PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Profissional
35.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS
AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 19401/2018, PUBLICADO NO
DIÁRIO DA REPÚBLICA, 2.ª SÉRIE, N.º 251/2018, DE 31 DE
DEZEMBRO DE 2018
DATA: 28 DE FEVEREIRO DE 2019
2.ª CHAMADA
HORA: 14H 15M (DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 12.º DO
REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE
DURAÇÃO DA PROVA INICIA -SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA
DESIGNADA)
DURAÇÃO DA PROVA: 4 HORAS
PROVA ESCRITA DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Profissional – 2.ª Chamada – 28 de fevereiro de 2019
1 - A presente prova consiste na elaboração de um Despacho de Encerramento do Inquérito a ser proferido nos Autos de Inquérito com o NUIPC 111/17.0PSLSB, devendo ser apreciadas todas as questões suscitadas até ao final dessa fase processual ou que sejam de conhecimento oficioso.
2 - Apesar de a prova consistir na elaboração de um Despacho de Encerramento de Inquérito, não poderá conter qualquer assinatura, ainda que fictícia, pelo que, no final da peça, as/os candidatas/os só deverão escrever as palavras seguintes:
“Data”
“Assinatura”.
3 - Cotação: 20 valores
I - A Cotação do Despacho a elaborar distribui-se da seguinte forma:
Tomada de posição sobre a nulidade invocada por um dos arguidos - 2,5 valores
Outras questões prévias - 2 valores
Descrição fáctico-jurídica - 6,2 valores
Qualificação jurídica - 5 valores
Prova e comunicações - 1,8 valores
II – Organização do discurso técnico-jurídico e linguagem utilizada – 2,5 valores.
4 - A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe uma apreciação completa das várias questões que se suscitam até ao final do Inquérito, ou de conhecimento oficioso, de facto e/ou de Direito, que deverá ser coerente e corretamente fundamentado com indicação dos preceitos legais aplicáveis.
5 - Na apreciação da prova relevarão, nomeadamente, a pertinência do conteúdo, a qualidade da informação transmitida, a organização e qualidade da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa.
6 - Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º 19401, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de dezembro).
7 - As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia do "Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa" (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente no quadro "Observações" da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo "Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 não está em vigor com carácter de obrigatoriedade", sendo a prova corrigida nesse pressuposto.
9 - As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
Considere os seguintes elementos com relevo no decurso do Inquérito do Processo com o
NUIPC nº 111/17.0PSLSB:
1) A fls. 1-3 encontra-se o Auto de Notícia, datado de 11 de janeiro de 2017, subscrito por ZZZ,
devidamente identificado, do qual consta, para o que releva:
“Hoje, dia 11 de janeiro de 2017, pelas 16h 30m, fui chamado ao local da ocorrência, sito na
Rua da Infelicidade, nº 1, 1º andar, Esq., nesta cidade de Lisboa, e aí fui contactado pelo
médico António Abrantes que me disse que a porteira lhe indicou a entrada na residência e
que, uma vez lá, constatou que a vítima Belinda Bártolo já se encontrava sem vida, conforme a
ficha CODU nº 1-1, que se junta.
Mais informou que a tripulação da ambulância Lisboa 1, ao deparar-se com a situação, ainda
iniciou manobras de suporte básico de vida, mas sem sucesso.
Dirigi-me para junto do cadáver e constatei que o mesmo se encontrava em decúbito dorsal no
hall da residência.
Analisado o local, constatei que havia vestígios de luta, pois verifiquei que os óculos da vítima
estavam partidos ao lado da mesma e que a vítima apresentava uma escoriação no lábio
inferior.
Na fração da porteira do prédio encontrava-se uma outra vítima, Custódia Carmo, a qual
apresentava várias escoriações na face e a receber assistência médica por parte do INEM.
Indagada, a vítima Custódia Carmo, moradora no 1º andar Drt., disse que chegou a casa por
volta das 16h e, alguns minutos depois, dirigiu-se para casa da sua amiga Belinda Bártolo, o
que fez abrindo a porta de entrada com uma chave que tem na sua posse e que a vítima
Belinda lhe tinha entregue para entrar livremente na casa dela, sem necessidade de tocar à
campainha para o efeito, e assim obrigá-la a levantar-se, já que se movia com dificuldade.
Então, logo que abriu a porta viu a amiga Belinda prostrada no chão e de imediato foi
ELEMENTOS RELEVANTES PARA O(S) DESPACHO(S) A ELABORAR
surpreendida por um indivíduo de cara tapada e com luvas que, ato contínuo, a puxou, lhe deu
na cabeça com uma caixa preta que trazia nas mãos e a agrediu com socos e pontapés,
deixando-a inconsciente.
Quando voltou a si, reparou que a sua amiga ainda se encontrava prostrada no solo,
aparentemente inconsciente, e aterrorizada fugiu para a sua casa para pedir auxílio. Pensa que
quando voltou a ter consciência já estariam sozinhas, pois não viu mais ninguém, nem sentiu
barulho. Mal entrou em sua casa, ligou para a portaria e gritou por socorro, tendo a Deolinda
Dâmaso, a porteira, aparecido alguns momentos depois e chamado o INEM e a Polícia.
Deixo registado que tanto a porta principal como a porta de serviço não apresentavam
quaisquer sinais de arrombamento e a casa quaisquer sinais de desarrumação que levassem a
crer ter o meliante andado à procura de bens de valor.
De toda a situação descrita foi dado conhecimento à Polícia Judiciária e à senhora Procuradora
de turno.”
2) A fls. 10 consta o Relato de diligência externa efetuada em 12 de janeiro de 2017, subscrito
por ZZZ, do qual consta para o que ora releva:
Dando continuidade às diligências tendentes ao apuramento dos factos em investigação,
desloquei-me à Rua da Infelicidade com vista a aí recolher imagens de videovigilância no Hotel
OLHOVIVO, existente no nº 2 dessa mesma rua.
Foram facultadas as imagens respeitantes ao período das 15h 30m às 16h 45m do dia 11 de
janeiro de 2017.
3) A fls. 25-30 consta o Auto de Visionamento das Imagens, datado de 13 de janeiro de 2017,
subscrito por ZZZ, recolhidas na Diligência Externa efetuada em 12 de janeiro de 2017, junto
do Hotel OLHOVIVO, do qual constam:
- Vários fotogramas dos quais se extrai que, na referida Rua da Infelicidade, junto ao nº 1 (local
onde ocorreu o crime), às 15h 56m, caminhavam dois indivíduos de estatura média, trajando
de escuro, com o carapuço do casaco enfiado na cabeça, usando aparentemente calças de
ganga de cor azul e ténis brancos, caucasianos, sendo que um transportava uma mochila às
costas. Entraram ambos no referido prédio com o nº 1, sendo que às 16h 00m, um deles
voltou a sair e permaneceu junto à porta de entrada, no passeio. O indivíduo permaneceu de
costas para a porta do prédio e a certa altura agarrou no telemóvel, que colocou junto ao
ouvido. Aparentava estar vigilante, olhando quer para a direita, quer para a esquerda. Às 16h
13m, saiu pela referida porta de entrada o segundo indivíduo com uma mochila às costas e
ambos abandonaram o local, caminhando apressadamente pela Rua da Infelicidade até ao
cruzamento com a Rua do Desespero, por onde seguiram.
(NOTA: deverá considerar que a qualidade das imagens é baixa, não sendo possível, através
delas, identificar o rosto dos indivíduos que nelas ficaram registadas; identifica-se
razoavelmente a estatura, que são caucasianos, e as roupas que os intervenientes trazem
vestidas)
4) A fls. 35 encontra-se o Auto de Apreensão do DVD, datado de 13 de janeiro de 2017,
contendo as imagens constantes do Auto de Visionamento de fls. 25-30.
5) A fls. 40-42, o Auto de Inquirição de Ernesto Bártolo Esteves, filho de Belinda Bártolo e
Filomeno Esteves, e morador na Rua dos Descendentes, nº 2, 2º andar Frente, Lisboa, datado
de 20 de janeiro de 2017, do qual consta, para o que releva:
A sua mãe morava sozinha desde o falecimento do pai, há cerca de 15 anos. Naquele dia 11 de
janeiro recebeu uma chamada telefónica da porteira do prédio da mãe, Deolinda Dâmaso,
muito aflita, por volta das 19h, talvez, não sabe ao certo, dizendo-lhe que viesse depressa para
casa da mãe porque tinha acontecido uma desgraça. A Deolinda estava muito perturbada e
apenas dizia que era uma desgraça e que a mãe tinha falecido. Nesse dia estava em Paris,
numa reunião de trabalho, e só pôde regressar na madrugada do dia seguinte porque já não
conseguiu voo para essa noite. Inquirido disse que a mãe era pessoa para abrir a porta quando
tocavam à campainha, bastando dizer que era da água ou da luz, ou qualquer coisa desse
género. Perguntado, disse que, do que se apercebeu até ao momento, falta na casa de sua
mãe um cofre de cor preta que esta guardava na sua cómoda, no interior do qual tinha um fio
grosso em ouro antigo, que estima deveria pelo menos valer cinco mil euros, um anel de
noivado com um diamante cujo valor estima possa ascender a dez mil euros e ainda um relógio
de marca Cartier, modelo balon bleu, que novo custa hoje pelo menos cinco mil euros. Estava
tudo dentro do cofre que desapareceu. Não deu por falta de mais nada e a mãe não
costumava ter muito dinheiro em casa.
6) A fls. 50-52 encontra-se o Auto de Inquirição da testemunha Deolinda Dâmaso, datado de
25 de janeiro de 2017, residente na Rua da Infelicidade, Rés-do-chão Dt., Lisboa, constando
dele, para o que ora releva:
Disse há mais de 20 anos que é a porteira do prédio da Rua da Infelicidade, nº 1, e que naquele
dia 11 de Janeiro de 2017, por volta das 15h e 30m, foi fazer uma pequena sesta porque estava
com dor de cabeça e a essa hora não costuma ser chamada pelos moradores do prédio. O seu
horário é das 8h às 14h e das 17 h às 19h mas, se a chamarem em outra qualquer hora, está
sempre disponível para ajudar no que for preciso.
No 1º andar Esq. vivia a Srª D. Belinda Bártolo, viúva há uns 15 ou mais anos, não sabe
exatamente, e que tem um filho já casado que mora também em Lisboa, mas viaja muito pelo
estrangeiro em trabalho.
E no 1º andar Dt. vive a Sra. D. Custódia Carmo.
São muito amigas há muitos anos e sabe que até têm a chave da casa uma da outra. Disse
também possuir as chaves dos 1º andares dt. e esq. que lhe foram entregues pelas
proprietárias para o que fosse preciso.
Estava a dormitar quando o seu telemóvel tocou. Era a D. Custódia Carmo que, aflita, lhe pedia
ajuda, gritando “acuda-me, acuda-me”. Saiu da cama assustada e subiu de imediato ao 1º
andar pelas escadas. A porta da casa da D. Custódia estava aberta e ela estava logo no hall de
entrada, sentada no chão, com sangue na cara, toda despenteada e com a cara já inchada,
com o telemóvel na mão, e só dizia acudam-me, acudam-me, acudam a Belinda. Então ela viu
que a porta do 1º andar esq. estava aberta e, desnorteada com tudo aquilo, entrou no hall e
viu que estava a Sra. D. Belinda caída no chão, com os óculos partidos também no chão,
inconsciente. Não sabia se estaria morta, mas não tocou nela. Voltou de imediato para junto
da D. Custódia, pegou no telemóvel que ela tinha na mão e ligou para o 112 e para a Polícia.
Não saiu mais de ao pé da D. Custódia porque ela estava em estado de choque e teve medo
que lhe acontecesse alguma coisa.
Perguntada, disse que a falecida Belinda era uma senhora muito pacata, não lhe conhecia
inimigos, muito reservada, muito sua amiga, que não faz ideia de quem poderia ter feito uma
coisa daquelas.
Mais disse desconhecer se a D. Belinda tinha dinheiro em casa ou coisas de valor, pois ela
nunca lhe falou disso e pelo menos à vista não lhe conheceu nada que chamasse a atenção,
quer na sua pessoa, quer exposto em casa.
Não sabe se naquele dia ali foi alguém contar a água, luz ou gás durante o tempo em que se
retirou, na hora do seu descanso.
Enquanto esteve ao serviço, ninguém apareceu para esse efeito ou para qualquer outro. Foi
um dia normal, sem visitas aos moradores.
E mais não disse.
7) A fls. 60-62 encontra-se o Relatório de Urgência dos cuidados médicos prestados a Custódia
Carmo, do qual constam os seguintes registos relativos ao dia 11 de janeiro de 2017, para o
que ora releva:
Fluxograma – agressão
Queixa – vítima de agressão da qual resultou traumatismo craniano e torácico, facial, cervical e
TCE com PC
VMER no local
Discriminador – história de perda de consciência
Sinais vitais –
Dor – 7 (0-10) -
(...)
História da doença atual: TC CE e maxilofacial (Urg)
Informação clínica: Trauma AAS
Trazida ao SUC após ter sido vítima de agressão com traumatismo craneo-facial (murros e
pontapés) com perda de conhecimento. Concomitantemente refere traumatismo torácico no
hemicorpo esquerdo, queixando-se de dor localizada à grelha costal esquerda cuja intensidade
agrava com inspiração profunda. Sem disneia nem sinais de dificuldade respiratória
(...)
Admissão em 11 de janeiro de 2017, pelas 17h 28m, por agressão da qual resultou hematoma
epicraniano temporo-parietal direito, hemorragia subconjuntival à esquerda, vários
hematomas na região cervical anterior, equimoses no cotovelo, mão esquerda e dor referida à
grelha costal esquerda. Sem fraturas em imagiologia.
(...)
Alta para saída com parecer médico favorável.
8) A fls. 70-72 encontra-se o exame médico-legal efetuado a Custódia Carmo, do qual consta,
para o que ora releva:
(...)
Discussão
1- Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o
dano.
2 – A cura das lesões é fixável em 18-01-2017 tendo em conta o tipo de lesões resultantes
CONCLUSÕES:
A data da cura das lesões é fixável em 18-01-2017
As lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente o que é
compatível com a informação
Tais lesões determinarão, em condições normais, 7 dias para a cura com afetação da
capacidade de trabalho geral (7 dias) e com afetação da capacidade de trabalho profissional (7
dias)
Do evento não resultarão, em condições normais, quaisquer consequências permanentes.
9) A fls. 80-82 encontra-se o Auto de Inquirição da testemunha Custódia Carmo, residente na
Rua da Infelicidade, nº 1, 1º Dt., datado de 1 de fevereiro de 2017, do qual consta, para o que
ora releva:
Ela e a falecida Belinda Bártolo residiam naquele prédio da Rua da Infelicidade há mais de vinte
anos e foi ali que, por ambas serem vizinhas e morarem no mesmo andar, se fizeram muito
amigas. A falecida ficou viúva há uns 15 anos, com um filho, e ela é solteira, sem filhos. Mais
disse que de há uns anos a esta parte, desde que o filho da falecida Belinda saiu de casa, já
homem, ela passou a ter a chave da casa dela, porque eram a companhia uma da outra, sendo
como irmãs. Todos os dias da semana, por volta das 16h, ia a casa dela ver a telenovela e
ficava até ao jantar. Naquele dia 11 de janeiro, descansou depois de almoço um pouco e, por
volta das 16h, talvez uns minutos depois porque ainda ouviu em sua casa bater as 16h no
relógio da sala, como de costume, dirigiu-se para casa da falecida, o que fez abrindo a porta de
entrada com a chave que tem na sua posse. Então, viu logo a Belinda prostrada no chão,
inconsciente, e ato contínuo foi surpreendida por um indivíduo de cara tapada e com luvas que
de imediato a puxou e agrediu com uma caixa preta na cabeça e lhe deferiu socos e pontapés,
na cara e no corpo, deixando-a logo inconsciente. Quando voltou a si, reparou que a sua amiga
se encontrava ainda prostrada no solo, aparentemente inconsciente, e aterrorizada fugiu para
a sua casa para pedir auxílio. Pensa que quando voltou a ter consciência já estariam sozinhas
pois a porta da rua estava aberta. De seguida, já no hall de sua casa, aflita, ligou do seu
telemóvel para a Deolinda, a porteira, e gritou por socorro, tendo ela aparecido alguns
momentos depois e chamado o INEM e a Polícia.
Não tem a menor ideia de quem pode ter feito esta desgraça.
A falecida Belinda era uma mulher de bem, sem inimigos, só saía para ir à missa, ao
supermercado, fazer uma ou outra compra, sendo sempre as mesmas perto de casa, ou saía
quando o filho a vinha buscar para almoçar com ele. Tratava da sua vida sozinha, vivia da sua
reforma, de administrativa no Ministério do Mar, e da do marido falecido, que tinha sido
bancário. Não falava com desconhecidos, nem era rica, nem sequer com o seu ouro andava na
rua. Sabe que ela tinha um fio grosso de ouro, que o guardava num cofre, na gaveta da
cómoda do seu quarto, e que ela tinha grande estima nele, pois era herdado da mãe, e um
anel de noivado e um relógio oferecido pelo falecido marido. Chegou a ver esses bens, mas
não sabe dizer ao certo o valor, mas seguramente que tudo seria para uns vinte mil euros, ao
que ela uma vez lhe confidenciara.
Perguntada, disse que não faz ideia de quem pudesse querer mal à Belinda: era uma senhora
educada, reservada, muito amiga dos seus amigos e do filho com quem se dava muito bem,
também muito amigo dela, nunca saía à rua com o ouro e não acredita que revelasse a pessoas
de fora que o tinha.
Perguntada, disse ser normal ela abrir a porta a pessoas de confiança ou que se identificassem
ao que vinham.
Perguntada disse que recentemente não houve obras lá em casa da falecida Belinda e que ela
nunca teve empregada doméstica. Sempre cuidou de si sozinha apesar de há algum tempo a
esta parte já ter alguma dificuldade em se movimentar.
E mais não disse.
10) A fls. 90-92 encontra-se o Relatório de Autópsia Médico-Legal de Belinda Bártolo, do qual
consta, para o que ora releva:
(...)
Exame do hábito externo
Cabeça – escoriação na metade direita da região mentoniana com 0,8 cm x 1,1 cm de maiores
dimensões
Pescoço – equimoses bilaterais
- Tórax – escoriação no terço médio da face anterior do hemitórax direito, com 0,4 cm x 0,2 cm
de maiores dimensões
Abdómen – sem lesões traumáticas
Exame do hábito interno
Cabeça
Partes moles – petéquias. Área de infiltração sanguínea na região parietal, linea mediana
sagital, com 3,5 cm x 2,5 cm de maiores dimensões. Área de infiltração sanguínea na região
occipital esquerda, arredondada com 1,2 cm de diâmetro.
Pescoço
Músculos – área de infiltração sanguínea no terço médio do músculo esternocleidomastóideo
direito, com 2,0 cm x 0,6 cm de maiores dimensões. Restantes planos musculares sem lesões
traumáticas.
Conclusões
1 - Em face dos dados necrópsicos, da informação circunstancial atrás descrita e do resultado
dos exames complementares de diagnóstico, tudo indica que a morte de Belinda Bártolo tenha
sido devido a cardiopatia isquémia crónica.
2 – Esta é causa de morte natural.
3 – As lesões traumáticas acima descritas denotam ter sido produzidas por ação de natureza
contundente, não constituindo causa adequada de morte.
4 – Além das lesões atrás referidas foram ainda encontradas outras alterações resultantes de
intervenção terapêutica.
5- O exame toxicológico feito ao sangue para pesquisa de etanol foi negativo.
6 – O exame histológico de fragmentos de órgãos revelou os seguintes diagnósticos anátomo-
patológicos: “enfisema panacinar com formação de “bolhas”. Doença isquémica crónica do
miocárdio com cicatriz de enfarte do V.E. Fígado de estase crónica. Edema da glia”.
11) A fls. 95 encontra-se um Auto de Declarações de Perito, datado de 15 de maio de 2017,
para esclarecimento de exame pericial relativo ao Relatório de Autópsia de fls. 90-92:
Perguntado sobre a produção das lesões, esclareceu:
- A escoriação descrita na região mentoniana denota ter sido produzida por ação de natureza
contundente, sendo compatível com traumatismo provocado por oclusão ou tentativa de
oclusão dos orifícios respiratórios da vítima.
- As áreas de infiltração sanguínea ao nível dos tecidos moles da cabeça denotam ter sido
produzida por ação de natureza contundente, sendo compatíveis com traumatismo provocado
por queda da vítima no chão.
- A área da infiltração sanguínea ao nível dos músculos do pescoço denota ter sido produzida
por ação de natureza contundente, sendo compatível com traumatismo provocado por
compressão extrínseca do pescoço, neste caso, de esganadura.
Perguntado se as lesões traumáticas observadas constituem causa da morte, o senhor perito
esclareceu que:
- constata-se que há pequenas lesões traumáticas externas que não constituem a causa de
morte, tal como não existe em termos anatomopatológicos uma lesão capaz de explicar
objetivamente o evento terminal.
Perguntado sobre o que significa, do ponto de vista patológico, padecer de um enfisema
pulmonar e de uma isquémia crónica do miocárdio, esclareceu que:
- um pulmão enfisematoso, e portanto com menor reserva, conduz a um estado de hipoxémia,
que é uma baixa de oxigénio no sangue, permanente, suscetível de ser agravado com qualquer
esforço ou obstrução mínima da via aérea
- um coração com coronariopatia crónica, isto é, um entupimento das artérias, é suscetível a
fenómenos de hipoxémia e/ou stress. Não se detetaram evidências de isquémia aguda
(enfarto).
Perguntado sobre o que indica a existência de petéquias, esclareceu que
- a presença de petéquias nos tecidos moles surgem com grande frequência nos casos de
síndrome asfíxico, não sendo no entanto patognomónicas. Ou seja, o facto de encontrarmos
petéquias aponta para um quadro de asfixia, mas não podemos excluir outras causas de
morte.
- as petéquias indicam congestão vascular habitualmente de natureza obstrutiva compatível
com uma origem extrínseca e provocada (esganadura).
Perguntado sobre se o contexto emocional pode dar azo ao desfecho observado, disse que
num contexto de um stress violento, com libertação de adrenalina típica nesses casos,
concomitante a episódios de asfixia, ainda que momentâneas, com hipoxémia, é possível a
afetação de um miocárdio doente, desencadeando uma arritmia fatal compatível com a falta
de dados objetivos da autópsia e a morte súbita (morte imediata sem causa aparente de um
indivíduo aparentemente assintomático).
12) A fls. 96 encontra-se o Assento de Nascimento de Custódia Carmo do qual resulta, para o
que ora releva, ter nascido no dia 25 de dezembro de 1936.
13) A fls. 97 encontra-se o Assento de Nascimento e Óbito de Belinda Bártolo do qual se extrai,
para o que ora releva, ter nascido no dia 1 de janeiro de 1930 e falecido no dia 11 de janeiro
de 2017.
14) A fls. 110, com data de 14 de setembro de 2017, o Inspetor titular do Processo lavrou uma
cota com o seguinte teor “Nesta data, faço constar que recebi uma chamada telefónica, pelas
13h, do número 911223344, tendo-se a pessoa identificado como sendo Florberta Frias,
advogada com a cédula profissional 11223300, informando que tinha sido contactada por
Gabriel Gomes e que o mesmo lhe disse ter sido interveniente nos factos ocorridos em 11 de
janeiro de 2017, na Rua da Infelicidade, 1º esq., em Lisboa. Manifestou disponibilidade para se
deslocar às instalações da PJ, na companhia de Gabriel Gomes, amanhã, pelas 11h”.
15) A fls. 120 consta o Termo de Constituição de Arguido e o TIR de Gabriel Gomes, datados de
15 de setembro de 2017, às 11h 10m, dos quais se extrai, para o que ora releva, que nasceu no
dia 25 de janeiro de 1993, na freguesia de Bota-no-Bolso, concelho e distrito de Lisboa, é filho
de Gracindo Gomes e Gilberta Gomes, e reside no Bairro da Congeminação, Lote 1, 1º Esq.,
Caneças.
16) A fls. 130-132 encontra-se o Auto de Interrogatório do arguido Gabriel Gomes, efetuado
pelo Inspetor da PJ titular do Processo, datado de 15 de setembro de 2017, com início às 11h
15m e termo às 12h, no qual esteve presente a advogada do arguido Florberta Frias, do qual
consta, para o que ora releva:
Esclarece que é serralheiro de profissão, trabalhando agora numa empresa de abertura e
montagens de portas, e na data dos factos encontrava-se a trabalhar, por conta própria, na
zona da Rua da Infelicidade, um ou dois quarteirões à frente da residência dos autos, no
sentido da Avenida Funesta, mas já não sabe precisar exatamente em que prédio, pois só lá foi
uma vez e conhece mal aquela zona.
Nesse dia 11, após a hora de almoço, por volta das 13h 30m, recebeu uma chamada do
Humberto Henriques, a perguntar onde estava e se se podiam encontrar para tomar um café.
Combinaram então o local do encontro, às 15h, numa cafetaria na esquina da Rua da
Infelicidade com a Avenida Funesta, cujo nome não recorda.
É amigo do Humberto há um bom par de anos, vivendo ambos no Bairro da Congeminação, em
Caneças. Os pais dele ainda ali residem, mas a ele deixou de o ver por ali.
Quando estavam a tomar o café, o Humberto disse-lhe que precisava dos seus serviços para
abrir uma porta de um apartamento situado naquela zona, porque ali morava um rapaz que
lhe devia muito dinheiro há que tempos e que por isso haveria de trazer o dobro da dívida de
casa dele, estivesse ele ou não em casa, e nem que tivesse que lhe dar nas trombas porque era
um caloteiro.
Ofereceu-lhe 1 000 euros para abrir a porta da entrada da casa, tendo ele que levar as
ferramentas necessárias.
Já uma vez, há uns tempos, lá no Bairro onde moram, ele lhe tinha falado desse rapaz e lhe
tinha dito que se ele não lhe pagasse teria que ir a casa dele buscar o que era seu e não se
ficaria por isso, fosse a bem, fosse a mal, porque caloteiros não brincavam com ele.
Foram então até à Rua da Infelicidade e, quando ali chegaram, a porta do prédio estava
entreaberta.
Então o Humberto disse-lhe para ficar ali a vigiar que se fosse necessário subir para abrir a
porta do apartamento o chamaria.
Ouviu que o Humberto tocou à campainha, e ouviu também abrir e fechar uma porta.
Percebeu, então, que lhe tinham aberto a porta e ele tinha entrado.
Ficou ali para vigiar, se bem que que não poderia impedir que os moradores do prédio
entrassem, porque isso sim, daria nas vistas, e também para ver se, pelo menos, o Humberto
lhe pagaria a hora de trabalho, já que não tinha necessitado da sua intervenção.
Aguardou cerca de 10 a 15 minutos, não sabe bem. Não sabe se atendeu ou efetuou qualquer
chamada durante esse período de tempo, pois não se recorda. Também não sabe dizer qual o
número de telemóvel que usava nessa altura porque muda frequentemente, pois não gosta
que os clientes fiquem com o seu número muito tempo, porque não têm qualquer respeito
pelo seu horário de descanso.
Quando o Humberto saiu, seguiram os dois pelo passeio e ele perguntou-lhe se o rapaz lhe
tinha devolvido o dinheiro e ele disse que sim, que tinha corrido tudo bem. Pediu-lhe então
para lhe dar pelo menos 100 euros para compensar a hora de trabalho perdida e o Humberto
disse-lhe que depois acertariam contas, à noite, lá no Bairro. E pronto, cada um foi à sua vida.
Mas o Humberto não apareceu no café nem lhe deu nada, pois desde essa data não mais
conseguiu estabelecer contacto com ele. Deixou de lhe atender o telefone. Indicou esse
número de telefone do Humberto Henriques como sendo o 92 333 4440. Confrontado com a
ficha biográfica existente na Polícia Judiciária, identifica a foto do Humberto Henriques como
sendo o amigo que o interpelou a deslocar-se à Rua da Infelicidade.
Confrontado com os fotogramas de fls. 25-30, disse que efetivamente é ele e o Humberto.
Depois de ter estado na Rua da Infelicidade, voltou para o seu trabalho e não sabe para onde
foi o Humberto.
Perguntado por que motivo só agora veio falar com a Polícia Judiciária, disse que não tem
conseguido conviver com o facto de saber quem praticou os factos e nada dizer para
esclarecer a verdade e que pretende desta forma colaborar com a investigação, sublinhando
que desconhecia, quando anuiu em acompanhar o Humberto, quem morava no prédio, nunca
lhe tendo passado pela cabeça que aquela ida ali implicaria uma morte.
E mais não disse.
17) A fls. 140-142 encontra-se um Auto de Diligência Externa, com data do dia 18 de setembro
de 2017, do qual consta, para o que ora releva:
Na sequência das declarações do arguido Gabriel Gomes deslocámo-nos na presente data à
residência do arguido para efetuar uma busca domiciliária, conforme auto de busca e
apreensão que se junta a seguir.
18) A fls. 150-152 encontra-se o Auto de Busca e Apreensão, datado de 18 de setembro de
2017, do qual consta, para o que ora releva:
Identidade do buscado: Gabriel Gomes
Consentimento: consinto na busca ao meu domicílio, incluindo equipamentos informáticos e
de telecomunicações, os anexos e as viaturas que se encontram na minha posse, nos termos
do art. 174º, nº 5, al. b), do CPP
Segue-se uma assinatura da qual se reconhece o nome Gabriel Gomes.
A diligência deu o seguinte resultado: foram apreendidas umas calças de ganga de cor azul,
que o arguido confirmou neste ato terem sido utilizadas aquando da sua deslocação à Rua da
Infelicidade na companhia de Humberto Henriques; uma camisola com capuz, que de igual
modo o arguido disse ser a que utilizou no dia dos factos; ambas as peças coincidem com as
que usava no aludido dia e que podem ser perfeitamente identificadas nos fotogramas.
19) A fls. 160-162 encontra-se a promoção do Ministério Público, elaborada na sequência das
declarações do arguido Gabriel Gomes, sob proposta da Coordenadora de Investigação
Criminal, datada de 25 de setembro de 2017, na qual promoveu junto do Juiz de Instrução
Criminal, após ter exarado a competente fundamentação de facto e de direito, em síntese e
para o que ora releva, que, relativamente ao telemóvel utilizado pelo suspeito Humberto
Henriques com o nº 92 333 4440, fosse ordenada à operadora móvel competente o envio dos
dados referentes à faturação detalhada, trace-back com localização celular, no período
temporal entre os dias 1 e 30 de janeiro de 2017, e bem assim que mais fosse ordenada a
interceção do referido número, bem como o IMEI onde tal número esteja inserido e bem assim
a faturação detalhada e localização celular relativa a cada um dos contactos efetuados e
recebidos, pelo período de 30 dias.
20) A fls. 170-172 encontra-se o despacho do Juiz de Instrução Criminal, datado do dia 28 de
setembro de 2017, no qual autorizou as solicitadas interceções e ordenou à operadora que
fornecesse os dados referidos na promoção que antecedia.
21) A fls. 200-202 por despacho datado de 16 de novembro, na sequência de promoção do MP
para o efeito, o JIC autorizou a busca à residência do suspeito Humberto Henriques, sita na Rua
do Agoiro, nº 3, na Buraca, Amadora, entretanto apurada pela investigação, com vista à
apreensão de quaisquer objetos e / ou outros elementos que sirvam de prova dos factos em
investigação e que ali fossem encontrados, nos termos conjugados dos art. 174º, nº 2 e nº 3 e
177º, nº 2, do CPP, com os condicionalismos ali previstos.
22) A fls. 210-212 em 18 de novembro, o MP, descrevendo os factos que considerou apurados,
e fundamentando com o perigo de continuação de atividade criminosa, determinou a emissão
de mandados de detenção fora de flagrante delito contra Humberto Henriques, ao abrigo do
disposto no art. 202º, nº 1, al. a) e b) e 204º, al. c) e 257º, nº 1, do CPP, a fim de que o mesmo
fosse presente ao JIC para primeiro interrogatório judicial com vista a aplicação de medida de
coação.
23) A fls. 220-222 encontra-se a análise ao conteúdo da listagem de contactos telefónicos
mantidos pelo suspeito Humberto Henriques, através do número de telefone 92 333 4440, no
período temporal compreendido entre os dias 1 e 30 de janeiro de 2017, efetuada pelo
Inspetor da Polícia Judiciária e conforme aos documentos oportunamente juntos aos autos
pela Operadora Telefónica, do qual consta, para o que ora releva:
No dia 10 de janeiro de 2017 o suspeito Humberto Henriques usa por várias vezes o seu
telemóvel para estabelecer vários contactos telefónicos ativando antenas BTS afetas à
operadora SEMPR’ ÓTELE, situadas na zona da Rua da Infelicidade, na cidade de Lisboa, ou
seja, na zona geográfica onde, no dia seguinte, no mesmo período temporal, vieram a ocorrer
os factos.
Estas antenas cobrem geograficamente a zona onde está situado o imóvel.
Esta constatação aponta fortemente para que o suspeito Humberto Henriques, no dia anterior
aos factos, tenha estado no local da sua ocorrência, para efetuar o reconhecimento do local
onde os iria perpetrar.
No contexto global da listagem dos contactos telefónicos conclui-se que o suspeito Humberto
Henriques habitualmente não frequenta esta zona.
No dia 11 de janeiro, entre as 15h 45m e as 16h 15m, o telemóvel habitualmente utilizado pelo
suspeito Humberto Henriques acionou a antena BTS na Buraca, Amadora, levando a concluir
que o suspeito deixou o telemóvel na sua residência, que se veio a apurar situar-se nesse local,
enquanto se deslocou à cidade de Lisboa para executar o crime, na companhia do arguido
Gabriel Gomes.
O telemóvel ficou propositadamente em casa para fazer crer que não esteve no local da
ocorrência do crime, no momento da sua execução.
Constata-se igualmente que, na manhã e tarde do dia 11 de janeiro, o referido telemóvel
apenas recebeu contactos telefónicos acionando sempre a mesma antena BTS acima referida,
sita na Buraca.
Entre as 13h e as 18h foram efetuadas várias chamadas para o telemóvel que não foram
atendidas, tendo sido direcionadas para o voicemail, o que representa o facto de não ter
atendido chamadas telefónicas por não se encontrar no local onde o aparelho estava
depositado.
Nos contactos telefónicos posteriores às 18h, o suspeito Humberto Henriques já se encontra
na zona de Caneças, pois as Antenas acionadas encontram-se nesse núcleo urbano.
Relembre-se que o arguido Gabriel Gomes possui residência em Caneças, onde o suspeito
Humberto Henriques também residiu em casa dos seus progenitores.
Foi possível ainda concluir, com base na recolha que se analisa, que entre os dias 1 e 13 de
janeiro, os contactos efetuados e recebidos são para e de cartões “descartáveis”, cuja
titularidade não se logrou apurar e que permanecem desativados desde o dia 11 de janeiro de
2017, bem como assim permanece o cartão do suspeito Humberto Henriques que ora se
analisa.
24) A fls. 230-232 encontra-se o auto de busca e apreensão relativo à residência sita na Rua da
Ganância, Buraca, Amadora, atual residência do suspeito Humberto Henriques, datado de 25
de novembro de 2017, com início às 8h 30m e termo às 10h, do qual consta, para o que ora
releva:
A diligência deu o seguinte resultado:
- dois passamontanhas pretos, nas respetivas caixas, CRIVIT
- 1 telemóvel SAMSUNG GT-S7500, com o IMEI 123456789012345, e um cartão da SEMPR’
ÓTELE
- 1 telemóvel marca SAMSUNG, GT 19300, com o IMEI 098765432109876, e um cartão de
TELE-À-MÃO;
- 1 telemóvel marca SAMSUNG S7 com o IMEI 123098456709812, sem cartão;
- 1600 euros em 8 notas de 200 euros
- um blusão com capuz que corresponde ao usado no dia 11 de janeiro e registado nos
fotogramas.
25) A fls. 240-242 encontra-se um designado Auto de Conversa Informal, datado do mesmo dia
25 de novembro de 2017, com início às 11h e termo às 12h, subscrito pelo arguido Humberto
Henriques e o Inspetor YQY, cujo teor, em síntese e para o que releva é o seguinte:
Hoje, após a sua localização e detenção, pelas 10h 30m, foi mantida conversa informal com o
arguido Humberto Henriques, que relatou a sua versão dos factos da forma que segue:
Já trabalhou como rececionista no Hotel OLHOVIVO, três meses, em 2016, ao lado da casa da
vítima Belinda Bártolo e nessa altura via-a sair de casa, ou à janela, apercebendo-se que ela
residia no 1º esquerdo do nº 1.
Uma vez passou junto a ela viu-lhe um relógio que lhe pareceu ser de luxo e um fio em ouro,
grosso.
Em janeiro de 2017 lembrou-se de a assaltar porque precisava de dinheiro para pagar uma
dívida de droga.
Sabia que havia uma porteira que depois de almoço tinha um tempo de pausa.
Então pensou num plano: tocar à campainha do 1º esq. do prédio, onde morava a vítima, por
volta da hora da sesta, hora em que a porteira não estaria ao serviço, para não ser visto, dizer
que era para verificar a ligação do gás porque cheirava a gás nas escadas e tinha sido chamado
para fazer a vistoria, entrar, abafar a voz à velha, que não ofereceria resistência, pois quase
não conseguia andar, e um empurrão seria o bastante para que caísse e não se conseguisse
levantar, ir ao quarto dela, pois o quarto é sempre onde se guarda o ouro, e apoderar-se dele.
Pensou que era melhor levar um serralheiro de confiança para o caso de ela não abrir a porta e
a terem de arrombar.
Lembrou-se do Gabriel Gomes que era serralheiro e de confiança.
Conhece o Gabriel há muito anos porque moravam ambos em Caneças e frequentavam os
mesmos lugares. Falou com ele. Combinaram que o trabalho seria realizado no dia 11 e na
véspera foram lá os dois ver o sítio.
No dia 11, pelas 3h da tarde, encontrou-se com o Gabriel num café perto do prédio, e depois
deslocaram-se para o nº 1 da Rua da Infelicidade.
Tudo correu como combinado: a velhota abriu a porta quando ele lhe disse que era para fazer
a vistoria do gás, entrou e colocou-lhe um pano vermelho na boca para não gritar, empurrou-a
e ela caiu de imediato e não se moveu mais.
Foi ao quarto, abriu a primeira gaveta e viu logo um cofre preto, agarrou nele e quando já
estava quase a sair deparou-se com outra velhota e teve de lhe fazer um mata-leão, que é uma
espécie de asfixia controlada, para ela desmaiar e poder sair dali sem problemas.
O Gabriel ficou cá em baixo a controlar as entradas e avisar se fosse necessário. Saiu da casa e
dirigiram-se ambos para a Avenida do Desterro, e apanharam um táxi até Caneças.
Depois ele foi para casa no seu carro.
Não teve qualquer lucro com o assalto pois entregou tudo logo nessa noite para pagar a dívida.
Só fez aquilo porque é um viciado e não consegue viver sem cocaína.
Perguntado disse não saber exatamente a identidade do individuo a quem entregou os bens.
26) A fls. 260 encontra-se o Termo de Constituição de Arguido e TIR de Humberto Henriques,
datados de 25 de novembro de 2017, às 12h 30m, dos quais se extrai, para o que ora releva,
que nasceu no dia 31 de janeiro de 1993, na freguesia dos À-dos-Larápios, concelho e distrito
de Lisboa, é filho de Humbertão Henriques e Hermínia Henriques, e reside Rua do Agoiro, nº 3,
na Buraca, Amadora.
27) A fls. 262 encontra-se um Despacho da Coordenadora de Investigação Criminal, datado de
25 de novembro, com o seguinte teor, para o que ora releva:
Conforme resulta dos autos, no dia de hoje, 25 de novembro de 2017, foi dado cumprimento
aos mandados de detenção de Humberto Henriques, indiciado que está pelos factos em
investigação.
Determino que o mesmo seja de imediato apresentado à Exma. Procuradora do DIAP de Lisboa
para apreciação das diligências efetuadas e respetiva validação, bem como apresentação do
arguido detido a primeiro interrogatório judicial.
28) A fls. 269 consta uma cota lavrada pelo Inspetor WYW, datada de 25 de novembro de
2017, na qual fez exarar o seguinte:
Faço consignar que o arguido Humberto Henriques se encontrava detido nesta Polícia hoje, dia
25 de novembro, pelas 13h, para ser conduzido e sujeito a 1º interrogatório judicial de arguido
detido para aplicação de medida de coação e que, na sequência do pedido para usar da casa
de banho, que lhe foi concedido, se evadiu pela janela que dá acesso à Rua da Esperança,
tendo encetado fuga. Foram de imediato colocados em alerta todos os meios policiais para
captura do fugitivo.
29) A fls. 270 encontra-se despacho do MP a determinar a extração de certidão dos autos para
investigação do crime de evasão.
30) A fls. 275-277 consta o seguinte requerimento apresentado em 27 de novembro de 2017
pelo arguido Humberto Henriques, subscrito pelo mandatário Jacinto Jácome, que juntou a
competente Procuração outorgada em seu nome pelo arguido, dirigido ao Juiz de Instrução
Criminal:
“Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal
A defesa do arguido Humberto Henriques vem requerer a apreciação da seguinte nulidade:
Ao arguido foram tomadas declarações sem assistência de defensor.
As suas declarações, sem Defensor, são preponderantes para lhe imputar a responsabilidade
pelos factos dos autos. Porém, o arguido não se revê nessas declarações, que não proferiu e
não correspondem à verdade, tendo sido adulteradas por quem as exarou, sendo certo que as
assinou, sem possibilidade de as ler, a mando do Inspetor YQY, e assinou-as na convicção que
estava a subscrever o teor das suas verdadeiras declarações. O arguido vem, pois, arguir a
nulidade das declarações assim prestadas, mais solicitando que as mesmas sejam
desentranhadas do processo.
Em face do exposto, requer que seja declarada a nulidade de todo o processado que a si
respeita com as legais consequências e desentranhamento dos autos.
1 - Considere que:
- o arguido Humberto Henriques ainda se encontra em paradeiro incerto;
- não existiram quaisquer outras diligências ou outros elementos de prova com relevo para o Inquérito;
- com a eventual exceção da questão expressamente colocada em crise pelo arguido Humberto Henriques (o que se diz sem que se possa ou deva extrair qualquer indício positivo ou negativo de tomada de posição quanto à mesma), todas as demais formalidades, porventura omissas do enunciado, se encontram cumpridas.
2 - Elabore o Despacho de Encerramento de Inquérito, tomando desde logo posição sobre o requerimento apresentado pelo arguido Humberto Henriques no Processo, a fls. 275-277.