Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e ISSN: 2178-1486 • Volume 1 • Número 5 • novembro 2011
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A REALIZAÇÃO DO /NH/ NO FALAR RECIFENSE: UMA
ANÁLISE DESCRITIVA PRELIMINAR
Gustavo da Silveira Amorim (PGLETRAS -UFPE)1
Solange Carlos de Carvalho (FALUB-PE)2
Resumo: Este artigo trata de um estudo sobre a realização da consoante palatal nasal na cidade de
Recife – PE, sob o arcabouço da fonologia autossegmental de Clements e Hume (1995). O corpus
é formado pela fala culta de doze informantes aleatoriamente selecionados de acordo com a
metodologia da Sociolinguística Quantitativa, proposta por Labov (1972) e descrita por Tarallo
(2004). Tais informantes foram distribuídos igualmente de acordo com o gênero/sexo, faixa etária
(até 39 anos e 40 anos ou mais). O corpus, composto por 382 dados foi analisado sob a perspectiva
das três realizações possíveis: i) apagamento do /ɲ/ - [du’rĩɲu] > [du’rĩ], ii) iotização do /ɲ/ -
[a’rãɲa] > [a’rãya], iii) permanência do /ɲ/ - [sõ’ɲãdu] > [sõ’ɲãdu]. Das realizações observadas,
os resultados confirmaram que os recifenses cultos preferem a realização da iotização às demais
variantes.
PALAVRAS-CHAVE: Sociolinguística; Iotização; Língua Portuguesa; Fonética.
Abstract: This article deals with the variable realization of the palatal consonant in the speech of
the city of Recife - PE within the framework of auto-segmental phonology as proposed by
Clements and Hume (1995). The data on which is based represent the educated speech of twelve
informants selected in agreement with the methodology of quantitative sociolinguistics as
proposed by Labov (1972) and described by Tarallo (2004). The informants were distributed
equally with regard to sex and age group (< 39 years and > 40). The corpus, composed of 382 data
was analyzed taking into consideration three possible realizations: i) no realization of /ɲ / -
[du'rĩɲu]> [du'rĩ], ii) the realization of a nasal coronal glide - [a’rãɲa] > [a’rãya], iii) the
realization of a palatal nasal consonant - [sõ’ɲãdu] > [sõ’ɲãdu]. Our results establish that the
educated speakers of the Recife variant of Brazilian Portuguese prefer the realization of the
coronal nasal glide over the other two realizations.
KEYWORDS: Sociolinguistic; Iotization; Portuguese Language; Phonetics.
0. Introdução
Existe uma grande lacuna entre a fala e a escrita, esta afirmativa é senso comum
entre os mais diversos estudiosos da Linguística. Tal abismo não é configurado apenas
entre a escrita e a fala, mas também entre os diversos falares. Isso pode ser visto nas
diversas comunidades de fala; caracterizando o Brasil como um país multifacetado
linguisticamente. É o que reza a Teoria Variacionista, cujos representantes munidos de
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arcabouços metodológicos inseriram o método quantitativo no universo da lingüística, e
a partir da observação de fenômenos intra- e pós-estruturais conseguem descrever as
variações existentes nas comunidades lingüísticas. Contudo, uma coisa é certa, os
estudos variacionistas não apenas mostram as lacunas que existem entre a Gramática
Internalizada e a Gramática Normativa, como também têm servido de suporte para
entender e reverter os baixos índices do sistema escolar brasileiro, no tocante ao
aprendizado de língua materna. Desta feita, os estudos dos fenômenos linguísticos têm
trazido à luz algumas pertinentes discussões que visam suprir as lacunas deixadas por
décadas de preconceito e discriminação pautados numa política exclusivista e sem
nenhuma explicação histórica palpável.
No Brasil, têm-se intensificado as pesquisas nesta área científica. Muitas línguas
já foram descritas e analisadas, bem como os processos fonéticos e as variações
existentes. Algumas regiões do Brasil têm uma grande tradição de estudos linguísticos,
especialmente no campo da dialetologia, da sociolinguística e da lexicografia.
Em consonância com esses estudos, o português falado no Recife vem sendo
estudado nos últimos anos, entretanto são poucas as publicações que abordam os
aspectos fonético/fonológicos do falar recifense. Por isso, discorremos neste artigo
sobre os estudos sociolinguísticos, adotando uma perspectiva que já estamos seguindo
há alguns anos. Pretendemos neste brevíssimo estudo realizar uma análise estrutural de
um fenômeno fonológico recorrente entre falantes do Recife: a iotização do /nh/ em /j/
nasal.
Trata-se de um estudo descritivo e de abordagem quantitativa/qualitativa, pois
apesar de ser dado tratamento estatístico ao corpus coletado, nossa hipótese é de que o
fenômeno da vocalização é praticamente categórico na comunidade de fala em questão,
não dispensaremos nosso olhar observador para as interpretações. Pois, o fenômeno foi
analisado à luz dos pressupostos teórico-metodológico da sociolinguística variacionista
laboviana (1972).
É possível que o fato fonético-fonológico a ser descrito neste artigo, seja
recorrente em outras regiões do Brasil, afinal em toda a diversidade linguística
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encontrada em um país heterogêneo como este, a língua falada tem suas especificidades
que são comuns em todo o território. Para exemplificar, podemos citar o fenômeno da
vocalização da lateral /l/ em coda silábica que é recorrente em todas as regiões do país,
com algumas reminiscências no Rio Grande do Sul. Nesse sentido, não descartamos a
possibilidade de os fenômenos percebidos na fala recifense também serem recorrente de
outras regiões.
A pesquisa mostra que o falante recifense na espontaneidade da fala, aplica um
processo de iotização em que palavras como caminhão, senhor, caminhada, munheca,
tem a pronúncia do /nh/ vocalizada, ou seja, os recifenses substituem o /nh/ por um
glide nasal. Claro que isto carece de uma análise maior que será vista na seção que cabe
a este procedimento.
1. Origem dos Estudos Sociolinguísticos
As contribuições dos estudos sociolinguísticos desenvolvidos desde a
Conferência de Lake Arrowhead, realizada na Califórnia, no ano de 1964, foram muitas,
sobretudo a contribuição dos estudos realizados por Willian Labov, voltados para a
relação língua-sociedade com a finalidade de sistematizar a variação da fala.
Em 1968, Uriel Weinreich, William Labov e Marvin Herzog apresentaram um
modelo teórico-metodológico, ao qual chamaram Teoria da Variação ou
Sociolinguística Variacionista, cujo objetivo era a descrição de uma língua e seus
determinantes. Para esses estudiosos da língua, muito importava descrever os processos
fonológicos das estruturas linguísticas na fluência temporal e provar a sistematicidade
da “variação”, buscando fundamento e contextualizando tais estruturas. Havia nesse
modelo uma oposição à questão da homogeneidade da língua, afinal não se pretendia
desprezar o componente social no estudo da língua, como afirmava Labov (1972). A
partir da aceitação da língua como heterogenia como em Weinreich, Labov e Herzog
(2006, p. 29) que foram os pioneiros no estudo da língua e definiram os caminhos para
o estudo da mudança linguística.
Dos temas de investigação da Sociolinguística, o que optamos por enfocar para
atender às necessidades deste estudo são os processos fonológicos de “variação e
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mudança”, cujo papel é fundamental para os estudos sociolinguísticos. Devemos,
portanto, a partir do conhecimento dos processos fonológicos, podemos dar início a
descrição fonético-fonológica de uma dada comunidade de fala para a análise
quantitativa.
A Sociolinguística variacionista tem por objetivo a descrição estatística de
fenômenos variáveis, pela qual se calcula a interferência de fatores linguísticos e não
linguísticos na realização de variantes. Esse modelo teórico-metodológico considera a
língua em seu contexto sociocultural, uma vez que as explicações para os fenômenos
variáveis advêm não só de fatores internos ao sistema linguístico, mas também de
fatores externos a ele.
Idade, sexo, nível socioeconômico, grau de escolaridade são as principais
variantes relacionadas ao falante. O ambiente, o tema, o estado emocional do falante,
bem como o grau de intimidade entre dois falantes estão relacionados à situação, ao
contexto. São influências extraverbais que estão presentes no ato de fala.
Cabe, pois, à Sociolinguística investigar o grau de estabilidade da variação,
prever o comportamento regular e sistemático das variáveis e definir se o caso em
estudo é de variação estável ou mudança em progresso.
Antes de considerar os fatores sociais que poderiam influenciar na variação
linguística, Labov (1972) considerou a influência do ambiente linguístico no
condicionamento fonético, procedendo a uma análise estrutural do fenômeno.
2. Os Estudos Fonético-fonológicos no Recife
Ao estudar as fontes bibliográficas para a pesquisa do falar recifense,
encontramos os que tratam dos aspectos fonético-fonológicos os quais destacamos, por
seu pioneirismo, os trabalhos de Carvalho (2005, 2007): “O glide epentético antes de
sibilante”; O apagamento dos ditongos decrescentes orais em falares do Recife” e a tese
de Montenegro (2004) sobre a aquisição da língua, na região metropolitana do Recife;
as pesquisas de Carvalho (2005, 2007), realizadas na comunidade de fala do Recife, em
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2005, para o trabalho de conclusão da Especialização em Linguística Aplicada, a
epêntese do glide antes de sibilante também foi comprovada (na[j]cer ~ nascer, cre[j]cer
~ crescer, com[j]ciência ~ consciência), mesmo entre os falantes de elevado grau de
escolaridade. Podemos citar, ainda, o comportamento das vogais médias pretônicas,
Amorim (2009), e a palatalização do [s] em coda silábica, de Macedo (2004).
Além dessa contribuição para os estudos de fatos fonéticos do falar recifense,
temos ainda um banco de dados na Região Metropolitana do Recife para identificar a
aquisição da fala pelas crianças recifenses: “Aquisição da fonologia do Português falado
na Região Metropolitana do Recife”, uma pesquisa coordenada pela professora Bianca
Queiroga do curso de Fonoaudiologia da UFPE, com a participação de uma professora
do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE (Stella Virgínia) e uma doutoranda
Ana Cristina Montenegro.
Os escassos estudos dos fatos fonéticos na comunidade de fala do Recife
justificam a realização de outros estudos como o que ora realizamos.
3. Aspectos metodológicos
A parte variacionista desta pesquisa seguiu os pressupostos metodológicos de
Labov (1972). Quanto aos objetivos, trata-se de pesquisa empírica de natureza
descritiva, em que optamos por uma abordagem qualitativa, uma vez que não houve
necessidade de usarmos o programa estatístico Goldvarb, pois, como dissemos, trata-se
de um estudo preliminar. Justamente por acreditarmos que seu condicionamento é
linguístico e não social, selecionamos para essa investigação somente variáveis
estruturais para investigar a motivação do fenômeno em estudo. As variantes escolhidas
para a realização da pesquisa foram: contexto precedente, contexto seguinte e classe de
palavras.
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Para a coleta de dados, utilizamos as gravações que compuseram os corpora da
pesquisa para a dissertação do mestrado de Amorim (2009). Ouvimos as gravações de
seis mulheres e seis homens, quantitativo suficiente para uma amostra aleatória.
Para dar conta das motivações que levam ao condicionamento do uso variável
em estudo, apresentamos no quadro a seguira descrição das variáveis e respectivas
palavras que contém, por hipótese, em sua estrutura lexical, o fonema /ɲ/.
Neste estudo, foram analisadas três possíveis realizações para o fonema /ɲ/, a
saber:
i) apagamento do /ɲ/ - ocorre quando a queda do fonema
palatal nasal é total, restando apenas o traço de nasalidade:
[du‟rĩɲu] > [du‟rĩ].
ii) iotização do /ɲ/ - se dá quando há a inserção do /y/ perante
a vogal final, diante da queda do /ɲ/: [a‟rãɲa] > [a‟rãya].
iii) permanência do /ɲ/ - quando a palatal não sofrer nenhuma
alteração: [sõ‟ɲãdu] > [sõ‟ɲãdu].
4. A Iotização: Algumas Considerações
A iotização é um processo fonético/fonológico em que consiste na realização do
glide /j/ substituindo alguns fonemas. Para Câmara Júnior (1981), a iotização é:
“(...) mudança de uma vogal ou consoante para a vogal anterior alta /i/ ou
para a semivogal correspondente ou iode. Nos falares crioulos portugueses há
a iotização das consoantes molhadas /ʎ/ e /ɲ/, ex: mulher > muyé, nhonho >
ioiô (africanismo)”.
Corroborando com o argumento acima, Silva Neto (1977) afirma que “(...) no
nosso caso particular e histórico, observamos que os aloglotas (mouros, índios e
negros) se mostraram sempre incapazes de pronunciar o /ɲ/.
Aragão (1999), ao fazer a análise do processo de despalatalização das
consoantes /ʎ/ e /ɲ/ afirma que: “( ...)Em determinados contextos, por facilidade ou
relaxamento de articulação o /ʎ/ e /ɲ/ podem perder o traço palatal, passando a ser
articulados como alveolares /l/ e /n/, como yode, ou sofrer apagamento, desaparecendo”.
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Com relação ao percurso histórico, para Jota (1976), a iotização era um processo
fonético comum que ocorrera: “(...) anteriormente à palatalização na passagem do
latim para o português. Assim, em latim havia o iode, que se palataliza no português,
conforme nos casos de milia > milya> milha; somnium > sonho.”
Com base no que afirma o autor acima, a regra fonética do latim que resultava
na palatalização consistia na junção de uma consoante /l/ ou /n/ com /y/ que resultou nas
seguintes princípios:
i) /l/ + /y/ > /ʎ/
ii) /n/ + /y/ > /ɲ/
No estágio do português, ocorre um movimento inverso daquele que ocorrera no
passado, ou seja, o /ʎ/ desdobra-se em /l+y/, e o /ɲ/ em /n+y/.
5. Fonologia Autossegmental
Com o intuito de discutirmos sobre tais realizações possíveis que envolvem a
realização da consoante palatal nasal, buscamos apoio e explicações na fonologia
autossegmental.
Essa teoria consiste na dinâmica de que sua operação não se dá apenas com
segmentos e matrizes inteiras, mas com autossegmentos, permitindo a segmentação
independente das partes dos sons das línguas. Além disso, concebe a ideia de que:
i) os traços distintivos podem estender-se além ou aquém de um
segmento,
ii) ii) o apagamento de um segmento não implica
necessariamente o desaparecimento de todos os traços
(Goldsmith, 1976 apud Hernandorena, 1996).
Para a fonologia autossegmental, não há uma relação biunívoca entre os
segmentos e o conjunto de traços que o caracterizam, defendendo que o segmento
apresenta uma estrutura interna hierárquica.
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Clements e Hume (1995) traçam uma representação arbórea para configurar a
hierarquização da ordem dos traços. Os nós de traços são divididos em terminais e
intermediários, sendo aqueles submissos a estes.
O esquema arbóreo acima pode assim ser lido: r é o nó de raiz que se destrincha
nos nós de classe, representados por A, B, C e D, que se destrincham em nós terminais,
a, b, c, d, e, f, e g. A raiz (r) é submissa à unidade de tempo abstrada (X). Os nós C e D
são dependentes um do outro. Todos os nós são relacionados por linhas de conexão,
mantendo, desta forma, uma relação entre si.
Assim, é permitido afirmar que a estrutura de árvore que representa a
geometria de traços permite mostrar a naturalidade dos processos fonológicos que
ocorrem nas línguas do mundo, atendendo sempre ao princípio de que as regras
fonológicas constituem uma única operação. Esta operação pode ser de desligamento de
uma linha de associação ou de espraiamento de um traço, fazendo com que os traços
funcionem solidariamente em processos fonológicos.
De acordo com esses estudiosos, qualquer segmento sonoro pode ter uma
representação em árvore. Como forma de contribuição para a compreensão futura,
expusemos a estrutura arbórea do fonema /ɲ/, na figura abaixo.
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/ɲ/
6. Análise dos Dados
Ao nos debruçarmos sobre os dados catalogados, percebemos que a preferência
do falante culto recifense é pela iotização do /nh/, mas as demais possíveis realizações
também se fizeram presente conforme o Gráfico 1:
Grafico 1: Quantitativo das ocorrências e porcentagens da realização do [ɲ]
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Como podemos observar no Gráfico 1, a preferência dos falantes cultos em
realizarem a iotização fica evidente na grande maioria dos casos. Por outro lado, o
apagamento da palatal nasal se mostrou não pertinente, enquanto a manutenção
apresentou um quantitativo considerado de dados.
Sabemos que os fatores que agem no processo da variação podem ser tantos
internos como externos. Por isso, passaremos agora a analisar os fatores que mais
contribuíram para cada variante estudada.
Com relação ao processo de apagamento total da palatal nasal, percebemos que
os homens se mostraram mais favoráveis do que as mulheres. Isto nos leva a acreditar
que estas ainda são mais conservadoras. Tal fato também se evidencia na manutenção
ao detectarmos que as mulheres ligeiramente mantêm mais a realização. No que tange à
iotização, não é possível assumirmos qualquer direção, pois o quantitativo de dados que
diferem entre os sexos são irrisórios.
No que concerne à classe de palavras que mais se apresentaram favoráveis à
iotização, percebemos que os substantivos e adjetivos no grau diminutivo foram os
grandes gatilhos deste processo. Isso também não pode ser levado como verdade na sua
totalidade, pois entendemos que o morfema sufixal do diminutivo –inho / - inho, em
ambos os sexos são os grandes responsáveis por este comportamento.
Notamos também que as consoantes anterior (em maior número) ou posterior
(em menor número) não são demasiadamente relevantes para este processo. Esta
assertiva pode ser corroborada como o argumento de que a posição da palatal nasal
influencia mais no comportamento fonético do que os fatores internos e externos da
língua. Neste caso, verificamos que a maior incidência de manutenção se deu entre
sílabas e não no final e em formas verbais: [t~e’ɲãmus], gã’ɲãmos].
O que realmente corroborou para a ocorrência da iotização é o tipo de vogal que
antecede palatal nasal. Por não observamos diferença entre o traço abertura, analisamos
as cinco vogais existentes na fonologia do português brasileiro /a/, /e/, /i/, /o/, /u/.
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Como havíamos mostrado no item quatro, a iotização é um processo que
consiste a inserção de um iota em consequência da queda de outro. Trata-se de um glide
vocálico. Diante das vogais mais baixas, torna-se possível perceber com mais
intensidade o seu desempenho: [a’rãjɲa], [‘t~ejɲa], [tõja].
Apesar de a vogal posterior alta [u] possuir, devido a sua natureza fonética, o
traço mais alto, diante do glide epentético também pode-se perceber o iota com mais
intensidade: [su’p~ujɲa].
Quando a iotização ocorre diante das vogais altas, sobretudo do /i/, a percepção
não é tão apurada como ocorres nas mais baixas. Tal argumento se corrobora devido à
altura proximal do glide e das vogais altas: [„t~iɲa].1
O processo de crase que ocorre entre a vogal e o glide é possível devido aos
traços alturas e coronal que unem estes segmentos. No entanto, uma análise fonética
mais apurada poderia nos informa se a fusão destes dois segmentos resultaria em uma
unidade de tempo com maior prolongamento, uma vez que o a vogal alta anterior
quando em posição tônica já desfruta de intensidade e durabilidade maiores.
Quanto à fonologia autossegmental, o comportamento da vogal nasal palatal
pode ser descrita de acordo com os processos que a envolvem.
Apagamento: No processo de apagamento da palatal nasal, o ponto de
consoante é desfeito totalmente, assim como todos os demais segmentos da sílaba. Ex:
[‘dur~i]
1 Todos os exemplos demonstrados nesta seção são categóricos quanto à vogal
postônica final. Elegemos a vogal baixa [a] para melhor descrevermos os processos de iotização, sem necessariamente nos preocuparmos, em princípio, com o tipo de vogal final, já que esta não se mostrou relevante, ao menos neste primeiro momento, para as análises aqui descritas.
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/ɲ/
Permanência: Não faremos aqui a demonstração do segmento, uma vez que a estrutura
arbórea do mesmo já fora demonstrado no item 5.
Iotização: No processo de iotização, o nó de raiz do segmento /j/ assimila por completo
o segmento / ɲ/. Ex: [a’rãja]
/ɲ/ /j/
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7. Considerações Finais
Este artigo abordou um fato fonético de vocalização categórico na comunidade
de fala do Recife, levando-nos à reflexão sobre a necessidade de se realizar mais
estudos dessa natureza para a composição do quadro fonético-fonológico do Recife,
haja vista ser a variação linguística uma realidade em todo o país e já tão difundida em
diversos estados.
Por entendermos que toda e qualquer região tem as suas especificidades
linguísticas em todos os níveis, consideramos pertinente um investimento na proposta
de estudos variáveis, no Recife, optando por uma análise estrutural de um fato fonético
recorrente nessa comunidade de fala: a vocalização nasal do /nh/.
Este trabalho descritivo presta-se ao interesse de pesquisadores da área de
domínio da sociolinguística, dialetologia, fonologia, aos estudantes de Letras que se
preocupam com atualização dos conhecimentos linguísticos, ao professores de Língua
Portuguesa, o qual pode se utilizar de estudos variáveis dessa natureza para apresentar
aos seus alunos a língua em usos e a todos quantos se interessam os avanços dos estudos
linguísticos no país.
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Recebido Para Publicação em 30 de outubro de 2011. Aprovado Para Publicação em 22 de novembro de 2011.