XI Encontro JUTRA - O Direito do Trabalho de mos dadas A indispensvel solidariedade,
sempre
26 a 27 de maro de 2015, Faculdade de Direito, FOCCA, Olinda - PE
Grupo de Trabalho 1: A neo flexibilizao e a violao ou no ao princpio da
solidariedade
O PRINCPIO DA SOLIDARIEDADE COMO GARANTIA DA DIGNIDADE
HUMANA NO EXERCCIO DO JUS POSTULANDI NA CENTRAL DE
ATENDIMENTO DO TRT8 BELM
Ciro BRITO
Universidade Federal do Par (UFPA)
Passagem Rosane, 70, 66.093-440, Marco, Belm-PA
+55 91 98252 8662
1
Ciro BRITO graduando do 9 semestre da Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Par (UFPA). Atualmente bolsista de iniciao cientfica do projeto Povos e comunidades
tradicionais no campo jurdico: mobilizaes polticas pelos direitos relativos ao
conhecimento associado ao patrimnio gentico, financiado pelo CNPq Humanas, e
extensionista voluntrio do projeto Direito de Nossas Crianas e Adolescentes, vinculado a
Pr-Reitoria de Extenso da UFPA. Tem interesse em Novos Direitos, dentre os quais o
direito previdencirio e o direito do trabalho. J estagiou na Central de Atendimento do
Tribunal Regional do Trabalho da 8 Regio Belm, onde atendia reclamantes pelo jus
postulandi. Currculo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2986919905268765.
RESUMO
Este trabalho resultado de pesquisa realizada a partir de experincia do
autor em estgio na Central de Atendimento do Tribunal Regional do
Trabalho da 8 Regio em Belm. A partir da construo histrica da ideia
solidarista, por meio de lutas de movimentos sociais e o ideal clssico,
constri-se o princpio da solidariedade, que absorvido por legislaes
internas e internacionais, como se percebe, por exemplo na Declarao
Universal dos Direitos Humanos e na Conveno 169 da OIT. Nesta esteira,
h forte vnculo com a dignidade humana, norteadora do ordenamento
jurdico brasileiro, por sua posio de destaque no exerccio dos direitos e
deveres nas relaes de trabalho e no direito honra. Promovendo a justia, o
Judicirio, por meio do Tribunal Regional do Trabalho da 8 Regio em
Belm criou a Central de Atendimento, para atender o jus postulandi,
instituto pelo qual as partes tem o direito de demandar ou defender-se em
juzo, praticando atos processuais pessoalmente, independente da constituio
de advogado. Este setor garante aos trabalhadores sem condies econmicas
de contratar advogado a busca por seus direitos trabalhistas, garantindo sua
dignidade e, por conseguinte, acionando o princpio da solidariedade.
Palavras-chave: Solidariedade. Dignidade. Jus postulandi.
ABSTRACT
This work is the result of research conducted from author's experience on
internship in the Contact Center of the Regional Labor Court of the 8th
Region in Belm. From the historical construction of solidarity idea through
social movements and struggles the classical ideal, the principle of solidarity
is built, which is absorbed by domestic and international laws, as noted, for
example in the Universal Declaration of Human Rights and the ILO
Convention 169. On this track, there is a strong link with human dignity,
guiding the Brazilian legal system, by its prominent position in the exercise
of rights and duties in labor relations and the right to honor. Promoting
justice, the judiciary, through the Regional Labor Court of the 8th Region in
Belm created the Contact Center to attend jus postulandi, institute by which
the parties have the right to sue or defend in court, taking actions procedural
personally, regardless of the legal constitution. This sector guarantees to
workers without economic position to hire a lawyer to search for their labor
rights, ensuring their dignity and therefore triggering the principle of
solidarity.
Key-words: Solidarity. Dignity. Jus postulandi.
2
INTRODUO
Este artigo foi elaborado a partir da experincia do autor como estagirio do Tribunal
Regional do Trabalho da 8 Regio, no setor de atermao (Central de Atendimento), onde
intermediava, com auxlio de servidores, o jus postulandi de reclamantes que tinham seus
direitos trabalhistas violados e no tinham condies econmicas de contratarem advogado.
Procedeu-se reviso bibliogrfica de literatura, do regulamento do TRT8 e de
legislao e jurisprudncia brasileira, com o objetivo de analisar o princpio da solidariedade
como garantidor da dignidade humana dos reclamantes que utilizam o jus postulandi por meio
da Central de Atendimento do TRT8 Belm.
A partir da construo histrica da ideia solidarista desde a Antiguidade e sua
corporificao s legislaes internas e internacionais, no Brasil, o princpio da solidariedade
tem carter normativo constitucional, sendo vinculado ao bem comum, por meio da busca da
igualdade e justia social.
A dignidade humana analisada em seu carter de proteo honra do trabalhador e
de garantidora de direitos e deveres exteriorizados nas relaes de trabalho. Nesta esteira, o
jus postulandi meio de acesso a dignidade e, por conseguinte, da solidariedade, ao que
possibilita ao reclamante o acesso a Justia, sem gastos monetrios. Por fim, apresenta-se a
Central de Atendimento, por meio de suas incumbncias regulamentares e da experincia do
autor no perodo de estgio.
1 O PRINCPIO DA SOLIDARIEDADE
Conforme Luciana Helena Brancaglione (2011), a ideia solidarista vem de lutas
sociais e foi engendrada historicamente a partir de movimentos de reconhecimento dos
direitos fundamentais. H estudos que demonstram que a ideia solidarista est presente desde
a Antiguidade Clssica, por meio das lies de Scrates e Aristteles, que objetivaram
demonstrar a necessidade e a viabilidade de uma convivncia social justa e harmoniosa,
seguindo a tendncia ideolgica da generalidade em contraposio individualista.
Para o pensamento clssico, o homem um animal poltico, e a sociedade poltica
elemento da sociabilidade humana1, com reflexos diretos para o Direito.
Reginaldo da Luz Ghisolfi2 recorda:
1 FARIAS, Jos Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 52.
3
[...] o fato de que os jurisconsultos romanos dos perodos clssicos e ps-
clssicos centraram na pessoa a prpria razo de ser do Direito, sem que
houvesse uma separao de carter absoluto, dicotmica, entre as coisas
humanas e divinas.
[...]
Nos fundamentos do Direito Romano encontram-se ensinamentos de natureza
humanista, como os de Hermogeniano (Sc. IV) ao declarar que omne jus
constitutum est causa hominum, que significa, de acordo com Jos Cretella
Jnior, toda a ordem jurdica estabelecida por causa dos homens.
A partir do sculo XVIII houve grandes transformaes na Europa e nos Estados
Unidos, em reao as atividades exploratrias da fora de trabalho operria pelos capitalistas
que implicou no aumento da misria humana, fazendo o homem perceber que lutar
coletivamente mais benfico e que o individualismo o enfraquece (Brancaglione, 2011).
Apesar disto, a grande tomada de conscincia de que a solidariedade um valor
essencial sem o qual a dignidade da pessoa humana no se desenvolve somente surgiu com os
movimentos de constitucionalizao dos direitos humanos, a partir do sculo XX
(Brancaglione, 2011).
Somente a partir de ento todo o pensamento sociolgico, poltico e filosfico acerca
da solidariedade passa a se caracterizar pela concretude jurdica contidas nas legislaes
internas e internacionais, tendo seu pice na Declarao Universal dos Direitos Humanos
(Brancaglione, 2011).
Mas, afinal, qual o conceito do principio da solidariedade?
Seguindo a etimologia da palavra, segundo o Novo Dicionario Aurelio3, o
vnculo jurdico entre os credores (ou entre os devedores) duma mesma
obrigao, cada um deles com direito (ou compromisso) ao total da dvida, de
sorte que cada credor pode exigir (ou cada devedor obrigado a pagar)
integralmente a prestao objeto daquela obrigao.
Thais Novaes Cavalcanti4 liga a concepo de solidariedade ao comportamento
humano, apontando que:
A solidariedade significa uma atitude de interesse pelo sofrimento alheio, um
tipo de relao em que a pessoa s se realiza na medida em que se empenha
na realizao do outro, uma postura social que parte da conscincia de que do
empenho de cada um depende o bem-estar de todos.
Neste sentido, Plcido e Silva5 completa:
No sentido jurdico, a solidariedade, igualmente, configura a consolidao
em unidade de um vnculo jurdico diante da pluralidade de sujeitos ativos ou
passivos de uma obrigao, a fim de que somente se possa cumprir por
inteiro ou in solidum.
2 GHISOLFI, op. cit., 2003, p. 201-202.
3 FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda e J. E. M. M. Editores LTDA. Dicionrio Aurlio. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1986, p. 1607. 4 CAVALCANTI, Thais Novaes. A solidariedade compreendida como amor na verdade: ao moral e
fundamento para as relaes econmicas. In: SANTOS, Antnio Carlos Alves dos... [et al.] (Org). Economia e
vida na perspectiva da Encclica Caritas in Veritate. So Paulo: Companhia Ilimitada, 2010, p. 19. 5 SILVA, De Plcido e. Vocabulrio jurdico. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 1313.
4
Por essa razo, juridicamente, a solidariedade vem assinalar o modo de ser de
um direito, ou de uma obrigao, que no podem ser fracionados e devem ser
sempre considerados em sua totalidade. Assim, mesmo que, aparentemente, a
solidariedade procure definir uma responsabilidade ilimitada, como o caso
da que se impe aos scios das sociedades em nome coletivo, essa ilimitao
de responsabilidade no vai alm da totalidade das obrigaes sociais.
Claramente, pois, tem o sentido de uma responsabilidade dentro de um todo,
ou de um conjunto total de obrigaes que se solidificam para determinar o
mbito da respectiva solidariedade.
A solidariedade tanto pode referir-se pluralidade de credores, como
pluralidade de devedores. E da a evidncia da solidariedade ativa e da
solidariedade passiva, conforme se fundam em uma pluralidade de relaes
subjetivas ou na unidade objetiva da prestao.
Em princpio, a solidariedade no se presume: deve ser sempre expressa ou
promanar da vontade inequvoca e explcita das partes, ou decorrer de
imposio legal. Brancaglione (2011, p. 53) define solidariedade como:
uma norma constitucional [...] ligada conscincia de responsabilidade de
cada um com o bem comum e o meio em que vive. corporificada pelo
dever de ao ou de absteno de todos os atores sociais [...] de aplicao
imediata ou mediata pelo contedo de outras normas do ordenamento jurdico
(constitucionais ou infraconstitucionais), bem como por aes do Estado na
adoo de medidas de equilbrio e alcance da igualdade e justia sociais, com
o objetivo de refletir diretamente na construo do bem comum ou, ainda,
pela gerao de fundamento interpretativo para a manuteno da convivncia
pacfica entre as pessoas.
Internacionalmente, o princpio da solidariedade tem presena forte, dentre outras
fontes, na Declarao Universal de Direitos Humanos e na Conveno 169 da Organizao
Internacional do Trabalho que o destaca j em seu prembulo:
Considerando que a paz para ser universal e duradoura deve assentar sobre a
justia social;
Considerando que existem condies de trabalho que implicam, para grande
nmero de indivduos, misria e privaes, e que o descontentamento que da
decorre pe em perigo a paz e a harmonia universais, e considerando que
urgente melhorar essas condies no que se refere, por exemplo,
regulamentao das horas de trabalho, fixao de uma durao mxima do
dia e da semana de trabalho, ao recrutamento da mo-de-obra, luta contra o
desemprego, garantia de um salrio que assegure condies de existncia
convenientes, proteo dos trabalhadores contra as molstias graves ou
profissionais e os acidentes de trabalho, proteo das crianas, dos
adolescentes e das mulheres, s penses de velhice e de invalidez, defesa
dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, afirmao do
princpio para igual trabalho, mesmo salrio, afirmao do princpio de liberdade sindical, organizao do ensino profissional e tcnico, e outras
medidas anlogas;
Considerando que a no adoo pro qualquer nao de um regime de trabalho
realmente humano cria obstculos aos esforos das outras naes desejosas
de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus prprios territrios.
AS ALTAS PARTES CONTRATANTES, movidas por sentimentos de
justia e humanidade e pelo desejo de assegurar uma paz mundial duradoura,
visando os fins enunciados neste prembulo, aprovam a presente Constituio
da Organizao Internacional do Trabalho6.
6 SSSEKIND, Arnaldo. Convenes da OIT e outros tratados. So Paulo: LTr, 2007, p. 14-15.
5
Atreladas ideia solidarista esto as acepes de fraternidade teolgica7 e os direitos
humanos, entendidos luz da democracia, da responsabilidade social, da justia, da tica e do
bem comum.
2 O PRINCPIO DA DIGNIDADE HUMANA
Como fundamento do Estado Democrtico de Direito, a dignidade humana norteia
todo o ordenamento jurdico brasileiro. Embora no seja peculiar ao Direito do Trabalho, a
dignidade conceituada como um conjunto de atributos identificador da pessoa humana, que
a distingue de outros seres vivos. Aps a 2 Guerra Mundial, no Brasil, ela adquiriu
reconhecimento constitucional, abrindo o ttulo dos princpios fundamentais na atual
Constituio Federal (art. 1, inciso III) (Barros, 2013).
Segundo Alice Barros (2013), a dignidade humana ocupa posio de destaque no
exerccio dos direitos e deveres que se exteriorizam nas relaes de trabalho e aplica-se em
vrias situaes, principalmente, para evitar tratamento degradante do trabalhador. Ela
invocada tambm para dotar de alcance o direito honra, que confere ao seu titular proteo
diante do tratamento humilhante e desprezvel. A dignidade da pessoa humana constitui,
portanto, o ncleo intangvel do direito honra, cujo conceito depende de fatos, ideia e
valores que esto presentes numa sociedade em determinado momento histrico.
A natureza do Texto Constitucional impe ao Poder Pblico ao, no sentido de tornar
efetivo referido direito, permitindo a todos e, especialmente, as camadas mais carentes da
populao, o acesso aos bens e servios que ajudem a compor o perfil de dignidade da pessoa
humana (Delgado, 2009).
Nesse compasso, revela-se, dentre as aes que devem ser implementadas, a tarefa de
garantir o efetivo acesso Justia, sendo que isto no cumprido apenas com a criao e
instalao de rgos judicirios capazes de suportar o nmero de demandas da sociedade,
mas, tambm, pela efetiva disponibilizao de mecanismos que permitam que todas as
pessoas (carentes ou no) superem os obstculos materiais para terem acesso orientao
sobre seus direitos e os meios e maneiras disponveis paras sua implementao e usufruto. o
caso do jus postulandi.
7 Em sntese, noo advinda do pensamento teolgico, que assevera haver uma raiz fraterna comum que
direciona o agir humano para a participao de todos na busca pelo bem-estar geral (Brancaglione, 2011, p. 32).
6
3 OS DIREITOS HUMANOS COMO CONSTRUO DA SOLIDARIEDADE
Nas ideias de Brancaglione (2011), a solidariedade estabelece uma relao muito
ntima com os direitos humanos, porque tem, ao final, o grande escopo de proteg-los, de
garantir sua manuteno. por meio da aplicao do princpio da solidariedade, com respeito
mtuo e o pensar coletivo, que se concretiza a realizao dos direitos humanos.
A noo de justia tem se modificado ao longo da histria e o Judicirio tem assumido
diferentes papeis frente s novas demandas sociais. Explica Jos Carlos Evangelista de
Arajo8 que:
Com base em sua normatividade, devem os poderes estatais mas, sobretudo o Poder Judicirio gerar respostas apropriadas a cada situao objetivamente considerada, a partir de um plano genrico e abstrato,
delineado pelo pacto constituinte. [...]
Da por que a busca, no interior do prprio sistema constitucional sem recorrer a expedientes supralegais ou extraconstitucionais , de mecanismos normativos capazes de propiciar a superao de certos impasses,
preservando-se aquilo que foi acordado no plano valorativo, axiolgico, pelo
pacto fundamental posto pelo constituinte originrio. Da encontrarmos no
prprio sistema constitucional os elementos propiciadores de uma justia
material/substancial.
Assim, Brancaglione (2011) assevera que a solidariedade, como linha entrelaadora
das relaes em sociedade, um princpio fundamental que serve de guia orientadora do
comportamento do indivduo e fonte inspiradora para todo o arcabouo jurdico, ampliando o
espectro de sua utilidade em diversos aspectos do ordenamento, inclusive do Direito do
Trabalho. Por sua natureza, o Direito Privado, ramo no qual est inserido o Direito do
Trabalho, resiste aplicao solidarista, por conta da relao ao contrato, no qual sobrepe-se
o interesse empresarial diante do interesse da classe trabalhadora.
Por ser de natureza alimentar, o direito do trabalho justifica ainda mais a investigao
e a busca por solues que se consubstanciem em garantia ampla de respeito dignidade
humana nas relaes do capital com o trabalho.
importante mencionar que os direitos trabalhistas so tidos como fundamentais,
diante do texto constitucional que os congrega. Alm disso, a doutrina que propugna sua
aplicabilidade imediata ganha fora com a explicao de Ingo Wolgang Sarlet9, para quem:
[...] no captulo reservado aos direitos fundamentais sociais em nossa
Constituio foram contempladas algumas posies jurdicas fundamentais
similares (pela sua funo preponderantemente defensiva e por sua estrutura
8 ARAJO, Jos Carlos Evangelista de. Aes afirmativas e Estado Democrtico de Direito. So Paulo:
LTr, 2009, p. 150. 9 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais
na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 110.
7
jurdica) aos tradicionais direitos de liberdade, como plasticamente do conta
os exemplos do direito de livre associao sindical (art. 8) e do direito de
greve (art. 9), normas cuja aplicabilidade imediata parece incontestvel, o
que por outro lado, tambm se aplica a diversos dos direitos dos
trabalhadores elencados no art. 7 e seus respectivos incisos. Por estas razes,
h como sustentar, a exemplo do que tem ocorrido na doutrina, a
aplicabilidade imediata (por fora do art. 5, 1, de nossa Lei Fundamental),
de todos os direitos fundamentais constantes do Catlogo (arts. 5 a 17), bem
como os localizados em outras partes do texto constitucional e nos tratados
internacionais.
4 O PRINCPIO DO JUS POSTULANDI
O jus postulandi ou ius postulandi, locuo latina que indica o direito de falar no
processo em nome das partes (Martins, 2013), um princpio do direito processual do
trabalho concebido para facilitar o acesso do trabalhador ao judicirio, ao que d as partes o
direito de demandar ou defender-se em juzo, praticando atos processuais pessoalmente,
independente da constituio de advogado. Este princpio encontra-se consubstanciado no art.
791 da CLT, que aduz os empregados e os empregadores podero reclamar pessoalmente
perante a Justia do Trabalho e acompanhar as suas reclamaes at o final.
Combinado com o art. 791, a alneia a do art. 839, da CLT salienta que a reclamao
trabalhista poder ser apresentada pelos empregados e empregadores pessoalmente, ou por
seus representantes e pelos sindicatos de classe.
A capacidade postulatria direta da parte, independentemente de advogado, tem como
objetivo inicial superar, em uma ponta, a carncia de advogados e, na outra, o alto custo que
envolve a contratao de um advogado particular (Martins, 2013).
Avulta notar que o jus postulandi no exclusividade do Brasil. No exterior,
aplicado nos Estados Unidos e na Europa, em particular nas demandas de interesse do
consumidor (Pinheiro, 2009).
4.1 Histrico
Conforme Pinheiro (2009), quando Getlio Vargas assumiu o poder, no incio da
dcada de 30, por possuir uma viso inclinada proteo do trabalhador, criou o Ministrio
do Trabalho e instituiu as Comisses Mistas de Conciliao, para buscar a soluo para os
conflitos coletivos, e as Juntas de Conciliao e Julgamento, para buscar a soluo para os
conflitos individuais.
8
Cabia s Comisses Mistas somente conciliar, no dispondo do poder de impor. s
Juntas, por sua vez, que eram rgos meramente administrativos, cabia impor a soluo dos
conflitos. Elas, no entanto, no tinham competncia para executar as decises, atribuio dos
Procuradores do Departamento Nacional do Trabalho (DNT), que iniciavam a execuo junto
Justia Comum.
Nessa poca, somente os empregados sindicalizados podiam utilizar-se do jus
postulandi perante as Juntas. Os que no eram sindicalizados deviam levar suas demandas
para apreciao junto Justia Comum. Assim, incentivava-se a sindicalizao dos
trabalhadores.
Ainda nesse perodo, foi instituda a Legislao Trabalhista de Base, unificada em
1943 nas Consolidaes das Leis do Trabalho (CLT), que a principal norma legislativa
brasileira referente ao Direito do trabalho e ao Direito processual do trabalho. Ela foi criada
atravs do Decreto-Lei n 5.452, de 1 de maio de 1943 e sancionada pelo ento presidente
Getlio Vargas.
4.2 Jurisdio
Renato Saraiva (2011), delimitando a abrangncia do instituto, destaca que, em funo
do jus postulandi, reclamante e reclamado podero atuar sem a presena de advogados,
perante os juzos de primeiro grau e tambm Tribunais Regionais.
A atuao perante o TST, contudo, no segue esta regra, conforme o entendimento de
Smula do prprio Tribunal.
Smula n 425 - TST - Res. 165/2010 - DeJT divulgado em 30.04.2010 e 03 e
04.05.2010
JUS POSTULANDI. JUSTIA DO TRABALHO. ALCANCE. LIMITAO. O jus
postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se s Varas do
Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, no alcanando a ao rescisria, a
ao cautelar, o mandado de segurana e os recursos de competncia do Tribunal
Superior do Trabalho.
como se posiciona Carlos Henrique Bezerra Leite (2013), ao afirmar que no
processo do trabalho, o jus postulandi das prprias partes s pode ser exercido perante a
Justia do Trabalho. E, no momento em que se esgota a jurisdio trabalhista, a parte
dever necessariamente estar representada por advogado. Logo, o jus postulandi no
prevalece na esfera do TST.
Em caso de eventual recurso extraordinrio para o Supremo Tribunal Federal, ou
mesmo recurso encaminhado ao Superior Tribunal de Justia (para examinar, por exemplo,
9
conflito de competncias), tambm deve ele ser subscrito por advogado, sob pena de o apelo
no ser conhecido (Saraiva, 2011). Em sntese, o jus postulandi somente prevalecer nas
instncias ordinrias.
4.3 A controvrsia sobre a competncia do jus postulandi nas relaes de trabalho
H discordncia acerca do cabimento do jus postulandi ao trabalhador que no
mantm ou manteve relao de emprego com determinada empresa, mas sim relao de
trabalho.
Nesta esteira, Carlos Henrique Bezerra Leite (2013, p. 455) destaca: Vale dizer se os sujeitos da lide no forem empregado ou empregador, no podero,
em linha de princpio, exercer o jus postulandi. Logo, para as aes trabalhistas no
oriundas da relao de emprego, a representao das partes por advogado passar a
ser obrigatria.
Na mesma esteira, Renato Saraiva (2011, p. 39) aduz: Entendemos que o jus postulandi da parte restrito s aes que envolvam relao
de emprego, no se aplicando s demandas referentes relao de trabalho distintas
da relao empregatcia.
E, tambm, Sergio Pinto Martins (2013, p. 196): No haver a possibilidade de as partes postularem e dissdio individual sem
advogado, quando no tenham a qualidade de empregado e empregador (...). O
mesmo ocorrer em relao aos dependentes do empregado falecido, para haver os
direitos do de cujus.
Diferentemente de Leite, Saraiva e Martins, o Enunciado n. 67 aprovado na 1 Jornada
de Direito Material e Processual do Trabalho, realizado em Braslia-DF, nos dias 21 a
23.11.2007, prope interpretao extensiva do instituto do jus postulandi s lides oriundas da
relao de trabalho, nos seguintes termos:
JUS POSTULANDI. ART. 791 DA CLT. RELAO DE TRABALHO.
POSSIBILIDADE. A faculdade de as partes reclamarem, pessoalmente, seus
direitos perante a Justia do Trabalho e de acompanharem suas reclamaes at o
final, contida no art. 791 da CLT, deve ser aplicada s lides decorrentes da relao
de trabalho.
5 O EXERCCIO DO JUS POSTULANDI NA CENTRAL DE ATENDIMENTO DO
TRT8 BELM
A Constituio Federal garante aos hipossuficientes a assistncia jurdica gratuita,
conforme preconiza o inciso LXXIV, do art. 5, CF/88, in verbis: "O Estado prestar
assistncia jurdica integral e gratuita aos que comprovarem insuficincia de recursos",
sendo que este direito no pode apenas ser compreendido como permisso dado ao
trabalhador de sozinho ingressar em juzo. A assistncia de um profissional do direito, antes e
10
durante o ajuizamento da demanda, completa a integralidade imposta pelo texto
constitucional, reduzindo as desigualdades existentes materialmente entre partes (art. 3, III da
CF) perante o Poder Judicirio.
Com efeito, alguns Tribunais Regionais do Trabalho, como o caso do TRT da 8
Regio em Belm, com o intuito de materializar e operacionalizar o instituto do jus postulandi
criaram setores denominados de Setores de Atermao, onde o reclamante dirige-se e expe
os motivos de sua demanda verbalmente. Suas informaes so reduzidas a termo, que servir
como petio inicial da reclamatria.
Setor do Tribunal Regional do Trabalho da 8 Regio em Belm-PA, a atermao
feita pela Central de Atendimento, que rgo estratgico coordenado pelo Foro Trabalhista
de Belm, com finalidade de gerenciar a recepo e atendimento aos usurios, orientao e/ou
tomada de reclamaes verbais, recebimento, autuao, distribuio e notificao inicial dos
feitos, protocolo de peties e fornecimento de certides, tomando as providncias cabveis
para distribuio ao Juzo competente10
.
Em Belm, o TRT8 conta com a Central de Atendimento, que se compe de uma
equipe de servidores tcnicos judicirios e estagirios do curso de Direito, atuando
especificamente no atendimento ao pblico, triagem, orientao jurdica, atermao das
reclamaes trabalhistas e acompanhamento processual. Aterma-se reclamaes oriundas
tanto das relaes de emprego, como das relaes de trabalho.
O servio prestado cem por cento gratuito, tendo os reclamantes que levar apenas
documentos de identificao pessoal, dados da parte reclamada e os documentos que
comporo as provas do processo.
A atermao do TRT8 Belm limita-se s reclamaes trabalhistas, alvars judiciais e
aes de consignaes de pagamento, no sendo oferecido o servio de contestao ou
atermao de recursos ao Tribunal. Porm, respeitando o prprio conceito do princpio, as
partes podem faz-lo pessoalmente, protocolando essas peas diretamente na Central de
Atendimento.
Neste setor, os reclamantes, ao chegarem, recebem senhas e aguardam atendimento.
Ao serem chamados, dirigem-se ao guich de atendimento, onde contam o motivo que os
levou at ali para um tomador de reclamao, que pode ser um servidor ou um estagirio
supervisionado por um servidor. Ento, elabora-se a reclamao trabalhista, que peticionada
no sistema eletrnico do PJE, gerando, de imediato, nmero de processo, vara trabalhista que
10
Art. 69, Regulamento dos Servios Auxiliares do Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Regio.
11
o julgar e data e hora da audincia inaugural. Ao fim do atendimento, dada cpia do
processo ao reclamante, que instrudo acerca dos procedimentos posteriores a serem
tomados, e o reclamante retorna quando da data de sua audincia.
Segundo o art. 70 do Regulamento do TRT8, competem Central de Atendimento:
I distribuir os feitos s Varas do Trabalho de Belm e proceder tomada de reclamaes, de acordo com as normas legais e regulamentares em vigor;
(...)
II tomar por termo as reclamaes verbais, e receber as apresentadas por escrito, aps confirmados os dados lanados no Servio de Pr-cadastro de iniciais, fazendo
os respectivos registros;
(...)
XII prestar informaes aos rgos do Tribunal, s partes e interessados, sobre os processos com tramitao neste Tribunal; XVII exercer outras finalidades inerentes sua finalidade.
A Central de Atendimento est sempre se renovando e buscando atualizao, tendo,
com frequncia, treinamentos e cursos para estagirios e servidores, ministrados por juzes e
professores de direito do trabalho. Ademais, alm dos princpios constitucionais da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia, os integrantes da Central
devem obedecer as seguintes diretrizes bsicas, segundo art. 2 do Regulamento interno do
TRT8: promoo de servios adequados, assim considerados os prestados com qualidade,
regularidade, continuidade, eficincia, economicidade, cortesia no atendimento e atualidade.
CONCLUSO
A ideia solidarista nasce a partir de lutas de movimentos sociais em busca de
reconhecimento de direitos fundamentais. Com origem na Antiguidade, ela centra o direito na
pessoa humana. A partir do sculo XVIII, agrega-se ideia clssica a de que a luta coletiva
mais benfica para o homem do que a individual. A partir da o pensamento sociolgico,
poltico e filosfico acerca da solidariedade passa a se caracterizar pela concretude jurdica
contida nas legislaes em mbitos interno e internacional (Brancaglione, 2011).
No Brasil, a solidariedade norma constitucional principiolgica ligada conscincia
do bem comum e corporificada pelo dever de ao/omisso de todos em busca da adoo de
medidas de equilbrio e alcance de igualdade e justia social, conforme destacado no
prembulo da Conveno 169 da OIT. Ademais, linha entrelaadora das relaes sociais,
guia orientadora do comportamento do indivduo e fonte inspiradora para todo o arcabouo
jurdico, incluindo o direito do trabalho (Brancaglione, 2011). Sendo assim, deve estar
presente nas relaes entre os atores do direito do trabalho, devem orientar os seus
comportamentos e devem inspirar o processo legislativo trabalhista.
12
Apesar das dificuldades de insero do ramo do direito privado, o qual est inserido o
direito do trabalho, que resiste aplicao solidarista, por conta da relao do contrato, no
qual se sobrepe o interesse empresarial diante do interesse da classe trabalhadora; a
solidariedade se faz presente por meio de vrios elementos e institutos do direito do trabalho,
entre os quais o do jus postulandi, garantido pela dignidade humana.
Nesta esteira, tem forte vnculo com a dignidade humana, princpio norteador do
ordenamento jurdico nacional, que abarca um conjunto de atributos identificadores da pessoa
humana (Barros, 2013); por sua posio de destaque no exerccio dos direitos e deveres que se
exteriorizam nas relaes de trabalho. A solidariedade tem o escopo de proteger os direitos
humanos e garantir sua manuteno, por meio do respeito mtuo e o pensar coletivo
(Brancaglione, 2011). invocada tambm no pertinente ao direito honra, protegendo seu
titular de tratamento humilhante e desprezvel (Barros, 2013).
A Justia deve priorizar a dignidade e um dos meios para tal o jus postulandi. O jus
postulandi um princpio do direito do trabalho, consubstanciado no art. 791 da Consolidao
das Leis Trabalhistas, que d as partes o direito de demandar ou defender-se em juzo sem a
presena de advogado. Assim, busca-se assegurar uma melhor tutela jurisdicional,
principalmente para o trabalhador, parte hipossuficiente da relao laboral.
Nesta esteira, Tribunais brasileiros criaram setores especficos de materializao e
operacionalizao do jus postulandi, onde as partes podem, verbalmente, ter suas reclamaes
atermadas e utilizarem do princpio na prtica.
No Tribunal Regional do Trabalho da 8 Regio em Belm-PA, na Central de
Atendimento, o exerccio do jus postulandi garante ao reclamante, que no tem condies de
contratar um advogado, a sua dignidade, ao efetivar o seu direito constitucional de ter seus
direitos trabalhistas assegurados e lhe garantir a sua honra. neste diapaso tambm que se
observa o princpio da solidariedade, corporificado ao dever do Judicirio de tomar medidas
em busca do equilbrio e alcance da igualdade e justia social.
Percebe-se, portanto, que o princpio da solidariedade, resultado de uma construo
histrica fruto de constante evoluo e tem flexibilizao quando entendido na correlao
com outros princpios, neste caso os do jus postulandi e o da dignidade humana. Sua violao,
sem dvida, malfica para os objetivos resguardados na Constituio Brasileira de 1988.
Contudo, sua observao, como no caso do presente estudo forma garantidora do bem
comum dos reclamantes que utilizam o jus postulandi no TRT8 Belm.
13
REFERNCIAS
ARAJO, Jos Carlos Evangelista de. Aes afirmativas e Estado Democrtico de Direito.
So Paulo: LTr, 2009.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 9. ed. So Paulo: LTr, 2013.
BRANCAGLIONE, Luciana Helena. A aplicao do princpio da solidariedade no direito do
trabalho. Dissertao de Mestrado, Pontfcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP),
So Paulo, 2011.
BRASIL. Advocacia Geral da Unio. Enunciado 67, aprovado na 1 Jornada de Direito
Material e Processual do Trabalho, realizado em Braslia-DF nos dias 21 a 23.11.2007.
Disponvel em http://www.agu.gov.br/sumulas. Acesso em 25.02.2015.
____________. Consolidao das Leis Trabalhistas. Decreto-Lei n 5.452, de 1 de maio de
1943. Disponvel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso
em 25.02.2015.
____________. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. Disponvel em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em
25.02.2015.
____________. Tribunal Regional do Trabalho da 8 Regio. Regulamento TRT8. Disponvel
em http://www.trt8.jus.br/index.php?option=com_wrapper&view=wrapper&Itemid=198.
Acesso em 15.07.2014.
____________. Tribunal Superior do Trabalho. Smula n 425. Disponvel em
http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SU
M-425. Acesso em 25.02.2015.
CAVALCANTI, Thais Novaes. A solidariedade compreendida como amor na verdade: ao
moral e fundamento para as relaes econmicas. In: SANTOS, Antnio Carlos Alves dos. [et
al.] (Org). Economia e vida na perspectiva da Encclica Caritas in Veritate. So Paulo:
Companhia Ilimitada, 2010.
DELGADO, Maurcio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. So Paulo: LTr, 2009.
FARIAS, Jos Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998.
FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda e J. E. M. M. Editores LTDA. Dicionrio Aurlio.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
14
HOFMANN, H. Apud GUTIRREZ GUTIRREZ, Ignacio. Dignidad de la persona y
derechos fundamentales. Madrid: Marcial Pons, 2005.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 11. ed. So Paulo:
LTr, 2013.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 34. ed. So Paulo: Atlas, 2013.
PINHEIRO, Rosana Maria Uchoa. A manuteno ou a extino do jus postulandi na Justia
do Trabalho. Belm: UNAMA, 2009.
SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense;
So Paulo: Mtodo, 2011.
_______________. Processo do Trabalho. Srie Concursos Pblicos. Coordenao Misael
Montenegro Filho. 4. ed. So Paulo: GEN| Mtodo, 2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
SILVA, De Plcido e. Vocabulrio jurdico. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
SSSEKIND, Arnaldo. Convenes da OIT e outros tratados. So Paulo: LTr, 2007.