1. Rita de Cssia Marques Lima de Castro "O poder da comunicao e
a intertextualidade" Fundao Getulio Vargas Escola de Administrao de
Empresas de So Paulo 2002
2. ndice OBJECTIVO DO TRABALHO E METODOLOGIA 11 ITINERRIO 13
INTRODUO 14 1 A LINGUAGEM 20 1.1 possvel o pensamento sem a
linguagem? . . . . . . 20 1.1.1 O pensamento coletivo . . . . . . .
. . . . . . 23 1.2 O Ato de Comunicar e as Funes da Linguagem . . .
25 1.2.1 O ato de comunicar . . . . . . . . . . . . . . . 26 1.2.2
As Funes da Linguagem . . . . . . . . . . . 28 1.2.2.1. Funo
referencial . . . . . . . . . . . . . . . 28 1.2.2.2. Funo emotiva
. . . . . . . . . . . . . . . . . 31 1.2.2.3. Funo conativa ou
injuntiva . . . . . . . . . . 34 1.2.2.4. Funo potica ou esttica .
. . . . . . . . . . 46 1.2.2.5. Funo ftica . . . . . . . . . . . .
. . . . . . 49 1.2.2.6. Funo metalingstica . . . . . . . . . . . .
. 50 1.3 Os modos de dizer de um texto . . . . . . . . . . . . . 55
1.4 A Comunicao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 1.4.1
Conceitos e Generalizaes sobre Comunica- o, segundo Littlejohn . .
. . . . . . . . . . . 58 1.4.2 Quadro-resumo - Componentes
Conceituais so- bre Comunicao . . . . . . . . . . . . . . . . 59
1.4.3 Modelos Tericos para o Estudo de Comunica- es . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . 62 2 O SIGNO 67 2.1 Retrica o
discurso como meio . . . . . . . . . . . . . 67 2.1.1 O estilo o
homem mesmo . . . . . . . . . . . 68 2.2 Evoluo da Semitica mais um
pouco de Histria... 69 2.2.1 Dos gramticos gerais a Saussure . . .
. . . . 69 2.2.2 Mudanas importantes surgem com Saussure . 72
2.2.2.1. O signo singstico, segundo Saussure . . . . . 78 2
3. 2.2.2.2. O tempo, a imutabilidade e a mutabilidade do signo
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 2.2.2.3. O tempo e a
lingstica . . . . . . . . . . . . . 79 2.2.2.4. Relaes sintagmticas
e associativas no dis- curso . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . 81 3 O DISCURSO 83 3.1 O que o discurso . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . 83 3.2 Os nveis de leitura do discurso . . . . .
. . . . . . . . 83 3.3 Tipologias dos discursos . . . . . . . . . .
. . . . . . 84 3.4 A preocupao com o discurso . . . . . . . . . . .
. . 86 3.5 Vises mltiplas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
89 3.5.1 Como o homem apreende a realidade . . . . . 89 3.5.1.1. A
traduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 3.5.1.2. A
ambigidade . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 3.5.1.3. A
polissemia e a denotao . . . . . . . . . . 92 3.5.1.4. Denotao e
conotao . . . . . . . . . . . . . 94 3.5.1.5. A arbitrariedade do
signo . . . . . . . . . . . 94 3.5.2 Smbolos e intertextualidade .
. . . . . . . . . 104 3.5.3 O discurso ou as vozes do silncio . . .
. . 112 3.5.4 O mapa no o territrio . . . . . . . . . . . . 117
3.5.5 Metfora e metonmia . . . . . . . . . . . . . 121 3.5.5.1.
Consideraes . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 3.6 Anlise do
discurso. O contexto na anlise do discurso 136 3.6.1 Bakthin e o
discurso . . . . . . . . . . . . . . 138 3.6.2 Discurso e Ideologia
. . . . . . . . . . . . . . 138 3.6.3 Discurso e poder . . . . . .
. . . . . . . . . . 140 3.6.4 A anlise do discurso sob uma
perspectiva his- trico-ideolgica . . . . . . . . . . . . . . . .
142 3.6.5 Lngua, sujeito e intradiscurso . . . . . . . . . 143
3.6.6 L mythe est une parole . . . . . . . . . . . . 160 3.6.6.1. A
leitura do mito . . . . . . . . . . . . . . . . 164 3.7 VOC s.a. .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 3.7.1 A proposta
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168 3.7.2 As sees de VOC s.a.
. . . . . . . . . . . . 170 3.7.3 A linguagem de VOC s.a. . . . . .
. . . . . . 172 3.7.4 A Pesquisa Metodologia e consideraes . . 173
3
4. 3.7.4.1.Perl do pblico leitor . . . . . . . . . . . . . 176
3.7.4.2. Perl de quem respondeu pesquisa . . . . . . 180 3.7.4.3.
Mltiplas vises de VOC s.a. . . . . . . . . . 182 3.7.4.4. Discurso
para quem? . . . . . . . . . . . . . 194 3.7.5 De sintagmas e
paradigmas e/ou esteretipos . 196 CONCLUSO 205 REFERNCIAS
BIBLIOGRFICAS 208 ANEXO 1 Questionrio de Pesquisa 223 ANEXO 2 Breve
glossrio de termos 224
5. Filiao atual: professora auxiliar no Insper Instituto de
Ensino e Pesquisa, professora na Universidade de Mogi das Cruzes
Campus Villa-Lobos. Aluna de Doutorado Programa de Ps-Graduao In-
terunidades em Integrao da Amrica Latina Prolam/USP.
6. Dissertao de Mestrado apresentada ao Curso de Ps-Gra- duao
da FGV-EAESP, rea de Concentrao: Organiza- es, Recursos Humanos e
Planejamento, como requisito para a obteno de ttulo de Mestre em
Administrao. Orientador: Prof. Izidoro Blikstein
7. Resumo Apresentao do papel da linguagem como poder de
manipulao e de convencimento. Aps uma abordagem dos conceitos sobre
lin- guagem e comunicao, lingstica e semitica, bem como dos cami-
nhos percorridos na anlise do discurso, o trabalho foi ilustrado
com a avaliao de artigos publicados em livros, revistas e jornais
voltados para o campo da Administrao e das cincias correlatas.
Palavras-chave: Anlise do Discurso, Poder da Comunicao, Lin-
gstica, Semitica, Semiologia, Discurso Administrativo, Discurso Po-
ltico, Comunicao de Massa.
8. Agradecimentos A Deus, por ter-me dado vida, sabedoria, sade
e oportunidade de estudar. A Jesus Cristo, porque nada do que foi
feito poderia ter sido feito sem Ele. A meus pais, por toda a
compreenso e todo o carinho que sempre me dedicaram; pelas horas de
sono perdidas; pelo alimento de madru- gada; pelo amor e incentivo.
Ao Prof. Izidoro Blikstein, meu amigo e orientador monogrco, pelas
correes, pelas orientaes e, principalmente, pela amizade e pelas
valorosas lies de vida. Ao Prof. Mazzucca, por quem tenho todo
respeito e admirao, que muito mais do que meu primeiro chefe, mas
um valoroso amigo que muito me incentivou e apoiou para a realizao
do Mestrado. Ao Prof. Abraham, outra pessoa de grande carter e
honestidade, pela ateno e ajuda, dando-me aulas de Estatstica, as
correes e o carinho de um pai, um pai muito querido. Ao Prof.
Manfredini, amigo muito especial, cujas idias e sugestes originais
serviram de inspirao neste trabalho. Aos professores Mauro Tpias
(meu primeiro orientador acadmi- co) e Miguel Abboud, pela afetuosa
ateno e pelos importantes comen- trios e preciosas observaes
realizados na apresentao da proposta de dissertao, que muito me
auxiliaram na elaborao nal deste trabalho. Ao Prof. Fiorin, por sua
gentileza em me atender, por compatilhar seus conhecimentos e pelo
emprstimo de livros sobre discurso. Maria do Carmo e Sandra
Azzolini, pela amizade e pacincia de me ouvir e aconselhar, por dar
aquela fora nas diculdades.
9. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 9 Aos
professores Jos Evaristo e Marcos Vasconcellos, tambm gran- des
incentivadores do meu ingresso na carreira acadmica. Aos amigos de
muitos anos Lourdes, Jos Mauro Afonso e Fran; aos mais recentes que
Deus tem me dado, Denise Messias e Luciana Dornellas, aos parceiros
de grupo da EAESP e aos colegas da Biblioteca da Escola, que sempre
me atenderam com ateno e tornaram a tarefa de buscar informaes
muito mais prazerosa. A todos os meus inesquecveis professores de
28 anos de estudo e aos que compartilharam de sua vivncia e opinies
comigo, durante este tempo de Mestrado: Carlos Osmar Bertero,
Ceclia Bergamini, Eduardo Suplicy, Fbio Mariotto, Fernando Motta,
Gisela B. Taschner, o prprio orientador Izidoro Blikstein, Luiz
Antonio Oliveira Lima, Luiz Carlos Di Srio, Jacob Ancelevicz,
Marcos Cobra, Wilton Bussab. De cada um, pude receber e reter algo,
com cada um pude alargar minha viso de mundo e descobrir quanta
coisa ns temos para aprender e pensar. Com cada um aprendi com os
acertos e os erros, de cada um procurei extrair o que havia de
melhor. Este trabalho fruto dessas experincias e , para mim, como
um livro que contm um pouco de cada pessoa aqui citada, e tambm de
tantas outras no citadas, mas igualmente importantes na minha
formao. Enm, meu agradecimento segue, de corao sincero, a todos
desta Escola e de outros lugares por onde passei que, de uma forma
ou de outra, zeram parte nessa luta para cumprir mais uma etapa de
vida. www.labcom.ubi.pt
10. Conhecer as coisas pelo nome , com efeito, t-las em seu
poder; a cincia das palavras , pois, uma marca de poder. J.
Vendryes
11. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 11 OBJECTIVO
DO TRABALHO E METODOLOGIA Esta dissertao tem o propsito maior de
mostrar como o discurso um poderoso instrumento para inuenciar
comportamentos e levar as pessoas ao. O trabalho pretende auxiliar
o leitor a identicar, no seu dia-a-dia, o que est subjacente
estrutura supercial do discurso para que esse leitor, ao travar
contato com as camadas inferiores que compem o ncleo do texto,
possa ter conscincia de que: nenhum discurso autnomo todos os
discursos resultam da combinao de outros discursos, proferidos por
outras vozes, em um processo conhecido como intertextualidade (um
texto con- tido em outro texto, o qual, por sua vez, deriva de
outro texto, em uma sucesso de textos que se sobrepem); a palavra
tem poder um poder profundo, que est espalhado no dia-a-dia em
todos os discursos com os quais deparamos (pro- pagandas,
editoriais, discursos polticos, textos cientcos, publi- caes e
peridicos na rea de Administrao, Economia, Direito etc.)
Metodologia O trabalho foi estruturado sob um aparelhamento terico
que abran- ge, fundamentalmente, os conceitos de Ferdinand de
Saussure e uma investigao sobre signo e discurso. Com base nesses
conceitos, foi realizada a anlise do discurso. Como aplicao prtica,
a dissertao apresenta uma pesquisa sobre metforas e metonmias de
palavras que compem o universo administrativo e o depoimento dos
pesquisados sobre uma revista que se apresenta como voltada para o
executivo: a revista VOC s.a.. Com a pesquisa, pretendo exemplicar
os conceitos estudados sobre a apreenso da realidade, mostrar a
construo dos discursos individuais e vericar se o discurso da
revista entra em consonncia com a viso dos pesquisados. Este ltimo
objetivo deriva de uma impresso: ao ler o nmero de lanamento da
revista, em abril de 1998, a primeira associao que z foi com o
discurso das revistas femininas. VOC s.a. seria uma espcie de
Amiga, TV, Tudo ou Capricho, envolta em um www.labcom.ubi.pt
12. 12 Rita de Cssia Marques Lima de Castro discurso mais
pertinente ao jargo administrativo? Essa estratgia de discurso
inuencia que tipo de leitor? So essas questes que a segunda parte
da pesquisa procura responder. www.labcom.ubi.pt
13. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 13 ITINERRIO
Para que seja possvel perceber o itinerrio que persegui para
construir meu aparelhamento terico-metodolgico, apresento aqui um
esquema grco que procura ilustrar a articulao de idias, modelos e
teorias que me propiciaram a anlise dos diferentes tipos de
discursos aqui a- presentados. www.labcom.ubi.pt
14. 14 Rita de Cssia Marques Lima de Castro INTRODUO ACOMUNICAO
algo instigante. Sem perceber, pensamos nela desde a mais tenra
idade. Ainda que o beb, no incio de sua tenta- tiva de atuar sobre
o meio, aja de forma a possibilitar a identicao de seu
comportamento, sem a inteno de compartilhar com outro seu es- tado
de conscincia, logo seus movimentos, olhares e sons se voltaro para
transmitir necessidades e sentimentos, buscando uma ao como
resposta, em uma forma de atuar sobre as outras pessoas. Em outras
palavras, em uma forma de comunicar-se, de dar a conhecer a outro o
seu desejo. Tome-se, por exemplo, o cozinho apontado por E.
Buyssens1 : o an- imal est em algum lugar no identicado que tem uma
porta, impedin- do-o de sair. Ao ver uma pessoa, o cozinho corre
frente, raspa a porta e olha para a pessoa. Ele comunica, torna
comum, sua inteno de sair e, por meio de um movimento simulado, d a
entender que deseja que a pessoa abra a porta para que ele possa
lograr xito em seu desejo. Um gesto pode comunicar; olhares podem
comunicar, mas, dentre as muitas formas de comunicao, uma
destaca-se das demais: a linguagem. Prerrogativa dos humanos e
representante da forma mais elevada da faculdade humana a faculdade
de simbolizar a linguagem tem despertado o interesse de estudiosos
nos mais variados campos de co- nhecimento. Neste trabalho, a nfase
ser no papel da linguagem como poder poder de manipulao, de
convencimento, de ao por meio do discurso. Sementes lanadas... A
idia de compreender melhor a linguagem surgiu na poca em que eu
estava no Ensino Mdio, fazendo o curso tcnico de Magistrio, em
1983. E surgiu de uma preocupao didtica com o ensino da Matemtica e
de sua linguagem lgica e precisa. Hoje, percebo que tinha, na poca,
uma preocupao com a transformao dos smbolos. Via a linguagem das
cincias humanas como um instrumento til para ensinar, compartilhar
conhecimentos, enm, transformar os smbolos matemticos em outros
smbolos que tornassem o conhecimento com- preensvel. Foi uma
semente. 1 BUYSSENS, Eric. Semiologia & Comunicao Lingstica,
1972. www.labcom.ubi.pt
15. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 15 Ao mesmo
tempo, a linguagem das cincias humanas exercia uma atrao que eu
considerava um desao: desvendar o que havia por trs do texto de um
autor. Freqentemente, algumas perguntas assomavam: "o que,
realmente, o autor queria dizer com aquilo que escreveu?"e "qual
foi o impacto que esse texto ou discurso causou?"Essa questo da
descoberta das entrelinhas passou a ser revestida de um interesse
menos literrio e mais social, de um interesse por uma palavra
poder. A comunicao tinha poder? Outra semente estava lanada. Do
Magistrio, fui para a rea de Comunicao Social - Jornalismo e, das
questes pragmticas da juventude, vi-me envolta com outros
questionamentos sobre poder da palavra, opinio pblica versus opinio
publicada, os meios de comunicao de massa e l estava o discurso,
exigindo resposta, exigindo ao e exercendo um poder. Aqui tive o
primeiro contato com a lingstica de Ferdinand de Saussure, e os
con- ceitos e associaes entre linguagem e poder comearam a se
imbricar. Arriscando uma comparao, a idia era, naquele momento,
como um pequeno p de laranja, aps anos de sementes esparsas. Depois
do bacharelado, enquanto fazia uma ps-graduao lato sen- su em
Jornalismo (aprendendo Didtica do Ensino Superior e Teoria do
Poder), tive contato com a Escola de Administrao de Empresas de So
Paulo (EAESP). A escolha no foi por uma rea, mas por uma Escola.
Assim, vim para a EAESP fazer um Curso de Especializao em
Administrao (CEAG). Novamente, o uso da linguagem como instrumento
de poder apare- cia, agora, porm, mais camuadamente. A opo por
disciplinas eleti- vas voltadas para os fundamentos sociais da
Administrao fez crescer meu interesse em estudar, de forma mais
contundente, a linguagem como poderoso instrumento de inuncia e
persuaso. Minha "rvore da linguagem"estava, agora, um pouco mais
crescida e adubada, mas ainda muito jovem e verde. A passagem do
CEAG para a ps-graduao stricto sensu foi o ca- minho para
desenvolver um trabalho acadmico voltado para o estudo da inuncia
da linguagem. Dois pontos foram fundamentais para essa escolha: O
estudo de algumas disciplinas eletivas, dentre elas Comuni- cao em
Administrao que marcou meu reencontro com a www.labcom.ubi.pt
16. 16 Rita de Cssia Marques Lima de Castro Semitica;
Comportamento Organizacional; Estado e Sociedade (todas no
Mestrado), Psicodinmica do Trabalho (CEAG), Gesto do Fator Humano
(CEAG). O ainda reduzido nmero de trabalhos, desenvolvidos na
EAESP, sobre o processo de inuncia ou poder da linguagem. Embora
haja muitas dissertaes e teses na rea da Lingstica, da Co- municao
e das Cincias Sociais, no campo administrativo esse processo de
inuncia no to explorado. Desde o incio da histria do homem, a
comunicao foi vista como forma de permitir a socializao, mas no
podemos esquecer de outro aspecto igualmente importante: seu papel
como instrumento de ma- nipulao. Com o tempo, mais do que apenas
socializar, a linguagem comeou a ganhar corpo e ser vista como um
recurso para dominar o outro. E neste ponto que desejo apresentar
minha contribuio: com o estudo da linguagem como fator de inuncia
ou de domnio do seme- lhante. Assim, este trabalho abordar o poder
de inuncia da linguagem, mais precisamente por meio da anlise do
discurso, esse ato lings- tico produzido para gerar um efeito sobre
o homem. O discurso ser analisado em sua intertextualidade, com o
objetivo de auxiliar o leitor a identicar, no seu dia-a-dia, o que
est subjacente a uma aparente- mente inocente frase; o que se
esconde por trs das mensagens que ele recebe, seja da mdia, seja da
organizao em que atua, seja do colega com quem trabalha. Para
compreender o que se esconde nas entrelinhas de um texto, preciso
conhecer, primeiro, o que a sua essncia. Nenhum discurso autnomo,
nenhum ato de comunicao possui um nico sentido. H muitas vozes em
um discurso, h diversos caminhos que a palavra per- corre. Por toda
essa complexidade que envolve o discurso, preciso uma base terica
para que a prtica do discurso possa ser analisada. Dessa forma, O
poder da comunicao e a intertextualidade, est dividido em trs
grandes blocos: a linguagem, o signo e o discurso. A primeira e a
segunda partes correspondem ao tronco da minha "rvore da
linguagem"e compreendem um apanhado de teorias e
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17. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 17 estudos
sobre linguagem, comunicao, lingstica e semiologia. So objetivos
deste subconjunto: Apresentar os subsdios utilizados para o estudo
dos discur- sos contidos nesta dissertao. Apresentar, com exemplos
de anlise de textos, as funes da linguagem segundo Roman Jakobson,
em uma aborda- gem que pretende associ-las ao poder da comunicao e
intertextualidade. Destacar os diversos conceitos de comunicao,
relacionan- do-os questo do poder do discurso. A terceira parte (os
ramos, folhas e frutos) apresenta teorias sobre anlise do discurso,
compreende a avaliao de alguns discursos clssicos e de outros do
cotidiano, tomando por base o apanhado terico apresentado
anteriormente, e, por m, apresenta um es- tudo de caso: a revista
voc s.a.. Os objetivos especcos deste subconjunto so: Introduzir o
estudo do discurso com um tpico sobre nveis de leitura e tipologias
do discurso, seguido de exemplos. Dado o carter multifacetado do
discurso, pontuar assuntos que exercem inuncia em sua construo. Com
a aplicao prtica dos conceitos por meio de anlise de textos diver-
sos, sero estudados itens relacionados apreenso da reali- dade,
tais como: traduo do signo verbal e ambigidade, o carter polissmico
e a arbitrariedade do signo. Incrementar o arcabouo de assuntos que
envolvem o dis- curso com uma abordagem sobre a questo do silncio
sig- nicante. Exemplicar o tpico sobre Metforas e Metonmias do Po-
der Gerencial com a avaliao do resultado da primeira parte de uma
pesquisa realizada, primordialmente, com estudan- tes de ps-graduao
stricto sensu da FGV-EAESP e pros- sionais da rea de comunicao.
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18. 18 Rita de Cssia Marques Lima de Castro Abordar os
conceitos fundamentais para este trabalho de anlise do discurso,
tais como: a importncia do contexto, ideologia, poder, o sujeito do
discurso, a leitura do mito. Apresentar um estudo sobre a Revista
VOC s.a., composto por uma avaliao de textos e dos resultados da
pesquisa aberta sobre a revista, feita com estudantes de ps-gradua-
o da Escola e prossionais de comunicao. O question- rio utilizado
para a realizao da pesquisa encontra-se no Anexo I. Por m, temos as
razes: com o intuito de apresentar de forma didtica os conceitos
vistos ao longo da pesquisa para a realizao deste trabalho, o Anexo
II apresenta um breve glossrio de termos, os quais, espero,
auxiliem o leitor e o estimulem a aprofundar-se no campo da
lingstica e da anlise do discurso. Esses conceitos me foram muito
teis no decorrer do desenvolvimento dos assuntos aqui tratados; por
isso, decidi elaborar tal glossrio como complemento,
particularmente, para os estudantes de Administrao que tenham
interesse nesses assun- tos. Alguns tpicos, deliberadamente, so
repetidos, para apresentar os conceitos de autores em pocas
diferentes e, desse modo, enriquecer a viso sobre os termos mais
relacionados com os assuntos tratados nesta dissertao. Antes de
iniciar o desenvolvimento do trabalho, mostro a gura a seguir como
uma representao grca desta introduo, com o objetivo de demonstrar,
iconicamente, o resumo do caminho que me levou a desenvolver esta
dissertao. www.labcom.ubi.pt
19. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 19 Fig.1 A
rvore da linguagem www.labcom.ubi.pt
20. 20 Rita de Cssia Marques Lima de Castro 1 A LINGUAGEM 1.1
possvel o pensamento sem a linguagem? "Creio que as palavras, tal
como se escrevem ou pronun- ciam, no desempenham papel algum no meu
mecanismo de pensar. Na qualidade de elementos do pensamento apa-
recem imagens e signos mais ou menos claros das reali- dades
fsicas. como se tais imagens e signos se for- massem e se
combinassem na conscincia arbitrariamente. Existe, claro, certo
nexo entre esses elementos de pensar e os correspondentes conceitos
lgicos ... As palavras e os outros smbolos, procuro-os afanosamente
e encontro- os numa segunda fase, quando j se estabeleceu e se pode
reproduzir vontade o jogo de associaes referido."2 Al- bert
Einstein. H tempos, discute-se se podemos pensar sem a linguagem.
Ao analisar a resposta de Einstein, observa-se que, ainda que em
segundo plano, l est a palavra, para expressar aquilo que o
raciocnio bri- lhante do cientista concluiu. O homem da cincia
opera com imagens- pensamento, mas para socializar seus
conhecimentos, necessita de sm- bolos ou palavras que permitam
compartilhar a concluso. Ainda na abstrao, nos mantemos no terreno
da linguagem. Como dizia Ber- trand Russel, "Todos os pensamentos
bem elaborados requerem pala- vras."3 No trabalho Lingstica e
Teoria da Comunicao, de R. Jakobson4 , encontra-se esta observao:
enquanto o fsico cria suas construes tericas, aplicando seu sistema
hipottico de novos smbolos aos ndices extrados, o lingista
recodica, traduz nos smbolos de uma metalin- guagem, os smbolos j
existentes, que esto em uso na lngua da sua comunidade. F. de
Saussure lembra que lsofos e lingistas concordavam que, sem os
signos lingsticos, o homem no poderia distinguir duas idias 2
EINSTEIN, Albert. Apud: LEONTIEV, A. Linguagem e Razo Humana, 1971,
p. 42. 3 LEONTIEV, A. Linguagem e Razo Humana, 1971, p. 141. 4
JAKOBSON, Roman. Lingustica e Comunicao, 2001.
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21. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 21 de modo
claro e constante. O pensamento era comparado a uma "nebu- losa,
onde nada est necessariamente delimitado.5 " A. Martinet6 recorda
que, alm da linguagem comunicar e servir para o homem se expressar,
ela o suporte do pensamento humano. Por considerar o pensamento
como lingstico, Martinet chegou a ques- tionar se uma atividade
mental exercida fora do ambiente da lngua poderia ser denominada
pensamento. R. Barthes, por sua vez, arma: "A cincia precisa falar
a vida, para poder transform-la".7 Sem a linguagem, o homem no pode
tornar comum sua viso de mundo, no pode perpetuar seu conheci-
mento, no pode evoluir. Com efeito, o estudioso russo A. Leontiev8
aponta a linguagem atendendo a quatro objetivos bsicos: a) A
linguagem como capacidade de servir de instrumento do pensar O
pensamento utiliza a linguagem, sobretudo a interior (aquela que
est unicamente a servio do pensamento, sem a nalidade de
comunicar). H dois tipos de imagens que compem o pensa- mento
verbal: as imagens-representaes, que existem desde o prprio comeo
da representao (ou do pensamento) como algo indesmembrvel, e as
imagens-pensamento, que surgem depois de termos separados
conscientemente, com a ajuda da linguagem, os caracteres essenciais
do objeto dado. O intelecto humano permite exprimir na forma verbal
o decurso e os resultados do pensar. Mesmo o pensamento no
formulado em palavras provm do pensamento verbal; a linguagem , por
con- seguinte, material bsico para que o homem planeje a sua ativi-
dade e nisso se manifesta a funo da linguagem de servir como
instrumento do pensar. b) A linguagem como instrumento de que o
homem se serve para regular seus prprios atos 5 SAUSSURE, Ferdinand
de. Curso de Lingstica Geral, 1970, p. 130. 6 MARTINET, Andr.
Elementos de Lingstica Geral, 1970. 7 BARTHES, Roland. Mitologias.,
1982. 8 LEONTIEV, A. Linguagem e Razo Humana, 1971.
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22. 22 Rita de Cssia Marques Lima de Castro Essa a principal
funo da linguagem interior, que leva o homem a regular seus atos e
a regular as aes alheias, isto , exercer a funo comunicativa da
linguagem. O beb, antes de conseguir diferenciar-se do mundo e ter
conscincia de si como pessoa, j obedece s frases que lhe dirigem
essa a funo de comuni- cao, que modica o comportamento e a
atividade por meio de uma informao verbal. 1. [c)] A linguagem como
instrumento do conhecimento Com ela, o homem pode obter novos
conhecimentos a partir dos de que j dispe. Leontiev observa que o
conhecimento pes- soal do homem s se converte em conhecimento
social quando expresso verbalmente. A linguagem "um meio para
transfor- mar a nossa experincia pessoal em experincia externa e
cole- tiva."(Bertrand Russel).9 d) A linguagem como meio de
assimilao da experincia hist- rico-social Aqui, observa-se que no a
linguagem que determina a decu- pagem do mundo, mas sim a prtica
social do povo considerado. O recorte do mundo apenas, mas no
obrigatoriamente, reete- se na linguagem. Um dos exemplos dados o
do povo saami, que ca na pennsula de Kola, o qual usa vinte
palavras diferentes para identicar os vrios tipos de gelo, vinte e
seis palavras dife- rentes para designar o degelo e a geada. Visto
que gelo / geada so partes integrantes da vida desse povo, a lngua
acaba por reetir essa importncia de identicar, com preciso, os
diversos tipos de gelo o que, para um brasileiro, por exemplo, no
teria a menor importncia - uma s frase bastaria para designar o
fenmeno: "est geando". Ou, ainda, "h gelo". Daqui, depreende-se que
a linguagem um meio de assimilao de uma viso particular de mundo, e
que essa linguagem ser expressa em conformidade com o comportamento
do povo. Um aspecto curioso: no sculo XIX, W. von Humboldt armava
que a linguagem no era uma mera designadora da realidade; ela era a
9 RUSSEL, Bertrand. Apud: LEONTIEV, A. Linguagem e Razo Humana,
1971, p. 148. www.labcom.ubi.pt
23. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 23
organizadora do mundo que nos circunda. Das idias de Humboldt, sur-
giram vrios estudos, como os dos neo-humboldtianos, que armavam que
o estudo da lngua permitiria conhecer o esprito da nao. Quase na
metade do sculo XX, o norte-americano Benjamin Lee Whorf a-
presentou um estudo que apontava que as categorias mais
fundamentais do pensamento (tempo, espao, sujeito, objeto) variavam
conforme a lngua. Hoje, sabe-se que a lngua exerce um papel
fundamental na repre- sentao do mundo, porm, ela no condiciona o
pensamento. Buys- sens, por exemplo, observava que a lngua impunha
uma articulao lingstica, mas no do pensamento. A lngua s poderia
condicionar o pensamento se a ela no pudessem ser opostos os dados
do conheci- mento.10 O lingista russo A.A. Potebni comparava as
palavras "com as marcas que os ps deixam na areia; elas
permitem-nos seguir uma pista, mas isto no signica que esteja nelas
contido o prprio p; na palavra no est contido o prprio pensamento,
mas sim a marca do pensamento".11 1.1.1 O pensamento coletivo A
linguagem um poderoso instrumento que possibilita aos seres hu-
manos construrem denies de sua realidade, estruturar suas expe-
rincias e comunic-las a outros, orientarem-se para a compreenso de
sua cultura e para a ao. Pode-se dizer, ento, que a linguagem ajuda
a estruturar o pensamento e a ao dos seres humanos. A linguagem o
fator que viabiliza a construo do imaginrio social, o conjunto
coordenado de representaes criado por uma so- ciedade, por meio do
qual ela se reproduz e que designa em particular o grupo a ele
prprio, distribui as identidades e os papis, expressa as
necessidades coletivas e os ns a alcanar.12 Muitos estudiosos
apontam a linguagem como expresso da cultura de um povo; ela pode
ser considerada a expresso de um pensamento 10 BUYSSENS, Eric.
Semiologia & Comunicao Lingstica, 1972, p. 90. 11 POTEBNI, A.
A. Apud: LEONTIEV, A. Linguagem e Razo Humana, 1971, p. 94. 12
ANSART, Pierre. Ideologias, Conitos e Poder,1978, cap.1.
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24. 24 Rita de Cssia Marques Lima de Castro coletivo, visto que
criada para que os homens possam compartilhar seus pensamentos
individuais em uma linguagem comum, compreen- svel ao grupo. Alm de
transmitir informao, pensamento e sentimento, a lin- guagem tambm
fornece os meios para que se controle o comporta- mento entre os
indivduos, como aponta o psiclogo John B. Carroll.13 Ele observa,
ainda, que a linguagem facilita o pensamento, permitindo- lhe maior
ecincia, preciso e complexidade. Carroll realiza uma anlise do
comportamento lingstico, desta- cando que a gramtica no apenas um
instrumento para reproduzir a expresso de idias, mas o prprio
modelador de idias. A estrutura gramatical tem muita fora na
interpretao de uma frase. A tabela a seguir traz um resumo de suas
consideraes: Tipo de frase Ocorre quando Exemplo Declarativa a
pessoa que fala percebe que sua informao maior do que a de seu
ouvinte O governo decretou um ra- cionamento de energia.
Interrogativa a pessoa que fala percebe que sua informao menor do
que a de seu ouvinte verdade que quem gastar mais de 200 kw pagar
so- bretaxa de 50%? Imperativa a pessoa deseja que o ouvinte
realize uma ao. Convenes sociais s permitem a forma impe- rativa
direta quando a ao benecia o ouvinte. De outro modo, o imperativo:
substitudo por uma frase interrogativa complementado com uma
expresso "por fa- vor"ou expresses similares substitudo por uma
frase armativa Sente-se nesta cadeira e descanse. Posso sentar
nesta cadei- ra? Por favor, deixe-me sentar nesta cadeira. Eu
gostaria de sentar nesta cadeira. V-se que, ao contextualizar a
linguagem no social, os termos ns, objetivos, ao comeam a aparecer
de forma mais imbricada. Aqui, amplia-se a questo do poder das
palavras para o poder do discurso. Com a palavra, o homem domina as
coisas. Com o discurso, o homem domina os homens. uma questo
complexa, que envolve uma expresso transformada e controlada por
fatores scio-culturais e, de outro lado, similarmente, mecanismos
condicionados de percepo social. Estes ltimos deter- 13 CARROLL,
John B. Psicologia da Linguagem, 1969. www.labcom.ubi.pt
25. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 25 minam o
signicado dos smbolos, cujo resultado a formao de uma linguagem
scio-culturalmente condicionada.14 A construo e validao da
realidade tende a ser inuenciada por alguma forma de poder. Isto
feito tentando-se cristalizar interpre- taes e signicados para
orientar as aes do grupo, que devem denir situaes de maneira comum
e automatizada, a partir da compreenso, introjeo e do compartilhar
dessas interpretaes e signicados.15 Toda essa complexidade permeada
por uma riqueza sem m de combinaes entre signos, smbolos e
contexto. A intertextualidade algo cada vez mais presente no
dia-a-dia dos indivduos os quais, em muitas ocasies, nem se
apercebem de estar, na verdade, falando de uma histria contida em
outra histria contida em outra histria. E tampouco se apercebem de
estar reproduzindo, em seu discurso, idias que j se tornaram
"naturais", no mais contestadas ou questionadas pela razo. As
mensagens transmitidas contm, sistematicamente, todo um con- texto
que aora, com maior ou menor transparncia, da combinao dos smbolos
que compem nossas peas de comunicao. O poder, por sua vez,
apresenta-se imanente a todas as relaes sociais e pode ser obser-
vado em vrias nuanas na comunicao. A anlise de um discurso pode
ser, pois, uma anlise de idias e poderes. Para realiz-la,
importante abordar os conceitos e as proposi- es que serviram de
base para o desenvolvimento da lingstica, da semitica e da
comunicao. 1.2 O Ato de Comunicar e as Funes da Linguagem "Toda
mensagem tem uma nalidade: ela pode servir para transmitir um
contedo intelectual, exprimir (ou ocultar) emoes e desejos, para
hostilizar ou atrair pessoas, incen- tivar ou inibir contatos e
ainda pode, bem simplesmente, servir para evitar o silncio."16
Edward Lopes 14 ICHHEISER, G. IN: BRISSET, Dennis & EDGLEY, C.
Life as a Theather A dramaturgical sourcebook. p.1-73. 15 SMIRCICH,
Linda. Organizations as Shared Meanings. In.: PONDY, Louis, et alii
(eds). Organizational Symbolism. 1983. 16 LOPES, Edward.
Fundamentos da Lingstica Contempornea, 2001, p. 56.
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26. 26 Rita de Cssia Marques Lima de Castro Para atingir os
objetivos deste trabalho, torna-se importante apresen- tar um tpico
sobre as funes da linguagem e como elas se manifestam na questo do
poder da comunicao e da intertextualidade. Por mais que esse
assunto seja explorado, considero-o pertinente e necessrio para a
compreenso daquilo que est por trs do que vemos. Assim, essa
abordagem trar, para cada funo da linguagem, um texto que servir
para apresentar as caractersticas da funo e, tambm, para ilustrar o
objeto de estudo desta dissertao. Iniciarei, pois, com a clssica
gura que apresenta o processo de comunicao, para em seguida
exemplicar as funes da linguagem, tomando por base a teoria de
Roman Jakobson. 1.2.1 O ato de comunicar A funo do signo comunicar
idias por intermdio de mensagens. Isto implica: um objeto o
referente (uma coisa de que se fala) signos e, portanto, um cdigo,
um meio de transmisso, um emis- sor e um receptor. Figura 2 O
processo de comunicao www.labcom.ubi.pt
27. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 27 Jakobson17
assim descreve o ato de comunicao verbal (grifos meus): "O
remetente envia uma mensagem ao destinatrio. Para ser ecaz, a
mensagem requer: um contexto a que se refere, apreensvel pelo
destinatrio, e que seja verbal ou suscetvel de verbalizao um cdigo
total ou parcialmente comum ao remetente e ao desti- natrio (ou, em
outras palavras, ao codicador e ao decodicador da mensagem) e um
contato, um canal fsico e uma conexo psicolgica entre o remetente e
o destinatrio, que os capacite a ambos a entrarem e permanecerem em
comunicao." Para cada um desses elementos envolvidos no processo de
comuni- cao (emissor, contexto, cdigo, contato, canal,
destinatrio), Jakob- son associa uma funo lingstica diferente e
observa que muito dif- cil encontrar uma mensagem que apresente uma
nica funo. O que diferencia as mensagens, o que determina suas
estruturas verbais, so as hierarquias em que essas funes aparecem.
Interessa, portanto, o estudo da ordem hierrquica dessas diversas
funes. Para a anlise do discurso, as funes da linguagem tm um papel
interessante, pois mostram os modos de dizer algo. E na escolha do
modo de dizer algo j existe um imbricado de fatores que pode trazer
tona a forma de produo de um texto, o discurso que est por trs do
discurso propriamente dito. A abordagem mais detalhada das seis
grandes funes da linguagem, com exemplos de cada uma delas, tem o
intuito de apresentar, de forma prtica e elucidativa, parte da
teoria vista na primeira parte desta dissertao. 17 JAKOBSON, Roman.
Lingustica e Comunicao, 2001. www.labcom.ubi.pt
28. 28 Rita de Cssia Marques Lima de Castro Fig. 3 As funes da
linguagem de Jakobson 1.2.2 As Funes da Linguagem 1.2.2.1. Funo
referencial a dominante no maior nmero de mensagens; considerada
por Gui- raud18 a base de toda a comunicao, pois dene as relaes
entre a mensagem e o objeto a que se refere. O principal problema
formular 18 GUIRAUD, Pierre. A Semiologia, 1978.
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29. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 29 uma
informao verdadeira (objetiva, observvel e vericvel) a res- peito
do referente, para evitar toda a confuso entre o signo e a coisa. A
funo referencial a que pergunta: O qu e toma por base o referente
ou contexto. E. Lopes19 lembra que a funo referencial envolve a
anlise de uma experincia mental e traduz conceitos que a pessoa
compreende porque tem uma competncia de falante da lngua que est
sendo utilizada. S.Chalhub20 destaca, para exemplicar, os
noticirios de rdio e televiso que tm a funo referencial organizando
a estrutura da men- sagem. Esses exemplos no trazem a funo
referencial pura. Na ver- dade, mescla-se a referencialidade com a
posio do emissor. Mesmo assim, pode-se armar que os editoriais de
jornal mostram bem aspectos da funo referencial, tais como: uso da
terceira pessoa do verbo estrutura linear sintaxe clara, com
introduo/desenvolvimento/concluso de uma tese Porm, ainda aqui
encontra-se a argumentao que uma forma de persuaso do receptor, bem
como a posio da empresa diante do fato. So trs funes que aparecem,
embora predomine a referencial. Como exemplo, o editorial publicado
no dia 29 de outubro de 2000, no jornal Folha de S. Paulo. Os
grifos e destaques so meus. 19 LOPES, Edward. Fundamentos da
Lingstica Contempornea, 2001. 20 CHALHUB, SAMIRA. Funes da
Linguagem, 2001. www.labcom.ubi.pt
30. 30 Rita de Cssia Marques Lima de Castro O texto escrito
todo em terceira pessoa, procurando dar o carter de objetividade e
"iseno", ainda que a opinio do autor esteja exposta, diretamente,
na primeira frase. O discurso tem incio com um juzo de valor sobre
a campanha eleitoral ela foi, na viso do autor, ruim. As razes para
isso so apontadas claramente no texto: o marketing como dominador
do processo importa o que o leitor quer ouvir, para com o nico m de
ganhar votos; o grande nmero de candidatos no primeiro turno; a
fuga do embate franco; aes jurdicas para suspender a propa-
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31. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 31 ganda do
adversrio; o mau comportamento dos candidatos, difamando os
adversrios. H um momento em que essa iseno que tenta permear o
texto se enfraquece. No trecho "Costumam fazer exigncias como limi-
tar a participao de jornalistas que lhes permite enclausurar-se num
discurso por vezes autista", o autor mostra-se ao leitor - ele um
jor- nalista, criticando a censura aos pares, em um discurso bem
elaborado que deseja convencer o leitor de que ele o leitor eleitor
grande prejudicado com essa censura. Que outras exigncias faz o
candidato? Elas no poderiam estar expressas no texto? Por que
apenas o corte da presena dos jornalistas foi abordado? Alm da funo
referencial, o texto mostra a presena das funes emotiva e, de forma
menos intensa, da conativa (vistas logo a seguir). Os adjetivos
destacados em vermelho marcam o ponto de vista do autor, sua
postura de valorizar o comportamento tico e criticar o sis- tema
eleitoral existente. O apelo pode ser identicado no contexto a
espera de que seus argumentos tenham sido convincentes para inuen-
ciar a posio do leitor com relao ao atual sistema eleitoral.
1.2.2.2. Funo emotiva Dene as relaes entre a mensagem e o emissor.
Quando nos comu- nicamos emitimos idias relativas natureza do
referente (funo re- ferencial), mas podemos tambm exprimir a nossa
atitude em relao ao objeto: bom ou mau, bonito ou feio etc. As
funes referencial e emotiva so as bases complementares e, ao mesmo
tempo, concorrentes da comunicao. As duas supem tipos muito
diferentes de codicao. A funo emotiva tem sua origem na conotao e
nas variaes de es- tilo; a referencial na denotao. A funo emotiva
pergunta: Quem? e tem por base o emissor em detalhes . Nela,
revela-se o estado emocional da pessoa que fala perante o objeto da
sua comunicao; a mensagem vale pela sua carga emo- cional mais do
que pelo contedo intelectual. "As frases revestidas de funo emotiva
no valem, assim, por serem produtoras de um juzo de essncia; valem
por serem produtoras de um juzo de valor".21 21 CARVALHO, Jos G.
Herculano. Appud: LOPES, Edward. Fundamentos da Lingstica
Contempornea, 2001, p. 61. www.labcom.ubi.pt
32. 32 Rita de Cssia Marques Lima de Castro A funo emotiva
implica, sempre, uma marca subjetiva de quem fala, no modo como
fala, e ela comparece numa fala marcada: pela interjeio (o extrato
puramente emotivo da linguagem, co- mo diz Jakobson) pelos
adjetivos (que apontam o ponto de vista do emissor) por alguns
advrbios e signos de pontuao (exclamao, reticn- cias). Constituem
exemplos do predomnio da funo emotiva pinturas, novelas, discursos
etc. A funo emotiva tambm encontrada nos tex- tos publicados em
jornais ou revistas, mas de forma mais camuada. Entrevistas, por
exemplo, revelam o emissor e so permeadas da sub- jetividade
caracterstica do predomnio emocional nos discursos dessa ordem.
Muitas vezes, discursos polticos apresentam, fortemente, ele-
mentos da funo emotiva, misturados ao carter conativo que busca
levar o leitor ou ouvinte a concordar e "comprar"a idia do emissor.
O presente trabalho apresentar exemplos deste tipo, na parte de
Anlise do Discurso. Aqui, a escolha foi por textos mais
delimitados, para fa- cilitar a compreenso e identicao de cada
funo. Assim, para ilustrar a funo emotiva, o texto escolhido foi
uma crnica de Rubem Braga, intitulada "O padeiro"22 . preciso
observar como o autor expe os seus sentimentos, como usa os sinais
de pon- tuao, as interjeies, e como faz uma bela comparao, quase
uma metfora, para transmitir seu estado emotivo. Assim como o
padeiro, Rubem Braga coloca-se numa postura humilde, um "ningum"que
leva a informao aos lares brasileiros. E compara seu produto nal o
jornal a um po quentinho, sado do forno, que alimenta a alma do
cronista. Os grifos destacam esses aspectos. 22 BRAGA, Rubem. Ai de
ti, Copacabana, 1984, p. 37-38. www.labcom.ubi.pt
33. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 33
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34. 34 Rita de Cssia Marques Lima de Castro 1.2.2.3. Funo
conativa ou injuntiva Dene as relaes entre a mensagem e o receptor.
Essa funo pode dirigir-se: inteligncia (cdigos de sinalizao,
programas operacionais), visando organizar a ao em comum
afetividade (cdigos sociais e estticos, que visam mobilizar a
participao do receptor) Esta funo de grande importncia para a
publicidade, na qual o contedo referencial da mensagem se apaga
perante os signos que visam motivar o receptor. A propaganda contm
em si caractersticas da funo potica, para sensibilizar o pblico
pela beleza da argumentao, mas a funo conativa domina como
nalidade. A funo esttica o suporte para persuadir o receptor. A
funo conativa pergunta: Para quem? e seu alvo o receptor. Conativa
vem do latim conatum, signicando tentar inuenciar al- gum por meio
de um esforo. Ela tambm chamada de apelativa, por ser uma ao verbal
do emissor de se fazer notar pelo destinatrio da mensagem, seja por
meio de uma ordem, de uma exortao, de um chamamento ou invocao,
saudao ou splica. Caractersticas dessa funo: presena do imperativo
e do vocativo e da 2a pessoa do verbo (voc). Seguem alguns
exemplos: Folha de S. Paulo Banespa Ita Bradesco Discurso do
senador Jos Paulo Bisol www.labcom.ubi.pt
35. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 35 Fig. 4 Como
conquistar o leitor www.labcom.ubi.pt
36. 36 Rita de Cssia Marques Lima de Castro Fig. 5 Assine j
Essa propaganda desperta no receptor o interesse pelo jornal uti-
lizando um estmulo afetivo o cozinho, exageradamente narigudo e com
um olhar pido associado a um texto leve, jocoso. A capa instiga o
leitor a abrir o folheto e ver o que tem dentro. O que esse
"tudo"que a Folha faz para levar a informao at ele? No interior da
pea publicitria, o texto esclarece: "Bom, quase tudo: o cachorro
por sua conta". E ento o texto se desenvolve, repleto de verbos na
segunda pessoa e imperativos, alm de advrbios de modo que requerem
uma ao imediata. Tudo para atingir o objetivo de fazer o leitor
ligar imediatamente e assinar o jornal. Com um olhar pidonho,
apelativo deste, quem resiste? Outras propagandas agora com o
segmento bancrio, para apre- sentar as similaridades entre as
campanhas so apresentadas nas pgi- nas seguintes.
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37. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 37 Fig. 6
smbolos do poder O cheque especial Banespa para quem um sucesso:
sempre faz bonito, bem aceito nos melhores estabelecimentos, uma
marca de quem venceu. A propaganda usa 5 vezes o pronome voc, os
verbos referentes pessoa do receptor predominam, o discurso este se
voc quer fazer bonito, tem de ter um cheque especial Banespa. Por
trs, o discurso legitima os ideais burgueses, os padres de sucesso
da classe dominadora preciso ter smbolos de status e o cheque
especial o nome j diz um smbolo desse status. Quem no tem, inferior
aos olhos das camadas sociais que lutam para conquistar os smbolos
de poder. www.labcom.ubi.pt
38. 38 Rita de Cssia Marques Lima de Castro Esse slogan contm a
essncia da funo conativa. Ele direto, totalmente apelativo,
incisivo em seu objetivo de fazer o leitor cumprir com o objetivo
da propaganda: faz-lo abrir uma conta na agncia que possui tudo. S
falta voc. E como o nome do Banco tem quatro letras, e o pronome
VOC tambm, a imagem complementa a mensagem. O Banco Ita vira Banco
Voc. No importa a sua classe, o Banco Voc. O mesmo discurso de
padres esperados est presente aqui. In- vista no seu futuro, para
ter dias tranqilos. Invista no Ita, para realizar seus planos de
classe mdia. Fig. 7 Agora s falta voc www.labcom.ubi.pt
39. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 39 Fig. 8
Marcar presena pela emoo O Bradesco arma que sua campanha "O
importante na vida ter com quem contar"busca "sintetizar a forte
presena da Organizao Bradesco no cotidiano dos brasileiros. ... Em
resumo, no cenrio - nanceiro, ter com quem contar poder ter ao lado
uma instituio www.labcom.ubi.pt
40. 40 Rita de Cssia Marques Lima de Castro pronta a oferecer
os mais completos produtos e servios, apoiados por avanada
tecnologia e eciente estrutura de atendimento. Aos olhos dos
clientes, pessoas fsicas ou jurdicas, uma denio que, cada vez mais,
se aplica ao maior Banco privado da Amrica Latina".23 E apresenta a
seguinte defesa da campanha24 , com grifos meus: "Com linguagem que
valoriza a emoo e recursos inovadores, campanhas publicitrias
reforam a Marca Bradesco e o relaciona- mento com os clientes.
Desde agosto, uma intensa ofensiva publicitria est reforando a
Marca Bradesco e o diversicado leque de solues nanceiras que o
Banco oferece aos clientes. Alm de ampla abrangncia - a cobertura
se estende a todo o Pas, utilizando todos os meios de comunicao -,
a ao, que inclui diversas campanhas institucionais e de produtos,
se diferencia por uma abordagem absolutamente inovadora. O tom im-
pessoal e meramente informativo da publicidade do mundo nanceiro d
lugar a uma linguagem envolvente e a um tratamento que valoriza a
emoo e o lado afetivo para chegar aos clientes e ao mercado. essa
linha que orienta, por exemplo, a srie institucional Di- logos,
composta por trs comerciais exibidos no horrio nobre e por anncios
para mdia impressa. Criados pela agncia Neogama, os lmes abordam
momentos de "olho no olho"e variadas situaes do dia-a-dia dos
clientes para apresentar o conceito O importante na vida ter com
quem contar. Conana e compromisso foram os valores ex- plorados
pela equipe de criao, assim como a nfase emoo. Os personagens
aparecem a maior parte do tempo em close, para produzir um clima de
proximidade e identicao com o pblico. Dois deles mostram a conversa
entre um casal de noivos e de pai com sua lha. Mais que uma
demonstrao de carinho, as falas acen- tuam os fortes laos que unem
as pessoas. Um terceiro lme, com uma cliente pedindo orientao a seu
gerente, lembra que o Bradesco dis- pe da mais avanada tecnologia
para apresentar solues para as mais diferentes necessidades de seus
clientes. A idia lembrar que o 23 REVISTA BRADESCO. So Paulo, n. 4,
p.4, Edio trimestral, out/ dez - 2001 Sumrio. 24 REVISTA BRADESCO.
So Paulo, n. 4, p.8-11, Edio trimestral, out/ dez 2001.
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41. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 41 Bradesco
est sempre ao lado de quem precisa, a qualquer momento, explica Jos
Carlos Perri, Diretor de Marketing. A campanha avana no
reposicionamento da Marca Bradesco, ini- ciada no ano passado com o
novo slogan Colocando voc sempre frente, em complementao a Bradesco
sempre frente, e na utiliza- o de uma comunicao mais humana e
acessvel, que destaca e po- tencializa a fora da marca do Banco.
Todos j sabem que o Bradesco o primeiro, sempre adiante da
concorrncia. Agora, hora de relem- brar tudo o que ele oferece,
tudo o que representa para os clientes, diz Alexandre Gama, diretor
de criao da campanha e presidente da agncia. Com excelente
receptividade desde os primeiros dias de vei- culao, conforme
atestam centenas de cartas e e-mails recebidos pelo Banco, Dilogos
foi considerada a melhor publicidade no setor nan- ceiro segundo a
pesquisa DataFolha/Meio e Mensagem de setembro. A esses esforos vm
somar-se, ainda, outras campanhas progra- madas para at o nal do
ano. Sempre e cada vez mais, a Marca Bradesco vai estar perto das
pessoas. As palavras sublinhadas com um trao mostram caractersticas
po- sitivas, que visam reforar os benefcios que o Banco oferece a
seus clientes (ver como a palavra solues usada para criar um efeito
de conana, segurana, ecincia se voc tem problemas, o Bradesco a
soluo). Os termos destacados tambm trazem elementos tpicos do
discurso conativo o uso da pessoa do receptor, os destaques para o
papel do Bradesco trazendo bem-estar para essa pessoa. Uso do
repertrio do receptor e reproduo de situaes de aconchego e tran-
qilidade, que devem ser segundo a publicidade comuns no dia-a- dia
do receptor. Quem esse receptor? A campanha mostra pessoas bonitas,
jovens, bem vestidas, brancas. Casas arrumadas, edredons modernos,
cachorros de raa. A pergunta : este o tpico cliente Bradesco?
Certamente, no. Mas, uma vez mais, o discurso que est por trs o
discurso da ideologia da classe mdia ter um padro de vida bom,
viver em um lugar bonito, arejado, limpo e arrumado.
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42. 42 Rita de Cssia Marques Lima de Castro Fig. 9 signos e
smbolos Qual a personalidade que emerge desse discurso? Quais so as
vozes que falam nessas propagandas? O sonhador, que almeja ter um
padro de vida de classe mdia; o executivo que quer vender seus
servi- os "diferenciados"para a massa, o acionista que quer seu
produto va- lorizado, a ideologia capitalista que v nos bens os
smbolos do sucesso. www.labcom.ubi.pt
43. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 43 Notebook,
carro esporte, investimentos, recursos, Internet, faculdade - o
sonho da classe mdia expresso nesses sujeitos que esto nas
entrelinhas do discurso. Fig. 10 - Os sonhos da classe mdia no
discurso do Bradesco www.labcom.ubi.pt
44. 44 Rita de Cssia Marques Lima de Castro Fig. 11 - Os sonhos
da classe mdia no discurso do Bradesco Saindo da publicidade, segue
um exemplo que envolve elementos das funes emotiva e conativa. O
senador Jos Paulo Bisol (PSB-RS) proferiu um discurso quando o
projeto sobre a implantao de um Fundo Brasil de Cidadania, do
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45. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 45 senador
Suplicy estava em votao (1992). Em um discurso emociona- do, o
senador apresentou sua posio: "... um escritor de lngua es- panhola
... descreve um trem muito rpido e estranho que, apesar de ser
veloz, cada vez que se aproxima de uma estao reduz profunda- mente
a velocidade, mas no pra. E descreve um cidado de capa e chapu que
est interessado em apanhar esse trem. O trem chega ao seu momento
de menor velocidade e ele no d o salto. Quando o trem comea a
aumentar a velocidade, segura o chapu e a capa, pensa em saltar mas
no o faz; o trem aumenta mais de velocidade e ele tambm no salta.
At que h um momento em que no pode mais saltar; perdeu o trem. Esse
trem ... o trem da Histria. O trem da Histria no pra nas estaes. Se
quisermos subir no trem da Histria, precisamos ter a inteligncia
viva para recolher o momento em que ele chega menor velocidade e,
ento, de capa e chapu e o que mais for, saltar, pois saltando,
estaremos na Histria. H cinco anos estou no Senado e esta a
primeira vez que o trem da Histria est passando perto de mim ...
qualquer que seja o ponto de vista, esse o mais belo, o mais in-
teligente, o mais humano, o mais moderno, o mais comovente e o mais
srio de todos os projetos que j passaram por mim nestes cinco anos.
E vamos deixar o trem da Histria passar?25 Ao usar a primeira
pessoa do plural, o senador traz o ouvinte ao, exigindo de cada um
a tomada da posio favorvel ao projeto. A per- gunta "vamos deixar o
trem da histria passar?"traz, nas entrelinhas, o apelo: voc tem de
agir, voc tem de saltar antes que o trem da histria passe e voc
que. Os adjetivos (belo, inteligente, humano, moderno, comovente,
s- rio) reforam a imagem positiva que Jos Paulo Bisol tem do
projeto e servem para incentivar o ouvinte a engajar-se em to nobre
proposta. Alm de revelar o estado emocional do autor, seu
entusiasmo com re- lao ao projeto, a funo emotiva associa-se
conativa para reforar o objetivo do discurso: cumprir seu papel de
invocar, estimular a ao dos outros para a aprovao do Fundo Brasil
de Cidadania. 25 SUPLICY, Eduardo Matarazzo. Programa de Garantia
de Renda Mnima, 1992, p. 108-109. www.labcom.ubi.pt
46. 46 Rita de Cssia Marques Lima de Castro 1.2.2.4. Funo
potica ou esttica a relao da mensagem consigo mesma; a funo esttica
por ex- celncia. A funo potica indaga Como? e seu alvo a mensagem.
O fator predominante a mensagem apresenta uma forma peculiar de
mostrar-se. O poeta escolhe os elementos que vai usar para compor o
sintagma. Esses atos de selecionar e combinar os signos
correspondem ao paradigma e ao sintagma, metfora e metonmia,
condensao e ao deslocamento. Na funo potica a mensagem, ao
voltar-se para si, torna-se multis- signicativa e surgem,
conseqentemente, sentidos originais - h uma ruptura das
espectativas e o surgimento de novas e diferentes respostas da
lngua, a qual atrai, ento, a ateno para si mesma.26 Com esta funo,
Jakobson evidencia o lado palpvel dos sig- nos.27 A funo potica
aprofunda a dicotomia que h entre signos e objetos, lembrando que a
linguagem linguagem; no a verdade ma- terial das coisas.
Utilizando, de Saussure, os modos de arranjo do pro- cesso verbal,
Jakobson comenta que a funo potica "projeta o princ- pio de
equivalncia do eixo de seleo sobre o eixo de combinao"28 e, com
isso, como todo elemento da seqncia uma comparao, ocorre a
polissemia e a ambigidade. A mensagem passa a ter um duplo sen-
tido e apresenta, em si, os problemas do discurso no interior do
discurso. Segue um exemplo da funo potica: 26 LOPES, Edward.
Fundamentos da Lingstica Contempornea, 2001, p. 68. 27 DUBOIS, Jean
et all. Dicionrio de Lingstica, 1978, p. 409. 28 DUBOIS, Jean et
all. Dicionrio de Lingstica, 1978, p. 410. www.labcom.ubi.pt
47. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 47
www.labcom.ubi.pt
48. 48 Rita de Cssia Marques Lima de Castro Miguel de
Cervantes29 Este pequeno trecho, extrado da obra-prima de
Cervantes, mostra um pouco do poder da linguagem: o ritmo, a
combinao das palavras, a estruturao das frases, tudo o que vai
envolvendo o leitor em um crescente interesse. A na ironia,
presente nos adjetivos que descrevem o heri (seco de carnes em um
perodo em que a gordura era admirada e desejada proprietrio de um
cavalo fraco, s pele e osso, um homem que de tanto ler secou-se lhe
o crebro), abraa, penetra no leitor a tal ponto que como se a
narrao no fosse de um outro, mas do prprio leitor. Parece que ele o
leitor o autor, nessa cadncia que estimula o pensamento a continuar
a frase. brilhante a descrio da escolha do nome do animal e do
prprio nome do cavaleiro. Cheia de intertextualidade, a descrio
remete a Plauto, ao Duque de Ferrara, de heris das novelas
medievais, como Amadis de Gaula e El Cid. Aqui, encontra-se a funo
potica, onde a mensagem tem mais de um sentido, tem mais de uma
histria, tem mais de um narrador. Muitas vozes aparecem nesse
trecho: o autor crtico dos romances de cavalaria, o sonhador, o
leitor vido por romances me- dievais enfrentando a mudana para
outro tipo de novela, todos atrados pela mensagem, pela sua
composio e ritmo. 29 SAAVEDRA, Miguel de Cervantes. Dom Quixote de
La Mancha, (s.d.). www.labcom.ubi.pt
49. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 49 1.2.2.5.
Funo ftica Tem por nalidade o armar, o manter ou o cortar a
comunicao. Ela importante quando o contedo da comunicao tem menos
importncia que o fato de estar ali e armar a sua adeso ao grupo. A
funo ftica tautolgica (diz que o que , ) A pergunta da funo ftica
Onde? Seu objeto o canal; a nfase no contato, no suporte fsico. Ela
no tem o objetivo primeiro de infor- mar signicados. Na verdade,
ela serve para testar o canal, prolongar, interromper ou rearmar a
comunicao. Para Lopes30 , a mensagem ftica a menos coercitiva das
condutas verbais conativas ela exige do destinatrio apenas uma
participao na mesma situao social em que est o destinador; seu
sentido predominante criar solidariedade. Caractersticas: repeties
ritualizadas; cacoetes de comunicao (mesmo gestuais); frmulas
vazias; convenes sociais; rudos; balbu- cios etc. Exemplos: n, t,
certo?, entende?, tipo assim, como vai, muito prazer, al. A
propaganda a seguir, extrada de uma revista Veja de 1988, usa, com
humor, a funo ftica seguida da conativa. Fig.12 comunicao e poder
30 LOPES, Edward. Fundamentos da Lingstica Contempornea, 2001, p.
63. www.labcom.ubi.pt
50. 50 Rita de Cssia Marques Lima de Castro 1.2.2.6. Funo
metalingstica Procura denir o sentido dos signos que no podem ser
compreendidos pelo receptor. Interessa a escolha do veculo.
Pergunta: com o qu? o importante o cdigo. Cdigo: um sistema de
smbolos com signicao xada, conven- cional, para representar e
transmitir a organizao de seus sinais na mensagem, circulando pelo
canal entre a emisso e a recepo. A men- sagem metalingstica implica
que a seleo no cdigo combine ele- mentos que retornem ao prprio
cdigo. Exemplo: moda (o paradigma so as peas de roupa sapato,
blusa, cala etc.) e o sintagma a reu- nio das peas escolhidas
(blusa x com cala y). Jakobson31 aponta dois nveis de linguagem,
observando que a l- gica simblica faz uma distino entre
linguagem-objeto (que fala de objetos estranhos linguagem) e
metalinguagem (que fala da linguagem como tal). Podemos falar em
portugus (como metalinguagem) a res- peito do portugus, da lngua
portuguesa (como linguagem-objeto, te- ma) e interpretar as
palavras e as frases do portugus por meio de sinn- imos e
parfrases. Em outras palavras, toda mensagem metalingstica possui
um plano de expresso que lhe prprio e um plano de contedo, que
explicita o que o outro plano diz implicitamente e pode ser substi-
tudo ou comutado, com relao ao plano de contedo da lngua-objeto. A
interpretao de um signo por meio de outros signos da mesma lngua
uma operao metalingstica que desempenha um papel essen- cial na
aprendizagem da linguagem pela criana. Ex.: solteiro = homem no
casado. So funes metalingsticas: dicionrio, tradues, crtica
literria. Alguns exemplos: 31 Jakobson, Roman. Apud: CHALHUB,
Samira. Funes da Linguagem, 1999, p.52. www.labcom.ubi.pt
51. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 51 Fig.13 -
Para entender o texto32 32 DICIONRIO de Tecnologia Wireless. HSM
Management, So Paulo, ano 5, n. 30, p. 154-158, Jan/Fev 2002.
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52. 52 Rita de Cssia Marques Lima de Castro Fig. 14 Palavra e
forma se combinam para facilitar a compreenso33 33 GRECO, Maurcio.
Nmero primo comigo! Info exame, So Paulo, ano 17, n.190, p. 28,
Jan.2002. www.labcom.ubi.pt
53. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 53
Quadro-resumo - Funes da Linguagem Funo Referente nfase Referencial
/ Denotativa mensagem Objeto referente Emotiva / Expressiva
mensagem Emissor emissor Conativa / Injuntiva mensagem Receptor
receptor / destinatrio Potica / Esttica mensagem mensagem mensagem
Ftica mensagem comunicao canal Metalingstica mensagem cdigo cdigo
Para encerrar este tpico sobre as funes da linguagem, selecionei o
exemplo a seguir, que mostra vrias funes da linguagem em ope- rao:
a funo referencial da linguagem aparece na descrio do con- tedo; a
funo ftica, a expressiva e a conativa em todo o apelo que cir-
cunda a propaganda do produto, os efeitos das cores, as chamadas
para comprar. Vale destacar, tambm, o fato de que a propaganda
trabalha o dis- curso com a imagem combinada s palavras, enquanto o
texto o faz somente com os signos verbais. No exemplo da propaganda
de um ce- real matinal da Nestl, apresentada na pgina seguinte, o
consumidor- receptor compra: em uma primeira instncia, a idia de
uma vida com sade e de um fsico bem disposto; em uma segunda
instncia, o discurso do consumo para ter felici- dade e sucesso.
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54. 54 Rita de Cssia Marques Lima de Castro Fig. 15 A persuaso
do discurso www.labcom.ubi.pt
55. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 55 1.3 Os
modos de dizer de um texto Outros autores estudaram as funes da
linguagem. Dentre eles, foram selecionados os que fazem referncia a
tpicos que sejam diretamente relacionados ao carter de manipulao ou
persuaso do semelhante a fazer ou crer em algo. Desse modo, alm de
Jakobson, vale a pena citar as funes ou modos de dizer de um texto
apontadas por M. J. Pinto. Os modos de dizer de um texto34 Modo de
mostrar uso referencial da linguagem e de outras semiticas, pelo
qual so cria- dos os universos de discurso. Modo de interagir uso
da linguagem e de outras semiticas pelo qual so construdas as
identidades e as relaes sociais assumidas pelos participantes no
pro- cesso de comunicao. Modo de seduzir uso da linguagem e de
outras semiticas na busca de consenso, pelo qual so distribudos os
afetos positivos e negativos associados ao universo de discurso. A
comunicao usa a linguagem verbal, imagens ou outros sistemas
semiticos com trs funes, que agem de maneira integrada: Fig. 16 Os
modos de dizer para convencer 34 Extrado de PINTO, Milton Jos.
Comunicao e Discurso Introduo Anlise de Discursos, 1999.
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56. 56 Rita de Cssia Marques Lima de Castro Funes Realizao no
texto verbal A funo de mostrao designa e descreve as coisas ou
pessoas de que se fala, estabele- cendo relaes entre elas e
localizando-as no tempo e no espao, levando em considerao o
universo que o receptor supostamente co- nhece. pelas escolhas do
lxico e pelo emprego de operadores referenciais ou sintagmas no-
minais (artigos, pronomes e quanticadores) operadores de tempo e de
aspecto ou sin- tagmas verbais A funo de interao interpela e
estabelece relaes de poder com o receptor, procu- rando lev-lo a
uma ao sobre ele ou sobre o mundo. por operadores de modalizao
(escolha de determinadas formas e estruturas grama- ticais) pela
escolha de substantivos, verbos, ad- jetivos e advrbios com valor
modal ou de verbos com valor performativo A funo de seduo busca
marcar as pes- soas, coisas e acontecimentos com valores positivos
(eufricos) e negativos (disfricos). por operaes de modalizao
expressiva, marcada pela escolha do lxico (substan- tivos,
adjetivos, verbos e advrbios passam a ter funo avaliativa ou
afetiva). Veja-se, por exemplo, a campanha publicitria Bradesco,
apresentada anteriormente. Uma vez apresentados os conceitos e
funes da linguagem, o ca- minho deste trabalho para chegar ao
discurso passa por um importante componente, quando o assunto o
poder: a comunicao. Assim, para concluir a primeira parte do tronco
da rvore da linguagem, o tpico a seguir apresentar algumas denies
sobre comunicao, bem como um exemplo que procurar demonstrar o
exerccio do poder e como ocorre a manipulao na comunicao. 1.4 A
Comunicao Este tpico estar baseado em dois autores: S.W.
Littlejohn, por sua contribuio sobre conceitos de comunicao e
Vencio A. de Lima, professor e pesquisador que procura revelar a
ideologia que est por trs de um tipo especial de comunicao: a
comunicao de massa. Conceituar comunicao no simples, pois envolve a
complexi- dade do processo e a polissemia que inerente a essa
palavra. V. A. de Lima35 remonta origem da palavra para tecer
consideraes sobre sua ambigidade. Comunicao, do latim
communicatione, signica "a ao de tornar comum". J a raiz o adjetivo
communis, com o sen- 35 LIMA, Vencio A. de. Mdia: Teoria e Poltica,
2001. www.labcom.ubi.pt
57. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 57 tido de
"pertencente a todos ou a muitos". Do verbo comunicare vem a denio
de "fazer saber". Ora, a comunicao traz, ento, duas concepes:
transmitir (pro- cesso que tem uma nica direo) e compartilhar
(processo que envolve mais de uma direo). A essa distino,V. A. de
Lima adiciona adje- tivos: de um lado, a transmisso chamada de
comunicao manipu- latria, de outro, o compartilhar denominado
comunicao participa- tiva. Ainda falando em conceituao, da obra de
Littlejohn36 foram ex- tradas duas tabelas que exemplicam as vrias
nuanas que o termo pode obter e alguns pontos de destaque das
teorias apoiadas nos con- ceitos sobre o assunto. A primeira tabela
aponta os vrios conceitos e generalizaes que Littlejohn pesquisou,
extraindo os pontos-chave das teorias apresentadas no livro
Fundamentos Tericos da Comuni- cao Humana; a segunda mostra os
componentes conceituais sobre comunicao, levantados por Frank Dance
em The concept of commu- nication. Em cada uma, esto sublinhadas as
idias mais diretamente relacionadas a este trabalho. 36 LITTLEJOHN,
Stephen W. Fundamentos Tericos da Comunicao Humana, 1988.
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58. 58 Rita de Cssia Marques Lima de Castro 1.4.1 Conceitos e
Generalizaes sobre Comunicao, segundo Li- ttlejohn37 rea
Conceito-chave Generalizaes Orientaes Gerais Processo 1. A
comunicao um processo complexo (in- clui variveis a serem
analisadas de forma holstica, envolve feedback e pode ser analisada
hierarquica- mente). Interao simblica 2. O processo de comunicao
primordialmente um processo de interao simblica (a linguagem o
mecanismo primordial; os comportamentos so cons- trudos,
interpretados pela pessoa e inuenciados pela denio da situao pelo
indivduo). Processos B- sicos Codicao 3. A interao simblica um
processo de emisso e recepo de mensagens codicadas (os signos, us-
ados para instigar e formular o comportamento, rep- resentam
objetos, eventos e condies que no eles prprios; os signos so
relacionados a outros signos). Signicado 4. Um sinal (signo) um
estmulo que tem signi- cado para as pessoas (a imagem o nexo de
signi- cado e pensamento; os signicados resultam da rep- resentao
de um referente suscitada no indivduo por um signo; os signicados
resultam do uso de signos e ocorrem na experincia da pessoa em
resultados desses signos). Processos de Pensa- mento 5. As
mensagens so sinais (signos) e grupos de sinais (signos) formados
por meio dos processos de pensa- mento humano (o pensamento envolve
o comporta- mento conceitual, uma lgica de relaes, planeja- mento e
resoluo de problemas). Informao 4. As mensagens fornecem informao
(a informao surge no processo de realizao de escolhas; ela busca
reduzir a incerteza e acaba por alterar o estado do or- ganismo).
Persuaso e mudana 6. A comunicao resulta em mudana (persuadir sig-
nica induzir mudanas por meio da comunicao; essas mudanas podem ser
de atitudes, valores e com- portamentos; a direo e a extenso da
mudana funo de mediadores internos na pessoa e esta pode resistir,
de modo sistemtico, mudana) 37 Extrada de LITTLEJOHN, Stephen W.
Fundamentos Tericos da Comunicao Humana, 1988, p. 38.
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59. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 59 Contextos
de Comunicao Interpessoal 8. A comunicao interpessoal ocorre no
contexto da interao face-a-face (a comunicao interpessoal um
processo de estabelecimento e manuteno de re- laes, cuja meta
primordial aumentar o entendi- mento entre os comunicadores; a
compreenso en- volve o complexo processo de percepo social).
Pequeno Grupo 9. A comunicao realiza-se no contexto do pequeno
grupo (grupos surgem da necessidade da pessoa de aumentar os
recursos, visando a objetivos pessoais; o grupo um sistema social
que tem grande im- pacto na vida do indivduo; a interao em grupos
en- volve a comunicao na tarefa e a comunicao scio- emocional; o
processo de interao muda no decorrer do tempo). Organizacional 10.
A comunicao realiza-se no contexto da orga- nizao (essa comunicao
altamente afetada pelas necessidades e pelos motivos dos membros; a
comu- nicao organizacional parte essencial da tomada de deciso da
instituio). Massa 11. A comunicao realiza-se no contexto de massa
(a comunicao de massa envolve muitos pblicos, com distintos padres
de resposta; ela abrange um com- plexo processo de interao simblica
e relaciona-se em alto grau com outras formas sociais signicativas;
as formas de mdia - independentemente de seu con- tedo - afetam a
sociedade). 1.4.2 Quadro-resumo - Componentes Conceituais sobre
Comuni- cao38 Componente conceitual Exemplo 1. Smbolos/
Verbais/Fala "Comunicao o intercmbio verbal do pensamento ou
idia."(John B. Hoben, 1954) 2. Compreenso "Comunicao o processo
pelo qual compreendemos os ou -tros e, em contrapartida,
esforamo-nos por compreend-los. um processo dinmico, mudando e
variando constantemente em resposta situao total."(Martin P.
Anderson, 1959) 3. Interao/ Relaciona- mento/ Processo Social "A
interao, mesmo em nvel biolgico, uma espcie de comunicao; caso
contrrio, atos comuns no poderiam ocor- rer."(G.H.Mead, reedio,
1963) 38 Extrada de LITTLEJOHN, Stephen W. Fundamentos Tericos da
Comunicao Humana, 1988, p. 37. www.labcom.ubi.pt
60. 60 Rita de Cssia Marques Lima de Castro 4. Reduo da
incerteza "A comunicao decorre da necessidade de reduzir a
incerteza, de atuar ecientemente, de defender ou fortalecer o
ego."(Dean C. Barnlund, 1964) 5. Processo "Comunicao: a transmisso
de informao, idia, emoo, habilidades etc. pelo uso de smbolos -
palavras, imagens, nmeros, grcos etc. o ato ou processo de
transmisso que usualmente se designa como comunicao."(Berelson e
Steiner, 1964) 6. Transferncia / Trans- misso / Intercmbio "(...) o
o condutor parece ser a idia de algo que est sendo transferido de
uma coisa ou pessoa para outra. Usamos a palavra comunicao ora em
referncia ao que assim trans- ferido, ora aos meios pelos quais pe
transferido, ora ao pro- cesso como um todo. Em muitos casos, o que
assim trans- ferido continua sendo compartilhado; se eu transmito
infor- mao a outra pessoa, ela no deixa de estar em minha posse
pelo fato de passar a estar tambm na posse dela. Assim sendo, a
palavra comunicao adquire tambm o sentido de partici-
pao."(A.J.Ayer, 1955) 7. Ligao/ Veiculao "A comunicao o processo
que liga entre si partes descon- tnuas do mundo vivo."(Ruesch,
1957) 8. Participao comum "(Comunicao) um processo que torna comum
para dois ou muitos o que era monoplio de um ou poucos."(Alex Code,
1959) 9. Canal / Transmissor / Meio/ Via "Os meios de emisso de
mensagens militares, ordens etc. por telefone, telgrafo, rdio,
mensageiros ou estafetas."(American College Dictionary) 10.
Reproduo de lem- branas "Comunicao o processo de conduzir a ateno
de outra pes- soa, com a nalidade de produzir lembranas."(Cartier e
Har- wood, 1953) 11. Resposta Discrim- inativa / Modicao do
Comportamento / Resposta "Comunicao a resposta discriminatria de um
organismo a um estmulo."(S.S. Stevens, 1950) 12. Estmulos "Todo e
qualquer ato de comunicao visto como uma trans- misso de informao,
consistindo em estmulos discrimina- tivos de uma fonte para um
receptor."(Theodore Newcomb, reedio, 1966) 13. Intencional "Em sua
essncia, a comunicao tem como seu interesse central aquelas situaes
comportamentais em que uma fonte transmite uma mensagem a um
receptor (ou receptores), com o propsito consciente de afetar o
comportamento deste ltimo (ou destes ltimos)."(Gerald Miller, 1966)
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61. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 61 14. Tempo /
Situao "O processo de comunicao o de transio de uma situao
estruturada como um todo para outra, num padro preferido. "(Bess
Sondel, 1956) 15. Poder "(...) comunicao o mecanismo pelo qual o
poder exer- cido."(S. Schacter, 1951) Destes quadros, extraio
algumas palavras e frases que sero pontos- chave para a anlise do
discurso. Transferncia ou transmisso de algo para outro, em um
complexo processo de interao simblica; tornar comum o que era
monoplio de alguns; transmisso com o propsito de afetar o
comportamento de algum, individualmente ou em grupo. E, por m, a
denio de Schacter, que mostra como a comunicao um instrumento para
o exerccio do poder. Tomo, como primeira denio de comunicao para
este trabalho, a combinao dessas idias apresentadas no pargrafo
anterior. Ve- jamos, ento, a comunicao como um complexo instrumento
de trans- misso e interao de idias e smbolos que buscam afetar o
comporta- mento do outro, para que o poder seja exercido. Esse
exerccio do poder pode ser bem exemplicado quanto o objeto de
estudo a chamada comunicao de massa, isto , aquela surgida da
combinao de tecnologias especcas com instituies criadas com o m de
informar. Lima realizou um estudo aprofundado sobre comu- nicao de
massa e organizou um quadro de modelos tericos sobre comunicaes.
Visto que esta dissertao tem por tema falar sobre O poder da
comunicao e a intertextualidade, considerei esse resumo como uma
boa base para solidicar conceitos que sero abordados adi- ante, na
anlise do discurso. Do quadro original, extra os itens que
interessavam ao trabalho. Os grifos so meus. www.labcom.ubi.pt
62. 62 Rita de Cssia Marques Lima de Castro 1.4.3 Modelos
Tericos para o Estudo de Comunicaes39 Vencio A. de Lima, 2001 39
Extrada, com adaptaes, de LIMA, Vencio A. de. Mdia: Teoria e
Poltica, 2001, p. 38-39. www.labcom.ubi.pt
63. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 63 Vencio A.
de Lima, 2001 V-se, mais uma vez, algumas palavras-chave para falar
em poder da comunicao, a comear pelos prprios enquadramentos das
deni- es. Comunicao pode ser: manipulao, persuaso, transmisso de
informao, uma mercadoria, a cultura e a transformao da realidade, o
dilogo. Se h algo que, implicitamente, est presente em quase to-
das essas denies, o fato de que a comunicao de massa insua
comportamentos. Antes de partir para alguns exemplos, apresento uma
importante ressalva. O assunto comunicao de massa to extenso que
poderia ser ob- jeto de vrias dissertaes. Especicamente com relao a
este trabalho, www.labcom.ubi.pt
64. 64 Rita de Cssia Marques Lima de Castro o intuito limitar
os comentrios e anlises sobre mass media no foco poder. No podemos
esquecer que a mdia exerce um "poder de longo prazo na construo da
realidade, por meio da representao que faz dos diferentes aspectos
da vida humana."40 No Brasil, esse poder tem um poderoso
representante, conhecido por Organizaes Globo. Fruto de uma histria
que combina estreitas relaes com o go- verno e a poltica de
concesso de canais no Brasil, a Rede Globo um exemplo do poder que
a mdia exerce sobre a opinio pblica. A Globo consolidou-se como
quase monoplio na poca em que imper- ava no Pas o regime autoritrio
em seu grau mximo (nal de 1960). Como lembra V.A. de Lima, no se
pode negar seu papel de agente inte- grador de um mercado grande e
espalhado como o brasileiro, mas deve- se recordar que, alm dessa
atuao econmica, a Globo exerceu uma inuncia poltica indispensvel ao
autoritarismo, ao legitimar, com seu discurso nacional de otimismo,
os patamares que sustentavam o go- verno militar. Nas palavras de
um alto funcionrio da rede Globo, pode-se identi- car, nos
destaques, esse alto poder da comunicao: "Deu-se um belo casamento
da Globo com a imagem de Brasil Grande. A Globo pas- sou a ser
representante dos ideais e sonhos do milagre, do ufanismo
desenvolvimentista, do glamour, acima inclusive das prprias crises
e dos prprios altos e baixos do sistema nesses 15 anos. A Globo
virou o baluarte da classe mdia, pairando acima da realidade e
vendendo ao espectador um Brasil bonito, bem-sucedido, um Brasil de
milagre. Foi anidade, no foi um plano maquiavlico de ningum. A
Globo , sem dvida alguma, o produto mais bem acabado e mais
bem-sucedido da ditadura. A Globo concretizou uma abstrao: Ordem e
Progresso".41 Aqui encontram-se os fundamentos apresentados nos
quadros ante- riores. A informao uma mercadoria, da qual
destacam-se atributos conforme a convenincia. A Globo foi um
produto o melhor produto de comunicao criado, que cresceu tanto a
ponto de enfrentar seu cri- ador o governo, no tpico exemplo do lho
que sobrepuja o pai. Como um baluarte da classe mdia, trouxe em
suas mensagens a ideologia de sucesso e crescimento que alimentava
a populao. 40 LIMA, Vencio A. de. Mdia: Teoria e Poltica, 2001,
p.113. 41 CARVALHO, E. et alii (1980). Anos 70/Televiso, p. 99-100.
Apud: LIMA, Vencio A. de. Mdia: Teoria e Poltica, 2001, p. 163.
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65. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 65 V. A. de
Lima cita trs exemplos da forma como a Globo exerce seu poder por
meio da distoro, omisso ou promoo de informao. So eles: a divulgao
da apurao das eleies de 1982 para o governo do Rio de Janeiro, a
"no cobertura"das greves de Paulnia e do ABC em 1983 e a campanha
Diretas-J, em 1984. Um breve histrico de cada um ser apresentado
adiante. Em 1982, Leonel Brizola foi candidato ao cargo de
governador do Rio de Janeiro. Sua candidatura no agradava ao regime
autoritrio nem Rede Globo. Montou-se um esquema que iniciou a
apurao pelo in- terior, reduto do governo, para criar a iluso de
derrota de Brizola. Em paralelo, a empresa que faria as apuraes
havia desenvolvido um pro- grama capaz de subtrair votos de Brizola
e adicionar votos para Moreira Franco, candidato do governo. A
Globo divulgava apenas os resulta- dos da apurao ocial, para dar
credibilidade aos falsos resultados que iam sendo fabricados. Porm,
outros veculos de comunicao, com interesses diversos dos da Globo,
apresentavam resultados parciais to- talmente diferentes dos
globais. O partido de Brizola tambm fez uma apurao paralela e a
fraude foi descoberta, sendo noticiada por vrios veculos de
comunicao de massa. J nas greves ocorridas em 1983, a Globo optou
por, simplesmente, primeiro omitir a informao de seus noticirios,
enquanto outras re- des davam ampla cobertura ao assunto. preciso
entender que a greve de Paulnia foi a primeira, na histria do
Brasil, envolvendo um setor considerado de segurana nacional e
representou, portanto, um desao para o regime autoritrio. Quando o
governo decidiu fechar as portas da Rdio Bandeirantes de So Paulo,
a Globo decidiu mostrar a greve, mas de acordo com os padres
globais de conduta. Ou seja, destacando as crticas greve e
minimizando a ao dos grevistas. Por m, a campanha das Diretas J,
que foi vista como uma ameaa permanncia no poder dos grupos que
dominavam o cenrio poltico desde 1964. De incio, a Rede Globo no
fez qualquer meno aos comcios que aconteciam. O de Curitiba, por
exemplo, mobilizou 50 mil pessoas, sendo considerado, at ento, o
maior evento poltico na- quela Capital. O Jornal Nacional sequer
citou o fato. Quando as mobi- lizaes cresceram, a Globo tratou de
mostrar alguns ashs, mas sempre com um discurso que queria mostrar
o perifrico eventos de come- morao pelo aniversrio da cidade,
imagens que reduziam, proposi- www.labcom.ubi.pt
66. 66 Rita de Cssia Marques Lima de Castro tadamente, a
magnitude do evento. Foi to agrante essa manipulao da informao que
o povo criou um slogan: "O povo no bobo, abaixo a Rede Globo". Duas
semanas antes da votao no congresso da Emenda Dante de Oliveira, a
Globo decidiu cobrir uma grande manifestao que acontecia no Rio de
Janeiro. Isso foi um golpe no regime autoritrio, que lutava contra
o retorno das eleies diretas. O discurso de Roberto Marinho (dono
das Organizaes Globo) foi o de que, no comeo, a Globo de- cidiu dar
cobertura local, mas quando sentiu que o povo queria eleies
diretas, cedeu presso democrtica. A Emenda no foi aprovada, e a
oposio dividiu-se entre os que continuaram lutando por eleies dire-
tas e os que buscaram uma soluo, apoiando a candidatura de Tancredo
Neves. Um fato pitoresco: a Globo tambm decidiu apoiar Tancredo e
este, aps eleito, teve um almoo com Roberto Marinho e Antonio Car-
los Magalhes. Dias depois, o presidente anunciou seus mais prximos
apoiadores: o Ministro das Comunicaes, Antonio Carlos Magalhes, e o
secretrio de imprensa, Antnio Britto, um importante jornalista
poltico da Globo. Com esses trs exemplos sobre o poder da
comunicao, o trabalho pode partir para uma abordagem mais profunda
de como acontece essa inuncia da comunicao no comportamento humano,
analisando-se em detalhes o signo, para entrar, depois, na avaliao
do discurso. E para chegar a Saussure, preciso apresentar um breve
histrico da evo- luo dos estudos sobre lingstica e
semitica/semiologia. Esses sero os assuntos dos tpicos seguintes.
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67. "O poder da comunicao e a intertextualidade" 67 2 O SIGNO
Evoluo dos Estudos Da Retrica ao Signo de Saussure 2.1 Retrica o
discurso como meio A retrica a "tcnica privilegiada que permite s
classes dirigentes assegurarem para si a propriedade da fala".42
Roland Barthes Conta-se que no sculo V a.C., na Siclia, Hiero,
tirano de Siracusa, proibiu seus sditos de usarem a palavra.
Tornando-se conscientes da importncia da palavra, Crax e Tsias
criaram a retrica, com o obje- tivo de estudar a linguagem como
discurso.43 No incio, a retrica vista como uma tcnica que deve
permitir atingir, dentro de uma situao de discurso, o alvo
desejado. Seu carter pragmtico: convencer o interlocutor da justeza
de sua causa. Isso pressupe conhecer as propriedades do discurso.
Eram estudados, na poca, os discursos deliberativos (discursos
polticos, dirigidos a uma assemblia, a qual aconselhava ou
dissuadia o orador); judicirios (nos quais o orador acusa ou se
defende) e os epidcticos (discursos de elogio ou de repreenso, que
abordavam os atos dos contemporneos). O discurso, na poca de
Aristteles, era composto de: inventio assuntos, argumentos,
lugares, tcnicas de persuaso e de amplicao dispositio arranjo das
grandes partes do discurso (exrdio, nar- rao, discusso, perorao)
elocutio escolha e disposio das palavras na frase, organizao nos
pormenores 42 BARTHES, Roland. Apud: PINTO, Milton Jos. Comunicao e
Discurso Introduo Anlise de Discursos, 1999. 43 Baseado em TODOROV,
T. e DUCROT, O. Dicionrio Enciclopdico das Cin- cias da Linguagem,
1977. www.labcom.ubi.pt
68. 68 Rita de Cssia Marques Lima de Castro pronuntiatio
enunciao do discurso memoria memorizao No decorrer dos sculos, a
retrica abandona seu pragmatismo e passa a ter por objetivo ensinar
como fazer um belo discurso, tendo a literatura como seu gnero
predileto. Finalmente, a retrica restringe-se parte do elocutio
arte do estilo. A partir do sculo XIX, a retrica tradicional vai
cedendo lugar a outras disciplinas, como a estilstica a anlise do
discurso e a lingstica. 2.1.1 O estilo o homem mesmo A estilstica
abrangeu dois grandes grupos: 1. Charles Bally (1905), com sua
estilstica descritiva, preocupada com a lngua em si; com a
introduo, no enunciado, da enun- ciao. Para Bally, a expresso dos
sentimentos era o objeto de estudo da Estilstica. Os sentimentos
experimentados pelo autor eram chamados de "efeitos naturais";
enquanto os "efeitos por evocao"apontavam o meio ambiente lingstico
do autor. Esses efeitos eram obtidos por uma escolha no lxico e, em
grau menor, na sintaxe. 2. Leo Spitzer (1915), que buscava
correlacionar as propriedades estilsticas do texto e a psique do
autor. Posteriormente, Spitzer dedicou-se a analisar apenas o
sistema de procedimentos estils- ticos da obra. O estilo, aqui,
abrange pensamentos e sentimentos. O que distingue o fato
estilstico seu modo de existncia no texto: ele atinge o leitor. T.
Todorov e O. Ducrot44 armam que todo enunciado lingstico tem
relaes, leis e imposies que se explicam pelo mecanismo do discurso.
Para analisar es