VIGAS SOBRE BASE ELÁSTICA
Filipe Rocha Guedes
Programa de pós-graduação em Engenharia Civil - Mecânica das Estruturas - UFPE – Prof. Tiago Ancelmo
Resumo
A análise estrutural de vigas sobre apoios elásticos contínuos pode ser desenvolvida
por meio de solução analítica, apesar de bem mais complexa em relação à solução de vigas
simplesmente apoiadas. Uma das alternativas de simplificar o problema é realizando uma
solução aproximada a partir da discretização dos apoios elásticos em nós, considerando,
naturalmente, a área de influência de cada um. É necessário, portanto, realizar um estudo
comparativo para validar as soluções, bem como a relevância constante de rigidez do solo na
análise.
Palavras-chave: Vigas. Fundação. Base elástica. Análise Estrutural.
1 Introdução
São poucas as publicações nacionais e normas técnicas referentes a problemas de vigas
sobre apoios elásticos contínuos (e de todos os outros tipos de estruturas sob estas condições,
em geral), no que se refere à análise estrutural, dimensionamento e interação solo-estrutura.
Este tipo de problema ocorre com certa frequência no âmbito da Engenharia
Estrutural, sendo como o exemplo mais comum o de vigas de fundação, mais comumente
denominadas de cintas. O solo na qual esta apoiada a estrutura pode ser considerado, em
termos de análise estrutural, como uma base elástica (série de apóios elásticos à translação
contínuos). Ainda outros exemplos de estruturas sobre apoios elásticos contínuos na
engenharia civil também podem ser mencionados: estacas verticais, silos, muros de arrimo,
ponte sobre pontões, trilhos de estradas de ferro, lajes tipo radier, entre outros.
Tem-se como objetivo sumarizar os principais conceitos referentes ao problema de
vigas sobre base elástica, mostrando a solução analítica do problema e realizando um estudo
de caso comparativo por meio de programas computacionais utilizando métodos aproximados,
mostrando a importância da consideração da interação solo-estrutura.
2 Conceitos Gerais
2.1 Definição do problema - equação diferencial
Para um apóio elástico concentrado pode-se considerar que a reação do apoio (Rv) é
diretamente proporcional ao deslocamento vertical (v(x)) sofrido por este (lei de Hooke). Tal
hipótese é satisfatória, e, no caso de apoios elásticos contínuos, a hipótese é verificada para
cada seção ao longo do comprimento do elemento. A relação linear entre força e
deslocamento é mantida através da constante de rigidez, que representa a força necessária
para provocar ou manter um esado unitário de deformação.
Assim, para um carregamento genérico p(x), temos que a reação do solo r(x) é dada
como função desta relação linear entre a rigidez do apoio elástico (que está diretamente ligado
aos parâmetros geotécnicos do solo) e do deslocamento transversal, ou seja, r(x) = kv(x),
conforme figura esquematizada a seguir.
Figura 1 – Modelo de análise estrutural de viga sobre base elástica
Fonte: SANTOS C., 2002
Desta maneira, a equação da linha elástica da viga apoiada no terreno, admitindo ainda
as hipóteses de Bernoulli-Navier e Teoria das Pequenas Deformações, e, ainda, desprezando a
parcela da deformação por esforço cortante, é dada por (considerando eixo vertical positivo de
cima para baixo e rigidez EI constante ao longo do comprimento):
Que representa uma equação diferencial ordinária não homogênea de coeficientes constantes e
ordem 4. A solução da E.D.O. é a soma das soluções homogênea e particular, e é dada por:
Solução homogênea:
Onde:
√
E a solução particular (considerando carregamento p(x) com função polinomial) é:
Assim, a solução total, para o caso de carregamento uniforme, ou seja, p(x) = p, é dada por:
( ) ( )
Onde os coeficientes A, B, C e D são determinados a partir das condições de contorno do
problema.
2.2 Determinação dos coeficientes de rigidez do solo
Conforme já ressalvado, a consideração da interação solo-estrutura mais utilizada em
virtude da simplicidade é a que separa o sistema estrutural do maciço de solo, e a
deformabilidade do solo é então representada por meio de molas no cotorno da estrutura-solo.
Tais molas funcionam para o modelo como apoios elásticos à translação, cuja constante de
rigidez, ou módulo de reação vertical, pode ser estimado em função dos parâmetros do solo.
Este modelo simplificado não considera o efeito da descontinuidade do meio, e é conhecido
como modelo de fundação elástica simples ou como Hipótese de Winkler.
Logo, devem ser determinados valores de coeficiente de reação para cada tipo de solo
e de sistema de fundação. Define-se então o parâmetro kv (coeficiente de reação vertical) para
representar o coeficiente de rigidez que o solo possui para resistir ao deslocamento
mobilizado por uma pressão imposta. Enquanto o coeficiente de mola está relacionado a uma
força, o coeficiente de reação vertical relaciona-se com uma pressão.
Alguns autores como Terzaghi (1995) sugerem valores padronizados para o módulo de
reação vertical para diferentes características de solos. Certamente a utilização de tabelas não
é o método mais apropriado para se obter o coeficiente de reação vertical de um maciço de
solo. Mas, por conter valores aproximados, eles ajudam a construir modelos para estudo que
considerem a deformação do solo, ou seja, modelos mais próximos da realidade.
Tabela 1 – Valores de kv segundo Moraes e Terzaghi
Fonte: ANTONIAZZI, 2011
Vale ressalvar que o coeficiente de reação vertical não é o valor direto da constante de
rigidez de mola a ser considerada no modelo estrutural, já que é o coficiente que relaciona a
resistencia o deslocamento por uma pressão imposta, e não uma força, portanto tem unidade
de força por comprimento cúbico. Para o caso de estruturas reticuladas ainda deve ser
considerado a área de influência para determinar a rigidez da mola em unidade de força por
metro, ou seja:
, onde B é a area de contato com o meio (solo), no caso, a base da viga.
3. Estudo de caso
Para exemplificação e validação dos conceitos abordados anteriormente, será realizado
um estudo de caso comparativo, envolvendo solução analítica exata e solução computacional
aproximada.
3.1 Exemplo a ser estudado
Para o estudo de caso será abordado o problema de uma cinta de fundação de uma
estrutura em concreto armado, apoiada em sapatas isoladas e recebendo carregamento de
alvenaria de 2,6 metros de altura. O comprimento da cinta é de 12 metros e o solo é composto
por silte e areia compactada. A cinta tem dimensões 20 cm (largura) por 70 cm (altura).
Assim, tem-se os seguintes dados para análise desta estrutura (viga sobre base elástica):
EI = 15.000 tf.m² (Seção retangular 20x70); q = 1 tf/m (Peso próprio + alvenaria); L = 12 m
kv = 10.000 tf/m³ , logo a constante de rigidez do apoio elástico é de:
k = 10.000 tf/m³ x B, onde B é a área de influência a ser considerada, que no caso é de 0,20m
(base da viga) vezes a distância linear de influência ao longo do eixo da viga, que dependerá
da discretização, para o caso da solução aproximada. Para o caso da solução analítica, o valor
de k é de 10.000 tf/m³ x 0,20 m = 2000 tf/m/m (apoio elástico contínuo).
Figura 2 – Modelo de análise estrutural do estudo de caso
Fonte: SANTOS C., 2002
3.2 Solução analítica
No caso de uma viga de fundação submetida à carregamento uniforme e simplesmente
apoiada, conforme, vigura abaixo, tem-se as seguintes condições de contorno para a solução
da equação diferencial que rege o comportamento da viga:
Assim a solução da equação diferencial é ainda dada por:
( ) ( )
E os valores dos coeficientes A, B, C e D podem ser determinados a partir das condições de
contorno acima. Deve-se ter em mente que o momento fletor está relacionado com a segunda
derivada do vetor deslocamento, assim:
[ ( ) ]
E, substituindo as condições de contorno na equação diferencial, chega-se a um sistema de
quatro equações não-lineares, cuja solução, para os coeficientes A, B, C e D é:
( ( )
) (
)
( ( )
) (
)
Assim, tem-se que para chegar na solução de deslocamentos v(x) na viga simplesmente
apoiada em fundação elástica basta substituir os coeficientes A, B, C e D na expressão acima:
( ) ( )
O diagrama de momentos fletores também pode ser determinado:
( ) ( )
Plotando os gráficos, temos como resultado, para os dados iniciais da questão, a solução
analítica:
Figura 3 – Resultado para deslocamentos ao longo da viga
Figura 4 – Resultado para momentos fletores ao longo da viga
A reação de apoio pode ser facilmente obtida dividindo-se o carregamento total (isto é,
carregamento uniforme de cima para baixo e o ‘’carregamento’’ da reação do solo de baixo
para cima) por dois, já que a estrutura é simétrica.
3.3 Solução aproximada – discretização do apoio elástico continuo considerando as áreas
de influência
Para a solução aproximada através de programa computacional, a barra será
discretizada em várias partes, e o apoio elástico será concentrado, considerando a área de
influência (distância entre os apoios concentrados, que depende da discretização). 3.3.1 – 1º caso – discretização em 20 elementos – ftool
Figura 5 – Resultado para momentos fletores para 1º caso de solução aproximada
Figura 6 – Resultado para deslocamentos para 1º caso de solução aproximada
3.3.2 - 2º caso – discretização em 100 elementos – software de elementos finitos
Figura 7 – Resultado para reações de apoio para 2º caso de solução aproximada (elementos finitos)
Figura 8 – Resultado para momentos fletores para 2º caso de solução aproximada (elementos finitos)
Figura 9 – Resultado para deslocamentos para 2º caso de solução aproximada (elementos finitos)
3.4 – Tabela resumo
Solução
Resultado Exata - analítica Aproximada - 20
elementos - ftool Aproximada - 100 elementos - SAP
Diferença absoluta média (%)
Deslocamento máximo (meio do vão) (mm)
0,56458 0,5649 0,563 0,168%
Máximo momento fletor (tf.m)
0,853 0,8629 0,8473 0,914%
Reação nos apoios rígidos (tf)
1,152 1,17 1,147 0,998%
Tabela 2 – Tabela resumo mostrando os resultados para os diferentes tipos de solução
3.5 Comparativos para diferentes valores de rigidezes de mola
Constante do solo (kv) (tf/m³)
Rigidez do apoio (k) (tf/m/m)
Momento fletor máximo (tf.m)
Deslocamento transversal
máximo (mm)
Reações no apoio rígido
10000 2000 0,853 0,563 1,147
5000 1000 1,23 1,13 1,37
2500 500 1,96 2,163 1,7
1250 250 3,57 3,894 2,19
625 125 6,18 6,42 2,89
315 63 9,29 9,41 3,71
0 (biapoiada) 0 (biapoiada) 18 17,8 6 Tabela 3 – Resultados de esforços e deslocamentos para diferentes valores de k
4. Considerações finais:
Percebe-se que a solução analítica é bastante complexa, principalmente para condições
de contorno e de carregamento mais complicados. Contudo, a solução aproximada, através da
discretização dos apoios, mostrou-se bastante eficaz, já que a diferença encontrada foi
desprezível (menos de 1%). A utilização de programas computacionais com a correta
discretização para o problema de vigas sobre base elástica produz resultados satisfatórios.
É notável a importância da consideração solo-estrutura para a análise estrutural da
viga. Na tabela 3 pôde-se notar que o valor do esforço de momento fletor foi reduzido pela
metade (em relação ao vão biapoiado) mesmo considerando um solo cuja constante de reação
vertical é baixíssima (315 tf/m³).
5. Referências
SANTOS, C. L. Análise de vigas em fundação elástica. Lisboa, 2002. ANTONIAZZI, J.P. Interação solo-estrutura em edifícios com fundações superficiais, 2011.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Maria. Centro de Tecnologia. Santa
Maria, 2011. OLIVEIRA, N. M.; ESPINDOLA, C. R. Trabalhos acadêmicos: recomendações práticas.
São Paulo: CEETPS, 2003.