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Trabalho de Conclusão do Curso de Letras, habilitação Português/Inglês pela Universidade do Vale dos Sinos, 2008.
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RAQUEL SALCEDO GOMES
A APLICAÇÃO DA PEDAGOGIA DE PROJETOS NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO
DE ENSINO DE LÍNGUA INGLESA DO CURSO DE LETRAS DA UNISINOS
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS-INGLÊS
RAQUEL SALCEDO GOMES
A APLICAÇÃO DA PEDAGOGIA DE PROJETOS NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO
DE ENSINO DE LÍNGUA INGLESA DO CURSO DE LETRAS DA UNISINOS
Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado em Letras – Português-Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.
Orientadora: Prof. M.S. Melissa Santos Fortes
São Leopoldo
2008
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho, primeiramente, a meus pais e a seus novos companheiros,
que sempre me incentivaram a prosseguir nos estudos, vendo a educação e o saber como
única maneira de ascensão financeira e realização pessoal.
Dedico-o também a meu companheiro, Marcelo, pelo amor devotado a mim e pela
eterna cobrança para que eu concluísse meus estudos.
Dedico-o a todos os meus professores, mas, em especial, a Melissa Santos Fortes,
Marlene Teixeira, Juracy Saraiva, Maria Helena Veppo, Vera Haas e Élvio Funck, que me
serviram de exemplo e muito me influenciaram nas escolhas profissionais que tenho feito.
Dedico-o aos meus amigos, Patrícia Facchini Lampert, Carlos Roberto Ludwig,
Cláudia e Cláudio Kremer, que colorem minha vida com pinceladas de estímulo e muitas
risadas.
Por fim, dedico-o a todos que quiserem lê-lo e a todos aqueles que defendem a
educação e o conhecimento como um modo de libertação das pessoas contra todo o tipo de
opressão.
EPÍGRAFE
“Achei que ia ser suspenso mas era só pra conversar
E me disseram que a escola era meu segundo lar
E é verdade, eu aprendo muita coisa realmente
Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre!
Então eu vou passar de ano
Não tenho outra saída
Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida
Discutindo e ensinando os problemas atuais
E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais
Com matérias das quais eles não lembram mais nada
E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada...”
Trecho da canção Estudo Errado, de Gabriel O Pensador, 1996
RESUMO
Este trabalho propõe-se a investigar o tipo de ensino e aprendizagem que se tem
buscado nos estágios supervisionados de língua inglesa do Curso de Letras da UNISINOS, a
partir da opção pela Pedagogia de Projetos.
Mediante entrevistas realizadas com três estagiárias e a análise de seus relatórios
da Prática de Ensino, busca-se refletir sobre a Pedagogia de Projetos e sua aplicação no ensino
de língua inglesa em escolas regulares, durante os estágios. Para fundamentar esta reflexão, a
Pedagogia de Projetos é apresentada, assim como uma discussão sobre a influência das
principais teorias de aprendizagem nessa abordagem de ensino.
PALAVRAS-CHAVE: Pedagogia de Projetos, Ensino, Aprendizagem, Língua
Inglesa, Estágio Supervisionado
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1 PEDAGOGIA DE PROJETOS
1.1 TRAJETÓRIA
1.2 PRETENSÕES DA PP
1.3 PRINCÍPIOS EM QUE A PP SE FUNDAMENTA
1.4 ESTRUTURA DE UM PROJETO
2 CONCEPÇÃO DE LÍNGUA, TEORIAS DE APRENDIZAGEM E SUAS
IMPLICAÇÕES PARA A PP
2.1 CONCEPÇÃO DE LÍNGUA
2.2 TEORIAS DE APRENDIZAGEM
3 METODOLOGIA
3.1 CONTEXTO DA PESQUISA
3.2 ANÁLISE
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
INTRODUÇÃO
Este trabalho de conclusão objetiva analisar três projetos escolares desenvolvidos
por estagiárias da disciplina de Prática de Ensino de Língua Inglesa no Ensino Fundamental e
Médio do Curso de Letras da UNISINOS, com o intuito de investigar que tipo de ensino de
língua inglesa tem sido desenvolvido nos estágios, a partir da opção pela Pedagogia de
Projetos. Pretende-se discutir de que modo a Pedagogia de Projetos se concretiza no ensino e
aprendizagem de língua inglesa nos estágios e a influência que a aplicação dos projetos teve
na vida profissional das estagiárias, após a graduação na universidade.
A escolha de investigar o uso da PP nos estágios de LI se deu por que:
Durante a disciplina de Prática, a supervisora estimulou os estagiários a trabalhar
com projetos de trabalho, mediante discussões sobre modos alternativos de ensinar inglês de
forma significativa para os alunos.
Os PCNs (Brasil, 1998) indicam os projetos de trabalho como uma maneira
concreta de trabalhar os conteúdos, de modo a não focar somente os conteúdos em si mesmos,
mas os problemas e questões do dia-a-dia dos estudantes.
De acordo com os PCNs (1998), a aprendizagem de uma LE deve acontecer de
modo significativo, contextualizado e com enfoque social porque, mediante o uso da língua,
ocorre socialização, as pessoas expõem seu posicionamento no mundo e reivindicam direitos
e deveres. Mediante os projetos, os alunos interagem entre si, com o professor e com o
mundo, podendo utilizar a LE em um contexto, em uma situação em que ela seja necessária
de alguma forma.
O trabalho com projetos no ensino de LE é uma novidade para muitos formandos
ainda não familiarizados com essa abordagem. É um desafio trabalhar os conteúdos dentro de
um contexto, escolher um assunto sobre o qual aprender e utilizar a língua, de modo a criar
condições para que os alunos reflitam sobre o mundo, especialmente porque a maioria dos
professores não vivenciou a aprendizagem de línguas no contexto escolar dessa forma.
O ensino de língua inglesa nas escolas tem seguido moldes antigos, como a ênfase
na forma, na gramática ou na simples leitura instrumental. Porém, em uma escola regular, o
professor também tem o compromisso de ensinar cidadania, ética e pensamento crítico. Os
projetos emergem como uma proposta para que isso seja feito.
Esse trabalho pode ajudar os leitores docentes no sentido de fazê-los pensar sobre
a PP e estreitar seus laços com essa abordagem, estimulando-os a voltar a usá-la ou a
continuar a usá-la, e pode ainda ajudar acadêmicos que tenham interesse em trabalho com
projetos em LE em seus estágios, em seus TCC e também em sua vida profissional futura.
Pode ajudar o leitor a perceber a trajetória das teorias de aprendizagem e de que modo as
ideias sobre educação tiveram influência sobre a PP. Pode ainda fornecer dados práticos e
sugestões de projetos de trabalho e maneiras de aplicá-los e de refletir sobre eles.
A pesquisa divide-se em três capítulos: no capítulo 1, a PP é apresentada, sob a
ótica de quatro diferentes dimensões dessa abordagem: relata-se a trajetória cronológica da
PP, ou seja, sua história, quando surgiu e como foi adaptada e modificada ao longo do tempo;
discute-se suas pretensões, enquanto uma maneira de concretizar a aprendizagem que
ambiciona inovar e contrapor-se a ideias sobre aprendizagem mecanicistas e fragmentadoras;
são apresentados os princípios que caracterizam o trabalho com projetos, bem como a
estrutura de um projeto, com as etapas que o compõem.
No capítulo 2, reflete-se sobre a concepção de língua relacionada ao ensino por
projetos e são apresentadas as principais teorias de aprendizagem e sua relação com a PP é
discutida, no sentido de analisar se a PP foi influenciada por tais teorias ou se busca
contrapor-se a elas. O terceiro e último capítulo contém a metodologia de pesquisa utilizada
neste trabalho e a análise dos dados obtidos, cotejados com as reflexões apresentadas nos
capítulos 1 e 2.
1 PEDAGOGIA DE PROJETOS
Neste capítulo, pretende-se apresentar a Pedagogia de Projetos, doravante PP,
explicitando quatro dimensões dessa abordagem pedagógica: 1) sua trajetória, desde seu
surgimento até a atualidade; suas pretensões, isto é, o papel que ela anseia cumprir na
educação ou a lacuna que visa à preencher; 3) Seus princípios e suas características: de que
modo ela se configura no que concerne ao ensino, à aprendizagem e aos papéis dos
participantes desse processo; 4) as etapas que compõem a estrutura de um projeto em sua
aplicação na sala de aula.
Optamos por explicitar essas quatro dimensões para fins didáticos. Ao analisar cada
dimensão separadamente, podemos aprofundar o conhecimento sobre os aspectos relevantes,
o que deve colaborar com a análise dos projetos investigados.
Se conhecermos a trajetória desse fazer pedagógico, poderemos compreender melhor o
porquê a PP se estrutura da maneira como presentemente o faz; se explicitarmos suas
pretensões, ficará claro a que tipo de ensino a PP busca se contrapor e de que modo suas
pretensões são concretizáveis no ensino de língua inglesa; se conhecermos seus princípios e
características, poderemos analisar em que medida ela se apresenta como uma alternativa
promissora para um ensino de língua inglesa significativo, isto é, que não ensine a língua
apenas como um sistema de regras, mas como um modo de fazer coisas e de se posicionar no
mundo; ao conhecermos a estrutura de um projeto, com suas principais etapas, poderemos
investigar modos coerentes de aplicá-los nas aulas de inglês.
1. Trajetória
O trabalho com projetos não é uma forma de ensino nova. De acordo com o pedagogo
espanhol Fernando Hernández (1998), a abordagem educacional por projetos existe há
bastante tempo; surgiu no começo do XX, com teóricos como John Dewey e William
Kilpatrick.
Segundo Hernández (1998), John Dewey, no decorrer de sua vida acadêmica como
filósofo da educação, mostrou-se insatisfeito com o ensino oferecido pela escola, que ia se
compartimentando a cada dia devido ao grande número de disciplinas, sobrecarregadas de
fragmentos desconexos e dados fora de contexto, estes últimos, transmitidos pelos professores
com base na repetição e na autoridade.
Dewey sugeriu, ao longo de sua e obra e, mais pontualmente, no livro “How we think”,
cuja primeira publicação data de 1910, que o desenvolvimento do pensamento se origina de
uma situação problemática, a qual se deve tentar resolver a partir de uma série de atos ou
etapas, articuladas com o objetivo de encontrar uma solução (Van Acker, In: Dewey, 1979).
Conforme Hernández (1998), William Kilpatrick, um discípulo de Dewey, decidiu
levar essa linha de pensamento sobre a aprendizagem para a sala de aula, com a publicação do
artigo “The project method”. A partir de então, o trabalho por projetos passou a ter
reconhecimento nos meios educacionais em diversos períodos daquele século, sendo
readaptado por outros estudiosos da educação.
Tanto que, já em 1934, afirma Hernández (1998), Martí, educador americano,
registrou pelo menos dezessete diferentes interpretações do método de projetos. Portanto, o
trabalho por projetos segmentou-se em múltiplas denominações, abrigando divergências em
muitos níveis, algumas sutis, outras mais acentuadas.
Algumas dessas denominações são: centros de interesse (Decroly, 1943), estratégia de
projetos (Araújo, 2003), trabalho por temas, projetos de trabalho (Hernández, 1998), project
work1 (Fried-Booth, 1986) e projeto de pesquisa (Martins, 2001).
As principais diferenças entre essas variadas denominações estão no número de etapas
de desenvolvimento dos projetos e nos argumentos que cada autor utiliza para justificar o uso
de projetos em sala de aula.
Por exemplo, para Decroly (1943), a aprendizagem deveria ocorrer levando em conta a
intuição do estudante. O autor sustentava a ideia de que o conteúdo a ser estudado deveria
partir exclusivamente do aluno e de seus interesses. Argumentava que a intuição do aluno
seria o melhor guia na seleção e ordem dos conteúdos. Fried-Booth (1986) argumenta que o
assunto deve ser selecionado com base em uma análise do que os alunos necessitam para
cumprir com determinadas tarefas e solucionar certos problemas, não seguindo a intuição,
mas a necessidade.
Hernández (1998) relata que, também na década de trinta, o professor espanhol
Fernando Sáinz defendeu a ideia de fazer com que a escola se aproximasse da vida cotidiana
dos alunos, para que o aluno “não sinta a diferença entre a vida exterior e a vida escolar” (p.
81). De acordo com Sáinz (Sáinz, 1931 apud Hernández, 1998), a escola deve estar próxima
da vida real, os problemas da realidade devem ser trazidos para a escola e enfrentados na sala
de aula.
Assim, podemos listar as principais ideias que caracterizavam o ensino por projetos
1.... Trabalho com projeto
quando este surgiu:
iniciar a aprendizagem por uma situação problemática;
aproximar a escola da vida real;
combater a excessiva fragmentação das disciplinas
estimular o aluno a pensar, orientando-o a descobrir respostas por si mesmo;
A primeira dessas ideias, iniciar a aprendizagem por uma situação problemática,
pretende estimular o engajamento dos alunos no assunto a ser estudado. Para que isso possa
ocorrer, é importante explicitar aos alunos por que e para quem a situação é problemática, ou
seja, é necessário problematizá-la. Tal situação poderá partir do professor, de um aluno, de um
grupo de alunos ou, até mesmo, de toda a turma, sendo conveniente analisar com toda a turma
até que ponto ou para quem ela se configura como um problema e por que se configura como
um problema para os estudantes.
Não basta que o professor afirme que a situação é problemática. Se os alunos
realmente a encararem dessa forma, tenderão a um maior comprometimento na busca por uma
solução. Por exemplo, o professor de inglês pode propor que os estudantes escrevam uma
carta de apresentação no idioma a um amigo estrangeiro em potencial, com informações
pessoais básicas, como sua idade, dados sobre sua família e preferências, como a comida e o
esporte favorito.
Nesse processo, os estudantes precisam se dar conta de que ter a habilidade de
escrever sobre si na língua estrangeira poderá lhes trazer benefícios para seu presente e seu
futuro e não ter essa habilidade poderá lhes fazer falta como cidadãos de um mundo que tem
fronteiras menos demarcadas a cada dia, se configurando, a falta de tal habilidade, como um
problema, o qual professor e alunos buscarão solucionar.
Portanto, a aprendizagem deve se iniciar por uma situação problemática e
problematizada, na qual todos vejam um porquê de a estarem estudando. A aproximação da
escola com a vida real é uma característica que sempre deve estar presente no ensino, por dois
motivos interligados: para que o aluno veja um propósito no conteúdo que está estudando e,
assim, saiba utilizá-lo e reutilizá-lo com propriedade, transferindo-o para outras situações fora
da escola. Sempre ouvimos de muitas pessoas, ainda estudantes ou não mais, que alguns
conteúdos aprendidos são logo esquecidos, especialmente fórmulas e regras, porque, quando
ensinadas, não são contextualizadas, ou seja, aprende-se a fórmula e a regra, mas não
situações concretas em que poderiam ser utilizadas. Por isso, muitas vezes ouvimos que a
escola é uma perda de tempo, pois o conhecimento lá ensinado não perdura. Se o estudante
consegue perceber os diversos usos dos conhecimentos, ele poderá enxergar um propósito em
sua aprendizagem e saberá utilizar esses conhecimentos em sua vida na escola e além dela.
A questão do combate à fragmentação das disciplinas também se relaciona com as
noções de aplicação na vida real e de contextualização. Por exemplo, se um aluno brasileiro
terminou a escola, fez um curso técnico, se tornou mestre de obras e precisa construir uma
casa, ele terá de lidar com questões que envolvem várias disciplinas para a construção da
referida casa: precisará de conhecimentos de língua para ler e entender a planta do projeto, de
conhecimentos de matemática para calcular as medidas da casa e a quantidade de materiais
necessária à sua construção, terá de ter noções de física para lidar com questões de peso e
volume dos materiais, noções de química para encontrar o ponto certo do cimento, entre
outras coisas. Ou seja, os desafios com que as pessoas se deparam ao longo de suas vidas não
estão fragmentados e é para lidar com esse tipo de desafio que a escola deve preparar o
cidadão.
E é devido a essa preocupação com a vida dos cidadãos, que convém estimular os
estudantes a pensarem por si mesmos, a desenvolverem suas próprias estratégias para lidar
com os problemas e a buscarem suas próprias soluções.
A aula de inglês se configura como um ambiente no qual as ideias acima discutidas
podem ser concretizadas, pois, pelo fato de a língua ser, ao mesmo tempo, objeto de estudo e
meio de se estudar outros assuntos, ela proporciona um espaço aberto, uma ponte para se
chegar a vários lugares. Por isso, o estudo da língua mediante o trabalho com projetos é viável
e pode ser muito produtivo.
Hernández (1998) menciona que o trabalho por projetos passou por períodos de maior
e menor evidência desde seu surgimento com Dewey. Durante o período da Segunda Guerra
Mundial, por exemplo, o autor afirma que essa abordagem2 foi deixada de lado, pois a guerra
fortaleceu o conceito de racionalidade tecnológica, em que há uma resposta exata para tudo, o
que desencorajou o uso de estratégias educativas que objetivavam estimular o aluno a pensar
e descobrir respostas por si mesmo.
Mas o autor lembra que, com o fim da guerra e a estabilização econômica, o
racionalismo tecnológico perdeu parte de sua força e diversos conflitos sociais surgidos nesse
período favoreceram a aceitação de ideias, muitas vezes divergentes, embora construtivistas,
de Piaget e Vygotsky3 sobre o desenvolvimento da inteligência, a aprendizagem de conceitos
e a cognição.
Assim, após a guerra, a discussão sobre quais seriam os conceitos mais adequados a
serem ensinados e como deveriam ser selecionados voltou a abranger o trabalho por temas.
2.... Richards e Rodgers (1986) distinguem três nomenclaturas diferentes para modos de ensino: abordagens, que abrigam inclinações teóricas sobre o processo educacional; metodologia, que abrange um conjunto de procedimentos variados mas teoricamente compatíveis sobre o ensinar e o aprender e método ou técnica, referente a um procedimento prático para a consolidação do processo educativo. Nos referimos à PP enquanto uma abordagem, porque ela abriga uma visão teórica específica sobre o ensino, a aprendizagem e a língua, que estabelece etapas mais ou menos fixas, mas não procedimentos de como estas devem ocorrer.
3.... De acordo com Moreira (1999), tanto Piaget, quanto Vygotsky sustentavam a ideia de que o conhecimento é construído pelo ser humano mediante a interação, por isso, são chamados construtivistas. Piaget, por um lado, afirma que a construção do conhecimento ocorre na interação do ser humano com o meio em que vive, ao passo que Vygotsky vê tal construção nas interações sociais com outras pessoas. As ideias destes teóricos e suas implicações para a PP serão discutidas mais enfaticamente no capítulo 2.
Hernández (1998) ressalta que, na década de 1960, o teórico americano Bruner desempenhou
importante papel na discussão em torno do trabalho por temas e tal abordagem temática
levantou a bandeira da interdisciplinaridade. As ideias brunianas, entretanto, despertaram
inúmeros questionamentos por parte dos educadores daquela década. Hernández (1998)
lembra que Bruner foi questionado porque suas ideias não davam conta de explicar, por
exemplo, por que, às vezes, os alunos não aprendem ou não conseguem transferir conteúdos
estudados para outras situações.
O educador espanhol ressalta que, nos anos oitenta, o avanço da tecnologia e a
consolidação do construtivismo fizeram com que o trabalho com projetos voltasse a ser
destaque no campo da educação em todo o mundo.
De acordo com o brasileiro Nilbo Nogueira (2003), a tecnologia permite o amplo
acesso à informação e o aluno necessita aprender a selecionar, distribuir e armazenar toda a
quantidade de conteúdos a que tem acesso de modo a aperfeiçoar e validar sua aprendizagem.
Não basta que os dados cheguem ao estudante, ele precisa saber manejá-los a seu favor. O
autor brasileiro inclui, ainda, as mudanças na noção de inteligência desenvolvidas por
Gardner (1995) como aspectos influentes na visão sobre aprendizagem, exigindo o uso de
estratégias metacognitivas como forma de pensar e reelaborar as decisões e atitudes
consideradas importantes nesse processo.
Essa invasão da tecnologia na vida cotidiana e, por conseqüência, na vida escolar dos
cidadãos é benéfica ao trabalho por projetos. O uso de meios diversos, como o computador, a
internet, a televisão, gravações de voz, vídeos, jornais, revistas e outros, amplia o número de
ferramentas que estudantes e professores têm à disposição para a solução das questões
abordadas nos projetos. Um uso eficaz dessas ferramentas, no entanto, também requer
reflexão e investigação. É preciso aprender a dominá-las no que diz respeito a seu uso técnico,
selecionar qual a mais adequada para cada atividade e aprender a usá-las da forma que melhor
se encaixe no propósito do projeto trabalhado.
Martins (2001) é outro brasileiro estudioso da PP e fala a respeito dos avanços das
ideias sobre educação no Brasil. Segundo ele, após séculos de predomínio do método
tradicional, em que o professor transmitia o conteúdo ao aluno, que deveria repeti-lo durante
as avaliações para provar que realmente o aprendeu, surgiu, na década de 1930, o movimento
“Ensino para todos”, contribuindo com experiências de movimentos como o da “Nova
Escola” e da “Escola Crítica”.
Conforme Medeiros (2006), o movimento da Nova Escola, cujo ícone foi o educador
Anísio Teixeira, defendia a universalização da escola pública como único elemento eficaz
para a construção de uma sociedade democrática, respeitando a individualidade dos sujeitos.
O autor afirma que a Escola Crítica, que se popularizou entre os educadores por meio dos
trabalhos de Paulo Freire, abraçava a ideia de que professores e alunos devem ser vistos como
intelectuais, pensantes e críticos e que a escola tem o papel de transformar a sociedade4.
Martins (2001) também destaca o impacto das ideias brunianas em nosso país. Em
1960, sob a influência das ideias de Bruner, fortaleceu-se, no campo da educação, a noção de
“ensino por descoberta”, segundo a qual os alunos deveriam aprender sozinhos, priorizando-
se a observação, a experimentação, a formulação de hipóteses e de generalizações em
detrimento dos conteúdos. Mas o autor brasileiro relembra que esse método foi refutado
porque os estudantes sentiam a necessidade de um acompanhamento mais substancial do
professor e de modelos mais coerentes e consistentes para elaborar seus trabalhos e
desenvolver seu conhecimento. Portanto, buscaram-se novas ideias, dentre as quais, a partir
de década de 1980, encontra-se o trabalho com projetos, que difere dos demais porque busca
4.... MEDEIROS, Joaquim. A história da educação: introdução. 2. ed. São Paulo: Ática, 2006. 300 p. (Primeiros passos, vol. 21)
resolver a questão da presença e participação do professor nas tarefas e apresenta um modelo
de elaboração dos trabalhos que, embora flexível, tem estágios e procedimentos fixos, o que
ajuda os estudantes a concretizarem cada etapa da aprendizagem.
O autor explica como se deu a popularização do trabalho com projetos no país. Ele
afirma que, primeiramente, as inovações de Piaget e Vygotsky começaram a ser divulgadas no
Brasil, introduzindo conceitos de que a PP faz uso, como a ideia de conhecimento prévio e de
interação com o ambiente como forma de modificar a ele e a si mesmo. Educadores
brasileiros como Paulo Freire, com sua Pedagogia Crítica e Pedro Demo, com sua luta
constante pelo aperfeiçoamento da formação de professores, também contribuíram com ideias
inovadoras sobre a escola como espaço democrático para descobertas e reflexões.
Na última década, estudiosos como Fernando Hernández (1998) e Josette Jolibert
(Barbosa, 2004), na Europa, e Maria Carmen Barbosa (2004) e Nilbo Nogueira (2003), no
Brasil, têm enfatizado a aplicação do trabalho com projetos como alternativa ao melhor
desenvolvimento da aprendizagem escolar porque afirmam que a aplicação de projetos tem a
capacidade de transformar a escola em um espaço de democracia e liberdade, colaborando
para a formação do pensamento crítico e reflexivo dos estudantes, uma vez que divide a
responsabilidade sobre a aprendizagem entre professor e alunos.
Até aqui, apresentamos um pouco da trajetória da PP no Brasil e no mundo, suas
denominações e os nomes dos autores que argumentaram e argumentam em favor do uso
dessa abordagem. Discutimos as primeiras ideias sobre educação apresentadas pela PP e seu
potencial em aulas de língua inglesa. Nas próximas seções desse capítulo, as pretensões e
características da PP serão detalhadas, discutiremos mais a fundo sua aplicação no ensino de
inglês em escolas regulares e apresentaremos a estrutura de um projeto, com suas principais
etapas de desenvolvimento.
1.2 Pretensões da PP
Hernández (1998) afirma que a abordagem educacional por projetos pretende ser
transgressora e mudar antigos paradigmas sobre o modo de aprender, armazenar e lidar com o
conhecimento. Desse modo, a PP tem a pretensão de se apresentar como uma alternativa aos
procedimentos tradicionais de aprender e ensinar e também à maneira de ver a educação e o
conhecimento.
Quando se refere a antigos paradigmas, o autor cita seis, dos quais discorda: 1)
educação como instrução, isto é, apenas como uma forma de armazenar conteúdos, que são
vistos como estáveis e universalmente aceitos; 2) o construtivismo aparente, sob a capa do
qual algumas escolas se escondem, acreditando que, só por usarem essa denominação, estão
justificadas e definidas, não precisando mais refletir sobre a educação; 3) a visão do currículo
focado em disciplinas; 4) a educação encarada somente como uma preparação para a vida
adulta, o depois, o que reduz os estudantes a seres humanos em potencial, não cidadãos já
atuantes em suas famílias, bairros, escolas e comunidades; 5) a substituição do conhecimento
e experiência dos docentes por discursos cientificistas que pouco sabem sobre o cotidiano da
sala de aula e; 6) a incapacidade da escola de se repensar de forma contínua e de levar em
conta as mudanças e acontecimentos da sociedade.
Garcez (2006), em artigo publicado para a revista científica Calidoscópio, fala da
estrutura seqüencial básica usada em sala de aula pelo professor para avaliar o conhecimento
do aluno, a, também mencionada pelos PCNs, IRA (Iniciação, Resposta e Avaliação), em que
o professor pergunta algo que já sabe, esperando do aluno uma resposta que já predeterminou
e avalia essa resposta como negativa ou positiva conforme a concordância com suas
expectativas. Para Garcez (2006) a estrutura IRA é muito eficaz para a reprodução do
conhecimento, mas não para o estímulo à reflexão e ao pensamento crítico.
Com base na leitura de Hernández (1998), pode-se perceber que a aprendizagem
tradicional discutida por Garcez (2006) como a transmissão do conhecimento do professor
para o aluno, que a reproduz, não é aceita pela PP. Mais do que preparar o aluno para um
futuro no mundo do trabalho ou no mundo adulto como um todo, a PP pretende auxiliar o
estudante a visualizar-se como um sujeito pertencente a uma cultura, sociedade e ambiente
“hoje”, no período em que está na escola, estimulando-o a pensar sobre os fenômenos e os
fatos que o rodeia.
Tanto Hernández (1998), quanto Nogueira (2003), Martins (2001) e Barbosa
(2004) citam em seus trabalhos que a PP leva em consideração a pluralidade e multiplicidade
de etnias, culturas, pontos de vista e verdades que operam na atualidade. A PP busca iniciar a
aprendizagem por uma situação problemática concreta, aproximando a escola e a vida real do
aluno, conjugando, para isso, as diversas disciplinas e estimulando os estudantes a pensarem
por si próprios.
Todas essas considerações se encaixam nas prerrogativas para a educação
expostas nos PCNs (1998), que indicam, por exemplo, que o aluno deve ser capaz de
posicionar-se de maneira crítica nas diferentes situações sociais, de perceber-se como ser
integrante e transformador do ambiente e de desenvolver confiança em suas próprias
habilidades para exercer a cidadania.
Rampton (2006) afirma que, naquilo que ele chama de modernidade tardia ou
contemporaneidade, o mundo modificou-se em dois níveis: no mundo real, com o fenômeno
da globalização, que alterou, de modo direto, a economia e as comunicações e, indiretamente,
todas as demais áreas da vida humana e; no mundo das ciências humanas e sociais, com o
movimento filosófico chamado pós-estruturalismo, cuja concepção é a de que não existe uma
verdade absoluta, mas que essa deve ser investigada e justificada.
Assim, o sujeito de hoje tem de aprender a conviver, tanto na vida real quanto
escolar e acadêmica, com múltiplas visões paralelas à sua, com uma postura de tolerância e
aceitação que permita a coexistência banindo o radicalismo, sem repelir o diálogo e a
divergência. Barbosa (2004) afirma que “para compreender o mundo é preciso, cada vez mais,
fazer a interconexão dos diversos elementos refutando as simplificações, pois a verdade é
provisória” (P. 08).
As novas ferramentas tecnológicas e de comunicação permitem que os seres
humanos de um determinado lugar tenham acesso a grupos diferentes do seu, com divergentes
noções sobre o que é correto, o que é aceitável, o que é verdadeiro.
Com o volume de informações disponibilizado pela internet e a televisão, por
exemplo, já não é mais possível uniformizar o currículo, definindo conteúdos que devem ser
aprendidos por todos, no mesmo ritmo e seqüência. Gardner (1995) enfatiza que é impossível
pensarmos em uma escola enciclopédica com todo o conhecimento acumulado na atualidade.
O local influencia o global e vice-versa, fazendo com que os conteúdos mais adequados e
pertinentes aos vários grupos sejam divergentes. O que se pode fazer para tornar a
aprendizagem significativa é selecionar, dentre as várias possibilidades expostas, qual tema
deve ser aprofundado, com base em sua relevância para a vida dos participantes do processo
educativo.
Hernández (1998) argumenta que, na verdade, o processo de aprendizagem
tornou-se mais complexo, visto que alunos e docentes têm de lidar com cada vez mais
numerosos fatores durante a aprendizagem. Devido a essa complexidade que paira sobre o
mundo contemporâneo, ao professor não cabe mais o papel de detector do saber, pois, por
mais que queira, não consegue acompanhar com a rapidez adequada a evolução e o
desenvolvimento de todo o conhecimento de sua área de atuação.
Muito menos conseguiria o professor transmitir todo esse volume de
conhecimento a seus alunos, que, por sua vez, também não o assimilariam de forma completa,
uniforme e idêntica, pois, são sujeitos diferentes, dotados de um conhecimento prévio diverso,
construído a partir de experiências anteriores únicas.
Portanto, na PP, cabe ao professor o triplo papel de coordenador, facilitador e
aprendiz, uma vez que ele não impera mais sobre todo o processo, embora o oriente, e não
detém mais todo o saber, o que lhe permite aprender junto a seus alunos. O papel do estudante
também sofre profundas modificações, ele ganha autonomia, o que implica maior
responsabilidade sobre seu próprio aprendizado5. Martins (2001) afirma:
“Por reconhecerem que eles mesmos devem descobrir e buscar as respostas para o problema ou para os fatos a estudar, os alunos sentem-se completamente satisfeitos com o que fazem – e o fazem de maneira surpreendente.” (p. 84)
O trabalho com projetos oferece uma alternativa para adequar a escola e a
educação aos fenômenos que, nos últimos anos, tornaram a vida dos sujeitos multifacetada.
Isso não significa dizer que o trabalho com projetos terminaria com todos os problemas da
escola, e todos os autores lidos deixam esse fato bem claro, porque, seguindo a própria linha
de pensamento da PP, o conhecimento se expande, a realidade muda e novos caminhos
precisam ser trilhados.
Essa abordagem pretende levantar questionamentos e levar os envolvidos no
processo educativo a refletir sobre outros modos de ensinar e aprender, transformando o
questionamento e a reflexão em constantes, que devem se fazer presentes nas escolas hoje e
sempre, para que a escola possa ser um prolongamento da vida e acompanhar as ininterruptas
5.... A discussão sobre os papéis do professor e do estudante na PP será aprofundada mais adiante.
transformações que ocorrem no mundo.
Segundo Hernández (1998), a PP pode ser entendida como uma etapa em um
processo contínuo de mudança na educação, que nunca deve se esgotar ou ser “solucionado”,
visto que outras mudanças ocorrerão, outras necessidades devem se instalar e a escola deve
ser o lugar para enfrentá-las.
Anunciamos até aqui o que a PP pretende e o que não pretende, com destaque para
o combate a paradigmas tradicionais de transmissão e reprodução de conhecimentos e a
disposição dessa abordagem para ajudar os sujeitos a viverem com qualidade em um mundo
plural e constantemente modificado. A seguir, apresentaremos e discutiremos as
características dessa abordagem, os princípios em que se baseia e as etapas que compõem um
projeto.
1.3 Princípios em que a PP se fundamenta
Na seção anterior, dialogamos com as pretensões da PP. Nessa seção,
apresentaremos os princípios que caracterizam o trabalho com projetos a fim de que as
pretensões previamente discutidas possam se concretizar, com uma análise também de sua
aplicação nas aulas de língua inglesa.
A partir do cotejo das ideias dos estudiosos da PP, a saber, Barbosa (2004),
Hernández (1998), Martins (2001), Nogueira (2003), Dewey (1979), Kilpatrick (1978), pode-
se estabelecer uma lista dos princípios que permeiam o trabalho com projetos:
curiosidade e motivação;
aproximação da escola com a vida cotidiana;
tratamento de temas-problemas;
desenvolvimento de novos conhecimentos a partir de conhecimentos prévios;
interdisciplinaridade;
convergência entre teoria e prática;
interação aluno-aluno e aluno-professor;
flexibilidade de tempo;
planejamento;
questionamento das representações únicas da realidade.
Esses princípios remetem a uma concepção de ensino-aprendizagem centrada na
interação entre os participantes da ação educativa, não somente alunos e professores, mas toda
a comunidade escolar e a sociedade, na flexibilidade e na construção do conhecimento como
um processo social, a partir de temas presentes na vida cotidiana desses agentes.
Tal concepção é importante para o presente trabalho, porque se sobrepõe à visão
sobre a língua e seu uso, que também encaramos como um processo social e de interação
entre agentes6. Mais ainda, sobrepõe-se à aprendizagem de língua inglesa que, como língua
estrangeira, oferece àquele que a aprende a oportunidade de conhecer hábitos e costumes
diferentes, construindo uma ponte entre si mesmo e o outro e criando um campo para
comparações e confrontamentos de pontos de vista.
A seguir, cada um desses princípios e suas implicações para a aprendizagem serão
discutidos.
1.3.1 Curiosidade e motivação
De acordo com Martins (2001), Vasconcellos (2000) e Barbosa (2004), o assunto
abordado em um projeto deve ser do interesse dos alunos. Esse interesse pode partir
naturalmente deles ou ser estimulado pelo professor, ao demonstrar-se, ele próprio,
6.... Discutiremos a concepção de língua e seu uso no Capítulo 2.
interessado pelo tema ou ao trazer para a turma um objeto, uma pergunta, uma dúvida que
desperte nos alunos a vontade de descobrir mais. Não importa de quem seja a proposição do
tema, uma vez que o estudante se sinta curioso em relação ao assunto estudado, o docente
estará criando condições para que o aluno se motive na busca por mais informações, para
descobrir mais detalhes que enriquecerão seu aprendizado e que poderão levar a outras
indagações e pesquisas futuras.
Isso não significa afirmar que o trabalho por projetos só poderá ser aplicado em
escolas cujo currículo se organiza por temas, mas essa questão levanta muitas outras, como,
por exemplo, a diferença entre interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, que serão
aprofundadas no item 1.3.5, deste capítulo. A curiosidade levará a um aprendizado autônomo
e significativo. Sobre isso, Vasconcellos (2000) afirma: “o grande ganho aqui, em termos de
aprendizagem, está justamente no fato do projeto nascer da participação ativa dos alunos, o
que implicará em alto grau de mobilização, aumentando em muito a probabilidade de uma
aprendizagem significativa”.
A língua inglesa está presente na vida cotidiana do aluno nos mais variados lugares.
Em casa, palavras no idioma estão em programas de TV, na internet, em filmes e revistas. No
supermercado, nas marcas de diversos produtos e até mesmo na rua, quando vai ao
“shopping” ou vê “motoboys”, anúncios de comidas “delivery” e postos de gasolina “self-
service”. Não há para onde fugir, o inglês faz parte do cotidiano e pode ajudar o aluno a
pensar sobre vários outros assuntos, como o mundo do entretenimento e do consumo.
Estando curiosos e interessados, os alunos tenderão a se comprometer mais com o
tema estudado na aula, participando das atividades com maior intimidade. Problemas podem
surgir, como o desinteresse e o conseqüente não-engajamento, apesar de todas as tentativas de
aproximar os estudantes do assunto. Por isso, o assunto abordado deve ser amplamente
discutido pelos estudantes e o professor e este deve criar oportunidades para que seus alunos
expressem suas opiniões e colaborem na problematização do tema, trazendo, até mesmo,
opiniões contrárias ao estudo do tema e argumentos que se opõem a seu tratamento, para que
a sala de aula seja realmente um espaço democrático, em que os alunos tenham liberdade para
se expor e aprender. O professor deve estar preparado para não conquistar sempre a aceitação
e o engajamento esperado, pois a cada tema diferente tratado, os alunos tendem a reagir
também de maneira diversa
1.3.2 Aproximação da escola com a vida cotidiana
O trabalho com projetos procura aproximar a escola e a vida real do aluno, uma vez
que os temas estudados nos projetos de pesquisa devem, de algum modo, fazer parte do
universo do aluno fora da escola. Segundo Martins (2001), “sempre é bom iniciar com temas
ou problemas da natureza, da família, da comunidade, por serem mais fáceis ou porque os
alunos convivem mais diretamente com eles.” (p. 94)
Essa ponte com a vida cotidiana é importante, não só para a curiosidade e motivação
anteriormente mencionadas, mas também para estimular os alunos a questionarem sua própria
realidade e os fatos com que se deparam no dia-a-dia. Já que a PP se insere em uma
concepção de aprendizagem que tem na interação seu marco principal, os estudantes estarão
interagindo uns com os outros, colocando essa interação no centro da aprendizagem para
pensar o que é bom, o que querem mudar e de que modo em suas vidas e na realidade ao seu
redor. Assuntos como a higiene, a administração dos recursos financeiros da família e o
gerenciamento do tempo, são exemplos de temas de projetos que se ligam ao cotidiano do
aluno. O estudante deve perceber que a escola pode ajudá-lo a lidar com as dificuldades que
enfrenta em seu dia-a-dia, conforme propõem os PCNs (Brasil, 1998) com os Temas
Transversais que são, a saber, Ética, Saúde, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Pluralidade
Cultural, Trabalho e Consumo.
Ao mesmo tempo, tal aproximação permite que o aluno compreenda melhor o que
estuda e veja mais sentido nos assuntos abordados e o professor estará fazendo sua parte na
criação das condições necessárias para que o aluno transfira o que aprendeu para outros
momentos e situações. Não se pode garantir, no entanto, que o aluno realmente saberá aplicar
conhecimentos estudados em sala de aula para outros momentos, pois, uma vez que a
aprendizagem acontece na interação entre as ações do professor e do aluno, parte do trabalho
cabe a este último e o professor não pode fazê-la por ele.
1.3.3 Tratamento de temas-problemas
Conforme Van Acker (In: Dewey, 1979), Dewey já falava que o ser humano evolui
quando tem situações adversas à sua frente que precisa resolver. Tratar de problemas implica
delimitá-los, refletir sobre eles para buscar soluções, analisá-las e implementar a mais
adequada. O processo de resolução de um problema é complexo, formado por várias fases que
exigem habilidades e ações específicas e que refletem na etapa seguinte e no resultado final.
Barbosa (2004) afirma que “os projetos têm como base saber partir, na prática escolar,
de uma situação problema e global dos fenômenos, da realidade do grupo e não da
interpretação teórica já sistematizada através de disciplinas” (p. 10). Mediante a busca pela
solução de um assunto-problema, os estudantes têm de pôr em prática certas ações de
pesquisa que os ajudam a desenvolver habilidades técnicas para encontrar respostas e
soluções. Por exemplo, nas aulas de inglês de uma quinta série, professor e alunos poderiam
trabalhar com um projeto sobre reciclagem de lixo na escola, culminando com a adesivagem
das lixeiras das salas de aula em inglês, separadas por lixo orgânico e lixo seco. Alunos e
professor teriam de pesquisar sobre o tema, fazer orçamentos, descobrir as palavras em inglês,
contar o número de lixeiras na escola, conseguir autorização e apoio da direção, enfim,
executar uma série de ações até chegar ao resultado final, as lixeiras com seus adesivos.
O processo de solução de um problema é organizado, tem início, meio e fim. Uma vez
que o aluno chega a um resultado final, ele fica mais satisfeito, pois consegue olhar para trás,
ver o caminho que seguiu e medir até onde conseguiu ir. É uma forma de aprendizado
consciente, em que se sabe que resultado foi alcançado e de que modo foi obtido.
1.3.4 Desenvolvimento de novos conhecimentos a partir de conhecimentos prévios
Aquilo que o aluno já sabe deverá ser levado em conta no trabalho com projetos. Ao
professor, é recomendado fazer uso dos conhecimentos prévios tanto na hora de iniciar um
projeto e selecionar o assunto com a ajuda dos alunos, quanto durante as etapas de
desenvolvimento da pesquisa. Martins (2001) define o diagnóstico do que os alunos já sabem
sobre o assunto como uma condição indispensável para o desenvolvimento de um projeto
dentro dos moldes do método científico, pois, ao saber o que eles sabem, o professor pode
traçar o rascunho do caminho que será seguido na busca por mais informações. De acordo
com o autor, o conhecimento humano começa a ser adquirido desde o nascimento e vai se
acumulando ao longo da vida. Novos conhecimentos não excluem os antigos, mas
sobrepõem-se a eles, aproveitando-os.
Por isso, o professor examinará aquilo que o aluno sabe para que esse possa
efetivamente evoluir e perceber sua evolução, ao comparar conhecimentos antigos e novos e
se sentir valorizado, enquanto ser que está no mundo e que conhece a seu respeito. Sobre o
cotejo dos conhecimentos prévios com aqueles adquiridos ao final de um projeto, Martins
(2001) defende que servirá para sensibilizar os alunos sobre a necessidade de estar em
constante aprendizagem, pois, por mais que se saiba, sempre haverá mais para aprender. No
ensino de língua estrangeira, o professor pode fazer essa análise em dois níveis: 1) aquilo que
o aluno sabe sobre a língua e 2) aquilo que sabe sobre o tema do projeto. Procedendo desse
modo, o professor pode equilibrar os dois aspectos na hora de trabalhar com um projeto e
mesclá-los a fim de chegar a um resultado final significativo aos alunos, no qual eles possam
ver seu desenvolvimento.
1.3.5 Interdisciplinaridade
Lembramos que, na primeira seção deste capítulo, o combate à fragmentação dos
conteúdos em disciplinas apareceu como uma das primeiras ideias componentes da PP.
Hernández (1998) aponta porque a fragmentação do currículo é prejudicial ao
desenvolvimento do estudante:
“a organização da Escola Média baseia seu currículo mais nas disciplinas acadêmicas e na transmissão de conteúdos do que na formação da subjetividade dos estudantes, em facilitar-lhes estratégias para procurar, dialogar e interpretar informações que lhes permita construir pontes entre diversos fenômenos e problemas, de maneira que desenvolvam uma atitude de pesquisa que lhes leve a aprender ao longo de suas vidas” (p. 43).
Nessa passagem, Hernández afirma que o problema é que a escola se preocupa demais
com a transmissão dos conteúdos de cada disciplina, enquanto os estudantes, deveriam, estes
sim, ser a preocupação central da escola. O autor não refuta a existência das disciplinas ou a
partição dos conteúdos. Ao contrário, defende que essa fragmentação é parte da história e
mostra como se estruturou o pensamento humano durante longo tempo, como se acreditava
que o conhecimento era aprendido e como as concepções sobre aprendizagem foram
oscilando no decorrer da história. Porém, muitas vezes, não se consegue resolver um
problema utilizando-se uma única disciplina. Existem disciplinas demais e muito
conhecimento foi acumulado pela humanidade ao longo dos séculos.
É, cada vez mais, impossível, para qualquer ser humano, dominar todo o
conhecimento que a humanidade armazenou. A era da informática ainda ampliou,
agressivamente, o acesso a todos os tipos de informações, o que remete novamente a Rampton
(2006) e ao pós-estruturalismo com sua busca pela verdade comprovada. Desse modo,
Hernández (1998) aponta que o conceito de saber teve de mudar. O mais sábio não é mais
aquele que detém todo o conhecimento, uma vez que isso não é possível, e sim aquele que
sabe selecionar o conhecimento que lhe é importante e aplicá-lo para a solução de seus
problemas.
Por esse motivo, a interdisciplinaridade, que conforme afirma Nogueira (2003) “é o
trabalho de integração das diferentes áreas do conhecimento, um real trabalho de cooperação
e troca, aberto ao diálogo e ao planejamento” (p.115), surge como uma alternativa para
utilizar os conhecimentos adquiridos de maneira eficaz, isto é, congregar conhecimentos de
várias disciplinas para resolver uma questão problemática e, assim, ampliar o conhecimento
do aluno de modo contextualizado. Hernández (1998) defende que os alunos precisam
“aprender a aprender” para saber selecionar o que é relevante e como aplicá-lo, não somente
na escola, mas por toda a vida.
Porém, a discussão sobre a junção ou fragmentação das disciplinas não pára por aí.
Para Hernández (1998), a transdisciplinaridade, definida por Nogueira (2003) como a
proposição de “um sistema sem fronteiras, em que a integração chegou a um nível tão alto
que é impossível distinguir onde começa e onde termina uma disciplina” (p. 118), seria a
melhor opção para a integração do currículo, porque removeria as fronteiras entre as
disciplinas. Nogueira (2003), por sua vez, baseia-se no trabalho de Fazenda (1995) para
afirmar que a transdisciplinaridade é uma utopia, pois o fim das fronteiras entre as disciplinas
também culminaria no fim do diálogo entre elas, pré-requisito básico para o uso convergente
de suas diferentes características com vistas à solução de um ou mais problemas.
Nogueira (2003) e Martins (2001) não são tão radicais quanto Hernández (1998) na
proposição de um novo currículo. Contanto que o trabalho interdisciplinar seja aberto,
coerente e realmente ativo, isto é, que os docentes das diversas disciplinas verdadeiramente
interajam e troquem conhecimentos, não apenas no discurso, mas na ação, ele pode funcionar
perfeitamente para a globalização dos conhecimentos dentro do currículo atual. Mas, todos os
autores defendem o trabalho por projetos, isto é, por temas. O trabalho por temas é
interdisciplinar por natureza, pois convoca as várias disciplinas como a única forma de
resolver um problema ou aprofundar-se no tema. As aulas de língua estrangeira, por sua vez,
também compartilham dessa interdisciplinaridade natural, pois, como já foi mencionado
anteriormente, a língua é utilizada para “fazer coisas”, que são outras além da própria língua.
Por exemplo, ao escrever um manual de instruções sobre a instalação de um aparelho
eletrônico, o autor do manual deve conjugar conhecimentos de eletrônica e língua na
produção de seu texto.
1.3.6 Convergência entre teoria e prática
Em sua dissertação de mestrado, Pazello (2005) menciona a articulação entre teoria e
prática como uma das características que foram se agregando ao termo projeto para compor
seu significado na área educacional, apresentando os pontos de vista de Richards (1904), Rosa
(1997) e Fazenda (1995). Para Pazello (2005), os três autores defendem que, em um projeto, o
saber, articula-se com o saber fazer, em uma analogia com o presente (saber) em direção ao
futuro (saber fazer). O aluno precisa teorizar tendo em vista uma prática, um uso concreto,
que o auxiliará em situações e problemas futuros. Mas, por onde o aluno deve começar, pela
teoria ou pela prática? Na verdade, na PP, não há uma ordem pré-estabelecida.
Pode-se iniciar um projeto a partir de uma prática corriqueira na vida dos estudantes e
então teorizá-la para sobre ela refletir, ou se pode fazer o oposto, iniciar um projeto por algo
que os alunos só conheçam na teoria, como a fusão nuclear, por exemplo, e levá-los, por meio
de pesquisa e experimentos, a dominar esse tema.
A escola deve estimular que prática e teoria andem juntas, para que o aluno possa
pensar sobre suas ações, a fim de ser capaz de reformulá-las quando necessário e encontrar
alternativas para aperfeiçoá-las, além de aprender novas práticas, a partir de conceitos
teóricos. Na aula de inglês, por exemplo, a turma pode construir uma pipa, a partir de uma
lista de instruções no idioma estrangeiro, conjugando conhecimentos lingüísticos teóricos
para a execução de um projeto prático.
1.3.7 Interação aluno-aluno e aluno-professor
Segundo Barbosa (2004) “as pesquisas biológicas contemporâneas afirmam que a
inteligência é um tipo particular de interação entre organismos em contextos particulares” (p.
24). De acordo com essa perspectiva interacional, estudantes aprendem mais quando atuam
uns com os outros e com o ambiente que os cerca, construindo socialmente o conhecimento.
Nogueira (2003) afirma que “coletivo” e “cooperativo” são termos que não podem
estar desvinculados da prática da PP. Quando trabalham com projetos, os estudantes tendem a
colaborar uns com os outros na busca por novas informações e na troca de dados que possam
trazer benefícios para todos. Uma vez que o objetivo do projeto é aprofundar o conhecimento
e descobrir novidades sobre o tema em questão para tentar resolver uma situação problemática
ao invés de, simplesmente, obter aprovação em um teste com boas notas no boletim, os alunos
não têm motivos para competir e sim para compartilhar resultados. O fato de trabalharem em
projetos nos quais surgirão diferentes versões para um mesmo tema auxiliará os alunos a
perceberem que, em certos momentos, ninguém está mais certo do que o outro, apenas
pensando de modo diferente, baseando-se em sua própria cultura e experiência, embora exista
um parâmetro de adequação que deve ser construído pelos participantes do projeto com base
em dados concretos e na cultura que compartilham.
Os próprios alunos deverão construir sua opinião, seu posicionamento sobre o tema
estudado e esta opinião deve estar amparada em argumentos sólidos, que podem sustentar que
o posicionamento escolhido se mostra o mais adequado sobre o fato ou problema em questão.
Conforme citado anteriormente, a relação com o professor sofre profundas transformações no
trabalho com projetos de acordo Hernández (1998), Martins (2001) e Nogueira (2003). O
professor passa a ser um colaborador, um guia a conduzir a investigação e a aprendizagem de
seus alunos. Isso provoca uma mudança em sua postura, pois, com a pedagogia de projetos, o
professor não precisa ter todas as respostas, mas deve, inclusive, fazer perguntas.
O professor deve saber orientar a pesquisa e conduzir o aluno durante o processo
investigativo. Deve conhecer recursos, fontes de pesquisa e seus modos de funcionamento, a
fim de guiar o estudante em seu próprio processo de descoberta. Certamente, o professor deve
também avaliar a qualidade do que já foi investigado e orientar as medidas a serem tomadas
para melhorar a pesquisa e a forma de divulgação dos resultados, o que se relaciona com a
pretensão da PP de fazer com que os participantes do processo educativo estejam em
constante questionamento e análise, sempre prontos a realizar mudanças pertinentes.
Martins (2001) discerne cinco ações que o professor deve conduzir na aplicação de um
projeto de pesquisa, criando oportunidades para um aprendizado significativo e contínuo: 1)
estimular a criatividade, explicando procedimentos para descobrir mais sobre os fatos; 2)
induzir à descoberta, mediante leituras e reflexões; 3) fornecer meios para que os estudantes
encontrem as informações de que precisam; 4) adequar os assuntos à faixa de idade dos
alunos; 5) promover a exposição dos resultados encontrados pelos estudantes, a fim de
estimular novas pesquisas. Portanto, o papel do professor se amplia enquanto criador de
oportunidades e se extingue enquanto centro do processo educativo.
O centro do processo passa a ser a interação em si. É nela que se constrói
conhecimento, é através dela que as pessoas trocam informações e acrescentam umas às
outras, construindo um espaço em que aquilo que cada um sabe é somado e investigado,
chegando-se a um produto final mais rico do que o inicial. Na aula de língua inglesa, essa
interação facilita a aprendizagem do idioma e é importante que o professor use a língua
estrangeira em determinadas ações como cumprimentos, despedidas e para chamar a atenção
dos alunos, aumentando esse uso rotineiro progressivamente.
O professor é visto como um interagente mais capacitado, que compartilha seu
conhecimento com os alunos, interagentes menos capacitados, mas com grande potencial, que
se capacitam na interação com o agente mais capacitado, professor. Entre os colegas, o
mesmo processo ocorre: um estudante com habilidade para pronunciar bem as palavras na
língua estrangeira auxiliará seu colega que não tem a mesma facilidade nesse aspecto,
melhorando a habilidade deste e ele o auxiliará naquilo em que for mais bem habilitado do
que ele.
Mas os papéis de interagente mais habilitado e menos habilitado não são fixos.
Dependem do assunto tratado e da maneira como esse assunto é abordado. O professor pode
ser visto como o participante mais habilitado no que diz respeito à disciplina estudada em
suas aulas, mas, dependendo do tema tratado, os alunos podem ser mais habilitados do que o
professor. Não há alunos melhores ou piores, mais ou menos inteligentes, apenas com
habilidades e talentos diferentes que devem ser aproveitados da melhor forma possível por
todo o grupo, para que se chegue ao final de um projeto com um bom resultado. Mas, se a
interação é o aspecto central na aprendizagem por projetos, qual é o papel do aluno? Como o
professor, ele é um colaborador, mas objetiva facilitar a própria aprendizagem. Para que o
trabalho com projetos seja desenvolvido com sucesso e os alunos realmente alcancem uma
aprendizagem significativa, é importante que os alunos saibam da relevância de seu papel
para sua própria aprendizagem. É essencial que a escola mostre ao aluno a responsabilidade
que este tem nesse processo. Alunos e professor são co-responsáveis pelo desenvolvimento
dos primeiros e cabe ao professor deixar claro essas responsabilidades quando se trabalha
com projetos.
1.3.8 Flexibilidade de tempo e planejamento
Os projetos escolares podem ter as mais variadas durações e períodos. Podem ser
feitos de maneira concomitante com outros projetos e atividades ou em caráter de
exclusividade. Barbosa (2004) defende a ideia de que “há sempre um momento de decisão
inicial e de avaliação final, mas a forma como os momentos são articulados, subdivididos e
organizados fica a critério do grupo de alunos e educadores.” (p. 12).
É muito importante que um projeto seja cuidadosamente planejado, mas o mais
importante é que se cumpra os objetivos propostos, o que significa que a duração pode ser
alterada em detrimento da qualidade. Não se deve gastar energias tentando a qualquer custo,
cumprir prazos. A atenção deve estar voltada para a solução do problema tratado. Nisso é que
reside a importância do planejamento. Deve ocorrer muita pesquisa sobre o tema a ser tratado
no projeto, buscando-se materiais, fontes e recursos que auxiliem para um bom produto final.
As etapas devem levar ao produto final e a reflexão sobre o tema.
1.3.9 Questionamento das representações únicas da realidade
Uma vez que o trabalho com projetos visa à solução de situações-problema mediante a
investigação, à aproximação com a vida cotidiana, à convergência entre teoria e prática, ao
desenvolvimento de novos conhecimentos a partir de saberes prévios e à interação entre os
personagens envolvidos na atividade, uma das prerrogativas do trabalho com projetos é a
aceitação de que existe mais de uma versão para os assuntos que serão tratados. Hernández
(1998) defende enfaticamente tal assertiva e afirma que, com ela
“a cultura escolar adquire a função de refazer e de renomear o mundo e de ensinar os alunos a interpretar os significados mutáveis com que os indivíduos das diferentes culturas e tempos históricos dotam a realidade de sentido”. (p. 65)
A escola deve ajudar o aluno a aprender como lidar com toda a multiplicidade de pontos
de vista que existe no mundo e com a qual o aluno se depara diariamente através dos meios de
comunicação, de modo que saiba formular e expor sua opinião, sem se deixar influenciar e
sem criar conflitos desnecessários com opiniões contrárias.
Obviamente, a escola precisa estimular o diálogo, desestimulando a hostilidade e a
agressividade. A escola deve ajudar os diversos pontos de vista a coexistirem, e ajudar o
estudante a adotar, como uma escolha, o ponto de vista que lhe parece mais coerente. A
escola deve ser um lugar de vanguarda, em que as ideias não permaneçam sempre as mesmas,
mas mudem, à medida que o ser humano transforma o mundo e cria novas necessidades.
Nesse sentido, o trabalho com projetos se apresenta como uma alternativa para concretizar
essa aprendizagem de constantes transformações, devido à sua flexibilidade e intuito de fazer
com que o aluno investigue os temas tratados.
A aula de língua estrangeira, por ter como objeto um idioma que não é o mesmo falado
pelos estudantes, oferece a oportunidade de entrar em contato com uma cultura diferente,
cujas “verdades” também divergem daquelas presentes no cotidiano dos alunos. A aula de
língua estrangeira fornece a chance de se comparar os idiomas e as representações da
realidade sob o ponto de vista das diferentes culturas.
1.4 Estrutura de um projeto
Nogueira (2003), Barbosa (2004), Hernández (1998), Martins (2001) e Vasconcellos
(2000) apontam nos projetos de pesquisa escolares, com sutis variações, as seguintes etapas:
escolha do tema; planejamento; coleta de informações; apresentação dos dados coletados;
avaliação.
1.4.1 Escolha do tema
Independentemente de quem a escolha do tema partir, o assunto deve ser delimitado e
hipóteses sobre o tema devem ser levantadas, para que posteriormente sejam confirmadas ou
refutadas. Além das hipóteses, é importante que, durante essa fase do projeto, professor e
estudantes reflitam sobre a relevância do tema e o porquê de investigar esse assunto mais a
fundo.
O debate sobre aquilo que se quer descobrir e o porquê estimula a curiosidade e a
motivação, enquanto, concomitantemente, ajuda os estudantes a valorizar seu trabalho, uma
vez que percebem que estão estudando um tema significativo para seu desenvolvimento
intelectual.
A liberdade na escolha do tema remete à pretensão da PP de fazer os alunos pensarem
por si próprios e, já nessa etapa, eles terão o direito de expor suas opiniões e colaborar no
desenvolvimento do projeto. Na aula de inglês, deve-se observar se o tema escolhido é
passível de ser estudado com o uso do idioma e se o desenvolvimento do projeto auxiliará os
alunos a desenvolverem atividades na língua, utilizando-a para um propósito comunicativo
definido.
1.4.2 Planejamento
O segundo passo é o planejamento das atividades que serão executadas no decorrer do
projeto, definindo-se quem fará o quê, onde o assunto deverá ser pesquisado, de que forma as
informações encontradas serão registradas, quando a pesquisa se realizará e com que prazo e
de que maneira as informações registradas serão analisadas e expostas.
Hernández (1998) afirma que o planejamento funcionará como uma bússola,
orientando os passos de todos os envolvidos no projeto, fornecendo, desse modo, segurança
nas ações empreendidas. Obviamente, essa programação pode ser alterada, à medida que
forem surgindo novas necessidades.
Com o planejamento, estudantes e professor poderão ter uma visão global do projeto,
percebendo-o como um processo de aprendizagem, com início, meio, fim e objetivos
definidos.
Nessa etapa, segundo Fried-Booth (1986), professor e alunos definem também qual
será o conteúdo lingüístico que os alunos devem aprender para a aplicação do projeto na aula
de inglês. Alunos e professor podem definir quais tópicos lingüísticos precisarão para o
desenvolvimento de cada etapa do projeto. Ao verem o objetivo da aprendizagem de
determinadas estruturas, a motivação dos alunos para seu estudo tende a aumentar ou, pelo
menos, o professor estará criando condições para que isso ocorra.
1.4.3 Coleta de informações
Após a etapa de planejamento, inicia-se a coleta de informações e a pesquisa sobre o
tema. Nessa fase, além de aprofundar-se no assunto pesquisado, o aluno aperfeiçoa e
desenvolve estratégias de pesquisa, como fazer anotações, marcar em livros as páginas em
que o assunto é mencionado para depois retornar a elas e registrar as fontes utilizadas.
Martins (2001) defende que é durante essa etapa que o estudante passa a sistematizar
as informações coletadas, para apresentá-las no futuro. Tal sistematização pode ser feita
através de um esquema com figuras, anotações, a produção de um texto, vídeo, cartazes,
fichas e muitas outras linguagens. Afinal, investigar implica utilizar uma série de recursos, em
cada uma das etapas da investigação, a fim de se coletar e examinar os dados necessários.
Para poder se apropriar desses recursos e utilizá-los de forma mais e mais competente, os
estudantes devem estar sempre investigando, em contato com diversas ferramentas.
O grupo irá investigar o assunto, coletar, organizar, armazenar e pensar informações
para que chegue ao resultado final com a capacidade de desenvolver argumentos para embasar
a conclusão a que chegou. Nogueira (2003) sustenta que a investigação nos projetos de
pesquisa é essencial antes, durante e após a conclusão do projeto, visto que é na sua
investigação que o aluno poderá basear seus resultados.
Na aula de língua estrangeira, o aluno poderá utilizar, durante essa etapa, estruturas
definidas na etapa anterior para a coleta de dados, como a aprendizagem de certas estruturas
interrogativas para realizar entrevistas ou certas palavras que os alunos deverão conhecer para
pesquisar sobre o tema em livros ou na internet, no idioma estrangeiro. A etapa de coleta de
dados é relevante para que o aluno aprenda algo que a PP estabelece como uma de suas
principais pretensões: estimular o aluno a pensar e resolver problemas por si mesmos, ao
aprender estratégias de pesquisa, seleção e registro de informações.
1.4.4 Apresentação dos dados coletados
Uma vez que a coleta de dados é concluída, o resultado da pesquisa deve ser
apresentado. Barbosa (2004) afirma que a apresentação também é flexível e pode ser feita à
turma toda, somente ao professor, a outras turmas, aos pais ou à toda comunidade escolar.
Martins (2001) relembra que, como todas as etapas do projeto, a apresentação deve ser
previamente planejada e, em alguns casos, até mesmo ensaiada, a fim de que os alunos
possam notar o quão produtivos foram durante o projeto e o quão longe chegaram na
investigação do assunto.
Durante a apresentação os estudantes mostram quão longe chegaram e exercitam a
habilidade de se expor e argumentar em favor de suas conclusões. Na aula de língua
estrangeira, poderão utilizar a língua para fazê-lo. Estarão expondo ideias, argumentando e
estabelecendo reflexões no outro idioma. A apresentação dos dados na aula de língua
estrangeira possibilitará ao aluno desenvolver sua capacidade de auto-afirmação em uma outra
língua, transformando-o em um ser mais habilitado a exercer e buscar seus direitos.
1.4.5 Avaliação
Ao contrário do que acontece na escola tradicional, a avaliação não é feita somente
pelo professor. Nessa etapa, a participação dos alunos equipara-se à do docente em grau de
importância.
A avaliação é vista, pela escola tradicional, como tarefa do professor. Na PP,
entretanto, a avaliação não é unilateral, mas multilateral, com todos os participantes avaliando
o processo.
Segundo Martins (2001), a primeira pergunta a ser respondida durante a avaliação do
projeto é: atingimos os objetivos estabelecidos no início? Alunos e professor avaliam o quão
longe conseguiram ir e definem quais hipóteses são cabíveis e quais são refutáveis em relação
ao tema.
Avalia-se também a qualidade da pesquisa realizada e a maneira como o projeto foi
conduzido. Nogueira (2003) defende que cada etapa pode ser retomada e analisada a fim de
medir a eficiência de cada ação.
O desempenho de cada um dos participantes é avaliado, o professor pode avaliar os
alunos, os alunos podem avaliar o professor e cada um pode avaliar a si mesmo, procurando
descobrir o que foi feito de bom e o que pode ser melhorado.
A avaliação pode ser feita através de relatórios elaborados pelos alunos, questionários,
elaborados pelo professor ou pelos alunos, mediante uma lista de critérios elaborada pelo
professor para a avaliação da produção final, dos relatórios, da apresentação dos resultados,
entre outros.
O estabelecimento de critérios é importante para que professor e alunos cheguem a um
acordo sobre a avaliação já na etapa de planejamento do projeto. Todos os participantes
devem entender que a avaliação não existe apenas para classificar os alunos como aptos ou
não aptos para passar para o próximo nível de aprendizagem, mas sim para medir a qualidade
dessa aprendizagem e, por isso, tem de se avaliar, não só o desempenho dos alunos, mas o do
professor, do andamento do projeto, das escolhas feitas e da interação que ocorreu entre os
agentes.
Na aula de língua, por exemplo, não se avaliará somente a quantidade de conteúdos
que foi aprendida ou se foi aprendida com exatidão gramatical, isto é, sem erros ortográficos
ou equívocos no uso de tempos verbais ou estruturas. Deve-se avaliar se a aprendizagem
serviu ao objetivo a que foi proposta, se a língua foi utilizada eficazmente para realizar a ação
objetivada e se o aluno percebeu que a utilizou para algo significativo.
Mesmo na aula de língua, não se avaliará somente a língua. O trabalho como um todo
deve ser avaliado, sendo a língua um dos aspectos observados entre outros, como propósito,
engajamento, progressão de ideias e construção de conceitos.
Martins (2001) ressalta que os resultados da avaliação podem desencadear a
elaboração de mais um projeto. A percepção de uma lacuna em algum aspecto do tema, a
conexão do tema a outro podem gerar questões-problemas para o desenvolvimento de uma
nova pesquisa.
A avaliação na PP estende-se além do objetivo de avaliar desempenhos, ela pretende
avaliar o processo de aprendizagem, visando a modificar o que for necessário.
No capítulo seguinte, discutiremos a PP sob a luz das teorias de aprendizagem que a
influenciaram, falaremos da concepção de linguagem implícita na PP e nas implicações dessa
visão sobre a língua para o ensino de língua inglesa.
2 CONCEPÇÃO DE LÍNGUA, TEORIAS DE APRENDIZAGEM
E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A PP
Nesse capítulo, pretende-se apresentar e discutir a concepção de língua adotada neste
trabalho sobre a aprendizagem de língua inglesa mediante a aprendizagem por projetos. Em
seguida, pretende-se apresentar as principais teorias de aprendizagem presentes na literatura
sobre este assunto e discutir de que modo tais teorias influenciam a PP.
2.1 – Concepção de Língua
No capítulo anterior, a PP foi apresentada no que diz respeito à sua trajetória
cronológica, suas pretensões, seus princípios e a estrutura de um projeto. Concluiu-se que a
PP pretende auxiliar para a formação de um ser humano integral, reflexivo, questionador e
investigador.
Verificou-se que aluno e professor dividem responsabilidades no trabalho com
projetos, o professor como um orientador, facilitador e guia e o aluno como um orientado em
um processo de aprendizagem que visa a torná-lo independente, capaz de pensar e resolver
problemas por si mesmo.
E quando se estuda uma língua, como ocorre esse processo? Como o aluno aprenderá
a descobrir, investigar, enfim, aprender sobre a língua por si mesmo? E como poderá usar o
conhecimento sobre a língua para agir no mundo em seu favor, como um cidadão que tem
direitos e deveres? Para que isso ocorra, o professor deve ter em mente uma concepção sobre
a língua: um construto do que ela é, para que ela serve e como é usada.
Os PCNs (BRASIL, 1998) apresentam algumas afirmações sobre concepção de língua
que vão de encontro ao trabalho com projetos. Os PCNs (BRASIL, 1998) afirmam que
“aprender línguas significa aprender conhecimento e seu uso” (p. 27), ou seja, quando as
pessoas aprendem língua precisam aprender também como usar esse conhecimento, quais os
efeitos que o modo como usam a língua terá quando as pessoas agirem na sociedade. Segundo
os PCNs (BRASIL, 1998), o conhecimento que se tem sobre o mundo é atingido através do
uso da linguagem.
Em 1996, o psicolingüista norte-americano Herbert Clark escreveu um livro chamado
Using Language. Nesse livro, Clark propõe que a língua está sempre vinculada a seu uso, uma
vez que “o uso da língua é uma forma de ação conjunta”. “Uma ação conjunta acontece por
um grupo de pessoas agindo de maneira coordenada uma com a outra” (p. 03).
Para Clark (1996), a língua está sempre vinculada a seu uso. Ao interagirem, as
pessoas interagem pelo uso da linguagem. Quando as pessoas usam a língua, estão
interagindo umas com as outras, agindo de maneira conjunta.
A tese de Clark (1996) alinha-se com a tese dos PCNs (BRASIL, 1998) sobre a
natureza sociointeracional da linguagem que afirma que, quando as pessoas falam ou
escrevem, fazem isso para “agirem no mundo social” e o fazem de um espaço e momento
determinado, interagindo com quem se dirigiu a elas ou a quem elas se dirigiram
primeiramente.
Portanto, língua não pode ser separada de uso e o uso sempre remete a um lugar de
onde se fala, a um tempo em que se fala e a um ou mais interlocutores com quem se interage.
Interação e uso ocorrem sempre, o tempo todo. As ideias primeiras da Lingüística, de se
estudar a língua como um sistema de signos com regras pré-estabelecidas, não são suficientes
para a formação do cidadão que pensa por si só como a PP deseja, pois o simples fato de saber
regras não assegura que o ser humano saiba usá-las para diferentes propósitos em seu dia-a-
dia, na interação com outros seres humanos.
Na PP, o estudo da língua deve vincular-se a seu uso e alunos e professor devem se dar
conta de que já estão interagindo em “uma forma de ação conjunta” como propõe Clark
(1996), desde a sala de aula e o tempo todo. O uso da língua é uma ação conjunta mesmo
quando os participantes da interação estão em conflito. Brigas, discussões, debates, até as
formas mais desarmônicas de comunicação ocorrem com a ação conjunta dos participantes.
Cabe ao professor de língua apresentar aos alunos essa característica do uso da
linguagem. O professor deve indicar a seus alunos que a língua é mais do que um sistema de
signos repleto de regras. Ele deve mostrar que a língua é uso, é interação. Não basta que o
professor diga isso a seus alunos, ele precisa apresentar situações em que essa ação conjunta
possa ser inferida, a fim de que os estudantes percebam os papéis dos participantes da
interação e os efeitos que o modo com que os participantes usam a língua têm nessa interação.
A PP permite que essa característica da língua se sobressaia porque tudo, na PP, deve
ocorrer pela interação. As várias etapas de um projeto devem ser discutidas e negociadas e o
aluno participa como um ser ativo, que influencia na tomada de decisões sobre o processo
educativo.
Além disso, nas aulas de língua inglesa, o professor deve procurar trabalhar com
material autêntico e deve expor o aluno a situações autênticas de uso do idioma, o que
permitirá que o professor questione os estudantes sobre os papéis de cada participante nas
situações de comunicação, levando o aluno a se dar conta dessa ação conjunta.
Uma vez que o professor tenha a visão da língua como uso, fica muito mais fácil
torná-la consciente aos alunos, pois ao longo do trabalho com projetos, sejam esses projetos
referentes ao estudo da língua em si ou não, o professor pode focar, cada vez mais, aspectos
como interlocutor, propósito e efeito, fazendo com que o aluno se dê conta da natureza
sociointeracional da linguagem.
2.2 Teorias de Aprendizagem
A partir da compreensão da língua como ação conjunta, passaremos a explicitar e
refletir sobre as teorias de aprendizagem e sua relação com a PP.
Esta discussão está baseada em Bigge (1977), Moreira (1999) e Behrens (2005). Esses
três autores publicaram obras, no Brasil, sobre as principais teorias de aprendizagem.
A escolha desses autores se justifica porque suas obras, além de didáticas e
explicativas, refletem o pensamento pedagógico de cada época em que foram escritas,
evidenciando a evolução cronológica do pensamento sobre aprendizagem e indicando os
caminhos percorridos na ciência da educação. Apresentarei cada livro e cada teoria e, a seguir,
refletirei sobre sua relação com a PP.
Bigge (1977) escreve sobre as teorias de aprendizagem que mais influenciaram o
ensino até o final da década de 1960. No quadro demonstrativo das teorias de aprendizagem,
presente nas páginas 10 e 11 de seu livro, ele se posiciona como um dos expoentes
contemporâneos das teorias cognitivas, que serão discutidas na seção 2.2.3 deste capítulo.
O autor inicia seu livro explicando porque a aprendizagem é um problema e porque
foram desenvolvidas diferentes teorias sobre a aprendizagem. Para Bigge (1977), a
aprendizagem passou a ser uma questão problemática quando foi formalizada na escola, na
sala de aula, com um professor e alunos diferentes tendo que aprender juntos um conteúdo em
comum.
De acordo com Bigge (1977), foi a partir da institucionalização da aprendizagem que
ela passou a ser um problema no meio acadêmico e as teorias de aprendizagem surgiram
como uma maneira de pensar a ação educativa a fim de torná-la mais eficaz. O autor afirma
que toda a ação subjaz à uma teoria e, em uma tentativa de aperfeiçoar a ação na escola,
desenvolveram-se teorias de aprendizagem.
O autor norte-americano também aponta o que ele considera o ideal de aprendizagem:
“As escolas deveriam se preocupar em ensinar de tal forma que os estudantes não só acumulassem muitas aprendizagens significativas aplicáveis à situações de vida, mas também desenvolvessem uma técnica para adquirir, independentemente, novos insights ou novas maneiras de compreender independentemente seu universo.” (p. 18-19)
Interessante notar que o ideal de aprendizagem de Bigge (1977) tem muito em comum
com a proposta da PP, já visando à formação de um estudante investigador, que busca
soluções para os diversos problemas de sua realidade.
Bigge (1977) apresenta dez teorias de aprendizagem, divididas em três famílias de
teorias. Na primeira família, o autor apresenta as teorias de aprendizagem anteriores ao século
XX que tiveram influência sobre as teorias daquele século. Nessa família, ele inclui a Teoria
da Disciplina Mental, a Teoria do Crescimento Natural e a Teoria da Apercepção ou
Herbartianismo. Essas teorias serão aprofundadas na seção 2.2.1.
A segunda e terceira famílias referem-se às teorias de aprendizagem do século XX, a
saber, teorias behavioristas e teorias cognitivistas. Dentro das teorias de cunho behaviorista,
Bigge (1977) inclui a Teoria das Conexões, do Condicionamento e do Condicionamento por
Reforço. Já as teorias da família cognitiva que o autor apresenta são: Teoria de Insights da
Gestalt, Teoria de Insights de Objetivos e Teoria do Campo Cognitivo. As teorias
behavioristas serão discutidas na seção 2.2.2 e as teorias cognitivistas, na seção 2.2.3.
Moreira (1999) também apresenta três famílias de teorias, mas divididas em teorias
behavioristas, cognitivistas e humanistas. Ele apresenta as teorias behavioristas de Watson,
Guthrie, Thorndike e Hull; as teorias cognitivas de Hebb, Tolman, da Gestalt e de Lewin, as
teorias behavioristas mais recentes de Skinner e Thorndike; a teoria de Gagné, que o autor
classifica como intermediária entre o behaviorismo e o cognitivismo; as teorias cognitivistas
de Piaget, Vygotsky, Bruner, Ausubel, Kelly e Johnson-Laird; as teorias de Novak e Gowin,
classificadas como intermediárias entre o cognitivismo e o humanismo; por fim, introduz a
teoria humanista de Rogers. As teorias humanistas serão discutidas na seção 2.2.4.
Behrens (2005), por outro lado, não fala em teorias, mas em abordagens. Ela aponta
como pertencentes ao paradigma conservador da educação as abordagens Tradicional,
Escolanovista e Tecnicista, que, de acordo com ela, visam à reprodução do conhecimento.
Após detalhar esse paradigma e suas abordagens, a autora propõe o que chama de paradigma
inovador, visando à produção do conhecimento e, para isso, defende a aplicação conjunta das
abordagens Sistêmica, Progressista e do Ensino com Pesquisa, que serão apresentadas e
discutidas na seção 2.2.5.
Behrens (2005) faz essa proposição inovadora para o ensino na universidade,
afirmando que mesmo que os educadores tenham passado as últimas décadas procurando
metodologias que atendam às expectativas dos alunos, “a realidade parece intransponível
quando o professor fecha sua porta e começa a dar aulas” (p. 54). Ou seja, para a autora, nem
na universidade, muitas vezes, os antigos paradigmas foram quebrados.
Tendo apresentado um breve resumo da exposição de cada autor, vamos sintetizar as
teorias e abordagens apresentadas por eles. Para isso, as teorias e abordagens apresentadas
podem ser divididas em cinco seções, a saber: teorias anteriores ao século XX, abordagem
behaviorista, abordagem cognitiva, abordagem humanista, abordagens do paradigma
emergente, dentro do qual a PP poderia ser incluída.
A seguir, discutiremos cada abordagem e sua relação com a PP.
2.2.1 Teorias anteriores ao século XX
Bigge (1977) fala em três teorias anteriores ao século XX: Disciplina Mental,
Crescimento Natural e Apercepção ou Herbatianismo. A primeira, Disciplina Mental, surgiu
enquanto teoria durante o movimento da Renascença Humanista no século XVIII, quando os
filósofos humanistas se voltaram à Roma e à Grécia antigas para explicar a aprendizagem.
Fazendo uso do dualismo entre mente e corpo proposto pelos filósofos da Antigüidade, os
adeptos dessa teoria acreditam que o homem tem uma substância mental, totalmente desligada
do corpo físico, responsável por seu intelecto. Eles crêem que essa substância deve ser
treinada como um músculo a fim de se desenvolver, para que o homem se desprenda de sua
natureza má, que tende a destruí-lo.
Bigge (1977) afirma que, na Disciplina Mental, o conhecimento é um fim em si
mesmo e se estuda para adquirir sabedoria e disciplina. Essa ideia de adquirir conhecimento
apenas para aumentá-lo, como a um músculo, não para desenvolver habilidades para
solucionar problemas e questões não se alinha com as proposições da PP.
No estudo de idiomas, a Disciplina Mental influenciou a ampla aprendizagem do
Latim quando já não era mais falado, por ser considerado um idioma clássico cujo estudo
aperfeiçoaria a substância mental dos aprendizes.
A PP contrapõe-se a essa teoria porque não visa ao estudo pelo estudo e não concebe
o estudante como um ser despreparado, que necessita de treinamento. Ao contrário, a PP visa
ao estudo como uma forma de aperfeiçoar os conhecimentos do aluno, que são levados em
consideração no processo de aprendizagem. O aluno não é visto como um ser despreparado,
mas como uma pessoa que já adquiriu certos conhecimentos e que deve ampliá-los e
desenvolvê-los. Bigge (1977) afirma ainda que a disciplina mental exerceu grande influência
nos modos de ensinar até a primeira metade do século XX e teve seu auge no século XIX.
A outra teoria pré-século XX apresentada por Bigge (1977) é a Teoria do Crescimento
Natural. Essa teoria se contrapõe à Disciplina Mental, afirmando que o homem é um ser bom
por natureza, que passa a ser mau quando vítima de influências negativas. Segundo Bigge
(1977), o principal responsável por tal ideia foi Rousseau com a noção do bom selvagem, que
levou os educadores Pestalozzi e Froebel a idealizarem a aprendizagem pelo crescimento
natural.
Na verdade, eles defendem uma educação negativa, ou seja, o professor não dará
instrução nenhuma aos alunos e nem lhes indicará qual conteúdo deve ser estudado. Os
próprios alunos irão decidir o que estudar, quando e como, com base em suas necessidades.
O radicalismo dessa teoria a afasta da PP, pois exclui totalmente o papel do professor,
lhe deixando apenas um não-papel, isto é, o professor não interfere de forma alguma no
processo de aprendizagem do aluno. Isso impede que haja interação entre o participante mais
habilitado e o participante menos habilitado do processo de aprendizagem, o que atrapalha o
desenvolvimento do participante menos habilitado, no caso, o aluno7.
Além da falta de interação com o professor, não há também, na Teoria do Crescimento
Natural, a intenção de que o estudante interaja com outros estudantes (Bigge, 1977), não há
procedimentos, nem parâmetros, o que inviabiliza discussões e reflexões.
Pelo fato de os alunos não precisarem seguir nenhum direcionamento, é difícil que
avaliem seu próprio desempenho e façam modificações quando necessário. É, portanto, uma
abordagem solta, sem consistência, que não poderia funcionar em uma escola devido a essa
falta de consistência.
A última teoria anterior ao século XX sobre a qual Bigge (1977) trata é a teoria da
Apercepção ou Herbartianismo. Essa teoria defende que o ser humano aprende por
7.... A partir da ideia da Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky, o aluno é visto como o interagente menos habilitado que tem potencial para desenvolver-se caso esteja em contato com outros participantes mais habilitados que o auxiliem. De qualquer modo, nem sempre o aluno será o interagente menos habilitado e o professor o mais habilitado; o grau de habilitação dependerá do assunto a ser tratado.
associação, ligando conhecimentos novos a antigos. De acordo com Bigge (1977), o
Herbartianismo está ligado às ideias de John Locke e seu empirismo social, que afirma que a
mente humana é como uma tábula rasa que deve ser preenchida.
Segundo Bigge (1977), Herbart, educador alemão que viveu entre 1776 e 1841, foi o
primeiro a sistematizar um método de ensino e a enfatizar uma abordagem psicológica à
aprendizagem, ao desenvolver uma teoria de moldes científicos sobre como o ser humano
aprende.
A metodologia de Herbart abriga cinco passos: 1) preparação, na qual o professor
procura trazer à consciência dos alunos ideias que já tenham sobre o assunto estudado; 2)
apresentação, na qual o professor apresenta novos conteúdos; 3) comparação e abstração, na
qual os estudantes irão associar as ideias novas às velhas, se o professor tiver agido
corretamente nas duas etapas anteriores; 4) generalização, na qual os alunos deveriam chegar
aos princípios que caracterizam os fenômenos ou tópicos estudados e 5) aplicação, na qual os
princípios aprendidos seriam usados para explicar fatos ou problemas adicionais.
As ideias de Herbart têm convergências e divergências com a PP. Ambas apresentam
passos e procedimentos fixos, embora uma das características da PP seja a flexibilidade, que,
segundo Bigge (1977), não é encorajada na metodologia herbartiana. Porém, a PP não vê o
estudante como uma folha em branco que deve ser preenchida, mas como um ser que interage
com o mundo e tem ideias e conhecimentos próprios a respeito dele.
Sendo assim, a PP leva em consideração o que o aluno já sabe para dar continuidade à
sua aprendizagem, como na primeira etapa proposta por Herbart, mas não simplesmente para
assimilar conhecimentos novos aos velhos e sim para ajudar o aluno a perceber o que ele sabe
e a descobrir o que mais seria interessante saber e como.
Na PP, esse conhecimento prévio do aluno contribui com outros colegas, com o
professor e com o projeto como um todo. O conhecimento prévio não é ativado simplesmente
para listar ideias sobre o assunto estudado, mas para ser repensado e analisado, a fim de que o
aluno chegue a novas conclusões a partir de sua própria investigação, com a ajuda do
professor e de outros colegas.
Essas três teorias influenciaram aquelas que vieram depois. Isso fica claro na corrente
behaviorista, fortemente influenciada pelas ideias de Herbart de transmissão do
conhecimento. Elas são a base para as teorias de aprendizagem do século XX. Assim, a PP foi
também influenciada por elas, mas penso que mais no sentido de contrapô-las, pois a PP não
concebe o homem da maneira como essas primeiras teorias o faziam, como um ser
completamente passivo ou totalmente ativo, mas sim como um ser interagente, que influencia
e é influenciado, que age no mundo o tempo todo.
Na PP, o ser humano é um ser que interage com seu mundo e que não pode ser
rotulado como ativo ou passivo, bom ou mau. A PP concebe o ser humano como um ser
múltiplo, que influencia e sofre influências, que não é bom nem mau, pois essa rotulação é
relativa, depende do ponto de vista de quem faz essas afirmações, o que remete ao que foi dito
no capítulo anterior sobre o pós-estruturalismo e o fato de a verdade ser provisória (Rampton,
2006). O homem é concebido como um ser pertencente a uma cultura, que tem valores
próprios e cujos valores se distinguem dos valores de outras culturas.
Dando seguimento à apresentação das teorias e sua relação com a PP, discutiremos a
abordagem behaviorista ou comportamentalista.
2.2.2 Abordagem behaviorista
Dentre os três autores anteriormente citados, apenas Bigge (1977) e Moreira (1999)
detalham as teorias behavioristas. Behrens (2005), por sua vez, chama essa abordagem de
tecnicista e discute suas características genericamente, citando como autor Skinner e
criticando as ideias behavioristas pelo reducionismo que fazem do homem, concebendo-o
como a uma máquina e compreendendo a aprendizagem como um processo reprodutivo
similar à produção em série de uma fábrica. Bigge (1977) e Moreira (1999) também criticam
o Behaviorismo.
De acordo com Moreira (1999) e Bigge (1977), as primeiras teorias behavioristas
surgiram no início do século XX, com os experimentos de Thorndike e Watson. No decorrer
do século XX, outros estudiosos desenvolveram teorias behavioristas, como Skinner, Spencer
e Guthrie. Esses são chamados por Bigge (1977) de Neobehavioristas.
Moreira (1999) afirma que o Behaviorismo surgiu quando os estudiosos do processo
de aprendizagem tentaram tornar a ciência psicológica tão exata quanto às ciências naturais.
Segundo Bigge (1977), os behavioristas queriam que os fenômenos da ciência psicológica
fossem tão testáveis e observáveis quanto os fenômenos das ciências físicas. Para isso,
eliminaram das ações observadas toda a subjetividade, intenção ou objetivo.
Bigge (1977) afirma que os behavioristas concebiam a aprendizagem como um
processo no qual o aluno aprende pela repetição de estímulos que levam a uma resposta
condicionada, isto é, pré-estabelecida e esperada. Entre as teorias behavioristas existem
algumas variações, por exemplo, as teorias de Guthrie e Watson assumem que o ser humano
aprende através de condicionamento, ou seja, mediante estímulos que induzam a uma resposta
esperada. Skinner também, mas, por sua vez, enfatiza a importância de reforçar as respostas
esperadas para que elas sejam repetidas e assimiladas pelo estudante.
Apesar das variações, todas as teorias behavioristas concebem o ser humano como um
ser neutro e passivo, que precisa ser estimulado e conduzido a assimilar respostas corretas
mediante a repetição. As teorias behavioristas não consideram aspectos como vontade e
sentimento no processo de aprendizagem, por isso, são criticadas por Moreira (1999), Bigge
(1977) e Behrens (2005).
A seqüência IRA (Garcez, 2006), mencionada no capítulo anterior é um exemplo de
organização interacional tradicional do evento aula. Como já foi dito, essa seqüência é muito
comum, ainda usada em salas de aula até hoje, o que testemunha o impacto que as teorias
behavioristas tiveram e têm nos processos de ensino até o momento.
De acordo com Moreira (1999), na abordagem behaviorista, o sucesso da educação
não depende nem do professor e nem do aluno, mas da adequação do estímulo e do
condicionamento aplicado ao aluno em sala de aula. Se o estímulo for adequado, resultará na
resposta correta esperada..
A PP não se alinha a essa concepção de educação porque a maioria de seus princípios
vão exatamente na direção oposta. Na PP, os personagens do processo educativo
compartilham responsabilidades sobre o processo. Os alunos são responsáveis pelo que
aprendem e pelo modo com que aprendem. O professor é responsável pela aprendizagem dos
alunos e por sua própria adaptação e mudança, na busca por formas mais eficazes de estimular
a aprendizagem.
A maneira com que os procedimentos são realizados durante um projeto também
influência no sucesso da educação, como no Behaviorismo, mas o sucesso não está centrado
somente nos procedimentos. A PP possibilita que o processo de educação tenha mais de uma
base de apoio. O que importa não são apenas os passos ou a técnica, mas o modo com que se
chega até eles, com que são negociados ou adaptados.
O espírito de investigação conjunta impera na PP. Alunos e professor atuam em
conjunto, buscando alternativas para situações diversas. Essa busca por alternativas se dá com
base na lógica, na busca por hipóteses e sua comprovação, na tomada de decisões baseada em
raciocínio e experimentos, científicos ou não.
Além do mais, a PP concebe o ser humano como um ser dotado de sentimentos,
intenções e objetivos e considera que eles desempenham papéis importantes no processo de
aprendizagem. Por isso, na PP, a motivação é um dos fatores mais relevantes para o
desenvolvimento de um projeto. Os alunos precisam se sentir motivados e interessados para
que sua aprendizagem seja significativa.
A PP considera que o conhecimento que o aluno aprende interfere na maneira como
ele se sente e vice-versa. Sendo assim, o aluno não deve aprender a repetir conhecimentos,
mas sim a refletir sobre eles para posicionar-se no mundo com uma opinião própria,
estabelecida de dentro para fora e não imposta de fora para dentro.
Mas e o estudo de línguas? Muitas atividades da aula de língua compreendem
exercícios de repetição e de preencher lacunas com respostas “certas”, a partir de regras
gramaticais explicadas pelo professor. Com a opção pela PP, esse tipo de atividade deve
desaparecer?
Não acredito nisso. Essas atividades são importantes para que os alunos internalizem
regras gramaticais e memorizem a pronúncia de palavras, por exemplo. O que não pode
acontecer é a repetição pela repetição. Com o trabalho por projetos, o professor e os alunos
devem aprender as estruturas da língua visando a algum propósito comunicativo e social
autêntico.
Por exemplo, o professor pode pedir a seus alunos que repitam as palavras
“nature” (natureza) e “global warming” (aquecimento global), para que posteriormente
escrevam um roteiro de rádio a ser veiculado em inglês nos alto-falantes da escola na hora do
intervalo, discutindo a questão da defesa do meio ambiente.
A repetição de estruturas pode continuar nas aulas de língua estrangeira, desde que
tenha um propósito além de si mesmo; desde que, o objetivo central dessas atividades seja a
utilização dessas estruturas para que se aja criticamente no mundo social.
É essa pretensão de fazer o aluno pensar por si mesmo que distancia a PP da
abordagem behaviorista, pois a PP enfatiza a especificidade de cada pessoa, o direito de ter
sua própria opinião, o direito de aprender do seu jeito, enquanto as teorias behavioristas,
como afirma Behrens (2005), aproximam os seres humanos de máquinas, sujeitando-os a uma
aprendizagem de massa, em série.
2.2.3 Abordagem cognitivista
Historicamente, o cognitivismo surgiu quase em concomitância com o behaviorismo.
De acordo com Moreira (1999), ambas as abordagens surgiram como uma reação ao
Mentalismo do começo do século XX, em que somente se analisava o que as pessoas sentiam
e pensavam. O nascimento das abordagens behaviorista e cognitivista surgiu como uma
tentativa de dar cientificidade aos estudos sobre aprendizagem. O behaviorismo defendia o
estudo do comportamento, das ações das pessoas, buscando, em termos de teoria de
aprendizagem, criar maneiras de condicionar suas atitudes para obter o comportamento
desejado. Os behavioristas acreditavam que tudo era uma questão de condicionamento.
Já os cognitivistas, segundo Moreira (1999), se ocuparam da mente, da cognição, ou
seja, daquilo que o ser humano conhece. Moreira (1999) ressalta que os primeiros
cognitivistas, como Hebb e Tolman, ainda utilizavam termos behavioristas como “estímulo” e
“reforço” em suas teorias. Moreira (1999) explica que a diferença entre esses teóricos e os
behavioristas é que eles lidavam com os aspectos chamados intervenientes do processo de
estímulo e resposta: a percepção, a intenção, a motivação e a seleção.
Bigge (1977) afirma que o canadense Donald Hebb, em 1949, propôs que uma série de
processos mentais ocorrem no cérebro do indivíduo após o estímulo e antes da resposta. A
resposta da pessoa não é automática, há uma atitude em relação à resposta e uma seleção da
resposta que será dada. Por exemplo, quando nadadores ouvem o disparo do tiro de partida
em uma competição e começam a nadar, há neles uma atitude de espera daquele sinal e uma
escolha de prestar atenção a ele e selecioná-lo entre tantos outros sons e estímulos que podem
estar recebendo no momento da partida.
Moreira (1999) afirma que, na mesma época, Edward Tolman, por sua vez, enfatizava
a intenção guiada por cognições como a principal característica do processo de aprendizagem.
Para ele, todo o comportamento está repleto de intenções que o dirigem, em lugar do reforço,
defendido por autores behavioristas.
A abordagem cognitivista é bastante ampla, com inúmeros autores e teorias. Para fins
didáticos, Moreira (1999) a divide em duas fases: a fase inicial cognitivista e a fase
construtivista, que surgiu posteriormente. Algumas vezes, o construtivismo é classificado
como uma abordagem à parte, mas, neste trabalho, optamos pela classificação utilizada por
Moreira (1999), que inclui as teorias de cunho construtivista junto às cognitivas, defendendo
que as teorias construtivistas são teorias cognitivistas interpretacionistas, uma vez que tratam
da cognição e do modo pelo qual o sujeito interpreta o conhecimento.
As outras teorias cognitivas da chamada primeira fase são a Teoria da Gestalt e a
Teoria do Campo Cognitivo. Segundo Bigge (1977), a Teoria da Gestalt foi desenvolvida por
psicólogos alemães que foram morar posteriormente nos Estados Unidos e popularizaram
suas ideias por lá. Gestalt, em alemão, significa algo como configuração, forma, padrão.
Moreira (1999) afirma que o gestaltistas vêem o ser humano e a aprendizagem como um todo,
que não pode ser desmembrado em partes menores. Por isso, eles estabeleceram algumas leis
que conduzem o funcionamento dos processos cognitivos e da percepção.
Moreira (1999) apresenta a lei da pregnância, desenvolvida pelos gestaltistas, que diz
que tudo que é percebido pela mente tende a assumir a melhor forma possível, ou seja, a
forma mais simples, eficaz e funcional possível. Segundo Moreira (1999), subordinados à lei
da pregnância estão os princípios da similaridade, proximidade, fechamento e continuidade,
que buscam estabelecer relações com tudo o que é percebido.
Nesse sentido, se tem uma primeira intenção holística, com Hebb e Tolman, nas visões
sobre aprendizagem, que continua com a Teoria do Campo, que, segundo Bigge (1977), foi
emprestada da Física. Moreira (1999) afirma que a Teoria do Campo da Física argumenta em
favor da inter-relação entre todas as partes, que influenciam umas às outras e que, na
psicologia, os teóricos da Teoria do Campo procuraram fazer o mesmo, inter-relacionando
todos os aspectos do ser humano.
Kurt Lewin criou o termo “espaço vital” para designar tudo aquilo que é relevante para
o comportamento do indivíduo, suas crenças, o ambiente que o circunda, sentimentos, metas
alternativas, etc. Bigge (1977) afirma que, para Lewin, tudo o que é consciente em uma
pessoa está em seu espaço vital e tudo o que é conscientemente experienciado pode modificar
esse espaço vital.
As teorias da Gestalt e do Campo popularizaram o termo insight. O insight é o
momento em que o ser humano se dá conta de alguma coisa, com um aprendizado consciente.
O insight pode ser ilustrado com aquele balão com uma lâmpada que se acende em cima da
cabeça dos personagens em desenhos animados. Segundo Bigge (1977), é “o momento da
mudança na percepção, com uma sensação de clareamento e compreensão das ideias” (p.
214).
Bigge (1977) é defensor das teorias cognitivas, especialmente da Teoria de Campo.
Ele argumenta que a aprendizagem deve ser um processo democrático, que o professor deve
ser um arquiteto cultural, no sentido de construir a cultura junto com seus alunos, não
somente conservá-la, e que o ensino e a aprendizagem devem ocorrer no nível da
compreensão, isto é, o professor deve propor uma série de atividades que levem o aluno a
refletir, a perceber relações entre os fatos e fenômenos, de modo que possa utilizar os
conhecimentos adquiridos em outras situações e aprender modos de perceber relações
sozinho, isto é, de aprender por si mesmo.
Porém, Bigge (1977) não fala das teorias construtivistas, como faz Moreira (1999) e
Behrens (2005). Esses dois autores criticam o Construtivismo, não pela maneira como trata da
aprendizagem, mas pela maneira como foi mal interpretado e implementado nas escolas. Do
mesmo modo que Hernández (1998), Behrens (2005) e Moreira (1999) afirmam que as
escolas passaram a dizer que adotavam a filosofia construtivista apenas para dar uma
atmosfera de renovação ao ensino que, na prática, continuou tão tradicional quanto sempre
foi.
Outra interpretação que esses autores consideram negativa sobre o Construtivismo é a
de que o aluno deve trabalhar sozinho na construção de seu conhecimento, sem a interferência
e o direcionamento do professor, como que em uma volta ao Crescimento Natural de
Rousseau.
Esse argumento não procede para todos os autores construtivistas. Vygotsky, por
exemplo, enfatizou muito, em seu trabalho, a interação, o que mostra que nem todos os
construtivistas defendem o trabalho individual do aluno.
Um considerável número de autores são classificados como construtivistas. Dentre
eles, Vygotsky, Ausubel, Dewey, Kilpatrick, Bruner e Piaget. Piaget, segundo Moreira (1999),
é considerado o principal autor dessa abordagem, tanto que seu nome se confunde com a
abordagem em si. Piaget tem uma obra muito vasta e suas ideias foram amplamente
divulgadas desde a década de 1920. Moreira (1999) afirma que Piaget dividiu o
desenvolvimento humano em estágios e elaborou uma teoria para o desenvolvimento
cognitivo. Para Piaget, o ser humano constrói seu conhecimento quando interage com o meio
em que vive. Nessa interação, ocorre o desequilíbrio dos processos mentais do ser humano e a
pessoa busca se re-equilibrar quando acomoda o conhecimento em sua mente, assimilando-o.
De acordo com Moreira (1999), esses são os principais termos da teoria piagetiana: equilíbrio,
desequilíbrio, assimilação e acomodação.
Vygotsky, cuja teoria se diferencia da piagetiana porque vê na interação social um fator
essencial para o desenvolvimento cognitivo, é outro reconhecido autor construtivista.
Segundo Moreira (1999), Vygotsky criou o termo zona de desenvolvimento proximal, que se
refere ao potencial do sujeito para aprender. Na interação com alguém que saiba mais, a zona
de desenvolvimento proximal é ativada, possibilitando a construção de novos conhecimentos.
Moreira (1999) afirma que Vygotsky mencionava a importância dos signos e seus
significados para a aprendizagem e considerava a linguagem o sistema de signos mais
importante para o desenvolvimento cognitivo.
Os outros autores construtivistas citados também contribuíram com diferentes ideias
para a educação com base nos processos cognitivos. Moreira (1999) afirma que Bruner
cunhou o termo aprendizagem por descoberta; Kilpatrick e Dewey defendiam a educação
como um processo democrático, visando à solução de problemas e à aproximação da escola
com a vida cotidiana, conforme mencionamos no início do Capítulo 1; segundo Moreira
(1999), Ausubel criou e popularizou o termo “aprendizagem significativa” e muitos outros
educadores são chamados construtivistas e até hoje desenvolvem ideias nessa abordagem.
A PP tem influências da abordagem cognitivista e de autores construtivistas. Na PP, o
aluno também é visto como um ser que constrói seu próprio conhecimento a partir da
interação com as outras pessoas e com o mundo. Porém, a PP vai além da cognição, do
conhecimento. De acordo com os princípios da PP, não basta um aluno saber sobre algo, ele
precisa saber usar esse conhecimento a seu favor para ajudá-lo a resolver os possíveis
conflitos com que tenha de lidar durante a vida. Na PP, a aprendizagem não representa apenas
o acúmulo de conhecimentos factuais na mente, mas a aplicação de conhecimentos para o
aprimoramento da vida dos seres humanos.
Mas penso que, sem dúvida, a PP foi influenciada pelos autores construtivistas na
medida em que estes já buscavam uma aprendizagem significativa para os estudantes, uma
aprendizagem que promovesse a reflexão e a construção interna de conceitos próprios,
diferentemente das teorias behavioristas que visam à reprodução dos conhecimentos.
Hernández (1998) afirma que Vygotsky influenciou muito a PP com a noção de
aprendizagem mediante a interação, que é uma das características norteadoras da PP,
assumindo que a aprendizagem se dá na interação entre os participantes do processo
educativo.
Segundo Hernández (1998) e Martins (2001), Dewey e Kilpatrick já defendiam, no
começo do século XX, a aprendizagem baseada na solução de problemas, na investigação de
hipóteses e a aproximação da escola com o cotidiano do aluno, correlacionando teoria e
prática.
A visão deles ultrapassou as ideias do cognitivismo tradicional, que via a
aprendizagem como o acúmulo de estruturas mentais, anunciando uma visão mais global da
aprendizagem, como um processo no qual o aluno se desenvolve e se habilita para resolver e
lidar com questões inerentes à sua realidade.
Falaremos agora da abordagem humanista e suas implicações para a PP.
2.2.4 Abordagem humanista
De acordo com Moreira (1999), a abordagem humanista surgiu na década de 1930 e
tem no psicólogo Carl Rogers seu principal representante. Moreira (1999) afirma que essa
abordagem sustenta a aprendizagem como um processo que envolve o ser humano como um
todo, incluindo os sentimentos, a mente e o corpo. Essa visão do homem por inteiro se opõe
às duas abordagens previamente citadas, pois, na abordagem behaviorista, o que importa é o
comportamento do homem, um comportamento responsivo e esperado. Na abordagem
cognitivista, especialmente naquela anterior ao Construtivismo, o que importa são as
estruturas mentais, o conhecimento que o aluno armazena na mente.
Moreira (1999) afirma que, na abordagem humanista, não se separa a mente do corpo
e não se ignora aquilo que o estudante sente. A abordagem humanista defende a aprendizagem
como um processo que vem enriquecer e preencher a vida do ser humano e por isso não pode
ser um processo maçante, inibidor ou imposto.
Em alguns momentos, quando se lê os textos de Rogers (1987), pode-se pensar que ele
visa a um não-ensino, retornando à Teoria do Crescimento Natural, anterior ao século XX,
pois ele refuta todas as imposições da escola sobre o estudante. Porém, à medida que se
aprofunda na leitura, o leitor se dá conta de que Rogers (1987) não é contra o ensino, mas
contra as amarras que o limitam.
Por exemplo, para Rogers (1987), as formaturas deveriam ser abolidas, pois não se
pára de aprender no momento em que se conclui a escola. As avaliações feitas a partir de
critérios previamente estabelecidos pelo professor também deveriam ser excluídas do
processo educativo, porque, para Rogers (1987), somente o próprio aluno pode avaliar sua
aprendizagem e a vida será responsável por impor-lhe testes que servirão para medir suas
capacidades.
Moreira (1999) declara-se adepto da abordagem humanista e ressalta que, de acordo
com essa concepção, os seres humanos têm um potencial natural para aprender e a
aprendizagem significante (Rogers, 1987) acontece quando o conteúdo estudado é percebido
pelo aluno como importante para que atinja seus próprios objetivos.
Por outro lado, Rogers (1987) reconhece no ser humano uma resistência à mudança
que muitas vezes é provocada quando ocorre a aprendizagem significante. A aprendizagem
profunda tende a suscitar mudanças às quais os alunos costumam resistir, porque não é fácil
mudar. Moreira (1999) afirma que essas aprendizagens tendem a ser menos ameaçadoras se o
aluno encontra-se em um ambiente estimulante.
A fim de que o ambiente seja estimulante para a aprendizagem, Rogers (1987)
estabelece cinco condições: 1) o aluno precisa ter um problema a ser resolvido; 2) o professor
deve ser uma pessoa congruente, isto é, capaz de ser aquilo que realmente é, sem omitir ou
mascarar opiniões e sentimentos; 3) o professor precisa ter uma verdadeira preocupação pela
aprendizagem e bem-estar do aluno, que Rogers (1987) chama de “consideração positiva
incondicional”; 4) o professor deve ter o que Rogers (1987) nomeia de “compreensão
empática” do mundo do aluno, o que significa ser capaz de colocar-se no lugar do aluno a fim
de compreender como e porque o aluno vê o mundo do modo que o vê; 5) a quinta condição
mencionada por Rogers (1987) para que o ambiente estimule a aprendizagem é que o aluno
perceba no professor pelo menos três das condições anteriormente citadas.
Rogers (1987) salienta que o aluno deve perceber no professor, pelo menos um pouco
da congruência, preocupação e compreensão deste para com aquele, a fim de que se
estabeleça um ambiente de confiança.
A abordagem humanista pode parecer ingênua em um primeiro momento, quando
assume que o ser humano é bom por natureza, ou quando estabelece que o professor deva ser
sempre verdadeiramente congruente, preocupado e inclinado a entender o aluno. No dia-a-dia
de uma sala de aula se pode perceber que nem sempre o professor sente essas inclinações, que
muitas vezes tem de lidar com seus próprios problemas e parece afastar-se dos interesses de
seus alunos.
Além disso, existem todos os outros problemas da escola que estão além do alcance do
professor, como os problemas pessoais dos alunos, da rotina da escola, do sistema e de toda a
sociedade.
Porém, penso que as proposições humanistas são válidas, pois Rogers (1987) não pede
um professor perfeito, mas sim um professor verdadeiro, que possa ser ele mesmo,
independente de seus problemas ou dos problemas de seus alunos. A abordagem humanista vê
tanto o aluno como o professor como seres que podem concordar ou discordar, argumentar e
discutir, mas que precisam ser verdadeiros durante o processo de aprendizagem.
A abordagem humanista notoriamente influenciou a PP. Embora os conceitos
humanistas não sejam claramente mencionados pela PP, há uma grande semelhança entre a
proposta de ensino humanista e o trabalho com projetos. Assim como na PP, a abordagem
humanista também propõe começar a aprendizagem por um problema e, assim como na PP, a
avaliação estabelecida a partir de critérios externos não é vista como válida. Tanto a
abordagem humanista quanto a PP defendem a aplicação de auto-avaliações para que o aluno
analise sua própria aprendizagem.
A PP, porém, também concebe outros modos de avaliação como válidos, desde que os
alunos participem do processo de avaliação desde o começo, isto é, desde que os critérios de
avaliação sejam discutidos e estabelecidos de modo democrático.
Tanto a abordagem humanista como a PP visam à uma aprendizagem para a vida, que
leve à realização pessoal, ao desenvolvimento da habilidade de aprender a aprender e ao
estabelecimento de parâmetros que ajudem os estudantes a lidarem com situações
problemáticas ao longo de suas vidas.
Teoricamente, creio que temos os pressupostos perfeitos para uma educação
transformadora, realizadora, completa. A PP aborda o processo de ensino e aprendizagem em
todos os níveis: no nível subjetivo, considerando fatores como motivação e interesse; no nível
de procedimentos, ao estabelecer etapas a serem realizadas em um projeto; no nível de
avaliação, ao conceber uma avaliação democrática que visa ao aperfeiçoamento dos
procedimentos e das técnicas, mais do que ao estatuto do desempenho dos alunos. O que
precisa ser pensado são alternativas para concretizar essa educação dentro da sala de aula em
um sistema de ensino segmentado em disciplinas com um programa curricular a ser cumprido.
É necessário uma adaptação dos princípios da PP à escola atual, para que se possam
trabalhar os aspectos integrais do ser humano dentro de um programa curricular organizado
por disciplinas e conteúdos.
2.2.5 O paradigma emergente
Falaremos agora sobre o paradigma emergente proposto por Behrens (2005). A autora
propõe a aplicação conjunta de três abordagens para a educação contemporânea na
universidade, a saber: abordagem progressista, abordagem holística e abordagem do ensino
com pesquisa. As ideias de Behrens (2005) são pertinentes para este trabalho porque, além de
propor o ensino mediante a pesquisa, a autora o propõe para a universidade e, neste trabalho
de conclusão, analisamos o trabalho de estagiárias elaborado como um componente do curso
universitário.
Ela propõe esse paradigma inovador para quebrar o antigo paradigma newtoniano-
cartesiano, que fragmenta a ciência em partes esmiuçadas e desenvolvidas pontualmente e
concebe o ser humano como um ser fragmentado em mente e corpo, ignorando características
como emoções, intuição e sentimento.
O paradigma newtoniano-cartesiano fundamentou a ciência nos séculos XIX e XX.
Surgiu com o método científico proposto por Descartes, cuja ideia principal consistia em não
aceitar como científico nada que não pudesse ser comprovado.
Behrens (2005) afirma que esse paradigma possibilitou à sociedade chegar ao atual
nível de avanço tecnológico, mas, por outro lado, foi responsável pela maioria dos problemas
que assombram a humanidade, como a extrema violência, o egoísmo, a valorização do ter em
detrimento do ser e a utilização desgovernada dos recursos naturais do planeta.
Creio que a visão de Behrens é um pouco ingênua no sentido de culpar a tecnologia e
o cientificismo pela maioria dos problemas da humanidade. O avanço tecnológico e científico
pode ter trazido alguns problemas como a acentuação da individualidade, da fragmentação das
ideias e da busca pelo ter em detrimento do ser, mas essas características já estavam presentes
entre os seres humanos anteriormente e, possivelmente, foram apenas agravadas pelas
novidades tecnológicas e científicas.
Dentro do paradigma newtoniano-cartesiano surgiram para o ensino as abordagens
tradicional, escolanovista e tecnicista, que, de acordo com Behrens (2005) visam à reprodução
do conhecimento. Nesse aspecto, discordo de que o objetivo da abordagem escolanovista seja
este. Com base na leitura feita sobre as ideias dos educadores escolanovistas citados por
Behrens (2005), como Dewey (1976) e Rogers (1987), verifiquei que objetivavam ao
desenvolvimento de um ser humano criativo, capaz de produzir conhecimento ao invés de
repetí-lo. Ambos autores argumentam em favor disso ao longo de suas obras.
Behrens (2005) ressalta que a abordagem escolanovista foi mal interpretada ou
implementada superficialmente por algumas instituições de ensino, as quais adotaram de
renovador apenas o discurso, mantendo, na sala de aula, uma visão de transmissão do
conhecimento a alunos passivos.
A autora defende que esse antigo paradigma já não é suficiente para atender às
demandas da atualidade. A humanidade chegou a um nível tecnológico e de conexão global
que requerem que as pessoas sejam capazes de se desenvolverem de modo autônomo,
valorizando sua própria produção.
Para Behrens (2005), a ciência não pode mais ignorar a presença da subjetividade nas
ações humanas. Ela defende que a ciência deve continuar requerendo conhecimento técnico e
factual, mas que esse conhecimento deve estar aliado aos propósitos e objetivos do ser
humano para a produção de novos conhecimentos que o auxiliem na solução de questões e
problemas que venham a surgir e na criação de seus próprios conceitos, desenvolvidos a partir
de reflexão e análise dos fatos e fenômenos.
As três abordagens propostas por Behrens (2005) para compor o paradigma inovador
pretendem preencher essa lacuna no fazer acadêmico. A Abordagem Holística, também
chamada em Behrens (2005) de Abordagem Ecológica ou Sistêmica, vê o ser humano como
um todo, um ser complexo e coletivo, único e valioso. Essa abordagem concebe como papel
das instituições educacionais aprofundarem as relações com o planeta, com a comunidade
global e com o cosmo. A abordagem holística pretende que o homem supere a fragmentação e
recupere a visão do todo.
Segundo Behrens (2005), a Abordagem Progressista, por sua vez, estabelece que a
escola deve ser responsável pela transformação social. Para isso, aluno e professor são
concebidos como sujeitos criativos, produtores de conhecimento e de propostas e trabalham
em uma relação horizontal, de parceria, na busca por essa transformação. A aprendizagem é
vista como um processo infinito, que dura a vida toda.
Na abordagem do Ensino com Pesquisa, Behrens (2005) afirma que o aluno é visto
como um sujeito que produz conhecimento, fazendo uso de tecnologias e recursos diversos e
o professor é o agente que facilita o aprendizado e cria condições para que o aluno aprenda e
aprenda a aprender, todas características em consonância com as ideias dos autores que
defendem a PP, mencionados no capítulo 1.
Por tudo o que foi exposto até aqui, pode-se perceber, neste início do século XXI, uma
inclinação muito grande à inovação na educação, uma vontade de ousar e tentar implementar
modos de ensino e aprendizagem que visem à formação de um ser integral, ético, consciente
de si mesmo e do planeta.
Pode-se perceber um retorno às ideias dos autores escolanovistas e construtivistas, mas
um retorno mais forte, que não aceitará uma transformação apenas nominal porque isso já
aconteceu com o Construtivismo e não trouxe inovações significativas para o processo de
aprendizagem.
Mas como se mudam paradigmas? Como se altera aquilo que se fez e testemunhou por
um longo tempo como sendo a única alternativa? Seria ingênuo pensar que temos a resposta,
mas temos, no trabalho com projetos, no ensino com pesquisa, uma tentativa de ir um pouco
além.
Toda essa trajetória das teorias de aprendizagens, as várias correntes que se destacaram
em diferentes épocas, revelam o quão longa é a caminhada na busca pela educação de
qualidade.
A PP é um dos pontos a que se chegou com essa caminhada. Ela tem aspectos das
diferentes teorias e tem também características próprias, como o questionamento das
representações únicas da realidade e a postura de que a verdade é relativa e construída
mediante investigação. A PP propõe uma estrutura procedimental a ser seguida na sala de aula
para o ensino e a aprendizagem. As ideias que compõem seus princípios e a estrutura flexível
do trabalho com projetos delineiam a aplicação da PP em sala de aula.
Uma das vantagens da PP é que ela é tão flexível que pode ser aplicada no currículo
atual complementando o ensino em uma tentativa de torná-lo mais significativo e procurando
equilibrar a extensiva fragmentação das disciplinas e a realidade complexa e múltipla com que
o estudante se depara na vida.
No capitulo a seguir, apresentaremos a metodologia seguida para o desenvolvimento
da pesquisa realizada neste trabalho, falaremos sobre os projetos analisados, sobre as escolas
e as condições de aplicação desses projetos, procurando refletir sobre a sua aplicação e as
ideias sobre aprendizagem até aqui expostas.
3 METODOLOGIA
3.1 Contexto da Pesquisa
Para o desenvolvimento desta pesquisa, realizou-se entrevistas com três
estagiárias da disciplina de Prática de Ensino de Língua Inglesa no Ensino Fundamental e
Médio do Curso de Letras, habilitações Inglês e Português/Inglês da UNISINOS, que
trabalharam com projetos durante seu estágio, e procedeu-se à leitura de seus relatórios da
Prática de Ensino.
Esses três projetos foram selecionados porque foram considerados coerentes e
bem-sucedidos pela Supervisora da Prática, atingindo os objetivos propostos nos projetos e
seguindo as etapas previstas para uma aplicação de projeto efetiva. Outra razão para a escolha
destes três projetos se deu porque as estagiárias que os aplicaram foram colegas da autora
deste TC na disciplina de Prática, o que facilitou meu acesso a elas.
Duas das entrevistas foram respondidas por escrito, enquanto uma delas foi feita
oralmente, gravada e transcrita. As entrevistas ocorreram no segundo semestre de 2008, nos
meses de agosto e setembro. Os projetos haviam sido elaborados e aplicados no primeiro
semestre de 2006.
Os instrumentos utilizados para a pesquisa foram as entrevistas e os relatórios da
Prática de Ensino. Optou-se pela escolha desses instrumentos porque: 1) o relatório é o
documento mais completo de que se tem registro sobre o projeto, uma vez que não temos
mais acesso às atividades, produções e instrumentos de avaliação utilizados, exceto aos
anexados nos relatórios; 2) a entrevista é a forma mais eficaz de obter informações sobre o
trabalho das estagiárias, porque, na entrevista temos acesso à professora que elaborou e
aplicou o projeto e podemos saber a visão que ela tem sobre o trabalho com projetos.
Visto que os projetos foram aplicados em 2006, não teríamos mais acesso aos
alunos e não poderíamos fazer observação de aulas. Os relatórios e entrevistas foram os
instrumentos encontrados para obter informações sobre os projetos aplicados.
3.2 Análise
A presente pesquisa tem como objetivo analisar três projetos escolares
desenvolvidos por estagiárias da disciplina de Prática de Ensino de Língua Inglesa do Curso
de Letras da UNISINOS, a fim de investigar que tipo de ensino de língua inglesa tem sido
desenvolvido nos estágios da Prática de Ensino, de que modo a PP é aplicada no ensino e
aprendizagem de língua inglesa nos estágios e a influência que a aplicação dos projetos teve
na vida profissional das estagiárias, após a graduação na universidade.
A escolha de investigar o uso da PP nos estágios de LI se deu por que:
Durante a disciplina de Prática, a supervisora estimulou os estagiários a trabalhar
em projetos de trabalho, mas, durante sua vida escolar, as estagiárias entrevistadas não
trabalharam com projetos, o que significa dizer que não tiveram a vivência de projetos
enquanto alunas (exceto por alguns projetos já elaborados na faculdade).
Os PCNs (1998) afirmam que a aprendizagem de uma LE deve acontecer de
modo significativo, contextualizado e com enfoque social, porque a língua é um modo de
socialização. Mediante os projetos, os alunos interagem entre si, com o professor e com o
mundo, podendo utilizar a língua em uma situação em que ela seja, de algum modo,
necessária.
Pretende-se discutir se, nas três situações práticas analisadas, as estagiárias
conseguiram propiciar a seus alunos momentos de reflexão crítica sobre o mundo, de
interação entre os participantes do processo de aprendizagem e de uso da língua com
propósitos delimitados e claros.
Pretende-se discutir se as estagiárias conseguiram fazer com que os alunos
utilizassem a língua com um propósito real e pensassem criticamente sobre um tema, se
houve uma diferença entre o projeto aplicado e a aula de inglês de “todos os dias”. Deseja-se
saber, também, se as estagiárias viram nos projetos uma alternativa ao ensino de inglês, se
acharam que contribuíram, com os projetos, para que os alunos tivessem uma aprendizagem
significativa e se pretendem usar ou usam projetos em sua vida profissional atual.
Esse trabalho pretende contribuir para minha formação enquanto uma
oportunidade de revisar a bibliografia sobre projetos de trabalho, sobre teorias de
aprendizagem e sobre concepções de língua e aprendizagem, complementando com
orientações dos PCNs para o ensino de LE. Tudo isso fornece uma base teórica para analisar
os relatórios e as entrevistas e tentar chegar a um panorama sobre o ensino e a aprendizagem
objetivados nos estágios.
A pesquisa se fundamenta em quatro perguntas norteadoras:
1 Que tipo de ensino de língua inglesa tem sido desenvolvido nos estágios de língua
inglesa no Curso de Letras, a partir da opção pela Pedagogia de Projetos?
2 Com qual concepção de língua as professoras-estagiárias trabalharam durante a
aplicação de seus projetos no estágio?
3 Que tipo de aprendizagem os professores-estagiários relatam ter promovido, na
medida em que o projeto era aplicado e ao seu término?
4 Como o trabalho com a Pedagogia de Projetos no estágio influenciou a vida
profissional das professoras-estagiárias, após a universidade?
Como já mencionado anteriormente, as entrevistas ocorreram nos meses de agosto
e setembro de 2008, a leitura e análise dos relatórios foi feita nos meses de setembro e
outubro do mesmo ano e os projetos tinham sido aplicados no primeiro semestre de 2006.
Essa distância cronológica entre a aplicação dos projetos e as entrevistas e análise
dos relatórios pode ter deixado de lado aspectos relevantes da aplicação dos projetos, como a
opinião dos alunos e a atmosfera de trabalho em sala de aula, mas pode também contribuir
para que sejam analisados apenas os dados que ficaram impressos na memória das
entrevistadas, porque são os mais relevantes na visão destas.
Temos consciência de que estamos analisando apenas dados relatados pelas
professoras-estagiárias nas entrevistas e nos relatórios e que, para obtermos dados sobre a
aprendizagem sob o ponto de vista dos alunos, deveríamos ter observado aulas e colhidos
opiniões dos estudantes na época em que os projetos estavam sendo desenvolvidos.
Isso não foi feito porque a escolha de analisar a PP a partir desses projetos ocorreu
após a conclusão da disciplina e seria inviável conseguir acesso a esses alunos e impossível
conseguir registros diretos das aulas, pois essas não foram registradas em vídeo ou com
gravadores de voz.
Mas acreditamos que o caminho percorrido tem sua relevância, e,
independentemente das considerações finais, a investigação é válida porque foi feita nos
moldes propostos por Behrens (2005) de valorização da pesquisa, da investigação realizada
pelo aluno e do conhecimento por ele produzido.
Dois dos projetos foram aplicados em escolas particulares, uma situada na cidade
de São Leopoldo e a outra situada no município de Lajeado. O outro projeto foi aplicado em
uma escola pública estadual, também situada na cidade de São Leopoldo.
O primeiro projeto analisado foi aplicado em uma escola particular de São
Leopoldo, em uma sexta série do Ensino Fundamental, uma turma com aproximadamente
trinta alunos e alguns casos especiais. De acordo com a estagiária, havia na turma um
estudante em situação de inclusão, uma estudante com dislexia e alguns alunos com déficit de
atenção, o que, segundo a professora-estagiária, tornava a turma bastante agitada e seu
trabalho mais desafiador.
Esta estagiária, porém, era a professora titular dos alunos. Portanto, os conhecia
bem, já os tendo acompanhado desde o começo do ano letivo. O nome do projeto aplicado foi
Healthy Eating (alimentação saudável) e foi aplicado entre os meses de maio a junho de 2006.
O grupo utilizava livro didático nas aulas de inglês. O nome do livro era Our Way
e a professora seguia a ordem do livro na programação dos conteúdos. Durante o
planejamento de seu projeto de Prática de Ensino, a professora-estagiária trabalharia,
seguindo o livro didático, o caso imperativo na língua inglesa, com o estudo do caso
imperativo em receitas de alimentos.
Junto à sua professora orientadora da Prática de Ensino, a estagiária verificou que
trabalhar o imperativo apenas em receitas culinárias não seria o suficiente para que os alunos
compreendessem o uso desse modo verbal. Ela percebeu que seria necessário ir além do livro,
trabalhando com os alunos exemplos de outros usos do caso imperativo.
A estagiária decidiu que buscaria, além das receitas e exercícios propostos no
livro, receitas culinárias em língua inglesa extraídas da internet para trabalhar com seus
alunos material autêntico no idioma e procurar incentivá-los a adotar uma alimentação
saudável.
A produção final do projeto seria a elaboração de uma receita de salada de fruta
em inglês, que os alunos deveriam entregar à professora-estagiária como parte de sua
avaliação trimestral. Após a entrega da receita escrita, a estagiária e os alunos fariam uma
receita de salada de frutas na sala de aula e produziriam um videoclipe da elaboração da
receita, utilizando uma canção em inglês, cuja letra é uma receita de salada de fruta.
Conforme comenta em sua entrevista, a estagiária iniciou o projeto apresentando-
o aos estudantes e detalhando qual seria a produção final8 e os principais objetivos do projeto,
a saber: a discussão sobre uma alimentação saudável; o trabalho com os imperativos e a
elaboração de uma receita culinária.
O primeiro procedimento da professora foi distribuir entre os alunos uma
pirâmide alimentar em branco, para que, em conjunto, a completassem. A professora
apresentou as categorias em que a pirâmide se divide (dairy, vegetables, fruit, fat,
carbohydrates e proteins) e pediu aos alunos que dissessem nomes de alimentos em inglês
que se encaixassem em cada categoria.
Os alunos disseram os nomes dos alimentos que conheciam em inglês e, depois
que já tinham dito todos os alimentos que conheciam na língua inglesa, a professora pediu a
eles que dissessem outros em português enquanto ela os ia traduzindo e os inserindo na
pirâmide.
Quando a pirâmide estava completa, contendo os alimentos principais, como
proteínas, vegetais, frutas, carboidratos e laticínios, a professora pediu que os alunos
elaborassem uma dieta saudável em seus cadernos, usando o imperativo: eat ... , don’t eat ... ,
eat only .... A dieta não deveria ter como objetivo nem ganho, nem perda de peso. Os alunos
deveriam fazer de conta que eram nutricionistas elaborando uma dieta saudável a um
paciente.
Deveriam também especificar a quantidade de porções diárias (servings) de cada
categoria de alimentos. Essa atividade foi elaborada no caderno, com a supervisão da
professora. O objetivo era revisar e introduzir vocabulário referente a alimentos em inglês e
8.... Durante as discussões realizadas na disciplina de Prática antes dos estágios, a supervisora da Prática explicitou que os estagiários deveriam estabelecer uma produção final que seria o objetivo principal do projeto, o que se alinha com a estrutura de um projeto, apresentada na seção 1.4 do capítulo 1 deste trabalho.
iniciar o estudo do caso imperativo.
A professora procurou também, com essa atividade, ativar conhecimentos prévios
dos alunos sobre o vocabulário referente a alimentos em inglês. A segunda atividade tinha
como objetivo familiarizar os estudantes com o gênero textual receita culinária em inglês. A
professora utilizou duas receitas presentes no livro didático e trouxe outras duas receitas
extraídas da internet. Nessa atividade, os alunos deveriam ler as receitas e enumerar as partes
do modo de preparo na ordem apropriada para a elaboração do prato9.
Durante essa etapa, a professora-estagiária foi chamando a atenção dos alunos
para as partes de uma receita culinária, a estrutura do texto e a linguagem utilizada. Também
visando a ativar conhecimentos prévios, a professora perguntou aos alunos quais as partes que
compõem uma receita, o que todas as receitas têm em comum e a quem se dirigem. A
professora pretendia que os alunos estivessem conscientes de como se elabora uma receita
culinária e do vocabulário envolvido, em inglês.
Na entrevista, a professora-estagiária enfatizou que não há como exigir que os
alunos produzam um tipo de texto se eles não conhecem sua estrutura e não têm modelos e
exemplos de como fazê-lo.
Depois de ter trabalhado com a leitura de receitas e exercícios relacionados, o
grupo partiu para a elaboração da produção final, a receita da salada de frutas. A professora
estabeleceu que a receita deveria ser escrita em dois períodos. No primeiro, os alunos
escreveriam um rascunho e o mostrariam à professora a fim de esclarecer dúvidas. No
segundo período, o rascunho seria passado a limpo e a escrita da receita seria finalizada.
Os alunos fizeram suas produções, alguns com maior, outros com menor
dificuldade. A professora-estagiária relata que uma das alunas estava muito insegura e trouxe
9.... ANEXO 1.
sua receita pronta de casa. A estagiária conta que conversou com ela e procurou estimulá-la a
fazer sua própria receita, afirmando que acreditava em sua capacidade e potencial.
Após um pouco de insistência, a professora-estagiária afirma ter conseguido fazer
com que a aluna desenvolvesse sua receita e que o resultado ficou muito bom. A aluna inseriu
frutas diferentes, de que gostava, e o resultado final foi muito positivo, seguindo
eficientemente a estrutura de receita culinária estudada nas aulas anteriores.
A estagiária relata, em sua entrevista, a estranheza dos alunos com relação ao uso
do dicionário. De acordo com ela, eles ainda precisariam de muito auxílio no sentido de se
familiarizarem com essa ferramenta, pois ainda encontravam dificuldades quando precisavam
buscar um verbo ou uma palavra em sentido figurado.
Na aula seguinte à elaboração da produção final, que seria a última do estágio, os
alunos fizeram a salada de fruta na sala de aula. Trouxeram os ingredientes e utensílios
necessários, produziram a salada de fruta, comeram-na, tiraram fotos e limparam a sala
depois. A estagiária relata ter aproveitado a oportunidade para trabalhar a questão do
imperativo nas instruções para a elaboração da salada de frutas e para a organização e limpeza
da sala, após o preparo do alimento.
Ela conta ter trabalhado frases como don’t point the knife at the classmates (não
aponte a faca para os colegas) e clean the room after the mess (limpe a sala depois da
bagunça), durante a aula de preparo da salada de fruta. A estagiária relata, na entrevista, que,
depois do projeto, o uso do imperativo passou a fazer parte da rotina de sala de aula daqueles
alunos. Praticamente em todas as aulas de inglês, tanto a professora-estagiária quanto eles
começaram a usar mais o imperativo no inglês, com expressões como sit down (sente-se),
come here, please (venha cá, por favor) etc.
A estagiária apontou o projeto como bem sucedido, mostrando-se satisfeita com o
desempenho dos estudantes e o seu. Segundo ela, o diferencial do projeto foi o engajamento
dos estudantes. Eles participaram e se comprometeram com as aulas mais do que costumavam
fazer nas aulas de inglês guiadas somente pelo livro didático. A professora atribui esse
engajamento dos alunos à exposição clara dos objetivos e do que seria esperado dos alunos ao
longo da aplicação do projeto.
Ela afirmou, durante a entrevista, que esse é o grande diferencial do trabalho com
projetos: os alunos sabem o que irão fazer e porquê. A professora diz ter conseguido trabalhar
de maneira muito mais eficiente a questão do gênero textual estudado, no caso, receita
culinária, porque os alunos, além de escreverem uma receita, teriam que fazê-la depois e, por
isso, a receita deveria ser clara e cumprir esse propósito.
Embora fosse a professora regular da turma, a professora-estagiária não trabalhou
interdisciplinarmente com outro professor na aplicação desse projeto. Quando questionada
sobre isso, ela afirmou que poderia ter trabalhado em conjunto com a professora de Ciências,
mas optou por não fazê-lo porque a professora de Ciências já havia trabalhado a questão da
alimentação em suas aulas, no início do ano letivo. Portanto, não havia porque trabalhá-la de
novo.
Porém, segundo a professora-estagiária, o fato de os alunos já terem trabalhado
com esse assunto ajudou no desenvolvimento do projeto nas aulas de inglês. Os alunos já
estavam familiarizados com a pirâmide e com a questão da alimentação saudável, o que
colaborou quando esse assunto foi abordado no idioma estrangeiro.
Desse modo, pode-se pensar neste trabalho como uma forma de
interdisciplinaridade. A estagiária sabia que o assunto já havia sido trabalhado em outra
disciplina e o retomou, enfocando, em seu projeto, além da alimentação saudável, a estrutura
de uma receita e o vocabulário em inglês relativo à alimentos e receitas culinárias.
Um aspecto do projeto que deixou os alunos bastante motivados, além da clareza
na exposição do trabalho que seria realizado, foi a leitura de receitas autênticas, cuja fonte
estava presente na folha lida, e que realmente poderiam ser acessadas na internet em outros
momentos. A professora-estagiária afirma que os alunos ficaram encantados por ler textos que
estavam realmente na rede.
Quando perguntada sobre os temas transversais, a estagiária relatou que trabalhou
a questão da saúde alimentar, mas que não poderia medir o impacto que esse projeto teve nos
alunos no sentido de chamar sua atenção para a importância de uma alimentação saudável,
porque ela acredita ser muito difícil perceber os impactos na vida dos alunos como um todo
quando se passa com eles cem minutos por semana.
Ela afirma ter percebido algumas mudanças em outros aspectos, por ter sido sua
professora ao longo do ano, mas não relacionadas a esse projeto exatamente. Ela afirma ter
auxiliado seus alunos a conhecer melhor o gênero receita e os ter estimulado a experimentar
receitas diferentes em casa, indo para a cozinha.
A professora-estagiária avaliou o desempenho dos alunos da seguinte forma:
avaliou o texto da produção final, utilizando como critérios a apropriação do gênero, a divisão
e organização das partes de uma receita, a ortografia e a gramática empregada, especialmente
o uso do imperativo. Avaliou também a colaboração na aula em que fizeram a salada de fruta,
se os alunos trouxeram as frutas e materiais solicitados e se auxiliaram na elaboração e na
limpeza.
De acordo com a professora-estagiária, os alunos avaliaram positivamente o
projeto, solicitando esse tipo de trabalho com maior freqüência. A professora-estagiária afirma
que os alunos colaboraram uns com os outros e interagiram ao longo do projeto, embora
afirme que o fizeram como sempre o fazem: “daquele jeito tumultuado deles”.
Por se tratar de seu estágio, a professora afirma ter aplicado o projeto de uma
maneira assimétrica, ou seja, não deixando muito espaço para que os alunos escolhessem os
modos de trabalho. Ela afirma ter feito isso porque ainda não estava familiarizada com o
trabalho com projetos e temia que seus alunos, também desconhecedores desse modo de
trabalho em sala de aula, criassem uma situação que acabasse tomando outro rumo.
A professora afirma ter incorporado o trabalho com projetos em seus afazeres
profissionais. Ela aplica cerca de três projetos com cada turma por ano, nessa mesma escola
onde desenvolveu sua Prática de Ensino. O projeto aplicado no estágio foi revisado, sofreu
algumas adaptações e aperfeiçoamentos, como por exemplo, a seleção de outras receitas
culinárias, agora com maior poder de escolha dos alunos, e continua sendo aplicado por ela
em algumas sextas séries.
Ela afirma que, no começo de sua carreira como professora, o trabalho com
projetos era muito difícil, pois exigia muita pesquisa e preparação. Com o passar do tempo,
porém, trabalhar com projetos ficou mais prático, porque ela se adaptou a essa abordagem e
passou a reciclar alguns projetos já utilizados, intercalando projetos antigos e novos.
A segunda estagiária entrevistada aplicou seu projeto em uma oitava série de uma
escola particular, no município de Lajeado. Ela afirma ter escolhido essa escola porque havia
recebido um convite da professora titular da turma no ano anterior, quando foi à escola a fim
de observar aulas para outra disciplina do Curso de Letras.
A turma em que seu projeto foi aplicado era pequena, com cerca de vinte alunos.
Uma das alunas era portadora da Síndrome de Down, enquanto outra sofria de déficit de
atenção. A estagiária afirma que, durante as observações, notou que a turma tinha
pouquíssimo conhecimento do idioma, o que a motivou a trabalhar com os alunos vocabulário
básico referente a si mesmos.
O projeto aplicado chamava-se “The world around me: my classmates and my
family” (O mundo ao meu redor: meus colegas e minha família). Os objetivos eram trabalhar
com vocabulário relacionado à vida e à família dos adolescentes, a fim de que pudessem se
expressar sobre isso no idioma estrangeiro, fazer entrevistas utilizando perguntas e respostas
no idioma, preencher uma tabela com o vocabulário estudado e escrever a produção final, que
seria uma carta apresentando-se a um amigo em potencial e perguntando-o sobre sua vida e
sua família. As cartas seriam lidas e respondidas por estudantes de um primeiro ano de uma
outra escola na mesma cidade.
Segundo dados de seu relatório, a estagiária iniciou o projeto explicando aos
alunos o que seria feito no período em que atuaria como professora deles, a produção final (a
carta), os objetivos e as atividades.
Em seguida, a professora-estagiária começou a apresentação de conteúdos com
um jogo de introdução. Ela colou no quadro-negro um mini-poster contendo as seguintes
frases: my name is ..., I am .... years old e I live in .... Ela começou o jogo modelando-o,
dizendo essas informações sobre si mesma e, em seguida, pediu a um aluno que fizesse o
mesmo, segurando a ponta de um novelo de lã e jogando para o colega solicitado. Todos os
alunos deveriam jogar o novelo a um colega, segurando uma ponta do fio e cada colega que
recebesse o novelo deveria se apresentar utilizando as estruturas introduzidas pela professora-
estagiária.
A segunda parte era composta por outro jogo, no qual cada aluno deveria escolher
uma pessoa famosa, dizer seu nome e a cidade onde mora em inglês e em seguida reunir-se
em pares para que cada par apresentasse a “celebridade” a seu lado. Nesse momento, a
professora colou mais um mini-poster no quadro-negro, desta vez contendo as estruturas: He/
She is ..., He/She is ... years old, He/She lives in ....
A terceira atividade da primeira aula foi a leitura de um texto: “Maurizio’s life”10.
A professora solicitou aos alunos que o lessem silenciosamente. Em seguida, os alunos
ouviram o texto no CD player e, por último, a professora foi trabalhando o significado do
texto com os alunos, perguntando a eles que informações estavam em cada frase e como se
perguntaria por aquela informação em inglês, como: What's your name?, Where are you
from?, What do you study?, por exemplo.
A estagiária e os alunos trabalharam essas perguntas e respostas e, no final da
aula, ela solicitou que os alunos entrevistassem um parente, como tema de casa, utilizando as
novas perguntas estudadas.
Na segunda aula, a professora-estagiária pediu a alguns alunos que lessem suas
entrevistas e foi colocando algumas perguntas e respostas no quadro-negro, a fim de revisar o
conteúdo trabalhado. Em seguida, a classe continuou com a leitura do texto sobre Maurizio,
lido na aula anterior, e a estagiária aproveitou algumas frases para apresentar o tempo verbal
Present Progressive (Presente Progressivo).
Quando terminou a leitura do texto, a estagiária solicitou aos alunos que
entrevistassem seus colegas, utilizando as estruturas vistas na aula anterior. Depois que os
alunos as praticaram por alguns minutos, a professora organizou o que ela chamou de
Chocolate Game (Jogo do Chocolate). Nesse jogo, os alunos responderam a mais algumas das
perguntas trabalhadas na aula anterior, enquanto tentavam abrir uma barra de chocolate com
uma faca e um garfo. Ao fim do jogo, a professora pediu aos alunos que fizessem, como tema
de casa, alguns exercícios, nos quais responderiam perguntas sobre si mesmos em inglês.
Na terceira aula, os alunos tiveram um teste que já estava marcado e que fora
elaborado pela professora titular da turma. O teste era sobre o modo imperativo, o uso de Let's
10 Anexo 2.
e os plurais irregulares. A professora-estagiária colaborou com duas questões no teste,
referentes a informações pessoais, tema que estava trabalhando no projeto.
Após o teste, a estagiária recolheu os exercícios que havia solicitado como tema
de casa e distribuiu entre os alunos um outro texto, extraído da internet, sobre outro rapaz, de
nome Billy. O objetivo desse texto seria estimular os alunos a aprenderem mais quatro
perguntas em inglês: How old are you? What do you like to do? What grade are you in?
Where do you study?
Os alunos deveriam preencher uma tabela com essas informações e a professora
os auxiliaria a desenvolver as perguntas para, logo em seguida, entrevistar os colegas,
utilizando-as. Como tema, a professora solicitou aos alunos que terminassem de preencher a
tabela.
Na quarta aula, a estagiária ajudou os alunos perceberem as diferenças entre dar
informações sobre si mesmo e falar sobre outras pessoas. Ela enfatizou o uso dos pronomes
nas frases: My name is ... / Her name is ... e pediu aos alunos que elaborassem nove perguntas
buscando informações sobre um amigo.
Em seguida, a professora-estagiária questionou os alunos sobre o formato de uma
carta, perguntando a eles o que uma carta deve conter, como se inicia e se termina uma carta e
quais marcas mostram a quem a carta se dirige. A professora-estagiária pediu aos alunos que
produzissem sua carta com as estruturas até então estudadas e recolheu as cartas produzidas
no final da aula. Como tema, a professora solicitou aos alunos que entrevistassem um parente
ou amigo, utilizando todas as nove perguntas estudadas no início da aula.
Na última aula, a estagiária fez a correção do tema com os alunos e devolveu-lhes
as cartas, escritas na aula anterior, a fim de proceder à reescrita11. Após a reescrita das cartas,
11.. Alguns exemplos da produção final encontram-se no ANEXO 3.
os alunos fizeram uma auto-avaliação e avaliaram o trabalho da estagiária. A aula e o projeto
foram encerrados com um jogo de perguntas e respostas, no qual meninos e meninas
competiram uns contra os outros.
Tanto na entrevista quanto no relatório, a professora-estagiária considerou que seu
estágio foi bem-sucedido, porque conseguiu fazer com que os alunos produzissem na língua
estrangeira, partindo de um conhecimento quase nulo do idioma, o que havia verificado
durante o período de observação. A estagiária considera que os objetivos foram atingidos
porque os alunos estavam fazendo algo que seria realmente útil para suas vidas: novas
amizades através de cartas e também porque eles trabalharam os conteúdos a partir de textos e
situações contextualizadas, não a partir de regras gramaticais isoladas.
De acordo com a professora-estagiária, a turma foi bastante colaborativa. Os
alunos cooperaram uns com os outros na elaboração das cartas e procuraram auxiliar os
colegas com mais dificuldades. Durante o estágio, ela afirma não ter trabalhado
interdisciplinarmente porque já estaria interferindo o suficiente na rotina da escola por estar
atuando na sala de aula de outra pessoa.
Porém, na entrevista, a estagiária defendeu a interdisciplinaridade no trabalho com
projetos, afirmando que é interessante para o desenvolvimento do aluno no sentido de
estabelecer relações com as outras disciplinas.
A terceira professora-estagiária entrevistada aplicou seu projeto em uma sétima
série do Ensino Fundamental, em uma escola estadual, localizada na cidade de São Leopoldo.
O nome do projeto era Do we want a healthy diet? (Nós queremos uma dieta
saudável?) Os alunos iriam trabalhar vocabulário referente à alimentação para elaborar sua
produção final, que foram posteres com sugestões de cardápio para a cantina do colégio.
A professora-estagiária teve de fazer alterações em seu projeto inicial porque a
professora titular da turma solicitou que ela trabalhasse o artigo indefinido e os substantivos
contáveis e incontáveis. Seu plano inicial era produzir um scrapbook (álbum de recortes) com
informações pessoais sobre os estudantes, como sua família, seus amigos, informações
pessoais e habilidades.
Uma vez que a estagiária teve de fazer alterações no conteúdo trabalhado, ela
modificou o projeto. Ela iniciou o projeto mostrando duas figuras aos alunos, uma contendo
comida saudável e a outra contendo alimentos considerados prejudiciais à saúde. Com essas
figuras, começou-se uma discussão sobre hábitos saudáveis e preferências alimentares.
Em seguida, a estagiária explorou uma pirâmide alimentar que havia no livro
didático que os alunos utilizavam12 , explicitando para que servia essa pirâmide e o
vocabulário presente. Após a observação da pirâmide, a professora-estagiária desenhou uma
tabela no quadro-negro, com o título: things we can eat or drink (coisas que podemos comer
ou beber). A estagiária dividiu a tabela em quatro partes: for breakfast, for lunch, for dinner,
for snack (no café da manhã, no almoço, no jantar, no lanche). Os alunos deveriam completá-
la como tema de casa.
Na segunda aula, a professora-estagiária examinou a tabela com os alunos e pediu
que eles produzissem sua própria pirâmide alimentar em inglês, para entregar. O objetivo
dessa atividade era fixar o vocabulário estudado até ali.
Na terceira e quarta aulas, os alunos leram uma receita de salada de fruta, a partir
da qual a professora-estagiária trabalhou o artigo indefinido. Ao explorar a receita, a estagiária
questionou os alunos sobre o uso de a / an, perguntando a eles o que sabiam sobre o tópico e
explicando as regras de uso desses artigos.
A professora escreveu essas regras no quadro-negro, em português, explicando
12.. O nome do livro didático não consta no relatório de estágio e a estagiária não lembrou seu nome na entrevista.
quando se usa a e quando se usa an e solicitou aos alunos que completassem um exercício de
preencher lacunas com esses artigos.
Na quinta aula, os alunos fizeram um teste sobre o artigo indefinido e, após o
teste, a estagiária promoveu atividades lúdicas, como bingo e jogo da velha, revisando o
vocabulário sobre comida e os artigos indefinidos.
Na sexta aula, a professora-estagiária revisou o conteúdo do teste, o que era
obrigatório, segundo as normas da escola, e iniciou o trabalho com substantivos contáveis e
incontáveis.
Para isso, a estagiária trouxe porções de alimentos, como açúcar, e alguns objetos,
como colheres e potes, que auxiliariam os alunos a compreender a diferença entre
substantivos contáveis e incontáveis. Depois de trabalhar exemplos com os alunos,
escrevendo-os no quadro-negro, as regras foram também explicadas, escritas no quadro-negro
e copiadas pelos alunos em seus cadernos. Em seguida, os alunos fizeram dois exercícios: no
primeiro, deveriam corrigir frases com erros sobre o uso dos números dos substantivos e, no
segundo, deveriam reescrever frases transformando os substantivos incontáveis em contáveis.
Na oitava aula, a professora-estagiária perguntou aos alunos sobre os alimentos
disponíveis na cantina da escola e distribuiu entre a turma um trecho de um artigo do “The
New York Times” sobre as bebidas permitidas e proibidas, por lei, nas cantinas escolares
daquele país13. O texto foi lido, seu vocabulário foi trabalhado e o grupo discutiu a respeito do
artigo.
A estagiária pediu aos alunos que, em grupos de quatro componentes, elaborassem
um poster com itens que eles gostariam que fossem disponibilizados na cantina da escola,
justificando a razão pela qual cada item foi selecionado.
13 ANEXO 4.
Na nona aula, os alunos continuaram a produzir seus posteres e os alunos foram
liberados da aula para assistir ao jogo de futebol do Brasil, pois era época de Copa do Mundo
e a escola havia alugado uma tela para os estudantes assistirem ao jogo.
Na décima e última aula, os alunos concluíram e apresentaram seus posteres,
discutindo-os com os colegas. O projeto foi encerrado com uma reflexão sobre as escolhas da
turma em seus posteres, em comparação com o artigo publicado no “The New York Times”. A
turma concluiu que nem sempre prefere uma alimentação saudável e que eles têm o direito de
decidir o que vão comer na escola.
As três estagiárias entrevistadas relatam que conseguiram atingir os objetivos
propostos em cada projeto. Elas atribuem esse sucesso ao comprometimento dos alunos.
Conforme relatam nas entrevistas, pelo fato de os objetivos terem sido explicados e
estabelecidos nas primeiras aulas dos estágios, com os projetos, as estagiárias conseguiram
obter um engajamento satisfatório, o que permitiu aos alunos produzir, na língua estrangeira,
material de qualidade.
As três estagiárias aplicaram seus projetos tendo em vista uma produção final, que
englobou a escrita em um gênero textual específico: 1) receita culinária; 2) carta; e 3) poster.
Todas trabalharam também conteúdos gramaticais previamente planejados no plano de ensino
das escolas: 1) imperativo; 2) presente simples; e 3) artigo indefinido e substantivos contáveis
e incontáveis.
Para trabalhar os tópicos gramaticais, todas elas partiram de textos, que foram
usados como modelo e preparação para a produção final. A apresentação dos conteúdos
gramaticais foi feita de maneira contextualizada. Os alunos trabalharam em dois níveis
interligados: o nível do gênero e o nível da gramática, somando a isso o nível do input
(apresentação) de vocabulário.
As três professoras procuraram levar em conta o conhecimento prévio de seus
alunos. Todas elas iniciaram tarefas e discussões perguntando aos alunos o que conheciam e
pensavam sobre os temas trabalhados.
Isso nos leva a crer que o ensino objetivado nos estágios, a partir da opção pela
PP é um ensino que se centra na aprendizagem do aluno, buscando valorizar seus
conhecimentos e auxiliá-lo a se desenvolver com motivação e interesse.
A concepção de língua enquanto modo de ação no mundo esteve presente nos três
projetos. No entanto, nota-se também, a presença, no plano de ensino das escolas, da
concepção tradicional da língua enquanto sistema de regras e do ensino a partir de conteúdos,
pois as três estagiárias tiveram de selecionar tópicos gramaticais segundo o currículo das
escolas e trabalharam seus projetos a partir deles.
O ponto de partida para o planejamento foi a gramática, por exigência do
currículo que as escolas seguiam. A partir da gramática, as estagiárias procuraram gêneros
textuais que contivessem o tópico gramatical planejado para apresentar a gramática a partir de
textos e trabalhar assuntos que fossem interessantes para os alunos.
Se, por um lado, as estagiárias partiram da gramática para planejar seus projetos,
no que concerne à visão sobre aprendizagem, as três estagiárias buscaram alternativas mais
inovadoras para concretizar suas aulas. As três procuraram trabalhar com jogos e atividades
lúdicas para praticar e revisar os assuntos estudados e buscaram fazer os alunos se sentirem
confortáveis e engajados nas atividades, promovendo atividades que atraíram seu interesse.
Procuraram, também, trabalhar com materiais autênticos e aprofundar-se nas
estruturas dos gêneros textuais que compunham a produção final, a fim de propiciar segurança
aos alunos no momento em que tivessem de elaborar suas próprias produções.
O planejamento dos projetos foi feito antes dos estágios, o que implica afirmar
que os alunos, nos três projetos, não tiveram muitas oportunidades de opinar e decidir nas
tomadas de ações durante os projetos. Pelo fato de não conhecerem as turmas muito
profundamente, a segunda e terceira estagiárias entrevistadas relatam que preferiram
direcionar a maneira de trabalho, a fim de sentirem-se mais seguras. Outro fator que
contribuiu para essa verticalidade na aplicação dos projetos foi a inexperiência da segunda e
terceira entrevistadas em salas de aula de ensino regular e a inexperiência das três estagiárias
no trabalho com projetos.
Por não saberem como esse tipo de trabalho funcionaria, as três preferiram não
dar tanta liberdade aos alunos durante as escolhas das ações dos projetos. O que todas elas
relatam ter feito é ter aberto espaço para os alunos exporem suas opiniões e argumentarem em
favor delas, configurando-se assim, a concepção da escola como um lugar no qual o aluno
aprende a se posicionar no mundo e a argumentar em favor de sua opinião, de forma
democrática e aberta.
Nenhuma das estagiárias trabalhou com outros professores da escola de forma
interdisciplinar durante seus projetos. A primeira e a segunda estagiárias entrevistadas
mencionaram a interdisciplinaridade como uma forma importante de trabalho na escola.
Como anteriormente mencionado, a primeira professora, a única titular da turma em que
aplicou seu projeto, relata não ter trabalhado com outro professor porque o tema tratado em
seu projeto já havia sido trabalhado na aula de Ciências, disciplina que poderia trabalhar em
conjunto a respeito do tópico. Mesmo assim, pode-se notar, em seu projeto, uma característica
interdisciplinar por ter trabalhado um tópico de outra disciplina: Ciências.
A segunda estagiária relatou, na entrevista, que não trabalhou com outras
disciplinas por se tratar de um estágio. Ela relata ter se sentido invasiva à rotina da escola e
trabalhar com outra disciplina seria ainda mais invasivo, segundo ela. A terceira estagiária
relata não ter trabalhado com outras disciplinas por se tratar de seu estágio e, como não
possuía muita experiência nem com o trabalho com projetos não se sentiria segura para
trabalhar com projetos articulada com outra professora. De qualquer modo, ela tratou, em seu
projeto, da questão da alimentação saudável, caracterizando uma certa interdisciplinaridade,
também com a disciplina de Ciências.
Todas elas, no entanto, afirmam ter apreciado o trabalho com projetos em função
do engajamento dos estudantes. Elas argumentam que, uma vez que os objetivos são expostos
cedo, os alunos sabem o que se espera deles e com que critérios serão avaliados. As
entrevistadas relatam que os alunos se sentem mais confiantes com o trabalho e interessados,
porque produzirão textos reais, que serão lidos por outras pessoas e serão produzidos nos
moldes de textos que eles já conhecem e encontram na realidade fora da sala de aula.
As três estagiárias relatam que, após a formatura, continuaram utilizando projetos
de trabalho em suas aulas, duas delas em escolas regulares e outra em um curso livre de
língua inglesa, porque consideram que os projetos desempenham um importante papel na
motivação dos estudantes em relação ao tema a ser estudado.
Mas, afinal, que tipo de ensino de língua inglesa tem sido desenvolvido nos estágios
de língua inglesa no Curso de Letras, a partir da opção pela Pedagogia de Projetos? Com base
nos dados acima apresentados, pode-se afirmar que se tem tentado desenvolver um ensino que
abra espaço para a manifestação do estudante e que valorize seu conhecimento e suas
habilidades.
As escolas regulares apresentam uma estrutura curricular dividida em disciplinas que
se subdividem em conteúdos. É obrigatório para os professores seguir essa grade e estudar
esses conteúdos com seus alunos. O que tem se tentado demonstrar, nos estágios da Prática de
Ensino, é que é possível seguir esses conteúdos e ir além deles, trabalhando temas relevantes
para a vida do aluno e, nas aulas de língua, tipos de texto com os quais os estudantes se
depararão fora da sala de aula, em seu cotidiano.
É possível, seguindo a programação curricular, aplicar os princípios propostos pela PP
e apresentados na seção 1.3 do capítulo 1 deste trabalho. É possível também, concretizar o
ensino e a aprendizagem mediante projetos de trabalho que seguem a estrutura apresentada na
seção 1.4 do capítulo 1 deste TCC, com apresentação do projeto, planejamento,
desenvolvimento, apresentação de resultados e avaliação do trabalho desenvolvido.
O ritmo em que se segue o cronograma curricular pode ser flexível e ainda mais
flexibilizado pela aplicação de projetos de trabalho. É preciso criatividade e organização para
conciliar o trabalho com projetos e o currículo.
As estagiárias entrevistadas procuraram aplicar seus projetos seguindo estes
parâmetros. Elas seguiram a programação dos conteúdos, mas procuraram desenvolver o
estudo de gêneros textuais e temas relevantes para a vida dos estudantes. Elas procuraram
fazer com que os alunos escrevessem para leitores concretos, tentaram fazer com que seus
alunos pensassem nos efeitos que suas escolhas textuais teriam para quem lesse suas
produções.
Elas trabalharam com uma concepção de língua vinculada ao uso, embora afirmem
que não aprenderam inglês dessa forma na escola e que tiveram de se policiar para não aplicar
exercícios meramente estruturais que visassem somente ao funcionamento das regras do
idioma.
Pelo relato das estagiárias, pode-se notar que elas buscaram promover uma
aprendizagem democrática, porque aceitaram as diferentes opiniões expostas pelos alunos,
que não seriam as respostas desejáveis esperadas por professores tradicionais. P o r o u t r o
lado, as estagiárias não abriram muito espaço para que os alunos tomassem decisões no que
diz respeito à aplicação dos projetos e ao processo de aprendizagem, o que vai contra as
prerrogativas da PP.
Embora essa falta de liberdade tenha sido justificada pela inexperiência em sala de
aula, pela inexperiência com o trabalho com projetos e principalmente, pela tradição escolar
de não abrir espaço para que o aluno decida sobre como ocorrerá o ensino, o ideal seria que os
alunos tivessem mais liberdade para decidir e atuar nas escolhas sobre sua própria
aprendizagem. A introdução dessa liberdade deve ocorrer de forma gradual, a fim de que tanto
professor quanto alunos se acostumem e aprendam a lidar com tal liberdade.
De todo o modo, as estagiárias afirmam que a PP conquistou sua simpatia pela
motivação e engajamento dos alunos e pela flexibilidade propiciada para o ensino e a
aprendizagem. Elas puderam comprovar, em seus estágios, os benefícios do trabalho com
projetos e concluíram que eles são maiores do que o árduo trabalho de preparação que o
trabalho com projetos exige, configurando-se como uma alternativa à aprendizagem
significativa e engajada.
CONCLUSÃO
Este trabalho teve como objetivo investigar e discutir que tipo de ensino de língua
inglesa tem sido desenvolvido nos estágios da Prática de Ensino do Curso de Letras da
UNISINOS, a partir da opção pela Pedagogia de Projetos, discutir de que modo a Pedagogia
de Projetos se concretiza no ensino e aprendizagem de língua inglesa nos estágios e a
influência que a aplicação dos projetos teve na vida profissional das estagiárias, após a
graduação na universidade. Para fundamentar essas discussões, apresentamos, no capítulo 1,
a Pedagogia de Projetos, com sua história, suas pretensões para a educação, os princípios
que orientam o trabalho com projetos e a estrutura que compõe um projeto, com suas várias
etapas.
No capítulo 2, apresentamos e discutimos a concepção de língua mais apropriada
para o trabalho com projetos, as principais teorias de aprendizagem e em quais teorias a PP
se fundamenta. Averiguamos que a PP se opõe a abordagens mecanicistas de aprendizagem,
como a Abordagem Behaviorista. Averiguamos, também, que os autores que defendem a PP,
na atualidade, procuram combater discursos sobre educação que se afirmam inovadores, mas
cuja inovação fica restrita à proposta, sem chegar à sala de aula.
Percebemos que a PP se apresenta como uma maneira de concretizar o currículo
escolar, abrindo espaço para a valorização das produções e do conhecimento do aluno.
No terceiro capítulo, apresentamos a metodologia da pesquisa e a análise dos dados
coletados. Percebemos que o trabalho com projetos pode ajudar para que os alunos se
comprometam mais com sua aprendizagem e tenham uma postura mais curiosa e
participativa com relação a ela, mas que seria ingênuo demais afirmar que a PP é ou tem a
solução para todas as questões que envolvem a educação no ensino regular.
Mesmo aspectos como motivação e curiosidade por parte dos alunos, que se
demonstraram bastante altos nos projetos analisados, dependem de vários fatores além do
projeto, como pré-disposição pessoal dos alunos, relacionamentos na turma, relação com o
professor e com a escola. Além do mais, a PP defende que a aprendizagem ocorra a partir de
temas e se inicie com o intuito de solucionar uma questão problemática. Isso não ocorreu
exatamente dessa forma nos projetos analisados porque a escola não abre mão da
organização do currículo por conteúdos e, devido aos projetos terem sido aplicados em
estágios, não se pôde estabelecer com o alunos, problemas que eles deveriam tentar
solucionar.
Os projetos analisados foram planejados com base em três pilares: tópico gramatical,
tipo de texto e tema, o que difere um pouco das prerrogativas da PP apontadas no capítulo 1.
Além do mais, os alunos não tiveram liberdade para tomar decisões durante os projetos, o
que reflete a antiga tradição da verticalização do processo de ensino-aprendizagem.
Por se tratarem de projetos aplicados no ano de 2006, não pudemos observar aulas e
nem tivemos acesso à opinião direta dos alunos sobre os projetos, exceto por algumas
avaliações que constavam nos relatórios e pelos relatos das estagiárias. Essa ausência de
feedback por parte dos alunos pode ter nos impedido de avaliar sua opinião, mas não nos
impediu de avaliar as impressões das estagiárias e a forma como procederam no
planejamento, elaboração e desenvolvimento dos projetos que aplicaram.
Seria interessante, no futuro, realizar uma pesquisa que enfoque a opinião de
estudantes sobre o trabalho com projetos, bem como seria interessante observar a aplicação de
um projeto a fim de analisar o grau de participação que os alunos possam ter nas decisões
tomadas sobre os temas estudados e os procedimentos executados em sala de aula. Poderia-se
também, investigar de que modo se concretiza a avaliação com o trabalho por projetos, de
acordo com os PCNs.
Este trabalho pode ajudar os leitores no sentido de fazê-los repensar sobre a PP e
estreitar seus laços com essa abordagem, estimulando-os a voltar a usá-la, ou a continuar a
usá-la, e pode ainda ajudar outros acadêmicos que tenham interesse no trabalho com
projetos em LE, tanto em seus estágios, quanto em seus TCCs, como também em sua vida
profissional. Pode ajudar o leitor a perceber a trajetória das teorias de aprendizagem e de que
modo as ideias sobre educação tiveram influência sobre a PP. Pode ainda fornecer dados
práticos e sugestões de projetos de trabalho e maneiras de aplicá-los e de refletir sobre eles.
Com esta pesquisa, aprendi que, para se obter uma aprendizagem significativa, que é
o que gostaria para meus alunos quando eu for professora no ensino regular, é preciso
prosseguir questionando a educação, os procedimentos em sala de aula, a relação entre
professor e aluno e seus papéis no processo de ensino-aprendizagem.
Aprendi também, que o professor não deve ser o centro da sala de aula, nem os
alunos, nem os procedimentos, nem os conteúdos. O processo educativo deve ser
globalizado, ou seja, fundamentado em vários pilares de maneira equilibrada, a fim de que a
responsabilidade não se concentre em apenas um aspecto, mas em vários, o que pode
propiciar maneiras diversificadas de aprender e ensinar e, dessa forma, criar mais
oportunidades para que alunos e professores diferentes se desenvolvam em conjunto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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