, regional e localmente, de um lado, o atual quadro de desigualdades socioeconômicas do País e, de outro, o cenário de heterogeneidade cultural que o permeia. Referências bibliográficas CAMPOS, M. M. (2002). Consulta sobre qualidade da educação na escola: relatório técnico final. São Paulo: Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Fundação Carlos Chagas. CASTRO, C. M. (1984). Determinantes de la educación en América Latina: acceso, desempeño y equidad. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. CONCEIÇÃO, M. V.; ZIENTARSKI, C.; PEREIRA, S. M. (2006). Gestão democrática da escola pública: possibilidades e limites. Unirevista. 1(2), pp. 1-11. FERREIRA, N. S. C. & AGUIAR, M. A. da S. (orgs.). (2001). Gestão da Educação - Impasses, perspectivas, compromissos. São Paulo. Cortez, pp. 129-239. GOMES, C. A. (2005). A escola de qualidade para todos: Abrindo as camadas da cebola. Ensaio: Aval. Pol. Publ. Educ. 13 (48) pp. 281-306. GUTIERREZ, G. L. & CATANI, A. M. (1998). Participação e gestão escolar: Conceitos e potencialidades. In: FERREIRA, N. S. C. (org.). Gestão democrática da Educação: Atuais tendências, novos desafios. São Paulo. Cortez. pp. 59-75. KRAWCZYK, N. (1999). A gestão escolar: um Campo minado...Análises das propostas de 11 municípios brasileiros. Educação & Sociedade, Ano XX, 67. pp: 112-149. LIMA, M.A.S. (2009). A Gestão Democrática da Escola e seu Papel Emancipatório Na Nova Sociedade Do Conhecimento. Disponível on-line no dia 01/08/09 em: http://www.ufpi.br/mesteduc/eventos/iiencontro/GT-4/GT-04-06.htm MARQUES, L. R. (2008). Democracia Radical e Democracia Participativa: Contribuições Teóricas à Análise da Democracia na Educação. Educ. Soc. Campinas. 29(102) pp: 55-78. MENDONÇA, E. F. (2000). A Regra e o Jogo: Democracia e Patrimonialismo na Educação Brasileira. Campinas, FE/UNICAMP, 475 p. SAVIANI, D. (1999). Sistemas de ensino e planos de educação: o âmbito dos municípios. Educação & Sociedade, Campinas, SP, v. 20, n. 69, p.119-136. SOUZA, D. B.; FARIA, L. C. M. (2003). O processo de construção da educação municipal pós- LDB 9.394/96: políticas de financiamento e gestão. In: ______ (Org.). Desafios da educação municipal. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. VALENTE, I. (2001). Plano Nacional de Educação. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. WOESSMAN, L. (2001). Why students in some countries do better. Stanford: Hoover Institution. Disponível. em: <http://www.edmattersmore.org>. Acesso em: 2 abr. 2004. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 163 de 176 INCENTIVO A LEITURA E ESCRITA A PARTIR DE CONTOS PEDAGÓGICOS EM UMA

ESCOLA DO ENSINO MÉDIO DA CIDADE DE ARAGUAÍNA (TO).

Waldisney Nunes de Andrade1 Acadêmico do curso de Licenciatura em Física da

Universidade Federal do Tocantins – Campus Universitário de Araguaína Bolsista do PET/Ciências Naturais

Ana Carolinne Silva Brito2 Acadêmica do curso de Medicina Veterinária da

Universidade Federal do Tocantins – Campus Universitário de Araguaína - EMVZ

Eltongil Brandão Barbosa3 Mestre em Educação Licenciado em letras

Professor temporário do curso de licenciatura em química da Universidade Federal do Tocantins

Wagner dos Santos Mariano4 Docente do curso de Licenciatura em Biologia da Universidade Federal do Tocantins

Campus Universitário de Araguaína Tutor do Grupo PET (Programa de Educação Tutorial) Ciências Naturais

Resumo Este trabalho tem por objetivo, analisar os resultados da aplicação de um conto em uma escola do Ensino Médio, como recurso pedagógico para professores que trabalham com a disciplina: Língua Portuguesa. O conto foi aplicado em setembro de 2011, em uma escola da rede estadual da cidade de Araguaína -TO. Os alunos (que participaram deste projeto) receberam uma cópia do conto para levarem para casa, efetuarem a leitura e posteriormente trabalhamos os conceitos e informações contidas no texto, em sala de aula. Durante a atividade executada na escola, dialogamos e debatemos sobre as impressões que tiveram do conteúdo proposto no conto, após essa conversa inicial cada alunos produziu um texto dissertativo, expondo o que foi dito em um texto autoral. Ficou evidente que os alunos se mostraram interessados pelo material, pois, todos produziram o texto (dissertativo), o que seria impossível caso os alunos não tivessem lido o material, e também ficou claro que estes alunos conseguiram contextualizar o que leram com situações cotidianas. O Incentivo a leitura, o desenvolvimento do senso-crítico e o estímulo a confecção de seus próprios textos também podem ser considerados como resultados relevantes deste projeto. Palavras-chave: Material Pedagógico; Conto; Aprendizagem. Abstract This study aims to analyze the results of the application of a fairy in a school of high school, as a pedagogical resource for teachers who work with discipline: Portuguese Language. The tale was implemented in September 2011, in a state school in the city of Araguaína-TO. The students (who participated in this project) received a copy of the story to take home, read and subsequently effecting the work concepts and information contained in the text in the classroom. During the activity performed in school, engage in dialogue and debate about the impressions he had proposed content of the story, after that initial conversation each student produced a text dissertative, exposing what was said in a text copyright. It was evident that students were interested in the material thus produced all the text (dissertative), which would be impossible if the students had not read the material, and it was also clear that these students were able to contextualize what they read with routine situations. The Incentive reading, the development of critical sense-making and stimulating their own texts can also be considered as relevant results of this project. Keywords: Teaching Material; Tale; Learning.

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Página 164 de 176 Introdução

Sobre a Educação Infantil no Brasil, há muitas discussões hoje em dia. Um dos problemas apontados na educação básica é citado por Eliane Barbiéri (2012) que é o “ (...) analfabetismo funcional, ou seja, saber ler no sentido de decodificar o texto, porém, não há efetiva compreensão. Devido ao alto índice de analfabetismo funcional, muitos pais que se encaixam neste quadro, por seu próprio desinteresse pela leitura, tendem a não incentivar seus filhos a ler.” Segundo a autora este é um problema que vem de casa, ou seja, falta de incentivo por parte dos pais sobre seus filhos, assim podemos pensar que nem só crianças, mas também jovens e adolescentes leem, mas não entendem o que estão lendo.

Neste contexto, outros autores cita o papel de outro personagem na história do alfabetismo, o professor. RAMOS (2006) diz que:

[...] o docente assume o papel de mediador da literatura junto aos alunos, através da seleção de textos e de estratégias de abordagem dos mesmos, a fim de criar condições para que o diálogo com a arte aconteça. O mero contato com o objeto não garante a apropriação. É fundamental que sejam criadas estratégias de mediação para que o leitor iniciante se aproprie da literatura e, por meio da interação com a arte, vivencie conflitos e emoções ainda não vividos e vá se construindo (p.5).

O professor, assim como os pais, assume um papel importantíssimo na vida de seus alunos. Este

pode fazer com seus alunos adquira o hábito pela leitura e isto o professor pode fazer com a escolha de textos e estratégias, ou seja, a escolha de seu material didático e como abordar, fazendo com que os alunos tenham mais interesse em participar das aulas para pouco a pouco irem deixando de ser analfabetos funcional.

Sobre a seleção de textos para serem trabalhados por professores do ensino médio, Gutierres (2012), por exemplo, propõe o conto como uma das alternativas, segundo ele:

“o conto vem a ser uma boa tentativa de aproximação dos estudantes com a literatura erudita; ao invés de tratá-la pelo viés histórico, ou ler obras adaptadas, excertos ou até mesmo resumos dos textos clássicos, melhor é ler os clássicos em sala de aula originalmente escritos, mas que respeitem o perfil de seu público - assim, o conto literário vem ao encontro perfeito dessas expectativas (GUTIERRES, 2012).”

O conto não é uma escrita nova, há séculos são produzidos. No século XIX, por exemplo, os

contos eram impressos por intermédio do jornal diário, que se tornou um veículo muito importante para os primeiros contos escritos e postos em circulação na época (TUFANO & NÓBREGA, 2006).

Sobre o gênero literário “conto”, Machado de Assis nos diz que ele é superior aos romances, pois,

“o tamanho não é o que faz mal a este gênero de histórias, é naturalmente a qualidade; mas há sempre uma qualidade nos contos que os torna superiores aos grandes romances, se uns e outros são medíocres: é serem curtos” (ASSIS, 1972, p. 6). Nas palavras de Machado de Assis podemos ver, por exemplo, a falta de interesse de alguns leitores por obras maiores e segundo ele o conto por ser curto acaba tendo vantagem aos textos maiores.

Através de seu conto, o autor pode representar tanto fatos inusitados do dia a dia como também

pode transmitir costumes ou valores culturais, como por exemplo, os contos indígenas, africanos e etc., que contam a história desses povos. Assim pode ser um grande aliado à professores de história, mas não somente, pode ser utilizado por outros professores, das diversas áreas vinculadas ao contexto escolar. Até professores de Física já podem utilizar deste recurso em suas aulas no Ensino Médio para transmitirem conhecimento da física, pois, vários contos na área da física já foram produzidos e podem ser encontrados na Internet. Assim, conto pode ser um grande aliado de professores de todos os níveis da Educação e de todas as áreas de conhecimento.

Segundo Tufano & Nóbrega (2006), “a variedade de gêneros textuais da coleção de antologias, como crônica,

poesia, carta, teatro, conto, cordel etc. amplia o horizonte dos jovens leitores e constitui, por si só, um agente motivador de leitura.” Aqui podemos ver uma mesma opinião que Machado de Assis sobre os textos curtos. Acerca de seu tamanho, o conto acaba sendo beneficiado, pois, consegue prender a atenção de seus leitores. Tufano

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Página 165 de 176 & Nóbrega (2006) trata o conto como um motivador da leitura, pois, não cansa seus leitores por ser um texto curto.

Há uma classificação dos diferentes tipos de contos existentes, sobre essa classificação, Cascudo

(1984) “[...] propõe uma interessante classificação: Contos de Encantamento, Contos de Exemplo, Contos de Animais, Contos Cômicos (facécias), Contos Religiosos, Contos Etiológicos, Demônio Logrado, Contos de Adivinhação, Natureza Denunciante, Contos Acumulativos e Ciclo da Morte (p.261-262)”. Sobre essa grande variedades de contos, fica claro que o professor que se dispuser a utilizar conto em suas aulas ele ainda terá a oportunidade de escolher o melhor estilo de conto que combine com sua turma.

Os contos, segundo alguns autores pode possibilitar um impulso para se buscar textos maiores

como os romances e outros. Autores que veem importante o papel mediador do professor, como salienta Cabral & Mendonça (2012) que diz que “Os textos curtos, como os contos, possibilitam uma melhor adequação ao fôlego do leitor em formação. E a relação com o momento contemporâneo pode ser um instigante meio de “mergulhar” no clima da obra. Daí para a leitura dos romances... E o professor, como um mediador dessas leituras, assume um papel fundamental.

Mais uma vez vemos que o professor toma lugar de destaque como incentivador e promissor da

leitura na vida de crianças e adolescentes, pois, este é o responsável em parte pela qualidade do ensino de sua turma, sem deixar de lado a obrigação dos pais. O autor ainda acrescenta:

“Os contos populares, independentemente de rótulos como “cultura popular”, “folclore” e outros, podem ser considerados uma excelente introdução à literatura, pois nada mais fazem do que trazer ao leitor, de forma acessível e compartilhável, enredos, imagens e temas recorrentes na ficção e na poesia. Através dos contos populares, temos a oportunidade de entrar em contato com temas que dizem respeito à condição humana vital e concreta, suas buscas, seus conflitos, seus paradoxos, suas transgressões e suas ambiguidades (CABRAL & MENDONÇA, p. 7).”

Com base no que fora apresentado, a aplicação do conto “Possibilitando o impossível” em uma escola

pública do Ensino Médio da cidade de Araguaína - TO na tentativa de avaliá-lo como um material a ser usado como recurso pedagógico por professores do ensino fundamental e/ou ensino médio se justifica na tentativa de avaliar o grau de interesse dos alunos pelo material e representar o que conseguiram aprender com as ideias centrais do conto.

O que é um material pedagógico?

O ensino fundamental é compreendido como a segunda etapa da educação básica. Com duração de nove anos, envolve crianças e adolescentes brasileiros com idade entre 6 e 14 anos (FREITAS, 2007, p.86). Sobre o tipo de material pedagógico que deve ser utilizado nesta fase da educação, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) listam as condições básicas à aprendizagem, são elas (MEC, 1998; 2000):

I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura e do cálculo; II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

Assim o material utilizado pelo professor em sala deve está de acordo com as condições exigidas

pelos PCNs, principalmente de acordo com as primeiras condições, mais especificamente sobre o domínio da leitura. O domínio da leitura e interpretação do que se lê pode tornar essas outras condições mais acessíveis por parte dos alunos, pois começam a entender o mundo que os cerca. O ensino médio é tratado como a sequência do ensino fundamental, e nesta fase da educação Freitas (2007) diz que “Tendo como finalidade a consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino

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Página 166 de 176 fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos, o novo ensino médio propõe o desenvolvimento de competências e habilidades básicas, em um processo de construção de uma educação geral voltada à cidadania e à preparação para o trabalho (p. 102)”.

Especificamente no ensino médio, FREITAS (2007) acerca do currículo do ensino médio, e

embasada na Lei De Diretrizes e Bases da Educação (LDB), diz que,

“as áreas do currículo e o tratamento dado aos conteúdos, em cada instituição de ensino, devem primar pela oferta dos instrumentos necessários ao estudante para que ele, autonomamente, tenha condições de refletir e relacionar o que aprendeu com as práticas sociais em seu cotidiano (p. 102).”

Levando em consideração que o ensino médio é uma sequência dos conteúdos do ensino

fundamental, e que nesta fase, os PCNs atribui condições para um bom aprendizado, o material pedagógico é caracterizado como os instrumentos utilizados em sala de aula para a exposição de determinado conteúdo de determinada disciplina. O material didático/pedagógico é um facilitador para que estes alunos consiga por si só chegarem a uma conclusão de mundo. Normalmente são utilizados livros, revistas, artigos, ou seja, qualquer material que o professor possa utilizar para transmitir conhecimento à seus alunos.

Sobre o uso de contos em sala de aula, há autores que propõe que os contos sejam redescobertos

na escola e componham uma parte significativa do currículo, ao longo do Ensino Fundamental, desde a Educação Infantil até os ciclos finais (TUFANO & NÓBREGA, 2006)”. Podendo acrescentar o Ensino Médio. Assim no educação infantil, ensino fundamental e no ensino médio, um bom material pedagógico seria aquele capaz de prender a atenção dos alunos e estimulá-los para novas leituras. Projeto “ouça que eu te conto”

Este foi um projeto que o tutor do PET/Ciências Naturais (Programa de Educação Tutorial) da Universidade Federal do Tocantins, propôs no início do programa, em 2011. No projeto, todos os petianos (dezoito na época) teriam que produzir um conto para ser aplicado em escola/s da cidade de Araguaína-TO. Poderia ser contos tanto para a Educação Infantil, Ensino Fundamental ou Ensino Médio. Os contos deveriam possuir características parecidas com a que aqueles estudantes estariam passando naquele momento de suas vidas, por exemplo, como enfrentar o bullyng, a anorexia, as drogas, a gravidez na adolescência e etc., contendo, ainda, uma mensagem positiva de como enfrentar estes problemas ou situações.

Característica do conto: “possibilitando o impossível”

O conto “Possibilitando o impossível” foi criado como atividade de Ensino/Extensão do grupo PET/Ciências Naturais, produzido no início (primeiros dois meses) do ano de 2011 pelo acadêmico de Licenciatura em Física, Waldisney Nunes de Andrade um dos autores deste estudo. O conto retrata a história de um jovem garoto (Paulinho) que morava em um sítio, e assim como seus pais, não tinham nenhuma perspectiva de melhoria de vida, provavelmente este seria o seu destino, a não ser que se mudasse para cidade e estudasse. E assim aconteceu, o jovem fora morar com um tio na cidade, começou a estudar, posteriormente, ingressou em uma universidade, cursou medicina e fez diferente de todos os outros moradores do vilarejo que antes morava. O conto possui uma mensagem positiva com ideias facilmente percebidas em sua leitura, como: Mudança de nível social e intelectual, perseverança, honestidade, visão de crescimento, esforço, objetivos traçados, adversidade da vida, gratificação e qualidade de vida. Trilhas metodológicas

Para trabalhar o gênero textual “conto” foi escolhido uma turma do 2º Ano do Ensino Médio de uma escola estadual da cidade de Araguaína (TO), e em parceria com uma professora de disciplina de Língua Portuguesa. Inicialmente, em sala de aula o autor entregou uma cópia do conto a cada aluno (Fig.

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Página 167 de 176 1), com o objetivo que estes pudessem levá-lo para suas casas e que o apreciasse, através da leitura. O intuito neste primeiro momento era fazer com que o conto fosse conhecido pelos alunos, na tentativa que estes ficassem curiosos para saber do que se tratava a história.

Depois de duas semanas da entrega dos contos voltamos a escola, conforme combinado com os alunos, para que estes expressassem suas impressões acerca da história. Pedimos então que os alunos produzissem um texto dissertativo que nos serviria como estratégia avaliativa, e podermos verificar a eficiência do material pedagógico. Todos os alunos que estavam nesta aula produziram o texto e após ele ser confeccionado abrimos um debate para então verificarmos o que mais lhes chamaram atenção na história Resultados e discussão

No texto que os alunos fizeram, procuramos as relações que os alunos faziam com o que estava escrito no conto e situações presente no cotidiano de cada aluno. Posteriormente, houve uma breve discussão sobre temas que os alunos foram apontando, como: Força de vontade; perseverança, a importância do estudo [...]. O texto produzido pelos alunos nos deu base para saber o grau de interesse que estes tiveram na leitura do conto, e como vimos no referencial teórico acima, parece que a utilização de textos curtos, são boas estratégias para alunos de ensino médio para estimular a leitura e a escrita. O conto aplicado apresentou bons resultados, podemos afirmar isso pelo fato de que todos os alunos presentes na aula e que outrora tinham recebido uma cópia do conto, produziram o texto que pedimos, com muito entusiasmo e participaram ativamente das discussões. É possível afirmar também que todos leram o texto, pois se não conhecessem o enredo destoariam nos textos produzidos e isso não aconteceu, após a correção que fizemos.

No texto que os alunos produziram ficou claro não só que estes tinham lido, mas que também

conseguiram contextualizar o escrito com o cotidiano, e isto podemos ver em trechos dos textos produzidos pelos alunos, como os relatos seguintes:

“Essa historia (a do conto) passa uma mensagem, que nos faz refletir, no intuito de mostrar que tudo é possível basta acreditar e trabalhar para o sonho virar realidade que a vida impõe o importante é seguir em frente, e colocar na cabeça que é possível alcançar o objetivo não importa qual for.”

“O conto Possibilitando o Impossível transmite a mensagem para as pessoas nunca parem de estudar por que através do estudo podemos conquistar nossos sonhos até aqueles considerados Impossível.”

“Mostrou-nos também a realidade de hoje, tem muitos jovens que saem de casa para estudar fora para terem um vida melhor do que seus pais.”

Nos trechos acima podemos ver que a história do conto foi facilmente entendida pelos alunos,

neste sentido, esta leitura não produziu aquilo que Barbiéri (2012) chama de analfabetismo funcional. No segundo momento de avaliação, convidamos os alunos para falarem acerca do que aprenderam, e o que mais lhes tinha chamado atenção na história, deixando aberto para que cada aluno falasse. Os alunos participaram deste momento com suas contribuições na forma de perguntas acerca da história, tais como, das dificuldades da sua produção e ainda falaram de momentos da história (do conto) que tinham vivido ou estavam vivendo, ou ainda dando sugestão de como ficaria melhor alguma parte da história se fosse abordada de uma outra forma.

Assim podemos sugerir que o conto “Possibilitando o Impossível” pode ser utilizado por

professores do Ensino Médio como recurso pedagógico, pois, os alunos mostraram interesse pela leitura do material e numa análise das mensagens contidas no conto, os alunos conseguiram tanto identificá-las como também contextualizar com situações presente no dia-a-dia. Neste sentido o que se vê é que o conto conseguiu fazer o que Tufano & Nóbrega (2006) relatam ao falar que o conto por sua estrutura curta acaba sendo um motivador para leituras mais longas.

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Página 168 de 176 Considerações finais

Vindo de encontro aos objetivos de um bom material pedagógico, o conto em questão aplicado na escola de ensino médio alcançou os objetivos esperados, pois, conseguiu prender a atenção dos alunos, e balizando-nos nas palavras de Cabral & Mendonça (2012) que pensam que o conto tem que se adequar ao fôlego dos alunos, para que estes não desistam de lê-lo. Referências bibliográficas ASSIS, M. História comum. In: - Obras completas. Rio de Janeiro/São Paulo/Porto Alegre: W. M. Jackson, v. 14. 1972. BARBIÉRI, E. “Os Contos de Fadas e o Incentivo ao Hábito da Leitura no Ensino Fundamental”. Disponível on-line em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/194-4.pdf Acessado em 28 de junho de 2012. CABRAL, M.; MENDONÇA, R. H.. Conto E Reconto: Literatura E (Re)Criação. Proposta Pedagógica. Disponível on-line em: http://tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/151433Contoreconto.pdf Acessado em 28 de junho de 2012. CASCUDO, L. C. Literatura Oral no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1984. FREITAS, O. Equipamentos e materiais didáticos. Brasília: Universidade de Brasília, 2007. GUTIERRES, A. EDUCAÇÃO LITERÁRIA POR MEIO DO CONTO NO ENSINO MÉDIO. (UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL - UCS). Disponível on-line em: http://alb.com.br/arquivomorto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/sem04/COLE_1141.pdf Acessado em 28 de junho de 2012. TUFANO, D.; NÓBREGA, M. J. Antologia De Contos – Contos Brasileiros Contemporâneos. Moderna. São Paulo. 2006. RAMOS, F.B. Literatura na escola: construção do leitor e do cidadão. In: Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada, 2006, Rio de Janeiro. Anais do X Congresso da Abralic. Rio de Janeiro: UERJ, 2006. MEC - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais, 3o e 4o ciclos do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. _______. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Brasília: MEC, 2000. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 169 de 176 SOBRE O A PRIORI HISTÓRICO EM MICHEL FOUCAULT

Welisson Marques74

Existe uma sensibilidade metafísica tácita na pintura de história foucaultiana. Não se podendo pensar qualquer coisa em qualquer momento, só pensamos dentro das fronteiras do discurso do momento. Tudo o que julgamos saber está limitado sem que o saibamos, não lhe vemos os limites e ignoramos até que existam. (VEYNE, 2009)

Resumo Neste breve artigo, de base teórico-reflexiva, buscamos definir a noção de a priori histórico , pautando-se em Michel Foucault. Para tal, pautar-nos-emos em alguns de seus escritos bem como na obra Foucault, o pensamento, a pessoa de Paul Veyne. Conclui-se que o a priori histórico concerne a todos os dispositivos (institucionais, jurídicos, penais, sociais, tecnológicos, de leis, regras, hábitos, costumes, cultura, etc.) de uma dada época e que inconscientemente regulam os discursos, os dizeres (i.e., as materialidades de linguagem e semióticas) dos sujeitos e instituições. De tal sorte, evidencia-se, nos escritos de Foucault, essa ligação temporal-histórica com a produção discursiva do momento (manifestada de maneira artística, midiática, política, filosófica, etc.). Palavras-chave: Michel Foucault; epistemologia do saber; história. Abstract: In this brief paper, of theoretical-reflexive basis, we will try to define the notion of historical a priori, following Michel Foucault‟s thought. For doing so, some of his works will be analyzed as well as the book Foucault, sa pensé, sa personne written by Paul Veyne. We reached the conclusion that the historical a priori refers to all devices (institutional, juridical, social, penal, technological, of laws and regulations, habits, costums, culture, etc.) of a given time and which unconsciously regulate the discourses, the enunciations (i.e., the materiality of language and semiotics) of subjects and institutions. Thus, in the writings of Foucault, we perceive this time-historical connection with the discoursive production of a certain time (produced in an artistic, mediatic, political, philosophical, etc. way). Key-words: Michel Foucault; epistemology of knowledge; history. Breve Prolegômeno

O pensamento de Michel Foucault é deveras profícuo. Este filósofo escreveu um número

considerável de obras cujas ideias têm contribuído para diversos campos do saber: psicologia, sociologia, filosofia, ciências jurídicas, antropologia, só para citar algumas, incluindo o vasto e heterogêneo território dos estudos da linguagem, mais precisamente a Análise do Discurso (doravante AD), disciplina esta de caráter interdisciplinar fundamentada por Michel Pêcheux ([1969] 1990; [1975] 1988; [1981] 2009; [1983] 2002) no final da década de 1960 e que funde língua, sujeito e história.

De tal modo, buscaremos definir neste artigo a noção de história, pautando-se em Michel Foucault

visto que a mesma serve de ferramenta teórico-metodológica à AD, lugar onde nos inscrevemos teoricamente. Pautar-nos-emos em alguns de seus escritos bem como em um renomado escritor contemporâneo que com ele realiza interlocuções muito pertinentes. Isto é, recorreremos à obra Foucault, o pensamento, a pessoa do também filósofo francês Paul Veyne.

74 Doutorando e Mestre (com Louvor e Distinção) pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos - Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia (ILEEL-UFU), Uberlândia, MG, Brasil. [email protected].

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Página 170 de 176 O conceito de discurso em Foucault

Para Foucault, discurso é uma prática socialmente produzida e que reclama uma materialidade, cujo suporte pode ser a fala, o texto, a imagem, a pintura, o gesto, o corpo, etc. Esses são canais de linguagem necessários para que o mesmo (o discurso) possa se constituir e ganhar existência empírica. O discurso, nesses moldes, não está preso à literalidade textual, nem à língua propriamente dita, mas é por meio destes, do que essas materialidades evidenciam, que se pode compreendê-lo. Como afirma Fernandes “as escolhas lexicais e seu uso revelam a presença de ideologias que se opõem, revelando igualmente a presença de diferentes discursos, que, por sua vez, expressam a posição de grupos de sujeitos acerca de um mesmo tema” (FERNANDES, p. 19).

Se por um lado Foucault traz profícuas contribuições no que tange à história e às formações

discursivas (heterogêneas) para o interior da AD, por outro o mesmo recebe críticas em virtude de suas ideias não avançarem no que concerne à superfície linguística. Foucault não toca essa questão. Primeiro, porque ele não era analista de discursos. Segundo, consequência da primeira, pelo fato desse não ser seu enfoque de pesquisa.

Seu enfoque, como ele mesmo postula, é demonstrar “como as práticas sociais podem chegar a

engendrar domínios de saber que não somente fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas também fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos do conhecimento”, (FOUCAULT, [1972] 1999, p. 228). Segundo ele, “O próprio sujeito de conhecimento tem uma história, a relação do sujeito com o objeto, ou, mais claramente, a própria verdade tem uma história” 75. Nessa passagem, retirada de As palavras e as Coisas, Foucault trata sobre o discurso da natureza, e conclui que “a teoria da história natural não é dissociável da teoria da linguagem” 76. Segundo ele, ainda a este respeito, há uma disposição fundamental do saber que ordena o conhecimento dos seres segundo a possibilidade de representá-los num sistema de nomes. Sem dúvida, houve, segundo Foucault, nessa região que hoje chamamos de vida, muitas outras análises além daquelas das identidades e das diferenças. Todas, porém, repousam numa espécie de a priori histórico que as autoriza em sua dispersão, em seus projetos singulares e divergentes, que tornava igualmente possíveis todos os debates de opiniões de que eles eram o lugar” (cf. Foucault, ano, p. 218).

Dito isso, percebe-se, portanto, que Foucault exerce um trabalho de “desconstrução” do

pensamento. Seu exercício busca romper com o pré-estabelecido, com o a priori do pensamento (seu próprio a priori), já “legitimado”, e volta-se para um novo exercício sobre o sujeito, o saber, o poder, etc. Assim, a genealogia e a arqueologia foucaultianas são métodos que implicam um distanciamento de nós mesmos e do “hoje” sendo também métodos considerados filosóficos em virtude de incitarem à reflexão. É nessa direção que avançaremos tratando mais especificamente, na sequência, sobre o a priori histórico.

Todo a priori é Histórico77

O que é história para Foucault? E o que seria esse a priori histórico de que Foucault fala? Tal

questão é tratada por Paul Veyne, estudioso de Michel Foucault, em sua obra Foucault, o pensamento, a pessoa. Nesta, apresenta-nos um cariz do pensamento do autor bem como descreve passagens de seu relacionamento pessoal com o mestre francês. Mais especificamente no capítulo 2 dessa obra, Veyne trata exatamente dessa questão e discorre sobre a noção de história, essencial, reiteramos, para o analista de discurso.

Como se sabe, na análise histórica da produção dos saberes, Foucault se distancia do paradigma “já

estabelecido” de dada época. Para exemplificar esse distanciamento, Veyne ilustra a questão utilizando-se

75 Ibid., p. 228. 76 Ibid., p. 228. 77 Título homônimo à versão portuguesa do capítulo 2 da obra Michel Foucault – seu pensamento, sua pessoa do autor francês Paul Veyne. É válido ressaltar que além de Veyne realizar uma releitura do pensamento foucaultiano, ele também apresenta algumas informações sobre seu relacionamento com o renomado filósofo.

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Página 171 de 176 da metáfora do aquário. O aquário serve como representação do lugar em que os sujeitos de uma dada época ocupam e deste lugar contemplam, de modo geral, a realidade que os cerca.

Toda a produção de conhecimentos (científica, tecnológica, social, teológica, institucional, etc.) de

um período histórico se submete a essas estruturas. No entanto, a despeito de a produção de conhecimentos de um período estar condicionada a certas estruturas vigentes, estas podem ser alteradas pela produção e circulação de novos acontecimentos, novos discursos. Em suma, as “paredes” ou o “bocal” desse “aquário” se deslocam, sofrem alterações resultantes das constantes transformações sociohistóricas.

Nesse sentido, a própria escrita dos historiadores já produz conceptualização (tal escrita se submete

a certo paradigma, ao “aquário” e ao mesmo tempo reforça o modo de se vislumbrar a história). Ainda na esteira de Foucault, Veyne também postula que “em breve compreenderão (os

historiadores) que a história do Ocidente é indissociável da maneira como a verdade é produzida e inscreve seus efeitos”. Sendo assim, a escrita da história, conforme já assinalamos, se submete aos paradigmas (institucionais, sociais, tecnológicos, políticos, culturais) de uma época e nela imprime seus efeitos.

Foucault critica o fato de a sociedade ser o foco ou o horizonte de análise dos historiadores.

Pautados em sociológicos como Durkheim e Marx, explicam (os historiadores) que para se fazer a história da arte, por exemplo, os mesmos se voltam para a “arte da sociedade”. Foucault, a seu turno, enxerga essa realidade de uma maneira mais abrangente, isto é, “se nem tudo provém da sociedade, pelo menos tudo para lá converge; a sociedade é ao mesmo tempo uma matriz e o receptáculo final de todas as coisas”. Dito de outro modo, para os historiadores a sociedade é vista simplesmente como “fonte” para a produção histórica ao passo que para Michel Foucault, ela (a sociedade) é ao mesmo tempo a “causa” e o “efeito” da própria produção discursiva.

Essa é a base do método arqueológico foucaultiano em que se busca descrever o acontecimento

tanto em sua singularidade, como também pertencente, ao mesmo tempo e indissociavelmente, a uma ampla rede sociohistórica.

Veyne destaca que “Foucault não estava tão marginalizado quanto queria crer”, ou seja, ele

despertava simpatia naqueles que seguiam uma vertente contrária aos historiadores das mentalidades, tais como Michelle Perrot, Arlette Farge, Georges Duby, entre outros. Veyne também destaca algumas questões sobre seu relacionamento pessoal com Foucault. Primeiramente, pontua a capacidade heurística do filósofo, que tinha a habilidade de informar-se sozinho sobre uma cultura ou disciplina por meses. Nessa relação, o papel de Veyne era “confirmar algumas vezes a sua informação e dar-lhe conforto” 78. Além disso, declara a tristeza de Foucault pelo fato de seu trabalho não ser bem recebido nem pelos filósofos, nem tampouco pelos historiadores de sua época. Isso lhe causou grande decepção.

Retomando a crítica à “constante histórica”, Veyne destaca que o que se tendia (e ainda talvez seja

tendência na historiografia) é colocar “tudo” em um mesmo receptáculo (“tudo” aqui pode ser compreendido como os variados acontecimentos de uma dada época e a ampla produção discursiva que os circunda). Essa tendência de homogeneização é passível de crítica, pois no método arqueológico o enfoque recai na singularidade do acontecimento. É impossível homogeneizá-los. Apenas pelo método arqueológico percebe-se a singularidade e disparidade dos (aparentemente semelhantes) discursos.

De tal sorte, um arqueogenealogista, ou como prefere chamar Veyne - um “foucaultiano” - parte,

em sua análise histórica, da singularidade do acontecimento para, a partir daí, compreender a produção discursiva que orbita em torno desse mesmo acontecimento e como se estabelece sua relação com outros discursos (dispersos, aparentemente desconexos, singulares). É nesse exercício que se busca deslindar (apesar de nunca alcançá-lo em sua completude) o discurso caudatário da complexa trama histórica que o

78 VEYNE, 2009, p. 30.

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Página 172 de 176 sucede e o enrola (sua produção), e moldado pelas vontades de verdade e exercício de poder amiúde opacos e fugazes.

Além da análise histórico-foucaultiana contemplar o acontecimento em sua singularidade ou

“estreiteza”, também o emerge de uma rede mais ampla e extensa da qual está absorto. Para tal, demonstra como determinados conceitos advindos de diferentes campos se alteram em diferentes épocas. No campo médico-psiquiátrico, por exemplo, afirma não ser tão evidente assim que os loucos fossem reconhecidos como doentes mentais. Em outras palavras, a própria definição de louco já é uma produção discursiva. No mesmo sentido, os significados de doença são alterados, entre outros fatores, pelas transformações sociais, pelas formas de observação médica, pelas mudanças do discurso patológico, bem como pelas análises clínicas que não são as mesmas de um século para outro79 (seu enfoque recai sobre os séculos XVIII e XIX e às vezes os compara aos procedimentos do século XX).

Estendendo seus exemplos aos campos da biologia e astronomia, Foucault revela também como

conceitos iguais aos de microscópio e planeta se alteraram em virtude de uma mudança no discurso do visível. Ainda nessa direção, até o século XVII evidencia em O Nascimento da Clínica que Bichat e Laennec,

médicos franceses dessa época, recusavam-se a utilizar esse instrumento e limitavam-se ao visível. Ninguém acreditava até então que poderia haver seres tão mínimos e invisíveis. Por outro lado, ainda sobre essa submissão ao discurso ou ao “paradigma” do visível dominante no século XVII, um planeta só era considerado tal se pudesse ser visto a olho nu. Obviamente, com o advento dos telescópios, o sistema solar alcança um novo patamar. Concomitantemente abre-se uma nova perspectiva para esse signo.

Feitas essas observações, compreende-se, na esteira de Foucault, que não se pode pensar qualquer

coisa em qualquer momento: “Tudo o que julgamos saber está limitado sem que o saibamos. Não lhe vemos os limites e ignoramos até que existam” (VEYNE, 2009, p. 32). Nesse sentido, Veyne metaforiza com o exemplo do motorista que dirige à noite. O motorista (historiador) enxerga somente até onde o farol alcança e o que daí reverbera. O farol simboliza os dispositivos (conscientes ou não) de que ele dispõe. O escuro representa aquilo que o cerca, que não se enxerga, mas que está lá, presente, condicionando o caminho. Assim, “só pensamos dentro das fronteiras do discurso no momento” 80.

Apesar do “aquário”, os acontecimentos têm força para deslocar essas paredes. Os dispositivos

institucionais, sociais, etc. também se deslocam e nos colocam em “uma nova redoma”:

É certo que esse a priori, longe de ser uma instância imóvel que tiranizaria o pensamento humano, é cambiante, e nós mesmos acabamos por mudar com ele. Mas ele é inconsciente: os contemporâneos ignoraram sempre onde estão os seus próprios limites e nós próprios não podemos vislumbrar os nossos.

Segundo essa passagem, em consentâneo com Veyne (2009), o a priori apresenta três características que destacamos:

a) “não é tiranizador, ou seja, é cambiante, pois se altera no discurso”, isto significa que as forças

sociais o alteram, o modificam; b) “somos constituídos por esse a priori e mudamos com ele”, é impossível estar fora dessa

realidade de dispositivos que cercam e constituem inexoravelmente os sujeitos; c) “é inconsciente”, ou seja, mesmo que se acredite e se tenha a ilusão de que se pode sair fora

desse aquário ou ser possuidor de dado domínio, o sujeito já está dominado/inserido nesse sistema de dispositivos.

79 Ou mesmo em períodos temporais mais curtos. 80 Ibid., p. 32 et seq.

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Página 173 de 176 Veyne também elucida a noção de discurso em Foucault que é amiúde mal compreendido. Nesse

sentido, critica a leitura equivocada de As Palavras e as Coisas em que tomaram por discurso a instância material, a infra-estrutura que determinava as super-estruturas políticas e culturais. O discurso, reitera, não é estrutura nem outro nome para a ideologia (enganadora) e não se vincula de forma alguma à noção althusseriana de ideologia. Nas palavras de Veyne, os discursos são, em Foucault, as lentes por meio das quais se enxerga a realidade. São também o que cartografam aquilo que as pessoas fazem e pensam (mesmo sem o saberem).

O termo discurso demostra que é preciso buscar delimitar o acontecimento em sua especificidade

como produto único da história. De tal sorte, fazer Análise de Discurso nas vias de Foucault é analisar o objeto (o discurso) em sua singularidade, realizar o traçado histórico de dado acontecimento.

Sendo assim, enquanto para Foucault o próprio discurso já é uma evidencia da realidade

(fragmentada, singular, dispersa), para os historiadores a produção histórica passa por certa “pedagogização” ou formatação dos fatos, privilegiando os grandes feitos. Assim, “só entra na história” aquilo que é considerado relevante. Para Foucault, ao contrário, qualquer acontecimento é histórico. Essa posição rendeu-lhe muitas críticas, dentre as quais a de fazer a escrita da história um processo anônimo e irresponsável (pois se tudo é histórico, não há um autor ou autores definidos que a produz...). Para os historiadores, seria necessário valorizar os grandes feitos, os grandes nomes.

De tal sorte, qualquer discurso mobiliza todo um dispositivo. Por dispositivo compreende-se a

ciência, as instituições, a escola, a igreja, o exército, as leis, atos e práticas. Na esteira de Foucault, o próprio discurso é imanente ao dispositivo que se molda nele. Assim, no devir histórico os discursos “fazem a cor local” do dispositivo, ao passo que também os criam, os constituem e os alteram. Cabe ao historiador, portanto, (e ao analista de discursos do mesmo modo), procurar a rede de causalidades entre os dispositivos e os discursos. É nesse exercício que se vislumbra as relações de saber, poder e verdade imbricadas no discurso.

O saber não é desinteressado, mas utiliza-se e é utilizado pelo poder. Nessa tarefa o poder e o saber

mobilizam a noção de verdade. Por exemplo, em O Príncipe de Maquiavel são evidenciadas inúmeras técnicas de governo (de poder) e suas relações com o saber, com o conhecimento que o príncipe ou rei devem possuir. As técnicas militares (o saber) também são utilizadas como exercício de dominância (o poder). Para governar atualmente, também se exige um saber (conhecimentos das mais diversas áreas como economia, ciência política, estatística, linguística, etc.) que amiúde é mobilizado como verdade, ou posição de verdade com o intuito de se exercer o poder. São breves exemplos que endossam as complexas relações entre o saber, o poder e a verdade e que estão capilarizados nas mais diversas práticas discursivas.

Ademais, Veyne evidencia a proximidade da noção de discurso em Foucault com o “ideal-tipo” de

Marx Weber. A diferença principal é que na noção weberiana não reside o princípio de singularidade, comum nos escritos de Foucault sobre o discurso.

Enfim, assim como a história da ciência não segue uma lei geral, retilínea, contínua, regulada pela

razão humana, pois existe antes (como também alhures) um inconsciente geral e social que determina as práticas dos sujeitos, o discurso (para Foucault) não deve ser visto como algo uniforme, pronto, e acabado. Ele é, nas palavras de Veyne, “arrastado” pela história na companhia de seu inseparável dispositivo, sofrendo esses impactos históricos, e assumindo novas formas. À Guisa de (In)considerações Finais

Neste artigo, buscamos definir o conceito de história que perpassa o pensamento foucaultiano. Para tal, recorremos a algumas de suas obras, bem como a Paul Veyne, erudito de Michel Foucault.

O a priori histórico concerne a todos os dispositivos (institucionais, jurídicos, penais, sociais,

tecnológicos, de leis, regras, hábitos, costumes, cultura, etc.) de uma dada época e que inconscientemente regulam os discursos, os dizeres (i.e., as materialidades de linguagem e semióticas) dos sujeitos e instituições.

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Página 174 de 176 Retomando a metáfora do “aquário”, Veyne pontua que cada sujeito conhece, conhece-se e se faz

conhecer por meio desse aquário, cujas redomas ou “paredes” significam os dispositivos e discursos sociais e históricos que os cercam (os sujeitos) e os constituem. De tal sorte, evidencia essa ligação temporal-histórica com a produção discursiva do momento (manifestada de maneira artística, midiática, política, filosófica, etc.).

Enfim, para Foucault, a temporalidade do sujeito é feita de sua atualidade. Em outros termos, é

limitada. Referências FERNANDES, Cleudemar Alves. Análise do Discurso: Reflexões Introdutórias. São Carlos: Editora Claraluz, 2007. FOUCAULT, Michel. [1982]. As técnicas de si. In: Dits et écrits. Paris: Gallimanrd, 1994. v. IV, p. 783-813, por Wanderson Flor do Nascimento e Kátia Neves. Disponível em www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault. FOUCAULT, Michel. [1969]. A arqueologia do saber. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1995. 239 p. FOUCAULT, Michel. [1971]. A ordem do discurso. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996. 79 p. FOUCAULT, Michel. [1982]. Subjetividade e verdade. In: ______. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. p. 107-115. FOUCAULT, Michel. [1972]. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 407 p. FOUCAULT, Michel. [1983]. “Outros Espaços”. In: MOTTA, M. (Org.). Michel Foucault: Estética: Literatura e Pintura. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. (Ditos & Escritos v. III). FOUCAULT, Michel. [1979]. Microfísica do poder. Trad. de Roberto Machado. 24. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007. 296 p. PÊCHEUX, Michel. [1975]. Semântica e discurso – uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Pulcineli Orlandi et al. Campinas: EDUNICAMP, 1988. 317 p. PÊCHEUX, Michel. [1969]. A Análise do Discurso: Três Épocas (1983). In: GADET, Françoise & HAK, Tony. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: EDUNICAMP, 1990. p. 311-318. PÊCHEUX, Michel. [1983]. O papel da memória. In: ACHARD, Pierre et al. O papel da memória. Campinas: Pontes, 1999. p. 49-57. PÊCHEUX, Michel. [1983]. O Discurso: estrutura ou acontecimento. Trad. Eni Puccinelli Orlandi. 3. ed. Campinas: Pontes, 2002. 68 p. PÊCHEUX, Michel. [1981]. O estranho espelho da análise do discurso. In: COURTINE, Jean-Jacques. Análise do discurso político – o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos: EdufScar, 2009. p. 21-26. VEYNE, Paul. Foucault, o pensamento, a pessoa. Trad. Luís Lima. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2009. 154 p. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012

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Página 175 de 176 RESENHA: COELHO, Eulália Isabel. Jogo do imaginário em Caio F. Caxias do Sul. RS. EDUCS. 2009. 72 p.

LITERATURA & JORNALISMO EM CAIO FERNANDO ABREU

Rodrigo da Costa Araujo81

Embora sucinto, o livro Jogo do imaginário em Caio F. (2009), de Eulália Isabel Coelho, lançado pela editora Educs, tem a intenção de aproximar os discursos e convergências entre literatura e jornalismo na poética do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu (1948-1996). Com tal anseio, a obra contempla esse recorte e serve como instrumento didático e esclarecedor para leituras ou estudos e pesquisas dentro e fora do ambiente acadêmico.

Literatura e jornalismo em convergência delineiam um percurso que, além de mapear marcas intertextuais e estilísticas na obra do escritor em questão, assumem contornos discursivos e avaliativos segundo categorias da factualidade e da ficcionalidade. Nessa discussão, não ficam de fora as categorias da justaposição entre gêneros, com o destaque inevitável para a crônica, em par com a reportagem e o próprio conto, como, também, a interferência da imagem no discurso breve etc.

De certa forma, a poética de Caio F. é vista, pelos olhos de Eulália Isabel Coelho, como desejo de

se espraiar e fisgar qualquer leitor interessado em sua prosa - fiada ou sisuda, leve ou aparentemente despreocupada, poética ou epifânica - que salte das letras como telas rápidas e influenciadas pela imagem.

Jogo do imaginário em Caio F. é dividido em dois capítulos chaves - “Interface entre o literário e o jornalístico” e “Domínio do irremediável em Caio F: Palavra/imagem”. Antecipadamente, confirma-se que um ponto de vista da confluência de gêneros da literatura e do jornalismo em Caio Fernando Abreu, sem dúvida, é a narratividade.

Desse conjunto, esse primeiro momento da pesquisa é dividido em “O des(enlave) real/imaginário”, o registro do real evanescente, o estilo jornalístico, a construção em discurso denotativo-factual, o instante narrado ou descrito, o real e a enunciação jornalística, a intertextualidade, “ a reportagem-conto”, “a reportagem-crônica”, o imaginário e o lugar do leitor. Das divisões em rubricas, Eulália busca um painel do escritor-jornalista, flashes da vida na prosa curta, certos instantâneos do tempo em registros. Eles, de certa forma, atingirão a grande força expressiva justamente na capacidade de imprimir alguma “exatidão” e escolhas verbais na crônica e nos contos do escritor de Pequenas Epifanias.

Como se percebe, conformações típicas de um gênero narrativo literário podem conter algum sentido de parentesco com as de um jornalístico; e, ao mesmo tempo, o trânsito de discursos permite algumas formas de expressão aparentemente deslocadas na prosa do escritor-jornalista. Essas marcas discursivas, sempre muito legíveis no romance Onde Andará Dulce Veiga desse escritor - e apesar de não terem sido exploradas no livro de Eulália - são sugestões aparentes e procedimentos narrativos de captação de temas e assuntos relacionados com a imagem. Trata-se de um jornalista-narrador que procura por uma cantora desaparecida em determinada época.

81 Rodrigo da Costa Araújo é professor de Literatura Infantojuvenil e Teoria da Literatura na FAFIMA - Faculdade

de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé, Mestre em Ciência da Arte [2008 - UFF] e Doutorando em Literatura

Comparada [UFF]. Ex Coordenador Pedagógico do Curso de Letras da FAFIMA, pesquisador do Grupo Estéticas

de Fim de Século, da Linha de Pesquisa em Estudos Semiológicos: Leitura, Texto e Transdisciplinaridade da UFRJ/

CNPq e do Grupo Literatura e outras artes, da UFF. Coautor das coletâneas Literatura e Interfaces e Leituras em

Educação, da Editora Opção (2011). E-mail: [email protected]

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Página 176 de 176 O segundo capítulo, pautado no livro de contos mais conhecido de Caio Fernando Abreu, busca

acolher manifestações textuais, literárias e jornalísticas, marcadas, significativamente, pelo traço da narratividade/visualidade, além de lançar, um olhar crítico sobre alguns quadros contextuais da obra do referido escritor.

Dessas marcas, fica claro que o discurso de Caio Fernando Abreu denuncia, através de Morangos

Mofados, a fúria e a suposta leitura de “um outro morango”: escaldante, vermelho-erótico, alegórico. Por trás dos contos e dos personagens que vivem na cidade, os morangos guardam um grito, um silvo angustiado que quer vir à superfície e se fazer ouvir para além do “mofo”. Esse olhar vem metaforizado pela aparência do vermelho da fruta e da errância que percorrem toda a coletânea.

Do jogo especular e das interfaces entre jornalismo/literatura, a estudiosa afirma que: “Ligado ao

seu tempo e ao jornalismo, o escritor traduz em seus textos inquietações do homem da era pós-industrial, marcando sua escritura com dramaticidade e intimismo, informação e poeticidade” (2009, p.61). Além das interfaces propostas, outras alusões, na poética do escritor gaúcho aparecem nesses diálogos imbricados. Cinema, pintura e a própria literatura - com Clarice, Virgínia Woolf e Fernando Pessoa - juntam-se nesse jogo polifônico de influências.

Nessas aproximações semióticas, portanto, o caminho das reciprocidades entre literatura e

jornalismo percorrido por Eulália, também jornalista, revela uma interessante imagem desfocada/nebulosa da poética de Caio F. Desfocada porque se afigura, ela mesma, como imagem fugidia na poética do escritor esteta. Nebulosa porque a identificação de uma suposta matriz influenciadora e a busca de um foco primordial de irradiação tornariam, talvez inoperante, e nada essencial a pergunta: o fluxo de influência parte da literatura em direção ao jornalismo ou em sentido contrário? Aliás, o melhor a fazer, nesse caso, é apostar - como fez a professora e jornalista - que alguma riqueza desse jogo lúdico reside mesmo nessa indefinição, porque está mesmo incrustada na escritura e no “jogo imaginário em Caio F”. Enviado em 30/08/2012 Avaliado em 30/09/2012