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GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA DEPARTAMENTO DE POLÍCIA TÉCNICA - DPT INSTITUTO DE CRIMINALÍSTICA AFRÂNIO PEIXOTO - ICAP

ACADEMIA DA POLÍCIA MILITAR

CURSO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS - CFO

BALÍSTICA FORENSE

Eng.º Adeir Boida de Andrade

Salvador Julho de 2008

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ÍNDICE Pag

1 INTRODUÇÃO 3

2 ARMAS DE FOGO 3

3 O CALIBRE DAS ARMAS DE FOGO 6

4 MUNIÇÃO PARA ARMA DE FOGO 9

5 PROJÉTEIS 12

6 RESIDUOGRAMA DO TIRO 18

7 BALÍSTICA EXTERNA 19

8 BALÍSTICA TERMINAL 20

9 IDENTIDADE E IDENTIFICAÇÃO 22

10 SISTEMA DIGITAL DE IDENTIFICAÇÃO BALÍSTICA (IBIS) 26

11 REFERÊNCIAS 29

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1 INTRODUÇÃO

Como ciência que estuda o movimento dos corpos no espaço, a Balística surgiu a

centenas de milhares de anos, no exato momento em que o homem, em seu processo de

evolução, teve liberados os membros dianteiros, com os quais passou a arremessar pedras

para caçar animais e enfrentar os inimigos. Daí em diante o homem se especializou, digamos

assim, na produção e utilização de armas de arremesso de um modo geral (com as quais podia

atingir e ferir gravemente um inimigo, sem se aproximar dele), das quais as armas de fogo

constituem estágio tecnológico mais contemporâneo.

Voltada para a aplicação da Lei Penal, a Balística Forense foi criada para o estudo

das armas de arremesso de um modo geral e das armas de fogo em particular, tendo o seu

embrião, segundo renomados autores, surgido na primeira ocasião em que alguém,

examinando as características de uma flecha retirada do corpo de um guerreiro morto, logrou

determinar a tribo, ou o clã, a que pertenceria aquele que a desferira.

Aplicada no trabalho policial, a Balística Forense constitui importante ramo da

Criminalística, que é a disciplina geral. Estuda as armas portáteis de um modo geral (e não

armamento militar), exatamente por serem estas as armas e munições normalmente

empregadas no cometimento dos delitos penais.

2 – ARMAS DE FOGO

Armas de fogo disparam projéteis que produzem, nos seres vivos, contusão e

perfuração, de modo que tais projéteis são considerados instrumentos pérfuro-contundentes,

os quais produzem feridas pérfuro-contusas. De um modo geral, poderíamos classificar as

armas de fogo da seguinte maneira:

• Quanto ao carregamento: Antecarga – O carregamento ocorre pela “boca” do cano,

por onde se introduz a carga de pólvora, uma bucha separadora, e o(s) projétil(eis).

Retrocarga – Utilizam os cartuchos de munição, carregados

pela câmara ou pela culatra da arma.

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• Quanto ao raiamento do cano: Raiadas – O cano possui espiras laterais internas, em

alto relevo, por onde passam os projéteis sólidos sob forte atrito (Ex. revólver, pistola,

carabina, rifle, metralhadora, fuzil).

Cano liso – O cano tem superfície interna lisa, e dispara

normalmente grãos múltiplos de chumbo,

que passam pelo seu interior com atrito

desprezível (Ex.: espingardas e pistolões).

As armas de fogo podem ser classificadas, ainda, em função do comprimento do

cano em armas curtas, que são facilmente dissimuláveis sob as vestes e podem ser

disparadas com uma só mão, e armas longas, mais difíceis de dissimular, e cujo emprego

requer, normalmente, o uso das duas mãos e o apoio simultâneo do ombro.

• Armas Curtas: Cano raiado: REVÓLVERES

GARRUCHAS

PISTOLAS

SUB-METRALHADORAS

Cano liso: PISTOLÃO

A Figura 01 mostra exemplos típicos das armas curtas.

• Armas Longas: - Cano raiado: CARABINA (do árabe karab = arma)

RIFLE (do inglês rifled = raiado ou estriado)

Figura 01. Armas curtas. Da esquerda para a direita: revólver, pistola, sub-metralhadora e pistolão.

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MOSQUETÃO (repetição manual, calibre de alta

energia)

FUZIL (opera em regime automático = rajada)

Cano liso: ESPINGARDAS (origem contraditória)

A palavra escopeta tem origem na Espanha, onde significa simplesmente

espingarda. No Brasil, não se sabe quando nem por que, passou a ser empregada para

designar espingardas de cano curto. Seu uso deve ser evitado em documentação técnica. A

Figura 02 mostra exemplos típicos das armas longas.

Armas de antecarga, normalmente espingardas de fabricação artesanal (socadeira,

bate-bucha, pica-pau, etc) não possuem calibre nominal definido, restando apenas a

determinação do diâmetro interno do cano. Não raras vezes, armas de antecarga apreendidas

pela Polícia têm cano com diâmetro interno superior a 18,5mm (1,85cm) que é o máximo

calibre permitido pela legislação brasileira para armas de cano liso (o calibre 12). Armas

deste tipo, normalmente fabricadas com pesados tubos de aço, embora não possuam calibre

nominal definido, podem ser classificadas como de “calibre equivalente” superior ao máximo

permitido pela nossa legislação.

Figura 02. Armas longas. De cima para baixo e da esquerda para a direita: carabina, rifle, mosquetão, fuzil e espingarda.

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3 – O CALIBRE DAS ARMAS DE FOGO

Quando se trata de artefatos tubulares, a palavra calibre refere-se sempre ao seu

diâmetro interno, em unidades do sistema métrico decimal. O mesmo ocorre na lingua

inglesa, onde caliber é também designativo do diâmetro interno de um cano, ou do diâmetro

externo de um projétil de arma de fogo.

Em Balística Forense deve-se, porém, considerar a grande diferença entre o

substantivo calibre, e a expressão calibre nominal (em inglês, cartridge para canos

raiados ou gauge para os canos lisos das espingardas). Enquanto “calibre” refere-se ao

diâmetro (do cano ou do projétil), “calibre nominal” deve ser compreendido como uma

NOMENCLATURA IDENTIFICADORA DE MUNIÇÃO, um nome de batismo pelo

qual a munição (ou a arma que a utiliza) é conhecida em qualquer lugar do planeta. Cartuchos

de diferentes calibres nominais são constituídos por projéteis do mesmo calibre, e aí está a

diferença...

A dificuldade reside, parcialmente, no emprego corrente de medidas em unidades

inglesas, já que foram norte-americanos os inventores do revólver (Samuel Colt, por volta de

1850) e da pistola semi-automática (John Moses Browning, em 1900). É importante fixar

alguns conceitos antes de prosseguir com o texto:

• 1” = uma polegada (unidade de comprimento) = 2,54 cm = 25,4 mm

• 1’ = um pé (comprimento) = 12” = 12 polegadas = 12 x 2,54 =30,48 cm

• 1 Lb = uma libra (unidade de massa) = 453,6 g = 7.000 grains

• O zero à esquerda é desprezado, e o ponto (.) é empregado para separar as casas

decimais, enquanto que a virgula (,) indica a casa do milhar, exatamente o

oposto do que fazemos. Ex: U$ 1,536.47 ou .45”

• O Calibre das espingardas

Nas armas de retrocarga de cano liso (espingardas), o calibre nominal (gauge em

inglês) é sempre um número inteiro (Ex.: diz-se calibre 28, e não .28), indicativo do

diâmetro interno do cano, e, equivale ao número de esferas de chumbo, do diâmetro,

necessárias para completar a massa de uma libra. Por este motivo, o calibre diminui, na

medida em que o número indicativo aumenta, conforme indicado na Figura 3:

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CALIBRES DAS ESPINGARDAS

CALIBRE D (mm) Designação Internacional 40 9,1 9.1mm (Aceita cartuchos .38SPL) 36 10,2 .410 (Aceita cartuchos .44-40Win) 32 12,2 28 13,0 24 14,3

20 15,9 16 16,2 12 18,5

Obs: Calibres 36 e 40 foram criados no Brasil, não atendem a lei internacional de formação, e equivalem aos calibres (gauges) 68 e 101, respectivamente.

• O calibre das armas raiadas

Nos canos raiados, temos em verdade dois “calibres” ou diâmetros internos: o

primeiro é o diâmetro entre cheios (às vezes chamado calibre real), correspondente ao

diâmetro original do tubo utilizado, antes da abertura do raiamento; o segundo é o diâmetro

entre as raias, levemente superior, e dimensionado na exata medida do calibre do projétil a ser

utilizado. É esta diferença a maior no diâmetro que vai forçar o projétil de encontro ao

raiamento, para adquirir a rotação necessária à estabilização da sua trajetória. Vide Figura 04:

O calibre nominal, ou a nomenclatura designativa das munições destinadas às

armas de fogo de cano raiado, não segue uma regra determinada, como ocorre com as

D

NOMENCLATURA INDICA O NÚMERO DE BALINS (ESFERAS) DE CHUMBO, DO DIÂMETRO DO CALIBRE, NECESSÁRIOS PARA COMPLETAR UMA LIBRA (453,6g) DE MASSA DE CHUMBO. EX: CALIBRE 12 - SÃO NECESSÁRIAS 12 ESFERAS NO DIÂMETRO DO CALIBRE PARA COMPLETAR UMA LIBRA DE CHUMBO. OS CALIBRES BRASILEIROS 36 E 40 CONSTITUEM EXCEÇÃO À REGRA.

Figura 03. O calibre nominal das espingardas de retrocarga

DIÂMETRO ENTRE RAIAS

(DIÂMETRO DO PROJÉTIL)

DIÂMETRO ENTRE CHEIOS (CALIBRE REAL)

Figura 04. Calibre raiado. O projétil é dimensionado no maior diâmetro

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espingardas. O calibre nominal de uma munição, em verdade, corresponde a uma identidade

e tem por objetivo sua individualização, num universo de muitas outras constituídas por

projéteis do mesmo “calibre”, porém com características balísticas e estojos de características

distintas.

• SISTEMA INGLÊS OU NORTE-AMERICANO - o calibre nominal é sempre indicado

por números (indicativos de uma dimensão em fração da polegada e, portanto, sempre

precedidos por um ponto), seguidos de palavras ou letras destinados a sua

individualização. O sistema é de certa forma, anárquico, já que os números, ora indicam o

diâmetro entre cheios do cano, ora o diâmetro do projétil, e, muitas vezes, nem uma coisa

nem outra! A nomenclatura utiliza a fração da polegada (1 polegada = 1” = 25,4mm), e é

designada por um ponto, seguida de números e letras ou palavras. Ex: .38 Special, .357

Magnum, .45 Auto, .40 S&W, .380 ACP, .32 S&WL, etc. A fração da polegada nem

sempre indica o exato diâmetro do projétil que a arma dispara (Ex.: O projétil disparado

pelo revólver .38 SPL tem diâmetro de .357”)

Obs.: Importante ressaltar que nos EUA o ponto substitui a vírgula e vice-versa, e eles

escrevem, por exemplo U$ 1,347.32 – um mil, trezentos e quarenta e sete dólares e

trinta e dois centavos.

• SISTEMA MÉTRICO DECIMAL, OU EUROPEU- os calibres são usualmente

designados por dois números, em milímetros, seguidos ou não por letras ou palavras. Na

nomenclatura Européia o primeiro número está vinculado ao diâmetro (do projétil ou

entre as raias do cano) e o segundo, indicativo do comprimento do estojo da munição que

dispara. Ex. 9 x 19mm (9mm Luger), 7,62 x 51 mm, 5,56 x 45 mm, etc. No sistema, o

segundo número é freqüentemente dispensado (substituído por letras ou palavras) no caso

de calibres muito conhecidos como o 9mm Luger ou 9mm Parabellum (9x19mm), o 9mm

Curto (9 x 17 mm ou .380 Auto) ou o 7,65mm Browning.

Saliente-se que embora seja corrente na linguagem coloquial, tecnicamente é incorreto

afirmar que um revólver é do calibre 38 ou .38” (trinta e oito centésimos da polegada). Afinal

nem o cano nem o projétil que a arma dispara têm este calibre (9,65mm) restando, ainda, a

dúvida se não se trataria do .38 ACP, do .38 Long Colt, do .38 Smith & Wesson, do .38 Short

Colt ou do .38 Super Auto. Da mesma “7,65mm” (usado para designar o calibre 7,65mm

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Browning) poderia ser confundido com o 7,65 mm Roth-Sauer, 7,65mm Borchardt, 7,65mm

Mas, ou o 7,65mm Luger.

Nas munições, deve-se considerar, ainda, que os cartuchos +P (recurso utilizado pela

indústria apenas para velhos calibres, dotando-os de mais energia, conforme permite a

tecnologia das armas modernas) não caracterizam novos calibres nominais. Ex.: cartucho do

calibre nominal .380 Auto, com inscrição (ou carga propelente) +P.

4 – MUNIÇÃO PARA ARMA DE FOGO

O cartucho de munição para arma de fogo foi criado por volta da metade do

século 19, a mais de 150 anos, por ocasião do desenvolvimento da armas de retrocarga. O

surgimento da unidade completa e compacta de munição produziu uma verdadeira revolução

tecnológica no sistema operacional das armas de fogo, que evoluíram rapidamente do tiro

singular para o tiro de repetição manual e, deste, para a operação semi-automática e

automática. Era a tecnologia proporcionando um enorme ganho de poder de fogo para

exércitos e usuários. A Figura 5 ilustra três tipos básicos de cartuchos.

• Composição dos cartuchos

Desconsiderando os cartuchos produzidos nas primeiras tentativas, a exemplo do

Lefaucheux, Flobert e outros, hoje completamente obsoletos, podemos afirmar que temos

Figura 5.Cartuchos produzidos pela CBC Fonte: www.cbc.com.br. Acessado em março de 2005.

Virola ( crimp)

Graxa

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contemporaneamente três tipos básicos de cartuchos: de caça, para as armas de canos lisos ou

espingardas, de fogo central e de fogo circular, os dois últimos destinados às armas de cano

raiado, conforme mostra a Figura anterior.

Basicamente, o cartucho de munição é composto por quatro elementos: estojo,

espoleta iniciadora, pólvora e projétil (ou conjunto bucha + bagos de chumbo, nos cartuchos

de caça). Vide Figura 6:

Passemos a uma descrição sucinta destes componentes.

Estojo – É o elemento estrutural do cartucho, destinado a reunir e conter todos os

seus componentes, sendo usualmente fabricado em metal maleável como o latão (liga

contendo normalmente 70% de cobre + 30% de zinco) e tendo sempre - à exceção daqueles

de fogo circular - uma base robusta capaz de resistir às pressões provenientes dos gases

produzidos pela queima da pólvora. As paredes laterais dos estojos são normalmente frágeis e

precisam estar firmemente nas paredes internas da câmara da arma para resistir às pressões do

disparo (e isto vale tanto para os estojos metálicos quanto para os cartuchos de caça com

paredes laterais de material plástico ou papelão). Uma eventual percussão da mistura

iniciadora de um cartucho fora da câmara da arma irá produzir um forte estampido seguido do

rompimento das paredes laterais do estojo, sem que o projétil adquira aceleração.

Os primeiros cartuchos produzidos, inclusive para grandes calibres, tinham

estojos do tipo “fogo circular” ou rimfire, vez que não existiam as espoletas iniciadoras.

Nestes cartuchos, a mistura explosiva (iniciadora), ainda líquida, é distribuída por

centrifugação dentro de uma reentrância na periferia interna da base do estojo (Fig. 7). Como

as bases dos estojos não encontram apoio na câmara da arma, muitos acidentes de tiro

ocorreram com este sistema, que impõe um verdadeiro conflito para os fabricantes dos

Figura 6. Cartucho Boxer desmontado. Espoletas Boxer e Berdan

Projétil jaquetado expansivo de ponta ôca

Estojo

Pólvora Espoleta

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estojos: precisam ter bases maleáveis e frágeis para se deformar com o impacto do percussor

da arma e, simultaneamente, ter bases robustas o suficiente para resistir à pressão dos gases

do disparo. Por este motivo, cartuchos de fogo circular ficaram restritos aos pequenos

calibres, sendo o .22 Long Rifle (.22 LR) o seu mais conhecido exemplo (Figura 7).

Os estojos para cartuchos de caça têm sempre uma base metálica com um orifício

no centro, para montagem da espoleta iniciadora. No Brasil estes cartuchos empregam um

tipo de espoleta diferente, denominada “Bateria”, e que são constituídas por uma espoleta do

tipo Berdan, porém completamente montadas num copo que se insere pela base do estojo.

Misturas iniciadoras (espoletas) – As misturas iniciadoras constituem

certamente o mais importante e sensível componente do cartucho e aquele cuja produção

demanda tecnologia mais sofisticada. Diferentemente das pólvoras, que queimam sob

velocidade controlada, a mistura iniciadora constitui um alto explosivo (muito sensível ao

choque, fricção, calor, faíscas, chama e eletricidade estática) cuja explosão, ou detonação,

transfere para o interior do cartucho o turbilhonamento e o calor necessário para queima da

pólvora. As primeiras espoletas empregavam uma mistura à base de fulminato de mercúrio,

substituído depois pelo clorato de potássio. Ambos produziam resíduos altamente corrosivos e

foram, finalmente, substituídos, nas misturas atuais, pelo stifinato de chumbo, tetraceno,

nitrato de bário e outros sais.

Pólvoras – A pólvora negra foi utilizada nos primeiros cartuchos produzidos, ao

final do século 19, e ainda hoje é empregada nos fogos de artifício e nas armas de antecarga.

Trata-se na verdade de uma mistura de componentes químicos (75% de Salitre do Chile

(KNO3 = Nitrato de Potássio) + 13% carvão vegetal + 12% enxofre) cuja reação ocorre

exatamente durante a sua queima. O volume de gases produzidos é de cerca de 300 (trezentas)

vezes o seu volume inicial, e inclui a liberação de grande quantidade de oxigênio (O2).

Figura 7. Disparo de Cartucho de fogo circular. Fonte: www.cci-ammunition.com. Acessado em

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Os atuais cartuchos de munição utilizam apenas as pólvoras químicas ou

nitrocelulósicas, criadas em 1885 para substituir as pólvoras negras, até então empregadas

nos primeiros cartuchos. No disparo, a grande pressão dos gases produzidos faz com que

estojo e projétil sejam então brutalmente separados, sendo que o primeiro esbarra logo contra

o percussor e a culatra da arma, enquanto o projétil é disparado no sentido da saída do cano

da arma.

5 PROJÉTEIS

As armas de fogo, na forma em que as conhecemos, foram implementadas para

uso militar e para caça por volta do século XVI, ocasião em que disparavam projéteis

esféricos de chumbo (metal de baixo custo e pesado, condição necessária para vencer o atrito

com o ar), tinham canos lisos, e eram de antecarga. Os sistemas de ignição da pólvora eram

primitivos, e tinham alcance limitado, sobretudo devido à péssima aerodinâmica das esferas.

A evolução tecnológica em busca de maior alcance e efetividade levou ao

dimensionamento de projéteis ogivais, que têm melhor coeficiente aerodinâmico, e

capacidade de incorporar maior massa num menor diâmetro. Como as ogivas têm o centro de

gravidade deslocado no sentido da própria base, de modo semelhante a uma peteca, estes

projéteis ao serem disparados por canos lisos tendem a girar cerca de 180º ao longo da

trajetória, dando uma espécie de cambalhota em pleno ar, movimento no qual perdem

velocidade e precisão, culminando por atingir o alvo de modo indesejado, deixando assim de

produzir os resultados projetados (perfuração, contusão, deformação, etc). A Figura 8 ilustra

este fato.

G

Figura 8. Projétil ogival disparado por cano liso. Trajetória instável por conta do centro de gravidade deslocado no sentido da própria base.

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Para garantir a estabilidade dos projéteis ogivais ao longo de toda a sua trajetória,

foi necessário acrescentar-lhes uma aceleração tangencial durante o disparo, dotando-lhes

então de um movimento de rotação em torno do próprio eixo. É o que se chama de

estabilidade giroscópica. Para isto a indústria bélica inventou o raiamento das armas de fogo,

de uso exclusivo para o disparo de projéteis ogivais, e constituído por espiras helicoidais em

alto relevo no interior do cano. É por este motivo que o diâmetro dos projéteis vai até o fundo

das raias do cano, fazendo com que a sua passagem seja forçada, mediante forte atrito contra

estas espiras em alto relevo, conhecidas também como ressaltos do interior do cano da arma.

A estabilidade pode ainda ser melhorada mediante a remoção de massa da base

dos projéteis (a base oca desloca o centro de gravidade no sentido da ogiva), como ocorre nos

projéteis do tipo “canto-vivo” (utilizados nas competições de tiro ao alvo), e nos balotes para

espingardas de calibre 12. Estes últimos, embora disparados por canos lisos, adquirem ainda

certa rotação durante a trajetória, propiciada pelo atrito do ar contra as estrias externas,

inclinadas e em alto relevo, que são propositalmente acrescentadas em suas paredes laterais.

• Tipos básicos

Projéteis podem ser constituídos com diferentes estilos, formas e materiais.

Abstraindo aqueles de uso exclusivo militar, podemos afirmar que existem quatro tipos

básicos de projeteis, os quais podem ser constituídos por diferentes materiais:

1. Não expansivos.

2. Expansivos.

3. Fragmentáveis.

4. Parcialmente fragmentáveis.

Projéteis não expansivos usualmente têm a ponta da ogiva endurecida,

normalmente recoberta por uma jaqueta metálica, e são constituídos por um núcleo de

chumbo, o qual pode ficar exposto ao nível da base. São usados quando se deseja penetração

profunda, contra alvos protegidos por anteparos, bem como para a caça de animais de couro

duro, sendo também úteis para caça de pequenos animais, quando não se deseja grande

destruição. Projéteis deste tipo são geralmente contra-indicados para o policiamento urbano,

vez que nos calibres de maior energia apresentam penetração profunda, podendo transfixar

vários alvos e ricochetear em superfícies duras. Por força de convenções internacionais (que

proibiram o uso militar dos expansíveis e fragmentáveis) são de dotação obrigatória para as

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forças armadas dos países ocidentais, inclusive o

Brasil. Alguns tipos são mostrados na Figura 9.

Projéteis expansivos são muito comuns no uso civil e no trabalho policial, vez

que raramente ricocheteiam e têm como característica a perda de grande quantidade de

energia quando eventualmente atravessam um corpo humano ou animal. A ponta da ogiva

destes projéteis é desenhada de modo a se deformar durante o impacto, produzindo aumento

de até 100% no seu diâmetro original. Com a expansão da ogiva, produzem aumento do canal

de ferimento e de sangramento com conseqüente destruição de tecidos e transferência de toda

a sua energia cinética para o alvo. A expansão da ogiva não ocorre completamente em baixas

velocidades, e depende da constituição do alvo atingido. A indústria utiliza vários métodos

para obter um projétil expansivo, sendo os principais:

• Abertura de um orifício na ogiva (ponta oca ou hollow point)

• Abertura de entalhes ou rachaduras no revestimento da ogiva ou redução da espessura

da jaqueta de cobertura neste local.

• Exposição do núcleo de chumbo na extremidade da ogiva (ponta mole ou soft point)

Os projéteis expansivos são normalmente constituídos por um núcleo de chumbo

puro, total ou parcialmente revestido por uma jaqueta de liga metálica (ligas de cobre, cuja

dureza pode ser regulada pelo percentual de zinco, usualmente na faixa de 5 à 30%, sendo

usadas, ainda, ligas de alumínio e manganês). A indústria de munição oferece inúmeras

opções deste tipo de projétil, alguns dos quais são mostrados na Figura 10.

Figura 9. Projéteis ogivais não expansivos.

Figura 10. Projéteis expansivos, da esquerda para a direita: Jacketed Soft Point (JSP), Jacketed Hollow Point (JHP), Semi- Jacketed Hollow Point (SJHP), Winchester Silvertip e Federal Hydra-Shok.

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Projéteis fragmentáveis são projetados para se desintegrarem completamente

durante o impacto contra o alvo, produzindo então inúmeros fragmentos de pequeno tamanho,

que funcionam como projéteis secundários. Requerem alta velocidade para a completa

desintegração, apresentam pouca penetração e seu uso é normalmente restrito a pequenos

calibres. Não são fabricados industrialmente no Brasil. Vide Figura 11.

Projéteis parcialmente fragmentáveis, constituem uma categoria intermediária

entre os projéteis expansivos e os fragmentáveis. Eles são projetados para se romper durante o

impacto, mas é esperado que sua base seja encontrada no interior do alvo. São normalmente

jaquetados, e em seu interior podem ser alojados

componentes químicos destinados a assegurar suas

características balísticas terminais. Um exemplo está no

cartucho Exploder, no interior de cuja ponta oca fica alojada

uma espoleta do tipo Magnum sensibilizada e uma pequena

carga de pólvora, material que é protegido por uma camada

de tinta e é mantido em baixo relevo para evitar acidente.

Vide Figura 12.

Figura 12. Projétil Exploder

Figura 11 . Projéteis fragmentáveis. CCI Shot Shell para revolver e projétil Glaser da COR-BOM. As esferas de chumbo são disparadas dentro de uma cápsula plástica no primeiro caso, e prensadas no interior de uma jaqueta de liga de cobre (que recebe uma tampa plástica ogival), no segundo.

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• Constituição e configuração

O chumbo sempre foi e continua sendo o metal mais utilizado na fabricação de

projéteis para arma de fogo. Trata-se de um metal pesado de baixo custo e baixa dureza.

Diferentemente do aço, cujo limite elástico fica em torno de 40.000 libras/pol2, o chumbo

(bem como o cobre e o estanho) tem limite elástico próximo de zero. Isto significa que as

deformações permanecem nestes metais, mesmo após a remoção do esforço mecânico que as

produziu.

Para a fabricação de projéteis ogivais utiliza-se uma liga de chumbo com

antimônio, sendo este último elemento acrescentado com o objetivo de conferir maior dureza

ao material. Para evitar que fiquem acumulados resíduos do metal no raiamento do cano (que

acarretaria perda de precisão e perigoso aumento da pressão dos gases produzidos pela

queima da pólvora), os projéteis de liga de chumbo recebem, ainda, uma graxa lubrificante, e

seu emprego fica limitado às velocidades ditas sub-sônicas (abaixo de 340 m/s). Projéteis de

liga de chumbo são produzidos na industria através da prensagem de um vergalhão do

respectivo calibre, o que lhes confere superfícies bem acabadas, diferente dos projéteis

artesanais que são fundidos em moldes próprios que lhes deixa marcas bem características,

conforme mostra a Figura 13.

Observa-se que nos projéteis destinados a revólver ou armas de carregadores

tubulares (carabinas de ação por alavanca, por exemplo) os projéteis têm, próximo da ogiva,

um pequeno sulco ou canelura, que não é engraxado, e se destina a sua fixação no cartucho,

através do virolamento da boca do estojo (crimp).

No caso dos projeteis disparados pelas armas longas raiadas, normalmente em

velocidades que superam o dobro da velocidade do som, para reduzir o vácuo e o

turbilhonamento que produz perda de velocidade de até 20% nas grandes distâncias, a

Figura 13. Molde para fundição de projéteis ao lado de unidades artesanais fundidas, e projétil industrial prensado (à direita).

Graxa lubrificante em sulcos Graxa lubrificante em caneluraMarcas das bordas laterais do molde e acabamento irregular da base

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indústria bélica criou os projéteis de base afunilada (boattail ou taper heel, em inglês), os

quais são dimensionados conforme mostra a Figura 14.

Para os projéteis destinados às armas curtas, o afunilamento da base não produz

ganhos significativos de velocidade, motivo pelo qual esta configuração não é utilizada.

Para uso militar, temos ainda os projéteis traçantes, perfurantes e incendiários, além de outros

não muito usuais: 1) Os traçantes destinam-se a deixar um rastro de fogo ou fumaça,

permitindo a visualização da sua trajetória e do ponto de impacto, podendo também produzir

incêndios quando atingem alvos inflamáveis. O material químico traçante é colocado na base

do projétil e recebe ignição pela queima da pólvora no interior do cano da arma. O peso do

projétil se reduz e seu centro de gravidade se desloca na medida em que o material químico

vai queimando ao longo da trajetória, efeito que compromete a estabilidade giroscópica e a

precisão desses projéteis. 2) Projéteis perfurantes (armor-piercing) são produzidos com um

núcleo de aço especial, destinados a perfurar alvos blindados. 3) Nos projéteis incendiários,

ao contrário dos traçantes, o material químico incendiário é colocado na extremidade da

ogiva, e sua ignição ocorre no momento do impacto com o alvo.

Finalmente, tem-se o uso recente de projéteis totalmente fabricados de cobre puro,

material mais leve que o chumbo e que, por este motivo são disparados a velocidades maiores

que os projéteis convencionais, de modo a manter os valores da energia (E = ½ mv2) nos

limites padronizados. A deformação destes projéteis ocorre sem a indesejada perda de

material, fato que acontece com os projéteis de núcleo de chumbo. A Figura 15 mostra os

projéteis deste tipo fabricados pela CBC – Companhia Brasileira de Cartuchos.

Figura 15. Cartuchos com projéteis “copper bullets” produzidos pela CBC nos calibres 9mm Luger, .40S&W e .45ACP.

0,4D de 7º à 10º

0,5 à 1,00D

D

Figura 14. Projétil de base afunilada (Boattail), para disparos em alta

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6 – RESIDUOGRAMA DO TIRO

Armas de fogo quando disparadas a curta distância deixam no alvo resíduos de

diversos materiais produzidos durante o disparo. Resíduos do material explosivo detonado

com a espoleta, resíduos da queima da pólvora, e fragmentos liberados pelo atrito do

raiamento do cano com a superfície do projétil. A saída brusca dos gases (e resíduos) do cano

da arma produz o estampido do tiro, no exato momento em que o projétil deixa a arma.

A verdade é que resíduos de chumbo e cobre (material normalmente utilizado na

fabricação de projéteis para arma de fogo), ou de nitritos (resíduos de pólvora combusta) nas

mãos de uma pessoa não permite afirmar tecnicamente que a mesma efetuou disparo de arma

de fogo. Tratam-se de metais e elementos comuns no dia a dia das pessoas, no estágio

tecnológico em que nos encontramos. Diferente é a combinação de átomos de Chumbo, Bário

e Antimônio, presentes nas modernas espoletas, material que atualmente é objeto de uma

Pesquisa Científica, com o propósito de adotar um exame tecnicamente consistente para

identificação de mão de atirador.

A Figura 16 abaixo mostra, esquematicamente, o alcance dos resíduos disparados,

em valores típicos para as armas curtas de pequeno calibre: Zona de chama (constituída pela

presença de grãos de pólvora ainda em combustão – produz queima de pelos e fusão de

tecidos sintéticos); Zona de esfumaçamento (zona atingida por finas partículas de fumaça,

que decantam rapidamente pelo baixo peso); Zona de tatuagem (alcançada por grãos inteiros

de pólvora e fragmentos do projétil, cuja massa permite maior alcance - ficam normalmente

incrustados na superfície do alvo).

ZONA DE CHAMA ( 5cm)

ZONA DE ESFUMAÇAMENTO ( 15cm)

ZONA DE TATUAGEM ( 25cm )

Figura 16. Residuograma do tiro. Armas curtas, pequeno calibre.

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7 – BALÍSTICA EXTERNA

A Balística Externa estuda o comportamento e a trajetória dos diversos tipos disponíveis de

projéteis de arma de fogo, no intervalo entre o disparo e o impacto contra o alvo. Estuda,

enfim, o movimento do projétil depois de disparado, e a influência que os gases da atmosfera

terrestre exerce sobre a sua velocidade, trajetória e alcance.

A verdade é que o comportamento dos projéteis disparados no ar difere, e muito,

daquele calculado no vácuo. O Ar se comporta como um fluido que produz a frenagem do

projétil, como ocorre com as gotas de chuva, que chegam ao solo com velocidade de cerca de

7 m/s depois de caírem de uma altura aproximada de 2.000m (no vácuo, a velocidade

calculada seria de cerca de 200m/s!). O mesmo ocorre com os alcances máximos dos projéteis

de arma de fogo, que raramente superam os 20% (vinte por cento) dos valores calculados para

o vácuo.

A TRAJETÓRIA de um projétil de arma de fogo na atmosfera constitui uma

curva geométrica, para cuja determinação e traçado o Perito necessita de pelo menos dois

pontos do percurso. Diferente é o conceito e a determinação do TRAJETO do projétil de arma

de fogo, este último da competência dos Peritos Médicos, vez que trata do percurso do projétil

no interior do alvo. Tratando-se de alvo móvel, a determinação do trajeto não permite o

levantamento automático da trajetória, conforme mostra a Figura 18.

VÁCUO

AR

Figura 17. Trajetória e alcance dos projéteis disparados no vácuo e no ar.

Figura 18. TRAJETÓRIA e TRAJETO de um projétil de arma de fogo, segundo o Professor Eraldo Rabello.

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8 – BALÍSTICA TERMINAL

É o ramo da Balística que estuda como um projétil é afetado quando atinge um

alvo vivo, e como este alvo é afetado durante e após o impacto. Em outras palavras, potência

do choque, penetração, expansão, canal de ferimento e calibre. Em verdade, o estudo deveria

ser divido em dois grupos: disparos contra animais na pratica da caça esportiva, e disparos

contra humanos. Existem muitas diferenças entre os dois tipos, mas a principal delas é que o

caçador jamais enfrentará um animal alucinado sob efeito de doses pesadas de cocaína. Tiro

em caça tem por objetivo produzir uma morte rápida com o menor estrago possível, enquanto

em humanos o objetivo é, quase sempre, a imediata incapacitação, para interromper uma ação

agressiva ou perigosa contra a vida.

Conhecimento nesta área é importante para todos que militam na Polícia, e para

quem precisa se defender podendo ajudar a salvar vidas. Tratando-se de alvo humano, este é

um excelente momento para lembrar que a palavra chave é defesa da vida - do atirador ou de

outrem - vez que as leis não admitem que se atire em alguém para defesa da propriedade.

Em sua trajetória na atmosfera, o projétil cria uma onda em forma de arco no ar,

onda esta amortece e dissipa rapidamente devido à compressibilidade gasosa. Tecidos vivos,

entretanto, são considerados incompressíveis, como as águas, de modo que o impacto de um

projétil produz um choque hidrostático, com formação de uma onda por deslocamento do

fluido. Esta onda será tanto maior quanto maior for a velocidade do projétil, podendo

danificar vasos e até ossos não situados no trajeto do projétil (caso dos projéteis com

velocidade em torno de 900m/s disparados por armas longas). Quanto maior a velocidade,

maior o efeito explosivo.

Existem quatro componentes que devem ser considerados na mecânica de um

ferimento por projétil de arma de fogo:

1. Penetração – Refere-se ao alcance e profundidade de tecidos que o projétil

destrói em sua passagem.

2. Cavidade permanente – Volume do espaço antes ocupado por tecidos que é

destruído pela passagem do projétil. É função da penetração e da área frontal

do projétil.

3. Cavidade temporária – É a expansão da cavidade permanente pela energia

cinética que é transferida durante a passagem do projétil. Devido à elasticidade

dos tecidos, desaparece milésimos de segundos após a passagem do projétil.

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4. Fragmentação – Partes do projétil ou fragmentos de ossos que são impelidos

da cavidade permanente, podendo danificar tecidos, vasos sanguíneos, etc.

Fragmentação pode ou não aparecer numa ferida por arma de fogo, e deve ser

considerada como um efeito secundário do tiro.

Ao contrário do que se vê no cinema, a energia de um projétil de arma de fogo

não é suficiente para arremessar à distância um corpo humano. Projéteis podem incapacitar

por danos ou destruição do sistema nervoso central ou por hemorragia, sendo que esta última

produz a queda da pressão sanguínea e reduz drasticamente a circulação (oxigenação) do

cérebro, produzindo o colapso da pessoa ou animal, num tempo que é inversamente

proporcional ao volume de sangue perdido. A hemorragia produz o choque, que do ponto de

vista médico corresponde ao estado fisiológico de rápida respiração e pulso, baixa pressão

sanguínea e potencial perda de consciência. A Figura 19 ilustra ferimentos balísticos

produzidos por arma de fogo.

Para a paralisação e incapacitação do alvo humano importa as dimensões e a

localização do ferimento, e não apenas o calibre e o tipo de munição empregada. Com

exceção dos tiros no cérebro e na coluna cervical, o conceito de imediata incapacitação com

tiros no torso não passa de um mito. Uma grande variedade de efeitos físicos, fisiológicos e

Figura 19. Ferimentos balísticos produzidos por disparo de arma longa (acima) e arma curta.

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psicológicos afeta a probabilidade de

incapacitação. Considere-se que a

hemorragia leva à incapacitação, mas não de

modo imediato. Estudos mostram que um

homem tem oxigênio no cérebro suficiente

para mantê-lo em ação durante 10 a 15

segundo após ter o seu coração destruído por

um tiro. Figura 20 mostra áreas vitais do

corpo humano.

Fatores psicológicos são muito

importantes para alcançar uma rápida

incapacitação mediante tiros no torso.

Consciência do ferimento, medo da morte,

sangramento e dor. O problema é que fatores psicológicos também causam de falha na

incapacitação. Força de vontade, instinto de sobrevivência e fortes emoções como ódio ou

fúria pode estimular um indivíduo a continuar lutando mesmo após gravemente ferido.

Produtos químicos podem retardar a incapacitação. Adrenalina, estimulantes,

anestésicos, eliminadores de dor e tranqüilizantes podem retardar a incapacitação, pela

supressão da dor ou inconsciência do ferimento. Um dos efeitos de drogas como cocaína e

heroína é fazer com que o indivíduo sinta-se dissociado do seu corpo. Ele vê e experimenta o

ferimento em seu corpo, mas, como um observador externo não afetado ele continua a usar o

corpo para lutar ou resistir.

9 – IDENTIDADE E IDENTIFICAÇÃO

No campo da Criminalística, o capítulo relativo à identificação de um modo geral,

seja em relação a pessoas, seja em relação a coisas, constitui sempre matéria das mais

fascinantes. É o que ocorre com a identificação das armas de fogo, particularmente daquelas

envolvidas na prática de delitos tipificados na Lei Penal, cujos exames são da competência da

Balística Forense. Conceitos de Identificação, por outro lado são encontrados nas melhores

referências brasileiras da Balística Forense: Antes de falar em identificação, é importante estabelecer a diferença entre identificação e identidade. Identidade de um ser é o conjunto de características próprias, peculiares, que o torna único e diferente de todos os demais seres. Identificação é o procedimento, o método pelo qual se verificam as

Figura 20. Estrutura cardiovascular humana

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características próprias, intrínsecas de um ser, as quais permitem estabelecer sua identidade. (TOCCHETTO, 2003, 3.ª Edição, p. 93).

• A identificação de uma arma de fogo

A identificação e a identidade de uma arma de fogo já foram amplamente

conceituadas pelos nossos melhores autores da Balística Forense: Uma arma de fogo, em analogia com o indivíduo que a possui, tem, por assim dizer, uma identidade civil e uma identidade física. A identidade civil, no caso, é definida pelos dados de qualificação que deverão constar nos documentos e registros, oficiais ou não (nota ou recibo de compra, certificado de propriedade e autorização para o porte), por intermédio dos quais se provará a existência de uma determinada arma, como bem patrimonial, tutelado e vinculado a determinada pessoa física ou jurídica. A identidade física é a resultante do conjunto de características e particularidades distintivas, de constatação segura e objetiva, mediante as quais é possível demonstrar-se, categoricamente, que a arma a qual correspondem é a mesma a que se referem seus documentos e registros. (TOCCHETTO, 2003, 3.ª Edição, p. 93).

Segundo o mesmo Autor, o processo de identificação de uma arma de fogo

compreende três fases distintas:

• Identificação genérica. A primeira fase onde se determina o gênero ao qual a arma

pertence: revólver, pistola, garrucha, espingarda, carabina, rifle

ou submetralhadora.

• Identificação específica. Definido o gênero, busca-se então a determinação da espécie: por

exemplo, dois revólveres de calibre nominal .38 Special são

examinados, sendo um deles de marca Taurus, fabricado em aço

inox, com cano de 4” (quatro polegadas), capacidade para 6

cartuchos, modelo 889 e o outro, da marca Rossi, oxidado, com

cano de 6 polegadas, tambor para 6 cartuchos, modelo 951.

• Identificação individual. É a identificação de uma arma em particular, num universo de

outras da mesma espécie. Dos exames de identificação é este o

mais importante e o que produz maiores conseqüências no

mundo Forense, constituindo o objetivo máximo dos trabalhos

dos Peritos em balística de todas as Polícias do mundo.

A identificação de uma arma de fogo pode ser efetuada pelo processo direto, ou

indireto. O processo é direto quando realizado sobre ela própria, nas suas características e

peculiaridades distintivas. Como referência para uma identificação direta ou imediata, temos

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os elementos cunhados exteriormente no corpo da arma, como o nome e o logotipo do

fabricante, o calibre, o número de série e a naturalidade e nacionalidade. Estes elementos

constituem os chamados sinais propositais de identificação, alguns deles apostos pelo

fabricante para garantir a autenticidade do produto e orientar o usuário sobre o tipo de

munição a utilizar. Além destes elementos, comuns, podem ser cunhados nas armas de fogo

outros elementos qualificadores como marcas de bancos de prova, brasões de armas de

Estados e marcas relativas à sua vinculação com corporações policiais civis e militares. Estes

sinais propositais, aliados às características físicas da arma, como a forma, dimensões, tipo de

cano e acabamento, permitem ao perito a identificação segura da arma para futura referência.

Já no processo de identificação indireto ou mediato de uma arma de fogo, os

elementos utilizados como referência são as características gerais e particulares das

deformações impressas pela arma considerada nos projéteis e estojos por ela disparados. A

identificação indireta é feita não mais pelo exame da arma em si, mas mediante a análise

comparativa, macro e microscópica, das deformações constatadas nos padrões produzidos

pelo disparo da arma, com as marcas examinadas nas peças questionadas, extraídas de vítimas

ou coletadas em local de crime. Um resultado conclusivo dependerá sempre das condições

das peças questionadas, do número e valor das deformações pesquisáveis nestas evidencias.

Os fundamentos técnicos para a identificação indireta de uma arma de fogo estão

na própria dinâmica do disparo, nos fenômenos que ocorrem durante milésimos de segundo,

tempo que separa a percussão da espoleta ao instante em que o projétil sai do cano da arma. A

espoleta é constituída por uma mistura iniciadora (um explosivo) que detona e inflama a

pólvora (um propelente) no interior do estojo. Neste processo será produzida uma grande

quantidade de gases, em alta temperatura e alta pressão, tendo como resultado a dilatação das

paredes laterais do estojo da munição e a violenta aceleração dos dois elementos já separados:

o projétil, que é empurrado violentamente para o exterior do cano, em passagem forçada e

mediante forte atrito contra o raiamento; e o estojo, que recebe a mesma força na porção

interna da sua base, e é também violentamente projetado contra o percussor e contra a

superfície da culatra da arma, recebendo ali a estampa das irregularidades destas superfícies,

sob a forma de micro-estrias.

A Figura 21 ilustra o processo de produção das deformações produzidas nos

elementos de munição durante o processo de disparo.

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O confronto balístico, entre projéteis ou estojos disparados por uma arma de fogo

pode ocorrer entre evidências coletadas no local do crime (ou extraídos de vítimas) e as peças

obtidas através do disparo, em local adequado, de uma arma suspeita apreendida pela Polícia

(estojos ou projéteis que passam, então, a ser denominados de “padrões” daquela arma). É

importante proceder, ainda, ao confronto entre projéteis ou estojos relativos a dois ou mais

diferentes delitos, quando ainda não se tem a arma, mas suspeita-se de correlação.

Pode-se afirmar que o primeiro exame de micro comparação balística da história

da Balística Forense ocorreu em 1927 nos Estados Unidos, quando o Major Calvin Hooker

Goddard (1891-1955) empregou pela primeira vez microscópios comuns - devidamente

adaptados para visualização de duas imagens simultâneas - para proceder à identificação

indireta de uma arma de fogo. Isto ocorreu no desfecho do famoso caso dos anarquistas

italianos Sacco e Vanzetti, ocasião em que Goddard determinou que o revolver apreendido

com Nicola Sacco havia sido efetivamente empregado no caso do roubo fatal ao carro forte.

Em 1932 Goddard coordenou os trabalhos da Polícia Federal Americana (FBI) na criação do

Figura 21. Produção de deformações durante o disparo de uma arma de fogo.

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primeiro Laboratório de Ciência Forense Criminal dos Estados Unidos. A Figura abaixo

mostra Goddard com seu pioneiro microscópio balístico, uma adaptação de dois microscópios

comuns para visualização simultânea de duas imagens, ao lado de um aparelho

contemporâneo:

Observe nas imagens abaixo, tiradas do micro-comparador balístico, a linha

divisória que separa as duas peças sob comparação:

10 - SISTEMA DIGITAL DE IDENTIFICAÇÃO BALÍSTICA (IBIS).

Como ocorre em todos os ramos da Criminalística, o uso da Informática veio

proporcionar avanços na realização de exames de identificação balística. Grandes bancos de

dados informatizados foram desenvolvidos e estão disponíveis no mercado mundial como o

que foi desenvolvido pela Polícia Federal Americana, o FBI, contendo as características

Figura 22. Goddard e sua pioneira adaptação de 2 microscópios comuns, ao lado de micro comparador moderno

Figura 23. Micro-comparações entre peças disparadas por arma de fogo. PQ = Projétil Questionado; PP = Projétil Padrão; EQ = Estojo Questionado; EP = Estojo Padrão. Fonte: Coordenação de Balística Forense. ICAP. DPT. SSP/Ba.

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gerais do raiamento de milhares de armas de fogo fabricadas em todo o mundo. Trata-se do

software conhecido como GRC (iniciais de General Rifling Characteristics, em inglês) que

permite, senão a identificação específica da arma de fogo que disparou determinado projétil

questionado, pelo menos a restrição a um pequeno universo de armas suspeitas.

Também estão disponíveis bancos de dados para utilização no processo de

identificação direta de uma arma de fogo, com imagens, dimensões, dados técnicos e de

acabamento, calibres e capacidade de munição, etc, de milhares de armas de fogo já

produzidas pela indústria de todo o mundo.

Para a identificação individual, a tecnologia ainda não produziu um sistema

completo de identificação. Todos os sistemas hoje disponíveis operam, digamos assim, no

regime semi-automático de identificação, exigindo a confirmação final pelo perito no

microscópio balístico.

O Estado da Bahia adquiriu para o ICAP o equipamento fabricado pela empresa

Canadense FTI conhecido pela sigla IBIS (Integrated Ballistic Identification System), o qual

compara não as imagens, mas a “assinatura” delas, apresentando um escore de possibilidade

de correlação. Em verdade o IBIS, através de um algorítimo matemático, transforma as

imagens das deformações estampadas nos elementos nele cadastrados (de projétil ou de estojo

de munição disparada), num Polinômio, elemento que ele armazena em sua memória. Quando

uma nova peça das mesmas características é adquirida, ele procede então a uma comparação

matemática:

P1 (polinômio “assinatura” da peça 1) é igual à P2 (polinômio da peça 2)?

O IBIS calcula automaticamente a diferença P1 – P2. Quanto mais próximo de

zero estiver esta diferença, maior será o escore de probabilidade de P1 ser igual a P2. A

conclusão do processo de identificação ficará sempre a cargo do Perito, através do exame

micro-comparativo. Como o equipamento aponta apenas um escore de similaridade, pode-se

dizer que constitui um sistema semi-automático de identificação.

O IBIS é hoje o equipamento mais utilizado pelas Polícias de todo o mundo para

este exame semi-automático, e a Bahia adquiriu o equipamento de última geração que

trabalha com três dimensões (geração 3D, designada IBISTrax) que é constituído por três

estações de trabalho e um servidor:

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1. BrassTRAX – É a estação para aquisição de imagens de estojos de

munição disparada.

2. BulletTRAX - É a estação para aquisição de imagens de projéteis de

munição disparada.

3. MatchPoint – É a estação que permite interagir com o IBIS e analisar os

resultados da comparação automática feita pelo equipamento.

No ICAP estão instaladas 2 estações BulletTRAX e uma estação BrassTRAX,

para atender a demanda vigente. A Figura 24 mostra um arranjo das estações IBISTRAX:

Equipamentos digitais de identificação semi-automática como o IBIS estão sendo

empregados em vários países do hemisfério norte com o propósito de estabelecer correlação e

combater os atentados terroristas. Restaria aos países em desenvolvimento como o Brasil

aproveitar a tecnologia para tentar controlar os seus altos índices de criminalidade. O IBIS

está em cerca de 35 países e, somente nos Estados Unidos estão interligados numa rede,

criada e mantida pelo Governo Federal, 182 unidades do IBIS (rede NIBIN – National

Figura 24. Estações de trabalho do IBISTRAX 3D.

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Integrated Ballistic Information Network). A rede NIBIN foi criada em 1998, está em todos

os 50 Estados americanos, e já proporcionou 12.500 Hits (correlação levantada pelo IBIS e

confirmada posteriormente pelos peritos).

11 REFERÊNCIAS:

TOCHETTO, Domingos e outros, Tratado de Perícias Criminalísticas. Sagra-Luzzatto. Porto

Alegre. 1995. 698p.

RINKER, Robert A. Understanding Firearm Ballistic. Mulberry House Publishing. Fourth

edition. 427p. USA.

PATRICK, Urey W. Handgun Wounding Factors and Effectiveness. Firearms Training

Unit FBI Academy. July 14, 1989. Virginia. USA

DOYLE, Jeffrey Scott. An Introdution to Forensic Firearm Identification. USA.

Disponível na internet via www.firearmsid.com. Acessado em 15.11.2005.

CBC – Companhia Brasileira de Cartuchos. Catálogo de Produtos. Disponível na internet via

www.cbc.com.br. Acessado em 15.11.2005.


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