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MERY HELEN ROSA
A CONSTRUO DOS SENTIDOS DO PROCESSO DE LETRAMENTO:
pluralidade vivenciada no ensino fundamental pblico
Universidade Federal de Gois
Regional Catalo
Programa de Ps-Graduao em Educao
2014
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MERY HELEN ROSA
A CONSTRUO DOS SENTIDOS DO PROCESSO DE LETRAMENTO:
pluralidade vivenciada no ensino fundamental pblico
Dissertao apresentada como requisito
parcial para a obteno do ttulo de Mestre
em Educao, comisso examinadora do
Programa de Ps-Graduao em Educao
da Universidade Federal de Gois/Regional
Catalo.
Orientadora: Profa. Dra. Selma Martines
Peres
Linha de Pesquisa: Prticas Educativas,
Polticas Educacionais e Incluso
Universidade Federal de Gois
Regional Catalo
Programa de Ps-Graduao em Educao
2014
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memria da minha me, Eliana Lenza de Oliveira Rosa.
Pelo tempo que viveu, mesmo indo to jovem, deixou sentidos
estampados em diferentes prticas dirias que ainda hoje
participamos em face de ter-nos ensinado a sentir a vida. Grandes
eventos de letramento foram realizados e assistidos na convivncia
conosco, quando lia livros infantis, orientava na construo de
listas de compras, ensinava diferentes atividades escolares e
inmeras outras aes.
Sua postura magnfica e aes repletas de maestria fazem
com que o contedo desta pesquisa seja dedicado especialmente a
voc, que com sensibilidade aflorada, jeito emotivo de mostrar
como o sentido move as pessoas no mundo, fez com que o cotidiano
dos sujeitos do seu universo de convivncia pudesse ser mesclado
pelo desejo, estmulo, vontade, inclusive de estudar, aprender,
desenvolver prticas de letramento em diferentes eventos, seja na
escola ou em outros ambientes.
Os valores, os costumes, os princpios, enfim, a cultura que
apresentou, juntamente com outras pessoas do nosso meio, foi
expresso de prticas de letramento que transcenderam o tempo de
ocorrncia e hoje podem manifestar-se nos eventos nos quais
formos nosenvolver, em outras prticas.
A gnese deste estudo reflete voc e reluz toda a trajetria de
vida e de ensinamentos que exponho nesta dissertao, sendo
motivo de compreenses minhas que tambm so suas. O percurso
da vida no oportunizou a voc testemunhar presencialmente esta
minha conquista, mas tenho convico de que a ver de onde
estiver. Guardarei lembranas e saudades eternas.
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AGRADECIMENTOS
Dedicar-se a situaes de pesquisa certamente adentrar em um campo vasto
de conhecimento atravessado por sabores e dissabores. transpor limites tericos e
prticos, conhecer momentos inesperados, compreender realidades, emocionar-se diante
dos fatos, desfazer preconceitos e, ao final de tudo, sentir o valor e a compensao de ter a
tarefa cumprida. Diante disso, endereo agradecimentos a todos que, de forma direta ou
indireta, alavancaram este processo de construo de pesquisa que culminou nesta
conquista.
Agradeo, em primeiro lugar, a Deus, mentor de grandes obras, por ter me
concedido o dom da vida, sade, fora, coragem, persistncia, determinao e capacidade
de sentir, para que pudesse resistir s adversidades que se fizeram presentes no percurso
desta pesquisa, especialmente quanto s perdas inerentes condio humana.
A minha famlia, da qual obtive sustentao, revelada em uma formao que
me possibilitou vivenciar, ao longo dos anos, exemplos slidos e ntegros que
sedimentaram o que hoje sou, fao e sinto.
Aos meus irmos Silvia e Flvio, que embalaram comigo na caminhada da
unio, no apoio desinteressado em momentos diversificados da vida. Por isso, dirijo a
vocs meu agradecimento de modo enftico, estando certa de que acompanharam toda esta
trilha, ancorada em esteio firme, onde o conhecimento acadmico tornou-se mais suave e
passvel de deleite na convivncia harmoniosa, na ajuda mtua com relao a ns trs.
Meus infinitos e profundos agradecimentos.
memria da minha me, inspiradora desta pesquisa, e que tinha o sonho e o
desejo de ver os filhos alcanando espaos cada vez maiores. Por ter sido um exemplo de
sabedoria, humanidade, amor incondicional, simplicidade, humildade, luta e resilincia nas
retas e curvas da vida. Cmplice do meu objeto de estudo, definido principalmente em
razo da grandeza e repercusso dos seus ensinamentos e conhecimentos de mundo.
Muitas saudades e lembranas.
professora orientadora Selma Martines Peres, que atuando como
companheira e parceira de trabalho, possibilitou o desenrolar desta pesquisa de forma
tranquila, ao valorizar acertos, ensaios e tambm lidando com as incongruncias de
maneira delicada, doce, generosa e humana, frente complexidade que efetivar pesquisa.
Pelo esprito nobre e amigo, capacidade de olhar para alm do aparente, ver os fatos
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segundo o vis dos sentidos, de fazer a diferena na vida das pessoas, de entender os seres
humanos como so. Meus sinceros e honrosos agradecimentos.
De modo especial, aos integrantes do PPGEDUC, coordenadora, professores,
secretrios, a todos que se dedicam ao ofcio de produzir cincia e lev-la aos estudantes. E
tambm aos que ficam nos bastidores, guiando questes tcnico-administrativas, zelando
pelo funcionamento do programa.
Aos meus colegas do Programa de Mestrado em Educao e a todos os
profissionais que nele atuam, pelo compartilhamento de ideias e experincias. Agradeo
especialmente Darciene, com quem tive um convvio mais intenso, afirmando que por
trs desta colega h uma amiga mais que querida e companheira. Fui agraciada com os
frutos da sua simplicidade, doao e bondade para com os outros. E vivenciamos embates
advindos da presente formao acadmica e tambm alegrias que se instalaram no
desenrolar do percurso delineado por uma convivncia agradvel.
Maysa, com quem pude crescer intelectualmente a cada situao vivenciada
e olhada no decurso da sua pesquisa. Pelas exposies reais de dvidas, posicionamentos,
sinceridade e grande dedicao quanto aos afazeres universitrios.
De um modo geral, aos integrantes da escola pesquisada, que aceitaram minha
presena e atuao na condio de pesquisadora, na perspectiva de que se tornasse possvel
a consumao deste intento. diretora, que abriu as portas da instituio, fornecendo as
informaes de que precisava para contextualiz-la e permitindo minha estadia em
cumprimento aos objetivos elencados. Tambm s professoras da sala de aula investigada,
pela colaborao e compreenso, por terem possibilitado vivenciar um trabalho rico em
aprendizagens. Professoras, esta pesquisa tambm pertence a vocs!
Aos alunos da escola, que me acolheram com respeito e carinho. Com eles
muito aprendi e experimentei a sensao de que os sentidos movem a atuao das pessoas,
joga luz nas atividades e torna as prticas escolares mais vivas e reais, necessitando ser
considerados na dimenso do ensino/aprendizagem e, por conseguinte, no contexto de vida
das pessoas. Pela oportunidade de perceber que sujeitos singulares tm em comum modos
prprios de viver, ser e pensar.
s crianas que j foram minhas alunas e que povoaram o meu interesse
sempre vivo e iluminado de participar do contexto delas, ensinando, aprendendo e
semeando princpios de justia, em razo de acreditar que, por meio da educao escolar a,
vida pode ser melhor e, assim, viabilizar que o desejo de ensinar e obter novos
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conhecimentos mantenha aceso. Pelo convvio com suas histrias de vidas, modos de ver o
mundo que se entrelaam uns nos outros para compor sentidos construdos coletivamente,
no contexto de diferentes salas de aula.
Ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), pelo apoio financeiro prestado por
meio da concesso de bolsa em expresso de incentivo pesquisa. Em razo de ter
oportunizado a participao em eventos cientficos, que ocorreram em diversificadas
universidades brasileiras, de modo favorecer o alargamento do campo dos conhecimentos
acadmicos a partir da divulgao dos saberes construdos em simpsios, palestras,
conferncias, comunicaes orais, e outros.
Secretaria de Estado de Educao do Distrito Federal, pela concesso do
afastamento, o que tornou possvel a realizao deste mestrado. Pelo empenho desprendido
em termos de apoio no tocante qualificao dos profissionais da rede distrital de ensino.
s professoras componentes da banca, Maria Zlia Versiani Machado e Maria
Aparecida Lopes Rossi, que reunidas na qualificao e defesa desta pesquisa trouxeram
relevantes sugestes e contribuies no sentido de enriquecer o trabalho a partir de outros
olhares.
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RESUMO
O contexto social atual, envolto pela pluralidade de letramentos que atravessa sociedade grafocntrica, faz com que sejam necessrios diferentes domnios da escrita por parte das pessoas,
em mltiplas instncias do fazer social. Assim, competncia lingustica, compreenses,
interpretaes, dialogicidades, interaes em eventos comunicativos e prticas discursivas compem o cotidiano de espaos sociais especficos e particulares luz de eventos e prticas de
letramento que diferem de lugar para lugar, de situao para situao. Dessa realidade advm a
sintonia do processo de letramento com a busca de sentidos, considerando que na sociedade
brasileira ainda se presencia prticas escolares muito escolarizadas, o que acarreta em dificuldades quanto ao desenvolvimento de prticas de letramento que abarquem a construo de sentidos por
parte dos alunos. Dessa forma, este estudo teve como propsito compreender como os alunos do
quarto ano do ensino fundamental de uma escola pblica municipal, situada na periferia da cidade de Ipameri, estado de Gois, constroem sentido aos eventos e s prticas de letramento dos quais
participam no universo escolar. A pesquisa respaldou-se em abordagem qualitativa, do tipo
etnogrfico, j que houve uma insero nas condies reais vivenciadas pelos alunos. As tcnicas de coleta das informaes suscitadas pela pesquisa consistiram em observao sistemtica de uma
srie de eventos de letramento ocorridos na sala de aula e na sala colorida, os quais foram
registrados em dirio de campo, e tambm por meio de entrevistas semiestruturadas com alunos.
Utilizando-se desses procedimentos, discutiu-se sobre os sentidos do processo de letramento em contextos comunicativos, interativos e dialgicos expressos por aulas, contao de histria e
palestras. Para tanto, a pesquisa teve respaldo terico especialmente nos estudos sobre letramento,
sentidos, significaes, dialogismo bakhtiniano, enunciaes, eventos e prticas de letramento, fundamentando-se em autores como: Mari (2008); Bakhtin (1995, 2011); Marcuschi (2007); Sobral
(2009); Hilgert (2012), Soares (2012), Kleiman (2005), Hamilton (2000a, b), Street (2010, 2012,
2013, 2014); Barton e Hamilton (2000), Heath (1982) e outros. A anlise desses eventos de
letramento permitiu afirmar que os sentidos do processo de letramento so percebidos quando h interao, dilogo expresso nas enunciaes dos alunos sob a tica de grupo, de coletividade. Nas
aulas em que no se observou interao entre aluno-texto ou entre aluno-professor-texto, como nas
atividades fundadas em perguntas e respostas descontextualizadas, geralmente presentes nos livros didticos trabalhados, foi inviabilizada a percepo e compreenso dos sentidos do processo de
letramento. A construo dos sentidos, apesar de ter partido dos alunos em todas as ocasies,
precisou tambm do sistema lingustico para se constituir no campo das significaes e/ou da histria, por abordar o social, de modo que possvel afirmar que sujeito-sistema-histria
cooperam nesta construo. O contedo das entrevistas, realizadas com dois alunos e duas alunas
pesquisados, revelou construes de sentidos sedimentadas em perspectivas mais individuais, em
que, de um lado, estavam presentes interesses, desejos, atividades preferidas pelos alunos ao serem movidos, tocados e impulsionados a comentar sobre determinada realidade. De outro lado, faziam-
se presente o no gostar, rejeitar, desconsiderar, elucidados em situaes que remetiam ao silncio,
resistncia em expressar, desmotivao, dentre outros aspectos. Nos relatos, observou-se que determinadas atividades escolares no foram bem concebidas pelos alunos em razo da
impossibilidade de lanarem mo de suas compreenses, de serem autores das suas produes, dos
seus discursos. Sendo assim, h o indicativo de que a maioria das escolas ainda tm um desafio a enfrentar: a promoo de prticas de letramento apoiadas na dimenso dos sentidos.
Palavras-chave: Eventos de letramento. Prticas de letramento. Leitura. Escrita. Sentidos.
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ABSTRACT
The current social context, surrounded by the plurality of literacies that crosses graphocentric
society, makes them to be need different domains of writing by people in multiple instances of
social Thus, language skills, understandings, interpretations, dialogicities, interactions in
communicative events and discursive practices make up the daily life of specific social spaces and
private in the light of events and literacy practices that differ from place to place, from situation to
situation. Of this reality comes the tuning of the literacy process with the search of meaning,
considering that in Brazilian society is still present very schooled school practices, resulting in
difficulties in the development of literacy practices that cover the construction of meaning by
students . Thus, this study has sought to understand how students in the fourth grade of elementary
school of a public school, located on the outskirts of Ipameri, state of Gois, construct meaning to
events and literacy practices of which participate in the universe of school. The research backed up
on a qualitative approach, of ethnographic tipe, as there was an insert in the real conditions
experienced by the students. The techniques of collection of information raised by research
consisted of systematic observation of a series of literacy events in the classroom and in the
colorful room, which were registered in a field diary, and also through semi-structured interviews
with students. Using these procedures, it was discussed the meanings of literacy process in
communicative, interactive and dialogical contexts expressed by classes, storytelling and lectures.
Therefore, the research was theoretical supported especially in studies of literacy, senses,
meanings, Bakhtin's dialogism, enunciations, events and literacy practices, basing on authors such
as: Mari (2008); Bakhtin (1995, 2011); Marcuschi (2007); Sobral (2009); Hilgert (2012), Soares
(2012), Kleiman (2005), Hamilton (2000a, b), Street (2010, 2012, 2013, 2014); Barton and
Hamilton (2000), Heath (1982) and others. The analysis of these literacy events allowed us to
affirm that the senses of the literacy process are perceived when there is interaction, dialogue
expressed in the enunciations of the students in the group view, of collectivity. In classes where
there was no interaction between student-text or between student-teacher-text, as in the activities
based on questions and answers decontextualized, usually present in the textbooks worked, was
unviable the perception and the understanding of the senses of the literacy process. The
construction of the senses, despite having arisen of students in any occasions, also needed the
linguistic system to be in the field of meanings and / or history, to say about the social, so that one
can say that subject-system- history cooperate in this construction. The content of the interviews
with two students and two students researched revealed buildings of sedimented senses experienced
in more individual perspective, in which on one side, were present interests, desires, favorite
activities by students as they were moved, touched and stimulated to comment about certain reality.
On the other hand, were present the not liking, reject, ignore, elucidated in situations which
referred to the silence, expressing resistance, demotivation, among other aspects. In the reports, it
was observed that certain school activities were not well conceived by the students because of the
impossibility of reaching out for their understanding, to be authors of their products, their speeches.
Thus, there is the indication that most schools still have a challenge to confront: the promotion of
literacy practices supported in the dimension of the senses.
Keywords: Literacy events. Literacy practices. Reading. Writing. Senses.
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LISTA DE SIGLAS
Capes Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
PNC Plano Nacional Comum
PPP Projeto Poltico Pedaggico
PNBE Programa Nacional Biblioteca da Escola
PNLD Programa Nacional do Livro Didtico
PNLEM Programa Nacional do Livro Didtico para o Ensino Mdio
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LISTA DE APNDICES
Apndice A Caracterizao da escola .............................................................................. 248
Apndice B Termo de consentimento livre e esclarecido ................................................. 249
Apndice C Consentimento da participao da pessoa como sujeito da pesquisa ............. 251
Apndice D Termo de assentimento ................................................................................ 252
Apndice E Autorizao para a coleta de dados (Contexto extraescolar).......................... 253
Apndice F Autorizao para a coleta de dados (Diretora da escola) ............................... 254
Apndice G Autorizao para a coleta de dados (Secretria Municipal de Educao) ...... 255
Apndice H Roteiro de entrevistas .................................................................................. 256
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SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................................. 14
CAPTULO I ARCABOUO METODOLGICO: OLHANDO PARA A ESCOLA E OS
SUJEITOS DA PESQUISA ................................................................................................ 26
1.1. A tecitura de um cenrio de observao ........................................................................ 26
1.2. Interpretao qualitativa dirigida aos sujeitos e a escola: uma expresso de base do tipo
etnogrfico ........................................................................................................................... 32
1.3. A entrevista sob um prisma terico-metodolgico ........................................................ 37
CAPTULO II LETRAMENTO: UM CAMPO PLURAL, MLTIPLO E DIVERSO ....... 47
2.1. Leitura e escrita: dilogo e interseco com o letramento ............................................. 48
2.2. Gneros discursivos/textuais: usos da linguagem e comunicao no quadro de processos
interativos e dialgicos ......................................................................................................... 57
2.3. Gnese, conceituaes interligadas ao letramento e suas dimenses .............................. 62
2.4. Formas de letramento: construo de conceitos ............................................................ 76
CAPTULO III EVENTOS E PRTICAS DE LETRAMENTO: USOS E
FUNCIONALIDADES DA ESCRITA NO ENTREMEIO DAS PRTICAS SOCIAIS ...... 84
3.1. Prticas de letramento e suas implicaes nos eventos de letramento ............................ 84
3.2. Perspectivas socioculturais entrecruzando configuraes de letramento no contexto de
suas prticas ....................................................................................................................... 100
CAPITULO IV A ABRANGNCIA DO SENTIDO: UM OLHAR PARA O
IMPREVISVEL, INESPERADO E IMENSURVEL ...................................................... 109
4.1. Sentido, significado e significao: uma dinmica de inter-relao .............................. 109
4.2. O campo do sentido: um olhar ancorado no mbito da linguagem, comunicao,
interao, interpretao e compreenso .............................................................................. 115
4.3. O sentido e suas dimenses constitutivas .................................................................... 124
4.3.1. O sentido como construo sistmica ....................................................................... 126
4.3.2. O sujeito na condio de construtor do sentido ........................................................ 128
4.3.3. A histria impulsionando a construo do sentido ................................................... 132
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CAPTULO V UNIVERSO DA ESCOLA PESQUISADA: VIVNCIAS, SENTIDOS E
LETRAMENTO ................................................................................................................ 134
5.1. Situando a escola na cidade e no bairro: contexto fsico e organizacional ................... 134
5.2. Em foco a sala de aula: primeiras consideraes ......................................................... 140
5.3. O cotidiano do grupo pesquisado: interaes e sentidos que se desdobram nos eventos e
prticas de letramento ....................................................................................................... 143
5.3.1. A palavra escrita como ponto de partida para os eventos e prticas de letramento .... 149
5.3.2. Enunciados na composio dos eventos e das prticas de letramento no campo
discursivo .......................................................................................................................... 155
5.3.3. Usos e funes sociais da escrita: eventos e prticas de letramento ancoradas em
diferentes gneros textuais ................................................................................................ 165
5.3.4. Palestras: interpretando cientificamente os eventos e prticas de letramento ............. 177
5.3.5. Histria infantil: texto literrio mediado por aes e interpretaes gestadas nos eventos
e prticas de letramento ..................................................................................................... 184
CAPTULO VI COMPREENSO DO LETRAMENTO MEDIANTE
SINGULARIDADES DESENHADAS NOS RELATOS DOS SUJEITOS PESQUISADOS ...
............................................... ............................................................................................. 193
6.1. Cotidiano dos alunos pesquisados: incluso da escola em prticas dirias, extraescolares e
construo de sentidos ....................................................................................................... 193
6.2. Fontes de leitura no ambiente familiar: adulto na condio de mediador da leitura ..... 201
6.3. Lugares frequentados: letramento permeado por eventos e prticas ............................ 205
6.4. Letramento no mbito escolar: buscando singularidades ............................................. 210
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................ 224
REFERNCIAS ............................................................................................................... 232
APNDICES ..................................................................................................................... 248
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INTRODUO
No contexto atual, as dimensesinterpretativa, argumentativa, interativa, dentre
outras maneiras de estabelecer comunicao e atuar na sociedade, decorrem dos diferentes
modos de utilizar a leitura e a escrita, que so cada vez mais necessrias em contextos
sociais nos quais so disponibilizadas fontes escritas diversas, desde jornais, e-mails, at
textos fundamentados em rigorosos conhecimentos tericos e cientficos. So observados
discursos/registros elaborados em variadas instituies, por meio de prticas escritas e
orais, os quais revelam formas sociais de expresso, principalmente em lngua escrita.
Nesse cenrio, existem variados tipos de letramento, que respondem a objetivos
especficos, visto que as pessoas usam a escrita com diferentes finalidades, e em um
nmero variado de situaes interacionais que tm lugar na sua histria de vida
(EUZBIO; CERUTTI-RIZZATTI, 2013).
No conjunto das atividades que envolvem o fazer de sujeitos com diferentes
papis sociais, a leitura, assim como o ato de escrever, so diversos, o que confere aos
sujeitos a condio de letramento. Sendo os sentidos do processo de letramento a
especificidade deste estudo, ressalta-se que, embora no seja a nica agncia de
letramento, a instituio escolar, enquanto ambiente formador, quando respaldada por uma
perspectiva educacional que no se limita a perceber a lngua apenas como meio voltado
para a aquisio de habilidades de codificao e decodificao de diferentes materiais
escritos, insere-se no campo do letramento.
Euzbio e Cerutti-Rizzatti (2013) afirmam que a diversificao da leitura e da
escrita levou a questionamentos acerca da viso monoltica do uso da escrita, que se
comprometia exclusivamente com a erudio e escolarizao. Isso porque, em sentido
diverso, entende-se que os cdigos lingusticos, ao serem usados na linguagem, expressam
relaes sociais, interaes mltiplas, vises de mundo, experincias de vida. Em face
disso, transmitem cultura, ao determinarem comportamentos, modos de ver e de pensar
(SILVA, 2009).
A insero efetiva das pessoas na cultura letrada requer que elas se apropriem
da autoria dos seus prprios discursos e os comuniquem com a sociedade. Em razo das
mencionadas diversificaes sociais, o letramento, por uma perspectiva educacional
singular - desenvolvida h anos atrs, e que desconsiderava os diferentes domnios sociais
referentes leitura e escrita - d lugar a uma composio plural, considerando-se que
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existem letramentos, modos de ser letrado (ROJO, 2009) no universo de triangulao dos
eixos: letramento, educao, escola (principalmente professores/alunos).
Pela nova perspectiva, pensar os sentidos processo de letramento do sujeito diz
respeito a considerar as especificidades de diferentes agncias e espaos de letramento - no
caso desta investigao, a prioridade a instituio escolar - a partir de relaes
estabelecidas em contextos scio-histrico-culturais que diferem quanto ao emprego da
leitura e escrita em termos de propsitos e atuaes sociais.
O presente estudo busca compreender os sentidos do processo de letramento de
quatro crianas, que esto no quarto ano do ensino fundamental de uma escola da rede
municipal de ensino, da cidade de Ipameri, estado de Gois. Ressalta-se que esta pesquisa
apresenta um estudo do processo de letramento com um foco escolar, considerando
tambm as abrangncias social, cultural e histrica que atravessam e caracterizam o
letramento, pelo fato das pessoas trazerem consigo conhecimentos prvios e de mundo,
advindos de vivncias extraescolares.
O interesse por esta temtica decorre de uma inquietao de longa data, em
razo de constituir uma questo que me causou preocupao tanto no ensino fundamental
quanto no ensino mdio e, principalmente, nos primeiros anos do curso de Pedagogia. A
graduao, de forma especial, foi um momento em que pude tomar conscincia, atravs de
uma retrospectiva do meu passado escolar, de que o ensino, sob um ponto de vista geral e
longitudinal, geralmente resumia-se a afazeres mecnicos, isentos de significaes vividas.
O estudo acadmico no campo da Pedagogia, somado s prticas educacionais de nveis
anteriores de ensino, permitiu constatar que o letramento escolar, expresso especialmente a
partir da leitura e compreenso de textos variados, era pouco fluente no tocante a um
nmero considervel de alunos. Notava-se a presena de textos que eram lidos,
decodificados, porm, pouco significados. Assim, esses processos de leitura pouco
significativas culminavam em produes escritas, em grande medida, tambm isentas de
sentido. Nesse contexto, a leitura e a escrita eram tidas como ferramentas limitadas de
comunicao individual e social. Portanto, da experincia pessoal que surge a inteno de
perceber como os sentidos so construdos ao processo de letramento, pela tica de alunos.
Diante desse interesse duradouro, foi realizado, na Especializao em
Alfabetizao, um estudo monogrfico acerca do letramento, o qual foi intitulado: O
papel da escola pblica na insero do aluno de 1 srie na cultura letrada: os usos e
funes sociais da leitura e escrita (ROSA, 2003). A monografia realizada serviu de base
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para este estudo, apesar de possuir outra abordagem, alusiva s demandas atuais por
letramento no campo plural das significaes, quando so construdos sentidos letrados em
respostas s prticas escolares, sejam elas letradas ou no. O enfoque do referido trabalho
se d tendo em vista que, no espao discursivo da sala de aula, independentemente de se ter
um texto escrito, emprico ou no, ou apenas um questionrio oral, sempre se tratar de
eventos de letramento (JAEGER, 2003).
A educao bsica, especialmente o ensino fundamental, verticalizao e
especificidade deste estudo, tem similaridade com a educao superior, no sentido de esta
tambm presenciar certas dificuldades quanto a entendimentos letrados por parte dos
estudantes. Essa situao permite afirmar estarem os impasses que acometem os usos e
funes sociais da leitura e escrita presentes em todos os nveis da educao: a comear
pela educao infantil, estendendo-se, com maior expresso e visibilidade, ao ensino
fundamental, e podendo se prolongar at o superior, em grau acentuado, devido ao maior
rigor das exigncias em termos de conhecimentos no mbito da academia.
Esta realidade, latente no cenrio educacional brasileiro, justifica a proposta de
uma reflexo sobre o processo de letramento em prticas de letramento concretizadas em
escolares pblicas, as quais, muitas vezes, dificultam que as pessoas possam construir
conhecimentos letrados, bem como dar sentido a esses saberes. Assim, considera-se que o
desafio, atualmente, ainda oportunizar uma educao pblica de qualidade para todos os
brasileiros (SAVIANI, 2007).
A pesquisa considera um universo sociocultural amplo (MARINHO, 2010b) e
complexo, em razo de as pessoas estarem em processo constante de letramento em suas
vidas cotidianas. Essa sistemtica de letramento se estende s instituies escolares, as
quais so responsveis pela formao de sujeitos para atuarem em diferentes reas do
conhecimento, o que justifica uma anlise do letramento em ambiente escolar
(interseco). Vale ressaltar que, ao ter como foco a escola, especialmente a sala de aula,
no se deixa de considerar a extenso e dimenso social do letramento, haja vista que os
usos e funes sociais da leitura e da escrita contemplam prticas vivenciadas e gestadas
no mbito de toda a sociedade.
Na realidade educacional brasileira, ainda se percebe a utilizao da leitura e
escrita cumprindo um papel isolado, a ponto de a intencionalidade escolar, em termos de
conhecimentos difundidos, apresentar disparidade em relao aos saberes efetivamente
necessrios para o exerccio da vida em sociedade. A nfase no aspecto escolar faz com
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que a escrita deixe de ser um objeto social para ser um componente exclusivamente escolar
(SILVA, 2009). O que se aprende na escola tem funomormente escolar, ao passo que a
aprendizagem informal, por sua vez, pouco aproveitada dentro do espao da escola.
Assim, o que se verifica, por vezes, a existncia de dois mundos distintos: o escolar e o
social, alheio escola (ROJO, 2006). Por assim ser, nas prticas escolares de hoje,
coexistem vises escolarizadas a respeito do letramento, bem como entendimentos
pautados em interpretaes que abarcam a dimenso social do fenmeno.
Quando envolto por uma perspectiva significativamente escolarizada, o
letramento tende a se respaldar na mecanicidade que, segundo Soares (2003a), faz com que
seu conceito esteja voltado para habilidades e prticas obtidas atravs de uma escolarizao
burocratizante, que se resume a testes e provas de leitura e escrita. H, conforme defende a
autora, um conceito de letramento reduzido, que est, muitas vezes, distante das
habilidades e prticas de letramento que realmente acontecem fora do contexto escolar. A
escola, dessa forma, acaba desqualificando o conhecimento adquirido no cotidiano, no
trabalho, nas lutas do dia a dia, em razo de no validar esse conhecimento, tampouco
atribuir mrito a quem o possui (SILVA, 2009).
Pela tica do letramento escolarizante, os aprendentes esto sujeitados a
vivenciarem uma desconexo acarretada pela invalidao do seu processo de letramento
anterior - construdo por meio dos conhecimentos de mundo e prvios, das experincias de
vida que permeiam contextos sociais ou culturais em que vivem e atuam - pela sistemtica
escolar. Essa ruptura leva os alunos a abandonarem, na atuao escolar, experincias
letradas no institucionalizadas, no dando continuidade a esse processo de letramento, em
razo de que a escola, geralmente, no o valoriza. Diante da acentuada escolarizao do
letramento em aes de codificao e decodificao da lngua materna, torna-se
perceptvel, nas produes escolares, que nem sempre dada aos estudantes a
oportunidade de se expressarem a partir da construo de textos (orais ou escritos) em que
se coloquem como autores do seu prprio dizer.
Na condio de professora do ensino fundamental, em contato com a realidade
de escolas pblicas municipais e distritais, sempre foi notria a preocupao de professores
em relao interpretao e significao dos textos lidos por parte dos alunos.
Predominavam, e ainda esto presentes, queixas como: o aluno l, mas no entende o
que l; h decodificao das letras, porm em atividades interpretativas o aluno expressa
entendimento e argumento restritos no conjunto de suas respostas. Sendo assim, a
18
construo de sentidos do processo de letramento se configura como uma possibilidade de
compreender o percurso letrado de sujeitos, haja vista que este advm dos modos de
participao empreendidos pelas pessoas em diferentes contextos sociais.
Partindo da premissa de que os eventos e prticas de letramento demandam
interao para que possam ser percebidas e compreendidas as construes de sentidos do
processo de letramento, esta pesquisa aborda anlises de eventos de letramento em que h
manifestaes de interao entre professoras e alunos. Portanto, eventos centrados no
letramento autnomo no compem as anlises realizadas, em razo de no atenderem aos
objetivos deste estudo.
A pesquisa est fundamentada no seguinte problema: Como os alunos do
quarto ano do ensino fundamental de uma escola pblica municipal, situada na periferia da
cidade de Ipameri-GO, constroem sentido aos eventos e s prticas de letramento dos quais
participam no universo escolar? Um questionamento apoia a problemtica mencionada: De
que modo os materiais impressos, que correspondem a diversos gneros textuais, esto
presentes no processo, na significao e nos sentidos do letramento dos sujeitos/alunos?
Frente ao universo composto por textos orais, escritos e virtuais que perpassam
a sociedade contempornea, a interpretatividade, o conhecimento lingustico e o uso de
diferentes gneros textuais tornaram-se ferramentas indispensveis para as pessoas atuarem
nos diversos espaos sociais. Partindo dessa premissa, a pesquisa visa a contribuir com as
discusses no campo do letramento, em especial no que se refere aos sentidos do processo
de letramento de crianas no espao escolar. E ainda, pretende-se que o contedo abordado
e as fontes arroladas possibilitem fecundar novas investigaes.
De modo geral, o objetivo desta investigao compreender o processo de
letramento de alunos do quarto ano do ensino fundamental em uma escola pblica
municipal perifrica da cidade de Ipameri-GO, na perspectiva de perceber como esses
alunos constroem sentido aos eventos e s prticas de letramento das quais participam no
universo escolar. De modo especfico, busca-se entender a leitura e escrita no campo do
letramento,bem como perceber questes socioculturais que atravessam o processo de
letramento em termos conceituais e prticos/cotidianos. Tambmse procura identificar as
condies de leitura, os eventos de letramento e os sentidos que os alunos constroem s
prticas de letramento na escola pesquisada. Busca-se, ainda, compreender como os
sentidos do processo de letramento so construdos pelo olhar dos alunos na coletividade e
na concretude da sala de aula. Por fim, intenta-se perceber as singularidades dos sujeitos
19
pesquisados, seus modos de vida e a forma de interpretarem os saberes escolares, a fim de
retratar aspectos inerentes ao seu processo de letramento.
No que compete ao aspecto terico, esta abordagem inclui literaturas que
discorrem sobre diferentes questes, como letramento, alfabetizao, sentidos, e outras. O
presente estudo respalda-se em autores que dedicam suas linhas de anlise especificidade
da temtica, e tambmse ancora em estudiosos de reas afins, na busca de construir sentido
ao letramento, possvel nas interpretaes humanitrias associadas educao escolar.
Sendo assim, este trabalho encontra fundamento em estudiosos como: Kleiman (2005,
1998, 1995), Rojo (2008, 2004, 2006), Soares (1998, 2002, 2003), Street (2010, 2012,
2014), Hamilton (2000a, b), Terzi (1995), Tfouni (1988, 1995, 2002, 2010), Goulart
(2006a, b), Mastrobuono (2007), Mari (2008), Marcuschi (2007, 2008), Bakhtin (1995,
2011), dentre outros.
Esse referencial aponta para o desafio que adentrar no universo do
letramento, visto que requer leituras diferenciadas e que tenham significao na sociedade
letrada. Isso ocorre pelo fato de o letramento estar em constante construo, a depender de
recortes individuais (cognitivos), sociais, histricos e culturais entremeados na vida dos
sujeitos. A grande abrangncia faz com que a conceituao do letramento seja complexa e
mltipla, e, por isso, expressa a partir de constructos tericos diversificados.
A fim de explicitar os trabalhos acadmicos que mais coadunam com a
presente pesquisa, foi escolhido o Banco de Teses e Dissertaes da Coordenao de
Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes), por se configurar como um rgo
dedicado a divulgar nacionalmente pesquisas reconhecidas no universo acadmico. A
busca lanou mo de palavras-chave como letramento, sentido e prticas de letramento, as
quais possibilitaram um campo de alcance significativo em termos de estudos sobre a
temtica pesquisada.
No mbito da educao, o levantamento bibliogrfico efetivado na Capes
possibilitou a identificao, em diferentes universidades do Brasil, de produes nas quais
o letramento tem revelado reflexes assentadas em uma perspectiva ampla, plural e
mltipla. Foram elencadas em torno de cento e cinquenta produes que, de algum modo,
abordaram o letramento, incidindo desde a educao infantil at o nvel superior,
abrangendo inclusive a educao inclusiva e a de jovens e adultos.
Alm do campo da Educao, foram identificados, tambm, trabalhos em
outras reas, como Matemtica, Fsica, Tecnologias de Formao e Comunicao, Teatro e
20
outras. Isso evidencia o letramento permeando investigaes em diferentes situaes de
conhecimento, e, portanto, sendo muito mais motivado para debates diversos do que
propriamente sendo concebido como objeto, o que o especifica enquanto campo de estudo.
Constatou-se, tambm, no conjunto dessas produes, o sentido sendo adotado por
professores de diferentes reas do conhecimento/disciplinas, como Qumica, Geografia,
Fsica, Educao Ambiental, Cincias Biolgicas, Artes, Matemtica, e outras. Cabe
ponderar que, em muitas das produes no campo do letramento, foi observada uma
tendncia das discusses se voltarem para a associao entre letramento e alfabetizao, j
que alfabetizar, na perspectiva da maioria dos pesquisadores, teve compreenses que
caminharam junto com a necessidade de letrar.
Ainda verificou-se que a construo de sentidos do processo de letramento
como objeto de estudo pouco focalizada, e, assim, tambm minimamente considerada,
do ponto de vista escolar (ensino/aprendizagem), pela tica dos alunos do ensino
fundamental. Nas produes publicadas no portal da Capes, os sentidos do letramento
estiveram relacionados, em grande parte, s compreenses estabelecidas por adultos. A
ttulo de exemplificao, percebeu-se nos trabalhos a seguinte preponderncia: o sentido de
ser professor como profissional do ensinar; a experincia de ser professor delineando o
conhecimento de si na formao docente; a construo do significado de textos em
estudantes universitrios e a mediao docente; a compreenso de sentidos por adultos, na
escolarizao e nas trajetrias de vida; os sentidos do exerccio da docncia no ensino
mdio; a produo de sentidos subjetivos dos professores ao enfrentarem as adversidades
da docncia; os sentidos produzidos por professores a partir de diretrizes curriculares; a
educao e o sentido da vida vistos por estudantes em formao docente; os sentidos da
experincia escolar para os alunos por meio de lembranas da escola, e vrios outros.
Esses dados evidenciam que os sentidos do letramento, alm de alargarem para
diferentes domnios do saber, serem plurais e multifacetados, ainda tm sido mais
enfatizados e compreendidos segundo a perspectiva de adultos. O presente estudo, por sua
vez, apresenta outro vis, ao buscar os sentidos do processo de letramento a partir do olhar
dos alunos do quarto ano do ensino fundamental, haja vista que se tem a pretenso de
compreender o letramento conforme subjetividades, sentidos construdos por quem
interage e aprende escolarmente.
21
A partir da pesquisa no banco da Capes, foi encontrada e examinada uma
produo1 que mais se aproximou da perspectiva empregada neste trabalho, por apresentar
enfoque nos sentidos do processo de letramento a partir da tica de alunos. A pesquisa
apresentou como objetivo discutir como se constitui a oralidade nas relaes com a escrita
nas prticas de letramento escolares. Tendo a oralidade como aspecto central, o estudo a
relacionou com a escrita em eventos de letramento descritos e analisados, nos quais os
alunos tiveram participao constante na produo de sentidos delineados na interao em
sala de aula (SOTELO, 2009). Assim, duas salas de segunda srie do ensino fundamental
de uma escola pblica municipal se configuraram como lcus de estudo, onde a
dialogicidade e a interao compuseram o cenrio expresso pela produo de sentidos,
mediante a relao entre oralidade e escrita. Alm dos eventos de letramento vivenciados
em sala de aula, foram realizadas entrevistas com as professoras regentes (concepo sobre
o trabalho com a oralidade) e anlise de documentos norteadores da prtica pedaggica,j
que o objetivo pautou-se em discutir como se constitui a oralidade nas relaes com a
escrita nas prticas de letramento escolares.
oportuno destacar alguns aspectos que diferenciam esta pesquisa do estudo
de Sotelo (2009), o que se manifesta com relao aos objetivos, metodologia e
fundamentao terica. Na presente pesquisa, apoia-se nas interaes alunos/professora em
sala de aula, com base em eventos de letramento apreendidos segundo observaes das
aulas e que se ancoram na escrita. Alm disso, para fundamentar todo o processo de
letramento via locuo/interlocuo por meio de sentidos construdos pelos alunos do
ponto de vista do sujeito, do sistema e do aspecto histrico (MARI, 2008), faz-se o uso do
campo conceitual que versa sobre enunciaes, dialogicidade (BAKHTIN, 2011;
HILGERT, 2012; MARI, 2008; SOBRAL, 2009; BRAIT, MELO, 2013), ao invs de se
apoiar na oralidade. Em complemento a isso, tem-se como suporte entrevistas realizadas
com quatro alunos, com o propsito de perceber singularidades acerca de questes que
atravessaram o processo de letramento de cada um na amplitude dos sentidos, com
embasamento nas relevncias que cada qual elege como primordial de ser relatada.
Sendo assim, em termos metodolgicos os sentidos do processo de letramento
tm como respaldo investigativo uma base terico-metodolgica do tipo etnogrfico, que
se assenta em observaes na escola pesquisada, em especial na sala de aula, e tambm em
1Dissertao: A oralidade nas relaes com a escrita: formas de participao e produo de sentidos na
interpretao em sala de aula. Universidade de So Francisco Itatiba/SP (SOTELO, 2009).
22
entrevistas com os alunos. O estudo do tipo etnogrfico , nos dizeres de Andr (2004),
sustentado nas seguintes premissas: o pesquisador visto como instrumento principal na
coleta e anlise dos dados; tem-se nfase no processo; h preocupao com o significado
atribudo pelos sujeitos s suas aes; conta-se com o envolvimento de um trabalho de
campo, dentre outras caractersticas. Com base nesses pressupostos, busca-se compreender
os sentidos do processo de letramento a partir do que os sujeitos revelam por meio da
entrevista.
Tendo como recorte o ensino fundamental, destaca-se que nos anos iniciais
deste nvel de ensino, o desafio alfabetizar letrando (MASTROBUONO, 2007; SOARES,
2003a). Isso porque sabido que alfabetizar, na perspectiva do letramento, corresponde a
um ato que proporciona aos alunos dominarem os mecanismos de leitura e escrita, ao de
ensinar/aprender a ler e escrever (SOARES, 2003a). Esse domnio necessrio tendo em
vista que a leitura e a escrita possuem uma funo na sociedade, e, ainda, atendem a
propsitos e demandas exigidas socialmente (letramento). Alfabetizao e letramento,
mesmo com conceituaes diferenciadas, entrecruzam-se, corroboram um com o outro e se
complementam. Na prtica escolar, Soares (2003a) aponta que o ideal seria alfabetizar
letrando, isto , ensinar a ler e escrever no contexto das prticas sociais da leitura e da
escrita.
Ao se referir aquisio da escrita e aos usos sociais que se faz a partir dela, a
alfabetizao caminha na direo do letramento. Percebe-se que a aprendizagem de
habilidades para a leitura, escrita e as chamadas prticas de linguagem conduz ao
letramento, que, por sua vez, focaliza os aspectos scio-histricos quanto aquisio da
escrita (TFOUNI, 2002). Tfouni (1995) salienta que a alfabetizao letrada significa
encarnar as prticas de leitura e escrita, tanto pela sua insero em contextos cognitivos e
comunicativos de experincia partilhada, quanto por sua associao a diversos portadores
de texto.
A introduo do letramento no campo da educao tem gerado interpretaes
inadequadas quantoao processo de alfabetizao, por desconsiderar as particularidades do
referido processo. Contudo, a aproximao entre ambos os conceitos necessria, porque
no somente o processo de alfabetizao, com sua distino e especificidade, altera-se e se
reconfigura no quadro do conceito de letramento, como tambm este dependente daquele
(SOARES, 2003a).
23
De acordo com Mastrobuono (2007), aprender a ler e escrever, a codificar e
decodificar a lngua escrita, no confere ao sujeito, necessariamente, um novo status. Nos
dizeres da autora, se algum aprende a ler e escrever, mas no faz uso social dessas novas
habilidades, no se comunica usando as novas ferramentas que adquiriu, por conseguinte,
no toma posse verdadeiramente dessa nova condio, e,assim, diz-se que ele no se
letrou.
Pode-se dizer que os estudos sobre letramento buscam analisar a questo do
desenvolvimento social que permeia a expanso dos usos da escrita. Kleiman (1995)
afirma que o fenmeno do letramento adotado pelas instituies que se encarregam de
introduzir com formalidade os sujeitos no mundo da escrita. notrio que o letramento
vem se mostrando cada vez mais necessrio em um pas como o Brasil, empreendedor do
termo alfabetizao, ainda muito relacionado a uma viso de aprendizagem enquanto um
processo de codificao/decodificao de sons em letras, e vice-versa (GOULART,
2006a).
Cumpre destacar que, nas sociedades modernas, no existe o iletramento em
grau zero. Tfouni (1988) esclarece que existem so graus de letramento, sem haver a
pressuposio da sua inexistncia. Portanto, o que h so diferentes tipos e nveis de
letramento, dependendo das necessidades, das demandas do indivduo e de seu meio, bem
como do contexto social e cultural (SOARES, 2003a). Nesse sentido, o letramento
configura-se como um processo cuja natureza scio-histrica, podendo atuar
indiretamente, influenciando at mesmo culturas e indivduos que no dominam a escrita
(TFOUNI, 2002). Para a autora, enquanto os sistemas de escrita so um produto cultural, o
letramento tambm o , em decorrncia de ser um processo que contempla a aquisio de
um sistema escrito.
Percebe-se que a cultura abarca questes relacionadas ao letramento, em face
da sua complexidade e, por conseguinte, da sua finalidade, na perspectiva de oportunizar
um entendimento global de questes e situaes que permitam o encontro do saber
emprico com o cientfico. Assim, possvel levar para a sociedade aes que no revelem
saber/letramento nico, porm, a possibilidade da leitura de mundo singular/autnoma
(KLEIMAN, 2005; SOARES, 2012; JAEGER, 2003).
A questo sociocultural tambm contempla o letramento. Conforme enfatiza
Marinho (2010a), o termo letramento parece ter facilitado o campo das pesquisas,
principalmente por recobrir aspectos alm dos especficos, expressos nas habilidades de ler
24
e escrever. Por essa via, configura-se como um dispositivo terico para se compreender um
fenmeno sociocultural, a partir dos modos e das condies por meio das quais a sociedade
brasileira lida com a escrita.
Para desenvolver a presente pesquisa, so apresentados seis captulos. O
primeiro captulo, Arcabouo metodolgico: olhando para a escola e os sujeitos da
pesquisa, dedica-se a tratar dos procedimentos terico-metodolgicos que conduzem a
investigao. Os sentidos do processo de letramento so concebidos a partir de um estudo
do tipo etnogrfico, por meio do qual se observa a escola pesquisada e se realiza
entrevistas com quatro alunos.
O segundo captulo, intitulado Letramento: um campo plural, mltiplo e
diverso, tem como foco contextualizar as discusses acerca do letramento em conjunturas
plurais trazidas pela sociedade de hoje. Alm disso, aborda a leitura e a escrita, de modo a
dialogarem e promoverem interseco com o letramento. Os gneros textuais/discursivos
fazem-se presentes no contexto de diferentes discursividades, no mbito de interaes e
dilogos. Pontua-se, ainda, sobre formas de letramento, expressas nos modelos autnomo e
ideolgico, sendo a questo da autonomia referente desconsiderao dos contextos
sociais e culturais que atravessam o letramento. Por outro lado, o aspecto ideolgico
mostra variao de caso para caso, perante a identificao de poder nas ideias de grupos
sociais. Para tanto, ancora-se em uma teorizao dos Novos Estudos do Letramento (NLS),
que envolve discusses acerca dos eventos e prticas de letramento, pormenorizados
noprximo captulo.
No terceiro captulo, denominado Eventos e prticas de letramento: usos e
funcionalidades da escrita no entremeio das prticas sociais, eventos e prticas de
letramento so abordados a partir de uma perspectiva conjunta e correlacionada na
dimenso de aes letradas em diferentes contextos de vida. O letramento considerado
uma prtica social de ordem sociocultural. Nessa medida, diferenciam-se os eventos das
prticas, sendo os primeiros observveis e os ltimos envoltos pelo invisvel, abstrato, que
no se mensura e nem v. A focalizao dos eventos e as prticas de letramento objetiva
possibilitar uma anlise posterior desses eventos e prticas, luz da compreenso do
processo de letramento dos sujeitos pesquisados, sob a perspectiva dos sentidos, contedo
a ser expresso no quinto captulo.
O quarto captulo, A abrangncia do sentido: um olhar para o imprevisvel,
inesperado e imensurvel, trouxe para o campo do debate a questo do sentido como
25
sendo um quesito que viabiliza interpretaes subjetivas, permitidas por intermdio de
apreenses sensveis, sentidas e manifestas pelos sujeitos sociais. Os valores e a expresso
da cultura presentes nas prticas de letramento, e que no so passveis de mensurao,
constituem suportes principais para o alcance da compreenso dos sentidos do processo de
letramento dos sujeitos da pesquisa, pelo fato de tais suportes adentrarem em questes
abstratas, elucidadas pelas prticas de letramento, condutoras dos sentidos desse processo.
No quinto captulo, Universo da escola pesquisada: vivncias, sentidos e
letramento, tem-se a expresso do contexto em que foi desenvolvido o trabalho de campo,
o delineamento do cenrio da escola pesquisada. A observao participante permite
examinar eventos e analis-los a partir das prticas de letramento que se fundamentam no
coletivo de alunos, em interaes e comunicaes possibilitadas no contexto da sala de
aula, segundo interpretaes e compreenses dos eventos e prticas de letramento olhados
individual, cultural e socialmente, em diversificadas utilizaes da linguagem.
Por fim, o sexto captulo, Compreenso do letramento mediante
singularidades desenhadas nos relatos dos sujeitos pesquisados, versa sobre as
singularidades e particularidades observadas nas falas dos sujeitos pesquisados, no
momento das entrevistas. O propsito traar um panorama do letramento atravessando as
prticas dirias dos sujeitos pesquisados nos contextos de suas vidas, de modo a
compreender como eles constroem sentidos aos eventos e s prticas de letramento que
vivenciam.
26
CAPTULO I
ARCABOUO METODOLGICO: OLHANDO PARA A ESCOLA E
OS SUJEITOS DA PESQUISA
Cada um l com os olhos que tem. E interpreta a
partir de onde os ps pisam. Todo ponto de vista
a vista de um ponto (Leonardo Boff).
Este captulo expresso do recorte metodolgico que sustenta o desenrolar
das anlises e compreenses expostas, sendo o fio condutor da pesquisa. Ele se detm a
uma abordagem dos procedimentos adotados para se apreender os sentidos do processo de
letramento dos sujeitos focalizados, a partir de uma investigao do tipo etnogrfica, de
carter qualitativo, que se assenta em observaes na escola pesquisada e em entrevistas
com os alunos. Tem-se, com esses modos metodolgicos, a inteno de perceber como os
referidos sujeitos constroem sentido aos eventos e s prticas de letramento dos quais
participam no universo escolar, j que o letramento corresponde, aqui, a um processo. O
estudo, em termos metodolgicos, est ancorado em Laville e Dionne (1999), Andr (1992,
2004, 2010), Tezani (2004), Laperrire (2012), Poupart (2012), Sarmento (2003) e outros
que se dedicam metodologia de pesquisa no campo abordado.
1.1. A tecitura de um cenrio de observao
A inteno de adentrar em uma escola pblica municipal, na cidade de Ipameri,
estado de Gois, trouxe para o campo dos procedimentos um mergulho na observao de
diferentes ambientes que perpassam a instituio. A pesquisa trata de eventos e prticas de
letramento vivenciados por alunos do quarto ano do ensino fundamental, de forma que a
observao possui um carter abrangente, referindo-se a uma variedade de eventos que
tiveram a participao das crianas.
27
O enfoque de anlise concernente a uma escola pblica2 decorre da realidade
brasileira de que a maioria da populao encontra-se inserida em escolas dessa esfera
administrativa. Ressalta-se, ainda, que a opo por investigar uma escola situada em uma
regio perifrica se deve, em geral, ao fato de que as crianas moradoras dessas localidades
so as que mais necessitam de uma instruo formal de qualidade, em razo de fazerem
parte de um contexto marginal, com poucas oportunidades de crescimento social e
humano. Ressalta-se que nos pases em desenvolvimento, com divises sociais marcantes,
os padres de letramento so, de algum modo, influenciados pelas escolas, e ocorrem de
acordo com o status social e/ou econmico do aluno (SOARES, 2003a).
Conforme as exigncias e o teor do estudo, foram realizadas visitas escola
durante o perodo de um ms. As visitaes ocorreram durante quatro semanas, sendo que
em cada uma houve trs visitas em dias sequenciados, o que totalizou doze observaes.
Os alunos foram observados desde a entrada na escola at sua sada, em um intervalo de
tempo de cinco horas dirias, sendo as observaes iniciadas s 13 horas e encerradas s 18
horas de cada dia letivo.
A sequncia estabelecida para a ida a campo, geralmente ininterrupta, tornou-
se necessria para que no houvesse quebra nas observaes, no sentido de buscar uma
apreenso quanto abrangncia dos eventos e prticas de letramento. Esse tempo foi
necessrio haja vista que, inserir no campo dos sentidos construdos ao processo de
letramento dos alunos requer observaes mais integrais, para que possam ser percebidas
comunicaes e interaes neste processo, que est imerso no social e cultural.Teve-se,
com isso, a finalidade de perceber quais os eventos e prticas de letramento os alunos
vivenciam, bem como apreender suas especificidades nos afazeres escolares.
A vivncia na escola, ocorrida a partir de experincias aliceradas no contato
direto com a comunidade escolar, abrangeu interaes com os alunos da turma de quarto
ano pesquisada, na qual foram observadas trinta e quatro aulas. Na escola, houve o
acompanhamento de atividades em que os participantes estavam inseridos, como aulas de
diferentes disciplinas, alm de idas ao recreio e demais espaos do ambiente escolar.
Ressalta-se que as observaes, conversas informais, interpretaes, percepes, bem
como impresses, tudo foi registrado em um dirio de campo, de modo descritivo,
2Entendida a partir de uma tica heterognea, a escola pblica, no mbito brasileiro, apresenta-se, hoje, de
maneira diversificada, a depender do contexto social e cultural de que faz parte, bem como dos grupos de
pessoas, os quais atende. Neste estudo, a escola pesquisada, em geral, atende alunos oriundos de condio
socioeconmica baixa, que moram em bairros perifricos da cidade de Ipameri, estado de Gois, e tambm
em localidades rurais situadas no municpio.
28
detalhado e pormenorizado, incluindo os dizeres, gestos, expresses e sentimentos dos
sujeitos. Desse modo, o contexto da observao demanda que o observador tenha como
principal auxiliar o dirio de campo, no qual se dedica a fazer anotaes completas e
precisas, alusivas aos variados momentos da pesquisa, incluindo suas incertezas,
indagaes e perplexidade (TURA, 2003, p. 189).
A entrada na escola (momento da fila), o caminhar para a sala de aula, as
atividades desenvolvidas dentro da classe, o momento do lanche e do recreio (as
brincadeiras e as diferentes situaes de interao), o trmino da aula e a sada
compuseram o eixo central em que os sentidos do processo de letramento puderam ser
construdos pelos alunos de forma rotineira e cotidiana. Nesse ponto, a observao
constitui um modo privilegiado de contato com o real, ao permitir que as atividades
cotidianas das pessoas possivelmente ofeream exemplos que deixam espao observao
(LAVILLE; DIONNE, 1999). A partir das observaes, houve o registro da dinmica
escolar no dirio de campo, enquanto dado relevante para a pesquisa.
A observao, no mbito desta pesquisa, assume um carter amplo e complexo
por adentrar nos eventos e prticas de letramento que esto sedimentados principalmente
em relaes interpessoais entre os alunos e as professoras. Essas relaes atravessaram a
concretude da sala de aula, quando foi possvel perceber singularidades e subjetividades
em uma perspectiva do grupo, de modo a desvelar sentidos e significados em termos de
interao. Isso posto, Trivios (1987) esclarece que:
Observar, naturalmente, no simplesmente olhar. Observar destacar de um
conjunto(objetos, pessoas, animais etc.) algo especificamente, prestando, por
exemplo, ateno em suas caractersticas (cor, tamanho etc.). Observar um
fenmeno social significa, em primeiro lugar, que determinado evento social,
simples ou complexo, tenha sido abstratamente separado de seu contexto para
que, em sua dimenso singular, seja estudado em seus atos, atividades,
significados, relaes etc. Individualizam-se ou agrupam-se os fenmenos dentro
de uma realidade que individual, essencialmente para descobrir seus aspectos
aparenciais e mais profundos, at captar, se for possvel, sua essncia numa perspectiva especfica e ampla, ao mesmo tempo, de contradies dinamismos,
de relaes etc. (TRAVIOS, 1987, p. 153).
Assim como a entrevista, a observao, segundo Ldke e Andr (2013, p.
30),ocupa lugar privilegiado nas novas abordagens de pesquisa educacional, pois viabiliza
o contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenmeno estudado. Decorre disso a
experincia direta que, para as autoras, o melhor teste de verificao da ocorrncia de
determinado fenmeno. A observao direta possibilita que o observador chegue mais
perto da perspectiva dos sujeitos, haja vista que acompanha in loco suas experincias
29
dirias, quando busca apreender a sua viso de mundo. Em outras palavras, a observao
direta tem o propsito de abarcar o significado que as pessoas atribuem realidade
circundante e tambm s suas prprias aes.
O contato com o campo estabelece base de conhecimento do real. Deslauriers e
Krisit (2012) assinalam que a nfase da pesquisa qualitativa, no que se refere ao campo,
no se resume a reservatrio de dados, mas tambm se configura enquanto fonte de novas
questes. Nessa direo, os autores esclarecem que:
O pesquisador qualitativo no vai a campo somente para encontrar respostas para
suas perguntas; mas tambm para descobrir questes, surpreendentes sob alguns
aspectos, mas, geralmente, mais pertinentes e mais adequadas do que aquelas
que ele se colocava no incio. Alm disso, a prpria logstica da abordagem
qualitativa (campo de pesquisa, observao participante, entrevistas no
dirigidas, relatos de vida) obriga o pesquisador a um contato direto com o vivido
e as representaes das pessoas que ele pesquisa (DESLAURIERS; KRISIT, 2012, p. 148).
A experincia do pesquisador em campo est para alm das respostas s
perguntas elaboradas. Em face disso, estar inserido no trabalho de campo condiz com o
fato de o pesquisador estar sujeito s imprevisibilidades, a situaes inesperadas,
divergentes em relao ao que projetou inicialmente, porm, que se revelam convergentes
com o desenrolar da pesquisa.
importante considerar que, no mbito do local e/ou situao de observao, a
contextualizao do meio observado necessria. Assim, Jaccoud e Mayer (2012)
salientam que a escolha do local ou situao dependente de abordagens tericas, sociais e
prticas. Um quadro geral para observao, independente do meio a que se refira,
proposto por Angers (1992apud JACCOUD; MAYER, 2012), sugerindo cinco eixos de
observao3, expressos na resposta a cinco questes padro.
1)Onde ns estamos? a descrio do local (descrio do lugar, dos objetos, do
ambiente); 2) Quem so os participantes? a descrio dos participantes (seu
nome, sua funo, suas caractersticas, etc.); 3) Por que os participantes esto a?
a descrio das finalidades e dos objetivos (as razes formais ou oficiais de sua
presena nesse local, os outros motivos, etc.); 4) O que se passa? a descrio
da ao (os gestos, os discursos, as interaes, etc.); 5) O que se repete e desde quando? a descrio da durao e da frequencia (histria do grupo, frequencia
da ao, etc.) (ANGERS, 1992 apud JACCOUD; MAYER, 2012, p. 267-268).
Nas observaes, foi possvel olhar a realidade escolar a partir da ao dos
sujeitos pesquisados, no caso os alunos, em um dado espao e contexto situacional.
3Ressalta-se que esses eixos sero pormenorizados no captulo V, quando se realiza a anlise dos dados que
compem este estudo, momento em que apresentada a descrio dos pontos relevantes da escola
pesquisada, assim como dos sujeitos focalizados.
30
Entretanto, preciso considerar os limites do tempo nesta pesquisa, especialmente no que
se refere percepo de repeties, durao e frequncia de aes, pelo fato de
compreender apenas um ms de convvio no local pesquisado. Entretanto, mesmo levando
em considerao o limite temporal, foi possvel perceber, por meio das observaes que
ocorreram no quarto ano pesquisado, que desde o princpio esteve presente a nfase no
trabalho com o livro didtico4, o que se estendeu durante todo o perodo das observaes,
sendo que, em apenas dois momentos distintos no se verificoua utilizao desse recurso
escrito: no bingo de verbos e na contao de histria.
Vale lembrar que o observador entendido, neste estudo, como sendo quem
busca compreender e descrever a situao, ao revelar seus mltiplos significados. Assim,
cabe ao leitor decidir se as interpretaes so passveis ou no de generalizaes, a partir
de sua sustentao terica do trabalho e tambm com base na plausibilidade do mesmo
(ANDR, 1992).
Na escola pesquisada, o cotidiano foi observado a fim de se coletar dados que
possibilitassem perceber e compreender como os alunos constroem sentido aos eventos e
s prticas de letramento presentes neste universo escolar. Ressalta-se que a observao
cientfica no pura ou objetiva, j que o observado se insere dentro de uma matriz que
constitui marco referencial que perpassado pelos interesses, valores, atitudes e crenas da
pessoa que investiga, dando sentido subjetivo ao que observado (GURDIN-
FERNNDEZ, 2007).
Os pontos observados foram registrados em um dirio de campo e constituram
objeto de anlise. Esses dados, somados s entrevistas realizadas com duas crianas do
sexo feminino e duas do sexo masculino, escolhidas mediante sorteio, oportunizaram a
compreenso do processo de letramento, a partir dos argumentos desses sujeitos. Estar com
esses alunos na escola favoreceu a compreenso do processo de letramento, no sentido de
entender as condies de leitura e as prticas a ela relacionadas e desenvolvidas no mbito
da instituio, para a gerao de dados subsidiada em observao participante.
A observao participante, um dos instrumentos da pesquisa qualitativa,
permite estudos de momentos privilegiados do cotidiano da sala de aula, nos quais emerge
o sentido de um fenmeno social (DESLAURIERS; KERISIT, 2012). Laville e Dione
(1999, p. 181) apontam que a observao participante possibilita ver longe, considerando
4A anlise dos eventos de letramento que partiram das situaes escritas, a saber, palavras escritas,
enunciados, variados gneros textuais, que revela a presena significativa do livro didtico no contexto da
sala de aula, foi desenvolvida no captulo V.
31
as mltiplas facetas de uma situao, as quais esto interligadas no conjunto de anlise.
Nessa perspectiva, os autores pontuam que esse tipo de observao permite entrar em
contato com os comportamentos reais dos atores, com frequncias diferentes dos
comportamentos verbalizados, e extrair o sentido do que eles lhe atribuem.
No que compete ao aspecto metodolgico, a observao participante tem
viabilidade em pesquisa do tipo etnogrfico, haja vista que d voz aos participantes e
permite que eles sejam ouvidos, ao registrar suas observaes e sensaes, bem como suas
entrevistas. Mas conveniente lembrar que os dados so sempre inacabados e a situao
suscita ser compreendida a partir dos seus vrios significados (TEZANI, 2004).
Para Oliveira (2002), nessa forma de observao includa na pesquisa
qualitativa, os investigadores imergem no mundo dos sujeitos observados na busca de
entender o comportamento real dos informantes, suas prprias situaes e como constroem
a realidade a partir da qual atuam. Diretamente no campo, ocorrem observaes que
respaldam a observao participante. Essas observaes so complementadas pelas
anotaes feitas in loco, podendo ser realizadas ainda entrevistas.
Na observao, o dia a dia investigado para que se possa compreender a rede
de relaes e interaes presentes na prtica escolar. Tezani (2004, p. 10) destaca que,
analisando o conjunto e suas relaes dinmicas que se pode detectar os ngulos novos
do problema, as interaes do sujeito com o meio, dimenses pessoal, institucional e scio-
cultural e descrevendo seus significados, analisamos as relaes de parceria entre
pesquisador e agentes escolares.
A observao participante pode assumir formas diversas enquanto aspecto
classificatrio proposto por Ldke e Andr (2013): o participante total; o participante como
observador; o observador como participante; o observador total. Nesta pesquisa foi adotada
a classificao de observador como participante, que expressa uma situao em que o
observador participa de relaes breves e superficiais, nas quais a observao se
desenvolve de maneira mais formal.
Muitas vezes so utilizadas entrevistas como complemento das observaes
(LIMA et al., 1999; DESLANDES, 1994). Neste estudo, foram necessrias observaes e
entrevistas para que se pudesse abranger, com propriedade, os desdobramentos da situao
pesquisada. Duarte (2002) ainda ressalta que, eventualmente, preciso um retorno do
pesquisador ao campo para esclarecer dvidas, recolher documentos, ou coletar novas
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informaes acerca dos acontecimentos e das circunstncias relevantes que no puderam
ser exploradas de modo significativo nas entrevistas.
A utilizao da observao participante nesta pesquisa, a partir da insero em
relaes e interaes perceptveis no ambiente escolar e, especificamente, nas prticas
observadas na sala de aula do quarto ano, configurou-se como um procedimento
metodolgico que permitiu captar detalhes e fazer descries pormenorizadas. Nessa
perspectiva, os sentidos do processo de letramento puderam ser construdos pelos alunos,
ao expressarem o que no se percebe apenas atravs do olhar, mas o que se conjuga com
modos de sentir diferentes situaes, emocionar-se diante delas, interpretar o que
vivenciado, emitir opinio, argumentar. A referida observao revelou, tambm, um
mergulho no campo dos valores, crenas, no cotidiano que expresso do social, ilustrada
na maneira de viver e perceber a realidade pelos alunos.
1.2. Interpretao qualitativa dirigida aos sujeitos e a escola: uma expresso de base
do tipo etnogrfico
Tendo em vista que este estudo se insere na rea do letramento, houve a
necessidade, ao se tratar o espao escolar em que esto os sujeitos da pesquisa, de que a
metodologia fosse desenvolvida com abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa se
insere em um campo de dados: descries detalhadas de pessoas, situaes,
acontecimentos, alm de incluir transcries de entrevistas e de depoimentos, fotografias,
desenhos e extratos de vrios tipos de documentos, em prol de compreender os indivduos
em seus prprios termos, bem como a situao estudada (LDKE; ANDR, 2013).
Ressalta-se que nesta pesquisa no foram utilizados como instrumentos fotografias,
desenhos e documentos, pelo fato de as observaes (descries pormenorizadas das aes
das crianas nos eventos e prticas de letramento) e entrevistas permitirem a percepo dos
sentidos do processo de letramento.
Ldke e Andr (2013) elucidam que, na abordagem qualitativa de pesquisa, h
uma maior preocupao com o processo do que com o produto.O pesquisador, ao estudar
um problema especfico, tem o interesse de verificar como a problemtica se manifesta nas
atividades, nos procedimentos e nas situaes cotidianas.Nesses termos, o letramento
empreendido, neste estudo, como um processo que tem sentido amplo, j que atravessa o
cotidiano dos alunos, faz parte dos diferentes domnios sociais que frequentam, das
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mltiplas situaes que participam. Por essa via, o letramento que acontece em espaos
escolares apresenta traos de prticas sociais vivenciadas em domnios extraescolares, em
razo de constituir um processo amplo e estar presente em diversificados campos da vida.
Em termos de caracterizao, para Bogdan e Biklen (1994, p. 48), a pesquisa
qualitativa envolve cinco aspectos basilares. Porm, os estudos que recorrem observao
participante e entrevista em profundidade so exemplos que no elucidam a abrangncia
desses aspectos. Na pesquisa qualitativa, tem-se como fonte direta de dados o ambiente
natural e o investigador constitui instrumento principal, que passa tempo significativo nas
escolas, famlias, bairro e outros locais, a fim de revelar questes educativas.
A descrio, segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 49), que tambm caracteriza a
pesquisa qualitativa, observada na coleta dos dados descritivos, momento em que os
investigadores qualitativos abordam o mundo de forma minuciosa, com o propsito de
que nenhum detalhe escape ao escrutnio. O interesse dos investigadores mais pelo
processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos. Assim, o realce qualitativo no
processo de pesquisa demonstra utilidade na investigao educacional ao viabilizar o
entendimento de como as atividades ocorrem nos lcus de pesquisa, revelando as
configuraes de determinados procedimentos e interaes dirias.
Vale ponderar, em conformidade com Martins (2010, p. 55), que, nas Cincias
Humanas, os conceitos so produzidos pelas descries, quando se tenta focalizar o que
surge a partir do interior da linguagem na qual o homem se insere. Nesse caso, os conceitos
so percebidos no modo pelo qual o homem representa a linguagem para si mesmo ao
falar, tendo por base o sentido das palavras ou proposies, ao obter uma representao da
prpria linguagem. Dessa maneira, os indivduos representam palavras para si mesmos,
lanando mo de suas formas de significados, e, assim, compem discursos reais, revelam
e ocultam neles o que esto pensando ou dizendo, [...] deixam um conjunto de traos
verbais daqueles pensamentos que devem ser decifrados e restitudos, tanto quanto
possvel, na sua vivacidade representativa.
A construo de sentidos aos eventos e s prticas de letramento por parte dos
alunos, no mbito desta pesquisa, faz com quea linguagem seja considerada a partir de
comunicaes, enunciaes, discursos advindos de palavras, enunciados e gneros textuais
que podem ser compreendidos em prticas discursivas e dialgicas. Essa condio viabiliza
a insero no campo dos sentidos, de modo que, ao pensarem, verbalizarem, os alunos
podem construir sentido ao que tratado a partir de compreenses e interpretaes de
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cunho subjetivo e intersubjetivo, o que geralmente requer inferncias na perspectiva de
perceber como os sentidos so construdos.
Outro aspecto da pesquisa qualitativa a tendncia de se analisar os dados de
forma indutiva. Conforme argumentam Bogdan e Biklen (1994, p. 50), os investigadores
qualitativos no recolhem dados ou provas com a inteno de confirmar ou infirmar
hipteses elaboradas de modo prvio. Em decorrncia disso, as abstraes so construdas
medida que os dados particulares que foram recolhidos se vo agrupando. Tendo vital
importncia na abordagem qualitativa, o significado diz respeito ao interesse dos
investigadores qualitativos quanto ao modo como diferentes pessoas do sentido s suas
vidas. Nota-se, pois, a busca de apreenso das perspectivas dos participantes, j que a
investigao qualitativa revela a dinmica interna das situaes.
A pesquisa qualitativa tem como um dos objetos privilegiados o sentido que
adquire a ao da sociedade na vida e tambm os comportamentos dos indivduos, bem
como o sentido da ao individual, ao ser traduzida em ao coletiva (DESLAURIERS;
KRISIT, 2012, p. 130). Assim, o objetivo de uma pesquisa com essa tipificao pode ser
o de dar conta das preocupaes dos atores sociais, tais quais elas so vividas no
cotidiano.
Desse modo, a atuao dos alunos do quarto ano no cenrio escolar pesquisado
e suas vivncias cotidianas refletem qualitativamente no sentido de suas aes, segundo
influncia do social. A construo de sentidos no que se refere ao processo de letramento,
portanto, parte de situaes e contextos presentes em eventos de letramento por meio das
quais os alunos lanam mo de alguma forma de sensibilidade para perceberem situaes,
acontecimentos, fatos que fizeram parte de suas vidas, ao se adentrarem nas prticas de
letramento. Esse olhar, que subjetivo e individual do ponto da construo de sentidos,
prprio de pessoas distintas e singulares, atravessado por aspectos coletivos nas
interaes sociais que ocorrem em diferentes contextos. Nota-se que o individual
composto no quadro do social e vice-versa.
Partindo dessa perspectiva, foram abordados, nesta pesquisa, os sentidos do
processo de letramento de quatro crianas do quarto ano do ensino fundamental de uma
escola municipal, localizada na periferia do municpio de Ipameri-GO. A opo pelo
referido ano escolar relaciona-se possibilidade de, na faixa etria que compreende esses
alunos de nove a dezesseis anos - eles j terem sido alfabetizados, por se tratar do ano
seguinte ao ciclo de alfabetizao (1, 2 e 3 anos) e tambm por no estarem nos
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extremos dos anos iniciais do ensino fundamental (1 e 5 ano), que so momentos em que
se focalizam grande parte das pesquisas na rea educacional. A escolha desse grupo de
alunos ainda se deu pela capacidade dos alunos de se expressarem, por escrito e
verbalmente, o que constitui uma possibilidade para a aquisio de dados relevantes quanto
ao entendimento do processo de letramento desses sujeitos.
pertinente recorrer a Gurdin-Fernandez (2007) ao sublinhar que h trs
condies para a produo do conhecimento na perspectiva qualitativa: a recuperao da
subjetividade como espao de construo da vida humana; a reivindicao da vida
cotidiana como cenrio bsico para compreender a realidade sociocultural e histrica; a
intersubjetividade e o consenso como sendo veculos para ascender o conhecimento vlido
da realidade humana. Assim, o subjetivo, o intersubjetivo, o significativo e o particular so
vistoscomo prioridades de anlises a fim de compreender a realidade social. Diante disso,
conforme a autora, na investigao qualitativa o sujeito tem relevncia e participao
inditas. Em decorrncia disso, ele pratica uma ao e tem uma conscincia, haja vista que,
ao ser construtor do mundo, elabora e reelabora, desenhando a cada dia construes
subjetivas desse espao no qual vive e atua.
O cotidiano escolar, no contexto da presente investigao, percebido a partir
de um conjunto de atividades realizadas e refletidas, em que a pessoa vista como sujeito
concreto, social e histrico, sendo a vida cotidiana a vida de todo homem (HELLER,
1989). Por essa concepo, trazido que a vida cotidiana coincide com a vida do homem
inteiro, que participa desta vida com aspectos de sua individualidade e personalidade,
colocando em funcionamento seus sentidos, capacidades intelectuais, habilidades
manipulativas, sentimentos, paixes e ideologias.
Os sujeitos, crianas, podem falar de sua realidade e de suas vivncias (SILVA,
2009). Isso decorre do fato de que, em estudos qualitativos, h uma tendncia de apreender
a perspectiva dos participantes, ilustrada atravs da maneira como os informantes encaram
as questes que esto sendo focalizadas. Os alunos so vistos como sujeitos ativos que,
cotidianamente, desenvolvem prticas letradas ao re(significarem) a realidade da qual
participam.
Nas pesquisas em Cincias Humanas, possvel perceber atuaes ativas do
homem no meio em que se insere, haja vista que elas permitem encontrar aquilo que se
perde quando o homem transformado em objeto e suas histrias so esquecidas
(KRAMER, 2003). Alm disso, o corte temporal-espacial que faz parte da pesquisa
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qualitativa define o campo e a dimenso, a partir dos quais o trabalho ser desenvolvido,
ou seja, o territrio a ser mapeado (NEVES, 1996). A descrio tambm de fundamental
importncia no estudo qualitativo, por se tratar de um mecanismo atravs do qual se coleta
os dados (MANNING, 1979 apud NEVES, 1996).
No que se refere questo da descrio, a pesquisa em foco abordou um
mapeamento geral da escola, ao descrever sua caracterizao em termos fsicos e tambm
quanto a aspectos humanos e pedaggicos. Abordar os sentidos do processo de letramento
dos alunos do quarto ano implica em adentrar no contexto real e cotidiano em que eles
desenvolvem afazeres escolares, revelam sentimentos, deixam fluir afetividades, gostos,
sensaes e emoes, ao se seduzirem frente a ocasies diversas, a partir do que prprio
do sentir pessoal.
A contextualizao da escola, as aes dos sujeitos investigados, conversas
informais com docentes e diretora, dentre outros aspectos, deram forma a registros em
dirio de campo, os quais foram imprescindveis no decurso das anlises de dados alusivas
aos sentidos letrados. Assim entendido, o letramento corresponde a um processo que est
ligado agncia formativa institucional que a escola, e em face disso, o processo e os
seus sentidos so empreendidos quando se insere na cultura escolar, em tempo e espao
determinados.
A pesquisa do tipo etnogrfico, segundo Andr (2010), caracterizada
essencialmente por um contato direto e prolongado do pesquisador com a situao e as
pessoas ou grupo selecionados. Nesta pesquisa, o contato teve durao de quinze horas
semanais, somando sessenta horas no perodo de um ms, que foi o tempo de durao da
pesquisa no ambiente escolar, especialmente no espao da sala de aula. A vivncia na
instituio escola incluiu um contato constante com os alunos, desde a entrada at a sada
da escola, sendo que houve participao do pesquisador em todas as aulas e atividades
escolares desenvolvidas no tempo de observao. Esse esclarecimento pertinente tendo
em vista que Andr (2010) assinala a necessidade de explicao, por parte do pesquisador,
do seu grau de envolvimento ou participao na situao pesquisada. Sobre isso, a autora
explica:
A intensidade do envolvimento pode variar ao longo do processo de coleta
dependendo das exigncias e especificidade do prprio trabalho de campo. O que
parece fundamental que o pesquisador tenha muito claro em cada momento por
que certo grau de participao e no outro est sendo assumido e saiba avaliar
prs e contras desta ou daquela opo (ANDR, 2010, p. 42).
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Conforme Oliveira e Gomes (2005), a exigncia de um trabalho de campo na
pesquisa do tipo etnogrfico, quando se tem como foco o processo educativo, faz com que
o pesquisador descreva tudo o que envolve o espao escolar, como: localidade, espao
fsico, materiais empregados, formao docente, alunos, funcionrios, recreio, ptios,
ajuntamentos, festas, pblico atendido, projetos desenvolvidos, participao da
comunidade, dentre outros aspectos que compem o cenrio. As autoras frisam que o
pesquisador vai escrever de tal forma que o leitor do seu trabalho sinta-se no local da
pesquisa.
A presente investigao, conforme ilustra os novos estudos de letramento,
prope, dentro da base qualitativa, o trabalho do tipo etnogrfico como opo
metodolgica produtiva no que se refere compreenso/ressignificao do que as pessoas
fazem com a escrita, assim como para a compreenso/ressignificao dos sentidos dessa
modalidade da lngua em suas vidas (CERUTTI-RIZZATTI, 2009). Em conformidade com
o exposto, esta pesquisa, na perspectiva de compreender os sentidos que so construdos ao
processo de letramento, a partir dos eventos e das prticas dos quais participam, contou
com identificao dos materiais escritos com os quais as crianas tinham acesso, tanto no
ambiente escolar quanto em suas prticas dirias externas escola.
Neste estudo, a insero no campo dos valores, da cultura e do social permitiu
compreender os sentidos do processo de letramento a partir de prticas que se sustentaram
em eventos de letramento, expressos por diferentes aulas voltadas para contedos
diversificados. O referido processo esteve ligado a aes, interaes de alunos e
professoras nas variad