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Módulo 3 - Lesões por Projéteis de Armas de Fogo (PAF) Apresentação do Módulo Uma das áreas da balística forense de grande interesse para a análise de locais de crime é a balística terminal, mais especificamente a balística das lesões, que se reveste de extrema importância quando se pretende reconstruir a dinâmica de um fato delituoso. O Código de Processo Penal brasileiro estabelece no seu Art. 164 que: Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios deixados no local do crime. (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994) A importância para o perito criminal de fotografar e analisar todas as lesões externas reside no fato de que a partir delas é possível realizar inferências, estabelecer hipóteses e concluir sobre a dinâmica do evento, mesmo que de forma parcial, permitindo afirmar a posição dos atores envolvidos, a movimentação dessas pessoas na cena do crime, a quantidade de lesões produzidas, a intencionalidade ou não dessas lesões, entre outros fatores. Nas lesões por projéteis de armas de fogo, há um conjunto de elementos que são importantes para a compreensão da dinâmica do crime, como: os aspectos dos orifícios de entrada, principalmente, quanto à forma, dimensões e região anatômica atingida; a análise dos elementos presentes nas lesões, como as diversas zonas que sempre circundam esses orifícios de entrada; a presença ou ausência dos vestígios secundários;

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Módulo 3 - Lesões por Projéteis de Armas de Fogo (PAF)

Apresentação do Módulo

Uma das áreas da balística forense de grande interesse para a análise de

locais de crime é a balística terminal, mais especificamente a balística das

lesões, que se reveste de extrema importância quando se pretende

reconstruir a dinâmica de um fato delituoso.

O Código de Processo Penal brasileiro estabelece no seu Art. 164 que:

Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem

encontrados, bem como, na medida do possível, todas as lesões externas e

vestígios deixados no local do crime. (Redação dada pela Lei nº 8.862, de

28.3.1994)

A importância para o perito criminal de fotografar e analisar todas as lesões

externas reside no fato de que a partir delas é possível realizar inferências,

estabelecer hipóteses e concluir sobre a dinâmica do evento, mesmo que de

forma parcial, permitindo afirmar a posição dos atores envolvidos, a

movimentação dessas pessoas na cena do crime, a quantidade de lesões

produzidas, a intencionalidade ou não dessas lesões, entre outros fatores.

Nas lesões por projéteis de armas de fogo, há um conjunto de elementos

que são importantes para a compreensão da dinâmica do crime, como:

os aspectos dos orifícios de entrada, principalmente, quanto à forma,

dimensões e região anatômica atingida;

a análise dos elementos presentes nas lesões, como as diversas

zonas que sempre circundam esses orifícios de entrada;

a presença ou ausência dos vestígios secundários;

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a presença ou ausência dos efeitos explosivos;

a trajetória intracorporal;

os aspectos dos orifícios de saída.

Esses elementos formam um conjunto que permite estabelecer se a vítima

estava em pé, caída ou em posição intermediária a essas; e se, quando foi

atingida, ela encontrava-se parada ou em deslocamento. Permitem, ainda,

estabelecer o diagnóstico diferencial entre suicídio, homicídio ou acidente.

Neste módulo, você estudará as lesões oriundas de projéteis de armas de

fogo para responder às questões apresentadas pelas situações que as

envolvem.

Objetivos do módulo

Ao final do estudo desse módulo, você será capaz de:

Caracterizar os orifícios de entrada produzidos por passagem de

projéteis de armas de fogo, tanto em disparos perpendiculares,

inclinados, tangenciais, bem como nas diversas distâncias de

disparos;

Identificar as nuances dos efeitos secundários e as características dos

efeitos explosivos;

Compreender a mecânica dos projéteis dentro do corpo e das

cavidades temporária e permanente;

Identificar os orifícios de saída e suas características;

Identificar as diferenças entre os efeitos causados por armas de alma

lisa e por armas de alma raiada.

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Estrutura do Módulo

Aula 1- Lesões produzidas por projéteis expelidos por armas de fogo de

alma raiada

Aula 2 – Efeitos explosivos

Aula 3 – Balística das lesões

Aula 4 - Lesões causadas pelos projéteis de armas de alma lisa

Nota:

Apesar de as fotografias de lesões terem sido substituídas ao máximo por

imagens de disparos de ensaios em outros suportes, neste módulo você

poderá encontrar algumas fotografias impactantes.

Ressaltamos que todas as fotografias mostradas são provenientes de

exames de locais de crime realizados por peritos criminais do Instituto de

Criminalística do Distrito Federal ou de ensaios realizados para demonstrar

esses efeitos.

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Aula 1- Lesões produzidas por projéteis expelidos por armas de fogo

de alma raiada

1.1 Principais definições

As lesões deixadas por projéteis de arma de fogo são lesões

pérfurocontusas devido à ação do projétil de perfurar e contundir.

Na dinâmica do instrumento pérfuro-contundente são vários os vestígios

que podem ser encontrados no corpo da vítima, nas vestes e em qualquer

suporte por ele atingido.

No estudo dessas lesões, devem ser considerados:

Ferimento de entrada – Ferimento de saída – trajeto

As definições a seguir ajudarão na compreensão do que deve ser

considerado em cada um desses itens.

São conceitos clássicos que normalmente descrevem as lesões ocasionadas

por projéteis oriundos de disparos de armas de fogo. Os efeitos descritos

são observados por meio de exame necroscópico ou perinecroscópico.

Na literatura pericial, os vestígios decorrentes de lesões de entrada

causadas por projéteis de arma de fogo são definidos como:

Efeitos primários;

Efeitos secundários.

Efeitos explosivos

Veja, a seguir, sobre cada um deles.

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1.1.1 Efeitos Primários

Efeitos primários são os produzidos pela ação mecânica do projétil ao

procurar vencer a resistência oferecida pelo alvo, sendo, portanto, próprios

do orifício de entrada. Ocorrem independentemente da distância do disparo

e compreendem: o orifício propriamente dito, a orla de contusão, a

auréola equimótica e a orla de enxugo.

Veja, a seguir, cada um deles.

Perfuração ou o orifício de entrada propriamente dito

Orifício de entrada propriamente dito é

o orifício deixado pela passagem do

projétil. Em se tratando de tecido vivo,

exemplo do corpo humano ou animal,

é o ferimento, lesão ou solução de

continuidade provocada pela entrada

de projétil de arma de fogo para dentro

do corpo.

A forma da perfuração varia de acordo com a distância e a inclinação da

trajetória do projétil expelido por arma de fogo. Apresenta, geralmente, o

formato circular nos casos de incidência perpendicular do projétil contra um

plano; o formato oval ou eliptico, nos casos de impacto inclinado (oblíquo)

contra a superfície suporte do disparo; o formato irregular, quando o

Fotografia 25. Foto operada

quando de exame de local –

ICDF. Nela observa-se o

orifício de entrada produzido

pela passagem de projétil de

arma de fogo, de formato

tendente à circular.

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projétil sofreu impactos anteriores ou ricochetes; linear, nos casos de

planificação do projétil; e estrelado, em alguns casos de disparos

encostados; entre outras formas.

Normalmente, tem os bordos invertidos (voltados para dentro), exceto nos

casos em que ocorre o refluxo dos gases, como nas lesões de disparos

encostados em câmara de mina de Hofmann1 ou lesões explosivas. As

dimensões (comprimento e largura) podem ser maiores, menores ou iguais

ao diâmetro do projétil. Como regra geral, não se define o calibre do projétil

a partir das dimensões do orifício de entrada, uma vez que, para um

mesmo calibre, dependendo do ângulo de incidência, do formato do projétil,

dos tecidos subjacentes atingidos, entre outros fatores, eles apresentariam

dimensões muito diferentes.

Na maioria dos casos, a lesão de

entrada é pequena e limpa, mas

com projéteis muito instáveis,

tais como pequenos projéteis de

altíssima velocidade e

estilhaços; a lesão de entrada

pode ser do tipo "blow-out",

(com eversão das bordas, o

orifício de entrada de diâmetro

significativamente maior do que

o diâmetro do projétil,

apresentando a lesão de entrada

o formato semelhante à uma

cratera invertida). A fotografia 2

mostra um orifício de entrada,

1 Ver Anexo Câmara de Mina de Hofmann

FOTOGRAFIA 26 foto operada pelo autor Mostra o resultado do impacto de projétil oriundo de disparo de cartucho de calibre 7,62 x 51 mm, em chapa de aço, com 150

mm de espessura, à distância de 20 metros, no qual a explosão do núcleo resultou que a jaqueta ficasse totalmente aberta e aderida ao alvo, perfuração com diâmetro em torno de 1,5 cm e com características semelhantes a um orifício de saída.

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numa chapa de aço de 1,5 cm

de espessura, de um projétil

oriundo de um cartucho de

calibre 7,62 x 51 mm, com

disparo efetuado à uma distância

de 20 metros, onde se nota um

diâmetro muito maior que o

diâmetro do projétil e o formato

semelhante a um orifício de

saída, numa perfuração típica

"blow-out".

Orla de contusão ou Zona de Fisch

Durante o processo de penetração do projétil, a pele tende a amoldar-se ao

projétil e, como conseqüência, cria uma área erodida. Isto se deve, em

parte, ao atrito do projétil com a pele associado ao movimento de rotação

do projétil, e em parte, à diferença de elasticidade entre a derme e a

epiderme, o que resulta no arrancamento da epiderme, formando uma orla

escoriada ou contundida (orla de contusão). A análise dessa erosão permite

uma série de informações quanto à trajetória.

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O formato circular e concêntrico da

orla de contusão ou zona de Fisch em

relação ao orifício de entrada, ocorre

em disparos com a trajetória

perpendicular à superfície de impacto.

O formato “elíptico e excêntrico” ao orifício de entrada é notado nos casos

de trajetória oblíqua à superfície de impacto. Quando do impacto oriundo de

trajetória inclinada, na borda correspondente à entrada, o projétil entra em

contato com a pele antes de produzir a perfuração e apresenta uma maior

área de contato com a pele. Essa área apresentará maior erosão, em forma

de gota invertida, indicando, assim, o sentido e obliquidade da trajetória.

Fotografia 27. Foto operada

quando de exame de local - ICDF

Nela observa-se o orifício de

entrada típico com orla escoriativa

(zona de fisch) em toda a sua borda.

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Nota:

Pode-se verificar, eventualmente,

uma superfície escoriada junto ao

orifício de saída, com o

arrancamento da epiderme, que

não é provocada diretamente pelo

projétil e sim por uma superfície

mais rígida. O projétil, ao sair,

comprime o tecido juntamente com

a pele contra a superfície suporte

no qual o corpo encontra-se

apoiado, formando essa orla

escoriada ao nível do orifício de

saída. Essa contusão foi descrita

por Romanessi e é conhecida como

Sinal de Romanessi, sendo de

grande importância para explicar a

dinâmica da ocorrência do fato,

principalmente quando disparos

são efetuados contra corpos caídos

ou encostados em superfícies

rígidas. A figura apresenta uma

orla escoriativa de saída ou sinal de

Romanessi.

Fotografia 28. Foto operada quando de

exame de local - ICDF Nela observa-se o

orifício de saída, que apresenta escoriação

de suas bordas, pois o projétil, para

conseguir sair do corpo, atritou com a

parade de tijolo furado no qual se

encontrava apoiado (sinal de Romanessi).

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Auréola equimótica (Área de equimose)

Como toda equimose, a Auréola

equimótica é uma infiltração de

sangue resultante da ruptura de

vasos capilares, provocada pela

passagem do projétil. A auréola

equimótica é formada em torno do

orifício de entrada e apresenta

coloração variável com o tempo,

ou seja, com o transcorrer do

tempo vai se acentuando até o

tom roxo escurecido, como o

perceptível na fotografia 29.

Importante lembrar que a auréola

equimótica é uma reação vital,

logo ela permite definir as lesões

post mortem que não apresentam

esse sinal.

Fotografia 29. Foto operada quando de exame

de local - ICDF Nela observa-se a aureola

equimótica ao redor da lesão, de tonalidade

arroxeada.

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Orla de enxugo

O projétil carrega consigo

sujidades aderidas a ele, oriundas

da sua passagem pelo cano da

arma. Ao atingir um alvo flexível,

como a pele humana,

normalmente adere-se a esta

superfície e, em parte, envolve o

projétil, resultando na “limpeza”

do projétil nas bordas da

superfície do suporte. Os resíduos

ou sujidades deixados na pele

caracterizam a orla de enxugo. A

orla de enxugo é concêntrica nos

disparos perpendiculares e

arciforme (em forma de arco) ou

elíptica nos disparos oblíquos. A

tonalidade depende das

substâncias que se encontram

aderidas ao projétil, sendo

normalmente escura. Deve-se

observar, ainda, que nas

superfícies de maior resistência

ocorre a deposição da liga

metálica que compõe o projétil,

principalmente naqueles cujo

elemento principal é o chumbo.

FOTOGRAFIA 30 – foto operada pelo autor. Mostra a orla de enxugo de formato circular, quando de disparos realizados durante ensaios de coletes a prova de bala.

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É importante salientar que, por vezes, os resíduos da limpeza do projétil

ficam depositados nas vestes, não sendo verificados na superfície do corpo

humano. Por outras, a intensidade da orla de enxugo é de tal forma

intensa, mascarando a orla de contusão. Normalmente, nos casos de

transfixação, só é verificada a orla de enxugo na superfície que sofreu o

primeiro impacto. Entretanto, em alguns casos, é possível encontrar na orla

de enxugo, resíduos e partículas oriundas da superfície que sofreu o

primeiro impacto do projétil.

1.1.2 Efeitos Secundários.

Como você já estudou, quando um projétil de arma de fogo é expelido,

junto com ele ocorre a expulsão de uma nuvem de resíduos, composta

principalmente de gases e partículas sólidas que advêm da queima do

propelente.

Os efeitos secundários (produzidos por outros elementos que não o

projétil) são os efeitos resultantes do depósito dos resíduos dos demais

elementos do cartucho sobre a superfície, ou seja, dos resíduos gasosos e

sólidos da combustão da pólvora e da detonação da espoleta sobre o

suporte.

A presença desses efeitos permite estimar a distância entre a boca do cano

da arma e a superfície atingida, bem como caracteriza o disparo como

tendo sido efetuado a curta distância.

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Nota:

A terminologia “disparo a curta distância” não se refere a uma distância

específica, determinada em centímetros, mas à presença dos efeitos

secundários no suporte.

Para a determinação da distância específica, faz-se necessário realizar um

ensaio denominado residuograma. Nesse ensaio utiliza-se da mesma arma

e mesmo tipo de munição utilizada no disparo questionado, efetuando-se

disparos contra suportes posicionados em diferentes distâncias. A

compatibilidade entre o formato e o diâmetro da deposição dos resíduos dos

disparos efetuados nos ensaios permite estabelecer a que distância o

disparo questionado foi realizado.

De forma simples, no exame de residuograma são tomadas as medidas e

formatos, bem como grau de concentração e características do contorno,

deixados pelos resíduos do disparo quer no corpo ou vestes. Esses dados

são comparados a disparos efetuados contra suporte de tecido na cor

branca ou, ainda, como menciona Rabello (1995, 379), em cartolina de cor

branca. Os disparos são efetuados, com a mesma arma e com munição

idêntica (do mesmo lote), em diversas distâncias de disparo, até obter-se

deposição de resíduos idêntica àquela encontrada no corpo ou vestes

submetidas a exame. Deve-se observar que no caso do tiro incriminado ter

atingido superfícies curvas, como muitas superfícies anatômicas, ou em

planos inclinados, essas considerações são de fundamental importância para

que sejam repetidas nesses ensaios.

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Os efeitos secundários determinam as seguintes zonas características:

Zona de chama;

Zona de esfumaçamento

Zona de tatuagem.

Estude a seguir sobre cada uma delas!

Zona de chama

A zona de chama se caracteriza pela lesão de queimadura da pele,

normalmente disposta ao redor do orifício de entrada, cuja formação se dá

pela ação direta da chama e ação térmica dos gases elevadamente

aquecidos. Ela pode ser produzida, ainda, por ação indireta, na qual tanto a

chama quanto a ação dos gases aquecidos produzem a queima de tecido

das vestes e, estes, por sua vez, a queimadura da pele. Apresenta cor

avermelhada e de aspecto apergaminhado. Se houver pelos nessa região

anatômica, estes podem estar chamuscados, quebradiços, crestados e

ligeiramente retorcidos.

Zona de esfumaçamento

É a região na qual ocorre o depósito superficial de fuligem oriunda da

combustão da pólvora e da detonação da espoleta ao redor do orifício de

entrada. Esta zona pode ser facilmente removida por lavagem. Está

presente nos disparos de curta distância e sua cor depende do tipo da

pólvora, da idade do cartucho, da distância do disparo, dentre outros

aspectos.

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A zona de esfumaçamento tem

a forma circular no tiro

perpendicular; ovalar, no

oblíquo; e alongada, no

tangencial.

Pode apresentar os bordos bem definidos e de tonalidade intensa nos casos

em que a boca do cano da arma se encontra mais próxima à superfície

suporte do disparo. Nesses casos o diâmetro da zona de esfumaçamento é

menor e, geralmente, a zona de tatuagem encontra-se inscrita nela.

Nos casos, em que ainda se percebe a zona de esfumaçamento, resultante

de disparos efetuados com maiores distâncias entre a boca do cano da arma

e o anteparo, as bordas dessa zona não são nítidas, apresentando

tonalidade suave e maior diâmetro.

Nesses casos, geralmente, a zona de tatuagem encontra-se circunscrita à

zona de esfumaçamento.

O grau de concentração da zona de esfumaçamento, bem como as

dimensões e a forma do residuograma proporcionam elementos para

fundamentar uma convicção quanto à direção e à distância do tiro em

relação ao alvo. Pode-se verificar zona de esfumaçamento e tatuagem sobre

a pele, com disposição e formatos peculiares, mas, geralmente puntiformes,

Fotografia 31. Foto operada quando de

exame de local – ICDF- Nela observa-se

zona de esfumaçamento ao redor da lesão,

de tonalidade bem escura e contornos bem

definidos.

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nos casos em que os gases do disparo ultrapassam a trama do tecido, vindo

a aderir à pele. A intensidade do depósito depende da trama mais ou menos

apertada do tecido.

Zona de tatuagem

É produzida pela incrustação dos grãos de

pólvora incombusta ou não, que atingem o

alvo ao redor do orifício de entrada, bem

como de pequenos fragmentos que se

desprendem do projétil. É devido à maior

massa e à maior energia cinética, que os

demais resíduos de disparo, como gases e

produtos da combustão, vencem maiores

distâncias e penetram na superfície do

alvo, como micro projéteis, incrustando-se

nele de forma mais ou menos profunda,

não sendo removíveis por lavagem.

Nota: Quanto maior for a distância entre a boca do cano da arma e o

suporte menos profunda será a incrustação.

Alguns peritos, a exemplo de Augustinho dos Santos, propõem uma

subdivisão da zona de tatuagem em:

Fotografia 32. Foto operada quando de

exame de local – ICDF- Nela observa-

se zona de tatuagem ao redor da lesão

de entrada.

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a) Tatuagem

Indelével: quando a

incrustação ocorre em

camadas mais

profundas, não saindo

com água ou lavagem

superficial; ou seja, a

zona de tatuagem

propriamente dita.

b) Tatuagem Delével: quando ocorre apenas uma deposição

(aderência) do grão na superfície da pele sem incrustar, podendo ser

removido por uma simples lavagem.

Nos disparos efetuados com munições vencidas, mais velhas2, nas

distâncias limites, onde ainda ocorre a zona de tatuagem, e um pouco além,

verifica-se a ocorrência da tatuagem delével ou tatuagem não

verdadeira.

Curiosidade

Já foi verificada a presença de tatuagem não verdadeira à uma distância de

um metro e trinta centímetros (1,30 m), em disparos efetuados com

revólveres de calibre “.357 Magnum” e cartuchos vencidos, o que é uma

grande distância.

2 nelas a quantidade de grãos não comburidos ou parcialmente comburidos é maior

e a quantidade de energia gerada é menor

FOTOGRAFIA 33. Foto operada durante

aula ministrada pelo autor. Mostra a

distribuição da zona de tatuagem ao redor

do orifício de entrada

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A forma e a extensão da zona de

tatuagem dependem da natureza

da pólvora, do ar ambiente e da

direção do disparo. A tatuagem,

nos disparos ortogonais, deposita-

se de maneira uniforme ao redor

do orifício de entrada, tomando a

forma aproximadamente circular,

concêntrica com o orifício de

entrada.

Figura 1 Fonte: Svensson, Ane & Wendell, Otto.

Techniques of crime scene investigation.

Nos disparos inclinados, a tatuagem apresenta-se com forma de elipse e

será mais intensa e de menor extensão do lado do ângulo de menor

inclinação da arma, e mais extensa e menos intensa do lado oposto,

orientando, assim, a posição da vítima e do agressor.

Importante!

A presença de tatuagem ao redor de um orifício é garantia de que se trata

de um orifício de entrada em disparo direto.

O formato, a quantidade e a distribuição dos resíduos que constituem os

efeitos secundários são significativamente alterados quando da presença de

acessórios nas armas, a exemplo de supressores de ruído, compensadores

de recuo e quebra chamas. Quando são utilizados esses acessórios, os

conceitos clássicos não devem ser empregados, pois o autor já efetuou

disparos com uma submetralhadora HK SD (dotada de supressor de ruído) a

10 centímetros de distância não se verificando nenhuma zona de

esfumaçamento ou tatuagem.

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Aula 2 - Efeitos explosivos

Nesta aula você estudará os efeitos explosivos dos disparos de armas de

fogo, característicos de disparos encostados, como também, analisará os

aspectos das lesões frutos de disparos superficiais ou tangenciais.

Discutiremos ainda, outra classificação proposta para a distância de disparo.

2.1 Efeitos Explosivos.

O professor Genival Veloso de França (1995, p.68), ensina que:

(...) Orifícios de entrada nos tiros encostados têm forma

irregular, denteada ou com entalhes, devido à ação resultante

dos gases que descolam e dilaceram os tecidos. É a câmara de mina de Hofmann. Na redondeza do ferimento, nota-se

crepitação gasosa da tela subcutânea proveniente da

infiltração dos gases. Em geral, não há zona de tatuagem nem

de esfumaçamento, pois todos os elementos da carga

penetram pelo orifício da bala... O diâmetro dessas lesões pode ser maior que o do projétil em face da explosão dos

tecidos pelo efeito de mina e suas bordas algumas vezes

voltadas para fora, devido ao levantamento dos tecidos pela

explosão dos gases.

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O Doutor Werner U.3 relata que:

Figura 2 Fonte: Svensson, Ane & Wendell, Otto. Techniques of crime scene investigation.

(...) Os disparos efetuados com a “boca” do cano da arma pressionado, apertado

contra a pele ficam evidenciados pela

lesão de forma estrelada e pela ausência

de esfumaçamento nas bordas da lesão. Toda a fumaça oriunda do disparo

penetra na lesão ... O bolsão entre a

pele e o osso é originário da expansão

dos gases formados com a queima do propelente. Nenhuma fumaça é

depositada sobre a pele ao redor da

lesão. O formato estrelado é causado

pela laceração do tecido em consequência da força de expansão dos

gases.

3 Spitz and Fischers Medico Legal Investigatiobn of Death 3 ed paginas 314 e 315

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Os efeitos explosivos somente são evidenciados nas lesões quando a

distância entre a extremidade livre do cano da arma (boca) e a vítima é

muitíssimo pequena, ou mesmo nula (encostado), uma vez que tais efeitos

são produzidos em decorrência da liberação instantânea dos gases, gerando

ruptura e dilaceração dos tecidos, entre outros.

Devido à irregularidade das lesões de

entrada nos disparos encostados, estas,

algumas vezes, podem ser confundidas

com lesões de saída. A diferença entre o

orifício de entrada e o de saída pode ser

observada pelos sinais característicos

dos efeitos explosivos no tiro encostado,

ou seja, a câmara de mina de Hofmann

os sinais de Werkgaertner e de Benassi4,

enquanto nas perfurações de saída tais

efeitos não são verificados.

4 Ver Anexos correspondentes

Fotografia 34 . Foto operada

quando da realização de

exame de local de morte

violenta ICDF Nelas observa-

se os efeitos explosivos da

câmara de mina de Hofmann.

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2.2 Lesões produzidas por ação

tangencial

As lesões ocasionadas por disparos

tangenciais apresentam características

específicas e, dependendo do grau de

engajamento desse projétil ao tecido,

apresentam morfologias distintas. Nos

casos em que ocorre maior contato do

projétil com a pele, o esperado é verificar

uma laceração (sulco) no tecido em forma

de vala, com perda de material pela

passagem do projétil ocasionado pelo

desgaste abrasivo. Os bordos dessas

lacerações são totalmente irregulares,

exibindo pequenos sulcos (rasgos)

superficiais, diagonalmente dispostos a

partir do sulco principal, a partir dos quais

é possível determinar a trajetória do

projétil. A largura da ferida equivale,

aproximadamente, ao diâmetro do projétil.

Fotografia 35 – operada quando da

realização do exame de local de morte

violenta ICDF. Mostra uma lesão

produzida por ação tangencial de um

projétil de arma de fogo, de sulco

único, evidenciando-se, além de outras

características a irregularidade e

queimadura das bordas.

Fotografia 36 – operada quando da

realização do exame de local de morte

violenta ICDF. Mostra outra morfologia

de lesão produzida por ação tangencial

de projétil de arma de fogo,

evidenciando-se os múltiplos sulcos.

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Nos casos em que o contato do projétil

com a pele se dá de forma mais

superficial, devido à ação do projétil

sobre a pele, ocorre um enrrugamento

desta, com a formação de porções

dobradas de tecido cutâneo, o que produz

significativa irregulariedade na formação

da lesão. Ocorre a formação de múltiplos

sulcos, intercalados por áreas sem

nenhuma lesão, sendo possível verificar

equimose e queimaduras nas bordas de

todos os tipos de lesões tangenciais.

2.3 Classificação das distâncias do disparo segundo Di Maio5

A grande maioria dos autores, e entre eles os autores brasileiros,

classificam a distância dos disparos em: disparos encostados, disparos a

curta distância e disparos a distância.

5 Di Maio, J. M. Vicent Heridas por arma de fuego, Ediciones La Rocca, Buenos

Aires 1999. Paginas 177 a 205

Fotografia 37 . Foto operada quando

da realização de exame de local de

morte violenta ICD.F. Quando da

formação dessa lesão o pescoço

encontrava-se inclinado sobre o

ombro. Nela observa-se, em

decorrência da ação de um único

projétil, uma lesão que formou um

sulco sobre o ombro e sulcos

múltiplos sobre o pescoço antes de

penetrar.

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Alguns dos elementos que permitem a análise e classificação conforme esse

critério já foram estudados por você nessa aula e na aula anterior No

entanto, Di Maio apresenta uma pequena modificação, classificando em

quatro as situações distintas no que se refere a distância de disparo, ou

seja:

Disparo encostado ou disparo de contato;

Disparo quase encostado;

Disparo a distância intermediária;

Disparo a distância.

Estude, a seguir, sobre cada um deles.

Disparo encostado

Nessa distância, a boca do cano da arma encontra-se apoiada sobre a

superfície suporte, quer seja parte do corpo ou peça de vestuário. O

contato pode ser firme, no qual a boca do cano é pressionada contra o

suporte ou quando o toca de leve, formando um contato frouxo. Em

qualquer um dos casos, os elementos do disparo (gases, pólvora

parcialmente comburida, etc), acabam por penetrar na lesão, formando os

efeitos explosivos como a câmara de mina de Hoffmam, o sinal de Benassi

e o sinal de Werkgaertner6.

Disparo quase encostado

Essa é a situação diferente das demais classificações e corresponde à

situação na qual a boca do cano da arma não está encostada na superfície,

mas afastada dela cerca de até dois centímetros. Nesta situação, os

elementos secundários do disparo podem penetrar na lesão e os efeitos da

zona de chama ficar caracterizados apenas ao redor do orifício. Essa

configuração apresenta o formato muito próximo àquela verificada nos

disparos distância, se confundindo com ela. O principal elemento de análise

é a ação térmica que ocorre em função da zona de chama (Necrose

Coagulativa Térmica), evidenciada nas bordas da lesão e na parte inicial

do canal formado pela passagem do projétil. Pode resultar, também, na

deposição de resíduos em volta e muito próximos do orifício de entrada.

6 Ver Anexo Correspondente

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Disparos a distância intermediária

Os disparos a distância intermediária são aqueles nos quais se evidenciam

os efeitos secundários do disparo, ou seja, os disparos a curta distância.

Disparos a distância

Nos disparos a distância verificam-se apenas os efeitos primários já

descritos.

Sinal de Werkgaertner

O Professor Genival Veloso de França (1995, p.377) enfatiza que “Os tiros

encostados ainda permitem deixar impresso o desenho da “boca” e da alça

de mira na pele através de um halo de tatuagem e esfumaçamento

conhecido como sinal de Werkgaertner.”

É a lesão de queimadura, produzida pelo cano da arma ainda quente, ao

ponto de imprimir na pele da vítima a marca circular do cano e, em alguns

casos, marcas de outras características de que a arma dispõe, como, por

exemplo, da massa de mira, guia da mola real, parte frontal da armação

nas pistolas, visto que o esfumaçamento, dependendo do tipo e das

características do propelente usado, pode não ser bem notado pelo perito.

Ressalte-se que o meio de produção deste sinal é diferente daquele que

produz a zona de chama, ou seja, esta é produzida pela chama proveniente

da alta temperatura dos gases quando de sua expansão, ao passo que o

sinal de Werkgeartner é fruto do contato da pele com o cano (da arma)

aquecido.

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Fotografia 38

Fotografia 39

Fotografias 38 e 39. Fotos operadas quando do exame de local ICDF. Nelas observa-se a

queimadura produzida pelo cano da arma aquecido ao redor do orifício de entrada. Na

fotografia número 39 é mais fácil perceber a massa de mira da arma (veja a seta).

Sinal de Benassi

É o depósito de fumaça

(esfumaçamento) no plano

ósseo,ao redor e no orifício de

entrada, que ocorre quando de

disparos com a extremidade do

cano da arma (boca) encostada na

pele que revista uma placa óssea.

É muito útil, quando as partes

moles se acham em putrefação ou

não existem, para identificar lesões

de entrada com o cano encostado

no alvo.

Fotografia 40. Foto operada

quando de acompanhamento de

necropsia no IML – DF. Nela

observa-se o orifício de entrada

no plano ósseo circundado pelo

esfumaçamento oriundo dos

gases do disparo.

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Câmara de mina de Hoffmann

Em situações em que o disparo ocorre encostado contra o alvo que recobre

placa óssea, os gases liberados no disparo transpõem o tecido e, ao

atingirem o anteparo ósseo, descolam lateralmente o tecido e refluem com

violência, resultado no estrelamento e eversão das bordas da pele. Este

processo é denominado Câmara de Mina de Hofmann.

A velocidade dos gases que impulsionam o projétil é de 1,5 a 2 vezes maior

que a velocidade do projétil. Quando de um disparo encostado contra uma

superfície que recobre uma placa óssea, esses gases penetram na lesão e

ficam retidos pelo projétil, enquanto este perfura a placa óssea; assim,

aqueles, acabam por expandirem-se lateralmente entre o tecido e essa

placa, descolando a pele e formando uma área inflada, cheia de gases, os

quais, ao refluirem, acabam por lacerar o tecido em formato estrelado, com

os bordos denteados, irregulares e muitas vezes voltadas para o exterior. A

lesão geralmente apresenta-se enegrecida pelo deposito de fuligem oriundo

da queima do propelente.

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Aula 3 - Balística das lesões

Nas duas aulas anteriores você estudou os aspectos externos das lesões.

Agora estudará a mecânica dos projéteis de armas de fogo no seu trajeto

dentro do corpo.

3.1 Lesão

A lesão deve ser compreendida como:

Dano tecidual, que pode não estar restrito à trilha deixada pela passagem

do projétil. Porém, devido à compressão e subsequente estiramento do

tecido adjacente, pode formar uma cavidade temporária de até 30 vezes o

diâmetro do projétil, vindo causar lesões em estruturas que não se

encontravam em seu trajeto.

Lesões por projéteis diferem de outras formas de ferimentos penetrantes

porque o projétil não só rompe o tecido, como também transfere parte ou

toda a sua energia cinética inerente aos tecidos adjacentes. Dessa forma,

uma ferida por arma de fogo é singular. A grande velocidade dos projéteis

associada à transferência de energia aos tecidos próximos não se verifica

nas lesões perfuro-incisas ou em lesões contusas. Nas lesões por projéteis

de armas de fogo, o grau e a extensão dos danos são proporcionais à

quantidade de energia cinética dissipada na lesão.

Aumentos relativamente pequenos na velocidade do projétil resultam em

grandes mudanças na energia. Somente a parcela da energia cinética

dissipada produz a lesão e não toda a energia medida junto da boca do

cano. Mesmo assim, em termos de poder ofensivo, não se pode considerar

como de eficácia idêntica, produtora de mesmo efeito, a energia cinética

dissipada em diferentes partes do corpo como, por exemplo, na panturrilha,

quando comparada à cavidade abdominal.

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Três fatores são relevantes na formação da lesão:

A cavidade permanente;

A formação de projéteis secundários;

A cavidade temporária e o fenômeno da cavitação.

Estude cada um desses fatores.

3.1.1 Cavidade permanente

À medida que o projétil passa através dos tecidos, apresentará um trajeto

de dano tecidual, cujo diâmetro será proporcional à área de contato do

projétil que o atravessa. Esta trilha local, com perda irreversível dos

tecidos, é chamada de cavidade permanente. Esse fenômeno está sempre

presente e é aumentado por projéteis de calibre maior, bem como por

projéteis que expandem e se "abrem como cogumelo" quando do impacto.

Os projéteis expansivos, quando animados com velocidade mínima que

permita sua expansividade, apresentam uma maior área de contato. Logo, é

de se esperar uma cavidade permanente maior.

Segundo Behebeham, no artigo “War injuries during the gulf war” de 1994,

um projétil expansivo (aquele que se deforma), cuja ogiva consiga ampliar

o seu diâmetro em duas vezes e meia, provocará uma lesão com área

superior de seis vezes o diâmetro do projétil.

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Nos projéteis do tipo Black Talon,

da Winchester, além da

expansividade normal de seu

núcleo, em forma de cogumelo,

comum na maioria dos projéteis

expansivos, a sua jaqueta rompe

em locais pré-estabelecidos,

gerando pontas afiladas e

cortantes, capazes de provocar

maior dano tecidual, maiores

dilacerações. Por essas

características, tais projéteis

certamente apresentam maior

potencial ofensivo.

O dano localizado (trilha local) pode ser o principal ferimento em lesões por

projéteis de armas de fogo de baixa velocidade, com destruição mínima do

tecido adjacente, uma vez que não se verifica a formação de cavidades

temporárias com projéteis de baixa velocidade.

A formação de projéteis secundários

Quando em seu trajeto, se o projétil lesionar estruturas vitais como a aorta,

veia cava ou qualquer outro vaso calibroso, o potencial ameaçador desta

lesão será incontestável.

Os projéteis que se fragmentam, ou que, por características de projeto

subdividem-se permitindo a formação de projéteis secundários e estes, por

sua vez, adquirem trajetórias erráticas causando lesões em direções não

necessariamente relacionadas à direção do projétil original,

indiscutivelmente, apresentam um potencial lesivo muito maior pelo

aumento da probabilidade de comprometerem estruturas vitais.

Além da fragmentação do projétil, partículas secundárias podem ser postas

em movimento. Essas partículas podem ser provenientes de metais de

Fotografia 41 . Foto operada pelo autor

Mostra um projétil do tipo Black Talon

da Winchester expandido, note as

pontas afiladas que aumentam

significativamente a cavidade

permanente.

[GCD1] Comentário: A “trilha local” é o mesmo que “cavidade permanente”? Se não for, precisa fazer alguma referência conceitual Resposta Essa resposta já se encontra no

texto .” Esta trilha local, com perda

irreversível dos tecidos, é chamada de cavidade permanente.

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botões, fivelas, ou serem oriundas de fragmentos de ossos, cartilagens,

tendões ou outros tecidos rígidos para os quais parte da energia cinética do

projétil foi transferida. Cada uma dessas partículas transforma-se, então,

em um projétil secundário, causando danos em outros órgãos. Este efeito é

mais notado quando um osso é colidido ou o projétil se fragmenta. As

munições do tipo Glaser, da Winchester, apresentam uma das mais altas

taxas de transferência de energia cinética, a ponto de não permitirem

ricochetes na maioria das superfícies e, nos casos de ruptura do invólucro

(ponta constituída de material sintético), liberam grande quantidade de

pequenos balins, cada um deles com trajetórias distintas.

Um caso real

Em 30 de março de 1981, John W. Hinckley Jr. disparou seis vezes com um

revólver de origem alemã, marca RG, “calibre .22”, carregado com

cartuchos dotado de projéteis explosivos (este projétil apresenta explosivo

inserido dentro da cavidade da ogiva e há uma espoleta em sua ponta para

acionar este explosivo.) contra o Presidente dos Estados Unidos, Ronald

Regan. Hinckley queria impressionar a atriz Jodie Foster, por quem

acreditava estar apaixonado, buscando a ideia no filme Taxi Driver, de

1976, interpretado pela atriz e Robert De Niro. Dos disparos, saíram feridos

James Brady, secretário de imprensa, o policial Thomas Delahanty, o

agente do serviço secreto Thimoty McCarthy e o presidente Reagan, que foi

atingido no peito por um dos projéteis que ricocheteou junto da Limusine

presidencial. O único projétil que explodiu, fragmentou-se em cinco

pedaços, os quais atingiram o lado direito da cabeça de James Brady, que

ficou com o lado esquerdo do corpo definitivamente paralisado. Caso não

tivesse se fragmentado acredita-se que a intensidade da lesão seria muito

menor.

[GCD2] Comentário: Citar fonte.

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3.1.2 A cavidade temporária e o fenômeno da cavitação

Além da cavidade permanente, outro fator a ser considerado é a cavidade

temporária. Quando da interação do projétil com o tecido pode ocorrer um

maior ou menor afastamento dos tecidos em torno do trajeto do projétil.

Esta compressão momentânea dos tecidos gera uma cavidade temporária e

possibilita a propagação de ondas de choque, que podem produzir danos

teciduais, estendendo-se por vários centímetros (de forma concêntrica)

lateralmente ao projétil e ao seu trajeto.

Note nas fotografias 42 e 43, a abertura lateral formada na massa de

plastilina ocasionada pela transferência de energia quando da passagem do

projétil, nela você pode perceber que os danos do tecido não ficam restritos

à cavidade permanente. A cavidade temporária dura apenas alguns

milissegundos (entre 5 e 20 milissegundos), mas pode produzir danos a

estruturas que não se encontram no seu trajeto.

Fotografia 42

Fotografia 43

Fotografias 42 e 43. Fotos operadas pelo autor. Mostram o afastamento da massa de

plastiline, quando da passagem de projétil de arma de fogo (plastilina compactada para

[GCD3] Comentário: Definir melhor o lateralmente, para deixar mais clara a dinâmica da lesão.

Page 33: Módulo 3 - Lesões por Projéteis de Armas de Fogo (PAF) · Módulo 3 - Lesões por Projéteis de Armas de Fogo (PAF) Apresentação do Módulo Uma das áreas da balística forense

apresentar densidade de 800 vezes a densidade do ar, densidade semelhante ao tecido

mole do corpo humano).

Definida de forma simples, cavidade temporária7 é:

A curva que liga os pontos de deslocamento do tecido em torno do trajeto

do projétil.

Diversos são os fatores que influenciam a formação da cavidade

temporária. Veja, a seguir, cada um deles.

1. Quanto maior a área de contato do projétil com o tecido, maior será a

degradação da energia cinética. Desta forma, um projétil que apresente

um diâmetro de base (calibre) pequeno, porém, que seja do tipo

expansivo, pode apresentar uma maior degradação da energia cinética

que outro de calibre maior que não permita a expansividade de sua

ponta. Portanto, quanto mais energia for transferida, maior será a

cavidade temporária e o potencial lesivo.

2. Projéteis de menor massa desaceleram de forma mais rápida no tecido,

logo, apresentam uma penetração menor, o que resulta na formação da

cavidade temporária de forma precoce, quando comparado a outro

projétil de mesmo calibre e tipo, porém de massa maior. Diferentes

tipos de munições utilizam projéteis de menor massa, como a THV

produzida pela Sociedade Francesa de Munições (SFM); neles, a massa

do projétil de calibre .357 magnum é de 2,9 gramas e a velocidade da

Ordem de 650m/s. Com uma maior velocidade inicial do projétil para

uma mesma pressão gerada pela queima do propelente, eles não

possuem grande quantidade de movimento, pela pequena massa, o que

leva uma menor capacidade de penetração além de dissiparem

7 Os fatores que influenciam a formação das cavidades temporárias podem ser

melhor estudados em BRUCHEY Jr, William j. e FRANK, Daniel E. Report NIJ/110-

83, U.S. Department of Justice Washington, DC, 1983

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totalmente a energia nos tecidos,e, geralmente não apresentam lesão

de saída.

3. O tamanho da cavidade temporária é extremamente influenciado pela

velocidade, uma vez que, quanto maior for a velocidade, maior será a

energia disponível.

4. O formato do projétil e a dureza dos materiais que constituem sua

jaqueta e seu núcleo são fatores que levam a diferentes taxas de

transferência de energia cinética, resultando na formação de uma

cavidade temporária diferente para cada tipo de projétil.

Efeitos de Cavitação Temporária

Como você já estudou, na passagem do projétil com alta velocidade através

dos tecidos, ondas de choque hidráulicas são estabelecidas nos tecidos

aquosos adjacentes. Estas ondas de choque podem ser transmitidas a

distâncias consideráveis no corpo e podem resultar no ferimento de regiões

remotas em relação à trilha do projétil. Ferimentos no sistema nervoso

central e na medula espinhal ilustram este ponto. O efeito pode ser mais

dramático em órgãos preenchidos por líquidos e ar, tais como vesícula,

estômago, fígado, baço e cólon, os quais podem se romper como resultado

de lesões de projéteis animados com velocidades consideráveis, mesmo que

estes projéteis produzam (ou provoquem) sua cavidade permanente

distante desses órgãos.

Esta cavitação temporária desempenha um importante papel na gênese do

tecido danificado. Este fenômeno torna-se observável com projéteis com

que atingem velocidades superiores a 300 m/s. Os efeitos tornam-se

progressivamente mais graves com projéteis em velocidades superiores a

[GCD4] Comentário: Texto confuso. A idéia não ficou clara.

[GCD5] Comentário: Citar curso, módulo e aula. Resposta Nessa mesma aula

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600 m/s, ocorrendo o rompimento dramático dos tecidos com velocidades

acima de 1000 m/s.

Apesar da cavitação temporária ser de curtíssima duração, o diâmetro

máximo da cavidade pode ser de até 30 a 40 vezes o diâmetro do projétil e,

portanto, pode contribuir dramaticamente para a destruição do tecido em

lesões produzidas por projéteis animados com alta velocidade. O efeito é

mais dramático e destrutivo em tecidos com grande conteúdo de água e

com força tensional relativamente baixa, tais como o fígado, onde a

cavitação manifesta-se mais rápida e extensamente que nos tecidos com

força tensional maior. Desta forma, o efeito é menor em tecidos com

pequeno conteúdo de água e alta proporção de fibras elásticas, tais como

pulmão e pele. Depois de alguns milissegundos, a cavitação entra em

colapso retomando ao tamanho da trilha local, e a pressão dentro da

cavidade cai abaixo da pressão da atmosfera, resultando na sucção de

materiais externos e microorganismos para dentro das lesões, facilitando,

assim, a contaminação imediata do tecido traumatizado.

A forma da cavidade temporária e, assim, o potencial da lesão, são

determinados pela taxa de transferência de energia do projétil para os

tecidos. Se a taxa de transferência é rápida, a cavidade aumenta

rapidamente e a destruição é brutal. Se a taxa de transferência de energia é

lenta, o efeito da cavitação é um cone alargando lentamente.

3.2. Fatores que influenciam a transferência de energia

São fatores que influenciam na transferência de energia:

Movimento do projétil;

Formato do projétil;

Densidade do tecido.

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Estude a seguir sobre cada um deles

Movimento do projétil

Além da velocidade que projéteis e os "estilhaços" possuem, os projéteis

disparados por rifles podem ter combinações de movimentos em dois outros

planos, levando-os a "ziguezaguear", o que nada mais é do que a oscilação

do projétil em torno do eixo de vôo. Quando este ziguezague torna-se

excessivo, o projétil "dá saltos", ampliando seus perfis (área transversal

projetada perpendicularmente ao trajeto do projétil), o que leva ao

aumento da dissipação da energia cinética.

O movimento de rotação do projétil tem por função fornecer ao projétil

maior alcance máximo, maior alcance útil e melhor estabilidade frente à

resistência do ar. Os tecidos do corpo humano apresentam densidade de

800 à a 900 vezes maior que a densidade do ar. Quando o projétil muda de

meio, do ar para os tecidos do corpo humano, o aumento da densidade leva

a um aumento da instabilidade. Como consequência, qualquer ângulo

oriundo do movimento de precessão pode ser consideravelmente

aumentado e, dependendo da sua extensão, fazê-lo girar sobre o seu eixo

longitudinal, provocando uma maior transferência de energia cinética e uma

lesão de dimensões muito superiores

Essas irregularidades do movimento do projétil (precessão e nutação)

tendem a ser máximas imediatamente após a saída do cano do rifle. Esta

ação de giro irregular do movimento em parafuso do projétil tende a

amortecer depois de transcorrido de 50 a 100 m da trajetória. O projétil é

normalmente estável quando de sua trajetória no ar, porém pode se tornar

menos estável quando da penetração nos tecidos. Essa instabilidade é

aumentada pela presença de movimento irregular, como ziguezague e

[GCD6] Comentário: Inserir link conceitual: “movimento físico que consiste na mudança do eixo de rotação de um objeto”.

[GCD7] Comentário: Inserir link conceitula: “oscilação periódica do eixo de rotação”.

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“saltos" (tumbling). Lesões em curto alcance (menos 75 m) e lesões

produzidas por de projéteis que são desenhados para voar irregularmente

têm uma taxa de transferência de energia mais rápida, concomitantemente,

mais séria é a destruição do tecido.

Formato do projétil

Projéteis que possuem a superfície da ponta plana ou que são desenhados

para expandir quando do impacto apresentam uma maior área de superfície

para transferência de energia aos tecidos, resultando numa maior trilha

local.

Projéteis com formato e velocidade capazes de apresentar uma

transferência rápida de energia levam a à expansão rápida dos tecidos,

resultando numa cavidade temporária capaz de apresentar danos teciduais

em regiões que não se encontram na trajetória do projétil.

Fator importante ocorre com os fragmentos e estilhaços, os quais possuem

formato bastante irregular e, consequentemente, um trajeto irregular,

causando lesões bastante severas. Esses fragmentos geralmente possuem

pequenas massas, logo, adquirem velocidade alta, mas, devido às suas

grandes instabilidades no trajeto, a velocidade diminui rapidamente.

Densidade do tecido

A transferência de energia é maior em tecidos densos com alto conteúdo de

água. Lesões nos músculos, fígado, rim e ossos são mais danosas que

lesões de tecidos menos densos, tais como o tecido do pulmão ou a gordura

dos tecidos em geral.

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3.3 Ferimentos De Saída

As lesões de saída de projéteis de

armas de fogo têm formato

irregular. Comumente

apresentam os bordos voltados

para o exterior, e apresentam

maior sangramento. Não

apresentam orla de enxugo ou

zona de Fisch, podendo

apresentar o sinal de Romanessi,

como você já estudou.

Além da forma irregular destas feridas, as dimensões verificadas

geralmente são maiores que as do o orifício de entrada. Para projéteis

animados com grande energia, se a cavitação8 é máxima no ponto de

saída, o resultado será uma larga saída com grande perda de tecido.

Os efeitos tornam-se progressivamente mais graves com projéteis com

velocidades superiores a 600 m/s, ocorrendo o rompimento dramático dos

tecidos com velocidades acima de 1000 m/s. O diâmetro máximo da

cavidade pode ser dezenas de vezes maior que o diâmetro do projétil e,

portanto, contribuir dramaticamente para a destruição do tecido em lesões

de alta velocidade.

8 Cavitação é um fenômeno que projéteis animados com altíssima energia cinética

apresentam

Fotografia 44

Fotografia 44. Foto operada quando de

exame de local – ICDF. Nela observa-se o

orifício de saída produzido pela passagem de

projétil de arma de fogo. [GCD8] Comentário: verificar se é Romaness ou Romanessi – e o texto não está entre os conteúdos enviados

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Aula 4 - Lesões causadas pelos projéteis de armas de alma lisa

Armas de alma lisa, desde simples armas artesanais de antecarga ou armas

improvisadas a partir de tubulações utilizadas em construção civil e

sistemas de disparos constituídos a partir de molas e segmentos metálicos,

até armas automáticas de emprego militar, fazem parte de nosso dia a dia.

Suas lesões diferenciam-se das lesões produzidas por projéteis de armas

raiadas, devido à multiplicidade de lesões oriundas de um único disparo,

associada à presença de elementos estranhos que podem ou não estar

presentes nas lesões, tornando sua análise um pouco mais complexa.

As armas de alma lisa permitem a utilização de cartuchos anti-motim, que

vão desde o lançamento de esferas de elastômero (projéteis de borracha)

produzindo apenas lesões contusas, quando disparados nas distâncias

corretas de utilização, até projéteis explosivos de efeito moral, de gás

lacrimogênio, entre outros, com lesões bem típicas9.

Uma espingarda dispara ''projéteis'' que, geralmente, consistem de poucas

esferas a centenas de esferas de chumbo ou de aço (balins), com uma

velocidade relativamente alta (305 - 457 m/s) e com uma capacidade

destrutiva maciça para um alcance menor de 3,6 - 4,5 m. A distância

efetiva de utilização das espingardas é relativamente pequena, em função

da grande diminuição na velocidade e, conseqüentemente, na redução da

energia cinética, para distâncias maiores. Desta forma, o tamanho dos

grãos de chumbo é de fundamental importância na determinação do alcance

útil e no grau das lesões ou danos por eles produzidos.

Em virtude do formato aerodinâmico desfavorável de um balim esférico face

à resistência do ar, os grãos de chumbo da espingarda sofrem uma

desaceleração rápida, transformando a energia cinética em calor quando

9 estes conteúdos não serão estudados nesse curso

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suas trajetórias divergem após deixar a boca do cano da espingarda. Além

de 45 a 50 metros de distância, a capacidade destrutiva desses projéteis é,

em geral, negligenciável (exceto para uma ferida ocular ou laríngea). Nos

casos de projéteis singulares ou projétil único (Balotes ou Slugs), o alcance

útil é da ordem de 100 a 110 metros, principalmente para aqueles dotados

de estrias laterais, cuja intenção é fornecer movimento de rotação ao

projétil.

No caso de disparos encostados ou

muito próximos, eles são os que

apresentam maior gravidade, face à

ação conjunta da carga de balins, da

quantidade de gases que penetram na

lesão, que, ao se expandirem,

promovem o aumento de pressão

(ondas de pressão) e a grande

transferência de energia cinética. O

resultado são lesões com lacerações

extensas, destruição de tecidos e

membros, apresentando, muitas vezes,

vestígos como a eversão de bordos,

estrelada, enegrecida e com sinais de

queimaduras, ladeada de gotículas de

sangue e tecidos orgânicos. Nesses

casos, não é esperado verificar a

entrada isolada de balins (orifícios

satelites), podendo se verificar a

presença do Sinal de Werkgaertner e a

bucha penetrando na lesão juntamente

com os balins, conforme foto número

45.

Fotografia 45. Foto operada

quando de exame de local - ICDF

Nela, observa-se intensa

destruição do tecido, tanto na

região frontal, quanto na lesão de

saída, entre as regiões parietal e

occiptal, em disparo efetuado

com o cano da arma encostado.

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A alta velocidade ao nível da boca do cano da arma, o grande peso total dos

grãos de chumbo (que atravessam na forma de uma única massa e, ainda,

sem sofrer dispersão) e a desaceleração rápida dos grãos esféricos não

aerodinâmicos produzem, para um alcance de 0,9 a 1,8 m, um único orifício

grande e irregular, e uma destruição tecidual intensa e extensa e,

habitualmente nas feridas do tronco, nenhum orifício de saída. Nessas

distâncias, pode-se verificar os bordos denteados ou em formatos de ondas,

sendo pouco provável, para cartuchos comerciais de boa qualidade, a

ocorrência de orifícios satélites.

Com o aumento da distância surgem os orifícios satélites, ao mesmo tempo

em que ocorre um ligeiro aumento do diâmetro do orifício central. Pode-se

verificar o impacto da bucha próximo ao orifício central, algumas vezes

penetrando e outras ficando retida no orifício de entrada.

Para um alcance de 2,7 a 3,6 metros,

dependendo do calibre e do número de

balins, o orifício de entrada será maior,

denteado e provavelmente estará

circundado por várias feridas produzidas

por balins individuais, cada uma das

quais pode mostrar uma deformação

significativa. Com o aumento da

distância, aumenta o número de orifícios

satélites e a área de dispersão,

ocorrendo, simultaneamente, a

diminuição do orifício central até que

desapareça completamente, restando

apenas um aumento gradativo do padrão

de dispersão dos balins, ou seja, o

aumento da área de impacto e uma

Fotografia 46. Foto operada

quando de exame de local - ICDF

Nela observa-se o padrão de

dispersão dos orifícios de entrada

produzidos por balins de um único

disparo.

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dispersão mais acentuada dos grãos de

chumbo.

Buchas plásticas podem apresentar lesões abrasivas com o formato de “cruz

de malta”. Para os calibres menores, dependendo do fabricante, as buchas

plásticas podem apresentar três gomos em vez de quatro, o que leva a uma

lesão escoriativa diferenciada. Buchas formadas por discos de papelão e

buchas de cortiça ou materiais semelhantes, geralmente apresentam

impactos em uma distância de até 4,5 metros de distância. As lesões

abrasivas das buchas plásticas podem ser percebidas a uma distância de

até 6 metros.

Além de 20 metros de distância, o padrão de dispersão dos grãos de

chumbo pode ser de 0,3 a 0,9 m de diâmetro na superfície suporte deste

disparo. Há probabilidade de que apenas alguns poucos grãos de chumbo

alcancem o alvo e sejam moderadamente destrutivos, ficando muitos dos

balins retidos nas vestes, no tecido muscular e, por conseguinte, apenas

uma pequena parcela penetrada nas cavidades corpóreas, sendo as lesões,

na sua grande maioria, superficiais . É importante salientar que, quanto

menor a massa e menor o diâmetro, menor será a distância alcançada, pois

os valores da quantidade de movimento e energia são menores. Logo, a

massa dos grãos de chumbo e seu diâmetro são de fundamental

importância na análise acima.

Importante!

As distâncias aqui referidas são de caráter indicativo. Só é possível

asseverar sobre uma distância específica realizando ensaios com a mesma

arma e munição, obtendo-se o padrão de dispersão específico para aquela

distância (residuograma).

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No restante, os aspectos morfológicos verificados nas lesões produzidas por

balins oriundos de disparos de cartuchos de arma de alma lisa,

principalmente no princípio de produção desses efeitos, são semelhantes

àqueles deixados por projéteis de armas de alma raiada, como: orla de

enxugo, orla de contusão, aureola equimótica, zona de esfumaçamento,

zona de tatuagem, zona de chama, etc.

Finalizando...

Nesse módulo, você estudou que:

As lesões deixadas por projéteis de arma de fogo são lesões perfuro-

contusas devido à ação do projétil de perfurar e contundir.

Efeitos primários são os efeitos produzidos pela ação mecânica do

projétil ao procurar vencer a resistência oferecida pelo alvo, sendo,

portanto, próprios do orifício de entrada. Ocorrem

independentemente da distância do disparo e compreendem: o

orifício propriamente dito, a orla de contusão, a auréola

equimótica e a orla de enxugo.

Os efeitos secundários são os efeitos resultantes da deposição dos

resíduos dos demais elementos do cartucho sobre a superfície, ou

seja, dos resíduos gasosos e sólidos da combustão da pólvora e da

detonação da espoleta sobre o suporte. A presença desses efeitos

permite estimar a distância entre a boca do cano da arma e o

suporte, bem como caracteriza o disparo como tendo sido efetuado a

curta distância.

Os efeitos secundários determinam as seguintes zonas características:

zona da chama; zona de esfumaçamento e zona de tatuagem.

Os efeitos explosivos somente são evidenciados nas lesões quando a

distância entre a extremidade livre do cano da arma (boca) e a vítima

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é muitíssimo pequena ou mesmo nula (encostado), uma vez que tais

efeitos são produzidos em decorrência da liberação instantânea dos

gases, gerando ruptura e dilaceração dos tecidos, entre outros.

As lesões ocasionadas por disparos tangenciais apresentam

características específicas e, dependendo do grau de engajamento

desse projétil ao tecido, apresentam morfologias distintas.

A grande maioria dos autores, entre eles os brasileiros, classifica a

distância dos disparos em: disparos encostados, disparos a curta

distância e disparos a distância.

A lesão deve ser compreendida como dano tecidual, que pode não

estar restrito à trilha deixada pela passagem do projétil.

Lesões por projéteis diferem de outras formas de ferimentos

penetrantes porque o projétil não só rompe o tecido, como também

transfere parcial ou totalmente a sua energia cinética inerente aos

tecidos adjacentes.

Três fatores são relevantes na formação da lesão: a cavidade

permanente; a formação de projéteis secundários; e a cavidade

temporária e o fenômeno da cavitação.

São fatores que influenciam na transferência de energia: movimento

do projétil; formato do projétil; e densidade do tecido.

As lesões produzidas por projéteis de armas de alma lisa se

diferenciam das lesões produzidas por projéteis de armas raiadas,

uma vez que a multiplicidade de lesões oriundas de um único

disparo, associada à presença de elementos estranhos que podem ou

não estar presentes nas lesões, tornam a sua análise um pouco mais

complexa.

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Exercícios

1. Em um disparo à distância efetuado diretamente contra uma superfície-

suporte, constituída de tecido branco com composição de 50% de algodão e

50% de tecido sintético, poderemos encontrar neste residuograma:

a. Zona de chama, de esfumaçamento e zona de tatuagem.

b. Orifício irregular com bordos evertidos, apresentando estrelamento, e

o diâmetro do orifício no residuograma bem superior ao diâmetro do

projétil.

c. Orifício regular, com bordos invertidos, apresentando orla de enxugo

e sem a presença de vestígios secundários.

d. Orifício regular com bordos invertidos, apresentando orla de enxugo e

zona de tatuagem.

2. O Sinal de Benassi é:

a. O estampamento da boca do cano da arma na pele.

b. O mesmo que câmara de mina de Hofmann.

c. O estrelamento verificado na pele, devido à ação resultante dos gases

que descolam e dilaceram os tecidos.

d. A deposição de esfumaçamento (halo fuliginoso) em tecidos ósseos,

quando de disparo encostado, geralmente é verificada na cabeça.

3. O Sinal de Romanessi é:

a. Formado por uma área erodida da pele, devido ao atrito do

projétil com a pele, associado ao movimento de rotação do

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projétil, e, ainda, a diferença de elasticidade entre a derme e a

epiderme o que resulta no arrancamento da epiderme.

b. Trata-se de orla escoriada ao nível do orifício de saída,

ocasionada pela ação do projétil que, ao sair, comprime o

tecido, juntamente com a pele, contra a superfície suporte no

qual o corpo encontra-se apoiado.

c. Formado por área erodida da pele, em forma de gota invertida,

na borda correspondente à entrada, quando do impacto

oriundo de trajetória inclinada, indicando assim o sentido e

obliquidade da trajetória.

d. Formado pela infiltração de sangue resultante da ruptura de

vasos capilares, provocada pela passagem do projétil.

4. Considerando a intensidade e forma das zonas de esfumaçamento,

assinale (V) verdadeiro ou (F) falso em relação as afirmativas a seguir:

a. ( V ) Tem a forma circular no tiro perpendicular; ovalar, no oblíquo; e

alongada, no tangencial.

b. ( F ) Está presente nos disparos de longa distância e sua cor depende

do tipo da pólvora, da idade do cartucho e da distância do

disparo.

c. ( V ) É a região na qual ocorre o depósito superficial de fuligem

oriunda da combustão da pólvora e da detonação da espoleta ao

redor do orifício de entrada, a qual é facilmente removida por

lavagem.

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d. ( V ) Pode apresentar os bordos bem definidos e de tonalidade

intensa nos casos em que a boca do cano da arma se encontra

mais próxima à superfície suporte do disparo.

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Gabarito:

1 - C

2 - D

3 - B

4 - V V F V V