Mohamedou Ould Slahi gostaria de dedicar este escrito à memória da
sua falecida mãe, Maryem Mint El Wadia, deixando claro que, se não
fosse por Nancy Hollander e pelas suas colegas Theresa Duncan e Linda
Moreno, não lhe seria possível fazer esta dedicatória.
Índice
Cronologia da Detenção 9
Notas sobre o Texto, os Cortes e as Anotações 13
Introdução, por Larry Siems 17
Um Jordânia–Afeganistão–GTMO 61
Julho de 2002 – fevereiro de 2003
ANTES
Dois Senegal–Mauritânia 133
21 de janeiro de 2000 – 19 de fevereiro de 2000
Três Mauritânia 171
29 de setembro de 2001 – 28 de novembro de 2001
Quatro Jordânia 217
29 de novembro de 2001 – 19 de julho de 2002
GTMO
Cinco GTMO 261
Fevereiro de 2003 – agosto de 2003
Seis GTMO 335
Setembro de 2003 – dezembro de 2003
Sete GTMO 381
2004–2005
Nota do Autor 449
Agradecimentos de Larry Siems 451
9
Cronologia da Detenção
Janeiro de 2000
Depois de passar doze anos a estudar, viver e trabalhar
no estrangeiro, sobretudo na Alemanha e, por um
breve período, no Canadá, Mohamedou Ould Slahi
decide regressar à Mauritânia, sua terra natal. Durante
a viagem, é detido duas vezes a mando dos Estados
Unidos da América — primeiro pela Polícia senegalesa
e depois pelas autoridades mauritanas — e interrogado
por agentes norte ‑americanos do FBI relativamente ao
chamado Plano do Milénio para bombardear o aeroporto
de Los Angeles. Chegando à conclusão de que não havia
motivos para crer que ele estivesse implicado no plano,
as autoridades libertam ‑no a 19 de fevereiro de 2000.
2000 – outono de 2001
Mohamedou vive com a sua família e trabalha como
engenheiro eletrotécnico em Nouakchott, na Mauritânia.
29 de setembro de 2001
Mohamedou é detido e mantido na prisão pelas
autoridades da Mauritânia durante duas semanas,
e é novamente interrogado por agentes do FBI quanto ao
Plano do Milénio. É de novo libertado, com as autoridades
mauritanas a declararem publicamente a sua inocência.
20 de novembro de 2001
Agentes da Polícia mauritana vão a casa de Mohamedou
e pedem ‑lhe que os acompanhe para novo interrogatório.
Ele obedece voluntariamente, indo no seu próprio carro
para a esquadra de polícia.
10
D I Á R I O D E G U A N TÁ N A M O
28 de novembro de 2001
Um avião de transporte de prisioneiros da CIA leva
Mohamedou da Mauritânia para uma prisão em Amã,
na Jordânia, onde é interrogado durante sete meses
e meio pelos serviços secretos jordanos.
19 de julho de 2002 Outro avião de transporte de prisioneiros da CIA vai
buscar Mohamedou a Amã; é despido, vendado, é ‑lhe
posta uma fralda, grilhões são ‑lhe presos aos pés e
é levado para a Base Aérea do Exército dos EUA em
Bagram, no Afeganistão. Os acontecimentos relatados no
Diário de Guantánamo começam com esta cena.
4 de agosto de 2002 Após duas semanas de interrogatório em Bagram,
Mohamedou é posto num transporte militar com outros
34 prisioneiros e segue por via aérea para Guantánamo.
O grupo chega e o processo de entrada nas instalações
dá ‑se a 5 de agosto de 2002.
2003–2004 Interrogadores do Exército dos EUA sujeitam
Mohamedou a um «plano especial de interrogatório»,
pessoalmente aprovado por Donald Rumsfeld, secretário
de Defesa. A tortura de Mohamedou inclui meses de
isolamento extremo; uma série de humilhações físicas,
psicológicas e sexuais; ameaças de morte; ameaças à sua
família; e uma simulação de rapto e de transporte.
3 de março de 2005 Mohamedou escreve à mão o seu pedido de habeas
corpus.
Verão de 2005 Mohamedou manuscreve, na sua cela de isolamento,
as 466 páginas que se tornariam este livro.
12 de junho de 2008 O Supremo Tribunal dos EUA decide, cinco votos
a favor e quatro contra, no caso Boumediene v. Bush,
que os detidos de Guantánamo têm direito a impugnar
a sua detenção através de um habeas corpus.
Agosto – dezembro de 2009
James Robertson, juiz do Tribunal Distrital dos EUA,
ouve o pedido de habeas corpus de Mohamedou.
11
22 de março de 2010 O juiz Robertson acede ao pedido de habeas corpus
e ordena a sua libertação.
26 de março de 2010 A administração Obama apresenta um recurso.
5 de novembro de 2010
O Tribunal de Recurso de Washington, D.C. envia o
caso do habeas corpus de Mohamedou de volta para o
Tribunal Distrital para nova audiência. O caso ainda está
pendente.
Presente Mohamedou continua em Guantánamo, na mesma cela
em que muitos dos acontecimentos relatados neste livro
tiveram lugar.
C R O N O L O G I A D A D E T E N Ç Ã O
13
Notas sobre o Texto, os Cortes e as Anotações
Este livro é uma versão editada do manuscrito de 466 páginas, que
Mohamedou Ould Slahi escreveu à mão na sua cela prisional de
Guantánamo, durante o verão e o outono de 2005. Foi editado duas
vezes: primeiro pelo governo dos Estados Unidos, que acrescentou
mais de 2500 barras pretas a censurar o texto do Mohamedou, e depois
por mim. O Mohamedou não teve a possibilidade de participar em
nem de reagir a qualquer destas edições.
Todavia, ele sempre pretendeu que este manuscrito chegasse até
ao grande público (dirige ‑se a nós e em particular aos leitores norte‑
‑americanos) e autorizou de forma explícita a sua publicação em
versão editada, no pressuposto, e com o desejo, de que o processo
editorial se desenrolasse de modo a transmitir fielmente o conteúdo
e a cumprir a promessa do original. Ele confiou ‑me este trabalho,
e foi isso que tentei fazer enquanto preparava este manuscrito para
impressão.
Mohamedou Ould Slahi escreveu estas memórias em inglês,
a sua quarta língua, adquirida sobretudo enquanto prisioneiro dos
EUA, tal como descreve, por vezes de modo espirituoso, ao longo
do livro. Em si mesmo, isto é simultaneamente um ato simbólico
14
D I Á R I O D E G U A N TÁ N A M O
e um feito notável. É também uma escolha que cria ou contribui para
alguns dos efeitos literários mais importantes da obra. Pelas minhas
contas, ele dispõe de um vocabulário de menos de sete mil pala‑
vras: um léxico com a mesma dimensão daquele que encontramos
num épico de Homero. Ele usa ‑o de formas que, por vezes, ecoam
esses poemas épicos, como quando repete chavões para se referir a
acontecimentos e fenómenos recorrentes. E, tal como os criadores
dos épicos, ele fá ‑lo de forma a apresentar uma vastíssima gama de
ações e emoções. Durante o processo de edição do texto, tentei acima
de tudo preservar a sua sensibilidade e honrar o seu feito.
Ao mesmo tempo, o manuscrito que o Mohamedou conseguiu
criar na sua cela, em 2005, é um rascunho incompleto e por vezes
fragmentário. Em certas secções a sua prosa está mais polida, e nou‑
tras encontramos uma caligrafia mais compacta e mais precisa,
o que sugere a existência de rascunhos anteriores. Noutros pontos,
a letra tem a dispersão e a urgência característica de um primeiro
rascunho. Há variações significativas na abordagem narrativa, com
um relato menos linear nas secções sobre acontecimentos mais
recentes: seria de esperar, dada a intensidade dos mesmos e a pro‑
ximidade das personagens que ele está a descrever. Mesmo a forma
geral da obra não está resolvida, com uma série de flashbacks a acon‑
tecimentos anteriores à narrativa central acrescentados no fim.
Ao encarar estes desafios — tal como qualquer editor de texto
que pretende satisfazer todas as expectativas do autor de que os
erros e as distrações sejam minimizados e de que a voz e a visão
sejam apuradas —, editei o manuscrito a dois níveis: linha a linha,
o que significou regularizar tempos verbais, a ordem das palavras e
algumas locuções desajeitadas, e, por vezes, a bem da clareza, con‑
solidar ou reordenar o texto. Também incorporei na narrativa prin‑
cipal os flashbacks acrescentados e tornei o manuscrito, em geral,
15
mais escorreito, um processo que reduziu as aproximadamente
122 mil palavras da obra inicial para 100 mil, nesta versão. Estas esco‑
lhas editoriais foram minhas, e resta ‑me esperar que o Mohamedou
as aprove.
Ao longo do processo, fui confrontado com uma série de desafios
especificamente ligados ao processo de edição prévio do manuscrito:
os cortes do governo. Estes cortes são mudanças que foram impos‑
tas ao texto pelo mesmo governo que continua a controlar o destino
do autor, e que há mais de treze anos usa o secretismo como uma
ferramenta essencial desse controlo. Como tal, as barras negras na
página servem para nos lembrarmos da situação atual do autor. Ao
mesmo tempo, deliberadamente ou não, os cortes servem frequen‑
temente para travar o fluxo narrativo, disfarçar os contornos das per‑
sonagens e obscurecer o tom aberto e acessível da voz do autor.
Uma vez que está dependente duma leitura atenta, todo o pro‑
cesso de edição de um texto cortado implica algum esforço para ver
além das barras negras e do que está rasurado. As anotações que
aparecem no fundo da página, ao longo da obra, são uma espécie de
registo desse esforço.
Estas notas representam especulações que surgiram relacionadas
com os cortes, com base no contexto em que os cortes aparecem,
representam informação que surge noutros pontos do manuscrito,
e representam também o que agora é um manancial de recursos
publicamente disponíveis acerca do calvário de Mohamedou Ould
Slahi e dos acontecimentos e incidentes que ele aqui descreve. Essas
fontes incluem documentos estatais tornados públicos através de
pedidos e processos judiciais ao abrigo da Freedom of Information
Act1, artigos noticiosos e trabalhos publicados por diversos escritores
1 Lei de Liberdade de Informação, ou FOIA. [N. do R.]
N O TA S S O B R E O T E X T O , O S C O R T E S E A S A N O TA Ç Õ E S
16
D I Á R I O D E G U A N TÁ N A M O
e jornalistas de investigação e ainda abundantes investigações por
parte do Departamento de Justiça e do Senado dos EUA.
Nestas anotações, não tentei reconstruir o texto original cortado,
nem revelar material secreto. O que tentei fazer o melhor possível
foi apresentar a informação que mais plausivelmente corresponde
aos cortes quando essa informação já é do domínio público, ou é
evidente, se lermos atentamente o manuscrito, e quando eu acredito
que é importante para a legibilidade e o impacto do texto. Se houver
quaisquer erros nestas especulações, a responsabilidade é inteira‑
mente minha. Nenhum dos advogados de Mohamedou Ould Slahi
que tenham autorização de acesso analisou este material introdutó‑
rio ou as notas de rodapé, nem contribuiu para eles de modo algum,
nem tão pouco negou ou confirmou as especulações neles contidas.
Também nenhuma outra pessoa com autorização de acesso ao
manuscrito sem cortes analisou este material introdutório ou as notas
de rodapé, nem contribuiu para eles de modo algum, nem tão pouco
negou ou confirmou as especulações neles contidos.
Muitos dos desafios de edição de texto inerentes à publicação
desta obra notável resultaram diretamente do facto de o governo dos
EUA continuar a deter o seu autor, sem que se conheça até hoje
qualquer justificação satisfatória, num regime de censura que o
impede de participar no processo editorial. Aguardo com expectativa
o dia em que Mohamedou Ould Slahi seja libertado e possamos ler
este livro na íntegra, como ele quiser publicá ‑lo. Entretanto, espero
que esta versão tenha conseguido captar o feito do original, ainda
que ele nos recorde, em quase todas as páginas, o muito que ainda
temos para ver.
D I Á r I O D E G U A N T Á N A M O
61
UM
Jordânia–Afeganistão–GTMOJulho de 2002 – fevereiro de 2003
A Equipa Americana Assume o Comando… Chegada a Bagram…
De Bagram para GTMO… GTMO, o Novo Lar… Um Dia no
Paraíso, o Seguinte no Inferno
, de julho de 2002, 22h00.1
A música desligou ‑se. As conversas dos guardas dissiparam ‑se. A car‑
rinha foi esvaziada.
1 Com base numa data que não foi censurada numas páginas mais adiante do
manuscrito, torna ‑se claro que a ação se inicia na madrugada de 19 de julho de 2002.
Manuscrito MOS, 10. Uma investigação do Conselho da Europa confirmou que um jato
de longo alcance fretado pela CIA com a matrícula N379P partiu de Amã, na Jordânia,
às 23h55 dessa noite em direção a Kabul, no Afeganistão. Uma adenda a esse relató‑
rio de 2006 que elenca os registos de voo está disponível em http://assembly.coe.int/
CommiteeDocs/2006/20060614_Ejdoc162006PartII ‑Appendix.pdf.
NOTA DO EDITOR ÀS NOTAS DE RODAPÉ: Nenhum dos advogados de Mohamedou
Ould Slahi com autorização de acesso analisou as notas de rodapé deste livro ou contribuiu
para elas de algum modo, nem tão pouco confirmou ou negou as minhas especulações
nelas contidas. Também nenhuma outra pessoa com acesso autorizado ao manuscrito sem
cortes analisou as notas de rodapé deste livro ou contribuiu para elas de algum modo, nem
tão‑pouco confirmou ou negou as minhas especulações nelas contidas. [N. do E.]