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Coleção sinopses v._11_-_direito_civil_(obrigações _e_responsabilidade_civil)_(2014)

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COLEÇÃO SINOPSES PARA CONCURSOS

DIREITO CIVIL

OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADE CIVIL

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Leonardo de Medeiros Garcia Coordenador da Coleção

Luciano L. Figueiredo Advogado. Sócio do Figueiredo & Figueiredo Advocacia e Consultoria.

Graduado em Direito pela Universidade Salvador (UNlFACS). Especialista (Pós-Graduado) em Direito do Estado pela Universidade

Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor de Direito Civil, atualmente, na Faculdade Baiana

de Direito, Escola dos Magistrados da Bahia (EMAB);

Associação de Procuradores do Estado da Bahia (APEB); Fundação da Escola Superior do Ministério Público do Estado da Bahia (FESMIP);

e Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS). Palestrante. Autor de Artigos Científicos e Livros jurídicos.

/[email protected] / www.direitoemfamilia.com.br/ Twitter @civilfigueiredo

Roberto Lima Figueiredo Procurador do Estado da Bahia. Advogado e Professor.

Sócio do Escritório de Advocacia Pedreira Franco Advogados Associados. Professor de Direito Civil na Universidade Salvador (UNIFACS).

Professor Convidado da Escola Superior de Magistrados da Bahia - EMAB. Professor Convidado da Escola Superior de Advocacia Orlando Gomes - ESAB/OAB.

Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Palestrante em eventos e seminários. Autor de Obras jurídicas.

COLEÇÃO SINOPSES PARA CONCURSOS

OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADE CIVIL

3ª edição

2014

EDITORA JusPODIVM

www.editorajuspodivm.com.br

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EDITORA JusPODIVM

www.editorajuspodivm.com.br Rua Mato Grosso, 175 - Pituba, CEP: 41830-15 l - Salvador - Bahia Tel: (71) 3363-8617 /Fax: (71) 3363-5050 •E-mail: [email protected]

Conselho Editorial: Eduardo Viana Portela Neves, Dirley da Cunha Jr., Leonardo de

Medeiros Garcia, Fredie Didier Jr., José Henrique Mouta, José Marcelo Vigliar, Marcos

Ehrhardt Júnior, Nestor Távora, Robério Nunes Filho, Roberval Rocha Feneira Filho, Rodolfo Pamplona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e Rogério Sanches Cunha.

Capa: Rene Bueno e Daniela Jardim (www.buenojardim.com.b1)

Diagramação: Maitê Coelho ([email protected])

Todos os direitos desta edição reservados à Edições JusPODlVM.

Copyright: Edições JusPOD!VM

É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou

processo, sem a expressa autorização do autor e da Edições JusPODTVM. A violação dos direitos

autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

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li Sumário

Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... . . . . . . . . . .. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . .. . . ...... .... ...... 11 Coleção s inopses para concursos. .............. . . . . . . . . . . ..... . . . ............. . . . . . . . . . . . . . . 13 Guia de leitura da Coleção . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... . . . . . . . . . . ........ . . . .... ... .......... ....... . . . 15 Nota dos autores à 3ª edição . . . . . . . . . . . ...... . . . . . . ..... . . . . . . . .. . . .. . . . .. . . . . . . . ... . ... . . . . . . 17

Ca pítu lo 1 • OPÇÃO METODOLÓGICA ··························································· 19

Parte 1 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

Ca pítu lo 1 •INTRODUÇÃO AO DIREI TO DAS OBRI GAÇÕES ... . . . . ....... . .. .... ... ....... 25 i. Conceito, Importância e Função Social das Obrigações .......... . . . . . . . . . . . . . . . 25 2. Relações Patrimoniais. . . .. . . . . . . . .. . . ... . . . . . . . . . . . . ......... . . . . . . . ............. . . . . ...... . . . 30

2 .i . Zona de Confl uência: Obrigações Propter Rem, Obrigações de Ônus Real e Obrigações de Eficácia Real.. ...... . . . 33

3 . Disti nção dos Direitos da Personal idade .... . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . ....... . . . . . . . . 37 4. Terminologias Importantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... . . .......... . .. . . . . .... . . . . ....... . . . . 39

4.i . Dever Jurídico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......... . . . .. . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 4.2. Estado de Sujeição .... ..... . . . . . . . . . . . . . . . . ............ . . . . . . . . . ........ ........... . . . . 40 4.3. Responsabi l idade . ... . . ... . ....... . . . . . .......... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . ... . . . ..... 40 4.4. Ônus J u rídico .................. .. . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . ............ 41

Ca pítulo l i • ESTRUTURA ou ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRI GAÇÃO ... .. 43 i . Estrutura ou Elementos Constitutivos da Obrigação . . . . . . . . . ..... . ........... 43

1 . 1 . Elemento Subjetivo ou Pessoal da Obrigação: Sujeitos da Relação Obrigacional . . . . . . . . . . . . . ... ... .... ... ... . . ..... . . ..... . . . . 44

i.2. E lemento Objetivo ou Material da Obrigação: A Prestação ...... 47 i.3. E lemento Imaterial , Virtual ou Espiritual

da Obrigação : Vínculo Juríd ico ... . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . ..... . . . 49 2. A Causa nas Obrigações. . . . . . . . . . . . . . . .... .... . . . . . . .... ................... . . . . . . . . . . . . .. . . . . 54 3 . Fonte das Obrigações .... .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...... . . . . .. . . . . . .. . ... . ... ... . ..... . . . . . 55

3 .i . Fontes Históricas do Direito Romano ...... ........ ... . ...... ... . .. . . . ........ 56 3.2. Fontes Modernas das Obrigações. . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 3 .3 . Fontes Contemporâneas das Obrigações . . . ......... ........ . . . . . . . . . . . . . . 59

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Ca pítulo Ili � CLASSIFICAÇÃO DAS OBRI GAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 1 i . Nota I ntrodutória . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .............................. . . . . . ... 61 2. Classificação das Obrigações Consideradas

em si Mesmo: Obrigações Morais, Civis e Naturais .... . . ........ . .... . . . ..... 62 3. Classificação Quanto ao Objeto. Também Chamada

de C lassi ficação Básica das Obrigações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . ............. 63 3 . i . Obrigação de Dar ( Ob /igatio Ad Dandum) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

3.1.1. Obrigação de Dar Coisa Certa . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . ... ... . ...... 64 3 .i .2 . Obrigação de Dar Dinheiro (Pecuniária) ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 3 . i .3 . Obrigação de Dar Coisa I ncerta ou Genérica . . . . . . . . . . ... . . . . 74

p. Obrigação de Fazer ( Ob ligatio Ad faciendum) . . . . . . . . . . . .. . ... . . . .... .... 76 3 .3 . Obrigação de Não Fazer ( Obligatio Ad Non faciendum) . . . . .. . . . ..... 83

4. Classificação Quanto a Presença dos Elementos Obrigacionais ... ... . . 86 4 .i . Obrigações Compostas pela Mu ltiplicidade de Objetos .. . . .. . .. . . . 86 4.2. Obrigações Com postas Pela Multiplicidade de Sujeitos . ..... . . . . . . 91

5. Classificação Quanto à Divisi bi l idade do Objeto .. . . . . . . . . . . .................... 99 6. Classificação Quanto ao F im:

Obrigações de Meio, Resultado e Garantia . . . .... . . . . . . . . . . . . . . . . .. . .. . .. . . ....... 102 7. Classificação Quanto à Liqu idez ............. . . . . . . . . . . . .. . .............. . . . . . . . . . . . . . . . . 106 8. Classificação quanto a Presença do Elemento Acidental . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108 9. Classificação quanto à Dependência. ...... . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 10. Classificação q uanto ao Momento de Cumprimento ... . . . . . . . . . . . . . . ...... .. 109

Ca pítulo I V � DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO) .... ....... ... ... . . . . . . .. . ... . ... .... . 1 11 i. Nota I ntrodutória: Natureza J u rídica

e Requisitos de Val idade do Pagamento ........... . . . . . . . . . . . . . . . . .......... . . ... . 111 2 . E lementos Subjetivos do Adimplemento. . . . . . . . .......... ... . . . . . . . . . . .... . . . ...... 1 14

2 .i . Quem Deve Pagar (solvens)? ..... . . . . . . . . .. . . . . . . . ... .... . .. . .. . . ... . . . . . . . . . . . . . . 115 2 .2 . A Quem Pagar (accipiens)? . . . . . . . . . . . . . . . . . ........ ... . . . . . . . . . . . . . . . ............... 120

3 . E lementos Objetivos do Pagamento . . ........ . . . . . . . . . . . . . . . . . ...... .... ...... . . . . . . . . 125 3 . i . Do Objeto do Pagamento . . . . . . . . . . ............. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . .. . . . . . ... 125 3 .2 . Da Prova do Pagamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............. 130 3 .3 . Do Lugar do Pagamento . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . ...... 1 34 3.4. Do Tempo do Pagamento ...... ... . ... . . . . . . . . . . . . . .... . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . .... 136

Ca pítulo V � AINDA SOBRE o ADIMPLEMENTO E A EXTIN ÇÃO DAS OBRI GAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO IND IRETO) . . .. . . .. . . .. . .. . . ... . . . . . . . . . . . . . . . 139 1. Nota I ntrodutória . . ..... . . . . . . .. . . . .... . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......... . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 2. Consignação em Pagamento . . .. . .. . ......... . . . . . . . . . . ............... ... . . . . . . . . . . . . .. . . . . 140

2.1 Quando é possível o uso da Consignação em Pagamento? . . . . . . . . . 141 2.2 . Procedimento da Consignatória .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . .. . . . . . . . . . . . . .... 145

2 .2 .i . Consignação Extrajudicial ou Bancária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146

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SUMÁRIO

2.2.2. Consignação Judicial em Pagamento ......... .................. ...... 150 3. Imputação em Pagamento..... . ... . . . . ...... . . . ................... ...... . .. . ... ............ 152 4. Pagamento com Sub-rogação ............................................................. 156 5. Dação em Pagamento ............. ..................................... ..................... . . 161 6. Novação . . . . . . ........... .......... .......... . . . . . . ....... . ..................... ...... ................ 164

6.1. Novação Objetiva ou Real . ....... ..... ............................................. 169 6.2. Novação Subjetiva ou Pessoal (Ativa, Passiva, ou Mista) . ........ 1 70 6.3. Novação Mista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173

7 . Compensação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174 8. Confusão .. . ................................. . . . .......... ............................................ 179 9. Remissão ..................................... . . . . ...................... ........ .. . . .................. 181

Ca pítulo VI � A CRISE DAS OBRI GAÇÕES : TEORIA DO INADIMPLEMENTO. ... ... . 187 i . A Crise Obrigacional e a Dignidade da Pessoa Humana ............ .... . . . . 187

1 .1 . A Superação da Prisão Civil e a Súmula Vinculante 25 . . . . . . . . . . . . . 189 i.2. I nad implemento Absoluto x Inad implemento Relativo ............. 192

i .2 .i . A Teoria da Substancial Pe rformance e a Resolução por Inad implemento.. . ..................... ....... 195

2 . O Caso Fortuito e a Força Maior. ............. . ............ ....... ..... . . . . .............. 197 3. Mora......... ..... ............. . . . . . . . .... . . . ................. ...... . . . ... . . . . ............ .............. 199

3 . i . Mora do Devedor (solvendi) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199 3.2. Mora do Credor (accipiendi)... . . . ......... . . . .... . . . . . . .......................... 201 3 .3 . Constituição em Mora ......... .... . . . . . . .................................... . . . . ..... 202 3.4. Purgação (emenda) da Mora ................................. . . . . .... ............ 203 3 .5 . Violação Positiva do Contrato

(inadimplemento ruim ou insatisfatório) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205 4. Perdas e Danos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207

4 .i . Modalidades de Danos Negociais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 4 .i .1 . Dano Emergente ............................... .............................. 208 4.i .2 . Lucros Cessantes .............. ....... ... . . . ... . . . . .......................... 209 4.i .3. Dano Mora l Negocia l...................... . . . . . . . . ....... . . ...... .......... 210 4 .i .4. Perda da Chance .................. ...................... ............ . . ...... 211

5 . juros ................... . . . ... ........... ....................... ............ ..................... ........ 213 5 .i . J u ros de Mora ............................................ . . . ......... . . .................. 215 5.2. J uros Compensatórios .......... ................................... . ...... ............ 217

6. Cláusula Penal (multa contratua l ou pena convencional) ............. .... 220 7 . Arras e Sinal .... .... .................................. .................. ................. ........... 229

Ca pítulo VII � TRANSMISSÃO DAS OBRI GAÇÕES... ... ... .... .. . ... ... . . ..... ...... . . .... . . 235 1 . I ntrodução. .................... ....... ................. ...... . .................... ................... 235 2. Cessão de Crédito . ......... ...................... ................................ .............. 237 3 . Assunção De Dívida ou Cessão De Débito ....................................... ... 249 4. Cessão de Posição Contratua l . . . . ............. ........................ . . . ................ 256

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LUCIANO FI GUEI REDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Parte l i RESPONSABILIDADE CIVIL

Ca pítulo 1 � INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE C IVIL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 263 i. O Dever jurídico Primário e o Sucessivo . . . . . .. . . .......... ... . . . ................ ... 263 2 . A História da Responsabi l idade Civi l . . . . ................. ...... . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . 267

2 .i . Fase Pré-Romana. . . . . . . . . ....... . . . . . . ........... . . . . ... ..... . .. . . . . . . . . . . . . . . . . ........ 268 2.2. Fase Romana . . . ............. .................... . . . . . . . . ......... . . .......... ............. 269 2.3. Direito Francês ............ . . . .............. . .. . . . . . . .. . . .. . ..... . . ............... . . . . . ... 270 2.4. O Direito Português .................. . . . . .. . .... . ......... ....... ............... . . . . . . . 271 2.5 . O Direito Brasi leiro . . . . . . . . ...... ..... ......... . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .. . . ...... ......... ... 271

3 . A Natureza jurídica ..... . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . ............. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . ............... 274 4. Função . . . ............. ......... . . . . ........ ... ... . . . . ............... . . .. . . . . . .. . . . .. . . . . . . . . ........... 275 5 . Fundamentos .............. . . . .. . . ...... . . . . . . . . . . ............. . . . . . . . . . .. .. . . ..... ......... . . . . . . . 276 6. A Culpa ..... . . . .. . . . . . . . . . .............. . . . . . ....... . . . . . . . . . ................... . ... ... . . . . . . . ......... 276 7. Conceitos Básicos . . . ............ . . . . ........... ... . . . . . . . .. . . .................... . . . . . . . ..... . .. 277

p. Responsabi l idade Civil e Responsabi l idade Moral . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 278 p. Responsabi l idade Civil e Responsabi l idade Penal . . . . . . . . . . . . . . . . . ... 278 7 .3. Responsabi l idade Contratual e Extracontratual ................. . . . . . . . 282 7 .4. Responsabil idade Subjetiva e Objetiva . . . . . . . . . . . . . . ................. . . . ... 283 7.5. Responsabi l idade Por Ato Lícito e Ilícito ............... ..... . . . .. . . . . . . . . . . 284 7 .6. A Responsabi l idade Pressuposta......... . . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . ...... . . . . .. . . 288

Capítu lo 11 � ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 289 1 . Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . ....... ......... .... . . . . . . . .......... . . . . . . . . . . ... ........... ..... . . . . . . . . 289 2. Conduta Humana ....... . . .... . . . . . .............. . . . . . . . . . . ....... . . ...... . . . . . . . . . . . . ........... 290 3 . Dano ou Prejuízo ........ . . . . . . . . . . . . . . . . ......... . . . . . . . . . . . .............. . . . .. . . . . . . . . . ........ 293

3 . i . Requisitos Configuradores do Dano ... .. . . .. . . ........... ....... ... . .. .. . . . .. 297 3.2. O Dano Patrimonial ou Materia l . . . . . . . . . . . ........... . ........ . . . . . . . . . ......... 298 3 .3 . A Perda de uma Chance............. . . . . . . . . . . .. . . ........ . . . . . . . . . . . . . . . . .......... 305 3.4. O Dano Extra patrimonia l ou Imaterial ..... . . . . . . . . . . . . . . .. . . ... ....... . ..... 309 3 .5 . Dano Estético . ................... ....... . . . . ......................... . . . . . . . . . . . . . ......... 322 3.6. Dano Reflexo, Oblíquo ou Ricochete . . . . . . . . . . . . . . . ................. . . . . . . . . . . 322 3.7. Danos Coletivos, Difusos

e I nteresses Ind ividuais Homogêneos ............. . . . . . . . . . . . . . .. . . ..... . . . . 325 3.8. Responsabi l idade Civil Pela Perda

do Tempo Livre ou Desvio Produtivo de Consumo. ...... . . . .. . . . .... 327 4. Nexo de Causalidade..... ................ . . . . . . . . . . . ........ . . ......... . . . . . . . . . .. . ...... . .... 3 34

4 .1 . Teoria da Equ ivalência das Condições ou do Histórico dos Antecedentes ou da Cond itio S ine Qua Non .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... 335

4.2. Teoria da Causal idade Adequada .... . . . . . . . . . . . . . . . . . ................ . . . . . . . . . 336 4.3. Teoria da Causal idade Direta ou Imediata ... ........ ...... . ... . . . .. . . . . . . 338 4.4. Qual a Teoria Adotada pelo Código Civil?.......... ... . . . . . . . . . . . . . ........ 338

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SUMÁRIO

4.5. Concausas ou Concausalidade ou Causalidade Mú ltipla ou Causalidade Comum . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 340

Capítulo Il i � EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CI VIL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 345 L Conceito e Ob jeto de Estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 345 2. Estado de Necessidade ....... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............................ ...... 347 3. Legítima Defesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . ...... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 352 4. Exercício Regular de Direito . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 355 5. Caso Fortuito e Força Maior . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 359 6. Culpa Exclusiva ou Fato Exclusivo da Vítima ....... . . . . . . . . . . .. . . . . ............... 365 7 . Fato de Terceiro ............ . .. . . . . ........ ... . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . ................................ 369 8. Cláusula de Não Indenizar . . . . . . . . . . . ........ . . . . . . . . ...... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . .. . . .... 374

Capítulo I V � RESPONSABILIDADE CI VIL S UBJETI VA E OBJETIVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381 1 . Responsabi l idade Civil Subjetiva .......... . . . . . . . . . . .... . . . .......... . . ................. 381

1 . 1 . O Dolo e a Culpa . . . . . . . . ........... . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 383 1 . 1 . 1 . Modal idades de Culpa . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . .. . .. . .............. . . 384

i.2. As Hipóteses de Responsabi l idade Civil Subjetiva no Cód igo . . . . . . . . . . . . . . . .... . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....... ..... 389 1 .2 . 1 . Incapaz..... ............ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............... 389 i.2.2. Credor de Dívida Não Vencida

ou Já Paga (Cobrança Indevida) . . ... . . . .................... . . . . . . . . . 393 i .2 .3 . Homicídio e I ncapacidade Laboral . . . . . . . . . ................... . . . . . 395 i .2.4. Ofensa à Saúde ..... . . . . . . . . . . . . . .. . .. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. . . . ....... 398 1 .2 .5 . Usurpação ou Esbu lho .. . ... . . . . . . . ...... . . . . . .......... . ............... . . 402 i .2 .6. In júria, Difamação ou Calúnia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . .. 403 i .2 .7 . Ofensa à Liberdade Pessoal . . . . ......... . . ...................... . . . . . . 406

2. Responsabi l idade Civil Objetiva . . . . ...... . . . . .......... . . . . . . . ..... . . . . . ............. ... 408 2 .i . O Advento da Teoria do Risco Na Atual Codificação . . . ........ . . . . . . . 411 2 .2 . Hipóteses de Responsabi l idade Civil Objetiva no Código . . . . . . . . . 412

2 .2 .1 . A Responsabi l idade Civil dos Empresários e das Empresas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... 412

2.2.2. A Responsabi l idade Civil por Ato de Terceiro .... ...... . . . . . 416 2.2.3. A Responsabi l idade Civil

por Fato do Animal e por Fato da Coisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 425

Capítulo V � EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CI VIL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS ..... . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . ... .. . .. . . . . . . . . . .. . .. . . .. . .. .......... . . . 431 1 . Noções Gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . ......... . . ....................... . . . . . . 431 2 . A Relação de Trabalho.. . . . .. ......... . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... 432

2 .i . A Relação de Emprego . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . .... . . . . ... . . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . 433 3 . Desdobramentos Juslaborais da Responsabilidade Civi l . . . . . .. ...... ...... 438

3 . i . Responsabi l idade Civil do Empregador ou Comitente

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

por Atos dos seus Empregados, Serviçais ou Prepostos . . . . . . . . . . 438 3.2. Responsabi l idade Civil do Empregado, Serviçal

ou Preposto em Face do Empregador ou Comitente . . . . . . . . . . . . . . . . 441 3 .3 . Responsabi l idade Civil do Empregador por Dano

ao Empregado (não pelo empregado). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 444 3.4. Responsabil idade Civil Decorrente de Acidente do Trabalho.. . . . . 444 3.5. Responsabi l idade Civil em Relações

Triangulares de Trabalho (Terceirização) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 448 3.6. O Assédio Moral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 450

4. I ncapacidade Laboral e Pensionamento Ressarcitório . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 451

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li Agradecimentos

"As pessoas que são loucas o suficiente para achar que po­dem mudar o mundo são aquelas que o mudam". (Comercial "Pense Diferente" da Apple, 1997).

Entusiasticamente, noticiamos o nascimento do nosso segundo fi lho. Trata-se de um volume inteiramente dedicado ao estudo das Obrigações e da Responsabi l idade Civi l !

Após o aprendizado com o primeiro volume, a obra está ainda melhor. Linguagem fácil, acessível e com o único objetivo de ser compreendida. Conta com quadros de resumo, jurisprudência e doutrina atuais, além de questões de provas das mais d iversas ban­cas: tudo pretendendo reduzir o espaço entre o futuro aprovado e o seu sonho.

Para a materialização deste trabalho, muitos nos ajudaram.

Todavia, neste volume, resolvemos fazer uma única homena­gem.

Que nos perdoem os demais . . .

O festejado é alguém que não nos ajudou apenas nesta obra, mas, sim, na nossa estrada. Ele está diariamente presente em nos­sas vidas, através de e-mails, mensagens, telefonemas, parcerias acadêmicas . . . É uma pessoa que nos conduziu pelo mestrado, pelo magistério, que ama aqui lo que nós mais amamos: ensinar . . .

Rodolfo Pamplona Fi lho.

De Luciano, ele foi professor de graduação e orientador no mes­trado. De Roberto, contemporâneo de colégio e, igualmente, orien­tador de mestrado. De ambos, amigo, com panheiro, conselheiro .. .

Pamplona é alguém que, do alto de todo o seu vasto conhe­cimento e elástica produção acadêmica, sempre está acessível a todos. Nunca os vimos deixar um só aluno com dúvidas. Jamais pre­senciamos uma resposta impaciente.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Ensinar, para Rodolfo, é um prazer. Quando era Juiz em Teixeira de Freitas, por vezes vinha de ônibus, por quatorze longas horas e, após uma noite inteira viajando, ia para a sala de aula. Animado. Feliz. Ensinando.

Dentre as suas inúmeras qual idades, a que nos salta aos olhos, além do inegável conhecimento, é a sua metodologia. Já o vimos cantar ópera, fazer audiências simuladas dos Simpsons, fantasiar-se, realizar gincanas e montar uma banda em um seminário jurídico na­cional. Nesta ú lt ima oportunidade, cantou com uma badana em seus longos cabelos, tendo como dançarinas pessoas do mais alto gabari­to jurídico! Tudo isto, sempre, ocasionando o aprendizado do aluno.

Obrigado, Padrinho. Obrigado por nos acolher. Por nos incenti­var. Por nos ensinar. Agradecemos, simplesmente, por ser você. Pois, sendo sim plesmente você, nos passa, diuturnamente, as maiores lições. Obrigado por ser louco o suficiente para mudar o paradigma de ensino em Direito e, pensando assim, ter operado uma verda­deira vi rada pedagógica. Melhor. Obrigado por nos permitir fazer parte disto.

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Curitiba, Paraná. 2° de Agosto de 2012.

Luciano L. Figueiredo [email protected]

Twitter: @civilfigueiredol Face: Luciano Figueiredo

Luciano L. Figueiredo [email protected]

Twitter: @civilfigueiredo 1 Face: Luciano Figueiredo

Roberto Figueiredo [email protected]

Twitter: @roberto_civil 1 Face: Roberto Figueiredo

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Coleção sinopses para concursos

A Coleção Sinopses para Concursos tem por final idade a prepara­ção para concursos públicos de modo prático, sistematizado e ob­jetivo.

Foram separadas as principais matérias constantes nos editais e chamados professores especializados em preparação de concursos a fim de elaborarem, de forma didática, o material necessário para a aprovação em concursos.

Diferentemente de outras sinopses/resumos, preocupamos em apresentar ao leitor o entendimento do STF e do STJ sobre os prin­cipais pontos, além de abordar temas tratados em manuais e livros mais densos. Assim, ao mesmo tempo em que o leitor encontrará um livro sistematizado e objetivo, também terá acesso a temas atuais e entendimentos jurisprudenciais.

Dentro da metodologia que entendemos ser a mais apropriada para a preparação nas provas, demos destaques (em outra cor) às palavras-chaves, de modo a facilitar não somente a visualização, mas, sobretudo, à compreensão do que é mais importante dentro de cada matéria.

Quadros sinóticos, tabelas comparativas, esquemas e gráficos são uma constante da coleção, aumentando a compreensão e a memorização do leitor.

Contemplamos tam bém questões das principais organizadoras de concursos do país, como forma de mostrar ao leitor como o assunto foi cobrado em provas. Atualmente, essa "casadinha" é fun­damental: conhecimento sistematizado da matéria e como foi a sua abordagem nos concursos.

Esperamos que goste de mais esta inovação que a Editora J us­podivm apresenta.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Nosso objetivo é sem pre o mesmo: otim izar o estudo para que você consiga a aprovação desejada.

Bons estudos!

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Leonardo de Medeiros Garcia [email protected]

www.leonardogarcia.com.br

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1 Guia de leitura da Coleção

A Coleção foi elaborada com a metodologia que entendemos ser a mais apropriada para a preparação de concursos.

Neste contexto, a Coleção contempla:

• DOUTRINA OTIMIZADA PARA CONCURSOS

Além d e cada autor abordar, d e mane ira sistematizada, os assuntos triviais sobre cada m atéria, são contemplados temas atuais, de suma importância para uma boa preparação para as provas.

4. TERMINOLOGIAS IMPORTANTES

Também é importante, neste capítulo introdutório, distinguir algumas expressões que podem ser confundidas pelo candidato e futuro aprovado nos concursos públicos.

• ENTENDIMENTOS DO STF E STJ SOBRE OS PRINCIPAIS PONTOS

� Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JusnÇA já se manifestou sobre

o assunto?

No Recurso Especial 7 4.440 entendeu a Corte Especial que "Fica o ce­dente responsável pela existência do crédito, mas não, necessariamente, pela possibilidade prática de que seja satisfeito", admitindo-se, inclusive, responsabilidade civil pelos vícios redibitórios ocorridos dentro de um espaço de tempo (REsp. 431.353/SP).

• PALAVRAS-CHAVES EM OUTRA COR

As palavras mais importantes (palavras-chaves) são colocadas em outra cor para que o leitor consiga visualizá-las e memorizá-las mais faci lmente.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

1 A regra geral é que o cedente responderá na cessão de crédito 1 onerosa e na gratuita realizada de má-fé, pela existência do crédito

· cedido ao tempo da transferência. A isto denomina a doutrina de j responsabilidade pro solu to ou no mem veru m ou in ver itas nominis. í Entenda por garantir a existência, assegurar a titularidade e a vali- 1

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_,J _ (art. 295 do CC).

• QUADROS, TABELAS COMPARATIVAS, ESQUEMAS E DESENHOS

Com esta técnica, o leitor sintetiza e memoriza mais facilmente os principais assuntos tratados no livro.

Obrigação principal

Obrigação principal ou Multa )

• QUESTÕES DE CONCURSOS NO DECORRER DO TEXTO

Através da seção "Como esse assunto foi cobrado em concurso?" é apresentado ao leitor como as principais organizadoras de concurso do país cobram o assunto nas provas.

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• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para Juiz Substituto do TJSC/2009 foi considerada inverídica a seguinte assertiva: "A cessão de contrato deve observar os mesmos requisitos de forma da cessão de crédito".

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Nota dos autores à 3ª edição

"O homem com palavra é o homem da verdade, é requisito básico da personalidade, não importa a idade, a cidade ou a nação, respeito é herança da civilização. A taxa é zero, o juro é

alto, vamos conversar. Ressarcimento, pagamento, vamos nego­ciar[. .. ] aquela dívida, de uns anos atrás, está vencida, você não lembra mais. (Dívida. Ultramen).

Queridos Amigos,

Chegamos a nossa Terceira Edição!

Nesta, mais uma vez, buscamos a melhoria do trabalho. Mui­tas destas mudanças decorreram da sua valiosa contri buição. Cada e-mail, recado no Facebook e pergunta em sala de aula nos ajudou, em muito, ao amadurecimento do trabalho.

Nesta edição nós inserimos novas questões concursais, novos informativos jurisprudenciais e recentes Enunciados do Conselho da Justiça Federal. Tam bém houve aumento de conteúdo, como a in­serção de u m tópico relativo à responsabi l idade civil pela perda do tempo livre.

Temos, portanto, uma edição revisada, revista e atualizada. O escopo é que sirva, como na primeira e segunda edições, ao sucesso de tantos. Foram vários os e-mails de agradecimentos de aprovados. Este é o nosso com bustível. Isto é o que nos move.

Aproveitem a leitura e vamos juntos, rumo à carreira pública!

Luciano L. Figueiredo [email protected]

Twitter: @civilfigueiredo 1 Fanpage: Luciano Lima Figueiredo lnstagram: @lucianolimafigueiredo

Roberto Figueiredo [email protected]

Twitter: @roberto_civil 1 Facebook: Roberto Figueiredo

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li e a p í t u 1 o 1 Opção metodológica

In icialmente, uma importante pergunta u rge ser posta: qual o motivo de unir responsabilidade civil e obrigações em um único volume, quando no seguimento usual dos cursos de d ireito civil ge­ralmente se enxerga a cadeira de contratos como a subsequente às obrigações?

A opção decorre da vinculação de duas ideias. A primeira é a percepção de que o descumprimento obrigacional ( inadimplemento) gera, como ato contínuo, a responsabilização. A segunda é a veri­ficação de que a responsabilidade civil traduz uma espécie obriga­cional, qual seja: a obrigação de indenizar: consoante o princípio da reparação integral.

Se a responsabi l idade civil pode ser contratual (CC, art. 389 e 391) ou extracontratual (CC, art. 927 e seguintes), ora quando de­corre do inadimplemento da obrigação contratual - chamada sim­plesmente de obrigação -, ora q uando decorre do descumprimen­to de um dever jurídico geral originário - chamado simplesmente de dever-, nada melhor do que estudar os institutos de uma só vez, relacionando-os num só tempo, pois desta maneira se facilita a compreensão sistêmica e se permite o exercício de com parações mais eficientes sobre os temas'.

Esta será a opção metodológica apresentada.

Assim, como será visto em capítulo específico e introdutório à responsabi l idade civil, o fato gerador desta é o descumprimento de um dever jurídico originário. j usto por isto, hodiernamente se fala em conceito de responsabilidade civil a partir de um mecanismo, o qual envolve: a) O descumprimento de um dever jurídico originário

i. A respeito deste assunto será estabelecida ao longo desta obra uma reflexão sobre a (in)conveniência de dividir a responsabilidade civil em contratual e ex· tracontratual, à luz do princípio da operabilidade do direito civil .

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

ou primário; b) A incidência de um dever jurídico secundário e su­cessivo de reparação.

Exemplifica SÉRG10 CAVALIERI F1LH02 com o dever geral de todos respei­tarem a integridade física dos demais. Trata-se de um dever jurídico originário, cujo descumprimento ocasiona a incidência de um dever jurídico secundário e sucessivo de reparação, materializado em uma indenização.

Em síntese: responsabilizar pressupõe o descum primento de um dever originário. Neste cenário, em u ma obra que se propõe a analisar o direito civil de forma sistemática, nada melhor do que, na sua primeira parte, dedicar-se aos deveres jurídicos primários - os quais podem ser violados - e na segunda, às consequências do inadim plemento. Assim, se unem obrigações e responsabil idade.

A proposta não é inovadora. Tem como base os ensinamentos de lARENz3, que há muito, e de forma visionária, já enxergava ser a responsabilidade à sombra da obrigação. A busca do responsável perpassa pela análise de quem era o obrigado e por quem violou o dever originário.

Nesse contexto, esclarece AL01s BR1Nz4 que enxergar a relação jurí­dica obrigacional de forma ampla remete a verificação de duas fa­ses: a) o débito (shuld), o q ual se relaciona à obrigação de realizar uma prestação e b) a responsabilidade (haftung), em que o credor, em virtude do descumprimento obrigacional, busca a responsabili­zação patrimonial do devedor.

De outra banda, as noções aqu i e lencadas não são a penas doutrinárias. O p róprio Cód igo Civi l , no seu a rt. 389, prescreve que : não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atua lização monetária, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Infere-se, claramente, a opção conceitua i codifi cada pelo mecanismo da res­ponsabi l idade civi l .

2. ln Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 2. 3. A menção ao autor em comento é realizada na quase totalidade de manuais que

versam sobre responsabilidade civil, sendo lugar comum. 4. A menção ao autor em comento é realizada na quase totalidade de manuais que

versam sobre responsabilidade civil, sendo lugar comum.

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OPÇÃO METODOLÓGICA

Na mesma l inha de raciocínio, lembra CARLos Rosrnro GoNÇALVEs5 que a obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ati­vo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo)o cumprimento de determinada prestação. A relação jurídica é pessoal, de crédito e transitória, devendo ser cumprida voluntariamente. Caso isto não ocorra, configurado estará o inadimplemento e, por consequência, ter-se-á a i ncidência da responsabilidade.

Sistematicamente, portanto, o mecanismo geral que envolve a responsabi l idade pode ser i lustrado:

Dever Primário

Obrigação (Contrato)

Descumprimento

Responsabilidade Civil

De mais a mais, a própria responsabilidade civil const1tu1 mo­dal idade obrigacional. Consiste numa obrigação de indenizar. É uma obrigação legal, cogente, sucessiva, cujo escopo é a busca da repa­ração integral. Assim, ao se estudar a teoria geral das obrigações ficará mais fácil compreender a específica obrigação de indenizar, com os apontamentos sobre responsabi l idade, partindo-se da teoria geral para a espécie.

Não se ignora a discussão doutrinária acerca da conceituação das obrigações como modalidade, ou não, dos deveres jurídicos, muito menos sobre esta relação gênero e espécie. Ademais, é sabi­do que há divergência acerca da (im) possibi l idade de observar a existência de obrigação sem responsabi l idade e da responsabil ida­de sem obrigação. Tudo isto será abordado ao longo deste trabalho.

Em suma, estes e outros fascinantes assuntos, seus desdobra­mentos e vertica lizações, serão tratados no decorrer desta obra. Neste capítulo introdutório geral o objetivo único consiste em

5. ln Direito Civi l Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 20.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

justificar a opção do tratamento metodológico, pautado nas regras aqui explicitadas, abordando a necessidade de abordagem simultâ­nea das duas matérias, uma vez que possuem intensa vincu lação, como demonstrado acima.

Para melhor compreensão dos temas, este volume será dividido em duas partes. A Parte 1 , ded icada ao Direito das Obrigações; en­quanto a Parte l i à Responsabi l idade Civi l .

No volume vindouro, serão estudados os contratos, a inda no campo obrigacional e patrimonial, já com as noções das consequ­ências do descum primento (responsabi l idade), em uma leitura de fácil e sistematizada compreensão. É tempo de adentrar na parte 1 do volume l i, dedicando-se, a princípio, à análise do d ireito obri­gacional . Vencido todo o estudo da relação jurídica obrigacional, com o seu inadimplemento, adentrar-se-á na parte li, verificando os responsáveis e as fórmulas de reparação.

Vamos lá!

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P a r t e

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Capítu lo 1 � Introdução ao direito das obrigações

Capítu lo li � Estrutura ou elementos constitutivos da obrigação

Capítulo I l i � Classificação das obrigações

Capítu lo IV � Do adimplemento e da extinção das obrigações (teoria do pagamento direto)

Capítulo V � Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações (Teoria do pagamento indireto)

Capítulo VI � A crise das obrigações: teoria do inadimplemento

Capítulo VII � Transmissão das obrigações

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C a p í t u l o 1 Introdução ao direito das obrigações Sumário: 1. Conceito, I mportância e Função Social das Obrigações - 2. Relações Patrimoniais: 2.1. Zona de Confluência: Obrigações Propter Rem, Obrigações de Ônus Real e Obrigações de Eficácia Real - 3. Dis­tinção dos Direitos da Personalidade - 4. Terminolo­gias Importantes: 4.1. Dever Jurídico; 4.2. Estado de Sujeição; o. Responsabilidade; 4.4. ônus Jurídico.

1. CONCEITO, IMPORTÂNCIA E FUNÇÃO SOCIAL DAS OBRIGAÇÕES

Tanto "a obrigação, quanto o contrato assumem hoje o ponto cen­tra l do Direito Privado, apontados por muitos como os institutos jurídi­cos mais importantes de todo o Direito Civil", como sintetiza FlÃv10 TARTU­cE1. Deste modo, é inegável a importância do i nstituto das obrigações enquanto base das relações civis.

Na prática forense, os operadores do direito inevitavelmente utilizam as obrigações em todos os ramos, especialmente nas re­lações econômicas, analisando estas como projeção da autonomia privada. Portanto, a realidade que se afigura presente revela que o mundo contemporâneo nos leva a uma miríade de obrigações diárias.

Mas, o que é uma obrigação?

Etimologicamente a expressão advém do latim, representada pelos termos Ob + Ligatio, expressando ligação, l iame_ In icia lmente, o conceito ligava-se a uma norma de submissão, o que hoje não é com pletamente verdadeiro, ao passo que se relaciona a um ato de vontade baseado na cooperação.

Juridicamente, a expressão obrigação é plurissignificativa, pois ao mesmo tempo em que traduz uma relação jurídica (sentido am­plo), também quer dizer respeito ao que se deve propriamente, ao objeto do pagamento (débito - sentido estrito)_

1. ln Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Editora Método, 2009, p. 27.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

justo por isto, ÜRLANDD GoMES informa significar a expressão obri­gação, em sentido estrito, d ireito de crédito'. I nteressante, porém, que preferimos mais corriqueiramente o uso da expressão que nos remete à situação passiva, falando-se em d ireito das obrigações, ao revés de direito de crédito. Ou seja, focamos mais no dever do que no direito.

O locus de estudo do d ireito obrigacional, acertadamente, deve ser logo na abertura da parte especial do Código Civil. Isto por in­fluenciar a todos os demais livros. Em contratos, responsabilidade civil, reais, família e sucessões sempre há, mesmo que de forma implícita, uma relação jurídica obrigacional.

Enxerga-se a relação jurídica obrigacional como um processo. Assim, sua leitura deve ser feita a partir do parad igma de uma série de atos encadeados visando o ad implemento. A satisfação do credor e a d inâmica da relação obrigacional são premissas que orientam seu estudo, verificando-se a obrigação como u m processo.

Nessa esteira de pensamento, lembra Juo1rn MARTtNs-CosTA3 que o di reito das obrigações é construído dentro de um processo rela­cional contínuo de cooperação. devendo ser encarado como uma relação complexa "compreendendo uma série de deveres, situações jurídicas e obrigações", voltados ao adimplemento. I nfere-se a ideia de obrigação como um processo voltado ao cumprimento de um dever. como já lecionava CLóv1s oo Courn E S1LvA4• É u m processo com atividades necessárias à satisfação dos i nteresses do credor.

Neste iter procedimental há deveres principais e anexos ( aces­sórios, implícitos, satelitárioSl os quais perduram até após o pa­gamento, com a eficácia pós-objetiva da obrigação. São deveres ligados à boa-fé, sendo exemplos o de informar, cooperar, cuidado, zelo, etc. Por consegui nte, infere-se que as relações obrigacionais de tráfego jurídico não devem ser anal isadas apenas sob o ponto de vista econômico, mas também consoante deveres não patrimoniais.

2. ln Obrigações. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 6. 3. ln Comentários ao Novo Código Civil. Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. Volume V, Tomo 1. 4. ln Obrigações, i976. Apud Flávio Tartuce. Op. Cit. p. 30.

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INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

Além d isto, sob a influência da sociabilidade, as relações obri­gacionais transcendem o individual, ganhando conotações coletivas e difusas. Como lembra LÊN10 STRECK5, os problemas jurídicos não mais envolvem apenas Caio, Tício e Mévio, mas sim coletividades, co­munidades, como invasões do MST, falência de Bancos, contratos massificados e etc.

Daí a afirmativa de ViARL lARENz segundo a qual a obrigação deve ser enxergada sob o prisma da totalidade, e não apenas como uma situação passiva . É um processo, com diversos deveres de conduta, sendo verificados o credor e devedor em nítida cooperação para o adimplemento. Não há de se falar em antagonismo entre o credor e o devedor, mas sim em cooperação e busca do adimplemento.

Este processo obrigacional, que como visto é marcado por auto-nomia privada, boa·fé e função social, tem como etapas:

a) nascimento e desenvolvimento dos deveres

b) adimplemento

Há casos em que o cumprimento é instantâneo, o que dificulta a divisão em fases e a aproximação entre a situação real e obriga­cional.

Outrossim, o processo em comento deve ser significado pela lente do ser. As situações patrimoniais são funcionalizadas à efetiva­ção dos valores e princípios existenciais, sendo ultrapassada a fase liberal napoleônica do Direito Civi l . Assim como proposto no volume de Parte Geral, aqui também, nas obrigações, é necessária a despa­trimonialização do direito.

É certo afirmar, à guisa destas considerações, que o adimple­mento é a mola propulsara das obrigações (as pessoas contratam para adimplirem). Portanto, o adimplemento é o eixo em torno do qual as obrigações são construídas no afã de atender a sua ínsita função social .

E qual o campo de incidência do direito obrigacional?

5. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Uma Exploração Hermenêu­tica da Construção do Direito. 4. ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2003.

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Não é qualquer obrigação em uma verificação coloquial, como aquelas decorrentes de religião ou domésticas . . . O seu campo de incidência é restrito, dizendo respeito às obrigações jurid icamente exigíveis, perfeitas.

Com base no verificado, a doutrina é rica em conceitos obri­gacionais precisos, como "complexo de normas que regem relações jurídicas de ordem patrimonial, que têm por objeto prestações de um sujeito em proveito de outrem", no dizer de CLóv1s BEv1LÁQUA6•

Segundo MARIA HELENA D1N1z1 os direitos obrigacionais, ou creditó­rios, são relativos por se d irigirem a pessoas determinadas, não sendo erga omnes, encerrando uma prestação positiva ou negativa consubstanciada em dada conduta.

Já tivemos a oportunidade de conceituá-la como a relação pres­tacional de caráter patrimonial, cujo desrespeito se resolve median­te a execução do patrimônio penhorável do inadimplemente8• É o que afirma WASHINGTON DE BARROS MüNTEIR09: "é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio"1º.

O descumprimento da obrigação, portanto, gera responsabiliza­ção patrimonial do devedor. Mas será que esta responsabil idade afeta todo o seu patrimônio?

Decerto que não. Mas tão-só do seu patrimônio penhorável. Afirma-se isto à vista dos l imites constitucionais impostos pelo res­peito à dignidade humana, valor maior, eixo em torno do qual todo o ordenamento jurídico há de ser compreendido. Há um mínimo existencial - estatuto jurídico do patrimônio mínimo - a proibir que

6 . ln Código Civil Comentado. Volume 4 . e d . p . 6 . 7 . ln Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. e d . São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 7 . 8. Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo in Direito Civil. Coleção OAB. Volume 5.

Editora JusPodivm, 2012, p. 1 16. 9. No mesmo sentido ÁLvARo V1UAÇA AZEVrno:"obrigação é a relação jurídica transitória de

natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este exe­cutar o patrimônio daquele para satisfação de seu interesse (Teoria ... ,2000, p. 31).

10. ln Curso de Direito Civil - Obrigações. l Parte. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 8.

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INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

o inadimplente seja ferido em sua d ignidade. Recorda Luiz EDsoN FA­CH1N11 que todo ser, para ser humano, necessita de um mínimo exis­tencial de dignidade, habitação, vestuário, lazer ... Isto há de ser preservado!

A este respeito, o art. 649 do CPC trata da impenhorabil idade de certos bens jurídicos; a Lei 8.009/90 dispõe sobre a im penho­rabi l idade do bem de família e a súmula 364 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JusT1ÇA estende a aplicação da impenhorabi l idade do bem de família ao solteiro (single) e, ainda, as súmulas 25 do SuPREMo TRIBUNAL FEDERAL e 419 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ambas no sentido de não tolerar a prisão civil do depositário infiel. Isto apenas em algumas im portan­tes notícias!

Sendo assim, a leitura do artigo 390 do Código Civi l, ao informar que "Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor", merece significado civil-constitucional. Sim. Pela lente do mínimo existencial é sabido que haverá mitigações a tal execução, como já enunciado. Esta também é a melhor forma de com preender a incidência dos arts. 389 e 390 do CC, os quais dispõem sobre a possibi l idade de utilização do patrimônio do inadimplemente como hipótese de garantia obrigacional .

Mas, se a responsabil idade é patrimonial, como é possível falar­-se em prisão civil?

A prisão civil, segundo o SuPREMo TRIBUNAL FEDERAL, apenas persiste no d ireito brasileiro em uma única hipótese: devedor de al imentos. Ainda assim, funciona como meio de coerção, e não como um subs­titutivo do pagamento. Logo, uma vez preso e em havendo o paga­mento, o cidadão deve ser posto em liberdade. Porém, caso cumpra a prisão e não pague, segue a execução por quantia certa em face do devedor, pois não há quitação pelo cerceamento de l iberdade.

O tema prisão civil será retomado em capítulo específico.

O inadimplemento obrigacional soluciona-se, tecnicamente, atra­vés da apl icação dos artigos 389 e 390 do CC, ou seja, mediante a teoria da responsabi l idade civil negocial ou contratual. Insista-se:

11. FACHIN, Luiz Edson. O Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2ooi.

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nos concursos públ icos não se deve utilizar a teoria aqui liana da responsabil idade civil extracontratual; leia-se: não se deve utilizar dos artigos i86, 187 e 927 do CC para embasar postulações, sendo esta a "visão clássica de divisão dualista da responsabilidade civil em contratual e extracontratual", nada obstante a tendência ser "a unifi­cação do tema", como adverte FlÃv10 TARTucE12•

2. RELAÇÕES PATRIMONIAIS

Ao inaugurar o tratamento das obrigações, é comum na doutrina a afirmação segundo a qual os d ireitos obrigacionais veiculam rela­ções pessoais, havendo uma relação de crédito e um dever corre­lato, traduzindo uma relação intersubjetiva entre credor e devedor. Ao lado disso, afirma a doutrina que os d ireitos reais relacionam-se a um poder jurídico d ireto e imediato de uma pessoa sobre uma coisa, submetendo-se ao respeito de todos.

Apesar da d istinção inicial, costumam os manuais aproximar tais figuras. Tal acontece em vista de que da análise do conceito clássico dos d ireitos obrigacionais, somada a uma leitura dos reais, infere-se que ambos possuem um viés patrimonial .

Assim, há autores, a exemplo do italiano P1ETR0 PERUNGIER11i, que tratam direitos obrigacionais e reais dentro de um grupo maior de diretos, nomeados de relações patrimoniais ou situações subjetivas patrimoniais . Isto porque não é possível realizar uma precisa sepa­ração entre as situações creditórias e reais.

Tal aproximação, para alguns, gera a percepção de que os d irei­tos reais e obrigacionais deveriam estar reunidos em um único gru­po, recebendo normatização única. É a denominada teoria monista ou unitária . Porém, não foi esta a tese adotada pelo direito civil brasi leiro. O vigente Código Civil caminha segundo a teoria dualista , a qual diferencia os d ireitos reais e obrigacionais.

Como o legislador nacional fez tal distinção relevante, acaba sendo usual em provas concursais questionamentos acerca das

i2. l n Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Editora Método, 2009, p. 27. i3. PERLJNGINERE, Pietro. Perfis do Direito Civil Constitucional. Introdução ao Direito

Civil Constitucional. 2. ed. São Paulo: Renovar, 2002.

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INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

diferenciações entre os direitos obrigacionais e os reais. Sobre isto, passamos a nos ocupar agora.

Enquanto os d ireitos reais são numerus clausus, ou seja, subme­tem-se ao princípio da taxatividade, sendo típicos - somente são d i­reitos reais aqueles que estão explicitamente elencados no art. i.225 do CC -; os direitos obrigacionais são numerus apertus, de modo que podem surgir pela autonomia privada, afinal de contas o que não está proibido será permitido - assim o art. 425 do CC permite a criação de contratos atípicos, d esde que respeitada a teoria geral dos contratos.

De igual sorte, os direitos reais submetem-se à noção de se­quela (princípio da aderência ou inerência), no sentido de que o titular deste pode ir ao encontro do bem, da coisa, onde quer que esta se encontre, reivindicando-a, opondo-se contra tudo e contra todos (oponibi l idade erga omnes). Já os direitos pessoais não se submetem à sequela, mas sim à execução patrimonial, por perdas e danos.

Os direitos reais, em regra, sujeitam-se à registrabi l idade, de modo que o registro púb lico faz-se presente na constituição dos mesmos, aspecto inocorrente nos direitos obrigacionais.

Falando sobre a distinção, pontua MARIA HELENA D1N1z q ue "Nos direi­tos pessoais há dualidade de sujeitos, pois temos o ativo (credor) e o passivo (devedor)"; enquanto que "Nos direitos reais há um só sujeito, pois disciplinam a relação entre o homem e a coisa"14• Prossegue a doutrinadora: "Quando violados, os direitos pessoais atribuem ao seu titular ação pessoal, que se dirige apenas contra o indivíduo que figura na relação jurídica como sujeito passivo, ao passo que os direitos reais, no caso de sua violação, conferem ao titular ação real contra quem indistintamente detiver a coisa"15•

Ai nda na l inha d ivisória, PABLo S10LZE E RoooLFO PAMPLONA F1LH016 fa­zem o registro da d ivergência doutrinária entre a corrente realis­tae a corrente personalista do d i reito real, no que diz respeito à

14. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 8. 15. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. 24 Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p.

8. 16. ln Novo Curso de Direito Civil. Vol. l i . 6 Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 5.

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possi b i l idade ou não de se admitir relação jurídica entre a pessoa e a coisa.

Assim, os defensores da corrente personalista não admitem a existência de uma relação jurídica entre um homem e uma coisa. Sustentam que qualquer relação jurídica exige a presença de, no mínimo, duas pessoas. Por conta d isto, imaginam o direito real com um sujeito passivo universal; ou melhor, uma obrigação negativa (de abstenção) universal imposta a todas as pessoas de se absterem. Direito real seria a relação que impõe a todos um dever geral de abstenção da propriedade (MARCEL PLANIOL)17•

Já os adeptos da corrente realista firmam a existência de re­lações jurídicas nas quais a figura do sujeito passivo é desnecessá­ria, como acontece nas relações envolvendo a propriedade, sendo equivocada a exigência de dar pessoalidade a esta situação. Direito real seria a relação da pessoa que sujeita à coisa (TEIXEIRA DE FREITAS E ORLANDO GOMES)'8•

Fazendo uma leitura sistemática das diferenciações elencadas, percebe-se que:

Numerus Clausus - Taxativos ou Típi­cos.

1 Direito de sequela - reivindicar a coisa 1 onde quer que este!ª e nas mãos de quem quer que esteja.

Eficácia erga omnes - opõe-se contra todos.

Registrabilidade e publicidade - sub­metem-se ao registro.

A relação jurídica se estrutura entre uma pessoa e a própria coisa (jus in re - direito sobre a coisa).

Nurnerus aperrus - exemplificativos.

Não há sequela - executa-se o contrato 1 apenas, incidindo a sanção pelo des­cumprimento no patrimônio do devedor.

Eficácia inter-partes - relativos.

Forma livre, em regra (Art. 107 do CC) - não exigem registro, nem publicidade.

A relação jurídica se estrutura entre pessoas determinadas ou determináveis (jus ad rem - direito contra a pessoa).

17. Apud in Curso de Direito Civil Brasileiro. 24 Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 8.

18. Apud in Curso de Direito Civil Brasileiro. 24 Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 8.

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INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

Direito de preferência. Direito quirografário (comum).

Inerência ou aderência - acompanha, adere, às mutações da coisa.

Não inerência - não acompanha as mu­tações da coisa, pois gira em torno da prestação.

Encerra direito de gozo, fruição ou ga- 1 Encerra direitos de crédito a uma pres-rantia sobre coisa corpórea. tação, entre sujeitos.

Têm caráter permanente ou perpétuo, pois caso não haja alienação, transmi- Têm caráter transitório. te-se por herança.

Malgrado tais fatores distintivos, a aproximação patrimonialista pregada pela tese monista não é de todo equivocada, sendo per­ceptível a existência de figuras híbridas, mistas, as quais compõem uma zona grise, cinzenta e de confluência entre direitos reais e obrigacionais.

Estas figuras passam a ser objeto de estudo.

2.i. Zona de Confluência: Obrigações Propter Rem, Obrigações de ônus Real e Obrigações de Eficácia Real

Existem figuras híbridas, mistas ou simbióticas que, por confluí­rem elementos de direitos reais e elementos de d ireitos pessoais a um só tempo, habitam uma zona i ntermediária.

Os principais moradores desta zona de confluência são as obriga­ções propter rern, de ônus real e de eficácia real .

Vamos iniciar com as obrigações propter rern.

São as obrigações próprias da coisa (propter rern), ou na coisa (in rern), ou da coisa (ob rern), tam bém denominadas de obrigações ambulatoriais, reais ou mistas . Aderem à coisa (e não à pessoa), transmitindo-se automaticamente ao seu novo titular, desde que haja transferência proprietária (transmissão automática). São exem­plos o I PTU, ITR, I PVA e as taxas condominiais (Informativo 291, STJ e REsp. 659.584-SP).

Nesta l inha, o proprietário do imóvel persiste como devedor das despesas condominiais, não obstante ter realizado promessa particular de compra e venda com um terceiro, ao passo que a

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simples manifestação de vontade não é ato capaz de gerar a trans­ferência da obrigação, sendo necessário o registro e consequente transferência proprietária.

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD bem esclarecem à este res­peito: "As obrigações mistas são simbióticas, pois apresentam carac­terísticas comuns aos direitos obrigacionais e reais. A pessoa assume uma prestação de dar, fazer ou não fazer, em razão da aquisição de um direito real. Portanto, são obrigações que não emanam da vontade, porém do registro da propriedade"'9•

Em sendo consequência do direito real, o devedor da obrigação propter rem pode se livrar do seu débito, simplesmente, abando­nando a coisa. Claro. Uma vez não mais sendo proprietário, obri­gação não há. Tecnicamente é o que se denomina de abandono liberatório.

Sistematizando o tema, refere-se MARIA HELENA D 1N 1z à obrigação propter rem como sendo figura autônoma situada entre o direito real e o pessoal, que encerra uma obrigação acessória mista, por vincular-se a d ireito real . Ainda segundo a autora, a obrigação em comento possui três caracteres: (1) vinculação a um direito real, ou seja, a determinada coisa que o devedor seja proprietário ou pos­suidor, (2) possibilidade de exoneração pelo abandono, (3) transmis­sibil idade pela via dos negócios jurídicos'º .

• Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?

O SuPERIOR TRIBUNAL DE Jus11ÇA21 já entendeu que a obrigação de recuperar área ambiental degradada é do atual proprietário, independente deste ter sido o autor da degração, porque isto decorre de uma "obrigação propter rem, que adere ao título de domínio ou posse". Também a obriga­ção tributária real de pagar o IPTU (REsp. 840.623-BA) e as taxas condo­miniais (REsp. 7 1p65-SP).

Continuando com a análise da zona híbrida, adentra-se no estu­do das obrigações de ônus real .

19 . ln Direito das Obrigações. 1 Edição. Rio de janeiro: Editora Lumen )uris, 2006. p. 22.

20. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 29/30.

21. Informativo n. 471. REsp. u37.071-PR.

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INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

Obrigação de ônus real é aquela que limita o uso e o gozo da propriedade, constitu indo um gravame. É um direito sobre coisa alheia, oponível erga omnes. Exemplifica-se com a renda constituída sobre imóvel, o qual é um direito temporário que grava determina­do bem, obrigando o seu proprietário a pagar prestações periódi­cas (art. 803 do CC). Enquadra-se ainda aqui a hipoteca, o penhor e a anticrese.

A obrigação de ônus real tem como traço distintivo da propter rem o fato de l imitar-se ao valor da coisa. Com efeito, nada impede que o montante da obrigação propter rem supere, em muito, o valor do principal, a exemplo de um IPTU progressivo.

Demais disto, as obrigações de ônus reais desaparecem com o perecimento da coisa, fato que não acontece com as denominadas propter rem.

Ainda na análise das figuras híbridas, há de se falar nas obriga­ções de eficácia real.

A obrigação de eficácia real é aquela que, sem perder o ser caráter de d ireito pessoal, ou d ireito a uma prestação, ganha opo­nibilidade a terceiros, que adquiram direitos sobre determinado bem, tendo em vista o seu registro. É o que tecnicamente chama-se de oponibi l idade erga omnes. São obrigações que se transmitem. Exemplifica-se com o direito de preferência, em contrato de locação devidamente registrado, conforme previsto no art. 33 da Lei do In­qui l i nato (Lei 8.245/91). Outro exemplo é o registro do contrato de locação, com o escopo de proporcionar sua continuidade, mesmo na hipótese de venda do imóvel (art. 8° da Lei 8.245/91).

� Atenção!

Já entendeu o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (REsp. 252. 158-RJ) que o direito de preferência previsto na Lei de Locações (8.245/91, arts. 27 e 33, e no CC, art. 576) quando não respeitado enseja perdas e danos. Isto não impede que o interessado requeira a adjudicação do imóvel. Para tanto há de ser verificada a averbação do instrumento contratual da locação no cartório imobiliário, pelo prazo de ao menos 30 (trinta) dias antes da alienação, e o pedido de adjudicação há de ser realizado no prazo decadencial de 6 (seis) meses, contados da venda. No mesmo sentido o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL na súmula 488.

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Trabalhadas as três principais hipóteses da zona de confluên­cia, digno de nota ser possível verificar situações reais - como o usufruto - nas quais há imposição de deveres recíprocos entre as partes, subsistindo como uma relação obrigacional . Tais temas serão aprofundados no volume reais.

Destarte, o relativismo contratual, malgrado subsistir, enfrenta diversas mitigações atualmente, como na estipu lação em favor de tercei ros, promessa de fato de tercei ro e contrato com pessoa a declarar, o que confere à mera relação contratual obrigacional uma eficácia a lém da inter partes. Nada obstante esta ligeira digressão, tais temas serão aprofundados no volume de contratos, seu /ocus específico.

Soma-se a isto, ainda no campo dos contratos, a tutela externa do crédito (função social) e o caráter transubjetivo das obrigações, indo além das partes e por vezes possuindo eficácia difusa, como o TAC, os contratos de massa e o dano social.

Demais disto, as situações patrimoniais, tanto reais quanto obri­gacionais, foram funcionalizadas, tendo sido realizada uma opção pelo existencialismo, com a derrocada do individualismo; e do per­sonalismo, sobrepondo-se ao patrimonial ismo. Infere-se, portanto, mais um traço de aproximaç�o, em busca da tutela da dignidade da pessoa humana.

A propriedade não mais é vista como uma relação de submis­são, mas sim de cooperação, tendo forte viés obrigacional e perante a qual se considera, também, os interesses dos não proprietários, o que se observa, por exemplo, na redução dos prazos da usucapião por conta da função social da posse exercida.

Verifica-se a teoria do terceiro cúmplice ou ofensor das relações contratuais, que pode sofrer responsabi lização civil na modal idade aqui liana. Infere-se a possibi l idade de confecção de u ma cláusu­la penal extra al ias, visando a penalização na hipótese de terceiro ofensor. Ao lado disto, surge o terceiro vítima, atingindo em con­sequência da execução de um contrato e que, igualmente, pode pleitear a sua reparação no Poder Judiciário. Todos os temas que demonstram a mitig?ção da distinção de reais e obrigações serão tratados no volume de contratos.

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INTRODUÇÃO AO D IREITO DAS OBRIGAÇÕES

Ao que parece, a teoria monista vem mostrando os seus atribu­tos de forma cada vez mais veemente no direito nacional. Apesar, registre-se, do ordenamento jurídico pátrio adotar a teoria dualista.

3. DISTINÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Os direitos obrigacionais são pessoais. Consoante os ensinamen­tos de ORLANDO GoMEs, o direito das obrigações d isciplina as relações travadas entre pessoas, para satisfação de interesses, tendo natu­reza pessoal22•

Contudo, isto não deve ser compreendido como uma sinonímia completa. Em rigor técnico mais acurado, os d ireitos pessoais são gênero, dos quais constituem espécie os d ireitos obrigacionais e os direitos da personalidade. Isolar o direito das obrigações é a deci­são mais acertada, ante o seu caráter patrimonialista.

Nesta esteira, malgrado os d ireitos obrigacionais e direitos da personalidade decorrerem de um tronco com um, lembra P1ETR0 PERL1N­G1ER123 que são diferentes. Isto porque os direitos obrigacionais ligam­-se à noção de direito subjetivo, segundo a concepção do ter (pa­trimônio). Já os direitos da personalidade, referrem-se a um espaço de desenvolvimento da pessoa, ou seja, relacionam-se à proteção do ser.

Aprofunda PrnuNGIER1 a observação ao verificar que nos d ireitos da personalidade não há dicotomia entre a prestação e o homem, não havendo de se falar em d ireitos subjetivos propriamente ditos, mas sim em u ma categoria especial de direitos.

De toda sorte, é clarividente inferir o distanciamento entre os d ireitos da personalidade e os direitos obrigacionais nas suas carac­terísticas, ao passo que:

22 . Op . Cit. p. 6 . 23 - PERLINGINERE, Pietro. Perfis do Direito Civil Constitucional. Introdução ao Direito

Civil Constitucional. 2. ed. São Paulo: Renovar, 2002.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Patrimoniais

Inter partes

Prescritíveis

Transmissíveis (inter-vivos ou mortis causa)

Disponíveis

Penhoráveis

Compensáveis

Transacionáveis

Renunciáveis

Cessíveis

Relativos.

Extra patrimoniais

Erga omnes

Imprescritíveis

Intransmissíveis

Indisponíveis

lmpenhoráveis

lncompensáveis

lntransacionáveis

lrrenunciáveis

lncessíveis

Absolutos

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?

O SuPERIOR TRIBUNAL oE Jusr1ÇA entendeu, conforme consta no Informativo 475, que o direito de pleitear dano moral se transmite aos sucessores da vítima falecida24. Isto porque, malgrado o direito da personalidade ser intransmissível, o direito à reparação (efeito patrimonial) transmite-se (art. 943 do CC). É .o mesmo raciocínio que legitima a prescrição do efeito patrimonial decorrente da lesão à personalidade, conforme estu­dada no volume de Parte Geral (art. 206, §3°, V do CC). Ademais, ante o caráter irrenunciável e indisponível, assim como à vista da distinção de causas, a retratação apresentada ao público em nota à imprensa não obsta o dever de reparar25•

Portanto, os d ireitos obrigacionais não se confundem, nem de longe, com os d ireitos da personalidade.

24. I nformativo n. 471. REsp. 1.040.529-PR 25. Informativo n. 471. REsp. 959.565-SP

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INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

4. TERMINOLOGIAS IMPORTANTES

Tam bém é importante, neste capítulo introdutório, distinguir al­gumas expressões que podem ser confundidas pelo candidato e futuro aprovado nos concursos públicos.

Fica a pergunta: qua l a diferença entre obrigação, dever jurídi­co, estado de sujeição, responsabilidade e ônus?

Isto é o que desejamos esclarecer agora ao q uerido leitor, de modo direto e sistematizado.

4.1. Dever Jurídico

Pode-se afirmar que o dever jurídico não possui, necessaria­m ente, vínculo patrimonial direto. É a contrapartida do direito sub­jetivo. Na forma do art. Iº do CC, toda pessoa é titu lar de d ireitos e deveres no Ordenamento Jurídico - é a personalidade jurídica, estudada no volume de Parte Geral.

Portanto, o dever jurídico encerra a ideia de um comportamen­to genérico que todo o ser humano deve se submeter, sob pena de, descumprindo-o, incorrer em sanções jurídicas, como, por exemplo, a de indenizar.

O dever pode ser genérico, imposto a todos, decorrente da lei . Ou, ainda, específico, em razão da vontade , relacionado a u m pacto. Neste ú ltimo cenário, o dever será denominado de obrigação . Acer­tadas, assim, as palavras de ORLANDO GoMES, ao informar que o dever jurídico sobrepõe-se às obrigações26•

Assim, a obrigação é específica - poderia ser denominada de dever jurídico específico - e se relaciona a temas existenciais, tais como os deveres matrimoniais de fidel idade, respeito m útuo, vida em comum, assistência, entre os demais previstos no art. i .566 do Código Civil.

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD apresentam interessante re­flexão sobre o tema: "Devemos traba lhar com pares. O direito subjetivo opõe-se ao dever jurídico; o direito potestativo à sujeição. Mas, tanto no dever jurídico genérico (direitos reais e direitos da personalidade)

26. Op. Cit. p. 11.

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como no individualizado (obrigação stricto sensu), o titular do direito subjetivo deve obter um comportamento positivo ou negativo da parte contrária"'7•

Em síntese: o dever jurídico é im posto pelo Ordenamento Jurí­dico e encerra a necessidade de se observar um determinado com­portamento (não lesar, dar a cada um o que é seu, ser honesto, não furtar, cum prir a lei, etc.). Toda a comunidade submete-se ao dever jurídico que decorre da Lei em oposição aos d i reitos subjetivos.

4.2. Estado de Sujeição

O estado de sujeição é o outro lado do d i reito potestativo. Como afi rma MARIA HELENA D1N 1z28 "No estado de sujeição haverá tão­-somente uma subordinação inelutável a uma modificação na esfera jurídica de a lguém, por ato de outrem. Assim, no estado de sujeição uma pessoa não terá nenhum dever de conduta, devendo sujeitar­-se, mesmo contra a sua vontade, a que sua esfera jurídica seja constituída, modificada ou extinta pela simples vontade de outrem, ou melhor, do titular do direito potestativo".

PABLO STOLZE E RODOLFO PAMPLONA FILHO sustentam que o estado de sujei­ção consiste em situação na q ual alguém "tem de suportar, sem que nada possa fazer" o poder jurídico de outrem. Constitui o estado de sujeição o oposto do direito potestativo. Portanto, este esta­do de sujeição não traduz obrigação, pois "inexistente o dever de prestar"'9• Liga-se, sim, a possibi l idade de alguém adentrar na sua esfera jurídica e lhe submeter.

4.3. Responsabilidade

Conceitualmente, a responsabil idade civil deriva da transgres­são de u ma norma jurídica pré-existente, com a consequente im­posição ao causador do dano do dever de indenizar . Consiste em atribuir a alguém, violador de u m dever jurídico primitivo, as con­sequências danosas de seu comportamento. Esse descumprimento

27. ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p . 27. 28. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 26. 29. ln Novo Curso de Direito Civil . Vol. 11. 6. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. io.

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INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

vai gerar dever de recomposição do status quo ante. Esta reparação haverá de ser integral, sendo norteada pelo princípio da restitutio in integrum, chamado por alguns de princípio do imperador ou re­paração integral.

O fundamento da responsabi l idade civil no Brasil é Constitucio­nal, pois o a rtigo 5°, incisos V e X, afirmam a ideia da responsabil i­dade civil. Se a CF assegura "o direito à indenização pelo dano mate­rial ou moral decorrente de sua violação", nenhuma dúvida existe no sentido de que há fundamento no direito constitucional justificador do dever de reparar.

Etimologicamente, responsabi lizar remete ao verbo latino res­pondere, da raiz spondeo, significando uma espécie de "sombra da obrigação". Remete, mais uma vez, à noção que se apresenta como o dever jurídico primário e, quando desrespeitado, enseja a inci­dência deste instituto (o da responsabil idade), do qual deriva. Isto é o que sustentam PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH03º, fazendo referência à clássica l ição do jurisconsulto romano ULPIANo, em seus três fundamentais preceitos para o d ireito: honeste vívere (viver ho­nestamente), neminem laedere (não lesar outrem) e suum cuique tri­buere (dar a cada u m o que é seu).

Nas pegadas do artigo lº do Cód igo Civi l (CC), toda pessoa é titu lar d e d i reitos e deveres na ordem jurídica b rasi leira. É possí­vel afirmar, em razão d isto, que existe um dever j u rídico primário de não causar dano a outrem (não lesar). Violado este d ever primário, surge outro: o dever j u rídico sucessivo de reparar o dano. Afinal de contas, aquele que causar dano a outrem, fica o brigado a repará-lo, na forma do a rt. 927 do CC, como adverte CARLOS ROBERTO GoNÇALVEs3 ' .

4.4. ônus Jurídico

Ônus é a faculdad� outorgada pelo d ireito a alguém para a prá­tica de determinada conduta que, acaso não exercida, pode gerar

30. ln Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civil, Vol. I li, São Paulo: Saraiva. 2008, p. 2.

3i. ln Direito Civil Brasileiro - Responsabil idade Civil, Vol. 4, São Paulo: Saraiva. 2010, p. 24.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

ao titular desta faculdade um determinado prejuízo. Ou seja: é a necessidade de agir de uma determinada maneira para proteção de interesse próprio.

É o que afi rmam CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD:"O ônus jurídico pode ser conceituado como a necessidade de adoção de uma conduta, não pela imposição de norma, mas para a defesa de um inte­resse próprio. Não se trata de um dever ou de uma obrigação, pois o seu inadimplemento não gera sanção e o seu cumprimento não satisfaz um direito subjetivo alheio, simplesmente proporciona uma vantagem ou evita uma desvantagem para o seu próprio titular"32•

Ao contrário da obrigação e do dever jurídico, os quais consti­tuem situação passiva correspondente a uma situação ativa (direito subjetivo ou potestativo), no ônus a situação passiva não contempla qualquer t ipo de correspondência ativa. É o que sustentam tais dou­trinadores. É o exemplo do oferecimento de um recurso. Trata-se de um ônus. O seu não oferecimen"to, porém, gerará prejuízos ao recorrente.

32. l n Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 27.

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C a p í t u l o l i Estrutura ou elementos constitutivos da obrigação Sumário: i. Estrutura ou Elementos Constitutivos da Obrigação: LL Elemento Subjetivo ou Pesso­al da Obrigação: Sujeitos da Relação Obrigacional; i.2. Elemento Objetivo ou Material da Obrigação: A Prestação; i.3. Elemento Imaterial, Virtual ou Espiri­tual da Obrigação: Vínculo Jurídico - 2. A Causa nas Obrigações - 3. Fonte das Obrigações: 3.i. Fontes Históricas do Direito Romano; p. Fontes Modernas das Obrigações; 3.3. Fontes Contemporâneas das Obrigações.

1. ESTRUTURA OU ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

Como relação jurídica que o é, a obrigação é constituída por elementos. O escopo deste capítulo, que ora se d escortina, é d isse­car a obrigação através da separação de cada um dos seus elemen­tos constitutivos, de modo a reconstruí-la e significá-la.

Tratando-se, a obrigação, de uma relação jurídica subjetiva e prestacional, não há d úvidas de que a estrutura há de contem plar pessoas (elementos subjetivos), a prestação (elemento objetivo ou material ) e, evidentemente, um vínculo jurídico que unam as pesso­as à prestação (elemento virtual) . Sinteticamente, os elementos da estrutura da relação jurídica obrigacional são:

Elementos Subjetivos:

. Sujeitos (ativos e passivos)

__J

Elemento Objetivo ou Material: a pres­tação lícita, possível

(física e juridicamente), determinada ou deter­

minável.

Vínculo Jurídico:

aquilo que une as pessoas em torno

de uma prestação.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Com o escopo de verticalização do conteúdo, passamos à análi­se isolada de cada um destes elementos.

i.i. Elemento Subjetivo ou Pessoal da'. Obrigação: Sujeitos da Rela­

ção Obrigacional

Sempre que o d i reito aborda o e lemento su bjetivo, remete, em verdade, aos sujeitos da relação. Sob esta perspectiva, a ên­fase é dada às pessoas que estão contidas no laço o brigacional, seja no polo ativo (sujeitos ativos), seja no polo passivo (sujeitos passivos). Ass im:

(i) O sujeito ativo da relação obrigacional é o credor da presta­ção, seja ela positiva ou negativa. Pode ser qualquer pessoa, capaz ou incapaz, natural ou jurídica, pois basta ser pessoa para ser sujeito de d ireitos e exercer a personal idade jurídi­ca, tendo aptidão genérica para titu larizar d ireitos e contrair deveres (CC, art. 1°). O sujeito ativo titulariza o d ireito de exigir o adimplemento da prestação.

� Atenção!

Em situações específicas o ente despersonalizado também pode ser cre­dor de uma prestação, ou seja: pode ser sujeito ativo de uma relação obrigacional com o direito de exigir, portanto, o cumprimento do dever. É o caso de uma sociedade irregular que contrata prestadores de ser­viços, sendo credora de tais pessoas.

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(ii) O sujeito passivo da relação obrigacional é o devedor da prestação, podendo ser esta positiva ou negativa. Tam bém pode ser qualquer pessoa, capaz ou incapaz, natural ou jurí­dica, pois basta ser pessoa para titularizar, em tese, direitos e deveres, como já posto. O sujeito passivo é q uem deve adimplir a prestação.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz Substituto do TJAC/2012 foi considerada incorreta a afirmativa que continha o seguinte conteúdo: "É válido o ato pratica­do por pessoa declarada incapaz caso se comprove que essa pessoa estava lúcida no momento em que praticou o ato".

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ESTRUTURA OU ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

Neste mesmo sentido, no concurso para J uiz Substituto d o TJDFT/201 1 foi admitida como verdadeira a proposição que possuía o seguinte texto: "Não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu".

� Atenção!

Nas relações obrigacionais complexas a mesma pessoa é, ao mesmo tempo, credora e devedora de prestações, titularizando débitos e cré­ditos. É o que acontece com aquele que titulariza uma posição em um contrato, a exemplo de um locador. Este terá créditos, como o direito ao pagamento do aluguel, e débitos, como o dever de conservar o bem apto à locação.

O d ireito das obrigações se caracteriza, entre outras coisas, pela transmissibilidade (função econômica da obrigação). Desta forma, é perfeitamente possível que sujeitos de uma relação subjetiva origi­nária sejam substituídos, tanto por um ato inter vivos ou mortis cau­sa. A exceção à transmissibi l idade, porém, será percebida na seara das obrigações personalíssimas, as quais não admitem a troca de sujeitos.

Os sujeitos podem ser determinados ou determináveis, desde que estes possam, a posteriori, ser identificados (indeterminabi lida­de subjetiva). O que não se admite, porém, é uma indeterminação absoluta. Leia-se: é possível ser determinável até o momento do pagamento (solutio da obrigação).

Sujeitos previamente determinados são faci lmente verificados, a exemplo de um contrato celebrado entre João e Pedro, no qual este deverá ministrar uma aula àquele. Pedro é o devedor e João o credor. Ambos previamente determinados.

Mas, quando há sujeitos determináveis?

O exemplo m ais corrique iro de sujeito ativo determinável é a promessa de recom pensa. Esta ocorre, por exemplo, quando há o ofereci mento de uma recompensa para aquele que encontrar um cachorro. Ora, o credor será, j ustam ente, quem a parecer com o animal .

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Já o sujeito passivo determinável verifica-se nas hipóteses das obrigações propter rem, nas quais será o devedor da obrigação o titular do d ireito real . Outro exem plo, agora lembrado por ÜRlANoo Go­MEs', são os títu los ao portador. Tanto a obrigação propter rem, como as de título ao portador, são ambulatoriais, pois o sujeito mundano faz parte do seu DNA.

Seguindo na análise do elemento subjetivo, ele sem pre haverá de ser dúplice. Tal duplicidade corresponde aos centros de inte­resse da relação jurídica. Sem a presença simu ltânea dos sujeitos ativos e passivos não há de se falar em obrigação. Se trata, sem dúvida alguma, de um elemento constitutivo imprescindível à confi­guração do instituto.

N inguém será credor de si mesmo, sob pena de configuração da confusão e consequente extinção do vínculo. Exatamente por isto é que MARIA H ELENA D1N1z adverte: "se, p. ex., houver fusão desses sujeitos numa só pessoa, ter-se-á a extinção da obrigação (CC, art. 381), sem que haja qualquer cumprimento da prestação. É o que sucederá se, em virtude de testamento, o herdeiro receber do de cujus um título de crédito contra si mesmo'".

Ainda em relação aos sujeitos é possível que cada polo da rela­ção obrigacional possa ser plural ou unitário. A pluralidade de sujei­tos, inclusive, pode ser originária ou superveniente. Percebe-se este raciocínio em vista de ser a noção de sujeitos mais ampla do que a de pessoa. Por conseguinte, tem-se como possível que os sujeitos da relação obrigacional sejam compostos por várias pessoas. Leia­-se: o sujeito ativo pode ser composto por três credores, enquanto o sujeito passivo por cinco devedores, por exemplo.

À guisa de exempl ificação, pode-se verificar a plural idade su­perveniente de sujeitos nos casos em que determinada pessoa é credora de uma obrigação transmissível e vem a falecer antes da extinção da mesma (seja por adim plemento ou outra causa extin­tiva), possuindo vários herdeiros. Nesta hipótese, o polo ativo da obrigação passará a ser composto pelos sucessores do falecido, sendo o mesmo formado, a partir deste momento, por diversos

1. Op. Cit. 22. 2. l n Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 49.

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ESTRUTURA OU ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

suie1tos, não se tratando mais de sujeito ativo unitário, e s im de uma plural idade de sujeitos.

� Atenção!

Como adverte a doutrina é possível haver figuras secundárias na re­lação obrigacional, tais como os representantes legais (pais, tutores, curadores) e os núncios (que são meros transmissores da vontade do declarante, mensageiros que não interferem na relação jurídica obriga­cional). É o que sustentam PABLO GAGUANO STOLZE E RODOLFO PAMPLONA FtLHO.

1 .2. Elemento Objetivo ou Material da Obrigação: A Prestação

No d izer de SíLv10 DE SALvo VENosA3, trata-se do ponto material sobre o qual incide a obrigação. Cuida-se da prestação, em ú ltima análise. Esta prestação se mostra como atividade positiva ou negativa do devedor, consistindo, basicamente, em dar, fazer ou não fazer.

Naturalmente, a prestação deve ser possível, lícita, determinada ou determinável. Portanto, os requisitos do art. io4 do CC devem es­tar presentes, a fim de evitar o vício maior da invalidade do negócio jurídico. Em outras palavras: a prestação deve se adequar à Teoria Geral dos Negócios Jurídicos e, portanto, à parte geral do Código Ci­vil, amplamente já visitada no nosso Volume 1 (Volume X da Coleção).

Questiona-se na doutrina se o caráter patrimonial4 é indispen­sável à prestação?

É usual na doutrina a informação segundo a qual a prestação deve ser economicamente apreciável, tendo cunho patrimonial, pelo seu valor intrínseco ou em razão da conversão em valor economica­mente apreciável. Para muitos, este seria, inclusive, o traço d istinti­vo entre a obrigação e os demais deveres.

Cediço, porém, que em uma leitura sob a lente constitucio­nal, o direito civil não mais deve ser significado com foco no pa­trimônio, mas sim na pessoa. O direito civil foi repersonificado e

3. ln Direito Civi l . 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 15.

4. Neste sentido Sílvio de Salvo Venosa faz referência ao art. u74 do Código Civil Italiano segundo o qual "a prestação que constitui objeto da obrigação deve ser suscetível de avaliação econômica e deve corresponder a um interesse, ainda que não patrimonial, do credor''.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

repersonalizado, falando-se em uma despatrimonialização, como estudado no volume dedicado à Parte Geral. Saímos da era do ter e ingressamos na do ser.

Na era do ter tinha-se como usual, na anál ise dos elementos do direito obrigacional, a inserção da noção de patrimônio como inerente à prestação. Tal l inha de raciocínio, hodiernamente, vem perdendo força, principalmente quando cotejada com as obrigações negativas (as quais não possuem conteúdo econômico imediato). Todavia, registra-se, o tema ainda é divergente.

No particular, preferimos caminhar com lARENz, para q uem a prestação deve ser apenas algo vantajoso, ainda que não patrimo­nial, a exemplo d e uma retratação pública.

Quanto ao objeto, é possível afirmar que a obrigação contempla dois tipos: (i) objeto d ireto ou imediato; (i i) objeto indireto ou me­diato. Exemplifica-se:

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(i) Objeto direto ou imediato: se traduz na atividade de dar (coisa certa ou coisa incerta), fazer ou não fazer. É a presta­ção devida. A atividade humana, que, evidentemente, há de ter conteúdo patrimonial economicamente aferível e execu­tável, ser lícita, determinada ou determinável e possível .

D e d a r coisa certa ou incerta

De fazer ou não fazer

(ii) Objeto indireto ou mediato: é o bem da vida, a coisa em si, tal como uma casa, um automóvel, uma fazenda, um animal .

BEM DA VIDA! J

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ESTRUTURA OU ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em prova aplicada pelo CESPE, para o preenchimento do cargo de Ana­lista do STM/2011, foi considerada verdadeira a seguinte assertiva: "A relação jurídica obrigacional tem um objeto imediato e outro mediato. A prestação, que pode ser de dar, fazer ou não fazer, constitui o objeto imediato da obrigação.".

Ainda sob este aspecto, tratando do objeto mediato da obrigação, fora este assunto abordado em concurso CESPE para Analista STM/2011, ten­do sido considerada verdadeira a seguinte afirmação: "A relação jurídi­ca obrigacional tem um objeto imediato e outro mediato. A prestação, que pode ser de dar, fazer ou não fazer, constitui o objeto imediato da obrigação.".

1.3. Elemento Imaterial, Virtual ou Espiritual da Obrigação: Vínculo Jurídico

Para unir os sujeitos ao objeto da obrigação é preciso criar uma fixação de natureza exclusivamente jurídica. Virtual, no sentido de não ser palpável, a que se denomina de elemento imaterial j ustifi­cador. Este é o terceiro elemento do d ireito obrigacional, aqui lo que une os sujeitos em torno de uma prestação.

Este nexo, no dizer de FLÃv10 TARTUCE5, é identificado no art. 391 do CC, segundo o qual os bens do devedor respondem pelo inadim­plemento da obrigação, o que se denomina de responsabilidade patrimonial do devedor, de natureza negocial/contratual, já que a responsabil idade civil aquil iana (extracontratual) é discipl inada no art. 927 do CC.

Evidentemente que a expressão normativa "todos os bens do devedor", como já mencionado nesta obra, deve ser interpretada nos l im ites da dignidade humana e do mín imo existencial, até mes­mo porque o sistema jurídico afasta da penhora alguns direitos e créditos, tais como os direitos da personal idade (CC, arts. 1 1 usque 21), o bem de família (Lei 8.009/90), as rendas, a remuneração e o salário (CPC, 649)6, e etc.

5. ln Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Editora Método. 2009, p. 38. 6. Sobre o tema vide o Informativo 531 do STF, a súmula vinculante 25 e a súmula

419 do STJ.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Versando sobre o vínculo imaterial ou jurídico. mister recordar a divergência entre correntes doutrinárias acerca da quantidade de elementos a unirem a prestação aos sujeitos, a saber:

i. Corrente Monista ou Unitária - haveria uma só relação jurídi­ca vinculando credor e devedor através da prestação (o di­reito de exigir está inserido no dever de prestar). Portanto, existiria um único elemento.

2. Corrente Dualista ou Binária - a relação contém dois vínculos (relação crédito/débito), ou melhor: (a) um vínculo atinente ao dever do sujeito passivo de satisfazer a prestação em face do credor; (b) outro relativo à autorização dada pela lei, ao credor que experimentou o inadimplemento, de cons­tranger o patrimônio do devedor.

o direito nacional caminha na tri lha desta ú ltima corrente. No dizer de JurnTH MARnNs-CosTA7, a superação da doutrina monista pela dual ista passa pela d istinção básica, feita no Direito Alemão, de dois importantes elementos sobre os quais a obrigação é estruturada: a) Schuld/Debitum (dever legal de adimpl ir) e b) Haftung/Obligation (responsabil idade patrimonial).

� Importante!

Em síntese:

a) Schuld é o dever de adimplir, executar a prestação. É o débito. Este dever jurídico cabe ao devedor.

b) Haftung é a responsabilidade, ou seja, diz respeito apenas à pos­sibil idade de utilização do patrimônio para garantir a satisfação da prestação. É a responsabilidade.

Lembra ORLANDO GoMEs8 que, neste sentido, a relação obrigacional de cré­dito tem como fim imediato uma prestação (débito) e remoto a sujeição do patrimônio do devedor (responsabilidade).

Afirma-se que o débito (Schuld) e a responsabil idade (Haftung), em regra, caminham juntos, sendo corpo e sombra na d ifundida fala

7. ln Comentários ao Novo Código Civil. Volume V, Tomo 1. Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003.

8. Op. Cit. p. 18.

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ESTRUTURA OU ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

de lARENZ. Mas seria possível verificarmos o débito sem a responsa­bi l idade, ou a responsabil idade sem o débito?

Excepcionalmente, sim .

In iciaremos com a hipótese de débito sem responsabil idade.

O débito existe de forma autônoma e independente, subsistin­do mesmo que o d ireito não autorize a constrição do patrimônio do devedor. Exemplo claro disto está nas obrigações imperfeitas, naturais ou incompletas. Nestas há um débito, mas inexiste respon­sabil idade.

Assim, nas aludidas obrigações naturais, se houver o cumpri­mento obrigacional, em regra, o devedor não poderá pleitear a repetição do indébito, pois existe débito ! Fala-se, então, que são obrigações irrepetíveis. Todavia, caso não haja o cumprimento do débito, não terá sucesso o credor com o pedido coercitivo de cum­primento, pois inexiste a responsabil idade. São obrigações inexigí­veis, e, por conseguinte, imperfeitas, pois situadas entre a moral e o d ireito.

O primeiro exemplo de obrigações incompletas são as dívidas prescritas, nas quais ainda existe o dever de adimplir, mas não há a possibi l idade de constrangimento do patrimônio do devedor.

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz Substituto do Estado do Acre/2012 foi considerada correta a assertiva que afirmava que "é válido e irrecobrável o paga­mento espontâneo, feito por maior de idade, para cumprir obrigação de dívidas inexigíveis, como as prescritas ou as de jogo".

Outro exemplo sem pre lembrado são as d ívidas de jogo ou aposta. Porém, aqui , o futu ro aprovado há de ficar atento, pois, primeiramente, h á quem d iferencie o jogo da aposta e, a lém d is­to, nem toda dívida de jogo ou aposta é uma obrigação imper­feita.

Jogo, jurid icamente apreciado, é o contrato aleatório em que duas ou mais pessoas prometem certa soma àquela, dentre as con­tratantes, a quem for favorável o azar. Já a aposta é o contrato, igualmente aleatório, em que duas ou mais pessoas, de opinião

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LUCIANO FIGU EIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

diferente sobre qualquer assunto, que concordam em perder certa soma em favor da outra, entre as contraentes, cuja opinião se veri­ficar verdadeira. Este é o conceito veicu lado em d iversos manuais e sempre atribuído a CLóv1s BEVILAQUA.

No jogo há a participação ativa dos contraentes, da qual depen­derá o resultado; enquanto na aposta o acontecimento dependerá de ato incerto de terceiro ou de fato independente da vontade dos contraentes, para certificar uma opinião.

O d ireito brasi leiro dedica-se a diferenciar os jogos em ilícitos e lícitos, falando-se em jogos proibidos, tolerados e autorizados. Veja-se:

a) Proibidos ou I lícitos: São aqueles nos quais o ganho ou a perda dependem da sorte de um e, consequentemente, azar de todos. Exemplifica-se com o jogo do bicho, roleta, jogo de dados, etc. São os jogos de azar.

A súmula 5 1 do STJ afirma que "A punição do intermediador, no jogo do bicho, independe da identificação do "apostador" ou do "banqueiro"". A lém disto, o a rt. 50 da Lei das Contravenções Penais afirma ser ilícito "Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele."

Tais jogos i lícitos são obrigações naturais, bem como os negócios de empréstimo para facilitação do aludido jogo (art. 815 do CC).

b) Tolerados: Aqueles em que o resultado não depende exclu­sivamente da sorte, mas da habil idade dos jogadores, como o bridge, a canastra e o pôquer.

Apesar de não consistirem em contravenções penais, a ordem jurídica não lhes regula os efeitos. Igualmente se enquadram em obrigações naturais.

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e) Autorizados ou Lícitos: Visam uma uti l idade social, trazendo proveito e ganhos difusos, como o futebol e o tênis. Outros estimulam atividades econômicas de interesse geral, como criação de cavalos. Há, ainda, aqueles que geram benefícios para obras sociais ou eventos desportivos, como nos casos das loterias federais.

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ESTRUTURA OU ELEMENTOS CONSTITUTIVOS OA OBRIGAÇÃO

Os autorizados são obrigações civis, perfeitas, havendo débito e responsabil idade pelo devedor.

Na mesma esteira, o a rtigo 817 do Código Civil afirma que são lícitos "os sorteios para dirimir questões ou dividir coisas comuns".

E existe responsabilidade sem débito?

Excepcionalmente, sim. É possível haver situação onde há haf­tung, sem schuld, como no caso de fiança, em que o fiador torna-se responsável por dívida alheia (CC, art. 820). Isto é o que esclarece a doutrina de FLÃv10 TARTucE9. Recorda ORLANDO GoMEs1º, ainda, como exem­plo, garantias reais, a exemplo de hipoteca e penhor.

� Atenção!

Sistematizando:

a) Debitum (Schuld) sem obligatio (Haftung): obrigação juridicamente ine­xigível . Obrigações imperfeitas a exemplo das naturais.

b) Obligatio (Haftung) sem debitum (Schuld): garantia conferida por um terceiro, como a fiança.

3. Corrente Eclética - os elementos débito e responsabi l i ­dade são essenciais, reúnem-se e se com pletam consti­tu indo uma un idade, ou, como afi rma MARIA HELENA D1N1z: "o dever primário do sujeito passivo de satisfazer a prestação e o correlato direito do credor de exigir judicia lmente o seu cumprimento, investindo contra o patrimônio do deve­dor, visto que o mesmo fato gerador do débito produz a responsabilidade"11•

Fazendo uma anál ise sistemática das teorias em comento, pode­-se dizer:

9. ln Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Editora Método. 2009, p. 42. 10. Op. Cit. p. i9. ll. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p.

37/38.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Origem francesa.

Apenas uma relação jurídica.

O direito de exigir está inserido no dever de prestar.

Apenas um elemento estruturante do víncu­lo jurídico.

Corrente Superada.

Não se aplica ao CC/02.

Origem alemã. Majori­tária.

Minoritária

Existem duas relações 1 Os elementos débito e obriga-jurídicas estruturantes ção são essenciais, se reúnem do elemento imaterial. e se completam.

O direito de exigir é diferente do dever de prestar.

Dois elementos estru­turantes: o Shuld e o Haftung.

Corrente Atual.

Aplica-se ao CC/02

O dever primária de satisfazer a prestação e o correlato direi­to do credor de constranger o patrimônio se completam.

O mesmo fato gerador do débi­to produz a responsabilidade.

Corrente minoritária.

Não se aplica ao CC/02.

Do dito, percebe-se que prepondera a segunda teoria. Esta dou­trina (dualista/binária) é atribuída ao Alemão AL01s BR1Nz e foi desen­volvida no final do século XIX, enxergando dois elementos básicos na obrigação: o débito (Schuld) e a responsabi l idqde (Haftung) "so­bre as quais a obrigação se encontra estruturada", segundo advertem Juo1TH MART1Ns-CosTA12 e FLÃv10 TARTucE13•

2. A CAUSA NAS OBRIGAÇÕES

Será que a causa, o motivo, seria pressu posto essencial dos negócios jurídicos? Seria o Código Civil causalista?

Sem dúvida, na sua Parte Geral o Código Civil apresenta precei­tos onde é demonstrada a preocupação do legislador com o motivo que deu causa ao negócio jurídico. A títu lo de exemplo, o a rt. i40 do CC trata do falso motivo , expresso no negócio, como sua causa determinante, sendo apto a invalidá-lo (nul idade relativa). Pode-se dizer que, na Parte Geral, temos um Código causal, como visto no Volume 1 (Volume X desta coleção)_

12. ln Comentários ao Novo Código Civil. Volume V, Tomo 1. Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. R io de Janeiro: Editora Forense, 2003.

13. ln Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Editora Método. 2009, p. 42.

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ESTRUTURA OU ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

Na doutrina de SíLv10 DE SALvo VENosA14 deve ser entendido como causa do ato o fundamentn a "razão jurídica da obrigação", daí por­que "como por vezes o ordenamento jurídico faz referência à causa, é importante que a ela se faça referência", sem ignorar, contudo, que a causa aqui tratada é a jurídica. e não a de natureza pessoal Arremata o autor:

Enquanto os motivos apresentam-se sob forma interna, sub­jetiva, a causa é externa e objetiva, rígida e inalterável em todos os atos jurídicos da mesma natureza [ . . . ]

Não cumpre, aqui, adentrar em divagações filosóficas que mais importam às legislações que trazem a causa como re­quisito essencial do negócio jurídico. Cabe apenas dar noção sobre o tema. O Código Civil francês estatui que toda obri­gação convencional deve ter uma causa, indispensável a sua validade, devendo ser lícita (art. i .808). É claro, para nós, que o objeto lícito substitui essa noção.15

Entrementes, seguindo as pegadas dos Códigos Civis Alemão e Suíço, o Código Civil Brasileiro não contempla a causa como pressu­posto essencial da obrigação. Ao revés, opta por cuidar do objeto lícito (CC, art. 104), apesar de enviezadamente tratar aqui ou ali da causalidade, como, por exemplo, nos arts. 3 7 3 e 964.

� Atenção!

Boa parte da doutrina não trata as expressões causa e motivo como sinônimas. Assim, afirmam alguns que a causa é objetiva, externa e inalterável. O motivo é interno, particu lar e subjetivo.

3. FONTE DAS OBRIGAÇÕES

Para o D ireito o signo fonte significa a origem de onde brotam as normas jurídicas. É sobre isto que trataremos agora: a fonte das obrigações.

Como sabemos, a norma é o grande gênero, dentro da qual, princípios e regras são espécies16• Desta maneira, é correto afirmar

14. ln Direito Civil. 7 . ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 37.

15. l n Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 22. 16. O tema foi devidamente enfrentado no volume dedicado à parte geral, para o

qual se remete o leitor.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

que a fonte primária das obrigações é a norma. Contudo, antes da norma encontramos o fato jurídico,de onde, inegavelmente, são originadas obrigações. Afi nal, como se diz desde Roma ex facto ius oritur (o d ireito nasce de um fato).

CR1sr1AN0 CHAVES DE FARIAS E N ELSON RosENVALD bem esclarecem a respei­to da "enorme diversidade de posicionamentos na sistematização da classificação das fontes das obrigações"11. Identificam, por exemplo, o posicionamento d ualista de CA10 MÁR10 DA S1LvA PEREIRA, segundo o qual duas seriam basicamente as fontes obrigacionais (a vontade huma­na e a lei). Abordam, ainda, o pensamento de grande parte dos civilistas, os quais "inserem os atos ilícitos dentre as fontes obrigacio­nais, como ARNOLD WALD, SILv10 VrnosA, CARLOS RosERTO GoNÇAtvEs, WASHINGTON DE BARROS

MoNmRo E S1tv10 RoDRIGUEs". Remetem ao entendimento de ORLANDO GOMES, para quem "a rigor; não há obrigações derivadas imediatamente da lei", mas sim dos fatos que são condicionantes desta e constituem sua verdadeira fonte18•

Tratando de forma ampla sobre o tema, abordaremos aqui as fontes históricas do Direito Romano, as fontes modernas das obriga­ções e as fontes contemporâneas.

p. Fontes Históricas do Direito Romano

Segundo PAsLo STOLZE E RoooLFo PAMPLONA F1LH019, na antiga Roma, GA10 classificaria as fontes obrigacionais, posteriormente desenvolvidas nas lnstitutas de J ustiniano, através do contrato, q uase contrato, de­lito e quase delito. Vejamos:

• Contrato: compreendido pelas convenções e avenças firma­das entre duas partes.

• Quase-Contrato: situações jurídicas parecidas com os contra­tos. Atos un i laterais, como a gestão de negócios.

• Delito: i lícito doloso e enseja lesão ao patrimônio jurídico de outrem.

• Quase-Delito: ilícitos culposos configurados pela negligência, imperícia ou imprudência.

17. ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 62. 18. l n Direito das Obrigações. Rio de janeiro: Editora Lumen juris, 2006, p. 62. 19. l n Novo Curso de Direito Civil. Vai. l i . 6 . ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 22.

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ESTRUTURA OU ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

No mesmo sentido SíLv10 DE SALVO VENOSA'º ao recordar a célebre má­xima das l nstitutas de GA10: omnis obligatio vel ex contractu nascitur, vel ex delicto (as obrigações nascem dos contratos e dos delitos). Contudo, no tópico Res Cotinianae o mesmo GA10 acrescenta uma ter­ceira categoria que não se enquadrariam nem nos contrato, nem nos delitos, do que surgiram os quase-contratos. Na época Bizantina surge, da interpretação à obra de GA10, a expressão quase-delito, presente na obra de JusnN1ANo.

Importante recordar que em Roma Antiga a noção de lei ema­nava do Estado, ou até mesmo a própria noção de Poder Público, não existia como hoje é conhecida, daí porque a lei não era vista como fonte primária.

o Código Civil Francês, que muito influenciou o Brasileiro, adotou a classificação romana, fazendo apenas a inserção de uma quinta fonte: a lei . Aqui inicia-se a classificação moderna das obrigações.

3.2. Fontes Modernas das Obrigações

Como ocorrera na modernidade, a noção de Estado restou con­solidada, a doutrina majoritária passou a sustentar q ue a lei seria a fonte primária e imediata das obrigações, sendo este o entendi­mento a respeito do assunto que se mantém até os dias de hoje. Contudo, esta própria doutrina apresentará distintas perspectivas sobre as demais fontes obrigacionais, de modo que o tema variará ao talante do doutrinador.

Com respeito aos demais doutrinadores, adotamos aqui a clas­sificação de FLÃv10 TARTucE", para quem as fontes seriam a lei, os con­tratos, os atos i l ícitos, o abuso de direito, os atos uni laterais e os títulos de crédito, assim afirmando o doutrinador:

• Lei : fonte principal, primária e imediata das obrigações".

20. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 44. 21. ln Direito Civil. 4 Edição. São Paulo: Editora Método. 2009, p. 45. 22. Insista-se: existem doutrinadores que não enxergam na lei a fonte obrigacional

por imaginarem que esta somente a criaria se acompanhada de um fato jurídico antecedente. Neste sentido ORLANDO GoMEs, assim citado tanto por FlÁv10 TARrucE, quan­to por PABLO GACLIANO STOLZE E RODOLFO PAMPLONA FILHO nas referências acima indicadas. No mesmo sentido FERNANDO NoRONHA.

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• Contratos : considerada também como fonte principal e que nada mais são do que le i entre as partes, à luz do pacta sunt servanda , configurando-se mediante "negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa a criação, modificação e extin­ção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial", na lição do próprio FlÃv10 TARTUCE23•

• Atos ilícitos : fontes diretamente relacionadas com a Teoria da Responsabil idade Civil e que gera o dever de indenizar, aí se incluindo o abuso do direito , modalidade específica de ato ilícito, previsto no a rt. 187 do CC.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Mencionando acerca da consideração do abuso do direito, espécie de ato i lícito, como fonte das obrigações, no concurso para Procurado do Estado do Piauí/2008 foi considerada correta a seguinte assertiva: "O abuso de d ireito, que é uma das fontes de obrigações, caracteriza­-se não pela incidência da violação formal a d i reito, mas pela extra­polação dos l imites impostos pelo ordenamento jurídico para o seu exercício".

• Atos unilaterais : fontes decorrentes das declarações u ni late­rais de vontade, tais como a promessa de recompensa (art. 854/860), a gestão de negócios (art. 861/875), o pagamento i ndevido (art. 876/883) e o enriquecimento sem causa (art. 884/886).

� Atenção!

Quanto ao enriquecimento sem causa, cumpre lembrar o Enunciado 35 da 1 Jornada do CJF/STJ : "a expressão enriquecer-se à custa de outrem do art. 884 do novo Código Civil não significa, necessariamente, que deverá haver empobrecimento". Ainda acerca do tema é esclarecedor o Enuncia­do i88: "A existência de negócio jurídico válido e eficaz é, em regra, uma justa causa para o enriquecimento". Outrossim, o enriquecimento sem causa não se confunde com o enriquecimento i lícito que, como o nome já adverte, pressupõe a prática de uma ilegalidade,

23- ln Direito Civil. 4 Edição. São Paulo: Editora Método. 2009, p. 50.

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ESTRUTURA OU ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

• Títulos de crédito: as cártulas, escritos e documentos que "trazem em seu bojo, com caráter autônomo, a existência de uma relação obrigacional de natureza privada"'' e cujo estudo está diretamente relacionado com o Direito Empresarial.

MARIA HELENA D 1N 1z25 entende que as obrigações possuem uma fonte imediata, que é a lei, e três fontes mediatas, que são o ato ilícito, o negócio jurídico e o ato jurídico em sentido estrito. Como se vê, a doutrina é sortida a respeito do tema.

Não é objetivo deste capítulo polemizar sobre o assunto, por­que desnecessário ao concurso público, muito menos tecer qualquer t ipo de consideração sobre cada um dos institutos fontes, sob pena de desvirtuamento do foco mais importante, qual seja: o de evi­denciar ao leitor quais são efetivamente as fontes das obrigações e constatar a divergência doutrinária.

Deste modo, não teceremos agora comentários para aprofundar os temas do abuso do direito, ato ilícito, contratos, atos uni laterais e título de créditos, ante esta opção metodológica, sendo cada as­sunto abordado dentro da sua respectiva temática do d ireito civil.

3.3. Fontes Contemporâneas das Obrigações

Não podemos ignorar que o Direito na atualidade sofre influên­cia d ireta de novas fontes obrigacionais, de certo modo incom pre­endidas por boa parte da doutrina. Exemplo impressionante é o da súmula vinculante e das decisões em controle abstrato da consti­tucionalidade, que não apenas encerram efeitos erga omnes. como também vinculantes aos demais tribunais e à Administração Pública.

Quando o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, por exemplo, proíbe o nepo­tismo através do ju lgamento de um caso concreto, que acarreta a elaboração, naquela Suprema Corte, de uma súmula vincu lante, significa dizer que o Tribunal Constitucional faz nascer, brotar, uma nova fonte obrigacional, ora criando deveres jurídicos (gerais), ora obrigações específicas a serem observadas por toda a comunidade.

24. Fl.Áv10 TARTUCE in Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Editora Método. 2009, p. 50. 25. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 60.

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Desta forma, não é possível ignorar o fortalecimento da juris­prudência e, principalmente, o surgimento de novas fontes obriga­cionais surgidas em vista desta maneira de se enxergar o direito. As súmulas vincu lantes e as decisões em sede de controle abstrato de constitucional idade são exemplo disto.

De igual modo, os princípios do di reito perderam seu papel de coadjuvantes (su balternos) e foram equiparados às leis, de modo que, na contemporaneidade, são nítidas fontes diretas e imediatas das obrigações.

À luz do art. 1 13 do CC, a boa-fé e os usos e costumes também constituem notáveis fontes obrigacionais que podem ser compreen­didos como fontes das obrigações.

Nesta esteira, às fontes modernas das obrigações devem ser acrescidas as fontes contemporâneas supracitadas. Para um melhor aprofundamento no assunto, remetemos o leitor ao Volume 1 (Volu­me X da Coleção) do nosso trabalho, na Parte Geral, quando melhor tratamos do assunto ao abordar a LINDB - Lei de I ntrodução às Nor­mas de Direito Brasi leiro .

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1. NOTA INTRODUTÓRIA

C a p í t u l o I l i

Classificação das obrigações Sumário: i. Nota Introdutória - 2. Classificação das Obrigações Consideradas em si Mesmo: Obrigações Morais, Civis e Naturais - 3. Classificação Quanto ao Objeto. Também Chamada de Classificação Básica das Obrigações: 3 .i . Obrigação de Dar (Obligatio Ad Dandum): 3.i .i . Obrigação de Dar Coisa Certa; 3.1.2. Obrigação de Dar Dinheiro (Pecuniária); 3.i.3. Obri­gação de Dar Coisa Incerta ou Genérica; 3.2. Obri­gação de Fazer (Obligatio Ad Faciendum); 3.3. Obri­gação de Não Fazer (Obligatio Ad Non Faciendum) - 4. Classificação Quanto a Presença dos Elementos Obrigacionais: 4.1. Obrigações Compostas pela Mul­tiplicidade de Objetos; 4.2. Obrigações Compostas Pela Multiplicidade de Sujeitos - 5. Classificação Quanto à Divisibi l idade do Objeto - 6. Classificação Quanto ao Fim: Obrigações de Meio, Resultado e Garantia - 7. Classificação Quanto à Liquidez - 8. Classificação quanto a Presença do Elemento Aci­dental - 9. Classificação quanto à Dependência - 10. Classificação quanto ao Momento de Cumprimento.

Estudar a classificação das obrigações exige uma postura para além da teoria. Apesar de sabermos que a classificação é variável de acordo com a doutrina que se acolhe, uma coisa é certa: dentro da classificação é que encontramos os mais importantes assuntos do Direito Obrigacional .

As obrigações solidárias, indivisíveis, de dar, fazer e não fazer. Enfim, o campo concreto da prática obrigacional está contido - ex­plicado e melhor compreendido - no bojo do estudo classiticatório.

Adotaremos aqui, como base para classificar as obrigações, as lições de MARIA HELENA D 1N1z1 e FlÃv10 TARTUCE', acrescida dos ensinamen­tos dos demais civilistas e da jurisprudência, com ênfase nos posi­cionamentos do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Registramos tal fato ante a

l. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 2. ln Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método. 2009.

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percepção de que há variáveis doutrinárias sobre o tema, todas, porém, desembocando no mesmo lugar comum.

2. CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES CONSIDERADAS EM S I MESMO: OBRI­GAÇÕES MORAIS, CIVIS E NATURAIS

Esta perspectiva classificatória deve ser considerada a partir do elemento virtual das obrigações e da teoria dualista , os quais dis­tinguem a prestação da responsabil idade civil.

Deste modo, as obrigações naturais e morais podem ser classi­ficadas como obrigações imperfeitas ou incompletas 3, porque desti­tuídas da coercibi l idade. Exemplo i lustrativo são as obrigações pres­critas. Nelas não é possível constranger o patrimônio do devedor, apesar de o ordenamento jurídico admitir que este pague: existe o shuld (débito), porém sem o haftung (responsabil idade).

Apenas para i lustrar, segue a ementa da decisão do Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul sobre obrigação natural:

"RECURSO INOM INADO. ENSINO PARTICULAR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM PEDIDO DE INDE­NIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DÍVIDA PRESCRITA. OBRIGAÇÃO NATURAL. RESTITUIÇÃO DESCABIDA. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. RECURSO PROVIDO". (Recurso Cível N° 71004575957, Terceira Turma Recursai Cível, Turmas Recur­sais, Relator: Sílvia Muradas Fiori, Ju lgado em 12/12/2013).

A dívida prescrita (CC, art. 882), a dívida resultante de jogo e aposta não legalizados (CC, art. 815) e o mútuo feito a menor sem a prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver (CC, art. 558), são exemplos de obrigações imperieitas.

A gorjeta também é exemplo de obrigação natural. A expressão vem de gorja, ou seja, garganta, como aquilo que se dá para esquen­tar a garganta do trabalhador, o cafezinho ou outra bebida preferida. Relaciona-se, pois, ao beber e não ao comer, na lição de flÃv10 TARTUCE4•

Apesar das obrigações naturais não serem exigíveis, pois des­providas de responsabil idade, é importante lembrar que se forem

3. O tema já fora enfrentado nesta obra, ao tratarmos dos elementos do direito obrigacional e realizarmos o estudo do d ébito e da responsabilidade.

4. ln Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método. 2009.

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

adim plidas voluntariamente e sem qualquer vício de consentimento, o pagamento é juridicamente vál ido e eficaz. Assim, fica vedada a devolução (não pode ser repetido), pois há o débito, o que se denomina tecnicamente de soluti retentio 5• Em síntese, portanto, as obrigações naturais são i nexigíveis e irrepetíveis .

As obrigações civis são as completas e perfeitas , porque além de prescreverem a conduta, vincu lam patrimonialmente o devedor que deixar de observá-la: existe o shuld (débito) e o haftung (res­ponsabi lidade) ao mesmo tempo. Geram exigibi l idade patrimonial, respondendo os bens do devedor pelo inadimplemento6.

3. CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO OBJETO. TAMBÉM CHAMADA DE CLASSIFICA­ÇÃO BÁSICA DAS OBRIGAÇÕES

Trata-se de uma das mais solicitadas modalidades classificató­rias nas provas de concursos públicos. Trata-se de classificação geral, recorrente na prática jurídica. Remonta o Direito Romano, o qual já dividia a obrigação em dare (dar), facere (fazer) e non facere (não fa­zer). Em uma visão geral, atualmente e no direito brasi leiro, fala-se:

Coisa Certa

Posítivas

Fungível J

Negativas - não fazer

5. Retenção do pagamento, que é direito de quem o recebeu a integrar-lhe o patri­mônio desde então, ou seja, direito adquirido.

6. O tema já fora enfrentado nesta obra, ao tratarmos dos elementos do direito obrigacional e realizarmos o estudo do débito e da responsabilidade.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Portanto, esta classificação gira em torno da prestação e no que a mesma consiste. Num dar coisa certa ou incerta. Num fazer ou, finalmente, em uma abstenção. É sobre isto que trataremos agora.

O enfoque, após traçarmos as premissas, será com base nas questões concursais, as quais costumam gravitar em torno: (i) Do perecimento da coisa antes da entrega; (ii) Da deterioração da coi­sa antes da entrega; (iii) Do aparecimento de eventuais acréscimos ou decréscimos do bem, antes da transferência, ou seja, q uando o credor exige aumento ou abatimento do pagamento diante de um fato superveniente e (iv) Da questão dos frutos colhidos, pendentes ou precipitadamente retirados antes da tradição.

p. Obrigação de Dar (Obligatio Ad Dandum)

Segundo PAsLo S10LZE E RoooLFO PAMPLONA F1LH07, as obrigações de dar tem por objeto prestação de coisas e consistem na atividade de:

a) Dar: Transferindo a propriedade das coisas;

b) Entregar: Transferindo a posse ou detenção das coisas;

c) Restituir: Devolução ao credor da posse ou detenção da coisa.

Esta obrigação de dar pode ser dividida em um dar coisa certa (arts. 233 usque 242 do CC) e em um dar coisa incerta (arts. 243 a 246 do CC). A d iferença básica entre tais modal idades estará no fato de a coisa estar completamente individuada (determinada) ou não (determinável).

I nicialmente, trataremos apenas da obrigação de dar coisa certa e dos temas que mais aparecem em provas de concurso público sobre o assunto. Assim, seguindo com os temas, iremos adentrar a obrigação de dar coisa certa.

3.1.1. Obrigação de Dar Coisa Certa

Nas obrigações de dar coisa certa o objeto está completamen­te individualizado; leia-se: tem gênero, quantidade e qualidade.

7. ln Novo Curso de Direito Civil. Vol. l i . 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 38.

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CLASSIFICAÇÃO OAS OBRIGAÇÕES

Exemplifica-se com a obrigação de entrega de um veículo, tendo especificado a sua marca, ano, placa policial e chassi.

Nas pegadas do art. 233 do CC e à luz do princípio segundo o qual o acessório segue a sorte do principal, nas obrigações de dar coisa certa, as benfeitorias e os demais acessórios, à exceção das pertenças (arts. 93 e 94 do CC), devem acompanhar a transferência ou a restituição do bem principal.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em prova para o TJSE/2009 foi considerada incorreta a seguinte asserti­va: "a obrigação de dar coisa certa não abrange os acessórios dela se isso não tiver sido mencionado expressamente no título".

� Atenção!

Muitas vezes o candidato confunde a obrigação de fazer com a de dar. Esclarecedora, para por fim a esta dúvida, a advertência de FLÁv10 TARTUCE, no ilustrativo exemplo que apresenta envolvendo o caso de uma obriga­ção cuja prestação é um quadro (obra de arte). Se o quadro já estiver pronto, trata-se de obrigação de dar. Se ainda não estiver pronto, será de fazer, afinal de contas: "o dar não é um fazer, pois caso contrário não haveria nunca a obrigação de dar' ....

Recorda-se que à vista do princípio da exatidão , previsto no art. 313 do CC, o credor não é obrigado a receber prestação diver­sa da que lhe é devida, a inda que mais valiosa. Assim, i nexiste a obrigação do credor de aceitar a /iud pro a lio (uma coisa por ou­tra). Aq ui cabe um parêntese: o credor não é obrigado, mas pode aceitar a substituição da prestação para, com isto, extinguir de modo indireto a relação obrigacional . Se aceitar, estaremos d iante da figura da dação em pagamento , prevista no art. 356 do CC, a q ual será aprofu ndada quando do estudo das formas ind iretas de pagamento.

8. ln Direito Civil . 4. ed. São Paulo: Método. 2009. p. 80.

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LUCIANO FIGUE IREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Na prova para Analista de Controle Externo - TCE/BA, banca FGV, ano de 2013, fo i cobrada a seguinte questão: João obrigou-se, contratualmente, a entregar para José o touro Barnabé que fora avaliado no mercado em RS 5.000,00 (cinco mil reais). Na data da entrega, por ter se apegado ao animal, João resolve entregar o tou­ro Benedito, mesmo ficando no prejuízo, já que este tinha sido avaliado em RS 10.000,00 (dez mil reais). Diante de tal situação, considerando os preceitos legais relativos ao pagamento, assinale a afirmativa correta. a) joão, sem a necessidade de anuência de José, efetua o pagamento através da entrega do touro Benedito. b) João, para adimplir a obrigação, efetua o pagamento da quantia de RS 5.000,00 (cinco mil reais), não restando qualquer prejuízo para José. c) José se recusa a receber o touro avaliado em RS 10.000,00 (dez mil reais) ou o valor em que o touro Barnabé foi avaliado, ou seja, R$ 5.000,00 (cinco mil reais). d) José se recusa a receber o valor do touro Barnabé, pois não teria qualquer compensação, mas não pode se recusar a receber o touro Benedito, mais valioso do que o touro Barnabé. e) josé se recusa a receber o touro Benedito, mas não pode se recusar a receber o equivalente em dinheiro do valor da avaliação do touro Barnabé, já que tal valor é o montante, em espécie, do objeto da pres­tação. O gabarito é a letra C.

A obrigação de dar coisa certa é uma obrigação positiva, que envolve a entrega, a apresentação de uma determinada coisa, já existente e identificada, seja pela tradição, para os bens móveis, seja pelo registro, para os bens imóveis.

Enquanto a coisa certa não for dada, mediante tradição ou re­gistro, a propriedade não será transferida, vigorando o princípio res perit domino suo; ou seja: a coisa perece em face do seu dono. Trata­-se de regra de ouro na resolução de um cem número de questões práticas, deitando suas raízes históricas no Código de Hamurabi.

A obrigação de dar coisa certa sucumbe, muitas vezes, diante do problema da perda do bem. Para entendermos a problemática da perda faz-se necessária a compreensão de três premissas:

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

a) Perda é uma expressão genérica, a qual envolve tanto o perecimento, como a deterioração. O perecimento é uma perda total. J á a deterioração é uma perda parcia l .

Logo:

Total: Perecimento

Parcia l : Deterioração

b) Como já i nformado, no d i reito pátrio a coisa perece para o seu dono - res perit domino sue. Assi m, o d ireito obri­gaciona l costuma se preocu par com a perda enquanto a prestação a inda está sob as mãos do devedor. De fato, se o credor já realizou o pagamento, recebeu a coisa e a perdeu por ato próprio seu, isto não se torna uma dis­cussão jurídica. Apenas i rá tocar o d i reito caso haja pre­sente algum vício red i bitório, tema da teoria geral dos contratos.

c) Sempre que houver a presença da culpa do devedor, as­sistirá ao credor também prerrogativa de pleitear perdas e danos , cumulando com outros pedidos.

Vistas as premissas, passamos ao tratamento das hipóteses.

Como proceder, na obrigação de dar coisa certa, se houver o perecimento (perda total) do bem antes da entrega?

O tema é tratado nos arts. 234 do CC, cuja leitura recomenda­mos. Assim:

a) Se o perecimento ocorrer sem culpa do devedor, a exemplo de um caso fortuito ou força maior, antes da tradição ou pendente condição suspensiva, aplicar-se-á a regra do res perit domino, de modo que a coisa perece em face do dono. Assim, a obrigação será resolvida . Extinta. O devedor experi­menta o prejuízo e restitui eventual crédito recebido, porque não mais será possível a entrega do bem, retomando-se o status quo ante.

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� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o TRE-RN/2005 foi considerada verdadeira a seguinte sentença: "Na obrigação de dar coisa certa, se a coisa se perder, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, sem culpa do devedor, não será ele responsável pelo equivalente e mais perdas e danos, mas deverá devolver ao credor o que já houver recebido pelo negócio".

b) Contudo, se houver culpa do devedor, o credor terá direito de restituição do equivalente mais as perdas e danos , ante a presença da culpa.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Delegado de Polícia da PC-RN/2009 foi considerada correta a seguinte assertiva : "Se determinada coisa se perder por cu lpa do devedor, este responderá pelo equ ivalente, mais perdas e danos".

Assim :

Sem culpa do Devedor: Resolve

a Obrigação

Com culpa do Devedor

{- Equivalente

�erdas e Danos

E se na obrigação de dar coisa certa houver a deterioração (perda parcial) do bem antes da entrega?

Quem se dedica ao assunto são os artigos 235 e 236 do CC, cuja leitura é indicada.

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a) Se a deterioração ocorrer sem culpa do devedor, a exemplo de um caso fortuito ou força maior, o credor poderá optar entre o abatimento proporcional do preço ou resolução da obrigação .

b) Contudo, se houver culpa do devedor , o credor poderá op­tar entre o abatimento proporcional do preço , somado as perdas e danos ; ou a resolução da obrigação, somada as

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

perdas e danos . Aqui se abre ainda ao credor o direito de exigir o equivalente do objeto .

Sem culpa do Devedor

Com culpa do Devedor

l Abatimento Proporcional ou Resolução

Abatimento Proporcional + Perdas e Danos ou Resolução + Perdas e Danos ou Equivalente + Perdas e Danos

E como proceder com os melhoramentos e acréscimos?

Os arts. 237 e 238 do CC regu lam o direito aos cômodos , os quais envolvem os melhoramentos, acréscimos e frutos . Segundo a regra, até a tradição pertence a coisa ao devedor, com os seus acréscimos e melhoramentos. Significa isto que o devedor possui direito de exigir do credor a complementação do preço, para a hipótese de valorização da coisa, antes da entrega, sob pena de desfazimento do negócio .

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o TRT-3• região/2009 foi considerada verdadeira a seguinte assertiva: "Nas obrigações de dar coisa certa, até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação". Neste sentido, no ano de 2013, em concurso para Analista Judiciário -Área Judiciária/ TRT 18ª Região, banca FCC, a alternativa que declarava que "na obrigação de dar coisa certa, até a ocorrência da tradição, a coisa pertence ao devedor, com seus melhoramentos, pelos quais pode­rá exigir aumento no preço" foi considerada verdadeira.

Portanto, o art. 237 do CC constitui importante exem plo de relativização do pacta sunt servanda, diante da função social do contrato, a qua l exige a equivalência material entre as prestações, evitando-se o enriq uecimento sem causa e o locu pletamento ilícito.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEI REDO

Sendo correto afirmar que onde há a mesma razão se aplica o mesmo direito, é possível sustentar que, por analogia, caso haja desvalorização da coisa se impõe a aplicação da mesma discipl ina. Desta forma, se o bem desvalorizar antes da entrega, surge o direi­to ao abatimento no preço, sob pena de desfazimento do negócio, como visto acima.

Quanto aos frutos , antes da tradição ou do registro (antes da entrega), é importante lembrar que estes podem ser colhidos na­turalmente, precipitadamente ou, ainda, podem estar pendentes à época da transferência (da entrega).

Os frutos naturalmente colhidos são do dono à época da colhei­ta; ou seja: do devedor que ainda não entregou o bem, haja vista ainda não ser o momento da entrega. Aplica-se, para este caso, o princípio segundo o qual o acessório segue a sorte do principal (princípio da gravitação jurídica, art. 92 do CC). À vista desta regra tam bém é possível afirmar que se o fruto está pendente à época da transferência, o credor que recebe a coisa passa a titu larizar o direito pelo acessório, de modo que será dono do fruto, devendo reembolsar as despesas de produção e custeio.

Se o fruto, porém, é colhido precipitadamente, antes da tradi­ção ou do registro, significa dizer que o devedor praticou ato ilícito, pois retirou o fruto anter tempus. Neste caso, o princípio segundo o qual ninguém pode se beneficiar da própria torpeza prevalece em detrimento do princípio segundo o qual o acessório segue a sorte do principal. Haverá o devedor de indenizar tais frutos.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em prova para o cargo de analista judiciário do TRF-4a região/2007 a res­posta correta fora aquela que possuía o seguinte teor: "Nas obrigações de dar coisa certa, os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes".

Dando seguimento ao tratamento do tema obrigação de dar coi­sa certa, o Código Civil traz disciplina específica sobre a obrigação de restituir. Tem-se tal modal idade obrigacional em face do depo­sitário, locatário e comodatário, que devem, ao final do contrato, restituir a coisa ao seu credor. Há mera devolução da posse direta.

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Assim, o Código Civil abre tratamento específico sobre o tema, nos artigos 238 usque 241, como advertem PABLO STOLZE E RODOLFO PAMPLONA F1LH09• Nessa esteira:

a) Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder (perecer), antes da tradição, sofrerá o credor a perda e a obrigação se resolverá.

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o TRT-14• região/2011 foi considerada verdadeira a seguinte afirmativa: "de dar coisa certa, se a obrigação for de restituir coisa certa e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda". Neste mesmo sentido, em concurso para Procurador Municipal no Estado de Roraima/2010, a seguinte sen­tença foi considerada incorreta: "Romero comprometeu-se a restituir coisa certa a Mateus, em data previamente definida, mas, antes de efetivada a tradição, a coisa se perdeu, sem culpa do Romero. Nessa si­tuação, Romero deve assumir integralmente o ônus da perda, devendo restituir a Mateus um objeto com as mesmas características ou pagar­-lhe, a títu lo de perdas e danos, valor equivalente".

b) Se a coisa se perder (perecer) por culpa do devedor, res­ponderá este pelo equivalente, mais as perdas e danos .

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Auditor do Estado do Espírito Santo/2009 foi conside­rada correta a seguinte assertiva: "Submetido a um contrato escrito, Ju­randir, pecuarista da região do sul do Mato Grosso, deveria restituir, no dia 11 de agosto, o touro reprodutor Mimoso, pertencente a Marculino, que tem sua fazenda em Minas Gerais. Porém, Jurandir não devolveu o touro por puro descaso. Recentemente, forte e inesperada chuva cau­sou a morte inevitável do touro. Nessa situação, não existe amparo da imprevisibilidade ou do caso fortuito e força maior".

c) Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal q ual se ache, sem direito a indeni­zação.

9. ln Novo Curso de Direito Civil . Vol. l i . 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 40.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

d) Se houver culpa do devedor, responderá este pelo equiva­lente, mais as perdas e danos .

Malgrado a omissão legislativa, entendemos que nada im pede ao credor receber a coisa no estado em que se encontre, ante a perda parcial, pleiteando as perdas e danos.

Em relação aos melhoramentos, acréscimos e frutos na obriga­ção de restituir, há d uas possibi l idades:

a) Se tais benefícios são agregados à coisa principal, sem con­curso de vontade ou despesas do devedor, lucra o credor, sem direito à indenização (art. 241 do CC);

b) Caso os benefícios tenham exigido concurso de vontade ou despesas para o devedor, o Código ordena que se apl iquem as regras relativas aos efeitos da posse (art. 242 do CC); ou seja:

(i) Possuidor de Boa-Fé: Terá direito de indenização e re­tenção pelas benfeitorias necessárias e úteis. Em rela­ção às voluptuárias, poderá levantá-las, sem detrimento da coisa principal . Será indenizado pelo valor atual.

(ii) Possuidor de Má-Fé: Terá apenas d ireito de indenização pelas benfeitorias necessárias. Aqu i o reivindicante po­derá optar, ainda, se indenizará pelo valor atual ou de custo.

São disposições muito próximas à perda do objeto na obrigação de dar coisa certa. Justo por isto, informa o Enunciado 15 do CoNsELHo

oA Jusr1ÇA FEDERAL que as disposições do art. 236 do CC - que autorizam, na hipótese de culpa do devedor, que o credor exija o equivalente, ou aceite a coisa no estado em que se ache, com direito a reclamar, em ambos os casos, perdas e danos - também se aplicam ao art. 240. Vale dizer: nas obrigações de restituir deve-se aplicar a mesma lógica jurídica do que está previsto no art. 236, em fiel respeito ao princípio da conservação do negócio jurídico e da autonomia pri­vada, como adverte FlÃv10 TARTUCE'º. Até mesmo porque, registra-se, a obrigação de restitu ir é uma obrigação de dar coisa certa.

10. l n Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 78.

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para PFN/2012 foi considerada falsa a seguinte proposição: "Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação pelo pagamento do valor equivalen­te." Ainda neste sentido, em para o TRT-14• região/2011 foi considerada verdadeira a seguinte assertiva: "Nas obrigações de dar coisa certa, se a obrigação for de restituir coisa certa e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda".

3.1.2. Obrigação de Dar Dinheiro (Pecuniária)

Digno de nota a novidade trazida pelo Código Civil quanto à positivação da obrigação pecuniária. Em verdade, nada mais é se­não u ma obrigação de dar d inheiro, modal idade, portanto, de uma obrigação de dar coisa certa. Consistem na entrega, pelo devedor ao credor, de um determinado valor em dinheiro, havendo adim ple­mento obrigacional .

Na forma dos arts. 315 e 947 do CC, sem precedentes na legis­lação anterior, as dívidas pecuniárias devem ser pagas em moeda corrente,no lugar do cumprimento, pelo valor nominal (princípio do nominalismo). Este valor é aquele fixado pelo Poder Público quan­do da emissão ou cunhagem da moeda, como adverte CARLos Rosrnro GoNÇALVES11•

Em u ma análise fria do princípio do nominalismo, quem empres­ta 50 (cinquenta), deve receber 50 (cinquenta), mesmo com as valo­rizações ou desvalorizações. Para combater a quebra da equivalên­cia materia l das prestações, soma-se ao nominal ismo a necessidade de correção monetária, generalizada pela Lei 6.899/81 para dívidas em dinheiro de qualquer espécie. Diuturnamente há vários índices de utilização possível, como IPC, TR, IGPM . . .

Ainda em busca da equivalência material das prestações Ousti­ça contratual), o art. 317 do Código Civil permite ao juiz corrigir os valores alterados por fatores imprevisíveis, novamente equal izando

11. l n Direito das Obrigações - Parte Geral. V. 5. São Paulo: Saraiva, i998. p. 62 .

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

a relação. Trata-se de tema com íntima relação com a teoria da imprevisão.

Nesta l inha do nominalismo, o art. 318 do CC veda, como regra, o pagamento em ouro ou moeda estrangeira. Trata-se, em regra, de ato jurídico nulo. Excepcionalmente, porém, permite-se pagamento em moeda estrangeira, se for hipótese de obrigação (contrato) in­ternacional, ou autorizado em lei especial ."

• Atenção!

Comungamos do entendimento de FLÁv10 TARTUCE, para quem as astreintes não são possíveis nas obrigações pecuniárias, por falta de previsão le­gal, como já entendeu o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO Rio GRANDE DO Sul e o TRIBUNAL OE

JUSTIÇA DE MINAS GERAIS12•

Vencido o estudo da obrigação de dar coisa certa, passamos, agora, a verticalizar a obrigação de dar coisa incerta.

3.1.3. Obrigação de Dar Coisa Incerta ou Genérica

A obrigação de dar coisa incerta, também denominada de obri­gação genérica, é aquela cujo objeto está individualizado apenas no seu gênero (espécie)13 e quantidade, carecendo de q ual idade (art. 243 do CC)'4• Exemplifica-se com a obrigação de entregar 15 (quinze) sacas de cacau. Há espécie (cacau) e q uantidade (quinze sacas). Todavia, como não houve ainda individual ização, não há qualidade.

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o TJSC/2010 foi considerada verdadeira a seguinte afir­mativa: "Nas obrigações de dar coisa incerta, a coisa deve ser indicada ao menos pelo gênero e pela quantidade".

12. ln Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 80, onde os julgados dos aludi­dos Tribunais também estão catalogados.

13. Malgrado a doutrina falar em espécie, o Código Civil utiliza-se da expressão gê­nero. o futuro aprovado deve ficar atento, inclusive, nas provas objetivas.

14. Apesar do art. 243 do CC afirmar que a coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade, tecnicamente é mais correto utilizar o signo es­pécie no lugar do gênero, termo extremamente genérico.

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

• Atenção!

Em rigor técnico seria mais correto falarmos em obrigação com objeto determinado, para nos referirmos à obrigação de dar coisa certa; e de objeto determinável, para relacionarmos à obrigação de dar coisa incer­ta. Assim, haveria íntimo diálogo entre a validade dos negócios jurídicos e o direito obrigacional. Isto porque o art. 104 do CC fala em objeto determinado ou determinável, e não em certo e incerto.

Malgrado ser possível o objeto incerto (determinável), o fato é que, em algum momento, a coisa haverá de ser acertada, ind ivi­d ualizada ou determinada. Ao gênero e q uantidade haverá de ser somada a qual idade. Mas, como isto irá acontecer?

A operação jurídica que transforma o incerto (determinável) em certo (determinado) é denominada de concentração do débito ou da prestação. Esta, salvo disposição em contrário, caberá ao devedor (CC, art. 244). Nada impede, por conseguinte, que as próprias partes pactuem a escolha por parte do credor ou de terceiro. A norma é d ispositiva ou supletiva: aplica-se apenas no si lêncio das partes.

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o TRE-RN/2011 foi considerada falsa a alternativa que declarava que "nas obrigações de dar coisa incerta, nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao credor, se o contrário não resu ltar do títu lo da obrigação". Neste mesmo sentido, no concurso para Delegado de Polícia da PC-RN/2009 foi considerada incorreta a seguinte assertiva: "Nas obrigações de dar coisa incerta, determinada pe lo gênero e pela q ual idade, a esco­lha pertence ao credor".

Já no concurso para Oficial de Direito da ABIN/2012 foi considerada cor­reta a afirmação: "Denomina-se concentração do débito a operação que converte a obrigação genérica em determinada."

Destarte, a escolha d everá guiar-se por um critério médio. Não deverá ser escolhido nem o melhor e nem o pior objeto, mas sim o médio (intermediário), segundo o viés da boa-fé e eticidade (CC, arts. 113 e 245).

Após a escolha, passam a serem aplicadas as regras da obri­gação de dar coisa certa, mormente sobre a perda do objeto

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(perecimento ou deterioração). I nfere-se que a incerteza do objeto obrigacional é sempre transitória (relativa). Realizada a concentra­ção do débito, a obrigação se converte em dar coisa certa, de modo a incidir toda a já conhecida discipl ina jurídica a este respeito, inclu­sive no que se relaciona à perda do objeto.

� Atenção!

Está consolidado no direito civil a expressão segundo a qual o gênero não perece nunca (genus nunquam perit). Desta forma, não se deve apli­car para as obrigações de dar coisa incerta, antes da escolha do objeto, o regramento do res perit domino. É o que prescreve o art. 246 do CC. Sendo assim, se a perda do objeto ocorrer antes da concentração do débito, responderá o devedor, ainda que diante de um caso fortuito ou força maior.

Digno de nota que o Projeto de Lei 6.960/2002 relativiza essa regra nos seguintes termos: se perecer toda a espécie na qua l a dívida genérica havia s ido l imitada, poderá o devedor alegar perecimento ou deterioração . Por exemplo, se morre todo o rebanho, perece o gad o que seria escolhido dentro do mesmo. Registre-se: isto é um mero projeto de lei.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Na prova para Analista Administrativo - Direito - ANTI, banca organizado­ra CESPE, ano de 2013, considerou incorreta a assertiva: "Se a obrigação for de dar coisa incerta e o objeto, ainda não individualizado, se dete­riorar, a obrigação extinguir-se-á para ambas as partes".

p. Obrigação de Fazer (Obligatio Ad Faciendum)

Trata-se de uma obrigação positiva que impõe u ma conduta, um facere, uma prestação de fato para o devedor. E é justamente através da prática desta ação específica, entabulada na obrigação, que o devedor irá adimplir sua prestação.

Como obrigação que o é, o fazer em comento obedece aos limites dos direitos fundamentais. Não se admitirá uma obrigação de fazer contrária à dignidade da pessoa humana, à boa-fé e aos bons costumes.

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Para FLÃv10 TAR1ucE15, a obrigação de fazer pode ser fungível ou in­fungível. Nos dois casos se continua d iante de uma conduta positiva específica de um dado comportamento, que não consista apenas em um entregar. A diferença está apenas no fato de quem pode prestar a aludida conduta:

a) Fungível: Aqui pouco importa quem está cumprindo com a prestação (arts. 633 e 634 do CPC, com as alterações da Lei 11 .382/2006).

b) lnfungível: Personalíssima, seja pela natureza do bem, seja pela convenção das partes. Nesta, o devedor é o elemento

causal da obrigação.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Sobre este tema, em concurso para o TRT-2• região/2009 a expressão que afirmava "as obrigações de fazer, em razão de serem infungíveis, somente poderão ser executadas pelo próprio devedor, sendo, pois, "intuitu personae'"' foi considerada incorreta, pois é possível a verifica­ção de um fazer fungível.

Mas, como proceder na hipótese de descum primento da obri­gação de fazer?

A problemática do inadimplemento da obrigação de fazer deve considerar a presença, ou não, do elemento culpa no caso concreto. É dizer: sem culpa, resolve-se a relação obrigacional . Com culpa, surge o dever de reparar, pois a hipótese é de res­ponsabi l idade civil s ubjetiva por ato próprio, onde a Teoria da Culpa está presente.

Caso no descumprimento culposo a prestação não mais in­teresse ao credor, a so lução será o ressarcimento em perdas e danos. Exempl ifica-se com o longo atraso, culposo, d e um a nima­dor de festa ao an iversário de uma criança. O a lud ido a nimador possuía uma obrigação d e fazer pactuada. Ocorre q ue, ante ao descu mprimento culposo, provavelmente o credor não mais tenha interesse na prestação. Aqui , a solução, será a busca da repara­ção integral.

is. ln Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 80.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGU EIREDO

Entrementes, se a prestação ainda interessar ao credor, a saída será diversa. Vejamos.

A obrigação fungível é substituível. Assim, diante do descumpri­mento obrigacional culposo, poderá o credor, que ainda tem inte­resse no cumprimento, exigir que outra pessoa adim pla a obrigação, às custas do devedor, sem prejuízo da indenização cabível (CC, art. 249).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para o TRT-14• região/2011 foi considerada falsa a seguinte assertiva: "Nas obrigações de fazer, se o fato puder ser realizado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, o que o isentará da responsabilidade por perdas e danos".

Como pouco importa quem venha a cumprir com a obrigação, em caso de u rgência poderá o credor, de próprio punho e indepen­dentemente de autorização jud icial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido, como numa espécie de autotutela

civil ou justiça de mão própria, e logiada por SILVIO OE SALVO VENOSA16 e FlÃv10 TARTUCE17 (CC, art. 249, parágrafo único). Tal conduta já fora auto­rizada, até mesmo, pelo TRIBUNAL DE JusT1ÇA Do Rio GRANDE Do SuL'8•

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o TRT-2• região/2009 foi considerada verdadeira a al­ternativa que possuía o seguinte teor: "Na obrigação de fazer fungível pode o credor, em caso de u rgência, independentemente de autoriza­ção judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressar­cido".

Contudo, é importante notar que a expressão "será livre" é, de certo modo, polêmica, na medida em que enseja debate sobre a (des)necessidade do credor atuar sem passar, d igamos assim, pelo

16. ln Direito Civil . 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 83. 17. l n Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 85/86. 18. Acórdão 70015650724, oriundo de Porto Alegre, exarado pela Sexta Câmara Cível,

cuja Relatora foi a Desembargadora Liege Puricelli Pires. Data: 30.10.2008. DOERS 25.11.2008, p. 23.

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Judiciário. CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD19 adotam pos1çao intermediária e conciliatória, para admitir que esta atuação ocorra pela via extrajudicial, desde que se cuide dos excessos eventual­mente praticados pelo credor nestas situações. Os excessos haverão de ser punidos, registra-se, como abuso de direito, ocasionando responsabil idade objetiva (CC, art. 187).

Já a obrigação infungível é insubstituível. Assim, diante do des­cumprimento culposo, inicialmente poderá o credor, ainda interes­sado no adimplemento obrigacional, valer-se do pedido de tutela específica (medida de apoio), a exemplo de uma multa d iária - as­treintes (CPC, art. 461 e 645; bem como CDC, art. 84) - somada ao pleito de perdas e danos (CC, art. 248). Caso não haja mais inte­resse, ou possibilidade de adimplemento, tudo será convertido em perdas e danos.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para Advogado do Senado Federal/2008 a alternativa que foi considerada incorreta possuía o seguinte teor: "Nas obrigações de fazer de caráter infungível, é obrigatório o pedido cominatório, cujo meio é a imposição de pena pecuniária com caráter punitivo". Nesta mesma questão, uma outra assertiva foi considerada correta, pois afir­mava que "A medida coercitiva nas obrigações de fazer não substitui o cumprimento da obrigação, sendo considerada medida de apoio".

Aqui o Código Civil merece interpretação sistemática com o Có­d igo de Processo Civil. Isto porque o direito processual apresenta importantes mecanismos de efetividade, como identificam PABLo Srnm E RODOLFO PAMPLONA FILHO'º.

Já houve tempo em que o d ireito enxergava a l iberdade huma­na como plena. Neste cenário, a Teoria da Incoercibilidade da Von­tade Humana era absoluta. Ou seja: se o devedor não deseja cum­prir com a sua obrigação de fazer pessoal, a única via possível seria a reparação pecuniária do credor. Isto, porém, gerava um grande senso de irresponsabil idade, mormente para os mais abastados.

19. ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 105. 20. ln Novo Curso de Direito Civil. Vol. li. 6. ed. São Paulo Saraiva, 2008. p. 38.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Com o passar do tempo, o Processo Civil passou a flexibilizar a Teoria da Incoercibi l idade Humana, desde que respeitados os direi­tos fundamentais. Passaram a ser utilizados mecanismos de coerção, com tutelas específicas, com o fito de proporcionar o adimplemento in natura, sem embargo das perdas e danos.

Neste cenário, sintetizando o tema, eis um quadro i lustrativo da Tutela Jurisdicional de Obrigação de Fazer e das medidas as quais o magistrado pode lançar mão:

CPC, art. 461. CPC, arts. 639/ 461. Lei 11.340/06, art. 22.

Inibe o devedor me­diante multa diária (as­treimes). O Juiz fixa pra­zo para cumprimento da prestação.

A sentença substitui a vontade do inadim­plente. Supre a vonta­de não emitida. Chega­-se ao efeito prático equivalente.

A medida de remoção do ilí­cito pode ser ilustrada com o mandado de distanciamen­to da Lei Maria da Penha, a demolição de um muro, o desbloqueio de uma rua.

A remoção de pessoas ou de coisas, o desfazimento de obras, as demol ições judiciais, o impedimento de atividades nocivas, tudo isto constitui alguns dos mais variados exemplos apresentados pelo Processo Civil sobre a obrigação de fazer.

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?

Acerca do mandado de distanciamento, já entendeu o SuPERJOR TRrsuNAL oE J usnÇA que não se faz necessário listar os locais nos quais o suposto agressor há de respeitar a medida, sendo esta válida em qualquer local onde a vítima esteja. Tal conduta, segundo o STJ, não vai de encontro ao direito de ir e vir. Vide notícia de 11 .02.09:

80

Juiz pode fixar a distância que o agressor deve manter da vítima, em vez de listar lugares.

Em casos de violência doméstica, é perfeitamente legal ao juiz da causa fixar, em metros, a distância que o agressor deve manter da vítima, não sendo ne­cessária a nominação de lugares a serem evitados. A conclusão é da Quinta Turma do Superior Tribunal de justiça, ao negar recurso em habeas corpus a um agressor do Amapá.

Em primeiro grau, o juiz determinou a distância que o acusado deveria man­ter da vítima. além da obrigação da provisão de alimentos, medidas de proteção previstas na Lei Maria da Penha. Ao julgar habeas corpus, o Tribu­nal de Justiça manteve tais medidas urgentes determinadas pelo magistrado

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CLASSIFICAÇÃO OAS OBRIGAÇÕES

de primeiro grau, sem a 01t1va prévia do então paciente, assim como os alimentos provisionais. No recurso para o STJ, a defesa alegou que cabia ao magistrado identificar claramente os locais que o paciente não poderia frequentar. "O magistrado, na prática, o proibiu de frequentar qualquer local público ou privado, já que a indeterminação do comando o coloca em risco de ser preso por se encontrar em qualquer local onde, porventura, a ofen­dida esteja presente", sustentou.

O advogado afirmou, ainda, a existência de constrangimento ilegal quanto à fixação dos alimentos provisionais, em razão da "possibilidade de vir a ser decretada a prisão do [ . . . ] paciente pelo inadimplemento de obrigação imposta ao arrepio da legislação de regência". Segundo argumentou, a deci· são impõe obrigação a ser adimplida em favor de quem sequer comprovou, como exige a lei, ter o direito de requerer o benefício, baseando-se exclusi­vamente na alegação da ofendida.

Em parecer, o Ministério Público Federal afirmou que a proibição de apro­ximação não infringe o direito de ir e vir, consagrado no artigo 5°, -m, da Constituição Federal. "A liberdade de locomoção do ora paciente encontra limite no direito da vítima de preservação de sua vida e integridade física. Na análise do direito à vida e à liberdade, há que se limitar esta para asse­gurar aquela", afirmou a subprocuradora.

Após examinar o recurso em habeas corpus, a Quinta Turma negou provimento. "Conforme anotado no parecer ministerial, nos termos do artigo 22, inciso Ili, da Lei n. ii.340/o6, conhecida por Lei Maria da Penha, poderá o Magistrado fixar, em metros, a distância a ser mantida pelo agressor da vítima - tal como efetivamente fez o juiz processante da causa", considerou o ministro Napoleão Nunes Maia, relator do caso. Segundo o ministro, é desnecessário listar quais os lugares a serem evitados. "Uma vez que, se assim fosse, lhe resultaria bur­lar essa proibição e assediar a vítima em locais que não constam da lista de lugares previamente identificados", observou. Quanto à alegação de não haver parentesco entre o suposto agressor e a menor envolvida nos fatos, o relator afirmou que tal análise demandaria exame incompatível com o habeas corpus. "Não existem elementos suficientes nos autos a comprovar as alegações feitas pelo recorrente, sendo, pois, passível de verificação mediante procedimento judicial próprio", concluiu o ministro Napoleão Nunes.

Outrossim, o mandado de distanciamento vem sendo utilizado em outras se­aras, diversas da Maria da Penha, por analogia. Exemplifica-se com o famoso caso Carolina Dieckmann. Para aprofundamento do estudo do mandado de distanciamento e sua aplicação na seara da tutela dos direitos da personali· dade, deve o futuro aprovado buscar o Volume de Parte Geral.

Em arremate, cumpre anotar algumas considerações quanto ao rol de tutelas específicas do art. 461 do CPC:

• Trata-se de rol meramente exemplificativo, sendo possível a utilização de outras medidas.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEI REDO

• As medidas específicas podem ser concedidas de ofício .

• É possível, durante o processo, que o ju iz ampl ie, reduza ou modifique a tutela específica até que encontre a medida adequada.

• O descumprimento das medidas impostas pelo juiz configura crime de desobediência (CP, art. 330), quanto ao particular; e de prevaricação, quanto ao servidor público, a lém das de­mais sanções processuais, como a litigância de má-fé a quem é parte ou o contempt of court a quem não é parte (CPC, art. 14, parágrafo único).

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA21 sobre o tema?

Em julgado de dezembro de 2011, o SUPERIOR TRIBUNAL DE ]USTIÇA22 reafirmou o

entendimento segundo o qual a decisão que arbitra astreintes não faz

coisa julgada, estando o magistrado autorizado a impor essa coerção

de ofício ou a requerimento da parte, cabendo-o, da mesma forma,

revogar a medida acessória nos casos em que a multa se torna desne­

cessária.

Também é interessante saber que o SUPERIOR TRIBUNAL OE ]USTIÇA'l ad mite a

utilização da exceção de pré-executividade, chamada ainda de objeção

de não executividade, para discutir matéria atinente às astreintes.

Caso a tutela específica não gere o cumprimento obrigacional, caberá ao credor apenas as perdas e danos (CC, art. 248). Isto se justifica ante o princípio da conservação dos negócios jurídicos, que mantém íntima relação com o princípio da função social dos contra­tos (Enunciado 22, CJF).

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?

Segu n d o a Súmula 410 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JusT1çA é imprescindível a

prévia intimação pessoal do devedor como condição necessária à cobrança da m ulta pelo descumprimento da obrigação de fazer ou

não fazer.

21. Resp. 1.019.455. 22. Resp. 1.019-455-23- Resp. i.019.455.

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CLASSIFICAÇÃO OAS OBRIGAÇÕES

Trata-se de importante regra processual que, quando não observada, gera grandes problemas práticos, pois a Corte Superior, a plicando o verbete, afastará eventual mu lta se o feito não observar o detalhe da intimação, causando, muitas vezes, decepções ao credor que se imaginava titu lar da astreinte.

• Atenção!

É digna de nota a importante, porque desburocratizante, alteração do art. 634, parágrafo único do CPC, mediante a Lei n. ii.382/2006, que autoriza o exequente a adiantar as quantias previstas na proposta, a fim de que dada obrigação de fazer seja implementada por terceiro. Não sendo possível a prestação da forma originariamente pactuada, surgirá a possibilidade das perdas e danos, na forma do art. 247 do CC, apurando-se a culpa no caso concreto.

Então, arrematando o dito, como devemos proceder ante ao descumprimento de u ma obrigação de fazer?

Não Havendo Interesse do Credor: r

Perdas e Danos

Havendo Interesse no Cumprimento

! T�tela Específica

Perdas e Danos

3.3. Obrigação de Não Fazer (Obligatio Ad Non Faciendum)

A obrigação de não fazer está prevista nos arts. 250/25 1 do CC. É a única obrigação negativa admitida no Direito Privado.

Configura-se pelo compromisso de abstenção de uma conduta, de modo que o devedor fica proibido de praticar um d eterminado ato, sob pena de inadimplemento. É uma abstenção jurid icamente relevante. Exemplo: não despejar lixo em determinado local; não d ivulgar segredo industrial; não construir acima do terceiro andar; não abrir um estabelecimento comercial nesta vizinhança; não poluir o meio ambiente; não concorrer num determinado ramo do comér­cio, etc.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

CR1sT1ANo CHAVES oE FARIAS E NELSON RosENVALo'4 sustentam que a obrigação de não fazer é uma das que mais cerceiam a l iberdade humana, motivo pelo qual pode haver o controle judiciário do conteúdo de tais restrições. Para tanto, deve o Juiz analisar a prestação à luz da dignidade humana, dos valores constitucionais e da ordem econô­mica, devendo o aplicador do direito ter um especial cuidado com o objeto destas abstenções. Neste cenário, por exemplo, não são admitidas, em regra, obrigações de não caminhar em determinadas local idades, não casar, não sair da zona urbana . . .

Tal obrigação, no dizer da doutrina de FLÃv10 TARTUCE, é quase sem­pre infungível, personalíssima (intuitu personae) e indivisível pela sua natureza, nos termos do art . 258 do CC'5. Assim, a teor do art. 390 do CC, na obrigação negativa o devedor é havido por inadim­plente desde o dia em que executou o ato que deveria se abster'6•

Mas, quais as consequências do descumprimento da obrigação de não fazer?

Mais uma vez, em sendo um descumprimento desprovido de culpa do devedor, a obrigação se resolve. Exemplifica-se com o su­jeito que se obriga perante o vizinho a não erguer o muro acima de determinada altura, mas é obrigado a fazê-lo por ordem do Poder Estatal. Aqui se resolve a obrigação, com o retorno ao status quo ante e devolução de eventuais valores.

Caso, porém, o descumprimento seja culposo, teremos que ve­rificar se está diante de uma obrigação transeunte (instantânea) ou permanente. Trata-se de classificação que leva em consideração o fato de a obrigação de não fazer ser reversível ou não.

A obrigação de não fazer transeunte (ou instantânea) é aquela onde só cabe ao credor, para o caso de inadimplemento, pedir perdas e danos. É i rreversível. Já na obrigação de não fazer perma­nente, o credor poderá exigir, caso tenha interesse, o desfazimento do ato (que pode ser feito por terceiro ou pelo próprio credor, conforme art. 637 do CPC), mais as perdas e danos.

24. l n Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen ]uris, 2006. p. 108. 25. ln Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 88. 26. ln Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 92.

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Inadimplemento Perdas e danos Desfazimento do ato

Exemplos. A obrigação de não prestar um serviço em uma em­presa concorrente é instantânea. O seu descumprimento culposo ocasionará o pedido de perdas e danos, pois resta impossível o desfazimento. Já a obrigação de não erguer um muro acima de de­terminada altura, é permanente. O seu descumprimento culposo au­toriza o pedido de desfazimento do ato, cumulado com as perdas e danos.

Acrescente-se, ainda, a existência de casos de urgência, diante dos quais o credor poderá realizar, por si, o desfazimento o objeto da obrigação descum prida, ou determinar o seu desfazimento por outrem, independentemente de autorização judicial, sendo, poste­riormente, ressarcido pelas despesas com o retorno ao status quo ante.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Defensor Público de Sergipe/2012 a assertiva conside­rada correta foi a seguinte: "Em se tratando de obrigações de não fazer, caso o devedor pratique o ato a cuja abstenção se tenha obrigado, o credor poderá exigir que ele o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, obrigando-se o culpado a ressarcir perdas e danos."

� Atenção!

Assim como na obrigação de fazer, no descumprimento culposo da obri­gação de não fazer é possível a aplicação das tutelas específicas (CPC, art. 461) e da autotutela (CC, art. 251). Isto porque obrigação de fazer e não-fazer são verso e reverso da mesma moeda, aplicando-se a mesma leitura processual realizada no tópico que versa sobre a obrigação de fazer.

Logo, na obrigação de não fazer permanente pode o credor pleitear uma multa diária até o desfazimento, mais as perdas e danos. Além disto, se a hipótese for de urgência, poderá o próprio credor desfazer; de próprio punho, ou mandar que terceiro o faça, independentemente de ordem judicial e sem embargos do pedido de perdas e danos.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para o TRT-?" região/2009 foi considerada inverídica a se­guinte assertiva: "se extingue a obrigação de não fazer se, por culpa do devedor, se lhe tornar impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar".

Em síntese, portanto, diante do descumprimento de uma obriga­ção de não-fazer, poderá o operador do direito:

Se o descumprimento for SEM CULPA DO DEVEDOR: Resolve-se a obrigação

Não Havendo Interesse do Credor:

Perdas e Danos

Havendo Interesse no Cumprimento

l :utela Específica

Perdas e Danos

4. CLASSIFICAÇÃO QUANTO A PRESENÇA DOS ELEMENTOS OBRIGACIONAIS

Se considerarmos os elementos obrigacionais (sujeitos, presta­ção e vínculo jurídico), poderemos observar que as obrigações se classificam como simples ou compostas.

Simples são as obrigações que se caracterizam pela singu lari­dade de sujeitos e de prestação. São aquelas que só possuem um credor, um devedor e uma prestação. Compostas são as obrigações com mais de um objeto ou sujeito. São aquelas caracterizadas ou pela multiplicidade de objetos, ou de sujeitos.

Neste tópico, enfatizaremos as obrigações compostas pela mul­tiplicidade de objetos e, depois, as obrigações com postas pela mul­tiplicidade de sujeitos.

4.1. Obrigações Compostas pela Multiplicidade de Objetos

As obrigações com postas pela mu lti plicidade de objetos podem ser (i) comutativas-conjuntivas ou (ii) alternativas-dijuntivas_

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

São comutativas ou conjuntivas as obrigações compostas pela multipl icidade de objetos, obrigando-se o devedor ao cumprimento de todas as prestações da relação obrigacional, cumulativamente. Exem plo: o devedor se compromete a construir a casa e a pintá-la. Há cumulação, soma de objetos. Caso o devedor apenas construa, haverá inadimplemento obrigacional .

Já as alternativas ou disjuntivas são obrigações compostas pela multiplicidade de objetos, nas quais o devedor somente necessita adimpl ir uma das prestações estabelecidas na relação obrigacional. A obrigação alternativa está contida no conceito de obrigação com­posta, sendo identificada, em regra, pela conjunção disjuntiva ou. Exemplo: o devedor se compromete ou a construir a casa ou a pin­tar uma casa já construída.

As obrigações alternativas estão previstas no art. 252 e seguin­tes do CC. Para WASHINGTON DE BARRos MoNrE1Ro27, tais obrigações apre­sentam du pla vantagem, pois aumentam, por parte do devedor, as perspectivas de cumprimento da prestação e, simultaneamente, di­minuem os riscos a que os contratantes se acham expostos.

Mas, se há uma alternância de objetos, a quem caberá a escolha?

Em regra, a escolha do objeto (concentração da prestação) ca­berá ao devedor, se outra coisa não se estipular, ou não se extrair da interpretação do caso concreto. Aqui se insere o brocardo: electa una via, altera non datur; ou seja: eleita uma via, não há retorno.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para Auditor Fiscal da Receita Estadual do Rio de Janei­ro/2011 a alternativa que declarava que "Nas obrigações alternativas, caso não tenha sido estipulado de forma diferente, a escolha incumbirá ao credor" foi considerada incorreta.

No ano de 2013, ainda sobre obrigação alternativa, foi cobrada a seguin­te questão na prova da ANS: (FUNCAB - 2013 - ANS - Atividade Técnica de Suporte - Direito) No Código Civil em vigor, a norma que estabelece que "a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não se estipulou", diz respeito à seguinte modalidade: a) obrigação de dar coisa certa

27. ln Curso de Direito Civil - Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2004. p. no.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

b) obrigação de dar coisa incerta c) obrigação de fazer d) obrigação de não fazer e) obrigação alternativa A assertiva correta é a letra E.

Se houver uma pluralidade de optantes, a escolha haverá d e ser unânime. E m n ã o existindo unanimidade no prazo del ineado n a obrigação, a escolha caberá ao juiz (CC, art. 252, §3° ) . S e não houver prazo estabelecido no vínculo obrigacional, este será de io (dez) dias, contados da citação (CPC, Art. 571). No si lêncio, o magistrado irá suprir a escolha.

E poderia o devedor concentrar o débito parcia lmente em u ma prestação e parcialmente em outra?

Explica-se: se a obrigação i nforma que a prestação será prestar um serviço ou adimplir um valor, poderia o devedor concentrar, por exemplo, 50°b (cinquenta por cento) na prestação de um serviço e os outros 5oºb (cinquenta por cento) no pagamento de u m valor?

A resposta é negativa. A alternância impede que os objetos das prestações sejam confundidos e misturados, sendo proibido ao de­vedor adimplir parte em um objeto e parte em outro (princípio da indivisibilidade do objeto).

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para o TRT-8• região/2009 foi considerada falsa a seguinte afirmativa: "Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao credor, se outra coisa não se estipulou. Não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra. Se, por culpa do de­vedor, ambas as prestações se tornarem inexequíveis, deverá este pagar ao credor o valor da maior, além da indenização por perdas e danos". Importante salientar que, em que pese ser a assertiva considerada inve­rídica, o trecho ressaltado está correto, conforme explicação trazida aci­ma, diante da qual o deve-se observar que não pode o devedor concen­trar o débito parcialmente em uma prestação e parcialmente em outra.

Em sendo a obrigação de trato sucessivo, ou diferida no tem po, como proceder a escolha?

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Sendo a obrigação de trato sucessivo, d iferida no tempo, o d i­reito de escolha poderá ser real izado em cada um dos respectivos momentos, ante o jus variandi na hipótese. Gus1Avo TEPED1No'8 deno­mina tal casuística de balanceamento da concentração . Assim, em cada pagamento será exercido o d ireito de escolha.

Como proceder na hipótese de perda do objeto nas obrigações alternativas?

Assim como na obrigação de dar coisa certa, aqui irão i nfluir de sobremaneira perquirir se a perda é total (perecimento), ou parcial (deterioração), e a verificação se há, ou não, culpa na alu­d ida perda.

Vamos iniciar tratando do perecimento (perda total):

a) Se o perecimento foi sem culpa do devedor, a exemplo de um caso fortuito ou força maior, a obrigação se resolve (CC, art. 256).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz Substituto do TRF-ia região/2009 foi considerada inverídica a seguinte assertiva: "Nas obrigações alternativas, se todas as prestações se tornarem impossíveis em razão de força maior, ainda assim subsistirá a obrigação pactuada originariamente".

b) Se a escolha caberia ao devedor e o perecimento foi com culpa , haverá de adimplir ao credor o valor equivalente da prestação que por ú ltimo se impossibilitou, mais as perdas e danos.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para a Assembleia legislativa do Estado de São Pau lo/2010 foi considerada correta a seguinte assertiva: "Nas obrigações alterna­tivas, se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações, não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar".

28. ln Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 529.

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c) Se a escolha caberia ao credor e houve culpa do devedor no perecimento, o credor poderá escolher o valor de quais­quer das prestações impossibilitadas, mais as perdas e da­nos (CC, art. 255).

Já diante da deterioração (perda parcial):

a) Se a deterioração foi sem culpa do devedor, o débito será concentrado na prestação remanescente (CC, art. 253).

b) Se a deterioração foi com culpa do devedor:

b.1) e a escolha caberia ao credor, este poderá exigir a prestação remanescente, ou o equivalente da impossi­bilitada, mais as perdas e danos (CC, art. 255);

b.2) e a escolha cabe ao devedor, basta que este concentre o débito na prestação remanescente (CC, art. 253).

� Atenção!

No campo do Direito Processual, o art. 288 do CPC autoriza a elaboração de pedidos alternativos, toda vez que a obrigação, no plano do direito material, for alternativa.

Não confundir pedido alternativo, com pedido sucessivo. O pedido alter­nativo pressupõe a existência de uma obrigação alternativa na origem do Direito Material, e somente neste caso pode ser formulado pelo autor em sua petição inicial . Já o pedido sucessivo guarda relação de prejudicialidade, de modo que o magistrado somente examinará o pe­dido seguinte acaso não acolha o pedido anterior.

Uma questão controvertida na doutrina é a denominada obriga­ção facultativa , também chamada de obrigação com facu ldade alter­nativa ou obrigação com faculdade de substituição.

Apesar de não prevista explicitamente com este nome na lei, é defendida por parte da doutrina. Nesta modal idade obrigacional (para quem admite a existência da mesma), haveria apenas uma prestação , acom panhada por uma faculdade a ser exclusivamente realizada pelo devedor, de acordo com a sua opção ou conveniên­cia, no sentido de substituir a prestação, de modo que o credor não poderia exigir qualquer tipo de alternância.

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Portanto, a obrigação facu ltativa seria uma obrigação simples, como sustentam MARIA HELENA D1N1z29 e S1Lv10 DE SALvo VENosA3º, trazendo a doutrina o exem plo do contrato estimatório ou por consignação (CC, art. 534). O poder de substituição da prestação é exclusivo do devedor.

Seguindo nas suas ilações, SíLv10 DE SALvo VENosAi1 apresenta o con­ceito da obrigação facu ltativa que se encontra no art. 643 do Código Civil Argentino, segundo o qual obrigação facultativa é aquela que, não tendo por objeto senão uma única prestação, dá ao devedor a facu ldade de substituir essa prestação por outra. Trata-se de impor­tante preceito que pode servir como um parâmetro ao entendimen­to da matéria no Brasi l .

Exemplifica-se: o devedor deve entregar um carro, mas, acaso não o tenha, deverá adimplir com uma prestação de serviço. Trata­-se de uma relação de preferência, e não de alternância.

4.2. Obrigações Compostas Pela Multiplicidade de Sujeitos

As obrigações solidárias são aquelas compostas pela multiplici­dade dos sujeitos que a integram, seja no polo ativo (solidariedade ativa), seja no polo passivo (solidariedade passiva), seja em ambos (solidariedade mista). Também se caracteriza pela unidade objetiva da obrigação (CC, art. 264).

Assim, há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito ou obrigado à dívida toda (unidade do objeto).

Duas questões devem, inicialmente, serem lembradas:

(i) A solidariedade não se presume, decorre de lei (solidarie­dade legal) ou da vontade das partes (solidariedade convencional)

- CC, art. 265. Pode decorrer da lei, por exemplo, quando conse­quente de um ato ilícito, a exem plo dos arts. 932 e 942 do CC, bem como no art. 7°, parágrafo único, do CDC, segundo o qual tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela

29. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. i24. 30. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 360. 3i. ln Direito Civil. 7- ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 89.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

reparação de danos. Outros exemplos de solidariedade legal são vistos na plural idade de inqui l inos de um mesmo imóvel urbano (art. 2° da Lei 8.245/91); plural idade de fiadores (art. 829 do CC) e pluralidade de comodatários (art. 585 do CC).

(ii) Decorrendo da autonomia privada, nada impede que a soli­dariedade seja pura ou simples, condicional, a termo ou com modo ou encargo, conforme rol exemplificativo do art. 266 do CC e o Enun­ciado 347 do C)F: "A solidariedade admite outras disposições de con­teúdo particular a lém do rol previsto no art. 266 do Código Civil". Com efeito, é até mesmo possível que a solidariedade seja, em um mes­mo vínculo, pura para um dos devedores e condicionada para outro.

Afirma-se que na solidariedade há uma relação jurídica interna (dentro do polo ativo ou do polo passivo), ao lado de uma relação jurídica externa (entre o polo ativo e o passivo). Isto é facilmente percebido pelo fato daquele que adimpliu poder exigir reembolso dos demais codevedores que não o tenham ajudado no pagamento (relação interna no polo passivo após a conclusão da relação externa entre credor e devedor). O mesmo ocorre com quem receber toda a dívida (relação externa), pois terá que redistribuir observando a quota-parte dos demais credores (relação interna no polo ativo).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

O concurso para provimento do cargo de Juiz - TJ-SP, banca organizadora VUNESP, ano de 2013, cobrou a questão a seguir:

Caio, Tício e Pompeu se fazem devedores solidários de um Credor pela quantia de RS 3 milhões, sendo que esta obrigação i nteressa igualmente a todos os devedores, e todos são solventes. Considerada essa hipóte­se, assinale a opção correta.

a) Paga a integral idade da dívida por Caio, nada poderá cobrar de Tício ou de Pompeu.

b) Paga a integralidade da dívida por Caio, poderá cobrar RS 2 milhões tanto de Tício quanto de Pompeu.

c) Qualquer dos 3 codevedores pode, ao dele se exigir a integralidade da dívida, opor ao Credor tanto as exceções que lhe forem pessoais quanto as exceções pessoais aos outros codevedores não demandados.

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d) Paga a integral idade da dívida por Caio, poderá ele cobrar RS i mi­lhão de Tício e RS i milhão de Pompeu.

O gabarito é a letra D.

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ClASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Para SíLv10 DE SALvo VENOSA3' a solidariedade se trata de um artifício técnico utilizado com o objetivo de reforçar o vínculo e facilitar o cumprimento da dívida, de modo que a total idade do seu objeto pode ser reclamada por qualquer um dos credores ou dos devedo­res, configurando, pois, obrigação unitária, in solidum.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz do TJ/PB/201 1 foi considerada incorreta a seguinte assertiva: "Nas denominadas obrigações "in solidum", embora os liames que unem os devedores aos credores sejam independentes, a remissão da dívida feita em favor de um dos credores beneficia os outros."

A solidariedade ativa (CC, 268) pode gerar, para o caso de um credor ajuizar ação judicial, o instituto da prevenção judicial, "po­dendo a satisfação da obrigação somente ocorrer em relação àquele que promoveu a ação", como sustenta MARIA HELENA D1N1z33.

O i nstituto da prevenção judicial é bem simples. Enquanto não houver demanda alguma, qualquer credor pode, extrajudicialmente, receber todo o valor; e qualquer devedor quitar toda a prestação. Contudo, acaso um dos credores, por hipótese, venha a ajuizar ação de cobrança, por exem plo, nenhum devedor poderá mais realizar o pagamento de modo extrajudicial. A prevenção impõe que o paga­mento somente aconteça dentro do processo. Importante lembrar, por conta do art. 219 do CPC, que a prevenção ocorre a partir da citação (a citação torna prevemo o juízo).

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD34 apresentam elucidativo exemplo de sol idariedade ativa nos contratos bancários: conta con­junta. Nesta, cada correntista é, isoladamente, credor do contrato, de modo a poder sacar o numerário e exigir do banco o cumpri­mento de suas obrigações.

A denominada refração do crédito solidário é prevista no art. 270 do CC, que traz disciplina sobre eventual morte de um dos cre­dores no bojo de uma relação que contenha solidariedade ativa.

32. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 98/99. 33. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 299. 34. ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. i48.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

Sabe-se que a obrigação se transmite causa mortis até as torças da herança , de modo que, com o óbito, haverá a refração do crédito, ou seja, da obrigação, nos l imites da quota hereditária recebida. Ex: credor de RS 12.000,00 (doze mil reais) falece e deixa 3 (três) fi lhos herdeiros. Cada um destes herdeiros somente poderá exigir uma quota de RS 4.000,00 (quatro mil reais). A regra só não incide acaso a obrigação seja indivisível, por razões óbvias.

A refração do débito solidário, por sua vez, está prevista no art. 276 do CC. Se um dos devedores solidários falecer e deixar her­deiros, estes serão obrigados a pagar apenas a quota que corres­ponder ao quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível.

Sendo a dívida indivisível, qualquer herdeiro pode ser constran­gido a realizar toda a prestação. Sendo divisível, ou se pretende contra o herdeiro, nos limites do seu quinhão, ou se pretende contra todos, reunidos na qual idade de litisconsórcio passivo necessário.

� Atenção!

A morte cessa a solidariedade, responsabilizando-se eventuais herdei­ros apenas até os limites da força da herança. Como já vimos, para tal hipótese incide o instituto da refração do crédito ou do débito solidário, o que se conforma com o instituto processual da saisine (CC, art. i.784) e das forças da herança (CC, art. i.792).

O devedor solidário demandando em processo poderá arguir as suas exceções (defesas) pessoais e as demais defesas (exceções) comuns. As exceções pessoais são incomunicáveis, pois relacionadas apenas ao sujeito. Exemplifica-se com um vício de consentimento, a exemplo de um devedor que fora coagido a celebrar o contrato. Apenas ele - o coagido - poderá arguir tal fato em defesa, buscando a anulabi l idade do vínculo (art. 171 do CC). O outro codevedor soli­dário não poderá fazê-lo. Caso, porém, tenha havido a quitação por parte de um dos codevedores, quaisquer um deles poderá arguir, pois é uma questão comum (CC, art. 281).

Ainda neste sentido, o art. 273 prevê que o devedor não pode opor exceções pessoais ind istintamente aos credores solidários, ante a natureza personalíssima destas. Ex: "se o devedor foi coagido por um credor solidário a celebrar determinado negócio jurídico, a anu­labilidade do negócio somente poderá ser oposta em relação a esse

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

credor, não em relação aos demais credores, que nada têm a ver com a coação exercida", na lição de FLÃv10 TARTUcE35.

Importante, para não se d izer polêmico, é o assunto abordado no art. 274 do CC, ao informar que o ju lgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; enquanto que o julga­mento favorável aproveita-lhes, ao menos que se funde em exceção pessoal. Sobre o tema, existem doutrinas cíveis e processuais em sentidos variados. Vamos estudar, de modo breve, estes posiciona­mentos:

Posicionamento i - Se um dos credores vencer a ação, essa decisão atinge os demais, salvo se o devedor tiver em seu favor a lguma exceção pessoal passível de ser invocada a outro credor, que não participou do processo. Portanto, fora esta hipótese, o de­vedor não poderá apresentar defesa contra aquele credor que pro­moveu a demanda, havendo a extensão da coisa julgada aos que não participaram do processo (os credores apenas poderiam ser beneficiados, jamais prejudicados com a coisa julgada). Trata-se de posicionamento visto na obra coletiva coordenada por Gus1Avo TEPE01-No, HELOÍSA HELENA BARBOSA E MARIA (EUNA BODIN DE MORAES36•

Posicionamento 2 - Dois caminhos devem ser percorridos:

a) se o magistrado indeferir a defesa e se esta não for de na­tureza pessoal, o ju lgamento beneficiará a todos os demais credores.

b) se o magistrado indeferir a defesa e se esta for de natureza pessoal, o ju lgamento não interferirá no direito dos demais credores. É o que pensam PABLo SroLZE E RoDoLrn PAMPLONA F1LH037.

Posicionamento 3 - A parte final do art. 27 4 do cc não teria sen­tido. Impossível a exceção pessoal existir a favor do credor, pois a mesma, se existisse, seria a favor do devedor.

Para FRrn1E D1D1ER ]uN10R "O julgamento favorável ao credor não pode ser fundado em exceção pessoal, a legação de defesa que é; se assim

35. ln Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. ioi. 36. ln Código Civil Interpretado e Conforme a Constituição da República. Rio de Janei­

ro: Renovar, 2004. p. 552. 37. ln Novo Curso de Direito Civil. Vol. l i . 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 71/72.

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fosse, a decisão seria desfavorável e, por força da primeira parte do art. 274, não estenderia seus efeitos aos demais credores. Em resumo: não há julgamento favorável fundado em exceção pessoal; quando se acolhe a defesa, julga-se desfavoravelmente o pedido. A parte final do art. 274, se interpretada literalmente, não faz sentido". Este é o enten­dimento de FREDIE DIDIER38 e CARLOS BARBOSA MOREIRA39 ao se referirem à efi­cácia ultra partes - a submeter os demais credores, além daqueles que demandaram - no caso referido pelo artigo de Lei.

Em suma: se um dos credores perde em juízo, isto não inter­fere, não é eficaz, em relação aos outros. Se o credor vai a juízo e ganha, esta decisão beneficiará os d emais credores, salvo se o d evedor tiver exceção pessoal que possa ser oposta a outro cre­dor, não participante do processo. Com efeito, em relação àquele que promoveu a d emanda, o d evedor nada m ais pode opor (CPC, art. 47 4).

Ainda sobre a solidariedade, cumpre apresentar breves notas do instituto da prescrição em situações como estas, pois o Código Civil estabelece este diálogo com o direito obrigacional, especifica­mente nos arts. 201 e 204. Veja-se:

(i) o art. 201 do CC prevê que uma vez suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, esse efeito só aproveitará aos outros se a obrigação for indivisível .

(ii) o art. 204 do CC prescreve que a interrupção efetivada por um credor não aproveita aos outros, salvo se a obrigação for soli­dária ativa . Ex. Se um credor protesta título em cartório, a interrup­ção da prescrição aproveitará aos demais credores solidários.

Nas pegadas do art. 275 do cc, no pagamento parcial todos os demais devedores continuam solidariamente responsáveis pelo res­to. Nesse sentido, o Enunciado 348 do CoNsELHo oA JusT1ÇA FEDERAL afirma que o pagamento parcial não implica, por si só, a renúncia à solida­riedade, a qual deve derivar dos termos expressos da qu itação ou,

38. l n Regras Processuais no Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 76. 39. ln Solidariedade ativa: efeitos da sentença e coisa julgada na ação de cobrança

proposta por um único credor. Revista do Advogado da AASP. Homenagem ao Professor josé lgnácio Botelho de Mesquita. São Paulo: AASP, 2005. p. 69.

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

inequivocadamente, das circunstâncias do recebimento da prestação pelo credor.

Segundo o Enunciado 350 do mesmo CoNSELHo DA J usT1ÇA FEDERAL, a re­núncia à solidariedade diferencia-se da remissão. Isto porque nesta o devedor fica inteiramente l iberado do vínculo obrigacional, inclu­sive no que tange ao rateio da quota do eventual codevedor insol­vente, nos termos do art. 284 do CC. Ex. A é credor de B, C e D em RS 30.000,00 (trinta mil reais). A renuncia à solidariedade em relação a B. Neste caso, B será exonerado da sol idariedade, mas continua obrigado por RS 10.000,00 (dez mil reais). Os demais continuam res­pondendo solidariamente pelo resto (RS 20.000,00 - vinte mil reais).

Esta importante questão é tratada no Enunciado 349 do CoNsELHo

DA JusT1ÇA FEDERAL: "Com a renúncia da solidariedade quanto a apenas um dos devedores solidários, o credor só poderá cobrar do beneficiado a sua quota na dívida; permanecendo a solidariedade quanto aos de­mais devedores, abatida cio débito a parte correspondente aos benefi­ciados pela renúncia". Sob o aspecto processual, a teor do Enunciado 351 do CoNsELHo DA JusT1ÇA FEDERAL: "A renúncia à solidariedade em favor de determinado devedor afasta a hipótese de seu chamamento ao processo.".

Outrossim, o artigo 275 codificado aduz ainda que a propositura de ação em face de um, ou alguns dos devedores, não exonera os demais, os quais persistem solidariamente obrigados. Logo, se "Pí' é credor de "B", "C" e "D" (devedores solidários), e propõe ação apenas em face de "B", isso não quer significar que ele está renun­ciando a solidariedade em face de "C" e "D".

O que fazer na hipótese de perda culposa do objeto na obriga­ção sol idária?

Na hipótese de perda do objeto da obrigação solidária por cul­pa de um dos devedores, todos subsistem sol idariamente obrigados a indenizar o credor pelo equivalente da perda. Todavia, em rela­ção às perdas e danos, apenas será devida pelo culpado (CC, art. 279). Exemplifica-se. Imagine que "B", "C" e "D" são devedores soli­dários, por força do contrato, da entrega de um caminhão de soja para "A". Fica a cargo de "B" levar a a lud ida carga. "B", por desídia sua - embriaguez, por exemplo - tomba o caminhão e perde toda a

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carga. Aqui, "B", "C" e "D" subsistem solidariamente obrigados pelo equivalente da carga, mas apenas "B", o culpado, arcará com as perdas e danos.

,. Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para ju iz Substituto o TJ-T0/2007 foi considerada incorreta a seguinte assertiva: "Em uma obrigação solidária, caso a prestação se tor­ne impossível por culpa de um dos devedores, a obrigação se converte­rá em perdas e danos, extinguindo-se a solidariedade. Por isso, somente o codevedor culpado responderá pelos encargos decorrentes, seja o de pagar o equivalente em dinheiro pe la prestação que se impossibilitou, seja o de substituir a coisa devida por outra semelhante, seja, ainda, o de ser responsável por perdas e danos decorrentes da impossibilidade".

Ainda no tratamento da solidariedade, a dívida paga pelo deve­dor solidário a quem interessar exclusivamente o cumprimento da obrigação, impossibi lita o d ireito ao regresso (CC, art. 285). Assim, se há solidariedade entre o devedor principal e os fiadores, em função da renúncia ao benefício de ordem (art. 827/828 do CC), e o devedor principal q uita com a sua dívida, logicamente não há de se falar em ação regressiva em face dos demais devedores solidários - que seriam meros garantidores/fiadores.

,. Atenção!

Lamentav�lmente, o Código Civil não discipl inou, no campo das obriga­ções, a subsidiariedade, em que pese a relevância do tema na doutrina e, principalmente, na jurisprudência atual .

Na subsidiariedade há um benefício de ordem de excussão. Leia-se: pri­meiro há de ser atingido o patrimônio de um determinado sujeito e ape­nas na hipótese de persistência do inadimplemento, segue-se a execu­ção em face do segundo. É uma solidariedade com benefício de ordem.

Fica o registro em sintonia com a doutrina de PABLO STOLZE E RODOLFO PAMPLONA F1LH04º, que identificam a presença da subsidiariedade em várias passa­gens da legislação e jurisprudência, tais como o art. 46, V do CC (res­ponsabilidade subsidiária dos membros da sociedade pelas obrigações sociais), i.091 do CC (responsabil idade subsidiária dos membros da so­ciedade em comandita por ações), no art. 1.744 do CC (responsabilidade

40. l n Novo Curso de Direito Civil. Vol. l i . 6 . ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 77.

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

subsidiária do magistrado quando não exigir garantia legal do tutor) e, no campo do Direito do Trabalho, a Súmula 331, IV, do TST (responsabili­dade subsidiária do tomador do serviço na terceirização). O mesmo se dá no Código de Processo Civil quanto aos sócios que detém responsa­bil idade subsidiária a teor do arts. 595 e 596, além do empreiteiro nos contratos de subempreitada (CLT, 455).

5. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À DIVISIBILIDADE DO OBJETO

Quando falamos em obrigações solidárias, estamos a nos referir aos sujeitos. Já ao falarmos das obrigações indivisíveis, tratamos do objeto.

O art. 87 do CC já discipli nava, na Parte Geral, os bens divisíveis como os que podem se partir em porções iguais, autônomas e dis­tintas, sem alteração da substância. O artigo 257 do CC avança para situações ainda mais complexas de ind ivisibi l idade, para além da natureza do bem em si, discipl inando a obrigação divisível da se­guinte maneira : "Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações iguais e distintas, quantos os credores ou devedores".

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Procurador do Estado do Espírito Santo/2011 foi con­siderada correta a seguinte assertiva: "Segundo a regulamentação le­gal do Código Civil, se dois indivíduos são, juntos, devedores de RS 80.000,00 a terceiro, isso implica que cada um dos dois primeiros é devedor de RS 40.000,00 ao terceiro. Essa espécie de obrigação é deno­minada obrigação divisível."

Portanto, segundo a lei, é possível que uma relação obriga­cional seja fixada de modo a se admitir uma p lural idade de de­vedores ou credores, os quais arquem apenas com parte da dívi­da fracionável . Eis o b rocardo concursu partes fiunt (em havendo concu rso de credores ou devedores a obrigação fraciona-se). É o que afirmam CR1sT1ANo CHAVES oE FARIAS E N ELSON RosENVALo41. Esta é a regra geral do Código Civi l .

4 1 . l n Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p . 139.

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Nesta senda, estaríamos d iante das obrigações fracionárias ou parciais que não constituem um crédito coletivo, como as que de­correm de um condomínio, na forma do art. 3° da Lei 2.757/564' e do art. i .317 do CC. São obrigações passíveis, pois, de divisão (di­visíveis).

A obrigação será indivisível quando sua prestação não puder ser fracionada, seja ante a natureza do objeto, por motivo de or­dem econômica, ou em decorrência da vontade dos contratantes, que podem inserir esta cláusula nos negócios jurídicos. É o que afir­ma o art. 258 do CC.

Natural (natureza da prestação)

Jurídica (decorre da imposição da

Convencional (vontade das partes)

../

A grande discussão na obrigação indivisível é: como proceder com o pagamento caso haja uma plural idade de credores?

Dois caminhos possíveis (CC, art. 260):

a) O devedor convocar todos os credores para a entrega con­junta da coisa;

b) O devedor cumpri r a obrigação em face de um só credor, desde que obtenha deste a caução de ratificação dos de­mais. Trata-se de uma garantia pela qual este confirma que repassará o correspondente aos demais credores.

O a rtigo 263 do CC traz a principal diferença entre a obrigação ind ivisível e sol idária, qual seja: a perda do caráter daquela (in­d ivisibi l idade) quando convertida em perdas e danos. Isto jamais

42. Os condôminos responderão proporcionalmente pelas obrigações previstas nas leis trabalhistas, inclusive as judiciais e extrajudiciais.

43. O módu lo rural a que se refere a Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra) e as servidões prediais do art. 1.386 do CC são exemplos de indivisibilidade legal.

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ocorre na solidariedade. Explica-se: na forma do art. 263 do CC, a obrigação indivisível perde esta natureza quando convertida em perdas e danos; o que não ocorre com a solidária ativa, que per­manece com o dever do sujeito passivo obrigacional pagar a quem quer que seja .

Nessa ordem de ideias, informa o Enunciado 540 do CJF que em havendo perecimento do objeto indivisível, todos os devedores haverão de arcar proporcionalmente com o fato, de forma d ivisível . Todavia, as perdas e danos apenas serão devidas pelo culpado.

Isto porque a indivisibi l idade relaciona-se ao objeto. Com efeito, perdas e danos consistem em um objeto d ivisível . Já a solidariedade diz respeito ao sujeito. Persiste, mesmo diante das perdas e danos.

Outrossim, na obrigação indivisível, se houver plural idade de credores e um deles fizer a remissão (perdão), a cota parte corres­pondente deve ser abatida e compensada ao devedor. Explica-se com uma questão:

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Procurador do Estado - SP/2012 foi considerada cor­reta a seguinte proposição: "Havendo pluralidade de credores de obri­gação indivisível, cada um deles pode exigir a totalidade da obrigação, exceto se convertida em perdas e danos." E i ncorreta a proposição: "Havendo pluralidade de credores de obrigação indivisível, a remissão da dívida por um dos credores não prejudica os demais, que podem exigir toda a obrigação sem desconto ou, dada a impossibi l idade de cisão do seu objeto."

Na prova para Juiz Substituto do TRT-4• região/2012 foi considerada ver­dadeira a seguinte assertiva: "O credor de obrigação solidária pode exigir que apenas um dos devedores pague totalmente a dívida co­mum." E incorreta a proposição "No que tange às obrigações solidárias, é correto afirmar que a elas se aplicam todas as disposições referentes às obrigações indivisíveis.

Acerca da obrigação indivisível, na prova para Advogado - ITESP, banca VUNESP, ano de 2013, foi cobrada a seguinte questão:

Sobre a obrigação indivisível, é correto afirmar que:

a) havendo dois ou mais devedores, cada qual será obrigado a pagar a respectiva quota parte, aplicando-se a regra pro parte.

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b) o devedor que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros coobrigados.

c) se um dos credores remitir a dívida, a obrigação ficará extinta em relação aos demais.

d) não admite a transação, novação, compensação com apenas um dos credores, caso em que opera a extinção global do débito.

e) não pode ser convertida em obrigação divisível, pois cada devedor é obrigado pela dívida toda.

O gabarito é a letra B.

6. CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO FIM: OBRIGAÇÕES DE MEIO, RESULTADO E GARANTIA

Existem obrigações que são de resultado, porque o devedor se compromete (assume o risco) com a ocorrência de um determinado evento futuro, sob pena de responsabi l idade civil. Leia-se: apenas há cumprimento obrigacional, acaso atingido o resultado. Exemplo: "Eu prometo que você estará em casa às Bh, afinal de contas o meu transporte jamais atrasou, de modo que garanto, você não perderá o compromisso ajustado naquele horário". Visível que nesta hipótese o devedor assume não apenas a execução da atividade, como tam­bém a consecução do fim desejado, ou seja, do resultado pretendi­do pelo credor.

Na lição de SíLv10 oE SALVO VrnosA44, nesta modalidade de obrigação o resu ltado é o que importa, independente dos meios utilizados para tanto, de modo que apenas assim a obrigação será considera­da adimplida. O fundamental é saber o que o devedor prometeu e o que o credor pode razoavelmente esperar.

Exem plifica,se com o contrato de transporte (CC, art. 737). Neste o transportador haverá de lhe levar de um ponto a outro, sob pena, em regra, de responsabil idade civil.

Ainda na legislação codificada, outro exemplo é a promessa de fato de terceiro (CC. Art. 439 do CC). Aqui, se o contratado prometeu

44. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 52/53.

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ClASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

que o terceiro cumprirá com a avença, este haverá de fazê-lo. Pou­co importa afirmar que encetou todos os esforços para tanto. A obrigação é de resultado. Logo, caso seja prometido por um curso que irá levar um renomado professor para ministrar uma au la, ape­nas será cumprida a a ludida obrigação levando o referido mestre. Que fique claro: não se trata de hipótese na qual o curso possui mandato do terceiro, pois, se assim o fosse, o próprio terceiro figu­raria no contrato, como representado.

• Como se posicionou o SuPERIOR TRIBUNAL o e JusnÇA sobre o tema?

Em outubro de 2011 o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA decidiu que o dentista ortodôntico assume obrigação de resultado, de modo que sua respon­sabil idade civil será objetiva acaso o fim avençado não seja atingido (REsp. 1 .238.746).

Também entende a jurisprudência deste mesmo Egrégio Tribunal que o médico cirurgião plástico estético - cirurgia plástica embelezadora ou cosmetológica - assume obrigação de resultado (REsp. 236.708). Idem sobre o contrato de corretagem (REsp. 208.508).

Também é este o entendimento nos diversos Tribunais de Justiça do país, especialmente para os casos de cirurgia plástica cosmetológica (TJSP, AP. 132.990-4/2003) e dentista estético (TAMG, acórdão 0377927-1/2002).

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para Procurador do SEAD-PA/2005 foi considerada incor­reta a seguinte assertiva: "Nas obrigações de resu ltado, o descum­primento deve ser examinado na conduta do devedor, ou seja, deve ser aferido se o devedor empregou d i ligência no cumprimento da obrigação".

Na obrigação de resultado cabe arguição de excludente de res­ponsabi l idade civil?

Sim !

No caso de contrato de transporte, por exemplo, malgrado re­sistências doutrinárias, que serão enfrentadas quando da análise das excludentes de responsabi l idade civil, o art. 737 do CC firma a possibi l idade de arguição da força maior, especialmente o fortuito externo.

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� Como se posicionou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?

Em outubro de 2012 o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA decidiu que processo alér­gico posterior à cirurgia plástica estética é fortuito. Desde que o médico tenha agido com toda a diligência possível, não há de ser responsabi­lizado (REsp 985888 / SP. Rei. Min. Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Publicado em: 13/03/12).

Outras obrigações são as de meio. Nestas, o devedor não tem como (ou não deseja) se comprometer com o resu ltado. Ex: "pro­

meto que utilizarei todos os recursos existentes na medicina para lhe salvar; mas não tenho como garantir o resultado disto".

O devedor, portanto, obriga-se apenas a executar a atividade, com a maior probidade e di ligência possível. Nada mais. Mais uma vez, a doutrina de SíLv10 D E SALvo VENosA45é esclarecedora ao sustentar o exemplo com o médico e o advogado. Aquele não pode garantir a cura. O advogado, muito menos, o ganho da causa. Apenas poderão "empregar toda a sua técnica e diligência no sentido de que tais obje­tivos sejam alcançados".

É d izer: o que importa para se verificar se a obrigação de meio foi adimplida é saber se o devedor empregou efetivamente os meios e diligências existentes e cabíveis ao serviço que assumiu prestar. Se isto ocorreu, houve adimplemento.

Nos termos do art. 14, §4° do CDC os profissionais l iberais, como o advogado e o médico, por exemplo, assumem apenas obrigação de meio, daí porque a responsabil idade civil destes será subjetiva (responsabil idade civil por ato próprio, Teoria da Culpa). No mesmo sentido os profissionais da saúde a que se refere o art. 951 do CC.

Acerca do tema, reconheceu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que o serviço prestado por advogado é obrigação de meio e não de resultado. Segue a transcrição da ementa desta decisão, prolatada no ano de 2013:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DECLA­RATÓRIA DE I N EXISTÊNCIA DE DÉB ITO, ANULAÇÃO DE TÍTULO,

45. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 53.

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� Atenção!

CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

REPETIÇÃO DE INDÉBITO E I NDEN IZAÇÃO POR ABALO EXTRAPA­TRIMON IAL. ÔNUS DA PROVA. ADVOGADO. PRESTAÇÃO DE SERVI­ÇOS PROFISSIONAIS. OBRIGAÇÃO DE ME IO, NÃO DE F IM . DOLO E CULPA GRAVE NÃO CONF IGURADOS. A OBRIGAÇÃO DO ADVOGADO É DE ME IO, NÃO DE RESULTADO E A SUA RESPONSABIL IDADE DEPENDE DA PROVA DE CULPA OU DOLO. PROTESTO INDEVIDO. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS os APELOS. UNÂNIME". (TJRS - Apelação Cível N° 70052451952, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas Bar­cellos, J u lgado em 13/03/2013).

Cirurgia plástica reparadora, decorrente de queimadu ras ou acidentes, por exemplo, consistem em obrigação de meio. Nestas o médico agirá com a maior diligência e prudência possível, sem, contudo, assegurar um resultado.

Já na obrigação de garantia o devedor, mediante contrapresta­ção pecuniária, assume (garante) um risco. O garantidor tem como principal compromisso el iminar os riscos do credor.

SíLv10 DE SALVO VENosA46sustenta que o conteúdo desta m odal idade reside no desejo de se el iminar um risco, que pesa sobre o cre­dor. Dessa forma, a s imples assunção do risco pelo devedor da garantia representa o adimplemento da prestação. Assim, em um contrato de segurança patrimonia l p restado por empresa especia­l izada, onde este negócio jurídico se apresenta ao lado de uma obrigação de meio, ou ainda nos casos de seguro e fiança, quando se tem uma típica obrigação exclusivamente de garantia (garantia pura).

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JusnÇA sobre o tema?

Por essência, a obrigação de garantia é acessória de uma principal, de modo que o adimplemento da primeira extingue a segunda, como já entendeu o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (REsp174.246).

46. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 52/53.

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7. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À LIQUIDEZ

O CC/16 veiculava em seu art. i .533 o conceito de obrigação líquida como aquela "certa, quanto à sua existência, e determinada, quanto ao seu objeto". Trata-se de um importante parâmetro para a com preensão desta modalidade.

A obrigação ilíquida , em sentido inverso, é aquela na qual seu ob­jeto não está delineado, determinado. É uma dívida não individuada .

Realizando diálogo com o Direito Processual Civil, d iz o art. 475-A do CPC que quando a sentença não determinar o valor devido, proceder-se-á a sua l iquidação. Esta liquidação ocorre mediante pe­ticionamento do credor e intimação do advogado já constituído nos autos. Pode ser requerida, até mesmo, na pendência do recurso, hipótese na qual autos apartados devem ser formados no juízo de origem. Tal ônus processual é do l iquidante, já que o processo está em grau de recurso.

I mportante lembrar que nos procedimentos sumários, assim como naqueles submetidos à Lei 9.099/95, é vedada sentença ilí­quida , cumprindo ao juiz, de plano, fixar o valor devido. De igual forma, quando o autor houver formulado pedido certo, é vedado ao magistrado proferir sentença ilíqu ida, a teor do art. 459 do CPC.

Sendo ilíquida a obrigação, por não se ter, a priori,o seu quan­tum, deve-se observar, antes de adimpli-la, o procedimento de liqui­dação que, no processo civil, constitui fase preparatória e, portanto, antecedente à execução. Tal l iquidação dar-se-á:

(i) Liquidação por Cálculo Aritmético (CPC, artigo 475-B): é a mais comum e ocorre quando já se tem nos autos todas as in­formações necessárias à identificação do quantum debeatur; leia-se: do valor devido.

Neste caso, o credor deve requerer o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J do CPC, instruindo o pedido com a memória de cálculos. Aqui haverá a incidência de uma multa de 10ºk (dez por cento) se a dívida não for paga no prazo de até 15 (quinze) dias da intimação para o adimplemento da sentença. Importante saber que quando a memória do cálculo depender de dados existentes em po­der do devedor ou de terceiro, o credor deverá requerer ao juiz que

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

requisite tais informações a quem de direito, fixando prazo de até 30 (trinta) dias para cumprimento da diligência, sob pena de se reputar correto, após este interregno, o valor sugerido pelo exequente.

Para SíLv10 DE SALvo VENOSA47trata-se da mais simples h ipótese de l iquidação, na qual sequer há necessidade de contador judicial, ante a simplicidade dos cálculos. Apesar disto, o art . 475-B autoriza o magistrado a valer-se de "contador do juízo". É uma faculdade a cargo do J uiz.

(ii) Liquidação por Arbitramento (CPC, artigo 475-C e 475-D):

acontece quando determinada pela sentença, convencionada pelas partes, ou quando exigir a natureza do objeto da l iqui­dação. Aqu i não existem elementos objetivos, nem dentro, nem fora dos autos, para fixação do montante. É a casuística do dano moral

Requerida a l iquidação por arbitramento, o juiz nomeará perito e fixará prazo para a entrega do laudo. As partes, em atenção ao devido processo legal, poderão de manifestar sobre o laudo, no prazo de io (dez) dias. Após a manifestação, se designa audiência ou se decide.

(iii) Liquidação por Artigos (CPC, artigo 475-E): nesta modalidade os e lementos de quantificação da dívida ainda não se encon­tram nos autos, aspecto a exigir um incidente de instrução do feito para se provar o denominado fato novo. De acordo com HUMBERTO THEODORO júNIOR48, o credor indicará os fatos a serem pro­vados (um em cada artigo), para servir de base à l iquidação. Não caberá aqui debate indiscriminado sobre qualquer fato, mas apenas os arrolados e articulados que tenham influência na fixação do valor da condenação, ou na individualização do objeto, sendo vedado rediscutir a l ide já sentenciada.

Na forma do art. 475-E, far-se-á a l iquidação por artigos, para determinar o valor da condenação, quando houver necessida­de de alegar e provar fato novo, aplicando-se, no que couber, o

47. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 113. 48. ln Curso de Direito Processual Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, i993. v 2, p. 95.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

procedimento comum, sendo, de qualquer m odo, proibido à parte discutir de novo a l ide ou modificar o que já se sentenciou.

� Atenção!

Da decisão de l iquidação caberá agravo de instrumento.

8. CLASSIFICAÇÃO QUANTO A PRESENÇA DO ELEMENTO ACIDENTAL

As obrigações podem contemplar elementos acidentais, também chamados de secundários ou acessórios.

Pela nomenclatura, já fica claro que tais elementos não são es­senciais. Estes já foram objeto de estudo quando da análise dos negócios jurídicos, no volume de Parte Geral, para o qual se remete o futuro aprovado. Desta forma, os institutos já estudados, alusivos à condição, ao termo ou modo e encargo, aplicam-se integralmente ao direito obrigacional. Sobre isto, apenas algumas notícias impor­tantes:

(i) obrigação sujeita ao elemento acidental da condição.

Trata-se de elemento que traz dentro de seu conceito as noções de futuridade e incerteza (elemento futuro e incerto), geralmente acompanhado da palavra"se". Ex. doação feita a nascituro (CC, art. 542): "Dou parte da minha propriedade ao nascituro se ele nascer,

evidentemente".

(ii) obrigação sujeita ao elemento acidental termo.

Trata-se de elemento que traz dentro de seu conceito as noções de futuridade e certeza. A certeza da ocorrência do termo é o que o distingue da condição. O termo diz respeito a evento futuro e certo. Ex. Doação na qual o donatário fica com o bem por um lapso tem­poral : "quando você completar a maioridade perderá a propriedade resolúvel do bem".

(iii) obrigação sujeita ao elemento acidental modo ou encargo.

A futuridade também estará presente. Contudo, nesta hipótese, ao invés de se ter uma incerteza, ou uma certeza, o que se ajusta será um sacrifício, um trabalho, um múnus, sem o q ual o negócio obrigacional não acontecerá. Ex. A doação onerosa referida no art.

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CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

540 do CC. As expressões "para que" e "desde que" bem identificam o modo ou encargo. i lustre-se: "deixo-lhe uma biblioteca para que você ministre aulas de português naquele lugar".

9. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À DEPENDÊNCIA

O art. 92 do CC afi rma ser principal a coisa que existe sobre si, abstrata ou concretamente. Já a acessória é aquela cuja existência pressupõe a da principal . No dizer de SíLv10 oE SALvo VENOSA49existem obrigações que nascem e existem por si mesmas, independentes. Outras surgem apenas para se agregar, de modo que sua existência está na razão de ser da principal, e em torno desta gravitam (prin­cípio da gravitação jurídica).

Pode-se afirmar, assim, que as obrigações acessórias dependem das principais como acontece com a fiança, o aval, o seguro, a hi­poteca, o penhor e a anticrese, afinal de contas o acessório segue a sorte do principal .

10. CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO MOMENTO DE CUMPRIMENTO

As obrigações podem ser momentâneas, sejam instantâneas ou diferidas no tempo, e de trato sucessivo, continuada ou duração. Pode ser de prazo determinado ou indeterminado.

Instantâneas

Diferidas

Duração Determinada

Duração Indeterminada

49. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 1 12.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Momentâneas são as obrigações que se cumprem em um ú ni­co momento. Instantâneas são aquelas em que se cumpre logo após a pactuação da obrigação. Ocorre, por exem plo, quando se pactua uma compra e venda com pagamento à vista. Já nas dife­ridas, cum pre-se em um ú nico momento, porém não logo após o contrato . Exempl ifica-se com a com pra e venda na qua l fica acer­tado que o pagamento e a entrega do objeto ocorrerão 30 (trinta) dias após o pacto.

Trato sucessivo, duração ou continuada são aquelas que se re­novam no tempo, seja por prazo determinado ou indeterminado. Não serão, porém, eternas, porque o contrato não é eterno. Nem o casamento é um contrato eterno.

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C a p í t u l o I V

Do adimplemento e da extinção das obrigações (teoria do pagamento direto) Sumário: i. Nota I ntrodutória: Natureza Jurídica e Requisitos de Validade do Pagamento - 2. Elemen­tos Subjetivos do Adimplemento: 2 .i . Quem Deve Pagar (solvens)?; 2.2. A Quem Pagar (accipiens)? -3. Elementos Objetivos do Pagamento: 3.i . Do Ob­jeto do Pagamento; 3.2. Da Prova do Pagamento; 3.3. Do Lugar do Pagamento; 3.4. Do Tempo do Pagamento.

1. NOTA INTRODUTÓRIA: NATUREZA JURÍDICA E REQUISITOS DE VALIDADE DO PAGAMENTO

As pessoas, ao que parecem, contratam para adim plir. Essa é a presunção jurídica (a da boa-fé) a ser feita na tutela da confiança e das legítimas expectativas nutridas por quem contrata. O adimple­mento pontual da prestação é a mola propulsara do d ireito obriga­cional . Este deve ser compreendido e construído dentro de um eixo (o eixo do adimplemento), em torno do qual a teoria do pagamento é impulsionada.

O pagamento, denominado pelos romanos de so/utio, deve ser enquadrado dentro do terceiro degrau da Escada Ponteana: no pla­no da eficácia do negócio jurídico (efeitos). Implica na extinção da obrigação. A este respeito é cristalina a redação do Enunciado 425 da V Jornada do CJF: "O pagamento repercute no plano da eficácia, e não no plano da validade, como preveem os arts. 308, 309 e 310 do Código Civil".

Desta forma, malgrado o Código Civil, por diversas oportunida­des, remeta ao plano de validade do pagamento, o mais acertado seria falarmos de sua eficácia.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

� Cuidado!

Na hora da prova, melhor, em regra, seguir o texto legislativo, falando­-se em validade do pagamento. Apenas em perguntas d irecionadas, ou provas subjetivas, que as lições doutrinárias do Enunciado 425 supraci- ' tado haverão de vir a serem lembradas.

CARLos RosERTD GoNÇALVEs' afirma que as obrigações têm um ciclo vital, pois nascem de d iversas fontes, vivem, d esenvolvem-se por meio de suas várias modalidades (dar, fazer ou não fazer) e, final­mente, morrem (extinguem-se). A sua forma usual de extinção é, justamente, mediante o cumprimento obrigacional; d igo: pagamento ou adimplemento da prestação.

A propósito, o a rt. 794, 1 , do CPC é esclarecedor a respeito do assunto. Afirma que a execução se extingue q uando o credor satis­faz a obrigação.

Importante lembrar que o termo pagamento deve ser utilizado, na técnica jurídica, como meio de extinção da obrigação. Enquanto no campo popular o signo guarda relação com o pagamento em dinheiro, tecnicamente relaciona-se com o adimplemento, podendo realizar-se não apenas de modo pecuniário, mas através de um fazer ou não fazer. O pagamento é subdividido ainda em direto e indireto.

� Atenção!

1 Pagamento aqui é expressão jurídica técnica, sinônima de adimplemen­to. Portanto, significa o cumprimento da prestação, que pode ser de dar, fazer ou não fazer. Logo, não se deve confundir a expressão usual do pagamento como transferência de valores.

. Também é importante lembrar que as obrigações podem ser extintas $ sem pagamento. Exemplo disto é a confusão, a remissão e a compen­

sação. Nestes três casos estaremos diante da extinção do vínculo obri­gacional sem, contudo, ter qualquer pagamento efetivamente realiza­do. Alguns denominarão isto de meios anormais de extinção do vínculo obrigacional, os quais serão estudados no capítulo que versa sobre o pagamento indireto.

i. l n Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações, Vol. 2. São Paulo: Saraiva. 2012, p. 252.

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DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)

PABLO Srnm GAGUANo E RODOLFO PAMPLONA F1LH02 defendem a ideia de que o pagamento é composto por três elementos: a) o sujeito ativo do pagamento (em regra o devedor - so/vens); b) o sujeito passivo do pagamento (em regra o credor - accipiens) e, finalmente, c) o vín­culo obrigacional.

I nteressa, neste primeiro momento, tratar do pagamento (adim­plemento) d ireto. Os efeitos do pagamento serão o objeto do es­tudo a partir de então, na busca da l iberação do devedor e da le­gítima satisfação do credor, sempre relacionando o d ireito material com direito processual civil.

Mas, então, visitado o conceito do pagamento, questiona-se: qual a sua natureza jurídica?

Considerando que o pagamento pode realizar-se de várias ma­neiras, identificar a sua natureza jurídica não é matéria fácil. Há quem sustente, por exemplo, tratar-se de ato de natureza variável3• Acreditamos, porém, que o pagamento é um ato jurídico lícito, o qual acontece dentro de um negócio jurídico mais amplo.

Passamos a verificar alguns posicionamentos doutrinários.

PAsLo Srnm GAGUANO E RoDOLFO PAMPLONA F1LH04 sustentam que o paga­mento é um fato j urídico. Contudo, também afirmam que a categoria fato jurídico é, de sobremaneira, abrangente, daí a necessidade de aferir se o pagamento constituiria u m ato jurídico em sentido estrito - simples comportamento do devedor, sem conteúdo negocial, cujo efeito, já previsto pela norma, é a extinção da obrigação -, ou um negócio jurídico - mais do que um simples comportamento, o ato capaz de regular sobre seus efeitos -, com um caráter bilateral de consenso entre credor e devedor.

Arrematam os aludidos doutrinadores que "não se pode adotar uma posição definitiva a respeito do assunto. Somente uma análise do

2. ln Novo Curso de Direito Civil - Obrigações, Vol. l i . São Paulo: Saraiva. 2008, p. 108. 3. Orlando Gomes, Silvio Rodrigues, Carlos Roberto Gonçalves e Roberto de Ruggie­

ro, por exemplo. 4. ln Novo Curso de Direito Civil - Obrigações, Vol. li, São Paulo: Saraiva. 2008, p. no. 5. Para aprofundamento sobre os significados das expressões negócio jurídico, ato

jurídico stricto sensu, ato fato e demais classificações do fato jurídico, fineza con­sultar o Volume dedicado à Parte Geral, especialmente o capítulo voltado a Teo­ria do Fato, Ato e Negócio Jurídico.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

caso concreto poderá dizer se o pagamento tem ou não tem natureza negocial, e, bem assim, caso seja considerado negócio, se unilateral ou bilateral".

CR1sr1AN0 CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD, fortes na Teoria da Execu­ção Real da Prestação de KARL l..ARENz, sustentam que o adimplemento não é negócio jurídico, mas um ato real de extinção do débito a l iberar o devedor e converter em real idade a prestação devida. Vaticinam que "o pagamento não se insere no plano de validade do negócio jurídico", constituindo um ato-fato que se contextualiza no plano da eficácia, sendo equivocado falar-se, por conta d isto, em "pagamento nulo" ou "validade do pagamento''6.

Apesar da sofisticação doutrinária, ficamos com o posicionamen­to de CARLos ROBERTO GoNÇALVEs7, para quem o pagamento tem natureza de um ato jurídico em sentido amplo, da categoria dos atos lícitos, podendo ser ato jurídico estrito senso, ou negócio jurídico, bi lateral ou uni lateral, conforme a natureza específica da obrigação.

Também é de CARLOS RoBERTO GoNçALvEs8 a tese da existência dos cin­co requisitos essenciais de validade do pagamento : (i) presença de um víncu lo obrigacional, (ii) intenção de solver o aludido vínculo, (iii) cumprimento da prestação, (iv) pessoa que realiza o pagamento e, finalmente, (v) a pessoa que o recebe.

Visitado o conceito de pagamento e seus requisitos, passamos a dissecar o adimplemento obrigacional, com o fito de melhor com­preendê-lo. In icialmente, vamos estudar os sujeitos do pagamento, ou, em rigor técnico, o elemento subjetivo do pagamento.

2. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO ADIMPLEMENTO

Como já pontuado em outras passagens, falar em elementos subjetivos no d ireito significa buscar os sujeitos de uma dada rela­ção jurídica.

6. ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen ]uris, 2006, p. 227/228. 7. ln Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações, Vol. 2. São Paulo: Saraiva.

2010, p. 257. 8. ln Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações, Vol. 2. São Paulo: Saraiva.

2010, p. 257.

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DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)

FLÃv10 TARTucE9, ao analisar o Código Civil em vigor e "o que de melhor existe na doutrina", sustenta que os elementos subjetivos ou pessoais do pagamento são o solvens (quem deve pagar - sujeito ativo do pagamento) e o accipiens (a quem se deve pagar - sujei­to passivo do pagamento). Enfatiza, ainda, o doutrinador que tais expressões não se confundem com credor ou devedor, isto porque "outras pessoas, que não o devedor; podem pagar; ao mesmo tempo em que outras pessoas, que não o credor; podem receber".

Não se deve perder de vista, entretanto, que o cumprimento da obrigação é i luminado por dois princípios específicos, quais sejam o princípio da pontualidade e o princípio da dil igência normal. Esta é a lição de CARLos RosERTO GoNÇALVEs10•

Seguindo com o escopo de verticalizar o estudo do pagamento, passamos a estudar, de per si, o solvens e o accipiens.

2.i . Quem Deve Pagar (so/vens)?

Os artigos 304 usque 307 do CC discipl inam a figura do solvens (aquele que deve pagar). É o sujeito ativo do pagamento, pois firma o adimplemento obrigacional.

� Atenção!

O sujeito ativo do pagamento não deve ser confundido em sua prova com o sujeito ativo da obrigação. Isto porque, nada obstante o credor ser o sujeito ativo da obrigação; o do pagamento, em regra, é o de­vedor, pois é quem paga. Percebe-se, assim, que o sujeito passivo da obrigação torna-se o ativo do pagamento.

De acordo com a legislação, qualquer interessado na ext1nçao da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor, a exemplo de uma consig­nação em pagamento, prevista tanto no CPC (art. 890), quanto no CC (art. 334) .

9. ln Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, Vol. 2, São Paulo: Método, 2012, p. 120.

10. ln Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil, Vol. 4. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 252.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No ano de 2013, a banca examinadora CESPE, na prova para Auditor Federal de Controle Externo - TCU, considerou correta a assertiva: "Con­sidere que terceiro interessado queira pagar dívida do devedor e que o credor tenha manifestado sua recusa em receber o pagamento. Nessa situação, o terceiro poderá valer-se dos meios conducentes à exone­ração do devedor, pois a legislação de regência confere a qualquer interessado na extinção da dívida a faculdade de pagá-la".

Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JusnÇA se posicionou sobre o tema?

No REsp. 85.551-PB, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JusnÇA entendeu ser possível ao ter­ceiro "requerer a consignação" admitindo-se, no caso concreto, que um descendente-sucessor se utilize da medida judicial de forma legítima.

Mas, quem seria qualquer interessado?

Sistematizando o estudo, pode-se afirmar que o pagamento po­derá ser realizado pelo:

a)

b)

e)

Interessado

Pague em Nome Próprio

Pague em Nome do Devedor

O adimplemento realizado pelo devedor ou por seu represen­tante é desprovido de grandes dificuldades técnicas, não merecen­do maiores considerações. Aquele, porém, que sem pre é lembrado nas provas, é o pagamento feito por terceiro.

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DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)

Mas o que eu devo entender por terceiro interessado?

O interesse referido pela lei seria apenas o jurídico, ou também englobaria o moral?

O tema é polêmico, em vista de inexistir d irecionamento norma­tivo. FLÃv10 TARTUCE" adverte que o interesse em comento seria apenas jurídico, o patrimonial . Este é, inclusive, o posicionamento majoritá­rio para as provas. Neste cenário, caso Sônia, mãe de João - maior, capaz e trabalhando - pague uma obrigação vencida deste, ela não será, em regra, uma terceira interessada, haja vista que ele possui condições de se prover.

Todavia, acreditamos que, dentro deste novo direito civil per­sonalizado, as relações existenciais de família também poderiam qual ificar parentes como interessados, conferindo um viés moral à situação. o posicionamento aqui adotado, porém, é minoritário. Na doutrina, estamos com CARLOS RosERTo GoNÇALvEs12 para quem existe "ou­tra espécie de interesse, como o moral, por exemplo (caso do pai, que paga a dívida do filho, pela qual não podia ser responsabilizado), o decorrente de amizade ou de relacionamento amoroso etc." Também é isto o que pensam PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH013, para quem pais ou amigos podem q ual ificar-se como terceiros interessa­dos. Este, porém, repise-se, não é o entendimento majoritário.

Seguindo a l inha majoritária do interesse patrimonial, após con­signada nossa ressalva, o terceiro interessado é o avalista, o sócio, o fiador, a seguradora; enfim, todo aquele legitimado por uma si­tuação jurídica de caráter patrimonial . Leia-se: aquele que possui interesse jurídico no pagamento.

Caso o terceiro interessado realize o pagamento, ele sub-roga­-se (substitui-se) na posição do credor originário. A hipótese será de sub-rogação legal (CC, art. 349), de modo a ocupar a posição do credor originário com todos os direitos, ações e garantias.

11 . ln Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. Vol. 2, São Paulo: Método, 2012, p. 120.

12. ln Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 259.

13. ln Novo Curso de Direito Civil - Obrigações. Vol. li. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 112.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Por razões lógicas, recorda CARLOS RoBERTo GoNÇALvEs14a im possibil i­dade de aplicação do dispositivo legal acima para as obrigações intuito personae, haja vista serem pautadas em condições ou qua­l idades pessoais do devedor, autorizando ao credor não aceitar o pagamento por ninguém mais, na forma do art. 247 do CC.

Além do terceiro interessado, o pagamento poderá ser reali­zado pelo desinteressado (não interessado). Neste cenário, mister verificar se tal pagamento fora realizado em nome próprio (do ter­ceiro), ou em nome do devedor. Para tanto, basta verificar o recibo de quitação. Esta informação (em nome de quem fora realizado o pagamento) é de suma importância, pois revelará diferentes rumos jurídicos à situação. Vejamos:

• Se o terceiro não interessado pagar em seu próprio nome, terá d ireito ao reem bolso do que pagou, através de uma ação em regresso. Não se sub-roga, registre-se. O que há é mera ação em regresso. Se pagar antes de vencida a dívida, somente terá d ireito ao reembolso quando do vencimento da mesma (CC, art. 305).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No ano de 2014, a banca examinadora FCC, na prova para Técnico judi­ciário - TRF 3• Região, elaborou a seguinte questão: Ricardo, terceiro não interessado, pagou dívida de seu amigo Cleiton, em seu próprio nome, antes do vencimento. Nesta hipótese, Ricardo. a) não poderá reembolsar-se do que pagar uma vez que não possuía interesse no pagamento da dívida sendo considerada pela legislação mero ato de liberalidade. b) poderá reembolsar-se do que pagar logo após o pagamento e inde­pendentemente do vencimento. c) poderá reembolsar-se do que pagar apenas no vencimento e tam­bém se sub-roga nos direitos do credor. d) poderá reembolsar-se do que pagar apenas no vencimento, porém não se sub-roga nos direitos do credor. e) apenas subroga-se nos d ireitos do credor logo após o pagamento. O gabarito é a letra D.

14. ln Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva. 2010, p . 258.

1 78

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DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)

• Se o terceiro não interessado fizer o pagamento em nome e conta do devedor; sem oposição deste, não terá d ireito a exi­gi r o reembolso. Neste caso, estar-se-á diante de uma mera obrigação natural, já mencionada nesta obra (CC, art. 304).

Interessante exemplo de pagamento realizado por terceiro em seu próprio nome é o da fiança criminal , prevista no art. 329 do Cód igo de Processo Penal e presente na doutrina de PAsLo Srom GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH015•

O di reito ao reembolso prestigia a vedação ao enriquecimento sem causa e demonstra a preocupação do legis lador com os valo­res sociais do pagamento.

Importante adverti r que o art. 304 do CC sofreu a lteração, comparado ao CC/16, na ú ltima parte do parágrafo ún ico, de m odo a prestigiar o pri ncípio da eticidade e da própria fu nção social do pagamento de boa-fé . Trata-se da possib i lidade, agora, do devedor não aceitar que o terceiro não interessado efetue o pagamento, respeitando-se razões de ordem moral, religiosa ou até mesmo pessoal, todas j urid icamente re levantes.

Importante regra está contida no art. 306 do CC. O pagamento fei­to por terceiro , com desconhecimento ou oposição do devedor, não obriga este a reembolsar aquele que pagou, se tinha meios para ili­dir a ação. Trata-se de preceito que corresponde ao art. 932 do CC/16 e que recebeu modificação relevante no sentido de eximir o devedor do reembolso ao terceiro nos casos em que poderia quitar sozi­nho, ou mesmo apresentar defesas pessoais a repelir a cobrança.

Em arremate, o artigo 307 do CC16 trata do pagamento efetua­do mediante transmissão da propriedade, também denominado de al ienação a non domino. Tal conduta é ineficaz, pois se refere a uma

15. ln Novo Curso de Direito Civil - Obrigações. Vol. l i . São Paulo: Saraiva. 2008, p. 112. 16. Histórico: O presente artigo sofreu emenda por parte da Câmara dos Deputados

no período inicial de tramitação do projeto. A redação original proposta pelo Prof. Agostinho Alvim no anteprojeto repetia a redação do art. 933 do Código Civil de 1916. A emenda do Deputado Ernani Sátyro apenas substituiu a expressão "Só valerá o pagamento" por "Só terá eficácia o pagamento". E o fez atendendo a ponderação do Prof. Miguel Reale. Segundo Reale, a emenda teve por fim colocar o dispositivo em consonância com os demais artigos do projeto, em que a vali­dade sempre se refere à vigência, enquanto a eficácia se refere à consequência do ato, ou a sua aplicação.

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LUCIANO FIGU EIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

alienação feita por quem efetivamente não é o dono do bem. Só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade quando feito por quem possa al ienar o objeto em que ele consistiu .

Neste caso, como adverte CARLOS RosERTO GoNçALVEs17, não basta a capacidade genérica para os atos da vida civi l . A capacidade espe­cífica e, em certos casos, até mesmo a legitimação, devem também estar presentes18• Exem plo do doutrinador é o do tutor que não pode dar em pagamento imóvel do tutelado sem autorização judi­cial (CC, art. 1 .7 48, IV).

Contudo, se for dado em pagamento coisa fungível, não se poderá mais reclamar do credor que, de boa-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la. Trata-se de exceção à regra do art. 307, prevista em seu parágrafo único. Isto porque o bem fungível acaba sendo consumido, a exemplo de valores pecuniários.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em prova realizada para o cargo de Procurador da Fazenda Nacio­nal/2012 foi considerada incorreta a seguinte assertiva: "O terceiro não interessado, que pagar a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar- se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor, salvo se o pagamento ocorreu antes do vencimento e sem o conhecimento do devedor."

2.2. A Quem Pagar (accipiens)?

Os artigos 308 a 312 do CC discipl inam a figura do acc1p1ens, quem seja: aquele que deverá receber o pagamento. Trata-se do sujeito passivo do pagamento.

� Atenção!

I nteressante perceber que o sujeito passivo do pagamento costuma ser, em regra, o sujeito ativo da obrigação, em raciocínio análogo ao do tópico anterior. Cuidado para não confundir na prova!

17. ln Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 263.

18. Os temas personalidade, capacidade e legitimação foram tratados no Volume de­dicado à Parte Geral, especificamente no capítulo que versa sobre Pessoa Física, ao qual se remete o futuro aprovado.

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DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)

O pagamento deve ser feito, evidentemente, ao credor, a quem de d ireito o represente e, excepcionalmente, a terceiro. Esta é a re­gra e está prevista no art. 308 do CC para a validade do pagamento.

� Importante:

Sistematicamente, portanto, é possível que seja feito o pagamento a:

a) Credor

b) Representante

c) Terceiro

� Atenção!

Quando do tratamento do sujeito passivo do pagamento, mesmo a letra da lei abordando supostamente o plano da validade (o pagamento só vale), a doutrina afirma, através do Enunciado 424 do CJF, que o paga­mento repercute no plano da eficácia, de forma que há de se compre­ender a expressão legal como "só terá eficácia" caso feito ao credor, seu representante ou, eventualmente, a um terceiro.

O pagamento feito ao credor não possui maiores repercussões jurídicas.

No que tange ao representante legal do credor, é preciso recor­dar que o ordenamento jurídico admite a figura dos representantes legal, judicial e convencional . Nas hipóteses dos representantes legal e judicial, somente estes poderão receber. No caso do representan­te convencional, poderá receber e dar quitação tanto este quanto o outorgante (credor). A lição é de CARLOS RoBERTO GoNÇALvEs'9•

� Atenção!

A expressão adjeàus solutionis causa é a pessoa expressamente indica­da em determinado documento para receber a prestação. É, portanto, um representante convencional do credor que está, por este, autoriza­do a receber.

Mas, quando o pagamento for feito a tercei ro terá eficácia?

19. ln Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 259.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

A pergunta é i nteressante, mormente diante do famoso adágio do d ireito obrigacional segundo o qual : "quem paga mal, paga duas vezes".

� Importante:

Seguindo a linha de intelecção dos artigos 308 e 309 do CC apenas terá validade o pagamento feito a terceiro se: a) For ratificado pelo credor; b) Comprovar que fora revertido em proveito do credor. c) Caso se esteja diante de um credor putativo, também chamado de

imaginário ou aparente.

Vamos aprofundar as h ipóteses!

O art. 308 do CC considera válido o pagamento feito a terceiro se for ratificado pelo credor ou se reverter em favor deste, de modo a evitar o locu pletamento i lícito ou sem causa, nos padrões da eticidade e da função social do pagamento. Considerando que a ideia de "reverter em favor" ou ainda a noção de "proveito" cons­tituem signos abertos, é possível sustentar que o a lud ido benefício pode ser tanto d ireto e imed iato, quanto indireto e mediato.

Já o credor putativo está tratado no art. 309 do CC. Trata-se do credor imaginário, aparente. Leia-se: aquele que aparenta ser o seu credor, mas não o é. Como aparenta ser, o devedor, de boa­-fé, rea liza o pagamento. Este adimplemento é considerado vál ido. Consagra-se aqui o respeito à Teoria da Aparência e ao Princípio da Confiança nas relações obrigacionais (eticidade e social idade).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Acerca do pagamento ao credor putativo, em concurso para Juiz Substi­tuto do TJDFT/201 1 foi considerada correta a seguinte afirmativa: "O pa­gamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda que provado depois que não era credor". Considerando a possibil idade de pagamento por terceiro de boa-fé, em prova para Juiz Substituto do TJSC/2009 foi considerada incorreta a se­guinte assertiva: "Quem de boa-fé paga ao credor aparente, paga mal e não se li bera da obrigação".

Exemplifica-se com um fatídico caso acontecido no baixo sul da Bahia, especificamente na região de I lhéus. U m representante

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DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)

comercial, notoriamente conhecido há mais de uma década, ven­dia produtos químicos para o combate da praga do Cacau. Procedia sempre da mesma forma. Fechava o contrato nas fazendas, recolhia 50°/o (cinquenta por cento) do preço e, após 30 (trinta) d ias, entrega­va o produto e recebia os outros 50% (cinquenta por cento) do valor.

Ocorre que a empresa fabricante resolveu desligá- lo da função. O aludido representante, então, um pouco antes do período usual, passou em todas as fazendas, recolheu 50% (cinquenta por cento) do valor, e sumiu .

Pergunta-se: o pagamento em comento é eficaz?

Seguramente! Trata-se de um credor putativo . Haveria a em pre­sa de comu nicar aos clientes acerca do desligamento, em virtude do dever de informação decorrente da boa-fé.

� Como se posicionou o SuPERIOR TRIBUNAL DE JusnÇA sobre o tema?

o SUPERIOR TRIBUNAL OE JUSTIÇA no REsp. 12.592-SP admitiu o pagamento reali­zado à credor putativo com base em dois requisitos, quais sejam: a) a boa-fé e b) a escusabilidade do erro.

Entenda por escusabil idade a percepção de que o erro poderia ter sido cometido por pessoa de diligência normal, sendo perdoável. Isto, porque, o cidadão, efetivamente, aparentava ser o seu credor, como no exemplo aqui narrado.

E se o pagamento for realizado a um credor incapaz?

O pagamento ao credor incapaz de quitar não é válido, a não ser que o devedor comprove que este reverteu em favor do inca­paz, a teor do art. 310 do cc. Sendo absolutamente incapaz, o paga­mento é nu lo (CC, 166). O pagamento feito a relativamente incapaz é anulável (CC, 171, 1), e pode ser ratificado pelo seu representante legal à luz do princípio da conservação do negócio jurídico (CC, 172).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Acerca da impossibi l idade de pagamento ao credor incapaz de dar qui­tação, em concurso para o TJDFT/2011 foi considerada correta a alterna­tiva que possuía o seguinte teor: "Não vale o pagamento dentemente feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu".

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

Sobre o tema invalidades do negócio, remete-se o futuro apro­vado ao Volume ded icado à Parte Geral, especificamente o capítulo de negócio jurídico.

� Atenção!

Na forma do art. i8o do CC "o menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior". Trata-se de clara adoção da nemo potest venire contra factum proprium (proibição do comportamento con­traditório), pois não poderia o incapaz, na casuística, declarar-se maior e depois anular o negócio com base na idade, sem incorrer em claro comportamento contraditório.

Tam bém se considera autorizado a receber o pagamento o por­tador da quitação, salvo se as circunstâncias contrariarem a presun­ção daí resultante (CC, 31 1). Trata-se de norma trazida da experiên­cia do Código Civil a lemão (art. 370), a ensejar uma presunção juris tantum (relativa) de que o credor autorizou o portador a receber a dívida (mandato tácito).

Já o art. 312 do CC consagra dois institutos: o da penhora pré­via e o da oposição, a obstrui r a eficácia do pagamento em tais situações: se o devedor pagar ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre o crédito, ou da oposição apresentada por ter­ceiros, o pagamento não surtirá efeitos jurídicos contra estes, que poderão constranger o devedor a pagar novamente, ressalvado a este a repetição de indébito em face de q uem inadvertidamente recebeu a prestação.

Como é sabido, a penhora retira o crédito do comércio jurídico. o bem penhorado fica à d isposição da Justiça. o credor, nestas con­dições, não pode receber a prestação extrajudicialmente. A questão está sub judice. Se isto for desrespeitado surge a máxima do adágio popular segundo o qual "quem paga mal paga duas vezes" e, justo por isto, pode ser compelido a pagar novamente'º.

20. Em situações como estas, à teor da doutrina de Franzen de Lima "o exequente e o oponente substituem o credor por ação judicial e o pagamento deverá ser feito a eles no momento oponuno, ou por depósito judicial, livrando-se o devedor da

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DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)

3. ELEMENTOS OBJETIVOS DO PAGAMENTO

Agora é tempo de ignorar, provisoriamente, os sujeitos que in­tegram a relação obrigacional e deitar os olhos para a prestação e os elementos objetivos do pagamento.

Segu ndo CARLos RosERTo GoNçALVEs", o objeto do pagamento deverá ser o conteúdo da prestação (so/utio este praestatio eius quod est in ob/ogatione). É tempo de estudarmos o objeto e a prova do pagamento.

3.i. Do Objeto do Pagamento

Os artigos 313 a 318 do CC trazem regras sobre o objeto do pa­gamento, ou seja, sobre a prestação.

In iciaremos com o princípio da exatidão, previsto no art. 313 do CC, segundo o qual : "o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa". Em exemplo ba­nal, o credor da entrega de um veículo Gol, não é obrigado a aceitar um Audi, ainda que este seja, seguramente, mais valioso.

Em desdobramento a isto surge o princípio da identidade físi­ca da prestação: "ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou (art. 314, CC)".

Os preceitos acima indicados reforçam a ideia de que efetiva­mente o contrato faz lei entre as partes (pacto sunt servanda), cons­tituindo a pedra angular da segurança das relações jurídicas obri­gacionais. Pensar em sentido contrário é desmerecer a necessidade de respeito a um dos mais importantes pi lares do direito civil, seu fundamento: a autonomia privada.

� Atenção!

Nada impede, porém, que no exercício da mesma autonomia, o próprio credor aceite receber coisa diversa oferecida pelo devedor. Tal concre­tiza-se através da dação em pagamento, forma indireta ou especial de

obrigação" (João Franzen de Lima, Curso de direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. 2, p. 126).

2i. ln Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 271.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

adimplemento apta a extinguir a relação obrigacional (CC, 356). Para tan­to, repise-se, será imprescindível a aquiescência do credor (aliud pro alio invite creditori solvi non potest). Esta é a lição de CARLOS RosERTo GoNÇALvEs".

Outrossim, no âmbito processual, o art. 745-A do CPC flexibiliza as regras de direito material supracitadas, ao consagrar a possibil idade da mora­tória legal. Assim, o devedor, no prazo dos embargos, poderá depositar apenas 3oºb (trinta por cento) do valor contra si executado, e pagar o remanescente em até 6 (seis) parcelas mensais, desde que o MM. Juiz da Execução defira o pleito.

Seguindo na análise das regras objetivas, coloca o Código Civil no a rtigo 315 o princípio do nominalismo . Assim, as obrigações pe­cuniárias somente podem ser quitadas em moeda nacional vigente e pelo seu valor nominal. Trata-se de comando geral previsto e que deve ser respeitado para as denominadas dívidas em dinhei ro (mo­eda de curso forçado).

� Atenção!

Por tonta do nominalismo, nenhum credor é obrigado a aceitar recebi­mento, em outra forma de pagamento, que não seja moeda corrente (dinheiro). Lícita, assim, a prática de estabelecimentos que negam o recebimento de cheques e cartões, desde que deixem tal negativa clara aos consumidores.

A consequência jurídica de quem desrespeita o comando legal é a prática de um ato nulo. Isto é o que prevê o Decreto-Lei 857/1969. É dizer: pagamentos realizados fora da moeda nacional vigente são pagamentos nulos.

Assim, é possível afirmar que pagamentos em ouro ou moeda estrangeira são proibidos, com exceção aos casos previstos nos a rts. 2° e 3° do Decreto-Lei 857/69 e no art. 6° da Lei Federal 8.880/94; quais sejam: empréstimos ou obrigações cujo credor ou devedor seja domicil iado no exterior e que não se refiram à locação de imó­veis brasi leiros; compra e venda de câmbio; importação ou exporta­ção de mercadorias; leasing (arrendamento mercantil), etc.

22. l n Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 271.

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DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)

� Atenção!

As locações de imóveis cujo pagamento se pactue mediante moeda es­trangeira devem ser registradas no Banco Central, sob pena de invali­dade,. conforme as disposições constantes nas legislações supramencio­nadas.

O art. 3 18 do CC qualifica de nu l idade absoluta as denomina­das cláusulas-ouro, as q uais consistem em contratos nos q uais reste ajustado o pagamento em ouro ou em moeda estrangeira. Tal l inha de pensamento reforça o princípio do nominal ismo, o que tecnicamente permitiria ao magistrado, d e ofício, inval idar tal cláusula, afina l d e contas estar-se-ia no campo das nu l idades a bsolutas.

� Como se posicionou o SUPERIOR TRIBUNAL oE JuSTIÇA sobre o tema?

Curiosamente, a Súmula 381 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA adverte: "Nos con­tratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas". Tal entendimento pode acarretar, na prática jurisdicional, dificu ldade de aplicação das teorias das nulidades. Afinal, em inexistin­do impugnação, apesar de a norma qualificar como nula a abusividade, o magistrado ficaria impedido em reconhecê-la de ofício.

Dando continuidade às regras objetivas, há permissivo no art. 316 do CC para utilização, em obrigações que duram no tempo, de escala móvel ou escalonamento do preço, com aumento progressivo de valores. É o princípio do aumento progressivo.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Analista Judiciário do TRE-CE/2012 foi considerada cor­reta a seguinte assertiva: "No tocante ao adimplemento e extinção das obrigações, segundo o Código Civil brasileiro, é certo que é lícito con­vencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas".

Trata-se de previsão legal a autorizar, mediante convenção das partes e em fiel respeito à autonomia privada, o aumento progressi­vo de prestações sucessivas para as denominadas dívidas de valor, que são aquelas nas quais se deseja efetivamente atender, quando de cada quitação, o exato valor do objeto da prestação, de modo a respeitar as variáveis econômicas.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Entende-se por cláusula móvel aquela previamente fixada con­tratualmente, indexadas nas variações do preço de bens ou servi­ços, ou ainda em salários, índices, etc.

Contudo, à vista do princípio da equivalência material dos con­tratos, seja para evitar ocorrência de lesão, onerosidade excessiva, abuso do direito ou enriquecimento sem causa, é possível afi rmar que a cláusula de escalonamento sofre l imitações na eticidade e na função social dos contratos, de modo a se preservar a eficácia interna e externa das relações negociais dentro de um mínimo de boa-fé objetiva.

Nesta esteira de pensamento, o anatocismo (cobrança de juros sobre juros), assim como o desrespeito à anual idade para os rea­justes e as correções monetárias, devem ser vistas com as devidas restrições. Sobre o assunto, a Lei da Usura (Decreto-Lei 22.626/33 e a Lei Federal 10.192/2001) considera nula de pleno direito qualquer estipu lação de reajuste ou correção monetária de periodicidade in­ferior a um ano. Tais fatores constituem importantes balizamentos ao aumento progressivo, na lição de FlÃv10 TAR1ucE2i.

Ainda nas regras objetivas, o artigo 317 do Código Civil traz o princípio da revisão por desproporção, o q ual, igualmente, tem ín­tima relação com a função social dos contratos e a equivalência material das prestações. Aduz o artigo: "Quando, por motivos impre­visíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedi­do da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação".

Sob o ponto de vista prático, o preceito legal não traz muitas d ificuldades. Segundo a norma, a parte pode requerer ao magis­trado que corrija o valor de u ma prestação ajustada por conta de desproporção manifesta no momento da execução, decorrente de motivos imprevisíveis.

E não poderia ser d iferente, afinal de contas o princípio da inafastabil idade da jurisdição (ou da inevitabi l idade ou u biquidade)

23. ln Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. Vol. 2. São Paulo: Método, 2012, p. 128.

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DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)

assegura que toda ameaça ou lesão a d ireito seja submetida ao Poder Judiciário. Daí porque, como d ito, na prática o preceito não apresenta muitas d ificuldades. Trata-se de permissão de se rever contrato por fato superveniente e imprevisível que acarreta dese­quilíbrio contratual significativo.

Contudo, na teoria a lgu mas questões são d iscutidas. A pri­meira d elas é saber se o a rt . 317 do CC consagraria a teoria da imprevisão.

A doutrina majoritária, como MARIA HELENA D1N1z24e FLÃv10 TARTUCE's, defendem a tese de que o a rt. 317 do CC consagra a teoria da im­previsão, autorizando a revisão contratual por fato superveniente e imprevisível . Isto porque a norma põe em evidência o requ isito da imprevisibilidade do fato, nada obstante também exigir uma despro­porção manifesta (onerosidade excessiva).

Os requisitos da teoria da imprevisão são simples: deve-se es­tar diante de um contrato bilateral, comutativo, oneroso e de exe­cução continuada (não instantâneo). Além disto, deve-se ter um mo­tivo superveniente, imprevisível e extraordinário, capaz de acarretar desproporção manifesta na relação obrigacional, com onerosidade excessiva para uma das partes e extrema vantagem para a outra.

� Atenção!

Na 1 Jornada em Direito Civil foi editado o Enunciado 17 para quem a expressão "motivos imprevisíveis" indicada no art. 317 do CC envol­veria tanto situações de desproporção não previsíveis, como também previsíveis, mas de resultados imprevisíveis. Portanto, a imprevisibil idade englobaria uma avaliação objetiva (do ambiente negocial) e subjetiva (da parte).

Já o Enunciado 176 do CjF, sensibilizado com a ideia da conservação do negócio jurídico, entendeu que tanto o art. 317 (Teoria da Imprevisão), quanto o 478 do CC (Teoria da Onerosidade Excessiva), devem, sempre que possível, sujeitar-se ao aproveitamento e à revisão, sendo a reso­lução (extinção) sua ultima ratio.

24. Op. Cit.

25. Op. Cit.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

O tema teoria da imprevisão, porém, apenas será devidamente verticalizado no volume relacionado à teoria geral dos contratos, sendo este o seu locus de análise. Neste momento, pretendeu-se, apenas, dar notícias acerca do instituto, para clarificar a regra obje­tiva do art. 317 do CC.

� Atenção!

Recorde-se que, no Direito do Consumidor, existe norma específica, qual seja, o inciso V, do art. 6°, do CDC, segundo a qua l os contratos de con­sumo podem ser revistos apenas por conta de onerosidade excessiva, de modo que o consumidor não precisaria comprovar a imprevisibilida­de enquanto requisito específico, mas a simples desproporção manifes­ta. Por isto que se afirma ter optado o CDC pela teoria da onerosidade excessiva ou base objetiva do contrato.

3.2. Da Prova do Pagamento

O art. 319 do CC é claro ao afirmar: "O devedor que paga tem direito a quitação regular, e pode reter o pagamento, enquanto não lhe seja dada". Tal redação demonstra a importância do recibo de q uitação, autorizando ao devedor, até mesmo, a exercitar retenção do pagamento - direito de retenção - caso não conceda o credor o respectivo recibo.

A prova do pagamento é disciplina contida entre os arts. 319 a 326 do CC. É i nduvidoso reconhecer o d ireito a quitação daquele que paga, especialmente o devedor. Na clássica lição de S1Lv10 RooR1-cuEs, quitação constitui "um escrito no qual o credor, reconhecendo ter recebido o que lhe era devido, libera o devedor, até o montante do que lhe foi pago"'6•

Os avanços tecnológicos levaram a doutrina, à frente da legisla­ção, a elaborar o Enunciado 18 do Conselho da Justiça Federal As­sim, admite-se a quitação por meios eletrônico� ou por quaisquer formas de comunicação a d istância apta a ajustar negócios jurídicos e praticar atos jurídicos sem a presença corpórea simultânea das partes ou de seus representantes.

26. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, i977 .

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DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)

A quitação por meios eletrônicos constitui modal idade que me­rece ser reconhecida especialmente por sua volumosa prática na atual idade, assim como a tendência de massificação crescente deste hábito no Brasil.

Seja eletrônica, seja não eletrônica, a quitação se configura com a presença de cinco requisitos: o valor da quantia a ser paga; a identificação da dívida quitada; a indicação do so/vens (daquele que está pagando); o tempo e o local do pagamento; e, finalmente, a assinatura do accipiens (daquele a quem se está pagando).

Mas a quitação exigiria documento para instrumentalizá-la?

O art. 320 do CC diz que a parte "poderá" elaborar o recibo (ins­trumento da quitação). Fala-se, em verdade, que a parte "poderá", e não "deverá". Trata-se, sem dúvida, de uma faculdade. Apesar de opcional, aconselha-se que se obtenha tal recibo, pois é a principal prova do pagamento.

Interessante, ainda, que o mesmo artigo 320 do CC afirma que tal recibo sempre poderá ser concedido por instrumento particular. Tal raciocínio aplica-se, até mesmo, se a obrigação tiver sido consti­tuída via escritura públ ica.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz Substituto do TJMG/2011 foi considerada incorreta a seguinte assertiva: "A quitação não poderá ser dada por instrumento particular".

E se ad impliu com a obrigação e não pegou o reci bo de qui ­tação?

Segundo o preceito "va lerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida" (teoria da relativiza­ção do recibo)'1.

A interpretação d ireta da letra da lei, em harmonia com o prin­cípio da sim plicidade dos negócios jurídicos a que alude o art. 107 do CC, nos leva a concluir pela não obrigatoriedade do documento.

27. Neste sentido o SUPERIOR TRIBUNAL DE )USTIÇA no REsp. 296.669-SP.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

o problema seria levado, portanto, ao plano do Direito Proces­sual Civil e do ônus da prova (CPC, art. 331, inciso 1), de modo a im­por, àquele que alega a quitação, comprovar sua assertiva, median­te a utilização de todos os meios de prova em d ireito admitidas.

� Atenção!

A utilização da prova exclusivamente testemunhal nem sempre é pos­sível, ao passo que apenas será admitida para negócios cujo valor não ultrapasse ao décuplo do maior salário mínimo vigente no País, aferível no momento da celebração do ato (art. 227 do CC).

A vedação é para uso exclusivo da prova testemunhal. O uso comple­mentar ou subsidiário deste mecanismo probatório, portanto, pode acontecer em qualquer hipótese (art. 227 do CC e art. 402 do CPC).

No Direito do Trabalho , a quitação deve ser por escrito e sub­mete-se a regramentos típicos, com o escopo de conferir proteção ao hipossuficiente. I lustrando o dito, o TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO edi­tou a súmula 330 , segundo a qual a quitação passada pelo empre­gado - com assistência sindical da sua categoria - ao empregador tem eficácia l iberatória, apenas, em relação às parcelas consignadas no recibo, não abrangendo valores não consignados, e, ainda assim, nos limites do período ali indicado. Neste mesmo sentido o art. 477

da CLT, que exige a participação do sindicato da categoria, ou da autoridade do Ministério do Trabalho, no pagamento das parcelas resilitórias aos empregados com mais de um ano de contrato de emprego, sob pena de i nval idade.

Ainda versando sobre o pagamento, o Código Civil veicula algu­mas presunções relativas (juris tantum). Vamos a elas:

a) Na forma do art. 321 do CC a devolução do título - nas obri­gações cuja entrega da cártula represente a quitação - cons­titui presunção jurídica favorável ao pagamento;

Como já afirmou CLóv1s BEVllÁQUA: "o título é a prova da existência da obrigação; extinta esta, o credor o restitui ao devedor; consequen­temente, se o título se acha nas mãos do devedor, .é porque o credor, satisfeito o débito, lhe entregou"28•

28. Código Civil Comentado, cit., p. 10i.

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DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)

Tam bém prescreve o art. 324 que a entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento, salvo se o credor, no prazo de 60 (sessenta) dias , provar a falta do pagamento, situação na qual a norma qualifica como "sem efeito" a quitação.

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?

O prazo em destaque é decadencial, como já teve a oportunidade de afirmar o Surrn10R TRIBUNAL DE JusT1çA no REsp. 236.005-SP. Trata-se de mais uma presunção iures tantum presente na maioria dos códigos (Ex.: fran­cês, espanhol, mexicano, uruguaio e argentino).

Em paralelo processual, i nteressante lembrar que o art. 907 do CPC admite a ação de anulação e substituição de títulos ao portador, mediante citação do credor e do eventual detentor, a lém de tercei­ros, quando se decidirá sobre a validade e eficácia do documento reclamado e, se for o caso, permitirá a elaboração de outro em substituição. A lição é de CARLOS RoBERTO GoNÇALvEs29•

b) Seguindo com as presunções de pagamento, o art. 322 do CC trata do pagamento de prestações periódicas, para presu­mir, salvo prova em contrário, quitação pretérita de todas as demais parcelas anteriores ao ú lt imo pagamento;

� Como se pronunciou SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?

É possível que contratos sejam elaborados com a expressa afirmação de que o pagamento da última parcela não presume a quitação das anteriores. Trata-se de típico exercício da autonomia privada, com o ob­jetivo de evitar a i ncidência do art. 322 do CC. De maneira mais simples ainda, é possível inserir esta ressalva no próprio recibo de quitação. Neste mesmo sentido se pronunciou o Surrn10R TRIBUNAL DE JusT1çA, no ju lga­mento REsp. 70.170-SP.

e) Nas pegadas do art. 323 do CC, o pagamento do principal (capital) presume a quitação dos acessórios Guros), se não houver ressalva em contrário. Isto porque o acessório segue a sorte do principal (gravitação jurídica).

29. ln Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 280.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Em arremate, deve-se lembrar que as despesas com o paga­mento e a quitação, referidas no art. 325 do CC, presumem-se a cargo do devedor. Nada impede que outra coisa seja ajustada pelas partes. A norma é dispositiva ou supletiva, agindo no silêncio do pacto.

Da mesma forma, acaso o credor dê causa a acréscimos nas despesas, evidentemente que deverá este suportar o custo do acréscimo, tais como transporte, pesagem e taxas de banco.

3.3. Do Lugar do Pagamento

A regra geral no Brasil é que o pagamento deve ser efetuado no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diver­samente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias. É o que afirma o art. 327 do CC.

� Atenção!

Quando o pagamento é realizado no domicílio do devedor, chama-se a dívida de quesível ou querable. Já quando é no domicílio do credor, denomina-se a dívida de portável ou portable.

A verificação do lugar do pagamento tem importante conse­q uência processual, até mesmo porque, em regra, é o domicílio do devedor a com petência para ajuizamento de eventual ação judicial.

� Atenção!

Sobre a competência processual, nada impede que haja um foro de eleição. A liberdade de eleição é típica do direito privado e está consagrada também no instituto do domicílio contratual (CC, art. 78 e CPC, art. 111) e na jurisprudência pacífica do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Súmula 335). Mas não se deve confundir o foro para dirimir litígios com o foro do pagamento.

Deve-se estar atento, ainda, para verificar se o contrato é de adesão. Neste caso, incide a regra do art. 424 do CC, sendo nula a renúncia an­tecipada a direito. Logo, tem-se como possível a invalidação de um foro prejudicial ao aderente. O mesmo se diga quando a hipótese decorre de prática abusiva ao consumidor (CC, art. 5 1). Neste cenário, também poderá o Judiciário nulificar a cláusula contratual.

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DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)

Sobre o foro de eleição, lembre-se que a Súmula 33 do SurERIOR TRIBUNAL DE Jusr1ÇA informa que o juiz não pode declarar de ofício a nul idade desta cláusula. Isto por ser necessária a provocação, através da exceção terri­torial ratione loci. Tal entendimento, porém, não se aplica quando o con­trato for de adesão, tendo em vista o que prescreve o parágrafo único do art. 112 do CPC. Em síntese: nos contratos de adesão o juiz pode, de ofício, declarar a nul idade da cláusula de eleição de foro, na forma do art. 112 do CPC. até o momento da citação, sob pena de prorrogação da competência (CPC, art. 1 14). Neste caso, estamos diante de um regime sui generisde invalidade processual .

Para aqueles que desejam maior aprofundamento sobre o tema, reme­te-se ao capítulo de domicílio, constante na nossa Parte Geral.

Ainda sobre o lugar do pagamento, há regra específica para questão do imóve� assim como as prestações referentes ao mesmo. Trata-se do art. 328 do CC, segundo o qual o pagamento, em tais casos, deve acontecer no lugar onde o bem estiver situado. Eviden­temente que a hipótese envolve os direitos reais imobi liários.

Mas, e se ocorrerem hipóteses relevantes a impedir o solvens de realizar o pagamento? Estaríamos diante de uma excludente es­pecífica de responsabil idade civil?

A resposta é afirmativa e está presente no art. 329 do CC. Ocor­rendo motivo grave para que não se efetue o pagamento no lugar determinado, poderá o devedor fazê-lo em outro lugar, sem preju­ízo para o credor.

Sem dúvidas, a h ipótese é de q uebra do nexo causal, diante da ocorrência de fato externo a obstruir a realização espontânea do pagamento. Os deveres anexos da boa-fé objetiva incidem na situação, de modo que a colaboração mútua há de ser observada, nos padrões da eticidade e da função social (CC, 113. 187, 422 e 329). Trata-se, ainda, de apl icação da proporcional idade e razobal idade.

Outro importante preceito é o do art. 330 do CC: "O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato".

A doutrina mais atualizada relaciona o preceito com o institu­to da supressío (verwirkung). Explica-se: a supressão por renúncia

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

tácita a um direito ou a uma posição jurídica, decorrente do seu não exercício ao longo do tempo.

É dizer: apesar do credor e devedor ajustarem no papel o pa­gamento em um determinado lugar, o com portamento ao longo do tempo destes no sentido de admiti r, sem resistência, a realização deste adimplemento em outro local, acarreta a supressão do direito ao anterior local do pagamento, ante a legít ima expectativa constru­ída em torno da confiança.

Do outro lado da moeda, d igamos assim, do fenômeno jurídico acima narrado, é a surrectio (erwirhung), também denominada de surreição ou surgimento, a consistir no d ireito que antes não existia, mas que agora nasce da efetividade social ou da prática dos con­tratantes. Logo, há um direito agora de exigir o pagamento no local onde vem sendo realizado, ao revés do indicado no pacto.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em prova para Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado de Per­nambuco/2011 foi considerada verdadeiro, com relação ao local do pagamento, a seguinte assertiva: "o pagamento efetuar-se-á no local convencionado, mas o pagamento feito reiteradamente em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato".

� Atenção!

Para afastar a incidência do art. 330 do CC muitos contratantes inserem nos pactos a denominada cláusula de permissão ou tolerância, quando afirmam, expressamente, que qualquer conduta contrária àquilo que efetivamente está escrito não configura renúncia tácita.

Tal cláusula, porém, não vem preponderando em situações nas quais há uma conduta reiterada em sentido contrário. O direito, cada vez mais, abre os seus poros e aceita modificações pelo comportamento humano.

3.4. Do Tempo do Pagamento

Os arts. 331 a 333 do CC discipl inam o momento no qual a pres­tação deve ser adimplida. A isto se denomina de vencimento, data ou tempo do pagamento.

Quando as partes nada disserem a respeito de quando o adim­plemento deve ocorrer, o credor pode exigi-lo imediatamente, na

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DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)

forma do art. 331 do CC. Evidencia-se que o pagamento, em regra, é imediato, sob pena de incidência de juros moratórios (ex re). Afinal de contas "o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor" (CC. 397).

O art. 332 do CC trata das obrigações submetidas à condição. Neste específico caso, enquanto o credor não comprovar o imple­mento da condição, não poderá exigir o adimplemento.

Outra importante regra é a do vencimento antecipado, agora prevista no art. 333 do CC. Incide nos casos de falência do devedor ou concurso de credores (vide ainda art. 77 da Lei lI . 101/2005, de­nominada Lei de Falências), se os bens destes forem hipotecados, empenhados (ofertados em penhor), penhorados ou, finalmente, se cessarem ou se tornarem insuficientes às garantias do débito, se­jam elas fidejussórias ou reais, e o devedor, intimado, negar-se a reforçá-las.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o Ju iz Substituto do TJDFT/2011 foi considerada verda­deira a seguinte assertiva: "Pode ser cobrada a dívida antes de vencido o prazo, se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais".

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1. NOTA INTRODUTÓRIA

C a p í t u l o V

Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações (Teoria do pagamento indireto) Sumário: 1 . Nota Introdutória - 2. Consignação em Pagamento: 2 . 1 Quando é possível o uso da Con­signação em Pagamento?; 2.2. Procedimento da Consignatória: 2 .2 . I . Consignação Extrajudicial ou Bancária; 2.2.2. Consignação Judicial em Pagamen­to - 3. Imputação em Pagamento - 4. Pagamento com Sub-rogação - 5. Dação em Pagamento - 6. No­vação: 6.1. Novação Objetiva ou Real; 6.2. Novação Subjetiva ou Pessoal (Ativa, Passiva, ou Mista); 6.3. Novação Mista - 7. Compensação - 8. Confusão - 9. Remissão.

O pagamento traduz o fim natural de toda obrigação. Porém, nem sempre o pagamento se realiza da maneira desejada ou origi­nariamente pactuada. É por isto que o Código Civil também admite medidas alternativas que extinguem a obrigação, com ou sem paga­mento d ireto, emprestando a esta real idade o mesmo efeito jurídico do adimplemento.

Ocorrida uma das formas especiais ou indiretas de pagamento, apesar de nem sempre o crédito ter sido com pletamente satisfeito, exime-se a responsabil idade do sujeito passivo da obrigação. De­certo, há extinção da obrigação sem, necessariamente, satisfação do credor.

A matéria é árdua e exige dedicação, ao passo que cada forma indireta de pagamento rege-se por normas específicas, tendo as suas peculiaridades. São elas:

a) Consignação em Pagamento

b) I mputação ao Pagamento

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e) Pagamento com Sub-Rogação

d) Dação em Pagamento

e) Novação

f) Compensação

g) Remissão

h) Confusão

Destaque-se que a transação e o compromisso, também deno­minado de arbitragem, que antes estavam no Código Civil (1916) como hipóteses de pagamento indireto, hoje (Código Civil de 2002) se apresentam como contratos típicos, motivo pelo qual não serão aqui relacionados. Assim, o tratamento de tais temas reserva o seu locus na obra de contratos, por opção metodológica.

2. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO

I nteressante é a reflexão de MARIA H ELENA D1N1z1no sentid o de que no direito romano clássico, uma vez comprovado o desinteresse do credor no recebimento do crédito, restava caracterizado o abando­no da coisa devida, fato que exonerava, imed iatamente, o devedor. "Entretanto, no direito pós-clássico, exigia-se o depósito da prestação, em nome do credor, para liberar o obrigado, havendo recusa do credor em receber um pagamento ofertado".

A relação jurídica obrigacional confere ao devedor não apenas a obrigação de adimplir com a prestação, mas, tam bém, o direito subjetivo de cumpri r com o pactuado; ou seja : de pagar.

Logo, a infundada negativa do credor ao recebimento de valo­res, ou a aparição de qualquer outro fator obstativo ao adimple­mento direto, abre ao interessado a possibi l idade do manejo da consignação em pagamento (CC, art. 304). Com ela o devedor afasta a mora, transfere os riscos da perda ao credor (CC, art. 400), retira qualquer receio do pagamento indevido - ante a regra segundo a qual quem paga mal paga duas vezes - e exerce o seu d ireito ao adimplemento, preservando a sua imagem atributo (CC, art. 20) bem

i. l n Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 2. 26. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 273.

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

como o seu dever anexo de colaboração mútua, decorrente da boa­-fé objetiva e do pilar da eticidade.

O mecanismo por meio do qual o devedor deposita a prestação devida e obtém a l iberação obrigacional, exercendo seu d ireito de adim plir, denomina-se pagamento em consignação (expressão usada pelo Código Civil, no art. 334) ou mesmo consignação em pagamento (expressão do Código de Processo Civil, 890).

Como se posiciona o SUPERIOR TRIBUNAL OE JUSTIÇA sobre o tema?

A ação consignatória serve tanto para obter a quitação, como para purgar a mora nos casos em que ainda é útil a prestação (STJ, REsp. 70.887-GO).

A consignação em pagamento é instituto híbrido, pois tem trata­mento tanto no Direito Material (arts. 334 a 345 do CC/02), o qual se preocupa com a sua estrutura; como no Processual (arts. 890 a 900 do CPC), este preocupado com a forma do instituto. Hodiernamente fala-se tanto na possibi l idade do uso da via judicial, como extraju­dicial (pagamento por consideração) na consignação.

O interesse de agir no uso da aludida medida surge quando o dever jurídico primário do credor (de dar a quitação) é inobserva­do; oportunidade na qual, o dever jurídico secundário (de reparar mediante a aceitação forçada), apresenta-se também.

No exercício da consignação, teremos as seguintes figuras:

a) Consignante é o autor da consignação. Quem deposita a coi­sa devida.

b) Consignatário é o réu da consignação. Em face de quem se deposita a coisa devida.

c) Consignado é o bem objeto da consignação. É a coisa devi­da . Deverá ser uma prestação vencida e ainda não paga.

2.1 Quando é possível o..,uso da Consignação em Pagamento?

O objeto da consignação será uma obrigação de dar, móvel ou imóvel; portanto, uma coisa corpórea. o efeito prático e positivo de quem consigna é afastar a mora, os riscos da incidência do inadim­plemento, de modo que juros, honorários de advogado, cláusula

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penal, correções monetárias, entre outras despesas, fiquem afasta­das, exonerando o devedor e constituindo em mora o credor.

Como se posiciona o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?

Para o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, o depósito insuficiente é causa de im­procedência da consignação (STJ, AgRg 11.296-GO e REsp. 38.087), afas­tando a suposta mora accipiendi. Isto porque, como já estudado nesta obra, o credor tem a prerrogativa de não receber coisa diversa da pactuada, ainda que mais valiosa - Princípio da Exatidão (CC, art. 313). Ainda sobre o tema, o CPC, no art. 899, §1°, adverte: "Alegada a in­suficiência de depósito, poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a consequente liberação parcial do autor, prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida", como será posteriormente a profundado.

E como proceder nas obrigações de duração - também chama­das de trato sucessivo - a exem plo de al imentos, salários e a lugueis?

Neste caso é possível a consignação dos valores nos mesmos autos e até o q ui nto dia útil subsequente ao vencimento, enquanto não houver sentença, à medida em que se forem vencendo, sob pena de improcedência superveniente do pedido (art. 892, CPC).

Afinal de contas, se tratando de relação jurídica continuada no tempo, a coisa julgada será rebus sic stantibus.

Diga-se que prestações periódicas são, inclusive, implícitas no pedido segundo a dicção do art. 290 do CPC.

� Atenção!

A Lei de Locações em seus arts. 58/67 também discipl ina espécie de consignação em pagamento de aluguéis e acessórios.

� Como se posicionou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?

A jurisprudência atual do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA admite a consignação em pagamento para revisão de cláusulas contratuais (STJ, AgRg no REsp 87i.530, REsp. 275.979, Informativo 459, REsp. 645.756).

Registra-se que a prática forense demonstra que a casu1st1ca usual da consignação envolve obrigações pecuniárias. Porém, nem

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO E A EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

sempre é assim. Tecnicamente é possível a consignação da obriga­

ção de dar coisa certa e coisa incerta .

Quando o objeto é uma coisa certa, este deve ser entregue no local onde se encontra. Aqui reside o foro competente para proposi­tura da demanda (art. 341 CC e 891 CPC). Na prática, cita-se o credor para vir buscar o objeto, sob pena de depósito. Tal depósito po­derá, inclusive, ser ficto, como a consignação das chaves, no poder judiciário, para adimplir a obrigação de restituição de um imóvel locado, ou conferido em comodato.

Em sendo uma coisa indeterminada - leia-se: incerta - há de ser individualizada, mediante o procedimento de concentração do débito ou da prestação devida (art. 342 do CC). Com isto objetiva-se converter a coisa incerta em certa. Se a escolha couber ao devedor, não há problemas. Ele escolhe e consigna o escolhido. Caso, porém, caiba a escolha ao credor, este, in icialmente, há de ser i ntimado, para que o faça em 5 (cinco) dias, sob pena de recair o d ireito sobre o devedor, quem escolherá e consignará (art. 894 CPC). Esco­lhida a prestação, a discipl ina volta a observar o regramento do art. 341 do CC, citando-se o consignatário para o fim de receber a coisa consignada, seguindo o rito normal.

E q uando será possível o uso da consignação?

O Código Civil apresenta algumas hipóteses exemplificativas do cabimento da consignação (CC, art. 335). Trata-se de um rol aberto, porque acreditamos num sistema poroso do direito civil, em fiel harmonia com o princípio da operabil idade e da efetividade da Jus­tiça, inexistindo motivo razoável para pensar de maneira diferente e fechar as h ipóteses do pagamento em consignação.

em: Fazendo uma análise geral, as h ipóteses do art. 335 dividem-se

a) Mora do credor (Incisos 1 e l i);

b) Circunstâncias inerentes à figura do credor que impeçam o devedor de satisfazer sua intenção de exonerar-se da obri­gação (incisos I l i a V)

Vamos a elas!

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a) Se o credor não puder, ou sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar qu itação na devida forma (inciso 1 ) . • I lustra a hipótese a mora accipiendi. Diante deste

inadimplemento do credor, que falta com o dever ane­xo à boa-fé de colaboração mútua (CC, i87), estará o devedor autorizado a provocar a qu itação forçada, pa­gando por consignação. Aqui reside o interesse de agir. Observa-se que se aplica no caso de dívida portável, haja vista estar indo o devedor até o credor realizar o pagamento.

b) Se o credor não for, nem mandar receber, a coisa no lugar, tempo, e cond ição devida (inciso l i) . • Esta hipótese assemelha-se à primeira. Ocorre quando

o credor não comparece no local avençado, pessoal­mente ou por representante, para receber o bem na forma contratada. Trata-se de dívida quesível , pois aqui é o devedor que virá até o credor. Ressalta-se que a ausência do credor não impede o vencimento da obri­gação, cabendo ao devedor rea lizar a consignação.

e) Se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, de­clarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil (inciso I l i).

• São várias as casuísticas. Entretanto, a ideia é sempre a mesma: impossibi l idade de pagamento ao credor por circunstâncias alheias à vontade do devedor.

d) Se ocorrer dúvida sobre quem d eva legitimamente receber o objeto do pagamento (inciso IV).

• Na d úvida, para evitar o mal pagamento - afinal, "quem paga mal paga duas vezes" - a solução está em consig­nar o pagamento em face dos dois supostos credores, l ibertando-se da dívida. Neste caso, os credores pode­rão prosseguir na disputa sobre o objeto consignado, mas o devedor l ibera-se. O Poder Judiciário, posterior­mente à l iberação do devedor, irá indicar qual dos cre­dores deverá receber o bem consignado.

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

e) Se pender litígio sobre o objeto do pagamento (inciso V).

• A quinta e última hipótese versa acerca da existência de um litígio sobre a prestação.

Interessante pontuar que, excepcionalmente, o credor terá le­gitimidade ativa para propor a consignação: "Se a dívida se ven­cer, pendendo litígio entre credores que se pretendem mutuamente exclu ir, poderá qualquer deles requerer a consignação". É o caso de conflito entre credores pela legitimidade de recebimento, sendo possível, qualquer um deles, i niciar a consignatória para evitar que o devedor pague mal, em clara homenagem a boa-fé e eticidade relacional .

Vale lembrar que em todas estas hipóteses "para que a consig­nação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação

às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento" (CC, art. 336).

Como o artigo 336 do CC exige q ue o pagamento pela via da consignação aconteça no lugar avençado no contrato - leia-se: negó­cio jurídico -, será importante identificá-lo. Isso repercutirá na ques­tão da competência territorial, passível de ser impugnada pela via da exceção (CPC, 304) em razão do lugar - ratione loci -sob pena de prorrogação (CPC, n4).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para advogado do BDMG/2011 foi considerada verdadeira a alternativa que possuía o seguinte teor: "A consignação em pagamento tem lugar se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma; o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos; o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil; ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento; pender l ití­gio sobre o objeto do pagamento".

2.2. Proced imento da Consignatória

Com a reforma do Código de Processo Civil em 1994 (Lei 8.951/94) foi inserto, ao lado da consignação judicial, a possibi l idade do uso

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da medida extrajudicial ou bancária , com o escopo de desburocra­tizar o Poder J udiciário, permitindo uma rápida resposta.

Objetivando uma visão sistemática sobre o assunto, que per­mita ao candidato transitar bem nas provas concursais, com res­postas que envolvam tanto o d ireito m aterial quanto o processu­al, passamos a anal isar as modal idades de consignação. I n ic iamos pela extrajud icia l e, posteriormente, avançamos para a jud icia l .

2.2.1. Consignação Extrajudicial ou Bancária

Foi i ntroduzida pela Lei 8.951/94, que adicionou quatro pará­grafos ao art. 890 do CPC.

A consignação bancária se apresenta como notável mecanis­mo de operabi l idade do d i reito civil, na l i nha da desjudicialização, faci l itando a expedita solução do problema relativo à obtenção do efeito l iberatório pela q uitação extrajud icia l . I nfel izmente, sua prática é d iminuta. Falta- lhe incentivo acadêmico e aceitação so­cia l . A cultura da judicialização a inda é rea l idade no Brasi l .

Registra-se que o procedimento extrajudicial não é necessário e nem preparatório ao judicia l . É uma mera faculdade. Uma escolha.

Pela literalidade do dispositivo lega l, tal consignação apenas poderá ser uti l izada para dívidas pecuniárias - Com efeito, dispõe o art. 890, § 1°, CPC que "Tratando-se d e obrigação em d inhei ro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário oficial, onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cienti­ficando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de 10 (dez) dias para a manifestação de recusa." .

Aqui já se coloca a primeira d iscussão teórica sobre o tema. Afina l, a consignação extrajud icial englobaria a penas a possibi l ida­d e de consignar valores, ou abrange outros bens?

Para provas objetivas, em regra, aconselha-se que seja se­guida a litera l idade do dispositivo. Entrementes, em uma visão sistemática do d i reito civil, buscando a efetividade das normas, boa-fé, confiança e lealdade, pensamos ser p lenamente possí­vel a a pl icação da norma às obrigações não-pecuniárias. Nada

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

impende, por exem plo, o depósito de joias no banco. E os concur­sos, por vezes, consideram este segu ndo caminho .

� Como esse assunto fo i cobrado e m concurso?

Acerca das espécies de obrigações que podem ser util izadas para a consignação em pagamento extrajud icial, em concurso para o TJES/2011 foi considerada verdadeira a alternativa que conti nha o se­guinte teor: "De acordo com o Código de Processo Civil, a consignação em pagamento pode ser j udicial ou extrajudicia l . Esta última hipótese, entretanto, só tem ap licação no caso de obrigação em dinheiro ou de dar coisa certa móvel".

A segunda questão é : o banco, como posto na norma, há de ser oficial?

Para esmagadora doutrina, trata-se apenas de uma predileção normativa, com o escopo de facilitação de eventual procedimento judicial posterior. Explica-se. Em inexistindo banco oficia l na localida­de, nada obsta ao devedor utilizar-se de estabelecimento privado.

O depósito há de ser realizado em conta aberta em nome do credor, com correção monetária, a qual consiste em mera atuali­zação da desvalorização da moeda. O credor será notificado ou pelo banco, ou pelo próprio devedor, por via postal com aviso de recebimento.

A parti r de então, terá o credor o prazo de 10 (dez) dias para remeter ao banco a sua negativa de levantamento, por escrito, presumindo-se o silêncio como aceite (890, § 20). o único a rgumen­to posterior para impedir a aquiescência tácita, após a d ecorrên­cia do prazo, é a com provação de algum vício de cientificação.

Configurada a recusa, o i nteressado poderá propor a consig­natória jud icial no prazo de 30 (trinta) dias. Para tanto, deverá instru i r a sua exordial com a cópia do depósito e da recusa. A perda do prazo ocasionará a ineficácia do depósito - leia-se: re­torno da mora - e possibi lita ao depositante o levantamento de valores (890, §§ 3° e 4º ) .

Segu ndo PAsLo SToLZE E RoooLro PAMPLONA F1LH02, ainda que u ltrapas­sado o prazo de 30 (trinta) dias, continua possível consignar, não

2. ln Novo Curso de Direito Civil. Vol. l i . 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. i46.

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havendo de falar-se em preclusão, afinal de contas "enquanto há débito, sempre há possibilidade de consigná-lo". Arrematam informan­do que o prazo em destaque seria considerado apenas para fim de el idir a mora, no caso de recusa, como já posto .

Ainda sobre o tema, PAsLo STOm E RoooLFO PAMPLONA F1LH03sustentam ser aplicável a consignação bancária às relações trabalhistas, pois, apesar de inexistir regulação específica na CLT (omissão) "não há incompatibilidade entre o procedimento regulado pelos parágrafos do art. 890 do CPC e os princípios do processo laboral ou mesmo das re­lações de direito material".

Ousamos d ivergir, in icia lmente à luz do art. 477 da CLT tendo em vista que "o pedido de demissão ou recibo de quitação do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de 1 (um) ano de serviço, só será válido quando feito com assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho". O estabelecimento bancário, portanto, não pode se substituir às instituições identifica­das na CLT.

Deve ser acrescido a isto o princípio da especial proteção do empregado vulnerável, somado o princípio da interpretação mais benéfica, os quais impõem a opção interpretativa de controle, inclu­sive para evitar o abuso do poder econômico.

Não fosse isto, também se deveria considerar um fato social, qual seja: o de que muitos empregados não possuem contas bancá­rias, muito menos acesso a esse tipo de conhecimento.

� Como se pronunciou o TRIBUNAL SUPERIOR oo TRABALHO sobre o as-sunto?

o TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO possui decisões controvertidas sobre o tema. Em 2011 (Processo n° TST-AIRR-2800-n2009.5.05.063L Relatora Ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa) entendeu o Egrégio Tribunal pela impossibil idade do uso da consignação extrajudicial e incidência das penalizações dos artigos 467 e 477 da CLT. Todavia, outrora, em 2009 (Processos n°: TST-RR-924/2005-026-05-00.4 e TST-RR-924/2005-026-05-00.4. Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga),

3. ln Novo Curso de Direito Civil. Vai. l i . 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 147/148.

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

firmou o Egrégio Tribunal a possibi l idade do uso da medida extrajudicial, ao lado da judicial. Para tanto, porém, a medida extrajudicial carece de uma adaptação procedimental. Cita-se:

Trata-se de discussão acerca do procedimento da ação de consignação em pagamento na justiça do Trabalho, no que diz respeito ao momento próprio para ser realizado o depósito da quantia devida.

O pagamento por consignação, nos termos dos arts. 334 a 345 do Código Civil, é um procedimento mediante o qual o devedor obtém a extinção da obri­gação quando, por motivos diversos, é impedido de efetivar o pagamento diretamente ao credor.

O Código de Processo Civil, fonte subsidiária do direito processual do traba­lho, nos termos do art. 769 da CLT, estabelece dois procedimentos para a consignação em pagamento, um judicial e outro extrajudicial.

Entendo que ambos os procedimentos são compatíveis com o Direito do Trabalho, desde que sejam feitas as adequações necessárias aos princípios que norteiam o Direito do Trabalho.

[ . . . ]

No processo trabalhista, contudo, impõe-se a limitação da eficácia liberatória prevista no § 2• do art. 890 do CPC, ou seja, não há como se extinguir a obri­gação apenas pela ausência de manifestação de recusa do credor.

Isso porque, nos termos do art. 477, § 1°, da CLT, o recibo de quitação de rescisão do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de um ano de serviço, só possui validade quando realizado com a assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho. O § 2° do art. 477 também exige que o instrumento de rescisão ou o recibo de quitação deve ter especificada a natureza e o valor de cada parcela paga ao empregado.

Ademais, no processo do trabalho, para o empregador se eximir do paga­mento da multa por atraso no pagamento das verbas rescisórias, prevista no § 8° do art. 477 da CLT, a consignação do valor deve ser feita dentro do prazo a que a lude o § 6° do art. 477 da CLT.

Portanto, ainda que não haja a recusa manifestada por escrito do empre­gado, o empregador deve ajuizar a ação de consignação em pagamento no prazo estabelecido no § 3° do art. 890 do CPC, instruindo a inicial com a prova do depósito.

Destaque-se que o depósito do valor deve ser feito em estabelecimento bancário, oficial onde houver, situado no lugar do pagamento. Também exige­-se que o depósito seja feito em conta com correção monetária, podendo, no caso da Justiça Trabalhista, ser a própria conta vinculada do FGTS do empregado.

Dessa forma, deve o futuro aprovado ficar atento à divergência e nos futuros posicionamentos. Hoje, em provas, deve ser apontada a diver­gência.

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2.2.2. Consignação Judicial em Pagamento

Fazendo uma análise sob a ótica processual, afirma o artigo 891 do CPC que a ação de consignação em pagamento deve ser aju izada no local do lugar do pagamento, sendo ainda admissível a ocorrência de foro de eleição, desde que não se trate de contrato por adesão (CC, art. 424 e CPC, art. 112, parágrafo único).

Caso verse sobre a lugueis ou encargos, será competente o foro de eleição, e na, sua ausência, o do lugar da situação do imóvel, consoante o art. 58, li, da Lei 8.245/91.

Os legitimados ativos ad causam podem ser o devedor, seu re­presentante e o terceiro interessado ou não interessado que paga em nome do devedor. Nesta ú lt ima hipótese a legitimidade ativa é anômala ou extraordinária (CP(, art. 6), porque o não interessado postula, em nome próprio, d ireito alheio (CC. art. 304).

Ainda falando sobre processo civil, é também possível afirmar que os legitimados passivos ad causam serão o credor ou seu re­presentante legal . Interessante notar que em certos casos haverá a figura do litisconsórcio passivo necessário (CPC, a rt. 47), quando a obrigação, por exemplo, for indivisível, caso em que é imprescindí­vel inserir todos os credores no polo passivo da relação processual (CC, art. 268).

A inicial terá como requerimentos obrigatórios (art. 893 do CPC): a) O depósito da quantia ou coisa devida, a ser efetivado no prazo de 5 (cinco) dias contados do deferimento, ressalvada a hipótese do art. 890, § 3° do CPC (inciso 1) e b) a citação do réu para oferecer resposta (inciso l i) .

O depósito deve ser requerido na inicial, sendo que o réu é citado apenas após o depósito, para dizer se aceita ou recusa o valor. Neste úl timo caso, deverá indicar o montante incontroverso e apresentar resposta. O rito a ser seguido é o ordinário.

Caso não seja realizado o depósito, a hipótese será de indefe­rimento da inicial - artigos 267, 1 e 284, ambos do CPC. Com efeito, o depósito é pressuposto necessário para o prosseguimento da ação e desenrolar da marcha processual .

Interessante notar que no direito do trabalho o magistrado tem acesso ao processo apenas na audiência, devendo, neste momento,

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

despachar a petição inicial e, percebendo a ausência de iniciativa do consignante, cumprindo a norma processual, determinar prazo para a realização do depósito. Pensar em sentido contrário para arquivamento da reclamatória é, além de i legal - porque contrário ao CPC apl icável subsidiariamente na íntegra (Instrução Normativa n. 27, TST) -, desprestigiar a efetividade da jurisdição, a economia, simplicidade, instrumentalidade das formas e celeridade processual .

Ainda sobre o processo do trabalho, vale lembrar que o art. 765 da CLT autoriza a aplicação subsidiária do processo civil, quando houver omissão celetista e, a inda, não existir incompatibi l idade en­tre o sistema processual cível e o trabalhista.

A defesa deverá ser apresentada no prazo de i5 (qu inze) dias (CPC, art. 297). Nas pegadas do art. 896 do CPC, as possíveis maté­rias de defesa serão: a) Não houve recusa ou mora . em receber a quantia devida; b) Foi justa a recusa; c) O depósito não se efetuou no prazo e l ugar do pagamento e d) O depósito não é integral, devendo indicar aqui o montante devido, sendo vedada a defesa genérica.

Caso haja revelia teremos como consequência a aceitação tácita do depósito e decorrente condenação do réu/credor as custas e honorários advocatícios (art. 897 do CPC).

Seguindo o art. 899 do CPC, quando réu/credor enfatizar que o depósito foi feito a menor, poderá o autor/devedor complementá­-lo, no prazo de até 10 (dez) dias, salvo se o faltante corresponder a prestação que acarrete a rescisão do contrato. Ante a ausência de complementação, levantará o réu, de logo, o incontroverso, seguin­do a demanda em relação ao controverso.

No que se relaciona à parte incontroversa, o processo fica des­de logo extinto, com o ju lgamento de seu mérito. A hipótese é de reconhecimento parcial da procedência do pedido. A decisão que concluir pela insuficiência do depósito valerá como título judicial, o que confere celeridade ao procedimento. A execução, diga-se, pode acontecer, inclusive, nos mesmos autos (art. 899 do CPC).

Destarte, caso a prestação tenha se tornado imprestável ao réu, não servirá à consignação, respondendo o autor/devedor pelas cus­tas, bem como danos decorrentes.

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A decisão de procedência da consignação torna subsistente o depósito, reputa efetuado o pagamento e cessa a incidência de ju­ros moratórios. Não mais responderá o devedor pelos riscos que recaem sobre a coisa. A decisão, portanto, possui natureza ex tunc (retroativa).

Ainda sobre o depósito, em não havendo aceite do credor, a consequência jurídica deste ato acarreta efeito jurídico em face de eventuais devedores solidários e subsidiários. Isto porque o artigo 340 do CC discipl ina a perda da preferência e das garantias em seu benefício.

Em caso de improcedência, configura-se a mora do devedor -retardamento culposo no cumprimento obrigacional. Incidirá, assim, penalização por todo o período de atraso.

I nteressante lembrar que o devedor está autorizado a arrepen­der-se e cancelar o depósito, desde que o credor ainda não tenha sido i nformado e nem tenha admitido a consignação. Se isto aconte­cer, a dívida continuará existindo (Art. 338, CC).

3. IMPUTAÇÃO EM PAGAMENTO

Os pressupostos da imputação ao pagamento é a existência de u m mesmo credor e um mesmo devedor, sendo este ú lt imo obriga­do perante aquele com várias dívidas da mesma natureza, verifican­do-se um pagamento não integral. Assim, mister que seja verificada qual dívida fora q uitada, seja no todo ou em parte. Mister, por conseguinte, a imputação ao pagamento.

� Atenção!

Em curta síntese, para que se fale em imputação ao pagamento há de existir, de forma cumulativa:

a) Igualdade de Sujeitos (credor e devedor)

b) Liquidez e vencimento de dívidas de mesma natureza, o que gera exigibilidade.

c) Pagamento não integral de todas as dívidas

Em uma leitura do instituto através da lente da autonomia pri­vada, porém, pensamos ser possível a imputação ao pagamento

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de dívida ilíquida e não vencida, desde que haja, obviamente, o consentimento do credor. Decerto, é plenamente possível que, por um ato de vontade, haja a antecipação do vencimento, conferindo l iquidez à dívida.

Mas a imputação há de ser referente ao valor integral de ao menos umas das dívidas, ou poderá ser parcial?

Exempl ifica-se. Imagine que Caio tem em face de Renata três créditos, respectivamente nos montantes de: RS 150,00 (cento e cin­quenta reais); RS 200,00 (duzentos reais) e RS 400,00 (quatrocentos reais).

Caso Renata confira um valor de RS 150,00 (cento e cinquenta reais), cristalina estará a possibi l idade de imputação ao pagamen­to. Mas seria possível Renata adimpl ir apenas com RS 100,00 (cem reais)?

O tema é divergente. A dificu ldade funda-se na redação do artigo 314 do Código Civil, o qual apenas autoriza o pagamento fracionado com a aquiescência do credor. É o que se denomina de Princípio da Indivisibi l idade. Todavia, mais uma vez analisando o fenômeno sob o enfoque da autonomia privada, pensamos ser possível, desde que haja a aquiescência do credor, o pagamento parcial. Que fique claro: o credor não é obrigado a aceitar; mas poderá concordar.

� Atenção!

Não confunda a imputação ao pagamento com a dação em pagamento. Nesta, o credor, com a sua concordância, recebe coisa diversa da pac­tuada. Vide, por exemplo, aceitar uma prestação de fazer, ao revés da inicia l prestação de dar coisa certa (art. 356 do CC).

Mas, como ocorre esta imputação? Há uma ordem de preferên­cias?

Sim. O Código Civil estabelece uma ordem de preferidos para realizar a im putação, havendo direito potestativo para tanto.

Presentes os requisitos já enunciados, cabe inicialmente ao su­jeito ativo do pagamento - em regra o devedor, mas pode ser o fiador, avalista . . . - fazer a imputação ao pagamento. Assim, a "pes­soa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só

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credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos" (CC, art. 352)•.

Tecnicamente, a imputação é o direito daquele que paga indicar o que está pagando, ou melhor, qual a prestação objeto do paga­mento naquela oportunidade. Para tanto, deverá entregar a presta­ção integral, sob pena de ser necessária a aquiescência do credor, como já consignado.

Em sendo si lente o sujeito ativo do pagamento, o direito potes­tativo passa ao sujeito passivo do pagamento - em regra o credor. Aqui, deverá o credor indicar, na qu itação, qual foi o débito quitado, não podendo o devedor insurgir-se, a exceção de existência do dolo ou violência.

Se ambos si lenciarem - forem omissos -, a lei então se encar­regará de realizar a imputação ao pagamento, falando-se em uma imputação legal.

A imputação legal está discipl inada pelos artigos 354/355 do CC.

São regras objetivas, ante a omissão do devedor e do credor. Assim:

a) Prioridade para os juros vencidos em detrimento do capital;

b) Prioridade para as dívidas líquidas e vencidas anteriormen­te, em detrimento das mais recentes;

e) Prioridade às dívidas mais onerosas, em detrimento das me­nos vultuosas, se vencidas e líqu idas ao mesmo tempo.

4. Imputação do pagamento: Já ensinava Pothier, citando U lpiano, que "o de­vedor; quando paga, tem o direito de declarar qual é a dívida que está pagan­do, dentre todas as que ele tem"(Tratado das obrigações, cit., p. 498). A essa operação, pela qual o devedor de várias dívidas a um mesmo credor, ou o próprio credor em seu lugar, diante da insuficiência do pagamento para saldar todas elas declara qual das dívidas será extinta, denomina-se imputação do pagamento. Carvalho Santos, em síntese copiada, diz apenas ser "o ato pe lo qual o devedor, de mais de uma dívida da mesma natureza, a um só credor, escolhe qual delas quer extinguir (Cfr. Vampré, Manual de Direito Civil, vo l . 2, § 150)" (J. M. de Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, v. 13, cit., p . 1 1 1). Requisitos do imputação: a) Existência de duas ou mais dívidas, líquidas e vencidas, de um só devedor para com um só credor; b) idêntica natureza das dívidas.

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Tem-se por mais onerosa, por exemplo, a dívida cuja taxa de juros é mais elevada, ou que possui uma garantia real (penhor ou hipoteca).

Interessante questão é como proceder se o devedor e o credor silenciarem e as dívidas tiverem o mesmo vencimento, natureza, onerosidade e valor?

Há uma lacuna no atual Código Civil. Seguindo pos1c1onamento majoritário - falando por todos PABLo Srnm GAGUANo e RoDoLFo PAMPLONA faHo5, que seguem, no particular, os ensinamentos de ÁLvARo V1LLAÇA DE AzEVEDo - deve-se aplicar o posicionamento do revogado artigo 433 do Código Comercial, o qual determinava a quitação de todas as dívidas de forma proporcional.

Trata-se de um posicionamento De Lege Ferenda, com força na equi­dade e razoabilidade. O problema, porém, é que acábaria por obri­gar ao credor receber valor parcial, o que apenas seria possível por acordo, segundo a autonomia privada, consoante o artigo 314 do CC.

O posicionamento em comento, inclusive, é adotado em várias codificações de origem Romana, a exemplo do Código Francês (art. i.256), Italiano (art. u93) e o Português (art. 784), como lembra CARLOS ROBERTO GoNÇALVEs6•

� Atenção!

O Código Tributário Nacional possui regra específica sobre a imputação ao pagamento - art. i63. Neste caso, ante a Supremacia do Interesse Público, competirá à Fazenda Pública a prerrogativa da imputação, nos limites da gradação legal (princípio da legalidade estrita).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Nesta temática, em concurso para Ju iz Federal Substituto da 5ª Re­gião/2011 foi considerada inverídica a seguinte assertiva: "Havendo dois débitos da mesma natureza, líquidos e vencidos, o devedor pode impu­tar pagamento parcial de um deles, independentemente de convenção".

5. Op. Cit. P. 171. 6. Op. Cit. P. 323.

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4. PAGAMENTO COM SUB-ROGAÇÃO

Sub-rogar significa substituir. Tal substituição pode atingir os su­jeitos (sub-rogação pessoal) ou o objeto (sub-rogação real ou obje­tiva) de uma dada relação jurídica.

Nos termos do art. i .112 do CPC. há disciplina na jurisdição vo­luntária por meio da qual se realiza a sub-rogação objetiva. Assim, caso o indivíduo tenha gravado determinado bem de sua herança com cláusula de inalienabil idade, o sucessor não poderá, sem a devida autorização judicial, al iená-lo. Caso o faça, mediante autori­zação judicial, terá de destinar o valor na aquisição em outro bem, que se sub-rogará (substituirá) na posição do primeiro. É a sub­-rogação real.

A sub-rogação pessoal é a substituição dos sujeitos, ao revés do objeto, da. relação jurídica. Acontece, por exem plo, quando o fiador ocupa a posição de credor, em vista de ter quitado a dívida, o substituindo em face do devedor.

o direito obrigacional ocupa-se da sub-rogação pessoal. Este é o tema que, por ora, iremos enfrentar.

MARIA HELENA D1N1z7afi rma que a sub-rogação "é originária do direito canônico, que a desenvolveu e possibilitou sua irradiação para todos os códigos contemporâneos", lembrando que o direito romano não chegou a desenvolver com precisão o instituto.

Atualmente, trata-se de uma forma especial ou indireta de pa­gamento, na qual o cumprimento da obrigação é realizado por ter­ceiro, com a consequente substituição dos sujeitos da relação jurí­dica obrigacional originária: sai o credor e entra o terceiro, quem pagou a dívida ou emprestou o necessário para o cumprimento da obrigação.

A sub-rogação pessoal gera efeito liberatório , em relação ao an­tigo credor, e translativo , em relação ao novo credor, que ingressa na relação juríd ica.

Na clássica lição de Clóvis Bevi láqua, sub-rogação é "a trans­ferência dos direitos do credor para aquele que solveu a obrigação

7. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 2. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 291.

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ou emprestou o necessário para solvê-la. A obrigação pelo pagamento extingue-se; mas, em virtude da sub-rogação, a dívida, extinta para o credor originário, subsiste para o devedor, que passa a ter por credor, investido nas mesmas garantias, aquele que lhe pagou ou lhe permitiu pagar a dívida"8• Trata-se, portanto, de pagamento não l iberatório para o devedor, ainda que extintivo da obrigação em relação ao credor originário.

Fazendo a análise do Direito Obrigacional no Código Civil, infere­-se que a sub-rogação pode ser legal , também chamada de pleno direito ; ou pessoal , igualmente denominada de voluntária ou con­vencional .

A sub-rogação legal está prevista no art. 346 do CC e acontece nos casos em que terceiros interessados pagam a dívida, quando automaticamente sub-rogam-se na posição do credor, por expressa força de lei. Trata-se de ato uni lateral .

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o cargo de Procurador do Município de Americana­-SP/2011 foi considerada correta a seguinte assertiva: "Ocorrerá sub-ro­gação legal se o terceiro interessado pagar a dívida pela qua l era ou podia ser obrigado".

Já a sub-rogação convencional (art. 347, CC) é aquela realizada por terceiros não interessados: o credor que recebe o pagamento autoriza o terceiro - não interessado e que pagou - a sub-rogação em seu lugar, em face do devedor. Trata-se de ato bi lateral.

Fazendo uma análise legalista do Código Civil, infere-se que ape­nas a sub-rogação pessoal ativa é contemplada, sendo omisso o diploma sobre a sub-rogação passiva.

O Código Civil dedica o art. 346 para a veiculação das hipóteses de sub-rogação legal . Trata-se de um rol taxativo . Assim, há sub­-rogação legal :

a) Em favor do credor que paga a dívida do devedor comum (inciso 1 ) . Assim, se duas ou mais pessoas são credoras de

8. Código Civil comentado, cit., p. 147 e 148.

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um mesmo sujeito, poderá o credor secundário pagar a dí­vida do primário, visando tornar-se credor principal e bus­car todo o crédito. Geralmente os manuais recordam do se­guinte exemplo: créditos preferenciais na falência, em que alguém paga a quem está a sua frente, visando obter todo o valor; ou, ainda, o credor hipotecário, com segunda hipo­teca sobre determinado imóvel do devedor, paga ao credor titular da primeira hipoteca, sub-rogando-se no d ireito dele.

b) Em favor do adquirente do imóvel hipotecado, que paga ao credor hipotecário, bem como terceiro que efetiva o pa­gamento para não ser privado do direito sobre o imóvel �nciso 11 ) . A hipoteca é um direito real de garantia sobre imóveis. Adere ao imóvel, desde que registrada, podendo o credor executá-la aonde quer que o imóvel esteja e com quem

·quer que esteja (direito de sequela). O adquirente do

imóvel, assim, querendo livrar-se da hipoteca, pode pagá-la, sub-rogando-se no d ireito do credor em face do devedor (antigo proprietário). O promitente comprador também pode fazê-lo, com o fito de não perder a possibi l idade do negócio .

e) Em favor do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte (inciso 11 1) . É a hipótese mais corriqueira, lembrando-se do fiador, do devedor sol idário, etc . .

Neste sentido, segue a ementa da decisão prolatada pelo Tribu-nal do Estado do Rio Grande do Sul:

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AÇÃO DE COBRANÇA. FIADOR. QUITAÇÃO DO INTEGRAL DO DÉBI­TO. SUB-ROGAÇÃO. FATO INCONTROVERSO. DÍVIDA QUE DEVE SER ADIMPLIDA PElA RÉ. SENTENÇA CONFIRMADA. o contexto proces­sual evidencia, forma estreme de dúvidas, que o autor, na qualidade de garantidor do débito contraído pela ré junto ao Banco Sicredi, efetuou o adimplemento da quantia de­vida, consoante recibo da fl. 10. Assim, restou operada a sub-rogação, sendo certo que nem mesmo em contestação há a negativa da demandada, que apenas afirmou, gene­ricamente, nada dever ao autor, pois a quitação da dívida ocorreu por deliberação própria do fiador. Portanto, é ine­gável o direito do demandante de perseguir seu crédito, in­cumbindo à ré, por evidente, ressarci-lo, nos exatos termos

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da decisão hostilizada, que merece ser mantida, por seus próprios fundamentos. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Cível N° 71004278081, Segunda Turma Recursai Cível, Turmas Recursais, Relator: Carlos Francisco Gross, ju lgado em 27/02/2013).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Acerca da análise das hipóteses de sub-rogação convencional, em concurso para o TJDFT/2011 foi considera correta a seguinte assertiva: "Opera-se a sub-rogação de pleno direito em favor do adquirente do imóvel hipotecado, q ue paga a credor h ipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito so­bre imóvel". Nesta mesma questão, considerou-se inverídica a seguin­te afirmativa, em razão de generalizar as hipóteses de sub-rogação convencional, sem considerar as pecu l iaridades, conforme enunciado acima: "A sub-rogação é convencional na hipótese do terceiro inte­ressado, que paga a dívida pelo qual e ra ou podia ser obrigado, no todo ou em parte".

Sobre o mesmo tema, no concurso para Analista Judiciário do TRF 5• Região/2012 teve-se correta a afirmação: "Quando terceira pessoa em­presta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a con­dição expressa de ficar o mutuante com direitos iguais aos do credor satisfeito, tem-se configurada a sub-rogação convencional."

Já no que diz respeito à sub-rogação legal, na prova para Procurador -BACEN, banca organizadora CESPE, ano de 2013, foi cobrada a questão a seguir:

O fato de alguém instituir hipoteca sobre seu imóvel e depois o vender a outrem, que pague o valor da hipoteca a fim de livrar o bem do vín­culo real configura .

a) imputação. b) sub-rogação.

c) dação. d) novação.

e) compensação.

o gabarito é a letra B.

� Como se pronunciou o SuPREMo TRIBUNAL FEDERAL o sobre o tema?

A propósito, a Súmula 188 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL "O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite previsto no contrato de seguro".

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Além das hipóteses de sub-rogação legal, nada impede que as partes, consoante a autonomia privada, criem outras casuísticas, por estipu lação negocial. Neste cenário, estar-se-á diante de uma sub­-rogação convencional, o que se passa a estudar.

O Código Civil dedica-se ao tema no seu art. 347, i nformando que há sub-rogação convencional :

a) Quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expres­samente lhe transmite todos os seus direitos (inciso 1) . Trata­-se de casuística bem próxima a da cessão de crédito. justo por isto, i nclusive, que o legislador ordena a aplicação suple­tiva das regras da cessão a esta específica modalidade de sub-rogação (CC, art. 348).

b) Quando terceira pessoa empresta ao devedor quantia pre­cisa pa�a solver a dívida, sob condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito (inciso li). Aqui é possível que o mutuante já ajuste com o mutuário, no negócio de empréstimo, que ficará sub-rogado nos direi­tos do credor primitivo, valendo-se, até mesmo, das garan­tias primitivas.

� Atenção!

A sub-rogação não se confunde com a cessão de crédito. Isto porque nesta há uma transferência do crédito em si, sem os acessórios. Ade­mais independe do pagamento. Já na sub-rogação, a transferência ape­nas acontece após o pagamento.

Que fique claro: a cessão de crédito ocorre antes do pagamento da dívida. Já no pagamento com sub-rogação, a transferência se dá após a liberação (extinção) de dívida.

Apesar do dito, admite-se que há pontos de contato entre os institutos. Tanto é assim que a própria legislação manda aplicar, supletivamente, à hipótese do art. 347, 1 do pagamento com sub-rogação, os dispositivos da cessão de crédito (CC, art. 348).

Na forma do art. 349 do CC o principal efeito do pagamento com sub-rogação é transferir ao novo credor os direitos, ações, garantias, acessórios, privi légios do primitivo credor, decorrente da dívida.

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO E A EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

MARIA HELENA D 1N1z9afirma que a sub-rogação acarreta efeito libe­ratório, porque exonera o devedor em face do credor originário, e efeito translativo, na medida em que transfere a outrem, "que satis­fez o credor originário", os direitos de crédito que este desfrutava.

Na sub-rogação convencional é possível, d iante do caráter con­vencional, as diretrizes enunciadas sobre os efeitos são supletivas, sendo possível que o próprio negócio regule acerca das conse­quências.

� Atenção!

O art. 350 do CC aduz que, ao sub-rogado, é proibido cobrar além da soma que houver desembolsado. Trata-se de artigo, na dicção do Códi­go Civil, dirigido à sub-rogação legal.

Exemplifica-se: em sendo o valor da dívida de R$ 2.000,00 (dois mil re­ais), e conseguindo o fiador desconto e pagamento em R$ i.000,00 (um mil reais), sub-roga-se no pagamento de apenas R$ i.000,00 (um mil reais), sob pena de caracterização de enriquecimento ilícito.

Entendemos que, apesar da omissão normativa, o art. 350 do CC tam­bém deve ser aplicado à sub-rogação convencional. Pensamento em contrário acabaria por desvirtuar o caráter gratuito (não oneroso) da sub-rogação, confundindo-a com a cessão de crédito onerosa, esta sim com nítido caráter oneroso e especulativo.

Como proceder se houver concorrência de direitos entre o cre­dor originário e sub-rogado parcial?

Neste cenário, o primitivo terá preferência no pagamento (CC, art. 351). Trata-se d e regra de equidade, até mesmo em virtude de ser o primeiro crédito mais antigo.

5. DAÇÃO EM PAGAMENTO

De origem romana, a dação em pagamento, também conhecida como datio in so/utum,é mais uma modal idade de pagamento espe­cial ou indireto. Nesta o credor admite receber prestação diversa da que lhe é devida, na forma do art. 356 do CC.

9. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 2. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 298.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Constitui h ipótese excepcional, pois o princípio da exatidão in­forma que o credor não é obrigado a receber prestação d iversa da que foi contratada, sendo, por isto, imprescindível a concordância do sujeito passivo do pagamento (CC, art. 313).

Exemplifica-se quando o devedor tem como obrigação uma prestação pecuniária, no valor de RS 500,00 (quinhentos reais), e paga, com o consentimento do credor, mediante uma obrigação de fazer (prestação de serviço), extinguindo indi retamente a obrigação.

� Atenção!

Na dação em pagamento não se estar a falar de hipóteses relacionadas a obrigações alternativas ou subsidiárias, mas, sim, em pagamento atra­vés de prestação diversa da pactuada, com o consentimento do credor.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

(FUNCAB - 2013 - ANS - Atividade Técnica de Suporte - Direito) O instituto da dação em pagamento no Código Civil em vigor caracteriza-se quando: a) a pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar a qua l deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos. b) se transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores. c) o credor consente em receber prestação diversa da que lhe é devida. d) terceiro assume a obrigação do devedor, com o consentimento ex­presso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo. e) a obrigação é extinta mediante o depósito judicial ou em estabeleci­mento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais. O gabarito é a letra C.

A partir da análise do conceito, infere-se que são requisitos ne-cessários para a ocorrência da dação em pagamento:

162

a) Existência de Dívida Vencida e Exigível;

b) Consentimento do Credor

e) A Entrega de Coisa Diversa da Devida

d) O animus so/vendi ou Intenção de Pagamento do Devedor e Quitação do Credor

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

Sobre o tema, confira o julgado do Tribunal do Rio Grande do Sul, no ano de 2014:

� Atenção!

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICA­DO. ENERGIA ELÉTRICA. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DAÇÃO EM PAGAMENTO. PENHORA. BEM IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE TERCEIRO. RECUSA JUSTIFICADA PELO CREDOR. POSSIBILIDADE. A dação em pagamento pressupõe a concor­dância do credor com o recebimento de coisa diversa da prestação devida. I nteligência do art. 356 do Código Civil. A execução deve tramitar conforme melhor interesse do cre­dor, consoante art. 612 do CPC. Embora não se desconheça o princípio consagrado no artigo 620 do CPC, a penhora deve recair sobre bem de propriedade do devedor, a fim de as­segurar, com segurança e certeza, a satisfação do crédito. Recusa justificada. Decisão mantida. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento N° 70058769472, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Ju l­gado em 06/03/2014) .

Não confundir a dação em pagamento com a dação pro solvendo. Isto porque a dação em pagamento gera a extinção do vínculo obrigacional. Já a pro solvendo é um mecanismo de facilitação de cumprimento da obrigação. Tem-se dação pro solvendo, por exemplo, quando A tem um crédito em face de B, e B um crédito em face de C. Assim, B faz uma cessão do seu crédito para A, que passa a ter um crédito contra e. A dação pro solvendo, apesar de conter embutida uma cessão de crédi­to, não gera a extinção da obrigação ao cedente, sendo que este ape­nas será l iberado quando da ocorrência do efetivo pagamento. Traduz, portanto, um mecanismo de facilitação do cumprimento obrigacional . Neste cenário que deve ser entendida a regra especial, envolvendo o tí­tulo de crédito, prevista no art. 358 do CC. ln verbis: "Se for título de cré­dito a coisa dada em pagamento, a transferência importará em cessão." O futuro aprovado deve ainda ficar atento com o fato de se aplicar à dação em pagamento a evicção (art. 359 do CC). Logo, se a coisa for perdida por força de decisão judicial, ou ato administrativo, em face do adquirente de boa-fé, este estará protegido em sua legítima confiança. No mesmo sentido é possível aplicar o regramento dos vícios redibitó­rios à dação em pagamento.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

A prova para o cargo de Auditor Fiscal da Receita Estadual - SEFAZ/RJ, banca FCC, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "Ocor­rendo dação em pagamento, se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, restabelecer-se-á a obrigação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros".

Por fim, observe-se que nem sem pre a dação em pagamen­to é autorizada pelo ordenamento jurídico. o art. i.428 do CC, por exemplo, a proíbe no caso de garantias, como a hipoteca, pois se o credor pudesse ficar com a coisa dada em garantia, a h ipótese seria de contrato comissório.

• Como se posicionou o SUPERIOR TRIBUNAL oe JusnÇA sobre o tema?

o SUPERIOR TRIBUNAL DE ]USTIÇA aceita a dação em pagamento no d ireito de famíl ia, mormente em casos de dívida a l imentar e com o fito de impedir a prisão civi l . Apenas a para i lustrar o dito, informou o ju l­gamento do HC 20.3 17/SP, Rei. Min istro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, ju lgado em 25.06.2002, DJ 1 1 . 1 1 .2002 p. 219, que "O débito, vencido há mais de dois anos e relativo a q uatro anos de prestações a l imentícias, alcançando alto valor, a inda que fruto de execução sob o rito do artigo 733 do Código de Processo Civil, pode ser saldado por dação de imóvel em pagamento. Ordem concedida para suspender a prisão pelo prazo de trinta dias, a fim de oportunizar a postu lada dação em pagamento."

Entrementes, para tanto há de ter aquiescência do credor, com bem posto pelo mesmo Egrégio Tribunal; in verbis: "Como já frisado pelo Tribunal "a quo", não pode o impetrante pretender a exoneração da dívida pela imposição de acordo à alimentanda, de maneira que a pro­posta oferecida por outro meio que não pecuniário não impõe a acei­tação pela exequente" (HC 104680. Relator Min. Sidnei Beneti. Data da Publicação: 12/08/2008).

6. NOVAÇÃO

Etimologicamente, novação é palavra de origem latina que signi­fica nova obrigação. Novatio (novus, nova obligatio). Sua principal raiz histórica é o Direito Romano, o qual já permitia a possibi l idade de transferência de uma dívida antiga por uma obrigação nova.

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

Nos dias de hoje, a novação constitui um ato de vontade com­plexo, com o escopo de extinção-criação de uma nova obrigação. Não existe novação cogente, decorrente da lei. Sempre envolve um ato de vontade.

A novação ocasiona o pagamento especial ou indireto, tendo discipl ina nos artigos 360 usque 367 do CC.

Assim, novar é, por ato de vontade, criar obrigação nova em substituição da anterior. Neste novo vínculo há uma mudança das pessoas (devedor ou credor), e/ou alteração do objeto (prestação), do conteúdo da causa debendi. I mportará na extinção da dívida pri­mitiva com todos os seus acessórios e garantias; afinal : o acessório segue a sorte do principal (arts. 92 e 364, CC), salvo disposição de vontade específica em contrário.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em prova realizada pelo I NSTITUTO CIDADES/2011 foi considerada correta a seguinte assertiva: "Dá-se a novação quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este".

j usto por isto que o fiador também é protegido nos casos de novação. Somente se consentir é que continuará obrigado. Não con­sentindo, estará liberado (art. 366, CC).

Outrossim, a novação, como ato negocial que o é, apenas terá efeitos inter partes, leia-se: intuito persona. E se a novação envolver um dos codevedores solidários, o que acontece?

Conforme reza o a rt. 365 do CC, apenas o patrimônio de quem assumiu a nova obrigação passa a garantir o débito. Os demais co­devedores solidários são liberados. Tal raciocínio decorre de dois motivos. A uma porque a solidariedade não se presume, decorren­do da lei ou da vontade das partes (CC, a rt . 265); e a duas porque a novação é intuito persona. Decerto, ao novar é extinta a obrigação anterior, e cria-se um novo víncu lo, o qual, como negócio que o é, apenas poderá obrigar as partes contratantes.

Nessa esteira de pensamento, na hipótese de existir solidarie­dade ativa entre credores, a novação realizada por um dos cre­dores gera a extinção da dívida para os demais, os quais apenas

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

poderão acionar aquele que realizou a novação. Isto porque houve a extinção da obrigação primitiva.

Para que haja novação, segundo ORLANDO GoMEs1º, haverão de se-rem verificados os seguintes requisitos:

a) Existência de uma obrigação primitiva (obligatio novanda);

b) Criação de uma Obrigação Nova (aliquid novi);

e) Vontade de novar (animus novandi), expresso ou tácito (art. 361, CC).

Sobre o primeiro requisito - obligatio novanda - recorda-se que a obrigação anulável poderá ser novada, haja vista a possibi l idade de sua convalidação (art. 172 do CC). O mesmo, porém, não acon­tece com a obrigação nula ou extinta, a qual inadmite saneamento (arts. 169, 178, 179 e 367 do cc)n.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Procurador do Estado/SP/2012 foi considerada inverí­dica a seguinte proposição: "na solidariedade ativa, extinta a obrigação, quer pelo meio direto do pagamento, quer pelos indiretos, como nova­ção, compensação, transação e remissão, responde o credor favoreci­do, perante os demais, pelas quotas que lhes couberem"

E as obrigações naturais, admitem novação?

Entendemos que as obrigações naturais também podem ser ob­jeto de novação, pois, tecnicamente, constituem espécie de obriga­ção. Contudo, duas são as correntes ao derredor do assunto, como adverte MARIA HELENA D1N1z12:

Corrente l - afirmativistas (PLANIOL, SERPA LOPES, S1Lv10 RoDRIGUEs, josÉ SORIANO RODRIGUES e a própria MARIA H ELENA D1N1z). Segundo esta corrente a própria lei val ida o pagamento de obrigações naturais ou imperfei­tas (CC, art. 882), de modo que a novação é possível . Sustentam a

10. Op. Cit. p. 167. 11. Sobre o tema nulidades - absolutas e relativas - e a possibilidade de conser·

vação dos atos, remete-se o leitor ao Volume de Parte Geral, especificamente o capítulo que versa sobre fato, ato e negócio jurídico.

12. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 2. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 273.

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO E A EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

tese, até mesmo, ante o caráter irrepetível das obrigações naturais (art. 814 do CC).

Corrente 2 - negativistas (WAsH1NcroN DE BARROS MoNrE1Ro, CL0v1s BEVILÁQUA E CARVALHO DE MENDONÇA). Segundo estes doutrinadores as obrigações naturais não seriam passíveis de pagamento compulsório, porque ostentam natureza moral. Assim, o que haveria não seria novação, mas vínculo originário.

Dando continuidade na análise dos requisitos, para que seja respeitada a aliquid novi - segundo requisito - far-se-á necessária criação de uma obrigação substancialmente diversa da primeira. Há de existir d iversidade substancial entre a obrigação anterior e a nova. Tal variação pode d izer respeito a aspectos subjetivos (credor e devedor), ou objetivo (a prestação em si). Ademais, simples mu­danças acessórias, a exemplo de aumento de prazo para adimple­mento e remissão de juros, não significam novação.

Soma-se aos dois requisitos tratados a necessidade da i ntenção de novar; ou seja: o animus novandi. Este terceiro requisito é deno­minado pela doutrina de anímico (subjetivo). É indispensável. Des­tarte, a sim ples substituição do objeto da obrigação, sem a vontade subjetiva de novar, por exemplo, não gera a criação da segunda obrigação. Poderá acontecer aqui confirmação ou reforço da obriga­ção primitiva ou, até mesmo, uma dação em pagamento (arts. 356 e 361 do vigente CC).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Defensor Públ ico MS/2012 foi considerada verda­deira a seguinte assertiva: "o ân imo de novar pode ser tácito, mas inequívoco.".

� Atenção!

Faltando a vontade de novar (elemento subjetivo) a obrigação mais recente apenas confirma a mais antiga, como em um reforço obriga­cional. Como a novação pode ser tácita (princípio da simpl ic idade das formas nos negócios j u rídicos, a rt. io7 do CC), deve-se interpretar o caso concreto, de acordo com a boa-fé, os usos e costumes do lugar (art. 1 13, CC).

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Nesta esteira, a em 1ssao de cheques em pagamentos não honrados pode não configurar novação, mas simples reforço da obrigação pri­mitiva (dação por causa do pagamento ou em função do pagamento), daí porque o credor poderá, em tese, cobrar os dois títulos. Justamente por isto é que a falta de provisão de fundos em situações como estas também não impediria a cobrança da primeira obrigação. O exame das circunstâncias do caso concreto é importantíssimo.

De mais a mais, como negócio que o é, a novação haverá de respeitar os requisitos legais da validade, devidamente estudados em nosso volume dedicado à Parte Geral, no capítu lo sobre Fato, Ato e Negócio jurídico.

• Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL oE JusnÇA sobre o tema?

Renegociação de dívida não vai gerar, necessariamente, novação. Para que esta exista é preciso que as partes efetivamente constituam uma obrigação nova, l iquidando a obrigação anterior e com intenção de no­var. A simples diminuição de multa, ou até mesmo o seu perdão (re­missão), não implica em novação, como já decidiu o STJ (ArRg no RESP 588241/MG).

o ju lgamento em comento caminha de acordo com a Súmula 286 do Surm10R TR1euNAL oE JusnçA "A renegociação de contrato bancário ou a confissão de dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegali­dades dos contratos anteriores".

Ainda sobre a novação, decidiu o Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul pela não configuração no caso concreto:

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AGRAVO DE INSTRUM ENTO. N EGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDIC IAL. PARCELAMENTO DA DÍVIDA ENTRE O CREDOR E A DEVEDORA PR INC IPAL, SEM A PARTIC I PAÇÃO DOS FIADORES. HOMOLOGA­ÇÃO DE ACORDO. NOVAÇÃO. I NOCORRÊNCIA. Em que pese os fiadores não terem expressamente anuído com o parce­lamento da dívida em execução, na petição de acordo, não há como admitir a ocorrência de novação . H ipótese em que não se configurou a exti nção da obrigação, ocor­rendo apenas o parcelamento da dívida em 60 vezes, sem a lteração de substância, não se podendo a partir d isso conclu i r por caracterizada q ua lquer das situações p revistas no art. 360 do Código Civi l . Houve, tão somente,

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AINDA SOBRE O AOIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

o parce lamento do débito efetivamente garantido pe los agravados, circunstância que de les não retira responsa­bi l idade pelo pagamento por conta da fiança prestada. AGRAVO DE I NSTRUMENTO PROVI DO. (Agravo de I nstrumento N° 70056420797, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribuna l de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Ju lgado em 18/12/2013).

A doutrina, com base no Código Civil, traça a existência de três espécies de novação: a) Novação objetiva; b) Novação subjetiva (ati­va, passiva - expromissão ou delegação - ou mista) e c) Novação mista. Sinteticamente:

Objetiva ou Real

Subjetiva ou Pessoal

Mista j -

Ativa )

� Mista J

A partir de então iremos abordar tais modal idades.

6.1. Novação Objetiva ou Real

Expromiss�

Delegação J

É a modal idade mais corriqueira. Está prevista no art. 360, i nciso 1 do CC e acontece quando "o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior". Exem plo: João é devedor d e Pedro em uma obrigação de dar coisa certa. De co­mum acord o, resolvem extinguir a obrigação primitiva e criam u m novo vínculo entre e les, tendo p o r objeto, agora, uma prestação de serviço.

Seria possível uma novação objetiva mantendo a mesma moda­l idade de prestação?

Nada impede. Todavia, a prova da aliquid novi e animus novandi haverá de ser mais acurada.

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� Atenção!

A novação objetiva é instituto diverso da dação em pagamento. Na da­ção, a obrigação originária permanece a mesma, apenas com modifi­cação do seu objeto, com a devida anuência do credor. Já na novação objetiva, a obrigação principal é extinta, com criação de novo vínculo e alteração do objeto, tudo com a concordância das partes.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o Analista Jurídico/2011 foi considerada apresentado o seguinte caso: "Sr. Tutantan realizou contrato de prestação de serviços com Sr. Sesta Filho, estabelecendo o prazo de seis meses para cumpri­mento, mediante remuneração mensal de RS 5.000,00. No terceiro mês, o prestador dos serviços aduz impossibilidade de finalizar os trabalhos no prazo avençado. Após acordo entre as partes contratantes, um novo ne­gócio é realizado, estabelecendo o prazo de dez meses e remuneração mensal de RS 4.000,00. As partes deram mútua e irrevogável quitação pelas obrigações anteriores, declarando sua substituição pela posterior avença. Diante de tais fatos e à luz da legislação civil em vigor, conside­re as afirmativas abaixo." Sendo a única afirmativa verdadeira a seguin­te: "Houve claro "animus novandi", caracterizada a novação objetiva."

6.2. Novação Subjetiva ou Pessoal (Ativa, Passiva, ou Mista)

Sistematizando o tema, i nfere-se que a novação subjetiva acon-tece em três hipóteses:

a) Por mudança do Devedor - novação subjetiva passiva

b) Por mudança do Credor - novação subjetiva ativa

e) Por mudança do Credor e do Devedor - novação subjetiva mista

A novação subjetiva passiva tem lugar quando há a extinção de uma obrigação prim itiva, criação de uma nova e a alteração do devedor, com a su bstitu ição do primitivo, ficando este qu ite com o credor. Sai de cena o antigo d evedor, com a obrigação qu itada, e adentra o novo devedor, l igado por novo vínculo obrigacional .

A doutrina vaticina que a novação subjetiva passiva poderá ocorrer de dois modos: a) Por Expromissão e b) Por Delegação.

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

A novação subjetiva passiva por expromissão ocorre quando a substituição do devedor acontece independentemente da sua con­cordância. I nfere-se mudança no polo passivo da relação jurídica obrigacional por sim ples ato de vontade do credor (art. 362 do CC). O exem plo mais corriqueiro dos livros é um fi lho abastado que quita dívida de seu pai, atualmente desapossado, sem o consentimento do seu genitor. Verifica-se uma segunda obrigação, nova em relação à primeira, que foi quitada.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o cargo de Juiz Substituto do TJSP/201 1 foi considerada incorreta a alternativa que apresentava o seguinte teor: "A novação por substituição do devedor depende do consentimento deste". No concur­so para Defensor DPE/MA 2011 foi considerada falsa a proposição: "A novação subjetiva passiva por expromissão independe do consentimen­to do credor; assim, o devedor primitivo, desde que anua, poderá ser substituído por novo devedor."

Já a novação subjetiva passiva por delegação exige a participa­ção do devedor primitivo no ato novatório, indicando uma terceira pessoa, a qual assumirá o débito, com a devida concordância do devedor primitivo. Aqui teremos os seguintes participantes:

a) Delegante (antigo devedor);

b) Delegado (novo devedor);

e) o Delegatário (credor).

Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Na prova para o cargo de Promotor de Justiça - MPE/RO, realizada pela banca CESPE, ano de 2013, foi cobrada a seguinte questão:

João assinou nota promissória em garantia a empréstimo tomado de Carlos, no valor de RS 5.000,00. Não tendo conseguido pagar a dívida no prazo acordado, João solicitou a sua irmã, Cláudia, que assinasse nova nota promissória, comprometendo-se a realizar o pagamento do débito em sessenta dias. Carlos concordou com o negócio e o título assinado por João foi inutilizado. Nessa situação, houve:

a) assunção de dívida.

b) cessão de crédito.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

c) novação

d) imputação do pagamento.

e) pagamento com sub-rogação

A assertiva correta é a letra C.

o delegante - devedor primitivo - é excluído e l iberado, pois sua obrigação resta extinta.

I nteressante que o Código Civil não trata especificamente da novação subjetiva passiva por delegação. Todavia, é uníssona a sua possibi l idade ante o ideal da autonomia privada.

Regra im portante para a novação subjetiva passiva é aquela pre­vista no art. 363 do CC, segundo a qual inexistirá direito de regresso contra o devedor primitivo em face de eventual inadimplemento do novo sujeito passivo, salvo, evidentemente, prova de má-fé, afinal de contas: ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Ju iz Substituto do TJSP/2011 foi considerada verdadei­ra a seguinte assertiva: "Se o novo devedor for insolvente, o credor que o aceitou pode ajuizar ação regressiva contra o primeiro, se houve má-fé deste na substituição''.

� Atenção!

A novação subjetiva passiva não se confunde com a cessão de débito - assunção de dívida -, ao passo que nesta não há extinção da obri­gação primitiva e criação da nova, mas mera transmissão do víncu lo .

Além disso, a novação subjetiva passiva a inda não se confunde com o pa­gamento realizado por terceiro, interessado ou não. O motivo é o mesmo: na novação cria-se nova obrigação, extinguindo-se a anterior, enquan­to no pagamento por terceiro é adimplemento da obrigação primitiva.

Verifica-se a novação subjetiva ativa quando houver alteração no polo ativo da obrigação. Extingue-se a relação jurídica obrigacio­nal anterior, cria-se um novo vínculo e altera-se o credor primitivo (art. 360, li, do CC/02). Como é extinto o vínculo primitivo, o devedor fica quite com o credor primitivo, passando, todavia, em função de um novo vínculo, a dever a outro credor.

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO E A EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

O exemplo geralmente lembrado nos manuais, pois atinentes às relações comerciais, é a hipótese de A ser credor de B e devedor de e. Assim, é feita uma novação fazendo uma novação na qual e passa a ser credor de B.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Analista Judiciário do TRF- 5ª Região/2012 foi conside­rada verdadeira a seguinte afirmativa: "Quando, em virtude de obriga­ção nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este, tem-se configurada a novação ativa."

A importância prática do instituto em comento, porém, é dimi­nuta, mormente quando considerada as vantagens da cessão de crédito, a qual permite a transmissão da obrigação com a manuten­ção do vínculo.

Já na novação subjetiva mista tanto o credor, como o devedor, são alterados, simultaneamente. É, assim, a soma dos institutos an­teriores (art. 360, l i e I l i do CC).

6.3. Novação Mista

Nesta há extinção da obrigação primitiva, com a criação de uma nova, sendo alterado o credor, ou o devedor, e o objeto de p res­tação obrigacional . Infere-se, assim, a soma das figuras da novação objetiva e subjetiva.

O exemplo mais corriqueiro é o pai que assume a dívida do fi lho, sem o consentimento deste - novação subjetiva passiva por extromissão -, alterando o objeto da prestação - a obrigação que era de dar coisa certa (pecuniária), passa a ser um fazer, como uma prestação de serviços.

� Como já se pronunciou o SuPERIOR TRIBUNAL oE JuSTiçA sobre o tema?

A jurisprudência do SuPrn10R TRIBUNAL DE JusnÇA entende que no caso do REFIS (Programa de Recuperação Fiscal), o parcelamento do débito tributá­rio extingue a obrigação primitiva, caracterizando uma novação (AgRg no Resp 522903/PR. Rei. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, ju lgado em 15.03.2005, DJ 25.04.2005 p. 225).

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Acerca da novação, na prova para Advogado - ITESP, banca organizadora VUNESP, ano de 2013, foi tida como verdadeira a proposição: "a nova­ção ocorre quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior; q uando novo devedor sucede ao anti­go, ficando este quite com o credor; quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este, porém, se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição".

7. COMPENSAÇÃO

Na dinâmica das relações humanas, nada impede que dois su­jeitos tornem-se credores e devedores recíprocos. Aqui é plenamen­te possível a lembrança ao instituto da compensação, como uma forma indireta ou especial de pagamento.

PAsLo Srnm E RoooLFo PAMPLONA F1Ltto13afirmam que a compensação é uma forma de extinção de obrigações "em que seus titulares são, re­ciprocamente, credores e devedores", extinguindo a obrigação até o l imite da existência de crédito recíproco, remanescendo, se houver, saldo em favor do maior credor (CC, art. 368).

Trata-se de um instituto que homenageia a operabi l idade, etici­dade e a função social dos negócios jurídicos.

Assim, caso A tenha um crédito em face de B de RS 3 .000,00 (três mi l reais), e B também tenha um crédito em face de A no mesmo montante; verificada a compensação, as obrigações esta­riam extintas. Caso, porém, o crédito de B fosse de RS 4.000,00 (quatro m i l reais), remanesceria RS i .000,00 (um mi l reais) de cré­d ito a B. Logo, é possível a com pensação plena ou total, bem como a restritiva ou limitada.

No direito do trabalho o instituto da compensação há de ser visto de modo mais restrito, tendo em vista o que determina o a rt.

13. l n Novo Curso de Direito Civil. Vai. l i . 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 191.

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

767 da CLT, pois ali a "compensação, ou a retenção, só poderá ser arguida como matéria de defesa".

� Atenção!

Não confundir a compensação, na qua l há duas partes reciprocamen­te consideradas, com a confusão, em que a mesma parte reúne o crédito e o débito em suas mãos. Exemplo: A é devedor de B (seu tio) da quantia de R$ io.000,00 (dez mil reais) e B vem a falecer. Sen­do A o seu ú nico herdeiro, estar-se-á diante da confusão, ao revés de compensação. O tema confusão será aprofundado adiante, a inda neste capítu lo .

A doutrina, analisando o tratamento da compensação no or­denamento jurídico nacional, informar que há três modalidades de compensação: legal, convencional e judicial (processual) .

A legal é a regra. Nela, satisfeitos os requisitos, o juiz irá ape­nas declarar a compensação. Trata-se de defesa indireta de mérito (exceção substancial), levantando-a em prel iminar de mérito. Mas, q uais são os requisitos?

Os requisitos são:

a) Reciprocidade das Obrigações;

b) Liqu idez das Dívidas;

c) Exigibi l idade Atual das Prestações;

d) Fungibil idade ou Homogeneidade dos débitos.

Os req uisitos da compensação legal, mutatis mutandis, aplicam­-se à convencional. Vamos a eles!

Entende-se por reciprocidade das obrigações a necessidade de obrigações simu ltâneas, com inversão dos sujeitos em seus polos. Fiquem atentos! Há uma exceção legal à reciprocidade das obriga­ções: a possibi l idade do fiador compensar o débito do devedor principal, com crédito que ele (garantidor) possua em face do cre­dor, haja vista a sua condição de terceiro interessado (art. 371 do CC). Exem plo: imagine que João a luga um bem a Carlos, e Luciano é o fiador. Se Luciano tiver um crédito em face d e João, poderá com­pensar o débito de Carlos.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No que se refere à compensação, a prova para Juiz - TJSP, VUNESP, ano de 2013, considerou correta a afirmativa: "apesar da regra geral de que o devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever, ao fiador é permitido compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado".

Como exceção que o é, o supracitado art. 371 do CC merece interpretação restritiva, até mesmo ante ao comando legal do art. 376 do CC, o qual determina que o terceiro obrigado por determi­nada pessoa não pode com pensar esta dívida com a que o credor lhe deve.

Ademais, é importante recordar que na cessão de crédito o de­vedor notificado deve opor de imediato à compensação, sob pena de preclusão. Em não sendo notificado, poderá opor a qualquer momento (CC, art. 294). Este tema, por razões didáticas, será apro­fundado q uando do capítulo de transmissão das obrigações.

Outrossim, na dívida solidária a compensação do codevedor apenas poderá acontecer até o m ontante da sua parcela, sob pena de enriquecimento ilícito.

Acerca da liquidez das dívidas , é clarividente que para com­pensar, faz-se necessário que as dívidas estejam expressas em uma razão numérica. Não se pode compensar um crédito de RS 2.000,00 (dois mi l reais) com uma obrigação de indenizar, em perdas e da­nos, pendente de l iquidação.

Seguindo com os requisitos, as prestações haverão de ser Exi­gíveis ; leia-se: vencidas. Obviamente, em homenagem à autonomia privada, nada impede que na via convencional haja compensação de um crédito vencido com um vincendo.

O ú ltimo requisito para a compensação legal é a Fungibilidade dos Débitos ; ou seja: devem ser dívidas da mesma natureza (gênero e espécie). Não se pode, mediante com pensação legal, compensar­-se obrigação de dar com de não fazer. Diga-se que se o contrato prevê, a lém do mesmo gênero, tem de ser da mesma espécie, não sendo possível compensar uma saca de feijão preto com uma de feijão branco.

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

Mais uma vez, em uma leitura sob o paradigma da autonomia, nada impede que na compensação convencional seja feita esta ope­ração.

A compensação convencional - agora falando especificamente dela - é a decorrente de acordo de vontades. Aqui, respeitados os l imites cogentes do direito civil, a l iberdade é ampla, sendo possível compensar obrigações não fungíveis entre si - como uma obrigação de dar com uma de fazer -, prestações não vencidas; vencida com vincenda . . .

Lembre-se, todavia, que a mesma vontade criadora da com­pensação pode vedá-la (CC, art. 375). A isto a doutrina denomina de cláusula de exclusão da compensação . Contudo, não se trata de um preceito normativo fácil de ser aceito, especia lmente em negócios jurídicos onde as partes não se encontrem em situação de igualdade . Logo, i mpõe-se a ressalva a esta prática nos con­tratos adesivos - ante a impossib i l idade de ren úncia antecipada a d i reito, sob pena d e nu l idade absoluta (CC, 424) - e de consumo -ante ao descompasso entre as partes, revelando-se clara cláusula abusiva e, consequentemente, nula de pleno d i reito (CDC, 4, I; e a rt. 5 1) .

A ú ltima modal idade de compensação é a judicial ou processu­al . Obviamente, realizada em juízo, durante o processo, de acordo com uma autorização normativa, pouco importando a vontade das partes. O exemplo mais lembrado nos livros está traçado no art. 21 do CPC, o qual compensa honorários advocatícios com despesas processuais, quando cada litigante for vencedor e vencido simulta­neamente (procedência em parte).

Tam bém prevê o já citado art. 375, bem como o art. 380, outras hipóteses nas quais se exclui a compensação, entre elas:

a) Dívidas oriundas de esbulho, furto ou roubo, diante da ilici­tude do fato;

b) Dívidas oriundas de comodato, depósito ou al imentos. Isto porque no comodato e no depósito os bens são infungíveis. Já os alimentos, em virtude da natureza da dívida (art.i.707 do CC;

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

e) Dívidas oriundas de bens im penhoráveis. Exemplifica-se com o rol do art. 649 do CC. Se a norma e a ordem pública não permitem a penhora, como autoriza a compensação?

d) Com pensação que venha a ser prej udicia l a d ireito de ter­ceiro .

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso TJSP/2011 foi considerada inverídica a seguinte afirmativa: "Uma dívida proveniente de esbulho pode ser compensada com outra, de causa diversa".

Com se posicionou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?

Vide a Súmula i30:

"A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento."

Entendemos que tais preceitos são numerus apertus, na forma do princípio da operabilidade do Código Civil, de modo que será possível, d iante de situações semelhantes, não se admitir a compen­sação. Exemplifica-se com a hipótese de sequestro, a qual não está expressamente prevista no Código Civil.

E se as dívidas objeto da compensação possuírem lugares dife­rentes de pagamento; poderiam ser compensadas?

O art. 378 do CC permite esta prática. Para tanto, salvo dis­ciplina em contrário , serão a batidas as despesas da d i l igência, mediante rateio entre credor e devedor. Se está d iante de uma norma supletiva ou dispositiva , a qual permite discipl ina em con­trário . Na l ição de ORLANDO GoMES, como o d i reito obrigacional é o d ireito pessoal projetado segundo a autonomia privada, a vonta­de, sempre que possível, deve ser homenageada, afastando, até mesmo, normas j u rídicas, desde que não sejam cogentes. É o que se verifica na h ipótese'4•

Em arremate, deve-se recordar que as regras da imputação ao pagamento podem ser aplicadas à com pensação, quando a mesma

14. ln Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 7 .

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

pessoa é "obrigada por várias dívidas compensáveis", na forma do art. 379 do CC.

Com se posicionou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?

De acordo com o SuPERIOR TRIBUNAL DE JusnçA é possível a Administração Pú­blica utilizar-se do instituto da compensação sem a necessidade de de­cisão judicial, aplicando o direito privado supletivamente, como permite o art. 54 da Lei 8.444/95 (MS n. 4.382-DF).

� Atenção!

Interessante reflexão gira em torno do revogado artigo 374 do CC, que, originariamente, admitia a compensação tributária. Este artigo afirmava que: "A matéria da compensação, no que concerne às dívidas fiscais e parafiscais, é regida pelo disposto neste capítulo".

A Medida Provisória 104/2003, convertida na Lei 10.677/03, revogou o artigo 374 do CC, o qual admitia a compensação das dívidas fiscais e parafiscais, havendo isolados posicionamentos, como os de NELSON NERY

e MÃR10 DELGADO, pela inconstitucional idade desta revogação, ante o vício de forma (impossibil idade de reedição da aludida Medida Provisória). A doutrina majoritária admitiu a revogação em comento, sendo este também o posicionamento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, como dá conta o REsp. i.025.992-SC.

Realmente, o Código Civil não seria o local adequado para disciplina en­volvendo renúncia ou compensação fiscal, especialmente sem qualquer estudo de impacto econômico à aludida prática e, pior, desrespeitando­-se o federalismo, como se os Estados-Membros não possuíssem au­togoverno e liberdade para decidir a respeito deste assunto. Somos favoráveis à compensação tributária, desde que a matéria venha re­gulada em legislação específica, emanada de cada Estado-Membro, ou, no plano da tributação federal, destacada do Direito Civil, na linha dos princípios norteadores do Direito Constitucional Tributário.

8. CONFUSÃO

De acordo com o art. 381 do CC: "Extingue-se a obrigação, desde

que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e deve­

dor". O termo confusão é aqui uti lizado pelo Código Civil como forma indireta ou especial de extinção da relação jurídica obrigacional, sem pagamento algum.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

� Atenção!

Não confunda a confusão aqui tratada, que é tema de direito obriga­cional e remete a uma forma indireta de extinção da obrigação, com a confusão forma de aquisição da propriedade móvel, regulada nos a rtigos i.272 usque 1.274 do CC, a qual será tratada no capítulo referente aos direitos reais.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Confira a q uestão elaborada pela banca CESPE, no ano de 2013: (TRT 8• Região - Analista Judiciário - Área Judiciária) Considere que de­terminada pessoa tenha reunido as qualidades opostas de credor e devedor da obrigação, tendo, com isso, desaparecido a plural idade de situações jurídicas referentes à dívida. Essa situação configura a moda­l idade de pagamento denominada a) remissão. b) assunção de dívida. c) sub- rogação. d) compensação. e) confusão. O gabarito é a letra E.

A confusão poderá gerar a extinção total ou parcial da dívida (art. 382 do CC). Pode decorrer, a inda, de ato mortis causa (sucessão hereditária) ou ato inter vivos, a exem plo de um negócio jurídico. Tem-se confusão mortis causa quando, por exemplo, J oão, fi lho de Ricardo, em função do falecimento deste, recebe crédito que seu pai tinha contra ele. Já na inter vivos verifica-se quando o devedor emite um cheque e, em função da circulação do título de crédito, o recebe, tornando-se credor de si próprio.

O principal efeito da confusão é a extinção da obrigação. Tal efeito, porém, nem sem pre é definitivo (art. 384 do CC). Isto porque em não subsistindo a confusão, volta a existir a obrigação. Exempli­fica-se com uma nota promissária que chega a mão do devedor por endosso. Aqui há confusão. Todavia, se o título for novamente posto em circulação, a obrigação renasce.

Ressalta-se que se a confusão se dê em relação à, há de ser ob­servada a dicção do art. 383 do CC: "a confusão operada na pessoa

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

do credor ou devedor solidário só extingue a obrigação até a concor­rência da respectiva parte no crédito ou na dívida, subsistindo quan­to aos mais a solidariedade". Significa isto dizer que o instituto da confusão não é causa de extinção do instituto da solidariedade, havendo extinção da obrigação apenas na respectiva cota parte. Assim pode-se afi rmar que a confusão na obrigação solidária não se estende aos demais credores ou devedores, sendo pessoal.

• Atenção!

A confusão imprópria traduz a reunião das qualidades de credor ou de­vedor, e garante, na mesma pessoa. Por exemplo, o dono da coisa hipo­tecada, dada em garantia real da obrigação, torna-se credor na mesma relação jurídica obrigacional. Chama-se esta confusão de imprópria por levar apenas à extinção da relação obrigacional acessória.

Este ju lgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul trata do instituto da confusão aplicado ao Estado e à Defensoria Pública, no tocante ao pagamento de honorários advocatícios, senão vejamos:

9. REMISSÃO

APELAÇÃO. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. IPVA. VEÍCULO FURTADO. CONDENAÇÃO DO ESTADO AO PAGAMENTO DE HONORÁ­RIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DA DEFENSORIA PÚBLICA. DESCA­BIMENTO. CONFUSÃO ENTRE CREDOR E DEVEDOR. A Defensoria Pública é órgão do Rio Grande do Sul, vinculado orçamentá­ria e financeiramente do Estado (LC n. 80/94 e Leis Estaduais 9.230/91 e 10. 194/94). Por tal razão, há confusão entre credor e devedor dos honorários advocatícios (art. 381 do Código Civil), razão pela qua l não é cabível a condenação do Estado em honorários à Defensoria Pública. Condenação afastada. DECISÃO MONOCRÁTICA. RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível N° 70020958070, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de jus­tiça do RS, Relator: Eduardo Kraemer, ju lgado em 27/08/2013).

A relação jurídica obrigacional nasce para ser cum prida, prefe­rencialmente, de forma voluntária. Todavia, há ocasiões em que o credor, malgrado persista com o direito subjetivo ao cumprimento, não mais possui interesse no adimplemento obrigacional, d ispen­sando o devedor do seu débito. Neste cenário que se insere o instituto da remissão; leia-se: perdão da dívida.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

O Cód igo Civil in icia o tratamento do tema no art. 385, afi rmando que a remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obriga­ção, mas sem prejuízo de terceiro. Tal ato, que pode ser expresso ou implícito (tácito), desde que concorde o devedor, torna a obri­gação inexigível.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em prova organizada pela UFPR/2011 foi considerada correta a seguinte afirmativa: "A remissão de dívida é negócio jurídico bilateral, razão pela qual o credor depende da anuência do devedor para perdoar sua dívi­da. Em se tratando, contudo, de obrigações indivisíveis com pluralidade de credor, cada um deles somente pode perdoar a sua quota parte".

Ainda sobre o tema no Concurso para Defensoria Pública Estadual MA/2011 foi considerada certa a proposição: "A remissão de dívida so­mente opera com a concordância do devedor, mas, quando pratica­da por devedor já insolvente ou por ela reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderá ser anulada."

Da verificação conceituai observa-se que a rem1ssao apenas pode operar-se inter partes, não sendo ad mitida em prejuízo a ter­ceiros. O perdão merece interpretação restritiva (114, CC).

Assim, causando a remissão, por exem plo, diminuição no patri­mônio do credor capaz de tornar o devedor inadimplente, poderá ser agitada pelos interessados a competente ação paul iana ou re­vocatória (art. i58, CC), com arguição de fraude contra credores e busca da anu lação do ato15.

� Atenção!

Estamos a tratar da remissão, grafada com duplo "s", a qual significa perdão. É um instituto de direito material inserido dentre os modos extintivos das obrigações, sem o pagamento. É uma forma especial ou indireta de pagamento. Difere-se da remição grafada com ç, que signifi­ca resgate, sendo tratada pelos processualistas na seara da execução.

i5. Para o estudo do tema fraude contra credores e fraude à execução, fineza con· sultar o Volume dedicado à Parte Geral, em especial o capítulo sobre Fato, Ato e Negócio Jurídico.

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO E A EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

Difere a remissão, ainda, da doação, a qual nem sempre diz respeito a um crédito. A doação pode abranger coisas corpóreas. Apesar disto, como bem explicita CARLos RoBERTO GoNÇALVES'6, a doutrina francesa iguala os institutos da remissão e doação, considerando aquela espécie desta, ao passo que se trata também de l iberalidade com eficácia sujeita à

aceitação.

Voltando ao conceito, por exigir a concordância do devedor, trata-se a remissão de um negócio jurídico bi lateral. De fato, o cre­dor há de propor e o devedor há de aceitar, abrindo mão do seu direito de pagar e obter quitação, desde que não prejudique direito de terceiros, muito menos interesse público.

PABLO STOLZE E RODOLFO PAMPLONA FILH017apresentam dois requisitos ca-racterizadores da remissão, quais sejam:

a) O inequívoco ânimo de perdoar;

b) A aceitação do perdão pelo devedor.

Em relação ao segundo requisito fica claro que o legislador bra­si leiro afastou-se da doutrina italiana, para o qua l a remissão é ato uni lateral, espécie particular de renúncia a um direito de crédito. Aproxima-se o direito nacional (brasileiro) com o alemão, o qual enxerga a remissão como um instituto complexo, com ares de con­tratualidade, exigindo o aceite.

A opção nacional pela aquiescência liga-se à ideia da obrigação moral subsistente, possibil itando ao devedor, que queira, exercitar o seu direito ao pagamento. Inexistindo concordância, permanece a obrigação, sendo que a negativa do credor ao recebimento possibi­lita, por parte do devedor, o manejo da consignação em pagamento.

Assim, no direito Brasileiro, seguindo as pegadas do alemão e distanciando-se do italiano, no particular, não se deve confundir a remissão com a renúncia. Esta (renúncia) é um ato de disposição uni lateral, abdicativo e que independe de aceite. Fato diverso da remissão.

16. Op. Cit. p. 362. 17. ln Novo Curso de Direito Civil. Vol. li. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 146.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

A remissão poderá ser total ou parcial, a depender de abran­ger a todo o objeto da prestação, ou apenas parte do mesmo, persistindo aqui o montante não remitido. Clássico exemplo de re­missão parcial é a cobrança do principal, sem atualização monetária e juros de mora, ou o manejo de uma execução parcial .

É possível, ainda, que a remissão poderá, ainda, ser expressa ou tácita.

A expressa poderá ser escrita ou verbal. A grande vantagem da modal idade expressa e escrita é a maior possibi l idade probatória, geralmente em instrumento público ou particular pré-constituído.

A entrega de um títu lo de crédito pode significar remissão tá­cita?

Na forma do art. 324 e 386, ambos do CC, a entrega do título pode significar remissão. Fala-se em pode, porque é necessário in­terpretar o caso concreto à luz da boa-fé, dos usos e costumes do lugar (CC, art. 1 13). É possível a entrega do bem compreendida como outro efeito jurídico, como ocorre, por exemplo, no caso de objeto empenhado. Neste cenário, se presume apenas a renúncia à garan­tia, mas nunca o perdão de toda a dívida (CC, art. 387). Tal entrega, registra-se, há de ser feita por q uem tenha poderes para tanto.

A remissão poderá ser inter vivos ou mortis causa.

O que fazer na hipótese de remissão q uando houver codeve­dores?

Em se estando diante de uma solidariedade passiva, em vista do fato da remissão ter apenas efeitos inter partes, somente o co­devedor perdoado que estará l iberado da obrigação, perdoando-se apenas a sua cota parte e persistindo os demais codevedores com obrigação solidária pelo resto (art. 388, CC). A remissão é pessoal ou subjetiva (in personam) e não pelo objeto (in rem). Logo, não se estende (se aproveita) aos demais codevedores.

Exemplifica-se: A, B e e são devedores solidários de D, tendo a obrigação de adimplir com o valor de RS 300,00 (trezentos reais). Em D perdoando A da sua cota parte, a remissão será in personam (pessoal ou subjetiva), e não in rem (pelo objeto), restando obriga­ção sol idária de B e e no montante de RS 200,00 (duzentos reais).

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AINDA SOBRE O ADIMPLEMENTO EA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO)

Verifica-se, na verdade, a extinção da solidariedade apenas em relação ao codevedor perdoado (artigos 277 e 282 do CC).

Como o acessório segue a sorte do principal, o perdão consen­tido ao devedor principal aproveita os seus garantidores.

E se a obrigação for indivisível, houver uma pluralidade de cre­dores e um deles realizar a remissão. Quais as consequências?

Os demais credores poderão cobrar do devedor, o qual pagará por inteiro (CC, art. 3 14), sendo abatido no valor o montante outrora perdoado. Exemplifica-se: A, B e e são credores de D, sendo a obri­gação a entrega de um cavalo de corrida. O an imal está avaliado em RS i50.ooo,oo (cento e cinquenta mil reais). "A" remite a dívida. Os outros dois apenas poderão exigir a entrega do cavalo se com­pensarem o devedor. Explica-se: o devedor entregará o cavalo por inteiro - é um objeto indivisível - e receberá uma contrapartida de RS 50.000,00 (cinquenta mil reais), em razão do perdão de "A".

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C a p í t u l o V I

A crise das obrigações: teoria do inadimplemento Sumário: i. A Crise Obrigacional e a Dignidade da Pessoa Humana: l.l. A Superação da Prisão Civil e a Súmula Vinculante 25; 1.2. Inadimplemento Abso­luto x Inadimplemento Relativo: 1.2.l. A Teoria da Substancial Performance e a Resolução por Inadim­plemento - 2. O Caso Fortuito e a Força Maior - 3. Mora: 3.1. Mora do Devedor (solvendi); 3.2. Mora do Credor (accipiendi); 3.3. Constituição em Mora; 3.4. Purgação (emenda) da Mora; 3.5. Violação Posi­tiva do Contrato (inadimplemento ruim ou insatisfa­tório) - 4. Perdas e Danos: 4.1 . Modalidades de Da­nos Negociais: 4.1.l. Dano Emergente; 4.i.2. Lucros Cessantes; 4.1.3. Dano Moral Negocial; 4.i .4. Perda da Chance - 5. Juros: 5.i . Juros de Mora; 5.2. Juros Compensatórios - 6. Cláusula Penal (multa contra­tual ou pena convencional) - 7. Arras e Sinal.

1 . A CRISE OBRIGACIONAL E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA'

Nas pegadas do art. 389 do CC, descumprida a obrigação, res­ponde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização mo­netária, segundo índices oficiais regu larmente estabelecidos, bem como honorários de advogado. Trata-se de modalidade de respon­sabi l idade civil (não contratual), denominada por alguns de crise das obrigações ou, por outros, de teoria do inadimplemento.

1. João Luiz Alves, Código Civil anotado, Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1917; Agostinho Al­vim, Da inexecução das obrigações e suas consequências, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1972; Álvaro Villaça Azevedo, Teoria geral das obrigações, 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001; Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, v. IV. 4. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1934, e Direito das obrigações, 8. ed., Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo, 1954; Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v. l i, 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1990-1991, e Código Civil anotado, São Paulo: Saraiva, 1995; Orlando Gomes, Obrigações, 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976; João Fra­zen de Lima, Curso de direito civil brasileiro, v. li. Rio de Janeiro: Forense, 1958; Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, v. IV, 1i. ed. São Paulo: Saraiva, 1976; Guilhenne Alves Moreira, Instituições do direito civil português, 2. ed. Coimbra: Coimbra M, 1925, v. 2.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Na prova realizada pela FCC, no ano de 2013, para o cargo de Analis­ta de Procuradoria - PGE/BA, foi tida como verdadeira a proposição: " lnadimplida a obrigação, poderá o credor exigir do devedor, uma vez constituído em mora, o valor do principal, acrescido de juros, correção monetária, multa ( se convencionada ), custas e honorários advocatí­cios".

Sem dúvida, devemos buscar sempre o adimplemento obriga­cional. Isto é o que dinamiza a teoria das obrigações. É o que a promove e impulsiona: "O adimplemento atrai e polariza a obrigação. É o seu fim"'.

O desrespeito a isto certamente acarreta dano direto e imediato ao credor, no âmbito interno do laço obrigacional . Mas, sem dúvida, também farpeia a harmonia social, desestabilizando-a, para além dos l imites endógenos do vínculo prestacional .

A teoria do inadimplemento deve ser analisada de modo a via­bi lizar a dignidade humana dos contratantes, no plano individual, assim como a dignidade coletiva, na perspectiva metaindividual, nos moldes da solidariedade a que se refere o art. 3, 1 da Lex Legum. Não se deve perder de vista, ainda, os fatores da ordem econômica e social, cujo elemento propriedade está presente e pode ser afeta­do, desestruturando o sistema econômico-constitucional e, por que assim não dizer, a segurança jurídica.

Interessante notar que a teor do Enunciado 24 do CoNSELHo DA Jusr1çA FEDERAL (CJF): "Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos consti­tui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa". Assim, é certo afirmar que, atualmente, existe mesmo uma complexidade muito maior no olhar do inadimplemento, em nít ida ampliação do seu conceito e alcance jurídico, açambarcando, até mesmo, os deve­res im plícitos do contrato, como a informação.

Hoje é possível afirmar que o conteúdo do inadimplemento en­volve a um só tempo o inadim plemento absoluto, o inadim plemento

2. Clóvis do Couto e Silva, in:A Obrigação como Processo. São Paulo: Bushatsky, i976.

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

relativo (mora) e, finalmente, a violação positiva do contrato, com seus deveres anexos.

Em comparação com a legislação pretérita, o Código Civil de 2002 d isci pl inou as modalidades de inadim plemento (absoluto e re­lativo) de maneira inédita. Depois de disci pl inar o inadim plemento, a legislação cível tratou de abordar os efeitos jurídicos desta crise, através dos institutos das perdas e danos, assim como dos juros legais, da cláusula penal e, finalmente, das arras.

É dizer: primeiramente o legislador apresenta e disciplina o inadimplemento. Após, prescreve sobre as consequências judiciais, contratuais e legais desta situação jurídica (relação básica de causa e efeito).

� Atenção!

De acordo com o Enunciado 426 da V Jornada em Direito Civil: "Os hono­rários advocatícios previstos no art. 389 do Código Civil não se confun­dem com as verbas de sucumbência, que, por força do art. 23 da Lei n. 8.906/1994, pertencem ao advogado".

1.1 . A Superação da Prisão Civil e a Súmula Vinculante 25

À guisa do princípio da eticidade, foi elaborado o Enunciado 363

do CoNsELHo DA J usTIÇA FEDERAL nos seguintes termos: "Os princípios da pro­bidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a existência da violação". Nitidamente há uma séria tomada de posição hermenêutica, optando-se em va­lorizar os modelos morais, éticos e deontológicos, impregnando a teoria do inadimplemento com elementos ideais afetos à proteção dos direitos fundamentais e da personalidade humana, no seu mais alto significado.

J usto por isto, há muito deixamos a opção pela responsabil ida­de civil pessoal - na q ual o devedor respondia com o seu próprio corpo pelas dívidas - e adotamos o modelo da responsabil idade civil patrimonial, respondendo o devedor com o seu patrimônio. Isto ocorreu desde a Lex Poetelia Papira (428 a.e.).

Reza o art. 391 do CC q ue pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor, o que também consta no art. 591 do CPC.

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Como já dito a lhures, a cláusula geral de tutela à dignidade humana, posta no art. 1°, inciso I l i , da CF, exige uma interpretação constitucional do a rt. 391 do CC, de modo a se preservar, por exem­plo, o mínimo existencial . Assim, onde se lê no aludido preceito "todos os bens", leia-se todos os bens penhoráveis, ou comerciáveis, ou comunicáveis, ou alienáveis; afinal de contas, pela teoria do pa­

trimônio mínimo , existirão bens que jamais poderão ser penhora­dos, tais como aqueles indicados no art. 649 do CPC e na Lei Federal 8.009/90 (bem de família).

Mas, então, pergunta-se: em um cenário no qual se veda a res­ponsabil idade pessoal e contem pla-se a patrimonial, como permiti r a prisão civil do devedor?

Nas pegadas da Constituição Federal (art. 5°, LXVll) há duas pos­sibi l idades de prisão civi l : a) devedor de al imentos; b) infiel depo­sitário.

Em relação aos a l imentos, a prisão civil consiste em salutar medida, ao passo que atende ao princípio da dign idade da pes­soa hu mana e a promoção da tutela do mínimo para a su bsis­tência. Com efeito, ao ser ordenada a prisão civil do devedor de a l imentos, o d inhei ro aparece, gerando os a l imentos necessários à vida humana.

Alcança esta modalidade de prisão o devedor que, citado na execução de al imentos, deixe escoar o prazo de três dias sem: (i) pagar; (ii) provar que já havia pago; (iii) arguir motivo relevante para a ausência do pagamento (CPC, art. 733).

A prisão será decretada em tempo não inferior um mês e não su perior a três meses. O pagamento gera a suspensão da medi­da. A medida, assim, é coercitiva. Dessa forma, a prisão não exime o devedor do pagamento das prestações. Entenda-se. Cumprido o tempo de prisão e não adimpl ida as prestações em aberto, persiste a execução, agora por quantia certa.

Entende-se que a prisão civil haverá de ser utilizada em relação ao inadimplemento das últimas três parcelas antes da execução, ou das três parcelas vencidas no curso do processo. O pensamento decorre da atual idade dos al imentos. As demais parcelas deverão

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ser executadas através de uma execução por quantia certa (CPC, art. 732 e Súmula 309 do STJ).

Doutrinariamente, há quem conteste o fato de apenas serem as últimas três parcelas passíveis de gerar prisão, em função do pra­zo prescricional de dois anos do Código Civil para a execução dos alimentos (art. 206, § 2.0 ) . O entendimento hoje vigente é nefasto ao credor de al imentos, pois o procedimento de execução por quantia certa é demasiadamente moroso.

Ao lado da prisão de al imentos, a Constituição Federal trata da questionada prisão civil do infiel depositário.

Conceitua o art. 627 do CC o contrato de depósito como um negócio jurídico em que uma das partes (depositário), recebe bem móvel alheio para guardá-lo, com a precípua obrigação de devolvê­-lo quando o depositante reclamar.

A ação que possui o escopo da devolução da coisa depositada é denominada de Ação de Depósito. É um procedimento especial de jurisdição contenciosa, através do qual o depositante requer ao juiz a citação do depositário para restituição da coisa (arts. 901 a 906 do CC).

Nesta ação, o credor pleiteia na inicial, com a prova literal do depósito e estimativa do valor da coisa, a restituição do bem depo­sitado ou do seu equivalente em dinheiro, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, sob pena de prisão civil. Tal prisão não poderá exceder a um ano.

Após a contestação do feito, o rito passa a ser ordinário.

ju lgada procedente a ação, ordenará o ju iz expedição de man­dado para entrega da coisa, ou do equivalente em dinheiro, em 24 (vinte e quatro) horas. Não cumprido o mandado, o depositário torna-se infiel, sendo possível a prisão (art. 652 do CC).

Por força do art. 4º do Decreto 91 1/69, a possibi l idade de prisão no depósito voluntário estendia-se à alienação fiduciária em garan­tia. Assim, em havendo o inadim plemento e não sendo encontrado o bem, o comprador era convertido em depositário infiel, sendo ordenada a sua prisão civil.

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Além disto, poderá o juiz nomear depositário no curso de um determinado procedimento, sendo a hipótese mais corriqueira a da penhora de bens com a manutenção da guarda pelo executado. Determinava a Súmula 619 do SuPREMo TRIBUNAL FEDERAL que se o depo­sitário realizasse a alienação da coisa, descum prindo a ordem, e fosse intimado para devolvê-la, poderia ter sua prisão decretada no bojo do próprio processo, independentemente de ação específica de depósito.

A prisão do depositário infiel há muito é questionada, em fun­ção de o Brasil ter se tornado signatário do Pacto de São José da Costa Rica. Explica-se: desde os idos da década de noventa, o Brasil assinou um tratado internacional no qual apenas possibil itava-se a prisão civil do devedor de al imentos.

Apesar disto, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL permaneceu possibil itando tal medida prisional até o ano de 2008, quando o tema voltou a ser analisado. Foi então em 2008 que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL conferiu ao aludido pacto status de norma supralegal, declarando a i legal idade da prisão civil do infiel depositário no Brasil, em qualquer hipótese (depósito contratual ou jud icial).

Registre-se: a prisão em comento fora declarada i legal, e não inconstitucional, pois não poderia o SuPREMo TRIBUNAL FEDERAL declarar a inconstitucionalidade de uma norma constitucional. O que se fez foi a inval idação das normas infraconstitucionais, d iante da supralega­l idade do pacto, o q ual passou a ser posicionado abaixo da Consti­tuição Federal e acima das normas infraconstitucionais.

Neste cenário, houve a revogação da Sumula 619 do SuPREMo TRiBu­NAL FEDERAL, e vieram à lume a Súmula Vinculante 25 do SuPREMo TRIBUNAL FEDERAL e a Súmula 419 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JusnÇA, ambas vedando a prisão civil para hipóteses de depósito, o que evidencia a nova dimensão existencial do direito privado e os l imites humanísticos da persecução patrimonial .

i.2. Inadimplemento Absoluto x Inadimplemento Relativo

O inadimplemento é gênero que se divide em absoluto e rela­tivo. A nosso juízo, o inadimplemento caracteriza-se como absoluto q uando a prestação a ser adimpl ida perece, ou se torna inútil (des­cumprimento definitivo) . Relativo é o inadimplemento quando ainda

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há chance, utilidade, na execução obrigacional . É dizer: se ainda for útil à prestação, significa que há tão somente mora; ou seja: o retardamento da prestação, porque o inadimplemento aqui será apenas relativo.

• Atenção!

Inadimplemento é termo jurídico intimamente relacionado com a res­ponsabi l idade civil e, portanto, com a noção de dolo ou culpa. Ao se pronunciar a palavra inadimplemento, deve-se imagi nar a inexecução voluntária de um contrato, culposa no sentido mais amplo da expressão (culpa lato sensu). Se a inexecução é involuntária, não se há de falar, tecnicamente, em inadimplemento. A hipótese será outra, qual seja: de excludente de reparação civil .

O tema inadimplemento é encontrado nos arts. 389 a 393 do CC.

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD sustentam que nas obri­gações negativas (CC, a rt. 390) todas as h ipóteses d e d escum pri­mento configuram inad implemento absoluto, sejam elas negativas instantâneas (ex. dever de não revelar segredo) ou negativas permanentes (ex. d ever de não edificar em certa altura).Contudo, nas obrigações pecuniárias não se poderia falar em inad im ple­mento a bsoluto, pois "não há perda ou perecimento das obrigações de dar dinheiro"3.

Importante notar que o elemento onerosidade funcionará como d ivisor de águas na correta interpretação dos efeitos do inadimple­mento, por força do art. 392 do CC. Assim, nos contratos benéficos

- leia-se: gratuitos - o contratante responde por simples culpa, a quem o contrato aproveite, e por dolo, àquele a quem não favore­ça. Já nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, em igualdade de condições.

É possível relacionar o art. 392 do CC com o art. 114 do mesmo diploma, o qual impõe uma interpretação restritiva aos contratos benéficos. Verifica-se uma boa vontade do legislador cível em favor de quem, por l iberal idade, d iminui o próprio patrimônio jurídico em face de outrem.

3. ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen ]uris, 2006, p. 354.

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Esta ideia também é prestigiada na jurisprudência, como se de­preende da Súmula 145 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: "No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado, quando incorrer em dolo ou culpa grave".

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E N ELSON RosENVALD4 admitem ainda a hipótese de inadimplemento por fato relativo ao interesse do credor. Ocor­re quando d iante do inadimplemento relativo, uma vez que ainda seria possível o cumprimento obrigacional, o credor informa o seu desinteresse no adimplemento tardio (inadimplemento absoluto por fato do credor). É o exemplo de um animador de festa que chega atrasado ao evento. Ainda seria possível o cumprimento, todavia,

· caso o credor não tenha mais interesse, o inadimplemento torna-se absoluto.

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

A prova para o cargo de Procurador Municipal - Prefeitura de Cuiabá/ MT, banca organizadora FCC, ano de 2014, trouxe a seguinte questão:

Carlos adquiriu um cavalo premiado para participar de competição de hipismo. O vendedor, Gil, comprometeu-se a entregar o cavalo em até dois dias do início da competição. Gil, no entanto, deixou de entregar o cavalo na data combinada, impossibilitando Carlos de participar do torneio. Entregou-o, porém, três dias depois. Carlos

a) deverá necessariamente receber a coisa, não podendo reclamar sa­tisfação das perdas e danos.

b) deverá necessariamente receber a coisa, sem prejuízo de exigir sa­tisfação das perdas e danos.

e) deverá necessariamente enjeitar a coisa, exigindo satisfação das per­das e danos.

d) poderá enjeitar a coisa e exigir satisfação das perdas e danos, caso entenda que a prestação se tornou inútil.

e) poderá enjeitar a coisa e exigir somente a devolução da quantia paga, sem outros acréscimos.

O gabarito é a letra D.

4. ln Direito das Obrigações. Rio de janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 352.

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

Segundo o Enunciado i62 do CJ F, todavia, "A inutilidade da pres­tação que autoriza a recusa da prestação por parte do credor deve ser aferida objetivamente, consoante o princípio da boa-fé e a manu­tenção do sinalagma e não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor".

1.2.l. A Teoria da Substancial Performance e a Resolução por Inadimplemento

Os arts. 474 usque 480 do CC tratam do instituto da resolução dos contratos. Trata-se de tema intimamente ligado à Teoria Geral dos Contratos e às Obrigações, pois autoriza a extinção do vínculo por imputação de descumprimento culposo a u ma das partes.

A casuística, entretanto, demonstra que o d ireito de pedir judi­cialmente a resolução obrigacional deve ser implementado dentro dos l imites da razoabi l idade, proporcional idade, conservação do ne­gócio jurídico, do interesse econômico do credor, da eticidade, da vedação ao abuso e da função social do contrato.

Em outras palavras: não é juridicamente razoável "abrir mão" de um contrato e resolvê-lo quando a eficácia interna daquele ajus­te evidencie a presença, ainda, de interesse jurídico-econômico a beneficiar quem postula a extinção contratual.

Exemplo i lustrativo é a teoria do inadimplemento mínimo- tam­bém chamada de adimplemento substancial ou substantial perfor­mace -a limitar o exercício do d ireito potestativo de resolver um contrato.

Trata-se de aplicação da razoabi l idade e proporcional idade às relações obrigacionais. Caso já tenha sido verificado o adimplemen­to substancial da avença, não há de se falar na imputação de largas penalidades ao devedor, mas sim de sanções proporcionais.

Registre-se: a tese não objetiva o perdão da dívida, ou a aplica­ção do princípio da bagatela. Ao revés. O inadimplente deve sofrer com as consequências da sua conduta. Todavia, no nível da sua ausência de pagamento. Aquele que já quitou 95ºk (noventa e cinco por cento do preço), por exemplo, não deve ser penalizado da mesma forma que alguém que apenas qu itou 10°k (dez por cento) do valor.

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Portanto, "O adimplemento substancia l decorre dos princípios

gera is contratua is, de modo a fazer preponderar à função socia l do contrato e o princípio da boa-fé, balizando a aplicação do a rt. 475 " (Enunciado 361 do CJF). A substa ntial performace significa isto: ad imp l ida quase toda a obrigação, não caberá a extinção do contrato, mas a penas outros efeitos jurídicos visando sempre a m anutenção d a avença como numa "eficácia interna da função socia l dos contratos, entre as partes contratantes" (Enunciado 360

do CJF) .

Por isto, "A cobrança de encargos e parcelas indevidas ou abusivas

impede a caracterização da mora do devedor" (Enunciado 354 do CJF e STJ, AgRg no REsp. 903.592/RS, Relator Ministro Menezes Direito).

� Como o assunto é visto no SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA?

Já entendeu o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, verbi gratia, que a falta de pa­gamento de apenas uma prestação no contrato de fi nanciamento não autoriza busca e a preensão do bem, mas apenas ação de cobrança ante o adimplemento substancial pelo devedor do contrato, sob pena de ferida à boa-fé objetiva (REsp. 272.739-01-MG). Idem sobre o atra­so no pagamento da ú ltima parcela do prêmio, a qual não permite a seguradora suscitar inadimplemento absoluto do segurado (REsp. 293.722-SP).

Alienação Fiduciária. Busca e apreensão. Deferimento l iminar. Adimple­mento substancial. Não viola a lei a decisão que indefere o pedido l iminar de busca e a preensão considerando o pequeno valor do bem e o fato de que este é essencial à atividade da devedora. Recurso não conhecido (SuPERIOR TRIBUNAL DE JusT1ÇA, REsp. 469.577/SC).

Encargos excessivos. Ausência de mora. Repetição dos valores. Na l inha da jurisprudência firmada na Segunda Seção deste Tribunal, a cobrança de encargos i legais e abusivos descaracteriza a mora d o devedor. A jurisprudência desta Corte já assentou q u e aquele que recebe pagamento indevido deve restituí-lo para impedir o enriqueci­mento indevido, prescindindo da d iscussão a respeito de erro de pa­gamento. Agravo regimental desprovido (Surrn10R TRIBUNAL DE JusnçA, AgRg no REsp. 903.592/RS).

A cobrança de encargos excessivos descaracteriza a mora do devedor, entendimento que tem amparo na jurisprudência pacificada da Segunda Seção do STJ [ .. . ] Agravo improvido (SuPERIOR TRIBUNAL DE JusT1çA, AgRg. No REsp. 793.588/RS).

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Defensor Público SP/2012 o tema foi cobrado da se­guinte maneira: "A caracterização do adimplemento substancial das obrigações produz os seguintes efeitos: inaugurar ou ratificar a possi­bilidade de o credor perseguir o ressarcimento pelas perdas e danos; obstar a resolução unilateral do contrato; impedir que o credor argua a exceção do contrato não cumprido; descaracterizar a impossibilidade absoluta de cumprimento da obrigação. Exceto l iberar o devedor da obrigaç

,ão."

A jurisprudência dos tribunais superiores já pacificou o entendi­mento sobre a teoria do inadimplemento mínimo de modo a, res­peitando a nova visão do direito-civil constitucional e repersonifica­do, valorizar a cláusula geral da d ignidade humana, harmonizando-a com os d ireitos de crédito e a função social dos contratos.

2. O CASO FORTUITO E A FORÇA MAIOR

Segundo o art. 393 do CC se verifica o caso fortuito ou a força maior no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. Ainda na dicção do artigo em comento, o devedor não res­ponde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabil izado. Neste caso, afasta-se a culpa. Não há inadimplemento. O que existe é um fato alheio à vontade da parte que obstrui o cumprimento da obri­gação.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz Substituto do TRT-2• região/2012 foi considerada verdadeira a seguinte assertiva: "O devedor não responde pelos pre­juízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado."

In icialmente, é importante registrar que o Código utiliza o caso fortuito e a força maior no mesmo preceito, empregando-os como sinônimos. Doutrinariamente, tais institutos são d iferenciados das formas mais diversas a depender da opção literária-científica que, em certos casos, se contrapõem.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Para os clássicos, o caso fortuito seria o evento que não po­deria ser razoavelmente previsto. Logo, imprevisível, a exemplo de um terremoto, maremoto, tsunami, furacão etc. Já a força maior, na lição de Huc, seria "o fato de terceiro, que criou, para execução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pôde vencer" (Commenttiire théorique et pratique du Code Civil, v. 7, p. i43), tais como a guerra, o embargo de autoridade pública que impede a saída do navio do porto etc., greve, etc.

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD5 admitem três situações nas quais o fortuito não será óbice à responsabi lização do deve­dor, a saber: (a) existência de convenção afastando a excludente de responsabil idade civil (art. 393, CC), (b) ocorrência do fortuito na constância da mora (art. 399, CC), quando o devedor é penalizado desta maneira, (e) fortuito interno, qual seja aquele inerente à ati­vidade desenvolvida por alguém6• A estas, somamos mais uma: (d) na hipótese de perda do objeto da obrigação de dar coisa incerta, antes da escolha (art. 246, CC).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Como dito acima, considerando a possibil idade de responsabi lização do devedor na ocorrência de caso fortuito ou força maior, caso existente convenção dentre as partes, em concurso para Defensor Público do Es­tado de São Paulo/2009 foi considerada verdadeira a seguinte asserti­va: "responde o devedor por perdas e danos com correção e juros e, ainda, pelos prejuízos resultantes de caso fortuito e força maior se por estes houver se responsabilizado".

Neste tópico o objetivo foi apenas conferir notícia sobre o tema em questão. Com efeito, sua verticalização será realizada ainda nes­te volume, ao tratarmos das exclu dentes de responsabi l idade civil. Para aqueles que desejem, de logo, tal aprofundamento, basta con­sultar o capítulo supracitado.

5. ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen ]uris, 2006, p. 356. 6. Neste caso força maior é igual à fortuito externo e exclui a responsabilidade civil,

mas não é igual ao fortuito interno, que não a exclui. A título ilustrativo, confira o art. 734 do CC: "O transportador responde pelos danos causados às pessoas trans­portadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior".

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

3. MORA

A mora é a falha relativa do credor (accipiendi) ou do devedor (debendi) no adimplemento da obrigação, ou porque adimpliu tar­de (fora do prazo avençado), ou porque não quis receber quando deveria (hipótese do credor faltoso), ou, finalmente, quando o prin­cípio da exatidão (CC, 3 13) é desrespeitado. Logo, há mora quando o pagamento não se realiza nas condições de tempo, forma e lugar pactuados (CC, art. 394).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ratificando o entendimento de que não se restringem às duas primeiras hipóteses (adimplemento fora do prazo pelo devedor e recusa injustifica­da do credor no recebimento da obrigação), em concurso para advogado da ITAIPU/2011 foi considerada incorreta a seguinte afirmativa: "De acordo com a legislação brasileira, considera-se mora apenas o pagamento ex­temporâneo por parte do devedor ou a recusa injustificada do credor de receber o pagamento no prazo devido, caracterizando-se como inadim­plemento o descumprimento de outras condições obrigacionais".

A corrente majoritária entende que a comprovação da mora exi­girá a prova da culpa, como já entendeu o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ao sustentar que "Não cabe a multa moratória se não há fato imputável ao devedor" (REsp. 474.395/RS).

Tal mora pode ser do devedor ou do credor, como se passa a estudar.

3.1. Mora do Devedor (so/vendi)

A mora do devedor acontece apenas nas obrigações positivas de dar e de fazer, pois nelas é possível haver o que se convencionou denominar de imperfeição no cumprimento da obrigação, ou seja, a mora. Como visto acima, nas obrigações negativas não há mora, mas apenas inadimplemento absoluto a ser resolvido pela via das perdas e danos.

Vale lembrar que a responsabil idade civil na hipótese é subje­tiva, de modo que será necessária a prova da culpa do devedor (art. 396, CC) que, na prática, manifestar-se-á pela via da negligência (descuido casado com omissão). Que fique claro: apenas há mora se houver omissão.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Considerando se tratar de responsabilidade subjetiva do devedor para a constituição em mora do mesmo, em concurso para Juiz do Trabalho do TRT-9• região/2004 foi considerada correta a seguinte assertiva: "O de­vedor não será considerado em mora, se não houver fato ou omissão imputável ao devedor". Na prova para Juiz - TJSP, VUNESP, ano 2013, foi tida como verdadeira a as­sertiva: "a caracterização da mora do devedor não dispensa a existência de culpa, mas prescinde da demonstração de prejuízo efetivo".

Estando o devedor em mora, surge a responsabi l idade civil des­te em indenizar os prejuízos decorrentes (art. 395, CC), passando a responder obrigacionalmente. Digno de nota que, uma vez moroso, durante esta, responderá o devedor ainda que presentes o caso fortuito e a força maior, ressalvada a comprovação de isenção de culpa ou de que o evento aconteceria ainda que a obrigação hou­vesse sido oportunamente cumprida (art. 399, CC). A isto denomina a doutrina de perpetuação da obrigação.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz Substituto do TJ-R0/2011 foi considerada incorre­ta a seguinte afirmativa: "Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros e atualização monetária; se de má-fé a mora será devida em dobro".

Por sua vez, sobre a mesma matéria, a prova para Advogado - JUCESC/ FEPESE, ano de 2013, considerou verdadeira a proposição: "Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atu­alização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado".

No ano de 2013, a prova para o cargo de Procurador - BACEN, banca CES­PE, considerou correta a assertiva: "O devedor em atraso no cumprimen­to da prestação poderá ser compelido a responder pela impossibilida­de da prestação, ainda que ela resulte de caso fortuito ou força maior".

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL oe JuSTIÇA sobre o tema?

Segundo a súmula 380 do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA a "simples pro­positura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor".

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

Quanto à aplicação da Súmula 380 do STJ, cumpre transcrever os ju lgados do Tribunal d e Justiça do Rio Grande do Sul, nos anos de 2013 e 2014:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALI ENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO REVISIONAL. MORA CARAC­TERIZADA. SÚMULA 380 DO STJ. Entende-se, na esteira do acórdão paradigmático (RESP i.06i.530/RS), que o ajuiza­mento isolado de ação revisionai não descaracteriza a mora. AGRAVO A QUE SE NEGA SEGU IMENTO. (Agravo de I ns­trumento N° 70052291416, Décima Quarta Câmara Cível, Tri­bunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Sbravati, Data de Publ icação: Diário da Justiça do dia 21/01/2013).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. LIM INAR. O MERO AJUIZAMENTO DA REVl­S IONAL NÃO AFASTA A MORA SOLVENDI - SÚMULA 380 STJ. AGRA­VO A QUE SE NEGA SEGU IMENTO POR MANIFESTA IMPROCEDÊN­CIA. (Agravo de I nstrumento N° 70058467218, Décima Quarta Câmara Cível, Tribuna l de Justiça do RS, Relator: Roberto Sbravati, J u lgado em 12/02/2014).

3.2. Mora do Credor (accipiendi)

O art. 394 do CC é claro ao qualificar a mora do credor como aquela na qual o mesmo, sem justa causa, recusa-se a receber o pa­gamento corretamente realizado pelo devedor (recusa juridicamente injustificada). A consequência desta mora accipiendi está no art. 400 do CC, a saber: (i) extinção da responsabil idade civil do devedor pela conservação da coisa, (ii) dever de pagar ao devedor pelas despesas de manutenção do bem a partir daquele instante, (iii) dever de aceitar o bem pelo valor mais favorável ao devedor, se houver variação.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Defensor Público de São Paulo/2009 a assertiva que declarava que "estando em mora o credor, responde o devedor pela conservação da coisa, devendo entregá-la nas mesmas condições do dia da oferta" foi considerada incorreta.

São pressupostos para a ocorrência da mora do credor: (i) que exista uma oferta apresentada pe lo devedor nos exatos l imites obri­gacionais (art. 313, CC); (ii) a injustificada recusa do credor no cum­primento obrigacional.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

CR1s11AN0 CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD7 sustentam, com correção, que o sistema não autoriza a configuração de "moras simultâneas" do devedor e do credor. Isto, porque, "a mora de um exclui a do outro". Com a oferta, o devedor ficará l iberado dos efeitos da mora - como, por exemplo, a responsabil idade pelos riscos da guarda e da conservação do bem, como ainda o dever de ressarcir os gastos efetuados pelo devedor com a conservação do bem durante a fase da mora, submetendo-se o credor no recebimento da coisa pelo va­lor mais favorável ao devedor -, mas continua submetido ao dever jurídico de realizar a prestação, sob pena de enriquecimento sem causa, razão pela qual estará autorizado ao manejo da consignação em pagamento.

O abuso do direito, entretanto, continuará sendo vedado. Não é porque o devedor está liberado dos efeitos da mora que poderá abandonar a coisa, ou mesmo ignorar os l imites da eticidade, sob pena de desrespeito ao próprio dever de mitigar o prejuízo, na forma do art . 400 do CC.

3.3. Constituição em M ora

A constituição em mora se dá na forma do art. 397 do CC.

Em se tratando de obrigação por tempo determinado, ou seja, a termo, a mora é constituída de forma automática (mora ex re), independente da necessidade de interpelação judicial. Opera-se de p leno direito, afinal de contas o devedor já sabe, anter tempus, a data de vencimento: dies interpellat pro homine (o termo interpela em lugar do credor). Exceção a isto é o denominado prazo de favor, a ocorrer quando o credor tolera sponte proprio o alargamento do prazo.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o TJPR/2009 foi considerada verdadeira a seguinte · assertiva: "A mora ex re é mora do devedor, decorrente de lei, resul­tando do próprio fato do descumprimento da obrigação, independendo, portanto, de provocação do credor''.

7. ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen ]uris, 2006, p. 367.

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

D'outra banda, a mora ex persona acontece quando não se esti­pulou prazo algum de vencimento da prestação (obrigação por tem­po indeterminado). Aqui se tornará imprescindível a interpelação extrajudicial ou judicial (parágrafo único do art. 397).

� Como se pronunciou o SuPERIOR TRIBUNAL oe Jusm;A sobre o tema?

De acordo com a Súmula 76 do SuPERIOR TRIBUNAL DE JusT1ÇA, no compromisso de compra e venda, ainda que não registrado, aplica-se a necessidade interpelação prévia.

� Atenção!

A doutrina, de acordo com o Enunciado 427 da V Jornada em Direito Civil, analisando o a rt. 397 do CC e seu parágrafo único, concluiu ser "válida a notificação extrajudicial promovida em serviço de registro de tí­tulos e documentos de circunscrição judiciária diversa da do domici1io do devedor".

Na forma do art. 398 do CC e da súmula 54 do Surrn10R TRIBUNAL DE JusT1çA, nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora. E is o conteúdo da súmula: "os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual", desde que o praticou. É da denomináda mora presumida ou irrégular.

Nos compromissos de compra e venda de imóveis loteados urbanos e rurais, a notificação prévia no registro imobi liário, conferindo prazo de 30 (trinta) dias ao inadimplemento, mesmo em havendo prazo contratualmente fixado de vencimento, constitui exigência legal, na forma do art. 32 da Lei 6.766/79 e 14 do Decreto-Lei 58/37. Não sendo

' o imóvel loteado, a teor do Decreto-Lei 745/69, a notificação prévia também será exigida no prazo de 15 dias. Idem para a propriedade fiduciári a a que a lude o Decreto-Lei 91 1/69 ·e da Lei Federa l 10.93 1/04. Sobre o tema, vide a inda súmula 72 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

3.4. Purgação (emenda) da M ora

No d izer de CR1sr1AN0 CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALo8 purgar significa l impar, purificar, fazer desaparecer o estado de atraso no cumpri­mento da obrigação, constituindo o procedimento espontâneo do contratante moroso pelo qual se remedia a situação a que deu causa.

8- ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen juris, 2006. p. 374.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

• Atenção!

Não confundir purgação da mora com cessação da mora. A cessação da mora ocorre toda vez que o m otivo da mora deixa de existir (Ex. remissão, renúncia, novação etc.).

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Advogado do BNB/2006 foi considerada incorreta a seguinte afirmativa: "Purgação da mora tem o mesmo significado de cessação da mora".

Na forma do art. 401 do CC, sendo a mora do devedor este de­verá oferecer ao credor a prestação pri ncipal, acrescida de eventual perdas e danos relativas aos prejuízos sofridos até então, juros e correção monetária (súmula 43 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA), além de todos os acessórios devidos. Sendo a mora do credor, deve este purgá-la, oferecendo-se para receber a prestação avençada, reem­bolsando o devedor das despesas com a conservação do bem, per­das e danos e acessórios. Logo, a purga da mora do credor exige a sujeição aos efeitos da mora até a data do efetivo pagamento.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Ju iz Substituto do TRT- 2• Região/2012 foi considerada incorreta a seguinte afirmativa: "Purga-se a mora por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento, não estando obrigado a o receber por estimativa mais favorá'-'.el ao devedor, se o seu valor osci­lar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação."

Mas até q uando a mora poderá ser purgada? Sobre o tema, duas correntes:

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• Corrente i - clássica: será possível purgar a mora até quan­do o credor deflagrar ação cível contra o devedor. Ou seja: aju izada a ação o devedor não mais poderá purgar a mora, na forma do art. 219 do CPC.

• Corrente 2 - contemporânea: mesmo depois de ajuizada a ação, enquanto for úti l adimplir será possível purgar a mora, desde que principal e acessórios sejam quitados.

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

� Atenção!

É possível nas ações de despejo e na de alienação fiduciária purgar a mora até o prazo da contestação, na forma do art. 62 da Lei 8.245/91 e do Decreto-Lei 911/69, tratando-se de regra especial e sem correspon­dência no Código Civil.

A Súmula 173 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL adverte: "Em caso de obstáculo judicial admite-se a purga da mora, pelo locatário, além do prazo legal".

A Súmula 245 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sustenta que "A notificação desti­nada a comprqvar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito". Ademais, "A purga da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só é permitida quando já pagos pelo me­nos 40% (quarenta por cento) do valor financiado" (Súmula 284 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA).

3.5. Violação Positiva do Contrato (inadimplemento ruim ou insa­tisfatório)

Trata-se de assunto diretamente relacionado com os deveres anexos (laterais) dos contratos e, portanto, com a boa-fé objetiva, e se dividem em três categorias: proteção, informação e cooperação.

Para CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD9Se trata de forma dou­trinariamente reconhecida pelos obrigacionistas na chamada viola­ção positiva do contrato, "em que ficariam abrangidas as hipóteses de incumprimento definitivo, mora e cumprimento defeituoso". Sugerem semelhança do instituto com o anticipatory breach (ruptura anteci­pada) do common law,que permite ao contratante ajuizar ação de resolução contratual quando souber, previamente, da intenção de inadimplemento da parte contrária'º.

A violação positiva do contrato acontece quando, mesmo apa­rentemente adimpl ido o contrato no que tange a prestação, há ino­bservância à legítima tutela da confiança e à boa-fé objetiva".

9. ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 377. 10. ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 380. 11. A violação positiva do contrato surge no século XX através da doutrina de Her­

mann Staub e foi afirmada no Código Civil Alemão nos idos de 2002 como regis­tram os manuais cíveis brasileiros.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Os vícios redibitórios (CC, 441/446) i lustram hipótese de descum­primento i nvoluntário da prestação.

Na opinião de FlÃv10 TARTucE12, a mora (inadimplemento parcial) é conceito que "também inclui o ctimprimento inexato".Ou seja: "o cumprimento inexato, pelo Código Civil Brasileiro, é espécie de mora", não se devendo ignorar, contudo, ainda dentro da ideia de viola­ção positiva do contrato, a quebra dos deveres anexos ou laterais de conduta. Curiosa a advertência do respeitável doutrinador no sentido de que a q uebra dos deveres anexos constitui h ipótese de responsabil idade civil objetiva.

Neste sentido, o Enunciado 24 do CJF segundo o q ual "em virtu­de do princípio da boa-fé positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa".

Sendo assim, o descumprimento de deveres anexos, a exemplo de informação, assistência, zelo, configura descumprimento do pró­prio contrato, uma violação objetiva do contrato, enquadrando-se no mundo da responsabil idade civil objetiva.

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL oe JusnÇA sobre o tema?

Recurso especia l . Civil. Indenização. Aplicação do princípio da boa­-fé contratual. Deveres anexos ao contrato. O princípio da boa-fé se aplica às relações contratuais regidas pelo CDC. impondo, por conse­guinte, a obediência aos deveres anexos ao contrato, que· são de­corrência lógica deste princípio. O dever anexo de cooperação pres­supõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual. A violação a qualquer dos deveres anexos implica em inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa. A a lteração dos valores a r­bitrados a título de reparação de danos extrapatrimoniais somente é possível, em sede de Recurso Especial, nos casos em que o quantum determinado revela-se irrisório ou exagerado. Recursos não providos. REsp 595631 / SC. Relatora Ministra Nancy Adrighi. 3ª Turma. J u lgad o e m : 08.06.2004.

n. ln Direito Civil . 7. ed. São Paulo: Método, 2012.

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

4. PERDAS E DANOS

Segundo o art. 402 do CC: "Salvo as exceções expressamente pre­vistas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar".

Evidentemente que o dever de reparar, ainda que no plano do d ireito obrigacional, deve pressupor a presença dos elementos da responsabi lidade civil contratual, entre eles: a conduta juridicamen­te voluntária, o dano ou prejuízo, o nexo entre uma coisa e a outra, como, finalmente, a presença do dolo ou da culpa.

Para CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD13, se a conduta prati­cada é contrária à relação obrigacional, ofendendo o dever positivo de dar, fazer ou não fazer, a hipótese é de responsabil idade nego­cial, imputada a quem gerou danos à outra parte da relação jurídi­ca. Assim, ruim a expressão perdas e danos, cuja "ocorrência típica da legislação brasileira que, no fundo, implica redundância". Melhor seria o termo lesão a danos e interesses.

No direito obrigacional o descumprimento do dever primário de realizar a prestação ajustada, gera o dever jurídico secundário de indenizar o dano injusto, a isto denominando a legislação de perdas e danos.

� Atenção!

Existem situações nas quais a prova do prejuízo não é necessária, a exemplo da incidência dos juros moratórias, dáusula penal e arras, que se operam de pleno direito (arts. 407, 416 ê 420 do CC). Na verdade, as hipóteses em tela não constituem indenizações, mas verdadeiras penas privadas.

4.1. Modalidades de Danos Negociais

O aprofundamento do estudo das modalidades de danos ocor­rerá em sede de Responsabil idade Civil, na Parte li desta obra. O que se objetiva aqui é apenas o delineamento do tema, com

13 . ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen )uris, 2006, p. 394/395.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

conceitos instrumentais, por vezes lembrados nas provas de d ireito obrigacional.

4.1. 1. Dano Emergente

O dano patrimonial direto consiste na lesão aos bens e d irei­tos economicamente apreciáveis de alguém. Afeta o patrimônio do ofendido. É a regra. Hodiernamente, porém, a lém da sua faceta d i­reta, a doutrina afirma existir também u m dano patrimonial indire­to. Conforme vaticina SÉRGIO CAVALIERI F1LH014, tem-se como possível u m dano patrimonial, como resu ltado da lesão a interesses ou bens extrapatrimoniais, a exemplo de um modelo que, em função de uma indevida lesão à sua imagem perpetrada por um veículo da impren­sa, perde importantes contratos.

O dano patrimonial subdivide-se, nas pegadas do a rt. 402 do CC, em : (a) dano emergente, ou positivo; (b) lucros cessantes, ou negativo.

O tema danos materiais, em seu sentido mais amplo, é denomi­nado no d i reito francês de danos emergentes. Já os l ucros cessan­tes, de danos e interesses. Nós, no Brasil, chamamos de perdas e danos o gênero. Por isto é corriqueira a ação com pleito de perdas e danos, tratando do dano emergente e dos lucros cessantes.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em prova realizada pela FGV, no concurso para a SEFA-RJ/201 1, foi consi­derada incorreta a seguinte assertiva: "No caso de obrigação não cum­prida, as perdas e danos devidas ao credor abrangem o que efetiva­mente perdeu, não se podendo incluir o que presumivelmente deixou de ganhar".

Neste tópico i remos abordar o dano emergente, reservando o próximo tópico aos lucros cessantes.

O dano emergente é aqui lo que efetivamente se perdeu. É a diminuição patrimonial sofrida pelo lesado. O que efetivamente se perdeu com a lesão. Sua mensuração é identificada pela diferença

14. Op. Cit. p. 70.

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

- teoria da diferença - entre o patrimônio da vítima antes do ato i lícito e após a conduta.

Danos emergentes e l ucros cessantes haverão de ser devida­mente comprovados, pois não se indeniza o dano hipotético. Des­tarte, apenas são incluídos nos danos emergentes e nos lucros ces­santes os prejuízos diretamente e imediatamente decorrentes da conduta ilícita (art. 403 do CC). Há de existir, assim, relação de cau­salidade direta e imediata entre a conduta e o prejuízo.

Para alguns autores, a exemplo de CARLos RosERTo GoNÇALvEs'5, em um rigor técnico o dano material é ressarcido, pois há o pagamento de todo o prejuízo material sofrido, englobando as perdas e danos (danos emergentes, l ucros cessantes e correções). Porém, boa parte da doutrina, bem como das provas, utiliza-se da expressão ressarci­mento ou reparação, como lembra FLÃv10 TARTUCE'6•

4.1.2. Lucros Cessantes

Lucros Cessantes ou Dano Negativo é aqui lo que razoavelmente se deixou de ganhar. É o lucro frustrado ou a perda do ganho espe­rado, de um reflexo futuro.

O operador do direito, porém, deve ter cuidado para não con­fundir os l ucros cessantes com o lucro imaginário, hipotético ou re­moto. A norma é clara ao informar a necessidade de razoabil idade na aferição da existência de tais lucros cessantes.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Procurador do TCE-R0/2010 foi considerada inverídica a seguinte assertiva: "As perdas e danos abrangem, na inexecução dolo­sa, i%1usive os prejuízos eventuais, remotos ou potenciais" .

. No particular fora mais feliz o ..,_direito alemão que, com maestria, conceitua os lucros cessantes como o lucro frustrado que, com certa probabil idade, era de esperar, caso atendido o curso normal das coisas ou às especiais circunstâncias ·do caso concreto (BGB, § 252).

15. ln Direito Civil Brasileiro. Responsabil idade Civil. Vol. IV. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 358.

16. bp. Cit. p. 377-

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Assim, nas palavras de lARENz, o juiz deve valer-se de um juízo casual hipotético, eliminando o ato ilícito e perquirindo se no curso normal dos acontecimentos tal lucro seria razoavelmente esperado. Trata-se, no dizer de SÉRGIO CAvALIERI F1LH017, de um juízo de probabi l i ­dade objetiva, resultando do desenvolvimento normal dos aconte­cimentos e das circunstâncias do caso, buscando lucros frustrados que tenham relação direta e imediata com a conduta lesiva (art. 403 do CC).

Exem plificam-se os lucros cessantes com a indenização das di­árias do taxista pelo período em que seu veículo ficou parado, em razão de colisão, assim como a indenização pelos al imentos do de­pendente econômico do falecido, devida pelo agente agressor, no caso de homicídio (art. 948, l i do CC).

4.1.3. Dano Moral Negocial

Interessante lembrar que o inadimplemento contratual pode en­sejar o denominado dano moral negocial, quando atingir d ireitos da personalidade, tais como a igualdade, a integridade biopsíquica ou a l iberdade humana. Afina l de contas, existem bens que possuem preço e bens que possuem dignidade. Sobre o tema, vale confe­rir as súmulas 37 e 387 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, que admitem a cumulação dos danos mora l, estético e materia l . Tal assertiva está nitidamente harmonizada com o princípio da restitutiu in integrum.

A reparação do dano extrapatrimonial se harmoniza com a ideia despatrimonializada, repersonificada e existencialista do direito civil e guarda fundamento na Constituição Federa l (art. 5, V e X), no Có­digo Civil (arts. 1 1/21 e 186) e na jurisprudência (Súmulas 37 e 387 do STJ) .

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz do TRF 2• Região/2011 foi considerada inverídica a seguinte assertiva: "O inadimplemento contratual está fora do âmbito da indenização por danos morais."

i7. Op. Cit. p. 74.

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

4.1.4. Perda da Chance

A teoria da perda de uma chance nasceu nos idos da década de 60 (sessenta), no direito francês, com o escopo de buscar res­sarcimento naquelas situações em que a conduta do lesante retira da vítima uma oportunidade séria e real de chance futura. Trata-se, hoje, de mais uma modal idade de dano indenizável. São exem plos a perda de prazo de um recurso judicial, a frustração da chance de progressão na carreira, da oportunidade de emprego, de concorrer a um determinado valor, da cura de uma doença . . .

� Como se pronunciou o sobre o SUPERIOR TRIBUNAL DE JusnÇA tema?

Emblemático caso, no Brasil, da aplicaçã0 pelos tribunais da responsabi­lidade civil pela perda da chance girou em torno do programa televisivo show do milhão, quando a participante foi submetida a uma pergunta (a pergunta do milhão) irrespondível. Ao perceber, a candidata, que a per­gunta efetivamente não possuía resposta correta alguma, ingressou com ação judicial e obteve ganho de causa em todas as instâncias, inclusive no SUPERIOR TRIBUNAL DE JuSTIÇA18 (Lu, BETO repete este mesmo julgado, nestas mesmas palavras, em um capítulo de resp.).

O SurER10R TRIBUNAL DE JusT1ÇA, por exemplo, possui decisões importantes onde tratou da responsabilidade civil pela perda da chance. No Informativo 466 a SEGUNDA TURMA daquela Corte entendeu não ser aplieável a teoria da perda da chance ao candidato que pleiteia indenização por ter sido excluído de concurso público após reprovação no exame psicotécnico, sob o fundamento de que a chance há de ser séria, real e proporcionar ao candidato efetiva condição pessoal de concorrer com êxito. Naquele caso, o candidato havia sido aprovado apenas na primeira fase do cer­tame, não sendo possível estimar sua probabilidade de aprovação final dentro do número de vagas ofertadas pelo Edital19 (IDEM).

Questão curiosa também foi debatida no Surrn10R TRIBUNAL DE Jusr1ÇA sobre a perda da chance de purgar a mora. No caso, a parte questionava a ausência de intimação pessoal sobre a ocorrência de um leilão extraju­dicial do imóvel em que residia e, por consequência, a perda da chance de purgar a mora . Entendeu-se neste julgado que a chance de purgar a mora era inexpressiva e remota ante o comportamento das partes ao

18 . REsp. 788.459-BA. Ju lgado em 08.01.2005. 19. AgRg. i.220.911-RS. Julgado em 1n.2011

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

longo do p�ot�sso, a evidenciar a falta de interesse dos mesmos em quitar as prestações em atraso'° (IDEM).

Já existem indicativos no SurER10R TRIBUNAL DE Jusr1ÇA acerca da possibilidade de dano moral pela perda da chance do advogado que não apresenta contestação nos autos de um processo", e pela perda da chance da disputa de uma eleição municipal por conta de veiculação de falsa notí­cia jornalística na véspera da disputa, invocando, inclusive, precedentes neste sentido" (IDEM - Estão todos exatamente iguais, com as mesmas palavras, conferi com o capítulo l i de resp ... ).

Ainda sobre o tema, segue o Informativo n° 513 do STJ :

"DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FIXAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO PELA PERDA DE UMA CHANCE. Não é possível a fixação da indenização pela perda de uma chance no valor integral correspondente ao dano final ex­perimentado pela vítima, mesmo na hipótese em que a teoria da perda de uma chance tenha sido utilizada como critério para a apuração de responsabilidade civil ocasionada por erro médico. Isso porque o valor da indenização '[l ia perda de uma chance somente poderá representar uma proporção do

1dano final experbmentado pela vítima". (REsp i.254.141-PR,

Rei. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/12/2012).

O EniÍriciado 443 da V Jornada de Direito Civil adverte: a res­ponsabil idade pela perda da chance não se l imita à categoria dos danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso

'

concreto, á' chance perdida pode apresentar também a natureza de dano patrimonial, desde que séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.

Da leitura dos ju lgados acima, observa-se que a jurisprudência está sendo construída no sentido de reconhecer o dever de reparar ap�as se a chance for séria e real, falando-se em uma análise pautada no princípio da razoabil idade. São indenizados os prejuízos decorrentes da perda da chance, sejam perdas de ordem patrimo­nial ou extrapatrimonial .

Exemplifica-se com o paciente que tem frustrado pelo seu médi­co a oportunidade de tratamentq de uma determinada doença. Não

20. REsp. i.115.687-SP. julgado em 18.11 .2010. 2i. REsp. i. 190.180-RS. julgado em 16.11.2010. Apesar da Corte anular o julgado por

reconhecer julgamento extra petita, houve o indicativo da possibilidade de dano moral pela perda da chance no caso.

22. REsp. 82i.004-MG.

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

se busca indenização pela cura. Esta, infelizmente, não é certa. A busca, porém, é de reparação pela perda da oportunidade séria e real do tratamento. Nas acertadas palavras de 5ÉRG10 CAvAuER1 F1LH023não se indeniza a continuidade da vida, mas sim a perda da chance da cura naquela oportunidade.

• Como esse assunto foi cobrado em concurso? Em concurso para Oficial de Direito da ABIN/2010 foi considerada verda­deira a seguinte assertiva: "A teoria da perda da chance é adotada em tema de responsabil idade civil, sendo aplicada quando o dano é real, atual e certo, com base em juízo de probabilidade, e não, de mera possibilidade."

5. JUROS

O juro é o rendimento do capital emprestado. A palavra costu­ma ser uti lizada no p lural Ouros) como sinônimo de lucro sobre o d inheiro emprestado, ante o risco do inadimplemento. Trata-se de fruto civil (rendimento), a teor do art. 92 do CC. Podem ser compen­satórios ou moratórios, legais ou convencionais.

Importante lembrar que os juros são acessórios da obrigação principal .

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Analista de Procuradoria - PGE-BA, banca FCC, ano de 2013, foi cobrada a questão a seguir:

Do ponto de vista conceituai, em sentido amplo, juros são:

a) a remuneração ou os frutos civis de um determinado capital, do qual são acessórios.

b) a atualização do valor nominal da moeda, para evitar sua desvalori­zação em face da inflação.

c) rendimentos que existem em si mesmos, como coisa principal, tendo como acessório o capital .

23 - Op . Cit. p. 75.

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d) uma taxa que incide sobre um contrato, em retribuição às custas e despesas do credor. e) o preço contratual correspondente ao uso de uma coisa infungível.

O gabarito é a letra A. Ainda sobre juros, no ano de 2013, a banca FCC elaborou a questão a seguir: (PGE-BA - Analista de Procuradoria - Área de Apoio Calculista) Relativa­mente aos juros, considere:

1. A contagem dos juros não subsiste com a extinção da obrigação prin­cipal.

li. Não se concebe a obrigação de pagar juros sem que haja uma obri­gação principal.

Ili. O reconhecimento da obrigação de pagar juros implica o reconheci­mento da obrigação principal.

Está correto o que se afirma em

a) li, apenas.

b) 1 e li, apenas.

c) 1 e I l i, apenas.

d) l i e I l i, apenas.

e) 1, l i e I l i .

O gabarito é a letra E.

A teor do art. 406 do CC, os juros devem ser fixados segundo a taxa de pagamento dos tributos devidos à Fazenda Nacional, quan­do não forem convencionados pelas partes. Surge, então, o debate sobre a taxa SELIC a que a lude o Sistema Especial de Liqu idação e Custódia, conforme art. 39 da Lei 9.250/95, e que se submete às va­riações do mercado de capitais (taxa flutuante).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Ju iz Substituto do TJ-R0/2011 foi considerada verdadei­ra a alternativa que possuía o seguinte teor: "Em sede de obrigações, quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa esti pulada, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional".

Outrossim, o art. 404 do CC informa que as perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização

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monetária, segundo os índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Entretanto, há forte crítica na doutrina a respeito da utilização da taxa SELIC. Sobre este assunto, o Enunciado 20 do CJF informa que "a taxa de juros moratórias a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1°, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês. A utilização da taxa SEL/C como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcu­larem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3°, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a doze por cento ao ano. No mesmo sentido o STJ (REsp. 432.823/Ba, 198.693/ SP, 146.568/MG, 126.751/SC.

Acresça-se a isto, a teor do art. 34 do ADCT, que o Código Tribu­tário Nacional foi recebido (recepcionado) pela Ordem Constitucio­nal de 1988, daí porque possui status jurídico de lei complementar, hierarquicamente superior às legislações ordinárias, que tratam da taxa SELIC, quais sejam as Leis 8.981/95 e 9.779/99. Neste sentido, malgrado a d ivergência, caminhamos com o entendimento do CoNsE­LHO DA JUSTIÇA FEDERAL.

5.i. Juros de Mora

Adverte o parágrafo único do art. 404 do CC o seguinte: provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena con­vencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.

� Atenção!

Não confundir juros de mora com juros reais. Estes são os fixadOs (iden­tificados) excluindo-se a correção monetária. São puros, reais porque representam exatamente a remuneração do capital e nada mais. É de­nominado também de juro nominal deflacionado.

Na forma da Súmula 254 do SuPERIOR TRIBUNAL DE JusT1ÇA, os juros mo­ratórias podem ser l iquidados, ainda que não exista condenação

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judicial a respeito, porque configuram pedido implícito, a teor do art. 293 do CPC.

Incidem sobre qualquer prestação, e não apenas a pecuniária (CC, art. 407).

Por força do art. 405 do CC, a data da citação configura o dies a quo do início da incidência dos juros moratórias, devendo ser en­tendido sistematicamente com o art. 397 do CC e 219 do CPC.

Sobre o tema, o Enunciado 428 da V Jornada de Direito Civil conclui: "Os juros de mora, nas obrigações negociais, fluem a partir do advento do termo da prestação, estando a incidência do disposto no art. 405 da codificação limitada às hipóteses em que a citação repre­senta o papel de notificação do devedor ou àquelas em que o objeto da prestação não tem liquidez".

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o cargo de J uiz Substituto d o TJ-SC/2009 foi consi­derada inverídica a seguinte assertiva: "Os juros da mora se contam desde a citação assim nas obrigações negociais como nas obrigações decorrentes de ato ilícito". Ainda neste sentido, em concurso para Advogado da CETESB/2009 foi considerada incorreta a alternativa que continha o seguinte teor: "contam-se os j uros de mora desde a pro­positura da ação". Já na prova para Analista de Procuradoria - PGE/BA, banca FCC, ano de 2013, esse assunto foi cobrado da seguinte forma: Quando exigidos judicialmente, contam-se os juros moratórias, nas obri­gações ilíquidas a) sempre do inadimplemento obrigacional.

b) como regra, a partir da data em que a obrigação foi contraída. c) como regra, desde o ajuizamento da ação. d) como regra, desde a citação inicial. e) em regra, do inadimplemento obrigacional e, excepcionalmente, do ajuizamento da demanda. O gabarito é a letra D.

Além disto, o Enunciado 161 do mesmo C]F, afirma que tais ho­norários advocatícios referidos no artigo 404 "apenas têm cabimento quando ocorre efetiva atuação profissional do advogado".

Tais honorários seriam sucumbenciais ou contratuais?

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O magistrado paranaense JosÉ RICARDO ÁLvAREs V1ANNA formulou proposta de Enunciado sugerindo que tais honorários abrangessem os sucum­benciais, evitando bis in idem. Todavia, não houve consenso à época. Foi então que na V Jornada em Direito Civil elaborou-se o Enunciado 425, segundo o qual: "Os honorários advocatícios previstos no art. 389 do Código Civil não se confundem com as verbas de sucumbência, que, por força do art. 23 da Lei 8.906/94, pertencem ao advogado".

� Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já decidiu esta questão?

[ ... ] os honorários advocatícios integram os valores devidos a título de repa­ração por perdas e danos - explica que os honorários mencionados pelos referidos a rtigos são os honorários contratuais, pois os sucumbenciais, por constituir crédito autônomo do advogado, não importam decréscimo patri­monial do vencedor da demanda [ ... ] os honorários convencionais são reti­rados do patrimônio da parte lesada - para que haja reparação integral do dano sofrido -, aquele que deu causa ao processo deve restituir os valores despendidos com os honorários contratuais (SurERIOR TRIBUNAL oE Jusr1ÇA, Resp. 1 . 134.725/MG).

5.2. Juros Compensatórios

Sendo o Cód igo Civil omisso quanto aos juros compensatórios -só há discipl ina sobre os moratórios (CC, art. 406) - é imprescindível reconhecer que a incidência destes decorrerá da autonomia priva­da. Por esta razão, a pactuação desta modalidade de juros há de se submeter a todos os princípios contratuais, entre eles as l im itações da social idade e da boa-fé objetiva.

� Importante:

Em suma: a) juros moratórios ressarcimento imputado ao devedor pelo des-

cumprimento parcial da obrigação. Tem disciplina no Código Civil e incidência automática (CC, art. 406).

b) juros compensatórios ou remuneratórios = decorrem da utilização consentida do capital alheio. O tema pode ser entendido pela inteli­gência do a rt. 591 do CC, o qual disciplina o mútuo feneratício e tais juros, como forma de remuneração pelo empréstimo do capital. Sua natureza é de frutos civis. Eis o conteúdo da norma: "presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406".

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Disto surge o problema da l imitação dos juros compensatórios.

A jurisprudência consol idada pela Súmula 379 do SuPERIOR TR1BuNAL DE JusT1ÇA entendeu que "Nos contratos bancários não regidos por legis­lação específica, os juros moratórias poderão ser convencionados até o limite de 1°/,, ao mês".

De igual sorte, a Súmula 596 do SuPREMo TRIBUNAL FEDERAL sustenta não estarem as instituições bancárias submetidas à Lei de Usura. A lém disto, a Súmula 283 do SuPERIOR TRIBUNAL DE JusT1ÇA qualifica as em­presas administradoras de cartões de crédito como instituições fi­nanceiras, tudo a concluir que as mesmas não sofreriam limitação dos juros remuneratórios.

Diante desta, é forçoso concluir que a Lei da Usura não se aplica aos Bancos e Instituições Administradoras de Cartão de Crédito e Instituições Financeiras.

A doutrina, entretanto, estabelece crítica ao entendimento su­mu lado. FLÃvio TARTUcE'4, por exemplo, entende que os juros compensa­tórios não podem exceder 24º/,, ao ano, ou 2°/,, ao mês, sob pena de usura e enriquecimento sem causa. O mesmo doutrinador também sugere conflito entre as súmulas 297 e 283 do STJ : "Isso porque o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às empresas de cartão de crédito, mas estas podem cobrar as taxas de juros que acharem mais convenientes"'5. Deve-se lembrar que o entendimento sumulado da Suprema Corte no sentido de que o coe se apl icam aos contratos bancários também foi firmado na ADI 2.591-DF.

ORLANDO GOMES chamaria isto de contrato imoral e ilega l onde se deveria "substituir a cláusula onzenário pelo preceito lega l". PABLo STOm E RoDoLFo PAMPLONA F1LHO qualificam de "jocosa" e "lamentável" a súmula do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CRISTIANO CHAVES OE FARIAS E N ELSON RoSENVALD26pen­sam da mesma forma.

Tam bém é d igno de nota que mesmo com a EC/40, a qual con­feriu nova redação ao artigo 192 da CF/88, é possível continuar en­tendendo que a aplicação de preceitos que constem nas Resoluções

24. Direito Civil, vol. 4, p. 230. 25. Direito Civil, vol. 4, p. 239. 26. ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 416.

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do Banco Central não teriam a força normativa ordenada pela Cons­tituição na redação atual, a par da violência à dignidade, à solida­riedade social e à função social da propriedade.

Contudo, os tribunais superiores entendem que a norma que complementa o a rt. 192 da CF/88 seria a Lei 4.595/64, que confere ao Conselho Monetário Nacional o Poder Discricionário de estabelecer as taxas de juros, devendo ser observado o que foi pactuado entre as partes obrigacionais, não se aplicando nem o CC, nem a Lei de Usura, nem o CDC.

O SuPREMO TRIBUNAL FEDERAL decid iu na ADI 04-DF que o dispositivo do art. 192 da CF/88 não é autoaplicável, aspecto q ue, mesmo com a EC 40/03, definiu a questão ao confirmar o entendimento da possi­bi l idade do Sistema Financeiro fixar juros bancários para além dos l imites legais.

De qualquer modo, os arts. 1 13, 187 e 421 do CC podem ser importantes preceitos na análise, em cada caso concreto, dos ju­ros compensatórios. Neste sentido, o SuPERIOR TRIBUNAL oE Jus11ÇA no REsp. 404.097.

� Atenção!

a) Juros simples são os que não se acumulam com o principal do capital emprestado para a contagem dos novos juros.

b) Juros compostos são aqueles que consideram o principal acrescido dos juros cumulados.

O cômputo de juros sobre j uros é denominado de anatocisto e configura prática ilegal. o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA na Súmula 121 afirma somente ser possível a capitalização dos juros se houver norma legal que excepciona a proibição estabelecida na Lei da Usura. No mesmo sentido o REsp. 63.372-9/PR.

Hoje, na forma do a art. 591 do CC é possível a capitalização dos juros apenas anualmente. Na ADI 2.3 16/DF, o SuPREMo TRIBUNAL FEDERAL suspendeu a eficácia da Medida Provisória 2.170-36, a qual admitia a captação de juros em periodicidade inferior a um ano.

Por fim, fique atendo à redação da Súmula 382 do Superior Tri­bunal de Justiça, segundo a qual: "A estipulação de juros remunerató­rios superiores a i2% ao ano por si só não indica abusividade".

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� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o cargo de Defensor Público do RS/2011 foi considera­da verdadeira a seguinte assertiva: "Segundo o entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça, os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadim­plência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado." Em 2013, numa prova elaborada pela banca FCC foi cobrada a seguinte questão: (PGE-BA - Analista de Procuradoria - Área de Apoio Calculista) Os juros remuneratórios a) são devidos pelo inadimplemento contratual, à taxa de 1% ao mês.

b) estão limitados a 12º/o ao ano em todos os casos, podendo-se cobrar em acréscimo somente multa e correção monetária.

c) não estão l imitados a 12% ao ano somente se devidos a instituições financeiras, mas não a administradoras de cartões de crédito, que não podem exigir juros remuneratórios acima desse patamar.

d) têm igual tratamento, atualmente, para instituições financeiras ou particulares, em ambos os casos sem limitação a 12% ao ano ou qual­quer outro patamar e verificando - se caso a caso eventual taxa abusiva.

e) se devidos a instituições financeiras, ou a administradoras de cartões de crédito, não estão limitados a 12% ao ano, devendo-se examinar caso a caso eventual exigência de taxa abusiva.

A assertiva correta é a letra E.

6. CLÁUSULA PENAL (MULTA CONTRATUAL OU PENA CONVENCIONAL)

o art. 408 do CC estabelece que incorre de pleno direito o deve­dor na cláusula penal, desde q ue, culposamente, deixe de cumpri r a obrigação ou se constitua em mora. Ao contrário do CC/16, que inseria o tema como modalidade das obrigações, o atual CC o inse­riu dentro do conteúdo do inadimplemento das obrigações, eviden­ciando melhoria legislativa.

Consiste a cláusula penal em uma pena convencional e acessó­ria'7 (não obrigatória), a qual atua como garantia à obrigação princi-

27. Em regra é disciplinada no próprio contrato, mas inexiste vedação de ser elabo­rada em documento apartado, apesar de não ser isto comum.

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pai, prestigiando a segurança jurídica, a força obrigatória do contra­to e o cum primento do ajuste.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No que tange ao conceito de cláusula penal, o concurso para provimen­to do cargo de Ju iz - TJ-PR, realizado pela UFPR, ano de 2013, trouxe a questão a seguir: No que se refere à çláusula penal, assinale a alternativa correta:

a) É a cominação que se estabelece em um contrato, por meio de dis­posição específica e pela qual se atribui ao inadimplente da obrigação principal o pagamento de determinada quantia, ou a entrega de um bem, ou a realização de um serviço, ou seja, pacto acessório por meio do qual se estipula uma pena, em dinheiro ou outra utilidade.

b) É a cláusula em que incorre o devedor que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação, desde que tenha sido devidamente constituído em mora por meio de notificação, interpelação ou citação em processo judicial. c) Trata221se do acréscimo que se impõe à obrigação principal para apenar os efeitos da mora, substituindo os encargos habituais consis­tentes em correção monetária e juros, respectivamente, a partir da pro­positura da ação e da citação válida.

d) É a imposição legal decorrente da prática de ato ilícito, que tem como fundamento indenizar a vítima pelos prejuízos derivados do ato lesivo concebido por culpa ou dolo, variando de acordo com a sua intensidade. O gabarito é a letra A.

Através desta pena convencional, os contratantes pré-fixam o valor das perdas e danos, para hipótese de eventual i nadimplemen­to, faci litando a l iquidação, ou mesmo preveem um valor inibitório, a fim de desestimular o descumprimento.

Neste sentido, informa ORLANDO GoMEs'8 que a função da cláusula penal é pré liquidar os danos, mas ela acaba, de forma indireta, tendo uma natureza in ibitória, ao intimidar o devedor ao cumpri­mento obrigacional. Justo por isto, afirma o art. 416 do CC que "para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue pre­juízo".

28. Op. Cit. p. i90.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Sendo garantia, a cláusula penal pode, em tese, ser assumida por terceiro, ou até mesmo beneficiar terceiro, aplicando-se, por analogia, as regras da fiança.

Dúvida surge se a denominada sanção premiai poderia efetiva­mente ser qualificada como cláusula penal, como, por exemplo, as mensalidades de clube, condomínio e outros pagamentos antecipa­dos, cujo adiantamento é incentivado pelas empresas que geren­ciam cobrança, com abatimentos. o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já enten­deu que isto não corresponde a uma penalidade (REsp. 236.828-RJ). CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD29entendem que "a cláusula penal pode ser representada pela perda de um desconto, se o adimplemento não se der em prazo hábil".

Por tratar-se de obrigação acessória, a nul idade da cláusula pe­nal não atinge a obrigação pri ncipal. O novo Código inova ao supri­mir a regra do art. 922 do CC de 1916. Maria Helena Diniz já regis­trava que "para alguns autores, pode ocorrer que, em certos casos, a cláusula penal tenha validade, mesmo que a obrigação principal seja nula, desde que tal nulidade dê lugar a uma ação de indenização por perdas e danos; é o que ocorre, p. ex., com a cláusula penal estipula­da em contrato de compra e venda de coisa a lheia, se esse fato era ignorado pelo comprador, visto que, nessa hipótese, a cláusula penal, sendo o equiva lente do dano, será devida por se tratar de matéria inerente ao prejuízo e não ao contrato"3º.

Aqui, andou bem o novo Código, valendo-se também da com­panhia dos Códigos argentino (art. 666) e u ruguaio (art. i .365), que estabelecem expressamente que a cláusula penal continua válida, ainda que a obrigação principal se tenha tornado inexigível .

A cláusula penal pode ser: a) compensatória (CC, art. 410) ou b) moratória (CC, art. 411).

Na cláusula penal compensatória as partes preveem indenização substitutiva para a hipótese de inadimplemento total, pré-fixando o valor das perdas e danos. Portanto, a cláusula penal compensatória é alternativa em benefício do credor, que poderá optar entre: (i) pleitear o cumprimento da obrigação; (ii) exigir a pena convencional.

29. l n Direito das Obrigações. R io de Janeiro: Lumen ]uris, 2006, p. 423. 30. Curso de direito civil brasileiro, cit., p. 322.

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

Impossível, todavia, o pleito da pena convencional pelo inadimple­mento a bsoluto somado ao pedido de cumprimento obrigacional, por consistir bis in idem. Trata-se de um padrão disjuntivo.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Salientando a característica inibitória da cláusula penal compensatória, em concurso para Juiz Substituto do TJ-SC/2009 foi considerada correta a seguinte assertiva: "A cláusula penal ressarcitória equivale a perdas e danos prefixados e não à sanção punitiva".

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o cargo de Juiz do TJ/PB/2011 foi considerada inverídi­ca a seguinte assertiva: "Estipulada cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, o credor poderá exigir cumulativamente do devedor a pena convencional e o adimplemento da obrigação."

Sobre o tema, confira o julgado do Superior Tribunal de Justiça, do ano de 2013:

AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL. INADIM­PLEMENTO CONTRATUAL. CLÁUSULA PENAL. NATUREZA COMPEN­SATÓRIA. CUMULAÇÃO COM PERDAS E DANOS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. i. É inviável a cumulação da multa com­pensatória com o cumprimento da obrigação principal, uma vez que se trata de uma faculdade disjuntiva, podendo o credor exigir a cláusula penal ou as perdas e danos, mas não ambas, conforme o art. 401 do Código Civil. 2. A juris­prudência desta Corte de Justiça tem admitido tal cumulação somente quando a cláusula penal tiver natureza moratória, e não compensatória (REsp i.355.554/RJ. Terceira Turma, Rei. Min. SIDNEI BENETI, DJe de 4/2/2013), o que, no entanto, não se verifica na hipótese dos autos. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgRg no Ag: 741776 MS 2006/0018822-0, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Ju lgamento: 07/11/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/12/2013).

A cláusula penal moratória ou penitencial incide na casuística de inadim plemento relativo (mora), sendo sua penalização. Dessa forma, tem natureza complementar e deve ser postu lada cumulati­vamente com o pedido de cumprimento do próprio contrato. Verifi­ca-se um padrão cumulativo .

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LUCIANO F IGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para a SMF-RJ/2010, prova elaborada pela ESAF, foi consi­derada correta a seguinte afirmativa: "a cláusula penal estipulada con­juntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora".

Resumindo:

Obrigação principal J + Multa

= Obrigação principal ou Multa

j j

Plenamente possível que, ante a autonomia privada, um contra­to possua, ao mesmo tempo, cláusula penal com pensatória e cláu­sula penal moratória. De certa forma, podemos afirmar que este é o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL d iante da Súmula 616: "é permitida a cumulação da multa contratual com os honorários de ad­vogado após o advento do CPC vigente". Tal raciocínio liga-se a ideia de serem penas por fatos geradores diversos.

De acordo com o art. 412 do CC o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal . Trata­-se de preceito semelhante ao CC/16, que recebeu crítica de CL6v1s BEV1lÃQuA, segundo quem: "O limite imposto à pena por este artigo não se justifica. Nasceu da prevenção contra a usura, e é uma restrição à liberdade das convenções, que mais perturba do que tutela os legíti­mos interesses individuais. A melhor doutrina, neste assunto, é a da plena liberdade, seguida pelo Código Civil italiano, pelo português, e pelo venezuelano"31•

Ousamos divergir, diante da função social do contrato, a qual justifica l imitação do Poder Público, via legislação, à autonomia pri­vada (CC, 421). Nos parece, portanto, que andou bem o vigente Có­digo Civil na hipótese.

31. Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, cit., p. 72.

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

O art. 413 do CC autoriza ao magistrado, com fundamento no princípio da função social do contrato, a reduzir equitativamente o valor da cláusula penal. Inova a discipl ina anterior (CC/16, art. 924) que utilizava a expressão redução proporcional (e não redução equitativa). A este respeito, informa o Enunciado 359 do C] F:"A reda­ção do art. 413 não impõe que a redução da penalidade seja propor­cionalmente idêntica ao percentual adimplido".

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No ano de 2014, a prova para o cargo de Procurador Municipal - Prefei­tura de Cuiabá /MT, banca FCC, cobrou a questão a seguir:

Rubens celebrou contrato no âmbito do qual se comprometeu a reparar a instalação elétrica da residência de Nilce. Para o caso de não reali­zar o serviço no prazo, as partes estabeleceram que Rubens pagaria a Nilce 5oºk do valor do contrato, a título de cláusula penal. Na data em que a obrigação deveria ter sido integralmente cumprida, Rubens havia finalizado 90°k dos serviços contratados. Nilce ajuizou ação postulando o pagamento de 50°k do valor contratado, conforme as partes haviam estabelecido em contrato. Este valor deverá ser

a) pago integralmente, porque o contrato faz lei entre as partes e a cominação não supera o valor do contrato.

b) pago integralmente, porque o contrato faz lei entre as partes, as quais podem estipular cláusula penal de qualquer valor.

c) afastado por completo, porque a lei comina nul idade à cláusula penal de valor superior a 30°k do contrato.

d) reduzido equitativamente, pelo juiz, porque a obrigação foi cumprida em grande parte.

e) afastado por completo, porque a obrigação foi cumprida quase que integralmente.

O gabarito é a letra D.

Há também de se observar os princípios da razoabi l idade e pro­porcional idade no caso concreto. Neste sentido, confira a ementa da decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da ia Região:

CLÁUSULA PENAL. INADIMPLEMENTO PARCIAL. INC IDÊNCIA DA CLÁUSULA PENAL. Ajustada a i ncidência de cláusula penal no equivalente a 50°b da obrigação p rincipal e adimpli­da a obrigação de modo voluntário, mas apenas parcial,

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LUCIANO F IGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

porque, nada obstante realizado o depósito do numerário devido em conta de depósito à vista e em espécie, não foi observado o horário do expediente bancário, situação que determinou a disponibi lização do respectivo valor à credora a pós o vencimento da obrigação, em afronta ao que fora ajustado. Assim, configurado o inad im plemento, i ncidiu a sanção, reduzida, contudo, em face dos princí­pios da razoabi l idade e proporcional idade.(TRT-1 - AGVPET: 1527009320095010065 RJ , Relator: Leonardo Dias Borges, Data de Ju lgamento: 08/07/2013, Terceira Turma, Data de Publicação : 05-08-2013).

O excesso não inval ida a c láusula, mas impõe a sua red ução, até mesmo de ofício, pelo ju iz, como se vê, pela letra do artigo 413: "A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da pena lidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a final idade do negócio".

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

D mencionado dispositivo legal foi cobrado na prova para Analista de Procuradoria/PGE-BA/FCC/2013, a qual considerou correta a proposição: "A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obri­·gação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penal idade for manifestamente excessivo, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio".

j u stamente por se tratar de preceito cogente (de interesse púb l ico), o Enunciado 355 do CJ F vatici na que : "Não podem as par­tes renunciar à possibil idade de redução da cláusula penal se ocor­rer qualquer das hipóteses previstas no art. 413 do Cód igo Civil, por se tratar de preceito de ordem pública ". E é na l i nha desta perspectiva cogente, que o Enunciado 356 do mesmo CJ F conclu i q u e : "Nas h ipóteses previstas n o artigo 4 1 3 do Cód igo Civil, o juiz deverá reduzir a cláusula penal de ofício" por se tratar de ius co­gente.

Que reste claro: a possib i l idade é de redução equ itativa, em atenção aos pri ncípios da função social, boa-fé e dignidade da pessoa hu mana. Não é possível, porém, o aumento de valores, sob pena de violação da autonomia p rivada.

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

� Atenção!

Há legislações específicas que limitam ainda mais o valor da cláusula pe­nal . Neste sentido a Lei 6.766/79 informa que nos contratos de promessa de compra e venda o seu montante máximo é de 10ºk (dez por cento). Já nos Condomínios Edilícios o teto é 2°/,, (dois por cento - cc, art. i.336). O mesmo (2ºt,,) diga-se para as obrigações sucessivas (periódicas), alu­didas no art. 52 do CDC.

Ainda no âmbito da doutrina, o Enunciado 358 do CJF adverte: "O caráter manifestamente excessivo do valor da cláusula penal não se confunde com a alteração de circunstâncias, a excessiva onerosidade e a frustração do fim do negócio, que podem incidir autonomamente e possibilitar sua revisão para mais ou para menos" (No mesmo senti­do, o Enunciado 166).

Na seara do d ireito do trabalho, o Enunciado 429 da V Jornada em Direito Civil reconheceu que: "As multas previstas nos acordos e convenções coletivas de trabalho, cominadas para impedir o descum­primento das disposições normativas constantes desses instrumentos, em razão da negociação coletiva dos sindicatos e empresas, têm natu­reza de cláusula penal e, portanto, podem ser reduzidas pelo Juiz do Trabalho quando cumprida parcialmente a cláusula ajustada ou quando se tornarem excessivas para o fim proposto, nos termos do art. 413 do Código Civil".

Uma vez fixada uma cláusula penal seria possível o pedido de indenização suplementar?

Em tese, não, salvo previsão expressa na própria cláusula (CC, art. 416). Desta forma, o valor fixado pela cláusula penal entende-se com montante total da indenização. Caso, porém, a própria cláusula penal autorize pedido suplementar, o montante da pena será enten­dido como um piso indenizatório, cabendo ao lesado, comprovando o prejuízo, requerer complementação.

Esta ótica, porém, não se impõe no contrato de adesão, ante as suas peculiaridades: uma parte hipersuficiente e um pacto pre­formatado. Nesta esteira, informa o Enunciado 430 da V Jornada em Direito Civil que "No contrato de adesão, o prejuízo comprovado do aderente que exceder ao previsto na cláusula pena l compensatória po­derá ser exigido pelo credor independentemente de convenção".

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

� Atenção!

Lembra 0RlANoo GoMEs" que não devemos confundir a cláusula penal com a multa simples, inadvertidamente chamado por alguns de cláusula pe­nal pura. Esta consiste apenas no pagamento de uma soma a título de infração contratual . Não se trata da cláusula penal, a qual traduz ressarcimento préfixado.

� Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JusnçA vem entendendo o assunto:

Cláusula penal. Redução. Adimplemento parcial.

A Turma entendeu que, cumprida em pane a obrigação, a regra contida no mencionado anigo deve ser interpretada no sentido de ser possível a re­dução do montante estipulado em cláusula penal, sob pena de legitimar-se o locupletamento sem causa. Destacou-se que, sob a égide desse Códex, já era facultada a redução da cláusula penal no caso de adimplemento parcial da obrigação, a fim de evitar o enriquecimento ilícito. Dessa forma, a redu· ção da cláusula penal preserva a função social do contrato na medida em que afasta o desequilíbrio contratual e seu uso como instrumento de enri­quecimento sem causa. Ademais, ressaltou-se que, no caso, não se trata de redução da cláusula penal por manifestamente excessiva (art. 413 do CC/02), mas de redução em razão do cumprimento parcial da obrigação, autorizada pelo art. 924 do CC/1916. "ln casu", como no segundo período de vigência do contrato houve o cumprimento de apenas metade da avença, fixou-se a redução da cláusula penal para 50°k do montante contratualmente previsto. REsp 1.212.159, rei. Min. Paulo Sanseverina, j. 19.6.2012. 3° T. (lnfo 500)

� Como esse assunto vem sendo cobrado em concurso?

Quanto à cláusula penal, a prova para o cargo de Ju iz do Trabalho - TRT 6• Região (PE), realizada pela banca FCC, ano de 2013, trouxe a seguinte questão:

Considere: 1 . Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimple­mento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.

l i . A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo ju iz se a obri­gação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

32. Op. Cit. p. 194.

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DD INADIMPLEMENTO

I l i . Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles, responderão solidaria mente pela pena.

IV. Ocorrendo o inadimplemento da obrigação, mesmo que o prejuízo seja superior à cláusula penal, o credor não pode em nenhuma hipóte­se exigir indenização suplementar, porque a cláusula penal é alternativa às perdas e danos, dispensando-se a prova do prejuízo.

V. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em se­gurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempe­nho da obrigação principal.

A cláusula penal sujeita-se às regras.

a) li, Ili e IV.

b) 1, li e V.

c) 1, li e IV.

d) li, I l i e V.

e) 1, IV e V.

O gabarito é a letra B .

7. ARRAS E SINAL

Assim como aconteceu com a cláusula penal, a arras foi presti­giada no atual Código Civil, experimentando alteração em seu locus. Antes (CC/16, arts. i.094/i.097) se encontrava na Teoria Geral dos Contratos. Agora, situa-se no inadimplemento obrigacional .

Conceitua S1Lv10 RooR1GuEs33 arras ou sinal como a importância, prestada em dinheiro ou coisa, dada por um contratante ao outro, na conclusão do contrato, visando reforçar a presunção de acordo firmado ou, até mesmo, com o fito de assegurar para as partes o direito de arrependimento. Das duas uma: ou os contratantes a es­tipulam para garantir o adimplemento da prestação, ou, finalmente, objetivando pré-fixar perdas e danos em caso de arrependimento.

Por conta disto, CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD34 arre­matam, sustentando que "as arras exercitam duas grandes funções:

33. ln Direito Civil. Parte Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2002. 34. ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 435.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

penitencia/ (direito francês) e confirmatória (direito alemão)" para, após esclarecer: "O legislador cuida da matéria nos arts. 417 a 420 do Código Civil. Nos três primeiros artigos, disciplina as arras confirmatórias, dei­xando ao último dispositivo o tratamento das arras penitenciais".

Reza o art. 417 do CC que "Se, por ocasião da conclusão do con­trato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem

móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou com­putadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal".

Como visto, o a rtigo discipl ina a arras na modalidade confirma­tória. Visa a garantia e reforço da prestação do contrato, bem como firma o início de pagamento sem possibilidade de arrependimento das partes. Este adiantamento, denominado de sinal ou entrada, ostenta natureza jurídica de início de adimplemento.

Trata-se da quantia em dinheiro, ou outra coisa fungível, que um dos contratantes dá ao outro, em anteci pado, visando garantir o adimplemento. Não se confunde com a cláusula penal, isto porque esta só pode ser exigida após o inadimplemento. As arras são pagas de forma antecipada, justamente para evitar o descumprimento do contrato. Sendo adimplida a prestação, as arras devem ser abatidas do preço ou restituídas a quem as prestou.

Mas o que fazer se houver o pagamento destas arras e o des­cumprimento contratual?

O art. 418 do CC discipl ina a situação de inadim plemento nas arras confirmatórias. Acaso se adiantem arras e não se execute o contrato, quem as recebeu terá direito de retenção. Esta retenção servirá como préfixação das perdas e danos. Contudo, se a parte prejudicada foi quem deu as arras, terá direito à devolução das mesmas, a par da reparação civil na íntegra.

O art. 418 do CC é melhor do que o seu antecedente i.097 do CC/16 q ue, de forma limitada, apenas abordou hipótese de inexe­cução envolvendo o sujeito que deu as arras, ignorando a possi­bi l idade tática daquele que recebeu também ser beneficiado pelo instituto.

Além disto, o a rt. 419 autoriza o prejudicado a exigir indeniza­ção com plementar, se o dano sofrido for maior do que o valor das

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

arras. Segundo o preceito, a parte inocente pode pedir indeniza­ção suplementar se provar maior prejuízo, valendo as arras como o mínimo da indenização. Trata-se de mais uma diferença para a cláusula penal, que consiste na indenização total préfixada, salvo disposição em contrário (CC, art. 416).

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para a SMF-RJ/2010 foi considerada correta a seguinte as­sertiva: "a parte inocente pode pedir indenização suplementar, se pro­var maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização".

• Atenção!

Ao del imitar as arras como um piso (mínimo), o Código Civil superou uma divergência doutrinária anterior, que não admitia a cumulação das arras com o pleito de indenização.

De fato, antes do advento do art. 419 do CC, a doutrina se divi­da em duas correntes:

Corrente i - as arras confirmatórias envolveria hipótese de pré­fixação integral de perdas e danos. Assim, ao se executar as arras não se poderia pedir (cumular) indenização alguma, sob pena de bis in idem . Neste sentido, WASHINGTON oE BARRos MoNTE1Ro e SERPA LoPES.

Corrente 2 - as arras confirmatórias não representariam per­das e danos previamente estipulados, mas apenas um mínimo de perdas e danos, a permitir, mediante prova concreta e inequívoca, a indenização cumulativamente pleiteada e de caráter suplementar. Neste sentido, ORLANDO GoMES, S1Lv10 RoDRIGuEs, CA10 MÃR10 DA S1LvA PEREIRA e o CC/02.

Mas, além de confirmatórias, as arras poderão ser penitenciais, garantindo o direito ao arrependimento (CC, art. 420). Assim, se no contrato for esti pulado o direito de arrependimento para q ualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, q uem as deu perdê-las-á em beneficio da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente (em dobro).

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

� Como se pronunciou o SuPREMo TRIBUNAL FEDERAL sobre o tema?

Neste sentido a Súmula 412 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: "No compromisso de compra e venda, com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior a título de perdas e danos, salvo os juros moratórias e os encargos do processo".

Acerca dessa temática, vejamos a decisão prolatada pelo Tribu-nal de justiça do Distrito Federal:

CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PA­GAMENTO DE SI NAL. I NEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA DE ARREPENDI ­MENTO. NÃO INC IDÊNCIA DE ARRAS PENITENCIAIS. 1 . À luz do art. 420 do CC/02, somente quando estipu lada cláusula de arrepend imento, acompanhada de arras penitencia is, ha­verá a perda das arras ou do sinal em favor da p arte que não deu causa a não conclusão do contrato ou ao seu posterior desfazimento. 2 . Apelação provida. (TJDF - APL: 0002539-09.2010.807 .0004, Relator: CRUZ MACEDO, Data de ju lgamento: 08/03/2012, 4ª Turma Cíve l, Data de Publ icação: 1 1/04/2012).

Trata-se de preceito que parte da premissa segundo a q ual existe direito de arrependimento ajustado entre as partes. Estamos diante das arras penitenciais. Nos contratos com previsão do direi­to de arrependimento as arras sempre serão penitenciais, e i rão conferir à parte que arrepender-se a possibi l idade de resolver o pacto, sem litigar.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o I NSS/2008 foi considerada verdadeira a seguinte expressão: "A incidência das arras penitenciais prescinde da verificação do inadimplemento da parte".

Para CR1sr1AN0 CHAVES DE FARIAS E N ELSON RosENVALo35, se não houver no contrato expressa alusão ao direito de arrependimento das partes, a h ipótese será sempre de arras confirmatórias. Estas se presumem, diante do sinal. Aquelas (penitenciais) demandam cláusula expressa.

35. ln Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 438.

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A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO

Nas arras penitenciais não há de se falar em direito à indeni­zação suplementar. Isto porque, aqui, as arras já possuem natureza indenizatória.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o TRT-6• região/2010 foi considerada verdadeira a al­ternativa que possuía o seguinte teor: "As arras penitenciais excluem a indenização suplementar".

� Importante:

Em síntese:

As arras penitenciais acontecem quando os contratantes ajustam ex­pressamente o direito de arrependimento, ou seja, o direito de desis­tir do contrato. Servem como indenização préfixada: quem deu, perde. quem recebeu, devolve em dobro. Independem, as arras penitenciais, de haver ou não inadimplemento da obrigação. Os contratantes podem escolher entre cumprir ou não cumprir o contrato, já estando a indeni­zação pré-fixada.

Se o contrato não se concretizar por caso fortuito ou força maior, não incidirá as arras, em função da excludente.

As funções das arras são duas: (i) tornar definitivo o contrato prelimi­nar; (ii) funcionar como antecipação das perdas e danos ou como pena­lidade. As arras confirmatórias, nas q uais não consta a possibil idade de arrependimento quanto à celebração do contrato definitivo, e a arras penitenciais.quando constar a possibil idade de arrependimento (somen­te neste segundo terá função exclusivamente indenizatória, aí incluída a penalidade) e não a de confirmar o contrato definitivo.

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C a p í t u l o V I I

Transmissão das obrigações Sumário: i. Introdução - 2. Cessão de Crédito - 3. Assunção De Dívida ou Cessão De Débito - 4. Cessão de Posição Contratual.

1. I NTRODUÇÃO

A obrigação não é um vínculo imóvel. Ao revés, admite trân­sito . Logo, é juridicamente possível a transmissão ativa (cessão de crédito), passiva (cessão de débito ou assunção de dívida) ou, até mesmo, de uma posição contratual (cessão de contrato).

Afi rmam CR1sr1ANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD1 que a relação jurídica obrigacional possui um momento de nascimento, outro de modificação e , por fim, um de extinção. Entre o nascimento e a ex­tinção, nas palavras de EMíuo Brn12, a obrigação pode ser modificada, ante a possibi l idade de vicissitudes; leia-se: sucessões. Desta forma, há manutenção do negócio jurídico, conservação do seu objeto, mas substituição de seus sujeitos.

Nesta perspectiva, o SuPERJOQ TRIBUNAL DE ]usr1ÇA já entendeu que a "cessão de direitos e obrigações oriundos de contrato [ . . . ] implica a transferência de um complexo de direitos, de deveres, débitos e crédi­tos, motivo pelo qual se confere legitimidade ao cessionário de contra­to (cessão de posição contratua l) para discutir a va lidade de cláusulas contratuais com reflexo, inclusive, em prestações pretéritas já extintas" (REsp . 356.383).

Tal premissa, hoje assente na doutrina e na legislação nacio­nal, nem sempre foi verdadeira. No período romano se tinha como impossível a transmissão obrigacional, à exceção da sucessão here­ditária (causa mortis). A obrigação consistia em um vínculo solene, pessoal e intransferível. Havia apenas a possibi l idade de novação

i. ln Direito das ObTigações. 5_" ed. Rio de Janeiro: Lum·en Juris, 2011, p. 345.

2. Apud Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Op. Cit. p. 346.

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obrigacional, a qual implicava, necessariamente, na extinção do vín­culo anterior e criação de uma nova obrigação, com animus novandi.

Com a evolução das relações negociais, em função das exigên­cias econômicas, surge necessidade de facilitar a circulação das obrigações e seu cumprimento, crescendo em importância o tema ora em estudo. O olhar de transmissibi l idade obrigacional ganhou espaço quando passamos a enxergar a obrigação como um vínculo patrimonial dinamizado pelo adimplemento.

Nas palavras KARL lARENz3, todos os d ireitos suscetíveis de avalia­ção pecuniária constituem patrimônio da pessoa. A obrigação se in­sere neste contexto. Em sendo patrimônio, há propriedade e, ainda, admite-se o trânsito jurídico.

Foi assim que se verificou a desmaterialização do crédito. Este se tornou um bem incorpóreo, um objeto de patrimônio, sendo pas­sível de tráfego jurídico. Fora rompida a noção do crédito como algo inerente ao seu titular.

A aceitação histórica da transferência no polo ativo da obrigação ocorreu de forma mais tranqui la . Já a transmissão passiva enfren­tou maiores dificuldades. Lembra ORLANDO GoMEs4 que a substituição do credor ou do devedor na relação jurídico obrigacional, sem extinção do vínculo, é conquista do direito moderno. Mantém-se a individu­al idade do vínculo. Altera-se o elemento subjetivo ativo ou passivo.

O Código Civil de 1916 tinha um tratamento mais tímido acerca do assunto, seguramente por ser fruto de um contexto histórico-so­cia l permeado por uma economia primária e conservadora. Dedica­va-se apenas ao tratamento da cessão de crédito. O vigente Código Civil aprimorou a análise do tema, inaugurando um título próprio para a transmissão das obrigações, onde trata da cessão de crédito e da assunção de dívida (cessão de débito). Deixou de fora, porém, a cessão de posição contratual, o que é digno de críticas.

Após esta introdução, passamos ao tratamento das modali­dades de transmissão das obrigações. É importante frisar que o estudo não foge da perspectiva constitucional, impulsionada pela

3. Derecho de Obrigaciones. T. 1. p. 445.

4. Obrigações. p. 236.

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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

cláusula geral da dignidade humana, solidariedade social e, eviden­temente, pelos d ireitos fundamentais, os quais i rradiam - teoria da irradiação ou eficácia horizontal dos direitos fundamentais - sobre todo o d ireito privado.

Nesta senda, deve-se entender a transmissão das obrigações dentro dos valores da eticidade, boa-fé objetiva e função social, protegendo-se a legítima tutela da confiança e, também, do tercei­ro de boa-fé (teoria da aparência). Vamos iniciar pela cessão de crédito.

2. CESSÃO DE CRÉDITO

A cessão de crédito consiste, em regra, em u m negócio jurídico bilatera l e consensual5 através do qual o credor (cedente) transfe­re total ou parcialmente o seu crédito a um terceiro (cessionário), conservando-se a relação primitiva com o mesmo devedor (cedido). Seu objeto é um bem incorpóreo - um crédito. Por isto, fala-se em cessão, ao revés de al ienação, a qual se refere a coisas corpóreas. A cessão de crédito é a principal forma de transmissão obrigacional, podendo ser onerosa ou gratuita.

Conforme os ensinamentos de CR1snANo CHAVES DE FARIAS E NELSON RosEN­VALD6 há três personagens na cessão de crédito: cedente, cessionário e cedido. Assim:

Quem transfere seu crédito 1 (total ou parcial) -- _.)

O destinatário do crédito

O devedor

5. Ser consensual significa dizer que se torna perieito e acabado com o mero en­contro de vontades. Além de consensuais, há negócios reais, ao passo que de­mandam a entrega do objeto para tornarem-se perieitos e acabados.

6. Op. Cit. p. 352.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Apesar dos três personagens, as partes envolvidas na cessão são o cedente e o cessionário. O cedido não o é, pois, como será visto adiante, não necessita sequer concordar.

� Como este assunto foi cobrado e concurso?

A prova para o cargo de juiz Federal - TRF ia Região, banca examinadora CESPE, ano de 2013, trouxe a seguinte questão :

Suponha que um fazendeiro, mediante contrato escrito, tenha doado ioºb da safra produzida em sua fazenda para uma instituição de carida­de que, posteriormente, havia transferido essa vantagem para terceira pessoa. Nessa situação, o segundo negócio se configura como

a) novação.

b) sub-rogação legal.

c) subcontrato.

d) cessão de contrato.

e) cessão de crédito.

o gabarito é a letra E.

Fala-se que a cessão é, em regra, um negócio jurídico, fincado na autonomia privada, porque costuma ocorrer através da modali­dade convencional ou voluntária. Entrementes, como lembram PAsLo SrnLZE E RoooLFO PAMPLONA F1LH07, é plenamente possível verificarmos u ma cessão judicial, a exemp lo de u ma decisão que atribua ao herdeiro ou legatário um crédito do falecido; e a cessão legal, como a re­lacionada aos acessórios da dívida, a exemplo de cláusula penal, juros, garantias (art. 287 do CC/02). Pode ser verificada, até mesmo, a cessão de crédito como declaração de última vontade, mediante testamento ou legado.

Os livros e as provas costumam, porém, trabalhar com a ces­são voluntária. Veiculam como exemplo mais corriqueiro o desconto bancário, como recorda CARLos RosERTO GoNÇALVEs8. Neste o comerciante transfere o seu crédito a uma instituição financeira, recebendo ante­cipadamente valores a menor, passando a aludida instituição a ter a

7. ln Novo Curso de Direito Civil. Vol. li. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 246. 8. Op. Cit. p. 349.

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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

prerrogativa de execução futura dos montantes. Traduz uma impor­tante forma de desenvolvimento econômico. Permite a antecipação de valores e o recebimento de capital de giro. Explica-se. O credor (cedente) transfere um crédito vincendo a um terceiro (cessionário), que é uma instituição financeira. Este (cessionário) paga valor me­nor do que o do título propriamente e, depois, executa o devedor (cedido). O cedente, portanto, recebe uma antecipação de receita. É a casuística do factoring.

Mas será que qualquer obrigação pode ter seu crédito cedido?

Não! Nem toda obrigação é passível de transmissão. Nas pega­das do artigo 286 do Código Civil, a cessão de crédito poderá ocor­rer desde que não se oponha à natureza da obrigação, à lei ou à convenção com o devedor.

Os manuais costumam exemplificar como obrigações cuja nature­za não admite cessão o direito aos al imentos (art. 1707 do CC/02) e os direitos da personalidade (art. 1 1 do CC/02). Em relação a estes, porém, lembram CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD9 que o crédito al imentar em atraso e os rendimentos decorrentes da exploração de direitos autorais podem ser transmitidos (art. 28 da Lei 9.610/98). O crédito al imentar vencido já integra o patrimônio do al imentando, que sobreviveu até aquela data. Já a faceta patrimonial dos direitos da personalidade poderá ser objeto de cessão, sendo vedada, po­rém, a cessão dos direitos morais do autor - paternidade da obra (art. 27 da Lei 9.610/98).

Em outros casos há uma proibição legal à cessão. Lembra-se do direito de preferência, o qua l não admite transmissão (art. 520 do CC/02); o benefício da gratuidade de justiça (Lei i.060/50, art. 10); o direito à herança de pessoa viva (art. 426 do CC/02) e os créditos já penhorados (art. 287 do CC/02).

Além disto, a própria obrigação pode vedar a aludida transmis­são, veiculando um pacto non cedendo, o qual apenas poderá ser oposto à terceiro de boa-fé caso conste do instrumento da obrigação (art. 286 do CC/02). Na lição de G1sELDA MARIA FERNANDES NovAEs H1RONAKA, tal

9. Op. Cit . p. 354/355.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

impossibil idade de oposição é novidade do Código Civil vigente, "Mas a esta conclusão já se chegava no sistema anterior pelo raciocínio lógico. Como bem lembra Si/vio de Salvo Venosa (p.330), o terceiro poderá ter tomado conhecimento da proibição de outra forma, o que lhe suprime a boa-fé, o que deverá ser examinado no caso concreto"10 • Exemplifica-se com a hipótese contratual que envolve obrigação de não fazer per­manente (CC, arts. 250 e 251), cujo desrespeito (a cessão) ensejaria inadimplemento contratual de obrigação negativa (CC, art. 390).

Por razões processuais - efetividade da jurisdição, por exemplo -, o crédito penhorado não mais poderá ser cedido pelo credor que tiver conhecimento da penhora, em função da constrição judicial. Trata-se de uma vedação temporal, pois o crédito, após a penhora, possui a qual idade jurídica de bem litigioso (sub judice), estando fora do comércio jurídico regu lar. Se houver cessão, inclusive, estar­-se-á d iante de u ma fraude à execução (CPC, 600).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em prova para o preenchimento de vagas para o cargo de Procurador da Fazenda Nacional/2012 foi considerada correta a alternativa que con­tinha o seguinte teor: "O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.".

Ainda sob o ponto de vista da jurisdição é importante lembrar que o princípio da inafastabi l idade ou inevitabi l idade permitirá ao Poder Judiciário, sempre, revisar o conteúdo das cláusulas contratu­ais e, por via de consequência, da cessão de crédito.

� Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vê esta questão?

No Recurso Especial 356.383 o SuPrn10R TR1suNAL DE Jusr1ÇA assim entendeu: "A extinção do dever de pagamento da prestação mensal não se confunde com a possibilidade de revisão das cláusulas contratuais, pois esta decorre do direito de acesso ao Poder Judiciário e habilita a parte interessada a requerer o pagamento de diferenças pecuniárias incluídas indevidamente

10. ln Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 128.

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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

nas prestações anteriores à cessão contratual, pois foram cedidos não só os débitos pendentes como todos os créditos que viessem a ser apurados posteriormente".

Caso o devedor venha a adimpl ir, após a notificação da penho­ra, ao credor originário, haverá de pagar novamente ao credor cor­reto, pois: quem paga mal, paga duas vezes (art. 312 do CC). Porém, se o devedor desconhecia da penhora, vindo a real izar o paga­mento ao credor originário, estará l iberado do vínculo obrigacional (art. 298 do CC/02), cabendo ao novo credor (cessionário) ação de regresso em face do credor originário (cedente), com base na veda­ção de enriquecimento sem causa (art. 876 do CC/02), na proteção à aparência e na tutela da legítima confiança.

� Atenção!

A Emenda Constituciona l 62/2009 alterou o art. 100, §13 da CF/88, pos­sibi l itando a cessão de crédito a terceiros - total ou parcial - em pre­catórios, independentemente da concordância d o d evedor. Exige-se a comunicação, mediante petição, ao Tribuna l de origem e à entidade devedora, para produção de efeitos. Na prática, tais operações cos­tumam ocorrer com deságio . Muitas empresas se interessam por tais precatórios para utilização em compensações tributárias. Frise-se, porém, que nesta cessão será perdida a preferência do pre­catório conferida ao credor originário com mais de sessenta anos, em função de crédito de natureza al imentar ou para portadores de doença grave. Lógico. Tais questões são personalíssimas e, por conseguinte, in­transmissíveis.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Advogado da ECT/201 foi considerada incorreta a se­guinte assertiva: "É lícita a cessão de crédito decorrente de obrigação de natureza personalíssima, desde que precedida de expressa anuência do devedor."

A cessão possui u ma forma vinculada?

O ato de cessão poderá ser realizado por instrumento público ou particular. A forma, portanto, é livre para que tenha validade entre as partes contraentes. Este raciocínio não se verifica caso a escritura pública seja da substância do ato, a exemplo da cessão de

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crédito hipotecário (art. 289 do CC/02), ou de direitos hereditários (art. i.793 do CC/02). Nestes casos, recorda-se, far-se-á necessária ainda à vênia conjugal, ressalvada a hipótese do regime de separa­ção convencional de bens (art. i647 do CC/02)n.

Ocorrendo por instrumento particular, a cessão exige as soleni­dades do art. 654, §1° do CC/02, quais sejam: indicação do local da cessão, qualificação das partes e o registro para que sejam alcan­çados os efeitos erga-omnes (art. 221 do CC/02; art. 129, §9° da Lei 6.015/73). O desrespeito a tais requisitos apenas gerará a 1ineficácia perante terceiros, sendo o ato válido entre as partes contraentes (art. 288 do CC/02). Assim já decidiu o SuPERtoR TRIBUNAL DE JusT1ÇA (lnfor­mathw 403).

A transmissão do crédito carrega consigo os acessórios e as ga­rantias da dívida, salvo se houver estipulação expressa em contrá­rio . O acessório segue a sorte do bem principal: Teoria da Gravitação Jurídica (arts. 97 e 287 do CC/02).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para analista judiciário do TRT - 2• região/2008 foi consi­derada correta a · seguinte assertiva: "Na cessão de um crédito, salvo disposição em contrário, abrangem-se todos os seus acessórios".

Vaticina CARLOS RoBERTo GoNÇALVEs12 que em havendo cessão a mais de u m cessionário, dividir-se-á em dois, independentemente um do outro. Entrementes, ainda segundo o aludido autor, a le i não veicula nenhum tipo de critério de preferência em favor do credor primi­tivo, sendo plenamente possível o ajuste de prioridade a partir de convenção.

Para a cessão de crédito faz-se necessária à concordância do devedor?

Para que a cessão seja vál ida não se exige a concordância do devedor. Sequer a sua participação. A tutela é do crédito. Porém, i nforma o Código Civil que o devedor haverá de ser notificado acerca da transmissão, seja de forma expressa ou tácita, pelo

1 1 . O volume de Parte Geral, ao tratar do tema pessoa física e capacidade jurídica, aborda a vênia conjugal como casuística de legitimação. Confiram!

12. Op. Cit. p. 220.

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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

cedente ou cessionário . C laro ! O devedor deve saber a quem pa­gar. A lógica do Código Civil se relaciona ao p rincípio da eticidade, probidade e boa-fé objetiva, sendo um dever anexo ao víncu lo obrigaciona l13•

J usto por isto, apesar de não ser condição de validade, a noti­ficação do devedor é necessária para que a cessão seja eficaz (art. 290 do CC). Inexistente a notificação, a cessão em comento será ineficaz em relação ao devedor. Assim, caso ele venha a realizar o pagamento ao credor primitivo (cedente), antes de ter o conheci­mento da cessão, restará desobrigado (art. 292 do CC/02).

Contudo, em que pese a ausência de notificação ensejar a inefi­cácia da cessão de crédito, isso não significa que a dívida se tornou inexigível. Para exemplificar, vejamos os ju lgados do Superior Tribu­nal de Justiça, dos anos de 2013 e 2014:

'

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CES­SÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS. DE­CISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO. 1.- A cessão de cré­dito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada. Isso não significa, porém, que a dívida não possa ser exigida quando faltar a notificação. 2.- O objetivo da notificação é informar ao devedor quem é o seu novo cre­dor, isto é, a quem deve ser dirigida a prestação. A ausência da notificação traz essencialmente duas consequências: Em primeiro lugar dispensa o devedor que tenha prestado a obrigação diretamente ao cedente de pagá-la novamente ao cessionário. Em segundo lugar permite que devedor oponha ao cessionário as exceções de caráter pessoal que teria em relação ao cedente, anteriores à transferência do crédito e também posteriores, até o momento da cobrança (artigo 294 do Código Civil). 3.- A falta de notificação não interfere com a existência ou exigibil idade da dívida, sendo de se admitir, inclusive, a inscrição indevida em cadastros de inadimplen­tes em caso de não pagamento, observadas as formalidades de estilo (artigo 43, § 2°, Código de Defesa do Consumidor). 4.- O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar o decidido, que se mantém por seus próprios fun­damentos. 5.- Agravo Regimental a que se nega provimento.

13. O tema deveres anexos já fora abordado neste volume quando do tratamento do conceito da relação jurídica obrigacional.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

(STJ - AgRg no REsp: 1408914 PR 2013/0331677-7, Relator: Minis­tro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 22/10/2013, T3 - TERCEI­RA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/11/2013).

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CESSÃO DE CRÉ­DITO. CADASTRO DE I NADIMPLENTES. REGISTRO. NOTIFICAÇÃO. CIÊN­CIA. VALIDADE. i. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" (Súmula 7/STJ). 2. A ausência de notificação da cessão de crédito não torna a dívida inexigível. Súmula 83/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimen­to. (STJ - AgRg no Ag: 1307891 MG 2010/0084205-0, Relator: Mi­nistra MARIA ISABEL GALLOTII, Data de Ju lgamento: 20/02/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/03/2014).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Na prova para a DPE-MT/2009 foi considerada incorreta a assertiva que declarava que "a cessão do crédito tem eficácia em relação ao devedor, independentemente de notificação". Ainda neste sentido, no concurso para analista judiciário do TRT-2oa região, foi considerada incorreta a al­ternativa que apresentava o seguinte texto: "a cessão do crédito tem efi­cácia em relação ao devedor independentemente de qualquer notificação nesse sentido ou declaração de ciência da cessão feita por parte dele".

� Como o SUPERIOR TRIBUNAL oE JusnÇA vê esta questão?

No Recurso Especial 317.632, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA assim decidiu: "De­poimento pessoal do cedente: ato instrutório que não substitui a exigência do art. 290 do CC. Na cessão civil de crédito, o depoimento pessoal do cedente em juízo constitui mero ato de instrução processual, insuscetível de substituir a necessidade de comunicação escrita da cessão ao devedor, como exigida pelo art. 1 .069 do CC".

Trata-se de julgado anterior ao Código Civil vigente, mas de importante reflexão e atualidade, porquanto o dispositivo da legislação atual.

Na lição de G1sELDA MARIA FERNANDES NovAES H1RoNAKA, outra importante i novação legislativa é a previsão do art. 293 do CC, segundo a qual o cessionário poderá, ainda que desconhecida a cessão pelo devedor - ausência de notificação -, exercer os atos conservatórios do direi­to ced ido: "A notificação sempre foi tida como algo necessário para que a cessão passasse a produzir efeitos relativamente ao devedor, inclusive para que este a impugnasse, se fosse este o caso. Mas a dou­trina já aceitava (cf. Sílvio de Salvo Venosa, p. 337) que o cessionário

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TRANSMISSÃO OAS OBRIGAÇÕES

conservasse os direitos cedidos anteriormente à notificação até por­que, como já ressa ltara Orlando Gomes (p. 209), a notificação não é elemento essencial à va lidade da cessão, mas tão-só elemento essen­cial para que ela seja eficaz relativamente ao devedor. Esta lição do saudoso autor foi, aliás, acolhida pelo legislador quando este substitui no art. 290 a expressão não vale do art. 1.069 por não tem eficácia"14•

E se houverem várias cessões seguidas?

Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, deverá o cedido pagar àquele credor que se apresenta com o título da cessão (origi­nal), independentemente da ordem cronológica das cessões.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para Juiz do Tribunal de justiça do Estado da Paraíba/2011 foi considerada inverídica a seguinte assertiva: "Se, na transmissão das obrigações, o cedente, maliciosamente, realizar a cessão do mesmo crédito a diversos cessionários, a primeira cessão promovida deverá prevalecer em relação às demais". Sobre a mesma matéria, no ano de 2013, a prova do XII Exame de Or­dem Unificado, banca FGV, trouxe a questão a seguir: Bruno cedeu a Fábio um crédito representado em título, no valor de RS 20.000,00 (vinte mil reais), que possuía com Caio. Considerando a hipótese acima e as regras sobre cessão de crédito, assinale a afirmativa correta. a) Caio não poderá opor a Fábio a exceção de dívida prescrita que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra Bruno, em virtude da preclusão. b) Caso Fábio tenha cedido o crédito recebido de Bruno a Mário e este, posteriormente, ceda o crédito a Jú lio, prevalecerá a cessão de crédito que se completar com a tradição do título cedido. c) Bruno, ao ceder a Fábio crédito a título oneroso, não ficará respon­sável pela existência do crédito ao tempo em que cedeu, salvo por expressa garantia. d) Conforme regra geral disposta no Código Civil, Bruno será obrigado a pagar a Fábio o valor correspondente ao crédito, caso Caio torne-se insolvente. O gabarito é a letra B.

14. l n Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 129.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Uma vez notificado o devedor - de forma expressa (direta) ou tácita (presumida)'5, judicial ou extrajudicial, pe lo cedente, ou pelo cessionário - passa a ser vinculado ao cessionário, sendo possível opor a este as exceções que lhe competirem, além daquelas que no momento em que veio a ter conhecimento da cessão tinha contra o cedente (art. 294 do CC/02).

De fato, recorda-se que o devedor (cedido) não há de concor­dar com a cessão. Logo, nada mais equânime do que lhe garantir arguir - em face do novo credor (cessionário) - as cessões que tinha em face do antigo (cedente).

Frise-se: as exceções pessoais devem ser arguidas de logo, sob pena de preclusão. A mesma l inha de pensamento se aplica à com­pensação, a qual deverá ser arguida de plano, em casos de cessão de crédito (art. 377 do CC/02). Já as defesas objetivas podem ser manejadas a q ualquer tempo, dentro do prazo legal.

� Como decidiu o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA?

No informativo 254 o STJ informa que "a lei não exige formalidade especí­

fica para a notificação, apenas esclarece que o devedor necessita declarar,

em escrito público ou particular, a ci�ncia da cessão. Na hipótese esse

objetivo foi alcançado, prova disso é a manifestação do devedor/recorrido

sobre o pedido de substituição, no processo, do cedente pelo cessionário. Assim, não há de se falar em ineficácia da cessão de crédito".

Há certos créditos que dispensam a notificação por sua própria natureza, a exemplo de títulos de créditos, a saber:

Previsão Legal (CC, 904).

Basta a tradição.

Previsão Legal (CC, art. 910, §1°).

O endosso é necessário. Além disto, completa-se com a tradição do título.

15. Entende-se, por exemplo, a citação do devedor para a ação de cobrança como uma notificação presumida. Em alguns outros casos, nos quais a transmissão já implica a notificação, entende-se que o cedido já tomou ciência. É a casuística dos títulos ao portador (art. 904 do CC).

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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

Mas é tempo de avançar à outra reflexão. Questiona-se: o fiador há de ser notificado?

PAaLo SroLZE E RoooLrn PAMPLONA F1LH016afirmam não ser imprescindível a notificação do fiador para manutenção da garantia, haja vista o fato de ser o mesmo devedor, não havendo alteração no polo passi­vo da lide apta a modificar o nível de responsabil idade da garantia.

Data venia, ousamos discordar, com base na percepção de que o contrato de fiança é celebrado entre o credor (afiançado) e o fiador, independentemente da concordância ou i ntervenção do de­vedor (art. 820 do CC). Nessa l inha de raciocínio, ao ser cedido o crédito altera-se o sujeito ativo do contrato principal e, via de con­sequência, do contrato acessório de fiança. Logo, como dever anexo decorrente da boa-fé objetiva, o fiador deve ser informado, sob pena de ser mantido em um contrato com uma parte q ue, sequer, conhece.

E como fica a responsabil idade do cedente na cessão de crédito negocial?

A regra geral é que o cedente responderá na cessão de crédito onerosa e na gratuita realizada de má-fé, pela existência do crédito cedido ao tempo da transferência. A isto denomina a doutrina de responsabilidade pro soluto ou nomem verum ou in veritas nominis. Entenda por garantir a existência, assegurar a titularidade e a vali­dade do crédito. Não é crível que alguém ceda a lgo que inexiste! (art. 295 do CC).

Plenamente possível, porém, que o negócio jurídico da cessão imponha uma responsabilidade além da existência, açambarcando o pagamento da obrigação. Assim, o cedente (credor primitivo) passa a responder pela solvência do devedor (cedido), podendo ser res­ponsabil izado pelo inadimplemento deste. A responsabil idade, que originariamente apenas seria pro soluto, passa a ser pro solvendo ou in bonitas nominis (arts. 295, 296 e 297 do CC), pois a l iberda­de contratual e a autonomia privada permitem, licitamente, ajustes deste tipo.

16. Op. Cit. p. 252.

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LUCIANO FIGUEI REDO E ROBERTO F IGUEI REDO

� Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já se manifestou sobre o

assunto?

No Recurso Especial 7 4.440 entendeu a Corte Especial que "fica o ce­dente responsável pela existência do crédito, mas não, necessariamente, pela possibilidade prática de que seja satisfeito", admitindo-se, inclusive, responsabilidade civil pelos vícios redibitórios ocorridos dentro de um espaço de tempo (REsp. 43i.353/SP).

Sufragamos o entendimento de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON Ro­SENVALD no sentido de que a cláusula pro solvendo impõe uma respon­sabi l idade, em regra, subsidiária, haja vista que a solidariedade de­manda previsão expressa, seja pela lei ou pela vontade (art. 265 do CC) . Ainda seguindo os aludidos autores, não será responsabi lizado o cedente pela inso lvência posterior, em vista do caráter a leatório do negócio. Frise-se que a responsabil idade em comento incidirá pela insolvência no momento da realização do negócio jurídico, ex­ceto se houver cláusula expressa impondo uma responsabil idade estendida ao cedente.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

A banca examinadora CESPE, no ano 2013, na seleção para atuar em Atividade Técnica de Suporte - Direito/Me, considerou incorreta a asser­tiva: "Nas cessões de crédito a título oneroso, a lei impõe ao cedente a responsabilidade pela solvência do devedor".

Ademais, a responsabilidade do cedente, perante o cessionário, é de natureza restituitória, l imitada ao valor do negócio da cessão, e não ao título cedido, acrescido de juros, correção e despesas de cobrança. Lem bra-se que a cessão usualmente é realizada com des­conto financeiro. Assim, segundo CARLos ROBERTO GoNÇALVEs'7, a convenção em comento possui u ma natureza mais indenizatória (restituitória) do que satisfatória.

Concordamos com PABLO SToLZE E RoDoLFo PAMPLONA F1LH018 no sentido de que as regras de responsabil idade supracitadas apl icam-se à

17. Op. Cit. p. 226. 18. Op. Cit. p. 252.

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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

cessão de crédito negocial, não a lcançando a jud icial e a legal . Nes­tas, o credor originário é completamente l iberado.

� Atenção!

Não confunda: a) Cessão de Crédito com Novação Subjetiva Ativa

A cessão de crédito não se confunde com a novação subjetiva ativa, pois nesta a obrigação anterior é extinta, e cria-se um novo vínculo obrigacional. Não se fala em transmissão, portanto, mas sim em um ato complexo de extinção e criação de um novo vínculo obrigacional, com animus novandi. Extingue-se integralmente a obrigação primitiva, com todas as suas garantias. Situa-se a novação na fase de extinção da obrigação. b) Cessão de Crédito com Sub-Rogação Legal

Igualmente não devemos confundir a cessão de crédito com a sub-ro­gação legal, uma vez que nesta o sub-rogado apenas poderá exercitar seus direitos e ações nos limites do desembolso. Além disto, o paga­mento por sub-rogação legal é um modo de extinção da obrigação. Já na sub-rogação parcial há, ainda, um direito de preferência ao sub­-rogado no cumprimento da dívida restante, o que inexiste na cessão (art. 351 do CC). Não se exige a notificação do devedor para que a sub­-rogação produza seus efeitos. Aliás, malgrado na sub-rogação convencional o tratamento conferido pela lei seja o mesmo da cessão de crédito, com esta não se confunde, ao passo que a cessão poderá ser gratuita e objetiva conservar o víncu­lo obrigacional originário, o que não acontece na sub-rogação.

3. ASSUNÇÃO DE DÍVIDA OU CESSÃO DE DÉBITO

O atual Código Civil, inovando em relação ao diploma de BEV1LíQUA, abriu todo o Capítulo li do Título l i para regular o tema cessão de débito. Apesar da lacuna legislativa durante a vigência do CC/16, o negócio em comento já era conhecido, como decorrência da au­tonomia da vontade, demandando o assentimento do credor. Além disto, o Código de Processo Civil já se dedicava ao tema, quando no seu art. 568, I l i , informa ser o "sujeito passivo da execução, o novo devedor; que assumiu, com o consentimento do credor; a obrigação resultante do título executivo".

Apenas para i lustrar; confira a ementa da decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no ano de 2013:

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LUCIANO FIGUE IREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

EXECUÇÃO FISCAL. TARIFA DE ÁGUA. FALECIMENTO. TITULAR. USUÁRIO. ASSUNÇÃO DE DÍVIDA. PARCELAMENTO. O atual ocu­pante da un idade consumidora do serviço de água que se beneficiou do serviço e, ainda, assumiu a responsabi l idade pela dívida em audiência promovida, durante a semana nacional de concil iação, é parte legítima ad causam na exe­cução relativa à cobrança das faturas mensais, ainda que a certidão de dívida ativa tenha sido expedida em nome da antiga titu lar da unidade consumidora . Recurso provi­do. (TJ-RS - AC: 70054723515 RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Data de Ju lgamento: 08/06/2013, Vigésima Segunda Câmara Cível, Data de Publ icação: Diário da Justi­ça do dia 14/06/2013).

A resistência legislativa se dava por não ser a assunção de dí­vida negócio tão frequente quanto à cessão de crédito. Ademais, o instituto causava estranheza, pois é a pessoa do devedor que legitimava o débito, dada a sua garantia patrimonial e consequente solvibi l idade. O vocábulo credere significa aquele que confia. j usto por isto, é necessário para a assunção a concordância do credor: o maior interessado pelo adimplemento.

De acordo com GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA "assunção de dívida é a tradução literal do título que o instituto recebe no Direito a lemão, um dos primeiros sistemas jurídicos, ao lado do Suíço, a prevê­-lo. Trata-se da substituição do sujeito passivo da relação creditória, sem que isto implique modificação da obrigação, quando então, estar­-se-ia diante de uma novação subjetiva passiva. A obrigação, assim, permanece a mesma, com mera substituição do devedor" '9.

Conceitualmente , a assunção de dívida consiste em negócio jurí­dico bilateral e consensual, através do qual o devedor, com expres­so consentimento do credor, transmite a um terceiro (assuntor) a sua obrigação. Há uma mudança no polo passivo da relação obriga­cional . Aqui se exige a concordância expressa do credor (art. 299 do CC/02), ao passo que a alteração do devedor acaba por modificar a garantia obrigacional, visto que no Brasil a responsabil idade civil

19. ln Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 133-

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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

é patrimonial, incidindo sobre os bens do devedor na hipótese de inadimplemento (art. 391 do CC)'º.

Justo por isto, por opção legislativa, o silêncio do credor na hi­pótese deve ser interpretado como recusa. Tal raciocínio se impõe, até mesmo, ante a percepção de que o art. 1 1 1 do CC/02 afirma que o si lêncio apenas poderá im portar aceite caso as circunstâncias do caso ou os usos autorizem, e não seja necessária declaração de vontade expressa. O que, repise-se, não é o caso!

Qualquer t ipo de obrigação pode ser objeto de cessão: prin­cipal, acessória, litigiosa e futura. Por razões de ordem lógica, as obrigações intuito personae não são passíveis de transferência . .

Para que haja a cessão de débito, por conseguinte, será neces­sário:

a) Existência de uma relação jurí- 1 dica obrigacional originária. ....J

t b) Anuência expressa do credor

-- +- -c) Substituição do devedor, sem a

extinção da obrigação pretérita

---- -=-�:ção de uma nova. _ )

A existência da cessão de débito liga-se a uma necessidade do comércio jurídico. As casuísticas mais frequentemente lembradas nos manuais são relacionadas a vendas de estabelecimentos comerciais, fusão de pessoas jurídicas e dissolução de sociedades.

o devedor originário (prim itivo) não restará exonerado de sua obrigação, caso o terceiro a quem se transmitiu o vínculo era insol­vente à época da assunção e o credor ignorava este fato. Infere-se

20. Recorda-se que o art. 391 do CC/02 merece uma leitura sistemática, fincada no paradigma da dignidade da pessoa humana. Todos nós necessitamos, para so­breviver dignamente, de um patrimônio mínimo ou um mínimo existencial. justo por isto há limites à execução, como o bem de família, inclusive do solteiro, viúvo ou single (S. 364 do STJ) e as impenhorabilidades mencionadas no art. 649 do CPC.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

que não é exigida a má-fé do devedor, mas apenas a sua insolvên­cia - registre-se - à época da transferência, com o desconhecimento do credor. Nesse cenário, como defendem PABLO STOllE E RODOLFO PAMPLONA F1LH021, o ideal é que o estado de solvência do devedor seja comuni­cado ao credor. Além disto, a insolvência posterior não ocasionará responsabi lização do devedor originário.

Em sendo a cessão invalidada, restaura-se o débito originário, com todas as suas garantias, exceto aquelas prestadas por terceiros, a exemplo da fiança, aval e h ipoteca, que desconheçam o motivo da invalidação. Entrementes, se o terceiro atuou de má-fé, conhecendo do vício da cessão, a sua garantia subsistirá (art. 301 do CC/02). Isto, porque, ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.

Com a assunção da dívida haverá, em regra, a extinção das ga­rantias especiais originariamente oferecidas por terceiros, a exemplo das reais ou pessoais (art. 300 do CC). Todavia, caso haja consenti­mento expresso do garantidor, subsistirá a garantia prestada. Já a ga­rantia oferecida pelo próprio devedor primitivo apenas será mantida caso haja concordância deste com a assunção (Enunciado 352 do CJF).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Acerca da manutenção da garantia prestada, no caso de assunção de dívida, no concurso para Defensor Público do Estado de Alagoas/2009, fora considerada incorreta a seguinte afirmativa: "A assunção de dívida transfere a terceira pessoa os encargos obrigacionais da exata forma como estabelecidos entre o credor e o devedor original, de modo que o silêncio daquele que prestou garantia pessoal ao pagamento do débito importará a manutenção dessa garantia".

Na cessão de débito o novo devedor não poderá opor ao cre­dor as exceções pessoais que competiam ao devedor primitivo, a exemplo dos vícios de consentimento. Logicamente, as defesas co­muns continuam sendo passíveis de arguição, como a hipótese de pagamento, exceção do contrato não cumprido e prescrição.

Recordam CR1sr1ANO CHAVES DE FARIAS E N ELSON RosENVALD22 que a cessão de débito, em uma primeira classificação, pode ser:

21. Op. Cit. p. 252. 22. Op. Cit. p. 371/372

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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

a) Liberatória, Primitiva ou Exclusiva: quando o devedor origi­nário l ibera-se da obrigação p rimitiva, a qual é transmitida em sua intei reza a outrem (art. 299 do CC);

b) Cumu lativa ou Imperfeita: na qual o devedor originário per­siste conjuntamente obrigado com o novo devedor. Na verda­de, o que se verifica aqui é uma ampliação do polo passivo da obrigação, com um reforço do débito . A possibi l idade da cessão de débito ocasionar cumu lação de responsabil idades é assente na doutrina. Neste sentido, informa o Enunciado 16 do CONSELHO oA J us11ÇA FEDERAL que "o art. 299 do Código Civil não exclui a possibilidade da assunção cumulativa da dívida quando dois ou mais devedores se tornam responsáveis pelo débito com a concordância do credor".

Mas a modalidade cumulativa ocasionaria responsabil idade so­l idária?

Em tese, não . Todavia, nada impede; desde que haja manifesta­ção de vontade neste sentido (art. 265 do CC).

Tanto a l iberatória, como a cu mu lativa, podem ser, ainda, em uma segunda classificação:

a) Por delegação (bifigurativa): consequência de um negócio jurídico celebrado entre o devedor originário e o terceiro, com o consentimento expresso do credor. Tem como traço marcante a atuação do devedor primitivo (devedor-cedente ou delegante), que transfere o seu débito a um novo deve­dor (terceiro-cessionário ou delegado), com a anuência do credor (delegatário).

Tal delegação poderá ter um efeito l iberatório, quando não subsistirá nenhuma responsabil idade do devedor originário. Esta é batizada de delegação primitiva . Ou poderá regular uma responsa­bil idade remanescente do devedor originário, que responderá pela inadimplência do novo devedor (terceiro-cessionário ou delegado). Aqui se intitula de delegação cumulativa ou simples .

b) Por expromissão (unifigurativa ou externa): nesta o tercei­ro assume o débito sem a necessidade de concordância do devedor primitivo (art. 302 do CC). É um negócio bi la­teral, pactuado entre o credor primitivo e o novo devedor

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(expromitente). Exemplifica-se com um filho que assume o débito de um pai que, por muito orgulho, jamais concordaria.

A cessão de débito por expromissão pode se revelar como li­beratória ou cumulativa. Nesta (cumulativa) o novo devedor passa a ser conjuntamente responsável com o primitivo. Concordamos com PAsLo Srnm E RoooLFo PAMPLONA F1LH023 no sentido de que neste último caso não há propriamente uma assunção de dívida, mas sim um reforço pessoal da obrigação. Já na modalidade l iberatória, o devedor pri­mitivo resta l iberado da avença.

I nfere-se que em nenhum caso será necessária à aquiescência do devedor primitivo, pois na hipótese l iberatória ele receberá a quitação, enquanto na cumulativa haverá um reforço para o adim­plemento obrigacional . Há, portanto, sem pre benefício .

� Atenção!

No que tange a assunção do débito garantido pelo imóvel hipoteca­do, se o credor hipotecário, devidamente notificado, não impugnar no prazo de 30 (trinta) dias, entende-se vál ido o consentimento. É uma exceção de consentimento na cessão de débito pelo silêncio, em virtu­de de estar autorizado pelas circunstâncias ou usos e a lei não exigir declaração de vontade expressa (arts. 111 e 303 do CC).

O fundamento da exceção em tela é o direito constitucional à moradia. Além disto, como a dívida é garantida por um imóvel (garantia real), não há prejuízo ao credor pela mudança no polo p·assivo. Nesse sentido, inclusive, o Enunciado 353 do CoNSELHo DA Jusr1çA FEDERAL afirma a necessidade da recusa ser motivada, sob pena de configuração do abuso de direito.

Não confunda:

a) Cessão de Débito e Novação Subjetiva Passiva

A cessão de débito não se confunde com a novação subjetiva passiva, pois nesta a obrigação anterior é extinta e cria-se um novo vínculo obrigacio­nal. Não se fala em transmissão, portanto, mas sim em um ato complexo de extinção e criação de um vínculo . obrigacional com animus novandi.

Em havendo extinção, na novação todos os acessórios da obrigação ori­ginária deixarão de existir, o que não ocorrerá na assunção de débito. Exemplifica-se com o direito de preferência, o qual persiste na cessão de débito, mas é extinto na novação.

23. Op. Cit. p. 252.

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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

b) Cessão de Débito e Promessa de Liberação

Como aduz ORLANDO GoMES'4, não se confunde a assunção de dívida com a promessa de liberação.

A promessa é um negócio jurídico pelo qual alguém (promitente) se obriga em face do devedor (promissário) a pagar a dívida deste peran­te o credor. Verifica-se um contrato preliminar e, como tal, tem como objeto uma obrigação de fazer (pagamento de um débito de terceiro). Diferencia-se da cessão porque na promessa de liberação o credor não possui nenhuma relação contratua l com o promitente, não sendo possí­vel exigir o pagamento. A promessa é um vínculo obrigacional que une o devedor primitivo (promissário) e o promitente. Na cessão, o credor passa a ter vínculo obrigacional direto com o novo devedor, podendo exigir o cumprimento obrigacional diretamente. Um claro exemplo da promessa de l iberação é veiculado por CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD25• É a hipótese da locação, na qual o lo­catário (promitente) promete pagar as taxas condominiais e IPTU do imóvel locado. Cediço que as obrigações em comento são do locador (promissário), pois tem natureza propter rem. Mas o locatário promete liberá-lo. Caso, porém, o locatário não cumpra com sua promessa, o locador que responderá perante o fisco e o condomínio, pois este que tem relação jurídica com seus credores. Posteriormente, terá uma ação em regresso em face do locatário inadimplente de suas obrigações. c) Cessão de Débito e Reforço Obrigacional

No reforço obrigacional o devedor primitivo persiste obrigado, ingres­sando um terceiro como reforço, tornando-se devedor solidário. Não se confunde, logo, com a cessão de débito, ao passo que nesta o devedor primitivo é, em regra, excluído do vínculo obrigacional; ressalvada a sua modalidade cumulativa. d) Cessão de Débito e Fiança

Vaticina CARLos RosERTD GoNÇALvEs'6 que o fiador não é devedor, mas um mero responsável obrigacional, pois tem responsabilidade pelo débito de outrem. Ademais, sua responsabil idade será, em regra, subsidiária, sendo conferido ao fiador o benefício de ordem. (art. 827 do CC/02). Além disto, o fiador é terceiro interessado, ou seja: caso venha a pagar a dívida, sub-roga-se na posição do credor originário (art. 831 do CC/02).

24. ln Obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, i992, p. 260. 25. Op. Cit. p. 384. 26. Op. Cit. p. 232/233.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

O assuntor não é devedor subsidiário. Costuma ser o único obrigado, salvo a hipótese da modalidade cumulativa. Ainda nesta última hipóte­se, o pagamento da dívida não gerará sub-rogação.

� Posição do SUPERIOR TRIBUNAL DE JusnÇA nos informativos abaixo:

Novo pacto entre credor e devedor sem anuência dos fiadores. ilegitimida­de passiva dos fiadores na execução.

A transação entre credor e devedor sem a anuência do fiador com a dila­ção do prazo para o pagamento da dívida extingue a garantia fidejussória anteriormente concedida. Com base nesse entendimento, a Turma deu pro­vimento ao recurso especial para acolher a exceção de pré-executividade oferecida em primeiro grau e, por conseguinte, determinar a exclusão dos fiadores do polo passivo da ação de execução. No caso, não obstante a existência de cláusula prevendo a permanência da garantia pessoal no novo pacto, a responsabilidade dos fiadores está limitada aos exatos termos do convencionado na obrigação original - ao qual expressamente consentiram -visto que a interpretação do contrato de fiança deve ser restritiva (art. i.483 do CC/1916). Considerou-se, ainda, como parâmetro, o enunciado da Súm. 214/STJ, a qual, apesar de se referir a contratos de locação, pode ser aplica­da por extensão à situação dos fatos, pois a natureza da fiança é a mesma. REsp 1.013.436, rei. Min. Luís F. Salomão, j. 11.9.2012 4° T. (lnfo 504)

4. CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL

o Código Civil de REALE, assim como o de BEV1LAQUA, foi omisso no tratamento do tema. Todavia, os manuais, bem como as p rovas concursais, costumam veicular lembrança sobre o assunto, haja vista sua significativa importância prática, assim como o reconhecimento do instituto por importantes doutrinadores.

É negócio corriqueiramente pactuado, decorrente da autono­mia privada, inserindo-se na modalidade dos contratos atípicos e curvando-se às regras da teoria geral dos contratos (art. 425 do CC). Transfere-se, nas palavras de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD27, a unidade orgânica da situação ocupada pelo cedente, com um con­junto de créditos, débitos, faculdades, poderes, ônus e sujeições.

Data venia, apesar da doutrina se utilizar das expressões cessão de contrato e cessão de posição contratual como sinônimas, nos

27. Op. Cit. p. 385.

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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

parece que, em rigor técnico, a terminologia correta é a cessão de posição contratual . Isto porque o contrato permanece intacto, sen­do alterado apenas um dos elementos subjetivos, seja a posição de credor e/ou devedor.

A posição contratual tem valor econômico independente, sendo passível de circulação. No mesmo sentido, aduz S1Lv10 Do SALvo VENosA'8

que não é o contrato que é cedido, mas sim os direitos e deveres emergentes da posição de contraente. Concordamos, então, com CARLOS ROBERTO GoNÇALvEs'9 ao criticar a expressão utilizada pelo direito italiano (cessão de contrato) quando do tratamento legislativo sobre o tema (Código de 1942). No mesmo sentido de crítica é o pensa­mento de ANTUNES VARELA3º. Acertada é a denominação portuguesa, que no seu Código Civil de 1966 aborda o tema sob o signo de cessão de posição contratual.

Malgrado a consideração técnica, as provas costumam deno­miná-la tanto de cessão de contrato como de cessão de posição contratual.

Configura-se o ato de transmissão em comento quando o ceden­te transfere a sua própria posição contratual a um terceiro (cessio­nário), o qual passará a substituí-lo na relação jurídica originária em face do cedido, com a concordância deste. São seus personagens: o cedente, o cessionário e o cedido.

Por conta da transmissão, o cedente é l iberado da avença, em regra inferindo-se isto do próprio ajuste. Nada i m pede, po­rém, que por acordo de vontades o cedente persista responsável . Os l imites desta responsabi l idade haverão de ser verificados atra­vés da cláusu la, a qua l poderá impor uma responsabi l idade sub­sidiária ou, até mesmo, sol idária (art. 265 do CC/02). Discordamos no particu lar de CARLos RoBERTO GoNçALVEs3', e concordamos com S1Lv10 Do SALvo VENOSA3', no sentido de que a solidariedade em comento não pode ser presumida, exigindo cláusula expressa na avença.

28. ln Direito Civil. Vol. l i . p. 344. 29. Op. Cit. p. 240. 30. ln Direito das Obrigações. Vol. li. P. 376/377. 31. Op. Cit. p. 246. 32. Op. Cit. p. 357.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Igualmente perderá o cedente os seus créditos eventualmente relacionados ao contrato-base, haja vista a transmissão, aplicando­-se, por analogia, as regras pertinentes à cessão de crédito.

Discute-se na doutrina se a cessão de posição contratual seria uma nova modalidade de transmissão das obrigações; ou somente a soma das já tratadas cessões de créditos e débitos. Assim, há dois posicionamentos:

a) Teoria Atomística ou Analítica (Zerlegunsgstheorie como cha­mam os alemães): fragmenta a análise da cessão de posição contratual em cessões de créditos e débitos, concluindo que aquela é apenas a soma destas, carecendo de autonomia jurídica.

b) Teoria Unitária (Einheitstheorie como chamam os alemães): a cessão de posição contratual é um instituto autônomo, pois transfere a posição contratual como um todo, sendo impos­sível sua fragmentação. Esta, hodiernamente, é prevalente, como mencionado por PABLO STOLZE E RODOLFO PAMPLONA FILHoll.

A validade da cessão de posição contratual exige, cumulativa­mente, os seguintes requisitos:

a) ser o pacto cedido bilateral, pois o objeto de cessão há de envolver créditos e débitos;

b) celebração de um negócio jurídico entre cedente e cedido, tendo este legitimação para ocupar a posição daquele no contrato-base;

c) integralidade da cessão. Não pode ser fracionada, há de ser sempre global, traduzindo em uma posição contratual por inteiro;

d) concordância expressa da outra parte envolvida (cedido).

É um negócio plurilateral. Tem forma livre. Para sua eficácia perante terceiros, porém, em uma interpretação sistemática do Có­digo Civil, exige-se o registro. Caso este seja inexistente, persiste a eficácia entre os signatários. As hipóteses mais corriqueiras são

33. Op. Cit. p. 256/257.

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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

as relativas a locações, promessas de com pra e venda e mandato (substabelecimento).

• Como o SUPERIOR TRIBUNAL oe JusrrçA vê a cessão da posição con-tratual?

No Recurso Especial 356.383, o SUPERIOR TR1suNAL DE Jusr1ÇA admitiu o instituto, quando assim decidiu : "A celebração entre as partes de cessão de posição contratual, que englobou créditos e débitos, com participação da arrenda­dora, da anterior arrendatária e de sua sucessora no contrato, é lícita, pois o ordenamento jurídico não coíbe a cessão de contrato que pode englobar ou não todos os direitos e obrigações pretéritos, presentes ou futuros, in­clusive eventual saldo credor remanescente da totalidade de operações entre as partes envolvidas".

Por razões de ordem lógica, persiste a im possibil idade de ces­são caso a natureza da obrigação não permita (di reitos personalís­simo, al imentos ... ), ou haja cláusula impeditiva no negócio originário (pacto non cedendo).

No silêncio da cessão, as exceções pessoais do cedido em face do cedente não poderão ser arguidas contra o cessionário. Lembra­-se que houve concordância do cedido no ato. Porém, as defesas comuns poderão ser utilizadas. Nada impede regramento diverso na avença.

• Atenção!

Não confunda: a) Cessão de Posição Contratual com Contrato Derivado ou Subcontrato

Não se deve confundir a cessão de contrato com o contrato derivado, também chamado de subcontrato. Isto porque na primeira figura há uma transferência da posição do contrato originário, saindo o cedente da avença. Resta alterado o sujeito do contrato base. Já no subcontra­to infere-se a manutenção do contrato base com os mesmos sujeitos, criando-se uma figura contratual acessória à primeira, como a subloca­ção de um imóvel. b) Cessão de Posição Contratual com Novação

Ademais, não se deve confundir a cessão com a novação, haja vista que nesta haverá extinção do contrato originário e criação de uma nova avença, com animus novandi. Isto não ocorre na cessão de posição con­tratual, q uando se transmite a posição de um contrato e mantém-se a avença.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

c) Cessão de Posição Contratual com Contrato com Pessoa a Declarar

Não se confunde a cessão com o contrato com pessoa a declarar. Este se configura quando uma das partes reserva-se o direito de indicar, posteriormente, a pessoa que irá assumir os direitos e deveres do pac­to (art. 467 do CC/02). A diferença reside no efeito retroativo da decla­ração (art. 469 do CC/02) e disciplina no contrato originário.

Seria possível falar-se em uma cessão de posição contratual legal?

Sim ! Ocorrerá quando independer da vontade dos envolvidos, como no exemplo de alienação de um estabelecimento empresarial, quando o adquirente assumirá a posição nos contratos do alienante (art. i.046 do CC/02). Igualmente na cessão da locação por prazo certo, com cláusula de vigência e na q ual o imóvel é al ienado a terceiro (art. 8° da Lei 8.245/91).

� Como o SuPERIOR TRIBUNAL DE JusnÇA. vem tratando do assunto?

No Recurso Especial 627.424/PR, entendeu a Corte Especial ser possí­vel, para os contratos envolvendo o Sistema Financeiro de Habitação, a cessão de obrigações e direitos através do denominado "Contrato de Gaveta". Este pacto gera a transferência de fi nanciamento e pode acontecer, inclusive, sem a anuência do mutuante, conforme prece­dentes j u risprudenciais. ln verbis: "A notificação sempre foi tida como algo necessário para que a cessão passasse a produzir efeitos relativa­mente ao devedor, inclusive para que este a impugnasse, se fosse este o caso. Mas a doutrina já aceitava (cf. Sílvio de Salvo Venosa, p. 337) que o cessionário conservasse os direitos cedidos anteriormente à notificação, até porque, como já ressaltara Orlando Gomes (p. 209), a notificação não é elemento essencial à validade da cessão, mas tão-só elemento essencial para que ela seja eficaz relativamente ao devedor. Esta lição do saudoso autor foi, aliás, acolhida pelo legislador quando este substi­tui no art. 290 a expressão não vale do art. i.069 por não ter eficácia"3'.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para Juiz Substituto do TJSC/2009 foi considerada inverídica a seguinte assertiva: "A cessão de contrato deve observar os mesmos requisitos de forma da cessão de crédito".

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P a r t e l i

RESPONSABILIDADE CIVI L Capítulo 1 � Introdução à responsabilidade civil

Capítulo l i � Elementos gerais da responsabilidade civil

Capítulo I l i � Excludentes de responsabilidade civil

Capítu lo IV � Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

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C a p í t u l o 1 Introdução à responsabilidade civil Sumário: 1. O Dever Jurídico Primário e o Sucessivo - 2. A História da Responsabilidade Civi l: 2.i . Fase Pré-Romana; 2.2. Fase Romana; 2.3. Direito Francês; 2.4. O Direito Português; 2.5. O Direito Brasileiro - 3.

A Natureza Jurídica - 4. Função - 5. Fundamentos - 6. A Culpa - 7. Conceitos Básicos: 7.i. Responsa­bilidade Civil e Responsabilidade Moral; p. Res­ponsabilidade Civil e Responsabilidade Penal; n. Responsabilidade Contratual e Extracontratual; 7.4.

Responsabilidade Subjetiva e Objetiva; 7.5. Respon­sabilidade Por Ato Lícito e Ilícito; 7.6. A Responsabi­lidade Pressuposta.

1 . O DEVER JURÍDICO PRIMÁRIO E O SUCESSIVO

A ideia deste capítulo é apresentar ao leitor as primeiras li­nhas da responsabilidade civil numa nota introdutória q ue, além desta abordagem, avance. Assim, também apresentaremos alguns conceitos e institutos da responsabil idade civil para além de uma tradicional nota introdutória.

Entendemos importante' desde logo anunciar, por exemplo, a diferença técnica entre responsabil idade civil, penal e moral . De igual forma, a distinção entre a responsabil idade civil subjetiva e objetiva, contratua l e extracontratual são temas que merecem ime­diata apresentação. Sim, faremos a nota introdutória desta maneira. Acred itamos, com isto, ser possível uma melhor compreensão dos capítulos seguintes. Não por outro aspecto que o elemento culpa também será tratado imediatamente.

Nas pegadas do artigo 1° do Código Civil (CC), toda pessoa é titu lar de direitos e deveres na ordem jurídica brasi leira. É possível afirmar que existe um dever jurídico primário de não causar dano a outrem (não lesar). Violado este dever primário, surge outro: o

1. Esta opção metodológica não é atípica entre os civilistas. Autores como 51Lv10 º' SALVO VENOSA e CARLOS ROBERTO GONÇALVES utilizam deste mecanismo nas primeiras linhas de seus trabalhos.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

dever jurídico sucessivo de reparar o dano, afinal de contas aquele que causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo. Isto é o que afi rma o a rt. 927 do CC, como adverte CARLOS RosERTo GoNÇALVEs'.

Na perspectiva constitucional, a própria ideia da proteção à dig­nidade humana - a valorar a pessoa como centro em torno do qual os institutos jurídicos devem ser compreendidos -, a solidariedade social e o princípio da igualdade são fundamentos nobres que de­vem ser efetivados (Teoria da I rradiação e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais) na responsabil idade civi l . Este direito civil repersonificado, repersonalizado, erigido sobre os pi lares da eti­cidade, socialidade e operabi l idade, influenciará o capítulo da res­ponsabil idade civil com novos ares jurídicos.

Não foram poucos os autores que apresentaram, doutrinaria­mente, conceitos sobre a responsabil idade civil. Isto não poderia passar despercebido. A contribuição destes estudiosos é significati­va. Abaixo, alguns destes exemplos:

Para Rui STOco3 a noção da responsabil idade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabi lizar alguém por seus atos danosos.

Interessante o conceito, sob esta perspectiva, por remeter o es­tudioso à origem etimológica da responsabil idade. Seria um conceito histórico do instituto ao nosso ver.

Segundo MARIA HELENA D1N1z4 a responsabil idade civil consistiria na aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano mo­ral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou de animal sob sua guarda, ou ainda, de simples imposição legal.

A relevância desta definição está no fato de relacionar o con­ceito com as modal idades da responsabil idade civil encontradas no

2. ln Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil, Vol. 4. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 24.

3. ln Tratado de Responsabilidade Civil - Doutrina e Jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 89.

4. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil, Volume VII. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 34.

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INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVIL

art. 927 (responsabil idade civil por ato próprio), nos arts. 932, 933 e 934 (responsabi l idade civil por ato de terceiro) e, finalmente, nos a rts. 936, 937 e 938 (responsabil idade civil por fato do animal e da coisa), todos do Código Civil.

Fica a sugestão de uma imed iata leitura destes artigos do Códi­go Civil que, certamente, serão estudados nos próximos capítu los.

ÁLvARo V1LLAÇA AzEVEoo5 anuncia que a responsabil idade civil nada mais é do que o dever de indenizar o dano que surge sempre quan­do alguém deixa de cum prir um preceito estabelecido num contrato ou quando deixa de observar o sistema normativo que rege a vida do cidadão.

Trata-se, sem dúvida, do conceito que mais se aproxima com o títu lo deste tópico. A responsabil idade civil enquanto um dever jurí­dico secundário (de reparar), decorrente do dever jurídico primário de não lesar.

Bem próximo a isto se posiciona SÉRGIO CAvAuER16, forte nas noções de encargo, dever, obrigação e compromisso, ao apresentar a res­ponsabil idade civil como o dever que alguém possui de reparar o prejuízo causado a outro por força da violação de um dever jurídico.

Ao contrário destes, CARLOS ALBERTO B1nAR7 sustenta ser a reparação o meio indireto de desenvolver o equi líbrio das relações privadas, porque impõe ao agente agressor o dever jurídico de dispor de parte dos seus bens a fim de satisfazer o interesse do prejudicado, em cumprimento à parêmia romana neminem /aedere (onde a nin­guém se deve lesar).

Seria isto, ao nosso juízo, uma visão de política jurídica que em muito contribui por retirar aquela tradicional visão interna da res­ponsabil idade civil, como algo que envolve, quase sempre (e isto já deveria está superado), duas pessoas. Sem dúvida, a prática de um ato i lícito acarreta desequilíbrio social e , assim, também exige ser analisada na defesa da segurança jurídica.

5. ln Curso de Direito Civil - Teoria Geral das Obrigações, 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 353.

6. ln Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 7. ln Responsabilidade Civil. Teoria e Prática. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Univer·

sitária, 2001.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Sem dúvida, a responsabil idade civil deriva da transgressão de uma norma jurídica pré-existente, com a consequente imposição ao causador do dano do dever de indenizar. Consiste em atribuir a alguém, violador de um dever jurídico primitivo, as consequências danosas de seu com portamento, impondo a obrigação de indenizar. Este descumprimento vai gerar dever de recomposição ao status quo ante. Tal recomposição haverá de ser integral, sendo norteada no Brasil pelo princípio da restitutio in integrum, chamado por al­guns de princípio do imperador ou reparação integralª.

Seria possível extrair da Constituição Federal (CF) como, por exemplo, do artigo 5°, incisos V e X, a ideia da responsabil idade civil. Se a CF assegura "o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação", nenhuma dúvida existe no senti­do de que há fundamento de direito constitucional justificador do dever de reparar, inclusive diante da lesão possível aos direitos da personal idade que, para PEDRO FREDERICO CALDAs9 seriam aqueles que "constituem as raízes sobre as quais desabrocha a grande árvore da vida", isto porque "a existência deles se erige em essencialidade para que o homem, centro de um universo jurídico, realize os demais direi­tos postos pela ordem jurídica à disposição de todos".

� Como os Tribunais já decidiram esta questão?

O SuPERIDR TRIBUNAL DE JusT1ÇA já entendeu que a negativa de fornecimento de fármaco pode, no caso concreto, causar dano moral por lesão a direito da personalidade. Eis trecho do ju lgado:

INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. MEDICAMENTO. Cuida-se de ação de indenização por dano moral ajuizada pelo beneficiário titular de plano de saúde contra caixa de assistência a funcionários de instituição bancária, porque ela se negara a fornecer medicamento à sua regular dependente no referido plano (sua esposa), remédio fornecido após por força de liminar em cautelar. Isto posto, não há como negar a existência de legitimidade ativa ad causam,

8. Apesar disto, o art. 944 do Código Civil, em seu parágrafo único, mitigará o prin­cípio da restitutio in integrum admitindo ao magistrado reduzir equitativamente o valor da reparação quando identificar excesso, diante do baixo nível de culpa­bilidade do autor do ilícito. Esta reflexão será melhor desenvolvida em capítulo apropriado.

9. ln Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 24.

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INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVIL

porquanto se trata de pleito indenizatório em nome próprio, postulado por quem, em princípio, sofreu os dissabores e se sente indignado por causa da negativa da cobertura. Se assim não fosse, também teria legitimidade o au­tor tal como aquele indiretamente atingido pelo possível aviltamento moral. Porém, nesse contexto, o exagerado valor da indenização, de RS ioo.000,00, justifica a intervenção deste Superior Tribunal para reduzi-lo ao equivalente a dez salários mínimos. Precedentes citados: REsp 530.602-MA , OJ 17/11/2003; REsp 986.947-RN , DJe 26/3/2008, e REsp 356.026-MA • OJ 1°/7/2004. REsp 801.181-MA • Rei. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 5/5/2009.

É fato: os danos devem ser reparados. Caso isto não aconteça, reinará a insegurança e o conflito social.

Etimologicamente, responsabilizar nos remete ao verbo latino respondere, da raiz spondeo, significando uma espécie de "sombra da obrigação". Remete, mais uma vez, à noção que se apresenta como o dever jurídico primário e, quando desrespeitado, enseja a incidência deste i nstituto (o da responsabilidade), do qual deri­va. Isto é o que sustentam PABLo Srnm GAGUANo E Rooouo PAMPLONA F1LH01º, fazendo referência à clássica lição do jurisconsulto romano U lpiano em seus três fundamentais preceitos para o d ireito: honeste vivere (viver honestamente), neminem laedere (não lesar outrem) e suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu).

A ideia é muito simples. Não deixar a pessoa humana i rressar­cida. A responsabilidade civil é uma obrigação derivada, portanto, do descumprimento da obrigação principal, ou melhor, do dever jurídico originário. Isto justifica seu enquadramento no campo das obrigações.

2. A HISTÓRIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A história da responsabilidade civil e tao antiga quanto a pró­pria história do d ireito. Evidentemente, em uma sinopse concursai, o objetivo será apenas apresentar alguns dos mais importantes mo­mentos históricos da responsabi l idade civil no mundo para. quem sabe, auxil iar o leitor na compreensão atual do instituto e na solu­ção de provas.

10. ln Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civil, Vol. I l i, São Paulo: Saraiva. 2008, p. 2.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

S1Lv10 RooR1GuEs11 sustenta que o "princípio geral de direito, informa­dor de toda a teoria da responsabilidade, encontradiço no ordena­mento jurídico de todos os povos civilizados e sem o qual a vida social é inconcebível, é aquele que impõe, a quem causa dano a outrem, o dever de reparar". Dentro desta linha, citaremos algumas im portan­tes civilizações, ressaltando as contribuições deixadas em favor do instituto.

Trata-se de uma viagem histórica. Vamos?

2.1. Fase Pré-Romana

A violência coletiva, configurada pela expulsão ou morte do cau­sador do dano, constituía típica situação histórica da sociedade pri­mitiva, numa fase de quase nenhuma regra, na qual o senso comum já evidenciava repúdio social ao dano injusto.

A vingança privada constitui um marco originário do que veio a se tornar responsabil idade civil hoje. A pena do talião, conhecida pela frase "olho por olho, dente por dente", pode ser qualificada como o embrião da responsabil idade civil no direito romano. Nesta fase sequer era debatida culpa ou dolo, muito menos proporcionalidade. O corpo humano" poderia ser utilizado como mecanismo reparador, falando-se em uma responsabilidade civil pessoal. Nem de longe se imaginaria valores como o da dignidade. O ser humano poderia ser vendido, escravizado ou morto para o pagamento de dívidas.

ALv1No L1MA'3 sustenta se tratar de momento histórico no qual a tarifação do dano poderia ser identificada, quando os chamados delitos, à época, foram subdivididos em delitos públicos (ofensas mais graves) e delitos privados (ofensas menos graves).

Na atualidade, não se fala mais em tarifação. Nos casos envol­vendo dano extrapatrimonial se utiliza a técnica do arbitramento na

11 . Responsabilidade Civil, 3 . Ed São Paulo, 1979, p.13. 12. Isto seria hoje inimaginável e inconstitucional. A súmula vinculante 25 bem exem­

plifica: não é possível a prisão civil do depositário. No mesmo sentido a súmula 419 do Superior Tribunal de Justiça. Como resquício histórico desta fase, podere­mos citar a prisão do devedor de alimentos, ainda aceita pelo regime constitu· cional.

13. ln Culpa e Risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,1997, p. 21 .

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INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVIL

fixação do mesmo, como autoriza o a rt. do 475-C, inciso l i do CPC: "For-se-á a liquidação por arbitramento quando: o exigir a natureza do objeto da liquidação", bem como o Enunciado 550 da VI Jornada de Direito Civil do C]F.

A compensação econômica veio logo em seguida como impor­tante avanço. A vítima tinha esta faculdade pela postura de vendeta, ou pela compensação. I nsista-se: não se falava em culpa à época.

Posteriormente, surgem o Código de Ur-Nammu, assim como o Código de Manu e, finalmente, a Pena do Talião - Lei das XI I Tábuas("olho por olho, dente por dente"). Agora, a compensação econômica se tornava regra. A ideia da tarifação da pena, de certo modo, continua em evidência.

2.2. Fase Romana

Na denominada Roma Antiga se iniciou a distinção entre pena e reparação, afastando-se ainda mais a ideia da vingança privada. Surgia ali a distinção também entre os delitos públicos e os delitos privados, de acordo com o grau de reprovabil idade social. A função punitiva passou a ser apenas do Estado, como leciona CARLos Rosmo GoNÇALVES14•

A LexAquilia Damno, elaborada no final do sécu lo I l i a.e, sem dú­vida, é o marco da evolução romana em sede de responsabil idade civil. Não por outro motivo que, ainda hoje, fala-se na responsabili­dade civil aquiliana, vale dizer, extracontratual, forte neste evento histórico, que muito influenciou o direito moderno e contemporâneo.

Com o advento da Lex Aquil ia surge o que os romanos chama­riam de damnun injuria dantum, instituto a discipl inar o dano por ferimento causado a animais, bem como às coisas corpóreas (cor­pore et corpori) em geral e, fi nalmente, aos escravos. O objetivismo admitido, a título de responsabi l idade civil, na era primitiva, sai de cena. Surge aquilo que posteriormente se i ria denominar de Teoria da Culpa, introduzindo-se o elemento subjetivo.

i4. ln Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil, Vol. 4. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 25.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

� Atenção!

Foi com a Lex Aquilia Damno que a noção de culpa surgiu no direito oci­dental. Entretanto, "a culpa do Direito Romano é diferente da culpa atual, pois a última, ao contrário da anterior, traz em seu conteúdo a ideia de castigo, por forte influência da Igreja Católica". Para a doutrina especiali­zada "é incorreto usar a expressão aquiliana para denotar a culpa atual, contemporânea", conforme defendido por FlÁv10 TARTucE'5•

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para Juiz do Trabalho Substituto do TRT 2• Região/2012 foi considerada verídica a seguinte assertiva: "Na ação de indenização cal­cada na culpa aquil iana, o ônus da prova cabe à vítima."

2.3. Direito Francês

O primeiro Código Civil que o Brasil conheceu foi o de 1916 q ue, como é sabido, experimentou importante influência do denominado Código Napoleônico. o Direito Francês, máxime, na era napoleônica, influenciou todo o ocidente.

No campo da responsabil idade civil, a lguns princípios da repa­ração civil podem ser ali identificados como, por exemplo, a inde­pendência das instâncias (distinção entre responsabil idade criminal e cível), a distinção entre responsabi l idade contratual e extracon­tratual, a ideia de culpa em abstrato e, finalmente, a noção da culpa como elemento imprescindível à caracterização do dever de indenizar: pas de responsabilité sans faute (inexiste dever de reparar sem culpa).

Mas este mesmo Direito Francês evoluiu com os trabalhos de SALEILLES e JossERAND (Teoria do Risco/1897) para o campo da respon­sabil idade civil objetiva. Esta influência atingiu o Direito Brasileiro originariamente pelo Decreto-Lei 2.681/12 (transporte ferroviário) e, também, pelo art. 15 do CC/16 (responsabil idade objetiva do Estado nos atos comissivos).

15. ln Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, Vol. 2. São Paulo: Método, 2011, p. 316.

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INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVIL

Abriam-se no ocidente as primeiras l inhas para u ma melhor compreensão dos requisitos da responsabil idade civil.

� Atenção!

Desde a Constituição Federal de 1946 se vê a responsabilidade civil objetiva do Estado, o que também está previsto no art. 37, § 6° da vigente CF.

2.4. O Direito Português

Também por conta da influência recebida pelos brasileiros do direito português não é possível realizar esta breve reflexão histó­rica sem apresentar rápidas considerações no campo de Portugal.

Afora incursões que se poderia realizar derredor do direito pri­mitivo português e a invasão dos visigodos, originariamente influen­ciado pelos germânicos e pela igreja católica, ou mesmo sobre a invasão árabe que impregnou os lusitanos com a perspectiva da reparação em pecúnia, em simultaneidade com as penas corporais, são as Ordenações do Reino o grande marco jurídico daquela civil i­zação em face do Brasil, sem dúvida alguma. Isto é o que recorda CARLOS ROBERTO GoNÇALVEs'6.

Estas Ordenações vigoraram no Brasil durante o período colonial e i rão se misturar com o próprio momento a seguir denominado de Direito Brasileiro.

2.5. O Direito Brasileiro

Foi a Constituição do Império (1824) que determinou a urgente elaboração dos Códigos Civil e Criminal . Em i830, surge no Di reito Brasileiro o Código Criminal que também atendia às soluções jurí­dicas da responsabil idade civil, afinal de contas, naquele momento histórico o dever de indenizar civi lmente era consectário do reco­nhecimento criminal de um ilícito (dependência da instância cível em relação à criminal, o que hoje não mais existe).

i6. ln Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil, Vol. 4. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 27.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

·� Atenção!

Já houve uma época no Brasil em que a instância cível era dependente da criminal . Hoje não é mais. Denomina-se este fato de independência de instâncias. Apesar desta independência, porém, há, no ordenamento jurídico brasileiro, três hipóteses excepcionais nas quais a decisão penal toca a esfera cível. O Código Civil firma duas hipóteses no art. 935, quais sejam: quando na instância penal se decidir sobre a autoria e materia­lidade do fato, negando-as. Outrossim, o art. 65 do Código de Processo Penal informa que faz coisa ju lgada no civil a decisão penal que firme ação em estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal.

Justamente por conta desta independência de instâncias, e com receio de decisões contraditórias, aduz o art. 200 do CC que quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva. Trata-se de hipótese de impedimento do curso do prazo prescricional . Ademais, os arts. 265 e 266, ambos do CPC, permitem a suspensão do processo civil pe lo prazo de i (um) ano, à espera da decisão penal.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para Defensoria Pública do Estado do Maranhão/2011 foi considerada correta a seguinte proposição: "A responsabil idade civil in­depende da criminal, de modo que a sentença penal absolutória, por falta de provas quanto ao fato, não tem influência na ação indenizató­ria, que pode revolver toda a matéria em seu bojo . . "

Com o advento do Código Civil de i916 a responsabilidade civil no direito brasi leiro poderia ser classificada como subjetiva, estan­do a exigir prova de culpa ou dolo do agente, autor do dano, como requisito de responsabil ização.

Após, a história do direito brasileiro se viu instada a analisar casos relativos à u rbanização, relações de trabalho, industrialização, consumo, demandas de massa. Situações surgiram a exigir do apli­cador do direito nacional uma nova atitude de proteção aos vitima­dos pelo dano. Surge, assim, a teoria do risco, que fora abraçada pelo Código Civil de 2002_

Sempre existiram, entretanto, q uestões difíceis de solucio­nar pela técnica da reparação civil. Exemplo típico está no fiel da

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balança entre l iberdade de imprensa e vida privada, como já adver­tiu SIDNEY CEsAR S1LvA GurnRA17: "Até onde vai o direito de a imprensa em noticiar fatos, fotos, imagens de episódios ainda não esgotados pelas técnicas de investigação, e consequentemente comprovação legal? Até onde vai o direito de questionamento, sem prova, de quem tem sua privacidade invadida, suas virtudes morais questionadas e seus valores vilipendiados?".

Sem dúvida o Código de 1916 não era apto à superação destes problemas. Ainda hoje, sob a batuta do Código de 2002, dúvidas surgem, daí porque uma das alternativas à solução destas atípicas questões envolvendo a responsabil idade civil será a técnica da pon­deração dos princípios.

Como adverte RoNALo DwoRK1N18: "Os princípios possuem uma dimen­são que as regras não têm - a dimensão do peso ou da importância. Quando os princípios se intercruzam [ ... ], aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que deter­mina que um princípio ou uma política particular é mais importante que outra frequentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é".

Assim, é necessário ponderar, no caso concreto, os valores ju­rídicos que se chocam. No ano de 2013, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

"DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR VEICULAÇÃO DE MA­TÉRIA JORNALÍSTICA. A entidade responsável por prestar ser­viços de comunicação não tem o dever de indenizar pessoa física em razão da publicação de matéria de interesse públi­co em jornal de grande circulação a qual tenha apontado a existência de investigações pendentes sobre ilícito suposta­mente cometido pela referida pessoa, ainda que posterior­mente tenha ocorrido absolvição quanto às acusações, na hipótese em que a entidade busque fontes fidedignas, ouça

17. ln A Liberdade de Imprensa e o Direito à Imagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 3.

18. ln Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 36.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

as diversas partes interessadas e afaste quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulga" (REsp 1.297.567-RJ, Rei. Min. Nancy Andrighi, ju lgado em 28/5/2013).

Se uma determinada atividade é capaz, em tese, de causar dano a alguém por ensejar perigo abstrato, o risco há de ser assu­mido por quem a executa, havendo dever de ressarcimento, inde­pendentemente da aferição de dolo ou culpa.

A noção é simples: quem lucra com o risco deve arcar com os danos que causar a outrem em decorrência da atividade (ubi emo­lumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda); quem aufere os cômodos, deve suportar os incômodos.

A ideia não i lumina apenas a legislação nacional, havendo notí­cia na Itália, México, Espanha, Líbia e Portugal.

Feito este apanhado histórico é chegado o momento de avançar para outra missão: descobrir qua l a verdadeira natureza jurídica da responsabil idade civil.

3. A NATUREZA JURÍDICA

A d outrina sustenta que a natureza j u rídica da responsabi l ida­de civil "será sempre sancionadora",nada obstante a própria d ifi­cu ldade de se identificar o conteúdo semântico do signo sanção, que m uitas vezes é uti l izado como s inôn imo de pena, inden ização ou com pensação pecuniária. É o que dizem PAsLo SToLZE GAGUANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH019•

A sanção, enquanto consequência do ilícito praticado, identifica a aludida natureza jurídica da responsabil idade civil. Portanto, as indenizações fixadas a título de reparação civil seriam sanções jurí­dicas. Decorrem do histórico princípio neminem laedere (dever de não lesar imposto a todos). O problema será, contudo, identificar na atualidade o conteúdo do signo sanção. Talvez por isto precisa­remos condicionar a identificação da natureza jurídica da respon­sabil idade civil através da função que a mesma desem penha no ordenamento jurídico.

19. ln Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civil, Vol. I l i , São Paulo: Saraiva. 2008, p. 19/20.

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INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVIL

4. FUNÇÃO

Acreditamos que a responsabil idade civil tem a função principal de restabelecer o estado jurídico no qual a vítima se encontrava antes da lesão sofrida. Em juízo de especulação, deve-se questionar qual era o estado jurídico no qual a vítima se encontrava antes e comparar isto com o estado jurídico no qual a vítima se encontra (após o evento danoso). Esta diferença (Teoria da Diferença) corres­ponderá à exata medida da indenização, cujo objetivo será trazer o lesionado ao status quo ante. Esta seria a verdadeira, ou principal, sanção jurídica e pode ser identificada no art. 944 do CC.

Em síntese:

Estado da vítima anterior

Estado da vítima i atual

Neste cenário, afirma-se que a responsabil idade civil guia-se pela teoria da diferença.

Mas, restringir a responsabi l idade civil apenas a uma função não parece ser a melhor forma de compreender o instituto, pois ele deve ser analisado à luz dos valores constitucionais e dos princípios da social idade, eticidade e operabil idade do direito civil.

Em fiel compromisso com os valores metaindividuais da função social da responsabil idade civil, devemos entender que além de reparar, o instituto ostenta função pedagógica, a fim de desmotivar

a repetição da aludida conduta.

Esta função punitiva também estará presente. Talvez fosse pos­sível até mesmo sustentar a existência disto como uma terceira fun­ção: a educativa. É o que afi rmam PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH0'º, bem como o Enunciado 379 do CJF: "O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil".

20. ln Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civil, Vol. I l i . São Paulo: Saraiva, 2008, p. 21/22.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

5. FUNDAMENTOS

Dentro deste contexto, é possível questionar: qual seria o fun­damento da responsabil idade civil? Punir o autor do ato i lícito? Re­compensar a vítima?

Durante muito tempo vigorou o entendimento segundo o qual a responsabil idade civil estaria relacionada com a culpa: pas de res­ponsabilité sons faute (não há responsabi l idade sem culpa). Trata-se de histórico fundamento romano e moderno que vigeu na Europa e na América Latina.

Nesta ordem de ideias, a postura de vingança se justificava. O caráter punitivo da responsabil idade civil até então fundada na cul­pa se apresentava plausível .

Na atualidade, a culpa deixa de assumir o papel de atriz prin­cipal ante a noção de que vivemos em uma sociedade de riscos. A culpa é colocada na posição de atriz coadjuvante. A teoria do risco (risco-criado, risco-integral, risco-profissional, entre outros) ganha força. Simu ltaneamente a isto, o direito volta-se à questão do dano.

o dano ganha força e se coloca como o elemento mais impor­tante da reparação civil. Sem ele não há falar-se em dever de re­parar. De fato, a evolução do pensamento jurídico se revela neste novo posicionamento. A culpa perde espaço. Dano e risco : eis os novos paradigmas da responsabil idade a incrementar a objetiviza­ção da responsabil idade civil.

o direito deseja fazer com que a vítima do dano volte ao status

quo ante, ou seja, ao estado no qual se encontrava antes de expe­rimentar o prejuízo.

6. A CULPA

o direito civil brasileiro sofreu evidente influência da legislação francesa, princi palmente do denominado Código Napoleônico. Prova disto foram os arts. 159 e 1 .518 do CC/16 e os atuais arts. 186 e 927 do CC/02. Nestes preceitos, a culpa se apresenta como fundamento imprescindível à caracterização da responsabil idade.

O art. 186 do CC i lustra isto ao abordar os conceitos de culpa lato sensu, a qual engloba o dolo e a culpa stricto sensu. A ação ou a omissão se apresentam como requ isitos configuradores da

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responsabil idade. O caráter da volu ntariedade também se caracte­riza desta forma, daí se falar, por exemplo, em negligência, impru­dência e imperícia (culpa stricto sensu).

Uma das maneiras de melhor compreender o alcance da culpa no caso concreto é dialogar com os conceitos jurídicos da previsi­bilidade e do homem médio (padrão médio de comportamento). A definição da culpa, portanto, passa pela compreensão da previsibi­l idade, daí porque o fortuito será causa excludente da responsabil i­dade civil no caso concreto. De fato, culpar alguém por decorrência de evento imprevisível ou, ainda, que à luz do homem médio não se poderia culpar, seria incom patível com a mínima noção de res­ponsabi l idade civi l .

Entendemos que as modalidades de cu lpa in vigilando, in con­

trahendo e in custodiendo estão em desuso ante a nova legislação cível, que prestigia a responsabil idade civil objetiva. De igual sorte, entendemos que a culpa presumida, referida, por exemplo, na súmu­la 341 do STF, desapareceu em decorrência dos arts. 932 e 933 do cc.

Importante observar que a gradação da culpa não é tradição consagrada no direito civil. Entretanto, de forma inédita, o parágrafo único do artigo 944 do CC afirmará: "Se houver excessiva despropor­ção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equi­tativamente, a indenização".

� Atenção!

Culpa ín elígendo: decorre da escolha equivocada de um representante ou de um preposto (vide Recurso Especial 96704 do STJ).

Culpa ín vigílando: decorre da falta de fiscalização (vide a súmula 331, incisos IV e V, do TST à luz da ADC 16, do STF).

Culpa in commítendo: decorre de ato positivo e imprudente.

Culpa in ommítendo: decorre de omissão e negligência.

Em capítulo próprio, o instituto da culpa será melhor abordado.

7. CONCEITOS BÁSICOS

Já anunciamos no 1n 1 c10 deste capítulo a importância de ime­diata apresentação de conceitos básicos, que reaparecerão ou ao

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LUCIANO F IGUEIREDO E ROBERTO F IGUE IREDO

longo deste livro, ou, certamente, nos diversos concursos públicos que surgirão na vida do querido leitor.

É chegada a hora das diferenciações.

7 .1. Responsabilidade Civil e Responsabilidade Moral

Sustentam PAsLo SrnLZE GAGLIANO E RoooLFo PAMPLONA F1LH021que "até mes­mo no âmbito da moral, a noção de responsabilidade desponta, embo­ra sem a coercitividade, característica da responsabilidade decorrente da violação de uma norma jurídica".

I l ustram tais autores com a hipótese de u m fervoroso catól ico que comete u m pecado i nfri ngindo mandamento religioso. Nesta situação não há responsabi l idade civi l . Não se ignora, no campo psíquico e da fé, a presença de uma pun ição. Contudo, isto nem de longe será solucionado pela técnica da responsabi l idade civi l .

A nota distintiva reside na ausência de coerção estatal.

Na responsabil idade moral não é possível utilizar-se do Apa­rato judiciário para exigir o cumprimento da mesma. Também não será possível constranger o patrimônio da outra parte. Estas são as principais diferenças entre a responsabil idade moral e a responsa­bi l idade civil.

7.2. Responsabilidade Civil e Responsabilidade Penal

O art. 935 do CC afirma que a responsabil idade civil é indepen­dente da criminal . Eis o texto: "A responsabilidade civil é indepen­dente da crimina l, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal". No mesmo sentido o art. 91, inciso 1, do Código Penal (CP) e o artigo 63 do Código de Processo Penal (CPP).

Exatamente neste sentido, verifica-se a decisão do Tribunal de j ustiça do Estado do Rio Grande do Sul, ano de 2013:

2i . ln Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civil, Vol. I l i . São Paulo: Saraiva, 2008, p. 3-

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INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVIL

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE I NDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. AGRESSÃO FÍSICA. LESÕES COR­PORAIS GRAVES. CONDENAÇÃO CRIMINAL. TRÂNSITO EM JULGADO. VALOR DA INDEN IZAÇÃO. MANUTENÇÃO. 1. Havendo sentença penal condenatória transitada em ju lgado, condenando a parte requerida crime de lesão corporal (art. 129 do Códi­go Penal), não se deve mais travar discussão na seara civil acerca da autoria e da existência do fato, bem como da culpabil idade do agente causador do dano, sendo certa a obrigação de reparar os danos decorrentes do ilícito. Exege­se do art. i.525 do Código Civil/1916, art. 91, inciso 1 do Có­digo Penal, art. 63 do Código de Processo Penal e o a rt. 584, inciso li, do Código de Processo Civil. 2. Quantum indenizató­rio mantido conforme fixado em Primeiro Grau (R$20.ooo,oo), uma vez que tal valor se encontra de acordo com as circuns­tâncias do caso concreto e os precedentes da Corte. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível N° 70053192266, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: lr is Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 10/04/2013).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em prova realizada pelo CESPE, em 2010, foi considerada falsa a asser­tiva que continha a seguinte afirmativa: "A decisão, no juízo criminal, quanto à existência do fato ou quanto a sua autoria é irrelevante para a indenização civil".

Assim também, na prova para o cargo de Auditor Federal de Controle Externo - TCU, banca CESPE, ano de 2013, foi tida como incorreta a as­sertiva: "Considere que, pelo mesmo fato, determinado agente esteja respondendo a ação cível e criminal e que o juízo criminal tenha conclu­ído, mediante decisão, que o referido agente foi o autor do fato. Nes­sa situação, como a responsabilidade civil é independente da criminal, pode o juízo cível conclu ir em sentido contrário, afastando a autoria e a responsabilidade do agente".

O concurso para provimento do cargo de Ju iz - TJSP, banca examinadora VUNESP, ano de 2013, considerou correta a proposição: "se sentença cri­minal definir que determinado fato existiu, a existência desse fato não pode mais ser discutida na ação de responsabilidade civil".

Interessante u ma reflexão posta no CPP em seu art. 65. É que a sentença acolhedora da denominada excludente de punibil ida­de fará coisa julgada no cível . Deste modo, numa interpretação

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sistemática, poderíamos afirmar que as h ipóteses de prejudicial ida­de entre o direito penal e o cível não seriam apenas as ind icadas no art. 935 do CC.

Por conta disto, é im prescindível saber d iferenciar uma da outra.

o direito penal (repressão pública) é construído sob princípios e fundamentos distintos de qualquer outro ramo do ordenamento ju­rídico. o Estado persecutor da pretensão punitiva penal deve atuar de maneira a prestigiar o interesse público, sem perder de vista as garantias fundamentais, especialmente o jus libertatis.

o caráter fragmentário do direito pena� utilizado apenas como ultima ratio,evidencia o cuidado que o intérprete deve empregar na aplicação da responsabil idade criminal, a qual é configurada não apenas quando uma norma de ordem pública, um tipo legal, é vio­lentado. Mais do que isto, o interesse da sociedade deve estar em xeque, daí a possibi l idade de o infrator perder a própria l iberdade, o que não ocorre, salvo para caso de pensão al imentícia, no âmbito da responsabi l idade civil.

A responsabi l idade criminal é de natureza personalíssima. Não se transfere. Não pode transbordar a pessoa que praticou o ato comissivo ou omissivo. J usto por isto, os penalistas abordam o prin­cípio da intranscedência (CF, art. 5, XLV).

Além disto, não se admite, regra geral, a responsabil idade cri­minal objetiva. No direito penal é imprescindível aferir a i mputação pela via do dolo ou da culpa. A responsabil idade decorrente de crime é subjetiva, em regra.

O direito civil não é a ultima ratio. O Estado não se apresenta como autor da pretensão cível. Ao contrário de tudo quanto visto acima, o interesse na responsabilidade civil é patrimonia l e parti­cular. A prisão não é possível, como i lustra a súmula 419 do STJ e a súmula vinculante 25 do STF, salvo na única hipótese do devedor de al imentos.

A responsabi l idade civil pode ser transferida inter vivos ou mor­tis causa como afirma o art. 943 do CC: "O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança". Tam bém pode estar presente na modal idade objetiva, de modo que nem sempre o do lo e a culpa precisarão estar presentes.

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INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVIL

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Verificando a transmissibilidade da necessidade de reparação do dano sofrido, referente à responsabilidade civil, no concurso para o MPRO em 2010 foi considerada incorreta a seguinte alternativa: "no que se refere aos danos materiais, a obrigação de indenizar e o direito de se obter indenização não se transmitem com a herança".

É possível inexistir responsabil idade penal, mas ex1st 1r respon­sabilidade civil, como na hipótese de um inquérito penal que me­receu pedido de arquivamento acolhido pelo Juízo Crime (CPP, art. 28), mas cujo fato rendeu o aju izamento de uma ação reparatória no âmbito cível, ju lgada procedente.

• Veja o informativo do Superior Tribunal de Justiça abaixo:

Prescrição da pretensão punitiva. Comunicabilidade da esfera penal e civil.

A extinção da punibilidade, em função da prescrição retroativa, não vincula o juízo cível na apreciação de pedido de indenização decorrente do ato delituoso. No caso, após o atropelamento, foram ajuizadas uma ação penal por lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (art. 303 do CTB) e uma ação de reparação de danos materiais e morais pela vítima. A ação cível ficou suspensa até a conclusão da penal. Quanto a esta, a sentença reconheceu a autoria e materialidade do fato e aplicou a pena. Na apela­ção, o tribunal acolheu a preliminar de prescrição, na forma retroativa, da pretensão punitiva do Estado. Retomado o julgamento da ação indenizatória, a sentença julgou improcedente o pedido, reconhecendo a culpa exclusiya da vítima, fundamentando-se nas provas produzidas nos autos. Na apelação, o tribunal reformou a sentença com base exclusiva no reconhecimento da autoria e materialidade presentes na sentença criminal, condenando a mo­torista ao pagamento de indenização por danos materiais e morais. Dessa decisão foi interposto o recurso especial. O min. rei. afirmou ser excepcional a hipótese de comunicação das esferas cível e penal, conforme interpretação do art. i.525 do CC/1916 (art. 935 do CC/02) e do art. 65 do CPP. Ressaltou, ainda, que o art. 63 do CPP condiciona a execução cível da sentença penal condenatória à formação da coisa julgada no juízo criminal. No caso, não houve reconhecimento definitivo da autoria e materia lidade delitiva, pois o acórdão, ao reconhecer a prescrição da pretensão punitiva, rescindiu a sen­tença penal condenatória e extinguiu todos os seus efeitos, incluindn o efeito civil previsto no art. 91, 1, do CP. Com esses e outros argumentos, a Turma deu provimento ao recurso para anular o acórdão do Tribunal de origem e determinar novo julgamento da apelação, com base nos elementos de prova do processo cível, podendo, ainda, ser utilizados os elementos probatórios produzidos no juízo penal, a título de prova emprestada, observado o con­traditório. REsp 678.143, rei. Min. Raul Araújo, j . 22.5.2012. 4• T. (lnfo 498)

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7.3. Responsabilidade Contratual e Extracontratual

o tema em destaque simboliza a divergência que se construiu sobre o assunto através de duas correntes de pensamento: a mo­nista ou unitária,que não vê distinção entre as espécies de respon­sabil idade civil (contratual e extracontratual), pouco importando sua origem, na medida em que os efeitos são os mesmos; e a dualista ou binária, a qual realiza a diferenciação com base na natureza jurídica da origem da norma.

O CC discipl ina a responsabil idade contratual nos arts. 389, 390 e 39i. Para configurá-la, deve o interessado demonstrar existir um contrato e, a l ém disto, indicar qua l a cláusula teria sido inadimplida. Neste caso, aplicam-se os arts. 389, 391 e 402 do CC. Trata-se de tema contido no Livro das Obrigações. Na responsabi l idade contra­tual é necessário provar o inadimplemento de uma cláusula de um contrato.

A responsabi l idade civil extracontratual, também denominada de aquiliana, não pressupõe contrato algum . Está d iscipl inada a par­tir do art. 927 do CC. Decorre de u m fato jurídico extracontratual. O dano é praticado fora dos muros de qualquer contrato (acidente de trânsito, agressão física, lesão à honra por palavras escritas ou faladas, etc.). Um dever legal é desrespeitado.

Todavia, malgrado o Código Civil adotar u ma teoria dualista, o Código de Defesa do Consumidor abraça uma teoria monista, não realizando a distinção entre contratual e extracontratual .

� Atenção!

Seriam três os elementos diferenciadores da responsabilidade civil con­tratual em comparação com a extracontratual: (1) a preexistência de uma relação jurídica entre as partes, (2) o ônus da prova quanto à cul­pa e (3) a diferença quanto à capacidade. É o que sustentam PABLo Srom GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH022•

22. ln Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civil, Vol. I l i . São Paulo: Saraiva, 2008, p. 18.

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INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVIL

7.4. Responsabilidade Subjetiva e Objetiva

Para o art. 186 do CC "Aquele que, por ação ou omissão voluntá­ria, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". E, como se sabe, pois é isto o que afirma o art. 927 do mesmo diploma, quem comete ato ilícito tem o dever de indenizar.

A leitura dos dois artigos de lei acima indicados bem i lustra a responsabil idade civil subjetiva. De fato, enquanto a culpa dominou o centro da responsabil idade civil, inevitavelmente era preciso de­monstrar na voluntariedade do ato praticado a presença da mesma, sob pena de não restar configurado o dever de indenizar. Estava-se na esfera da responsabil idade civil subjetiva. Sem dolo, sem culpa, inexistiria responsabi l idade civil, afinal de contas unuscuique sua culpa nocet (cada um responde por sua própria culpa).

O artigo 927 do CC e legeu como regra a responsabi l idade civil subjetiva que tam bém estará presente em relação aos profissionais l iberais, nos termos do artigo 14 do CDC.

Mas este mesmo art. 927, assim como outros artigos do CC (931, 933, 936 e 937), traz situação de responsabi l idade civil onde não será necessária a prova de dolo ou culpa. Quando se estiver diante de uma situação de responsabi l idade civil onde o dolo e a culpa não precisam ser com provados a hi pótese será de responsabi l idade civil objetiva.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Neste sentido, no concurso para Ju iz Substituto do TJMA/2008 fora con­siderada inverídica a assertiva que apresentava o seguinte texto: "O atual Código Civil sempre exige a demonstração de um comportamento culposo para o efeito de apuração da responsabilidade civil".

Ainda neste tema, verifica-se que a teoria do risco é uma das mais importantes do atual CC e bem i lustra hipóteses de respon­sabil idade civil objetiva. O parágrafo único do mencionado art. 927 afirma justamente isto : "Haverá obrigação de reparar o dano, inde­pendentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

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Nos casos especificados nas leis especiais poderíamos exempli­ficar com a Lei Ambiental (Lei 6938/81, art. 14); na CF, ao consagrar a Responsabil idade Objetiva do Estado para atos comissivos (art. 37, § 60, CF); na questão do Dano Nuclear também previsto na norma constitucional (art. 21, XX.I l i); no CDC (Lei 8078/90); no tema do DPVAT (seguro obrigatório de acidente de veículo); na Responsabi lidade Civil do Transportador (art. 734, CC) e etc.

7 . 5. Responsabilidade Por Ato Lícito e I l ícito

Na forma do art. 186 do CC, aquele que "violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" e, por conta disto, ou seja, por "causar dano a outrem, fica obrigado a

repará-lo" (art. 927, CC).

A noção da responsabil idade civil é historicamente relacionada à hipótese de uma lesão. Por sua vez, a ideia da lesão vem atrelada à noção de ilícito.

� Atenção!

ATO IÚCITO

DEVER OBJETIVO DE REPARAR

Ato jurídico

Ato jurídico

Contrariedade ao direito

Contrariedade ao direito

Prejuízo

Como é possível imaginar, u m ato i lícito pode gerar efeito e m vários campos do d ireito. Imagine u m pol icial m i l itar que, inad­vertidamente, executa u m civi l . Nesta triste h ipótese, estaremos d iante d e u m ato i l ícito que gera efeitos no campo do d ireito admin istrativo (ilícito fu ncional justificador de demissão a bem do serviço púb lico), do d ireito penal (homicídio doloso/j ú ri popular), do d i reito civil (danos morais e materiais à família/vítima) e d i ­reito processua l (eventual d i reito de regresso do Estado em face do mi l itar).

I nteressante, ainda, confrontar a redação do antigo artigo 159 do CC/16 com o atual 186 do CC. Veja o q uadro abaixo:

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INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVIL

Aquele que, por ação ou omissão vo­luntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a ou­trem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade civil regulam-se pelo disposto neste Código, artigos i.518 a i.532 e 1.537 a 1.553.

Alt. 186 CC/02 Aquele que, por ação ou omissão vo­luntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, come­te ato ilícito.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No certame para Ju iz Substituto do TRT 8• Região/2012 foi considerada verdadeira a assertiva: "Não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido e a deterioração ou a destruição da coisa alheia, esta somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo, ou a lesão a pes­soa, a fim de remover perigo iminente."

O atual preceito melhor atende às noções de operabi l idade, sim­plicidade e efetividade. Polêmica importante está na substituição da locução "ou" pela locução "e". Significaria isto dizer que agora existi­riam requisitos cumulativos sem os quais não seria possível configu­rar o ato i lícito? Seria necessário, portanto, provar não apenas que o direito foi violado, mas, além disto, que u m dano foi causado?

Acreditamos que sim. Pensamos que se deve comprovar a vio­lação ao d ireito e o prejuízo. Sem isto, não seria justo pensar em reparação.

O abuso do direito, importante conceito jurídico aberto, i lumi­nado pela função social e pela eticidade, discipl inado no art. i87 do CC, também demonstra que o atual Código opta por, simultaneamen­te, discipl inar a responsabil idade civil objetiva, para certos casos, e subjetiva para outros, em prestígio ao princípio da operabilidade do direito civil.

A teoria do abuso de direito surge ao final do Século XIX como superação da noção absoluta do exercício de direitos individuais. A partir dessa teoria, d ireitos não mais são vistos como liberdades ili­m itadas, criando-se uma noção entre o permitido e o proibido pelo excesso de exercício.

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Tal ideal veio contemplado no cc, especificamente no seu art. 187, caracterizando-se por manifesto excesso no exercício do direito em uma análise consoante com sua finalidade econômico-sociaL e segundo a boa-fé e os bons costumes : "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os

limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

I nfere-se do conceito objetivo-finalístico que não exige a norma, para a configuração do abuso, a presença do elemento culpa, como bem indica o Enunciado 37 do CJF = "A responsabilidade civil decorren­te do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-fina lístico".

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Confirmando a desnecessidade de verificação do elemento culpa no abuso de direito, fora considerada verdadeira, em concurso para a De­fensoria Pública do MS/2008 a assertiva que afirmava que o abuso do direito "Caracteriza-se por uma observação objetiva da conduta que excede os limites impostos na forma da lei".

Tal i l icitude, portanto, constrói-se no caso concreto, ao passo que o exercício do direito inicia-se como regu lar, mas, no seu curso, torna-se abusivo, dotado de excesso manifesto em uma análise ob­jetivo-finalística. lmpende ressaltar, porém, que há, ao menos, uma hipótese de abuso de direito codificada na qual se exige a presença do elemento culpa, na ótica do §2° do art. 1.228 do CC. É o abuso de direito de propriedade, o qual configura exceção à regra geral do ato abusivo ser uma hipótese de responsabil idade objetiva, como bem vaticina o Enunciado 49 do CJF ("a regra do art. i.228, § 2°, do novo Código Civil interpreta-se, restritivamente, em harmonia com o prin­cípio da função social da propriedade e com o disposto no art. 187).

� Atenção!

O instituto do abuso do direito também é chamado de teoria dos atos emulativos, oriunda da aemulatio romana e fortalecida no direito me­dieval. A responsabilidade civil decorre ou do ato ilícito previsto no art. 186 - simplesmente ilícito -, ou no abuso do d ireito no art. 187 - ilíci­to objetivo -, ambos do CC. Hoje, portanto, são dois os fundamentos

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INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVIL

para a responsabil idade civil. O abuso do direito constitui novel situação de ilícito cível.

Importante ainda apresentar um quadro da doutrina de FlÃv10 TARTuce so­bre interessantes hipóteses de configuração do abuso do direito nos mais diversos ramos, a saber:

O abuso do direito na publicidade - CDC, art. 6°, inciso IV, ao tratar da publicidade enganosa e abusiva, trazendo interessante ju lgado do TJ/SP versando sobre a apresentação de uma propaganda na qual se utilizou a empatia de uma famosa apresentadora para induzir crianças a adota­rem o comportamento da mesma, destruindo tênis usados para que os pais comprassem novos (Apelação n° 24i.337-10).

O abuso do direito e a venda casada - CDC, art. 39, inciso 1 ao vedar o fornecimento de produto ou de serviço condicionado à aquisição de outro. A negação de orçamento prévio, a inserção no mercado de bens impróprios para o consumo, entre outros temas de consumo bem ilus­tram situações de abuso.

O abuso do direito e o direito de greve - RE 184.083 quando o STF afir­mou que "O direito de greve não é absoluto, devendo a categoria observar os parâmetros legais de regência. Descabe falar em transgressão à Carta da República quando o indeferimento da garantia de emprego decorre do fato de se haver enquadrado a greve como ilegal".

O abuso do direito e a l ide temerária - com amparo nos arts. 14 a 17 do CPC.

o abuso do direito e a propriedade - CC, art. 1.228. Em compromisso com os valores sociais da CF (art. 5°, XXlll) e ambientais (225, CF) a pro­priedade deixa de se apresentar como um valor l iberal e muitas das vezes egoísta, passa a ser analisada no viés socioambiental.

O abuso do direito e o spam - no denominado direito digital, decorrente do envio de mensagens eletrônicas não solicitadas de maneira repetiti­va, o que seria uma conduta passível de ocasionar o dano. Também se analisa al i a prática de venda de endereços eletrônicos como abusiva, assim como o envio de cartões de crédito não solicitados.

Apesar do art. 927 do CC prescrever que o causador de ato ilícito tem o dever de indenizar, serão encontradas ao longo dos nossos estudos (e da legislação cível) situações nas quais este dever de reparar o dano estará presente, independentemente da i l icitude do ato praticado.

A leitura dos arts. 188 e 929 do CC deve ser feita para melhor compreensão do que agora se explica.

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Imagine que uma pessoa destrói a porta de outra para, pre­mido da necessidade de salvar a si, ou a pessoa de sua família, utilizar daquela via na fuga de um incêndio. Não houve prática de ato ilícito algum neste caso. A ordem jurídica autoriza esta conduta. Entretanto, o dono da porta danificada - e que não causou dano a ninguém - jamais poderia ficar no prejuízo. A responsabil idade civil restará configurada, mesmo não havendo ilícito na situação concreta.

o mesmo se diga pela teoria do risco profissional. A responsabi­lidade civil fundada no risco da atividade estará presente indepen­dentemente da presença do ilícito. Não proíbe o direito o exercício de atividades de risco. O direito apenas objetiviza estas responsabi­lidades de modo que, pelo risco, causado o dano surge o dever de reparar, m uitas vezes sem sequer haver i l icitude presente.

7.6. A Responsabilidade Pressuposta

Sustenta FLÃv10 TARrucE'3 estarmos a viver dentro de um momento de transição q uanto à responsabil idade civil, que tem experimenta­do nova dimensão. Por conta disto, faz referência à tese de livre­-docência defendida por G1sELDA H 1RONAKA24 como inédita modal idade de reparação civil, qual seja a responsabilidade pressuposta.

Trata-se de doutrina que propõe o viés da responsabil idade civil objetiva expedita . Fala-se no pronto-atendimento às vítimas do prejuízo, mediante a u rgente imputação do sujeito que terá o dever de indenizar. Tal dever decorre da criação de um sistema jurídico que impeça à manutenção de lesionados sem ressarcimento, em nítida crítica à crise doutrinária e jurisprudencial inaptas à rápida solução dos danos causados.

Apesar desta doutrina deixar a solução a respeito do tema em aberto, a tese sugere u ma virada epistemológica na análise do tema, ao enfatizar como pressuposto a reparação, buscando a im­putação da culpa somente após isto.

23- ln Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, Vol. 2. São Paulo: Método, 2011, p. 319.

24. Essa tese de Livre-Docência defendida na Faculdade de Direito da USP originou a obra de mesmo nome editada pela Editora Dei Rey no ano de 2005, como afir­mou Flávio Tartuce em obra de importante referência.

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1. INTRODUÇÃO

C a p í t u l o l i Elementos gerais da responsabilidade civil Sumário: i. Introdução - 2. Conduta Humana - 3. Dano ou Prejuízo: 3.i. Requisitos Configuradores do Dano; p. O Dano Patrimonial ou Material; 3.3. A Perda de uma Chance; 3.4. O Dano Extrapatrimonial ou Imaterial; 3.5. Dano Estético; 3.6. Dano Reflexo, Oblíquo ou Ricochete; 3.7. Oanos Coletivos, Difusos e Interesses Individuais Homogêneos - 4. Nexo de Causalidade: 4.1. Teoria da Equivalência das Condi­ções ou do Histórico dos Antecedentes ou Da Condi­tio Sine Qua Non; 4.2. Teoria da Causalidade Adequa­da; 4.3. Teoria da Causalidade Direta ou Imediata; 4.4. Qual a Teoria Adotada pelo Código Civil?; 4.5. Concausas ou Concausalidade ou Causalidade Múl­tipla ou Causalidade Comum.

O escopo deste capítulo é apresentar os elementos gerais, ou pressupostos da responsabilidade civil, respondendo à seguinte in­dagação: o que é necessário para responsabilizar no Brasil? A solu­ção deste problema passa pela análise do art. 186 do Código Civil (CC), o qual elenca como elementos gerais ou pressupostos da res­ponsabi l idade civi l : a) a conduta humana (positiva ou negativa); b) o dano ou prejuízo e c) o nexo de causalidade .

Como elementos gerais que o são, possuem aplicabi l idade tanto na seara contratual, como na extracontratual (aquil iana), bem como nas modalidades objetiva e subjetiva de responsabil idade civil.

Interessante, porém, q ue o art. 186 codificado faz menção à presença do elemento culpa lato sensu', quando verbera "ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência". Entrementes,

i. Conforme será estudado no capítulo que versa sobre responsabilidade civil sub­jetiva, a culpa, em direito civil, é estudada de forma ampla (lato), englobando tanto a culpa stricto sensu (negligência, imprudência e imperícia), como o dolo (intenção de lesionar).

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corroborando o posicionamento de PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAM­PLONA F1LH0' entendemos pela impossibi l idade de sua inserção como elemento geral da responsabi lização, haja vista a existência de res­ponsabilização independentemente de culpa (objetiva).

Buscando manter-se fiel à proposta de desenhar elementos gerais ou pressupostos da responsabi l idade civil, ap l icáveis, por conseguinte, a todos os campos da responsabil ização, a culpa não pode estar contida entre tais elementos, sendo reservado espa­ço para sua análise quando do estudo da responsabilidade civil subjetiva, como pressuposto específico desta, ou mero elemento acidental. Digno de nota, porém, que outros autores, a exemplo de CARLOS RosERTO GoNÇALVEs3, mantém a cu lpa como elemento essencial ou pressuposto geral do dever de indenizar, tratando das modal idades de responsabi l idade civil objetiva como exceções aptas a afastá-la. Não nos parece correto, como já assentado nas linhas anteriores. De qualquer modo, estudaremos oportunamente o assunto em capítulo específico.

Feita esta breve introdução, passamos a nos ded icar ao tra­tamento individualizado dos elementos gerais da responsabi l idade civil, iniciando-se com a conduta humana.

2. CONDUTA HUMANA

Em famosa frase atribuída a AGUIAR D 1As, afirma-se que toda con­duta humana traz consigo a problemática da responsabilidade civil. As­sim, a responsabil idade civil é uma expressão obrigacional da ativi­dade humana e, como tal, exige u ma conduta, obviamente, humana.

Não é possível falar em responsabil ização civil por fato da na­tureza, pois, ainda que este ocasione danos, não decorrerá de uma conduta humana. Apenas o ser humano, seja pessoalmente ou atra­vés de uma pessoa jurídica, poderá ser civi lmente responsabilizado.

2 . l n Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. Vol. 1 1 1 . 7. ed . São Paulo: Saraiva, 2009, p. 24.

3. ln Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. Vol. IV. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 54.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

É j ustamente por isto que Rui Srnco4 sustenta a necessidade de estar presente "um comportamento do agente, positivo (ação) ou nega­tivo (omissão), que, desrespeitando a ordem jurídica, cause prejuízo a outrem, pela ofensa a bem a direito deste. Esse comportamento (comis­sivo ou omissivo) deve ser imputável à consciência do agente, por dolo (intenção) ou por culpa (negligência, imprudência, ou imperícia), contra­riando, seja um dever geral do ordenamento jurídico (delito civil), seja uma obrigação em concreto (inexecução da obrigação ou de contrato)".

Portanto, tal conduta humana poderá ser positiva - também chamada de comissiva, pois decorrente de uma ação - ou negativa

- igualmente denominada de omissiva, por d izer respeito a uma abs­tenção juridicamente relevante· O próprio Código Civil, no seu art. i86, possibilita tal raciocínio, ao impor a obrigação de indenizar a todo aquele que por ação ou omissão voluntária causar prejuízo a outrem.

A expressão conduta ou comportamento, nas palavras de SÉRG10 CAvAuER1 F1LH05, constitui gênero que engloba tanto as ações, quanto as omissões6• Excepcionalmente, a omissão permite o dever de repa­rar. Isto porque como do nada, nada provém, não há responsabil ida­de pela inércia, salvo se o omitente tinha o dever de agir, de ev�tar a lesão. Neste caso, a abstenção torna-se juridicamente retevante; .ê; , apta a ocasionar responsabi l idade. É o fatídico exemplo cfa enfer­meira que deixa d e ministrar os medicamentos ao paciente por de­sídia, ou dos pais que não alimentam os seus fi lhos, ou, finalmente, do méd ico que omite socorro.

Tanto na ação, quanto na omissão, a conduta deve ser voluntá­ria, pois a voluntariedade constitui o epicentro da conduta humana. Se não houver o domínio (controle) da vontade humana na conduta, não haverá de se falar em responsabil idade civi l . Assim, não há de­ver de reparação por lesões decorrentes de forças naturais i nvencí­veis, a exemplo do vento, ou das descargas elétricas.

4. ln Tratado de Responsabilidade Civil - Doutrina e Jurisprudência. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007, p. 94.

5. ln Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 24. 6. Outros autores, porém, utilizam-se da expressão ação como gênero, falando na

ação stricto sensu ao se referirem à conduta positiva, e a omissão ao tratar da negativa. Tais expressões, porém, acabam por gerar confusões conceituais, preferindo-se o signo conduta ou comportamento na generalidade.

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j usto por isto que afirma SÉRGIO CAVALIERI F1LH07 ser a ação ou omis­são o aspecto físico da conduta, enquanto a voluntariedade o seu viés psicológico ou subjetivo.

� Atenção!

Não se deve confundir a exigência da voluntariedade com o dolo. São coisas diversas, como lembra Rui Sroco8• O dolo traduz o propósito ou consciência do resultado danoso. É intenção deliberada de causar pre­juízo. Já a voluntariedade é a consciência daquilo que se está fazendo. Exemplifica-se com o cidadão que, voluntariamente, engata a marcha ré no seu carro e, por imprudência, colide com outro veículo. Há volunta­riedade na conduta, porém desacompanhada de dolo.

Discussão interessante é saber se há presença da conduta hu­mana nas hipóteses de responsabil idade civil indireta9, a exemplo do pai que responde civi lmente pelos atos de seus fi lhos menores (art. 932 do CC)?

Com efeito, a regra é a responsabil idade civil direta, por ato próprio. Entrementes, por vezes a lei faz emergir responsabil idade civil por ato de outrem, ou da coisa. Segundo a doutrina - falando por todos PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH010 -, em verdade responsabi liza-se indiretamente pela omissão do dever jurídico de custódia, cuidado, vigi lância ou má-eleição.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Ju iz do TRT-9• região/2006 foi considerada correta a seguinte assertiva: "A responsabil idade de reparação de danos pode derivar de ato próprio do agente, de ato de terceiros que estejam sob sua guarda legal ou por fato das coisas ou animais que lhe pertençam".

Vencida a conduta e seguindo nos estudos acerca dos elemen­tos gerais da responsabil idade civil, avançamos à anál ise do dano ou prejuízo.

7. Op. Cit. p. 24. 8. ln Tratado de Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 50-51.

9. O tema responsabilidade civil indireta mereceu tratamento específico em tópico apartado, quando da análise das hipóteses de responsabilidade objetiva.

10. Op. Cit. p. 30.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

3. DANO OU PREJUÍZO

O dano ou prejuízo é elemento indispensável para configura­ção da responsabi l idade civil, sendo a pedra de toque entre as diversas responsabi lizações. Decerto, é plenamente possível que se responsabi lize alguém por uma omissão e independentemente de cu lpa (modalidade objetiva); mas é impossível responsabil ização sem dano. Este é elemento essencial, ainda que seja presumido, como soe ocorrer na responsabil idade contratual, na qual o inadim­plemento ocasiona o dano. Justo por isto que cabe ao devedor, em sede de responsabil idade contratual, afastar o dano, arguindo e comprovando que o dano não lhe pode ser imputado.

Afirma CARLos RoBERTo GoNÇALvEs11 que a ação de indenização sem dano é pretensão sem objeto, sendo o ônus da prova acerca do dano, em regra, do autor da demanda.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para Procurador do DETRAN-PA/2006 foi considerada falsa a seguinte assertiva: "Ocorrendo à prática de um ato ilícito, mesmo se ele não houver causado dano à vítima ou ao seu patrimônio, surge a res­ponsabilidade civil e a obrigação de indenizar em virtude da violação a um dever de conduta".

Nesta l inha de raciocínio, não há na seara da responsabil idade civil crime de mera conduta ou de perigo abstrato. Lembra SÉRG10 CAvAuER1 F1LH012 que se uma pessoa avançar o sinal dirigindo em velo­cidade acima da permitida, mas não lesar ninguém, nem atingir ne­nhum patrimônio, não haverá de se falar em responsabil idade civil.

Para CARLOS ALBERTO B1TTAR13 o dano é configurado pela "lesão, ou redução patrimonial, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de valo­res protegidos no direito, seja quanto à sua própria pessoa - moral ou fisicamente - seja quanto a seus bens ou aos seus direitos. t a per­da, ou a diminuição, total ou parcial, de elemento, ou de expressão,

11. ln Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. Vol. IV. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 356.

12. Op. Cit. p. 70. 13. Responsabilidade Civil. Teoria e Prática. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

2007, p. 9.

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componente de sua estrutura de bens psíquicos, físicos, morais ou

materiais".

Entende-se por dano ou prejuízo a lesão a um interesse/ patrimônio (patri monia l ou extra patrim on ia l) juridicamente tu­telado, em vi rtude de u m a cond uta hu mana . Há m u ito já restou u ltrapassado o paradigma patrim onia l ista, que a penas recon he­cia como dano i ndenizável o materia l . Interessa-se a responsa­b i l idade civi l pe lo "dano indenizável". Enxerga-se o dano como a d im inu ição ou su btração de u m bem j u rídico tute lado, materia l ou imaterial , a merecer reparação i ntegral, com retorno ao sta­

tus quo ante.

j usto por isto, é possível afi rmar que se guia a responsabi l ida­de civil pelo paradigma da reparação integral - também chamada de princípio do imperador -, medindo-se a indenização ela exten­são do dano (art . 944 do CC). Apl ica-se, no particu lar, a teoria ale­mã da diferença. Explica-se: verifica-se como estaria o patrimônio do lesado se o dano não acontecesse e compara-se como ele atu­a lmente, em fu nção do a lud ido dano, indenizando-se a d iferença.

Como toda regra, o princípio da reparação integral, no di reito brasi le iro, tem exceção. Esta resta capitulada no próprio artigo 944 do Código Civi l, especificamente no seu parágrafo ún ico . Sen­do assim, ocorrendo manifesta desproporção entre a gravidade da cu lpa e o dano - leia-se: cu lpa mín ima e dano máximo - o ma­gistrado poderá reduzir, equ itativamente, o valor da indenização. Trata-se de uma das situações nas q uais o magistrado poderá uti l izar-se da equidade para decidir, afi na l de contas, nos termos do art . 127 do CPC, o juiz não pode decidir por equ idade, salvo nos casos autorizados pela norma.

Hod iernamente é possível a reparação tanto do dano patri­monia l como do extrapatrimon ial, fa lando-se em independência entre tais danos em uma leitu ra despatrimonia lizada, reperso­n ificada e existencial ista do direito civi l . Tal afirmativa tem como em basamento a Constituição Federal (art. 5, V e X), o Código Civi l (arts. 1 1/21 e 186) e a j urisprudência (Sú m u las 37 e 387 do STJ). Portanto, é possível o p leito cumu lado, ou de forma isolada, dos mais diversos danos, a exemplo de dano patrimon ia l e moral;

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

moral e estético; patrimonial e estético. A cumu lação é livre, des­de que comprovada a existência dos danos.

Assim, a respeito da possi b i l idade de cumulação de espécies de dano, é pacífica a jurisprudência do Su perior Tribuna l de Jus­t iça. Somente para exemplificar, vejamos as segui ntes ementas, ano de 2013:

AGRAVO REG IMENTAL, DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS INDEN IZAÇÃO. ACIDENTE AUTOMOBI LÍSTICO. MORTE DE FI LHO . MORTE DE FILHO - AMPUTAÇÃO DO BRAÇO DE OUTRO. CUMULA­ÇÃO DO DANO MORAL E ESTÉTICO. VALOR FIXADO COM RAZOA­BILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM S INTONIA COM A JURISPRU­DÊNCIA DO STJ; AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. APLICAÇÃO DE MULTA. i. Não há que se cogitar de ofensa ao artigos 535 do CPC, se, como no caso exami nado, acórdão se mani­festou acerca de todos os pontos necessários ao desl inde da controvérsia, ainda que de forma contrária à pretensão da agravante. 2. Nos termos da Súmula 387/STJ "É lícita a cumu lação das i ndenizações de dano estético e dano mo­ral". Na hipótese, o dano moral foi concedido em razão da perda do irmão e fi lho, do trauma psicológico do aciden­te em si, e da inval idez permanente por amputação do braço do f i lho menor sobrevivente. O dano estético pela deformidade física decorrente da amputação. 3 . Embora esta Corte afaste por vezes a incidência do enunciado n.7 de sua súmula, apenas o faz quando os valores fixados a títu lo de indenização por dano mora l se afigurem irrisórios ou exorbitantes, o que não se verifica no caso concreto. 4. Agravo regimental não provido com ap licação de multa. (STJ - AgRg no AREsp: 166985 MS 2012/0080488-8, Relator: Mi ­nistro LU IS FELIPE SALOMÃO, Data de ju lgamento: 06/06/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publ icação: Dje 18/06/2013).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REG IMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABIL IDADE CIVIL. INDEN IZAÇÃO POR DANO MORAL E ES­TÉTICO. CUMULAÇÃO. POSS IB ILIDADE. SÚMULA N . 387/STJ. 1. É lícita a cumulação das indenizações por dano moral e por dano estético decorrentes de um mesmo fato, desde que passíveis de identificação autônoma, a teor do que dispõe a Súmula n . 387/STJ . 2. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no REsp: 1302727 RS 2011/0132655-0, Relator: Ministro ANTON IO CARLOS FERREIRA, Data de Ju lgamento: 02/05/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: Dje 22/05/2013).

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� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz Substituto do TJ-MT/2009 a alternativa que decla­rava que "não é lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral, visto que se confundem" foi considerada incorreta.

CARLos ALBERTO B1rrAR14defende o entendimento segundo o qual "em razão desse complexo informativo, a pessoa responde, com seu patri­mônio, pelos efeitos de ação ilícita que atinge a esfera de outrem, des­de que labore com culpa, cumprindo-lhe, em consequência, satisfazer integra lmente os direitos do lesado. Desta forma, em principio, ficam seus bens expostos à reparação do dano, nas hipóteses já discutidas, até a completa recomposição da situação jurídica do ofendido, prova­da a sua participação volitiva positiva (dolo) ou apenas por negligência (culpa, em senso estrito)".

Por outro lado, está hoje u ltrapassado o paradigma l iberal-indi­vidualista oitocentista que remetia à noção segundo a qual o dano apenas poderia ser individual . Existem danos metaindividuais, que transbordam uma só pessoa ou realidade e atingem toda a coleti­vidade.

O direito civil contemporâneo não pode aceitar que os proble­mas jurídicos da atualidade digam respeito apenas a Caio e Tício, i ncluindo-se, no máximo, Mévio, como se costuma brincar nas fa­culdades. As relações interpessoais envolvem interesses coletivos e difusos, com grupos como dos sem-terra, dos sem-teto, enfim, dos sem-direitos, os q uais representam muito mais do que Caio, Tício e Mévio - exemplo máximo representativo de uma l ide individualis­ta. Com efeito, terá o jurista que trazer soluções para problemas transindividuais, os quais, além dos supracitados sujeitos, envolvam outras pessoas'5•

A inserção de um novo paradigma transindividual, e a conse­quente quebra do paradigma individual- l iberal, não significa o total abandono desta concepção, haja vista que ela ainda será muito

14. Responsabilidade Civil. Teoria e Prática. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitá· ria, 2007, p. 50.

15. Nesse sentido Lênio Luiz Streck. ln Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

útil para a resolução de conflitos individuais. Decerto, muitas das demandas que, atualmente, chegam até os pretórios nacionais, são compostas por fatores passíveis de serem solucionados com base em um raciocínio fincado no paradigma individual-l iberal.

De qualquer modo, não é possível ignorar os novos paradigmas do direito civil personalizado e, ao mesmo tempo, apesar da apa­rente contradição, metaindividual, em fiel compromisso com a socia­l idade, princípio importante da teoria geral cível . O dano ambiental, social e aos consumidores são alguns destes exem plos.

3.i. Requisitos Configuradores do Dano

Contudo, nem todo dano é indenizável . Com efeito, para que o dano seja indenizável far-se-ão necessários alguns requisitos essen­ciais e cumulativos, quais sejam:

a) Violação a um interesse juridicamente tutelado, extrapa­trimonial ou patrimonial, de uma pessoa física ou jurídica. Registra-se que, além da autonomia entre o dano extrapatri­monial e patrimonial já aqui abordada, o Código Civil confere às pessoas jurídicas a proteção inerente aos direitos da per­sonalidade (art. 52). Justo por isto, a jurisprudência pacificou o entendimento de que a pessoa jurídica pode sofrer danos morais (Súmula 227 do STJ). Logo, mesmo a pessoa jurídica pode ajuizar ação pleiteando danos patrimoniais e/ou mo­rais16.

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Na prova para o cargo de Auditor Federal de Controle Externo - TCU, banca CESPE, ano de 2013, foi tida como incorreta a assertiva: "O dano moral se refere a um prejuízo que atinge o patrimônio incorpóreo de uma pessoa natural, vinculado aos direitos de personalidade, de índole essencialmente subjetiva, razão pela qual não pode atingir a pessoa jurídica".

i6. Para aprofundamento do tema, consultar o volume 1 (Parte Geral), especificamen­te ao capítulo relativo aos direitos da personalidade.

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b) Certeza do dano. Não se indeniza dano hipotético ou abstra­to. O dano há de ser certo quanto a sua existência. Apesar disto, recorda MARIA HELENA D1N1z11não ser necessária a certeza no que tange à sua atualidade e extensão, mas sim no que se relaciona à sua ocorrência. Dano hipotético ou eventual não possibi lita reparação cogente. Este pensamento clássico ensejará, nas próximas l inhas, um grande problema teórico no debate do dano pela perda de uma chance.

e) Subsistência ou atualidade do dano. Por razões de ordem lógica há de ser um dano carente de reparação, ou seja, ainda não indenizado. E mais: dano que existe no momento do ajuizamento da ação. Dano futuro não autoriza reparação cogente. Trata-se da consagração do princípio da operabil i­dade, numa reflexão utilitarista do direito, isto porque não faria sentido algum indenizar alguém que não necessita, no caso concreto, da aludida reparação.

Aprofundando o estudo acerca do tema, passamos a enfrentar tópicos específicos versando das modalidades danosas.

3.2. O Dano Patrimonial ou Material

O dano patrimonial direto consiste na lesão aos bens e direi­tos economicamente apreciáveis de alguém. Afeta o patrimônio do ofendido. É a regra. Hodiernamente, porém, além da sua faceta di­reta, a doutrina afirma existir também um dano patrimonial indi­reto· Conforme vaticina SÉRGIO CAVAUER1 F1LH018, tem-se como possível um dano patrimonial como resu ltado de lesão a interesses ou bens extrapatrimoniais, a exemplo de um modelo que, em função de uma indevida lesão à sua imagem perpetrada por um veículo da impren­sa, perde importantes contratos.

O dano patrimonial subdivide-se, nas pegadas do art. 402 do CC. em um:

17. ln Curso d e Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. 16. e d . São Paulo: Sa­raiva, p. 60.

18. Op. Cit. p. 70.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

a) Dano emergente ou Dano positivo: aqui lo que efetivamente se perdeu . É a diminuição patrimonial sofrida pelo lesado. O que efetivamente se perdeu com a lesão. Sua mensuração é identificada pela diferença - teoria da diferença - entre o patrimônio da vítima antes do ato ilícito e após a conduta. Exemplifica-se com a indenização do valor correspondente ao conserto do carro após colisão; ou, ainda, com as despe­sas do tratamento médico, funeral e luto da família, devidas pelo assassino, por exemplo, à família do falecido (art. 948, 1 do CC).

b) Lucros Cessantes ou Dano Negativo: aqui lo que razoavelmen­te se deixou de ganhar. É o lucro frustrado. Perda do ganho esperado, de um reflexo futuro. O operador do direito, po­rém, deve ter cuidado para não confundir os lucros cessan­tes com o lucro imaginário, hipotético ou remoto. A norma é clara ao informar a necessidade de razoabilidade na afe­rição da existência de tais lucros cessantes. No particular, fora mais feliz o d ireito alemão que, com maestria, conceitua os lucros cessantes como o lucro frustrado que, com certa probabil idade, era de esperar, caso atendido o curso normal das coisas ou às especiais circunstâncias do caso concreto (BGB, § 252).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para Ju iz Federal da 2• região/2009 a alternativa que de­clarava que "lucro cessante corresponde ao ganho que provavelmente i ngressaria no patrimônio do lesado" foi considerada correta.

Assim, nas palavras de lARENz o juiz deve valer-se de um juízo casual hipotético, el iminando o ato i lícito e perquirindo se no curso normal dos acontecimentos tal lucro seria razoavelmente esperado. Trata-se, no dizer de SÉRG10 CAVAUERI F1LH019, de um juízo de probabili­dade objetiva, resultante do desenvolvimento normal dos aconte­cimentos e das circunstâncias do caso, buscando lucros frustrados que tenham relação direta e imediata com a conduta lesiva (art. 403 do CC).

19. Op. Cit. p. 74.

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Neste sentido, confira a ementa da decisão do Tribunal de Justi-ça do Estado do Rio Grande do Sul, ano de 2013:

ACIDENTE DE TRÂNSITO. LUCROS CESSANTES COMPROVADOS. DE­VER DE INDEN IZAÇÃO EVIDENCIADO. I RREGULARIDADE DE REPRE­SENTAÇÃO PROCESSUAL QUE RESTA SANADA ANTE A APRESENTA­ÇÃO DE PROCURAÇÃO. MERA I RREGULARIDADE PROCESSUAL. (. .. ) Restando incontroverso o acidente envolvendo os veículos das partes, bem como haverem sido os danos materiais arcados pela seguradora do demandado, cabia a esta parte un icamente apresentar contraprova a desconstituir o pleito de indenização por lucros cessantes, ônus do qua l não se desincumbiu, a teor do que preceitua o a rt. 333, inc. l i, do CPC. Com provada, através de contrato de loca­ção de veículo juntado aos autos (fls. 30/32), a indisponibi­l idade do automóvel do autor e bem assim o tempo que a mesma perdurou, impõe-se seja ratificada a decisão de primeiro grau. O quantum outorgado, todavia, com porta minoração para RS 12.600,00 porque sobre o valor relativo ao faturamento bruto - RS 18.000,00 -, deve ser aplicado o redutor de 30°/o, relativo às despesas com o veículo pro­priamente ditas, tais como combustível e outros. RECUR­SO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível N° 71004271094, Primeira Turma Recursai Cível, Turmas Recursais, Relator: Marta Borges Ortiz, J u lgado em 03/09/2013).

Exemplificam-se os lucros cessantes com a indenização das di­árias do taxista pelo período em que seu veículo ficou parado, em razão de colisão, assim como a indenização pelos al imentos do de­pendente econômico do falecido, devida pelo agente agressor, no caso de homicídio (art. 948, l i do CC).

Especificamente em relação aos al imentos devidos aos depen­dentes econômicos do falecido, em virtude de assassinato, l imites foram fixados pela jurisprudência para a indenização. I nicialmente, fixa-se o teto de idade em torno dos 73 (setenta e três) anos do falecido, pois esta é a idade ativa; ou de 24/25 anos do dependente, pois é a idade na qual, geralmente, a pessoa passa a ter condições de se prover. Há, porém, uma tendência de majoração dos lim ites em tela, seja em virtude do aumento da expectativa de vida, seja por verberar a Súmula 358 do STJ que a maioridade não é fato ge­rador do término da pensão al imentícia .

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Além disto, o valor da pensão gravita em torno de 2/3 do salá­rio da vítima, multiplicado até o limite de idade supramencionado. Isto se afirma porque a vítima certamente utilizava-se, ao menos, de 1/3 para sua subsistência. Em sendo trabalhador autônomo, consi­dera-se como base de cálculo da remuneração a média de valores recebidos nos últimos 6 (seis) ou 12 (doze) meses.

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JusnÇA?

Este foi o entendimento externalizado pelo STJ no ju lgamento do REsp 97i.721, publicado no I nformativo n° 466, apreciando um caso concre­to da seguinte forma: "O recorrente, fotógrafo profissional especial i ­zado em fotos aéreas, ajuizou ação de danos materiais e morais con­tra a recorrida, sociedade empresária de táxi aéreo, ao fundamento de que, em razão da queda do hel icóptero em que se encontrava, sofreu fraturas e danos psicológicos que o impossibi l itaram de exer­cer seu ofício por mais de 120 dias e o impediram de retomar os trabalhos de fotografia aérea. Nesse contexto, faz jus o recorrente ao recebimento de lucros cessantes, visto que com provadas a reali­zação contínua da atividade e a posterior i ncapacidade absoluta de exercê-la no período de convalescência. Contudo, a pesar de a j u ris­prudência propalar que o lucro cessante deve ser analisado de forma objetiva, a não admitir mera presunção, nos casos de profissionais autônomos, esses lucros são fixados por arbitramento na l iqu idação de sentença e devem ter como base os valores que a vítima, em média, costumava receber. Já a revisão das conclusões das instâncias ordinárias de que a redução da capacidade labora l (25ºb conforme laudo) não o impediria de exercer seu ofício, mesmo que não mais realize fotografias aéreas em razão, como alega, do trauma psicoló­gico sofrido, não há como ser feita sem desprezar o contido na Súm. 7/STJ . Anote-se, por f im, que devem ser a plicados desde a citação os juros moratórios no patamar de o,5ºb ao mês até lo. i .2003 (art. i .062 do CC/1916) e no de 1 ºb ao mês a partir do dia 11 daquele mês e ano (art. 406 do CC/02), pois se cuida de responsabi l idade contratual . Rfsp 971.721, Rei. Min. Luis Salomão, j. 17-3.2011. 4ª T."

E em sendo a vítima o filho menor, os pais poderiam pleitear indenização por lucros cessantes?

Que fique claro: a questão di rige-se aos lucros cessantes por ser pacífico o entendimento acerca dos danos emergentes. De fato, o falecimento de um fi lho é capaz de ocasionar graves prejuízos juridicamente aferíveis, tanto no campo material, como no moral.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Portanto, o entendimento é pela possibilidade do pleito de da­nos negativos, ao passo que é muito usual ao fi lho menor ajudar nas economias do lar.

Diga-se que a possibi l idade do pedido em questão permanece até mesmo ante o falecimento do fi lho menor que não exerces­se função remunerada, posto ser possível, no futuro, que viesse a exercê-la. Neste sentido, afirma a Súmula 491 do STF ser indenizável o acidente que causa a morte do fi lho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No que se refere à l iquidação das obrigações decorrentes da respon­sabil idade civil, a prova para Procurador - BACEN, banca CESPE, ano de 2013, considerou correta a afirmativa: "O fato de ser a vítima de acidente de trânsito menor impúbere e não exercer atividade labora­tiva não constitui impedimento para o recebimento da correspondente indenização se houver a diminuição da capacidade para o trabalho".

No caso do fi lho menor, subsiste o parâmetro de 2/3 do valor do salário. Em relação à idade, entende-se que a verba será devida até os 24/25 anos, momento em que, provavelmente, o fi lho passa a contribu ir com as despesas do seu próprio lar (REsp. 302.298/MG. 4• Turma. Rei. Min . Sálvio de Figueiredo Teixeira). Há, porém, enten­dimentos isolados do STJ informando que após os 25 anos persiste a verba devida à família, agora na razão de i/3. Isto porque mesmo que o fi lho falecido tenha despesas próprias, geralmente perma­nece ajudando o núcleo famil iar originário, ainda que em menor proporção (REsp 598.327/PR. Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior. Quarta Turma. J . i6. 10.2007. p. 369).

Persistindo na análise dos lucros cessantes, se a decisão orde­nar um pensionamento mensal - como no caso do homicídio narra­do nos parágrafos anteriores - é possível a utilização do art. 495-Q do CPC, segundo o qual o magistrado pode ordenar a constituição de um capital - representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial -, ou, até mesmo, a in­clusão do beneficiado em folha de pagamento, prestação de fiança bancária, garantia real (hipoteca, penhor, anticrese), tudo visando garantir o decisum.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para Ju iz Substituto do TRT 4• Região/2012 foi considerada inverídica a seguinte assertiva: "Ao arbitrar indenização decorrente de responsabilidade civil, no caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações, na prestação de al imentos às pessoas a quem o morto os devia, a serem pagos até a morte dos al imentados."

Nesse sentido, informa a súmula 313 do STJ que em ação de indenização, procedente o pedido, será necessário constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado.

Estas medidas consagram o princípio da efetividade da jurisdi­ção e da segurança jurídica.

Contudo, sendo uma prestação al imentar mensa l, se submeterá à cláusula rebus sic stantibus· Leia-se: havendo alteração das con­dições econômicas é possível o pleito de redução ou majoração de valores. Tal conduta é autorizada pelos artigos 471, 1 e 602, §3° do CPC. De fato, nas relações jurídicas continuativas é possível a revi­são, caso haja modificação no seu estado de fato ou de direito. Já o artigo 602 do CPC autoriza tal modificação em situações nas quais haja alteração econômica.

São hipóteses nas quais a vedação ao enriquecimento sem cau­sa e o conceito da função social da empresa devem ser ponderados com a efetividade e segurança jurídica.

Em relação ao tema, SÉRG10 CAVALJER1 F1LHo'°veicula interessante exemplo da sua atividade. Um jovem estudante de direito havia sido baleado na cabeça, por equívoco, em uma Blitz policial. Por conta disto, restou absolutamente incapaz. o Estado fora condenado a indenizá-lo mediante pensão mensal. Cerca de is (quinze) anos após o fato, ainda percebendo o valor mensal, o jovem estava ad­vogando normalmente no foro, em vista da melhora do quadro. Trata-se de um caso claro de necessidade de revisão dos valores, pois a incapacidade absoluta fora temporária.

20. Op. Cit. p. 116/117.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEI REDO

� Atenção!

Malgrado estarmos tratando de al imentos, não é possível nos casos narrados acima a prisão civi l . Isto porque o fato gerador é obrigacional (responsabil idade civil). Prisão civil apenas é cabível ao devedor de al imentos em função de relação familiar (parentesco, união estável ou casamento). Este é o entendimento majoritário na doutrina e jurispru­dência.

Retomando o tema danos materiais, em seu sentido mais am­plo, o direito francês denomina os danos emergentes e os lucros cessantes de danos e interesses. Nós, no Brasil, chamamos de per­das e danos. Por isto é corriqueira a ação com pleito de perdas e danos, tratando do dano emergente e dos lucros cessantes.

Danos emergentes e lucros cessantes haverão de ser devida­mente comprovados, pois, como visto, não se indeniza o dano hipo­tético. Destarte, apenas são incluídos nos danos emergentes e nos lucros cessantes os prejuízos diretamente e imediatamente decor­rentes da conduta i lícita (art. 403 do CC). Há de existir, assim, relação de causalidade direta e imediata entre a conduta e o prejuízo. Tal temática será retomada na análise do terceiro elemento: o nexo de causal idade.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

A resposta declarava que "as perdas e danos mesmo que resultantes de dolo do devedor, só i ncluem os prejuízos efetivos e os lucros cessan­tes por efeito direto e imediato da inexecução" foi a assertiva conside­rada correta no concurso para Procurador do TCE-R0/2010.

Para alguns autores, a exemplo de CARLOS RosERTO GoNÇALvEs21, em um rigor técnico o dano material é ressarcido, pois há o pagamento de todo o prejuízo material sofrido, englobando as perdas e danos (danos emergentes, lucros cessantes e correções). Porém, boa parte da doutrina, bem como das provas, utiliza-se da expressão ressarci­mento ou reparação, como lembra FLÃv10 TARTUCE22•

2i. ln Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. Vol. IV. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 358.

22. Op. Cit. p. 377.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

3.3. A Perda de urna Chance

Emblemático caso, no Brasil, da aplicação pelos tribunais da res­ponsabi l idade civil pela perda da chance girou em torno do progra­ma televisivo show do milhão, quando a participante foi submetida a uma pergunta (a pergunta do mi lhão) irrespondível. A cand idata, ao perceber que a pergunta não possuía resposta correta alguma, ingressou com ação judicial e obteve ganho de causa em todas as instâncias, inclusive no SUPERIOR TRIBUNAL DE ]USTIÇA23•

A teoria da perda de urna chance nasceu nos idos da déca­da de 60 (sessenta), no d ireito francês, com o escopo de buscar ressarcimento naquelas situações em que a conduta do lesante reti ra da vítima uma oportunidade séria e real de chance futura. Trata-se, hoje, de mais uma modal idade de dano indenizável . São exemplos a perda de prazo de um recurso jud icial, a frustração da chance de progressão na carreira, da oportunidade de emprego, de concorrer a um d eterminado valor, da cura de uma doença . . .

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para Ju iz Federal do TRF-3• região/2011 foi apresentado o seguinte caso hipotético: "Considerando demanda promovida pela União contra advogado de seus quadros que perdeu o prazo para in­terpor recurso contra decisão desfavorável em mandado de segurança e permitiu o trânsito em ju lgado da referida decisão", questionando-se, a partir desta hipótese, sobre o teor da sentença, sendo correta a se­guinte assertiva: "A reparação devida em razão da procedência da ação deverá abranger danos materiais atinentes à possibilidade de sucesso perdida pela não observância do prazo recursai".

Ainda neste sentido, em concurso para Advogado da EBC/2011 a asserti­va que declarava que "em ação ajuizada contra determinada empresa, por meio da qual se pretendia reparação de danos, o advogado consti­tuído para a defesa da ré perdeu o prazo para a contestação, tendo a empresa sido condenada à revelia. Nesse caso, a responsabilização civil do advogado perante a empresa demandada dar-se-á nos termos da teoria da perda de uma chance ("perte d'une chance"), que dá suporte à responsabilização objetiva do agente causador do prejuízo pelos da­nos emergentes ou lucros cessantes" foi considerada verdadeira.

23- REsp. 788.459-BA. Julgado em 08.01.2005.

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A matéria já vem sendo anal isada nos tribunais superiores. O SUPERIOR TRIBUNAL DE J USTIÇA, por exemp lo, possui decisões importantes onde tratou da responsabi l idade civil pe la perda da chance. No I nformativo n . 466 a SEGUNDA TuRMA daque la Corte entendeu não ser apl icável a teoria da perda da chance ao candidato que p leiteia indenização por ter sido excluído de concurso públ ico a pós repro­vação no exame psicotécnico, sob o fundamento de que a chance há de ser séria real e que proporcione ao candidato efetiva condição pessoa Í d e concorrer com êxito . Naquele caso, o candi­dato havia s ido aprovado apenas na primeira fase do certame, não sendo possível estimar sua probabi l idade de aprovação final dentro do número de vagas ofertadas pelo Edital'4•

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para a ABIN/2010 foi considerada verdadeira a seguinte assertiva: "A teoria da perda da chance é adotada em tema de res­ponsabilidade civil, sendo aplicada quando o dano é real, atual e certo, com base em juízo de probabil idade, e não, de mera possibilidade".

Questão curiosa também foi debatid a no SuPERIOR TRIBUNAL DE Jus­nçA sobre a perda da chance de purgar a m ora. No caso, a parte q uestionava a ausência de i ntimação pessoa l sobre a ocorrência de u m le i lão extrajudicial d o imóvel em que residia e, por conse­quência, a perda da chance de purgar a mora. Entendeu-se neste julgado que a chance de purgar a mora era inexpressiva e remota ante o comportamento das partes ao longo do processo, a evi­denciar a falta de i nteresse dos mesmos em quitar as prestações em atraso'5.

Já existem indicativos no SUPERIOR TRIBUNAL DE JuST1ÇA acerca da possi­bi l idade de dano moral pela perda da chance do advogado que não apresenta contestação nos autos de um processo'6 e pela perda da chance da disputa de uma eleição municipal por conta de veiculação

24. AgRg. 1.220.911-RS. Julgado em 17.7.2011. 25. REsp. i.n5.687-SP. Julgado em 18.1i.2010. 26. REsp. u90.180-RS. Julgado em 16.1 1.2010. Apesar da Corte anular o julgado por

reconhecer julgamento extra petita, houve o indicativo da possibilidade de dano moral pela perda da chance no caso.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

de falsa notícia jornalística na véspera da disputa, invocando, inclu­sive, precedentes neste sentido27•

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA?

Encontra-se este entendimento do STJ corroborado pelo ju lgado trazido no Informativo n° 456 da Casa de Justiça: "A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabi lização do agente causa­dor não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibi­lidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcança ria, não fosse o ato i lícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente f luida ou hipotética - é considerada uma lesão às j ustas expectativas frustradas do indivídu o, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos in­terrompido por ato ilícito de terceiro. Em caso de responsabi l idade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negli­gentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibil idades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. É absolutamente necessá­ria a ponderação acerca da probabil idade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa. REsp u90. 180, rei. Min. Luis F. Salomão, j. 16.1i. 10. 4• T".

Tem-se do mesmo órgão o ju lgado: Danos materiais. Promoção publicitária de supermercado. Sorteio de casa. Teoria da perda de uma chance.

A Turma, ao acolher os embargos de declaração com efeitos modificativos, deu provimento ao agravo e, de logo, julgou parcialmente provido o recurso especial para condenar o recorrido (supermercado) ao pagamento de danos materiais à recorrente (consumidora), em razão da perda de uma chance, uma vez que não lhe foi oportunizada a participação em um segundo sor­teio de uma promoção publicitária veiculada pelo estabelecimento comercial no qual concorreria ao recebimento de uma casa. Na espécie, a promoção publicitária do supermercado oferecia aos concorrentes novecentos vales­-compras de RS ioo,oo e trinta casas. A recorrente foi sorteada e, ao buscar seu prêmio - o vale-compra -, teve conhecimento de que, segundo o regu­lamento, as casas seriam sorteadas àqueles que tivessem sido premiados com os novecentos vales-compras. Ocorre que o segundo sorteio já tinha

27. REsp. 82i.004-MG.

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sido realizado sem a sua participação, tendo sido as trinta casas sortea­das entre os demais participantes. De início, afastou a min. rei. a repara­ção por dano moral sob o entendimento de que não houve publicidade enganosa. Segundo afirmou, estava claro no bilhete do sorteio que seriam sorteados 930 ganhadores - novecentos receberiam vales-compra no valor de RS 100,00 e outros trinta, casas na importância de RS 40.000,00, a ser depositado em caderneta de poupança. Por sua vez, reputou devido o ressarcimento pelo dano material, caracterizado pela perda da chance da recorrente de concorrer entre os novecentos participantes a uma das trinta casas em disputa. O acórdão reconheceu o fato incontroverso de que a recorrente não foi comunicada pelos promotores do evento e se­quer recebeu o bilhete para participar do segundo sorteio, portanto ficou impedida de concorrer, efetivamente, a uma das trinta casas. Conclui-se, assim, que a reparação deste dano material deve corresponder ao paga­mento do valor de 1/30 do prêmio, ou seja, 1/30 de RS 40.000,00, corrigidos à época do segundo sorteio. EDcl no AgRg no Ag i . 196.957, rei. Min . Maria 1. Gallotti, j. 10.4.2012. 4' T. (lnfo 495)"

O Enunciado 443 da V Jornada de Direito Civil adverte: "a res­ponsabi l idade pela perda da chance não se l imita à categoria dos danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza de dano patrimonial, desde que séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos".

Da leitura dos ju lgados acima, observa-se que a jurisprudência está sendo construída no sentido de reconhecer o dever de reparar apenas se a chance for séria e real, falando-se em uma análise pautada no princípio da razoabil idade. São indenizados os prejuízos decorrentes da perda da chance, sejam perdas de ordem patrimo­nial ou extrapatrimonial .

Exem plifica-se, ainda, com o paciente que tem frustrado pelo seu médico a oportunidade de tratamento de uma determinada do­ença. Não se busca indenização pela cura. Esta, infelizmente, não é certa. A busca, porém, é de reparação pela perda da oportunidade séria e real do tratamento. Nas acertadas palavras de SÉRG10 CAvAuER1 F1LH028 não se indeniza a continuidade da vida, mas sim a perda da chance da cura naquela oportunidade.

28 . Op. Cit. p. 75.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

3.4. O Dano Extrapatrimonial ou Imaterial

Nos d ias de hoje dúvidas não pairam acerca da possibi l idade de reparação do dano extrapatrimonial ou de sua cumu lação com outros danos, ante o pi lar da eticidade no Código Civi l . Condutas antiéticas, afrontosas à moral, haverão de ser punidas. A grande d iscussão que persiste, porém, estaria em conceituar o dano moral .

Nesta senda, até mesmo em função de ser o estudo em apreço uma sinopse, objetivando a aprovação no mais diversos certames concursais, não pretendemos explorar o histórico da (ir)reparabili­dade do dano moral no Brasil, desde a sua impossibi l idade, perpas­sando pela vedação da cumulação com outros danos, até os dias de hoje. O tema é instigante, porém, ante a sua hodierna pacificação, não vem sendo objeto de provas. O que se questiona é o conceito de dano moral e sua forma de reparação. Este será o foco do nosso estudo.

Buscando um conceito sobre dano extrapatrimonial é possível encontrarmos na doutrina as mais d iversas linhas. Uma primeira, negativa, informa que é moral o dano que não for patrimonial . Ou­tros partem para um conceito positivo, aduzindo ser extrapatrimo­nial o dano que ocasiona dor, sofrimento, angústia, desconforto e humi lhação.

De fato, nos parece que nesta busca de conceitos assiste razão a SÉRc 10 CAvAurn1 F1LH029 ao lembrar que hoje a dignidade da pessoa humana (art. 1°, I l i da CF/88) é a cláusula geral de tutela da perso­nalidade, sendo a sua lesão, portanto, apta a caracterizar o dano extrapatrimonial (Enunciado 274 do CJF)3º.

Assim, o dano extrapatrimonial é o prejuízo ou lesão a d ireitos tutelados desprovidos de valor econômico imediato, cujo conteú­do não é pecuniário e nem comercialmente reduzível a dinheiro, a exemplo dos direitos da personal idade (honra, nome, imagem . . . ). Atinge a pessoa do ofendido, lhe acarretando dor, sofrimento, tris­teza, vexame e humi lhação.

29. Op. Cit . p. 76. 30. Sobre o tema remete-se o leitor ao capítulo de direitos da personalidade, no

volume de parte geral.

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Que fique claro: dor, sofrimento, tristeza, vexame, angústia e humi lhação são as consequências do dano, não o dano em si. Nada impede, por conseguinte, o reconhecimento da ocorrência de dano moral em face de pacientes em estado comatoso, doentes mentais, crianças de pouca idade e todas as outras casuísticas nas quais a vítima não é dotada de autodeterminação plena.

O Enunciado 445 da V Jornada de Direito Civil reconheceu que o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verifi­cação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofri­mento.

Em sendo a dignidade da pessoa humana u ma cláusula geral e os direitos da personalidade exemplificativos, impossível enunciar todas as hipóteses de configuração de danos extrapatrimoniais, pois é im possível elencar todos os direitos da personalidade. Tais danos, portanto, são de casuística infinita.

Registra-se que o dano imaterial em comento não necessita oca­sionar reflexos materiais. Caso estes existam, o dano não será extra­patrimonial, mas sim patrimonial indireto, conforme já estudado no tópico de danos patrimoniais.

Não se deve confundir o dano extrapatrimonial com o abor­recimento comezinho, do dia a dia. A vida pós-moderna é cheia de dissabores, desgostos, desilusões. E estas, não necessariamente, são decorrentes de um dano moral. Neste sentido, afirma Antônio Chaves que: "Propugnar pela mais ampla ressarcibilidade do dano mo­ra l não implica no reconhecimento de todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor próprio pretensa­mente ferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro roçar de asas de uma borboleta, mimos, escrúpulos, delicadezas excessivas, ilusões insig­nificantes desfeitas, possibilitem sejam extraídas da caixa de Pandora do Direito, centenas de milhares de cruzeiros31".

No mesmo sentido é que se pronuncia o CJF, no seu Enunciado 159, ao afirmar que o dano moral não se confunde com os meros aborrecimentos decorrentes de prejuízo material .

31. l n Tratado de Direito Civil. Volume XI I , Tomo. l i, p . 543.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O ju lgador afere a (in)ocorrência do dano imaterial a partir da lógica do razoável, em busca de padrões sociais. Engarrafamentos, discussão familiar, dissabores amorosos, não devem ser capazes de ocasionar danos imateriais, a inda que a vítima tenha uma sensibil i­dade diferenciada. São fatos do dia a dia. Não é possível banalizar o dano moral.

Assim como o dano material, o imaterial pode ser direto ou

indireto. No direto há uma específica lesão a um direito da perso­nalidade, a exemplo de uma lesão à imagem. Já no indireto há uma lesão a um bem ou i nteresse de natureza patrimonial que, de modo reflexo, produz um prejuízo extrapatrimonial, como o furto de um bem de valor sentimental ímpar.

Mas, então, questiona-se: o descumprimento contratual é apto a ocasionar danos morais?

A resposta, em regra, é negativa. Geram, sim, danos materiais. Nada impede, porém, que em casos específicos o descumprimento venha acompanhado de uma lesão moral, possibi litando a cumula­ção de pedidos. Este vem sendo o entendimento do STJ.

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA?

O SUPERIOR TRIBUNAL oE JusnÇA posiciona-se reiteradamente no sentindo de que o mero descumprimento contratual não é capaz de gerar danos extra­patrimoniais, salvo se acompanhado de uma lesão imaterial específica:

DANO MORAL. PLANO. SAÚDE. COBERTURA PARCIAL INADIMPLEMENTO CONTRATUAL.

Trata-se de recurso especial contra acórdão que, ao manter a sentença, afas­tou o dever de indenizar por danos morais decorrentes da cobertura apenas parcial de procedimento cirúrgico com colocação de srents. Aquele aresto considerou que o inadimplemento contratual caracteriza mero dissabor não sujeito à indenização por danos morais. A Turma negou provimento ao re­curso sob o entendimento de que o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Assim, o inadimplemento motivado pela discussão razoável do descumprimento de obrigação contratual não enseja tal dano, salvo a existência de circunstâncias particulares que o configurem. Observou-se ser certo que há situações nas quais o inadimplemento contratual enseja aflição psicológica e angústia, o que é especialmente frequente em caso de recusa de tratamento médico por empresa privada operadora de seguro de saúde. Entretanto, no caso em questão, a cirurgia foi realizada sem percalços, mas apenas parte do valor da conta do hospital foi coberta, recusando-se o

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plano de saúde ao ressarcimento da parte paga pelo assistido, ou seja, o valor do implante dos stents foi coberto apenas parcialmente. Desse modo, a partir das circunstâncias de fato delineadas no acórdão recorrido, concluiu­-se que o inadimplemento contratual por parte da entidade operadora do plano de saúde, na hipótese, teve consequências apenas patrimoniais, não proporcionando ao recorrente abalo caracterizador de dano moral. Prece­dentes citados: AgRg no REsp u32.821-PR, DJe 29/3/2010, e REsp 746.087-RJ, DJe lº/6/2010. REsp i.244.781-RS, Rei. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 24/5/2011.

DANO MORAL. RECUSA INJUSTA. P�NO. SAÚDE.

A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, entendeu, entre outras questões, que dá ensejo à indenização por dano moral a injusta recusa da cobertura securitária por plano de saúde, uma vez que a conduta agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, o qual, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em situação de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada. Precedentes citados: REsp i.067.719-CE, D)e 5/8/2010, e REsp 918.392-RN, D)e 1°/4/2008. REsp 1.190.880-RS, Rei. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/5/2011.

Igualmente não são fatos geradores de danos extrapatrimoniais as condutas atinentes a exercício regular de d ireito, como revista de passageiros em aeroportos, guarda-volumes em supermercados, protesto de título por ausência de pagamentos. O tema já fora tra­tado no capítulo de excludentes de responsabil idade civil, ao ser abordado o exercício regu lar de d ireito (vide digressões real izadas no capítulo específico). Lembre-se, apenas, que o excesso no exercí­cio regular haverá de ser punido como abuso de d i reito, ensejando responsabil idade objetiva (art. i87 do CC).

Retomando o conceito do instituto, muitos autores preferem a denominação dano moral, ao revés de extrapatrimonial ou imaterial. Todavia, esta nomenclatura carece de rigor técnico, pois o dano ex­trapatrimonial pode ter várias facetas, englobando o dano à imagem, honra (moral), estético, ao nome, à privacidade, etc. A enumeração é exemplificativa, como posto e à luz do princípio da operabil idade do direito civil . Desta forma, melhor saída é do direito Português que denomina o dano de extrapatrimonial. Todavia, diante da corriqueira utilização da expressão dano moral no Brasil, esta será utilizada ao lado de extrapatrimonial e imaterial como sinônimas.

A jurisprudência e a doutrina afirmam ser possível a constata­ção de um dano moral puro ou in re ipsa (REsp. 23.575/DF. Rei. Min .

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Cesar Asfor Rocha. RSTJ 98/270). Trata-se de dano que dispensa di­lação probatória, pois presumido . Tem como importante exem plo a Súmula 403 do STJ , segundo a qual independe de prova do prejuízo indenização pela publ icação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. Isto porque há um dano presu­mido, haja vista a final idade comercial e a ausência de autorização. Há, até mesmo, julgamento deferindo indenização pela indevida uti­lização, com fins comerciais, de imagens de Garrincha e Pelé (REsp. 7 4.476/RJ. 4ª Turma. Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

� Como entendeu o Superior Tribunal de Justiça? • Assim, verbera o Superior Tribunal de Justiça na sua Súmula 403: "a veiculação da imagem, para fins comerciais, sem a autorização, gera dano presumido". Tal dano presumido consiste no dano moral puro ou in re ipsa, como visto anteriormente.

Exemplificando o dito, entendeu o STJ que: "Ainda que se trate de pes­soa pública, o uso não autorizado da sua imagem, com fins exclusiva-1)1ente econômicos e publicitários, gera danos morais.". REsp i.102.756, rei. Min. Nancy Andrigui, j. 20.1i.2012. 3ª T. (/nfo 509)

E mais: entendeu o STJ, no Informativo 516, também ensejar indenização por danos morais a divulgação da imagem sem autorização ainda que sem fins lucrativos:

"DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS PELO USO NÃO AUTORIZADO DA IMAGEM EM EVENTO SEM FINALIDADE LUCRATIVA. O uso não autorizado da imagem de atleta em car­taz de propaganda de evento esportivo, ainda que sem finalidade lucrativa ou comercial, enseja reparação por danos morais, independentemente da comprovação de prejuízo. A obrigação da reparação pelo uso não autoriza­do de imagem decorre da própria utilização indevida do direito personalís­simo. Assim, a análise da existência de finalidade comercial ou econômica no uso é irrelevante. O dano, por sua vez, conforme a jurisprudência do STJ, apresenta-se in re ipsa, sendo desnecessária, portanto, a demonstração de prejuízo para a sua aferição". (REsp 299.832-RJ, Rei. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/2/2013).

O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao nome, posto que o artigo i8 do Código Civil exige autorização para sua veicu lação com final idade comercial.

Seguindo em uma pesquisa jurisprudencial no STJ é possível verificar uma prela de julgamentos entendendo pela existência de dano moral in re ipsa nas hipóteses de negativação indevida do

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consumidor nos órgãos de proteção ao crédito (SPC e SERASA). In­teressante, porém, que conforme a Súmula 385 do mesmo STJ a anotação irregu lar em cadastro de proteção ao crédito não ocasiona indenização por dano moral quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito de cancelamento. Isto porque não haverá o dano da restrição caso esta subsista, de forma legítima, em função de ato anterior.

Diante de um dano imaterial tem-se como impossível a repara­ção natural, visto que a mora l lesionada jamais poderá ser restabe­lecida. É impossível o retorno ao status quo ante. Assim, afirma CARLOS RoBERTO GoNÇALvEsi2, em um rigor técnico, o dano moral compensado pecuniariamenteii e não reparado.

Ainda em rigor técnico, a verba adimpl ida a título de compensa­ção pelo dano moral não poderia ser denominada de indenização. Isto porque indenizar significa el iminar o prejuízo e as consequên­cias do dano, o que não é possível na esfera moral . O valor pago pelo lesante, na casuística do dano moral, não tem como escopo ressarcir, mas sim gerar u ma satisfação compensatória ao ofendido.

Jurisprudencialmente, porém, de forma corriqueira utiliza-se da expressão indenização para contemplar a verba compensatória re­lativa aos danos morais. Por isto, ainda diante do d ito acima, iremos nos utilizar da expressão em comento.

Seguindo com CARLos RosERTo GoNÇALvEs34, o caráter jurídico da indeni­zação por danos morais contempla tanto a compensação da vítima, como a punição do ofensor. É o que já defendia, há muito, ORLANDO GoMEs, informando ser a reparação do dano moral uma sanção mate­rializada através de uma com pensação pecuniária. Este é o mesmo raciocínio de MARIA HELENA D1N1z35 ao afirmar que tal indenização tem o caráter penal/punitivo ao ofensor e satisfatório/compensatório ao lesado.

32 . ln Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. Vol. IV. 5. ed . São Paulo: Saraiva, 2010, p. 358.

33. No mesmo sentido PABLO SroLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA FILHO. Op. Cit. p. 76. 34. ln Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. Vol. IV. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

2010, p. 395. 35. ln Op. Cit. p. 308.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O Enunciado 446 da V Jornada de Direito Civil, de certa forma, afirma isto. Ali se entendeu que a responsabil idade civil prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do CC deve levar em consideração não apenas a proteção da vítima e a atividade do ofensor, mas também a prevenção e o interesse da sociedade.

Certo, porém, que tal caráter punitivo é meramente reflexo ou indireto, ao passo que, como d ito, o norte no d ireito brasileiro para a responsabil idade civil é a reparação integral do dano, e não a punição do responsável. Esta, porém, por vezes acaba acontecendo, em verdadeira busca do desestímulo na reincidência na conduta. Nessa esteira, afirma o CJF no seu Enunciado 379 que o art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibi l idade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabil idade civi l .

A indenização do dano extrapatrimonial não traduz o preço para a dor (pretium doloris). Esta é irreparável. O que se busca é uma compensação pelo fato gerador daquela. Tal indenização não tem o condão de ocasionar uma restituição integral. Isto é impossível em danos imateriais. A função da indenização em apreço é satisfatória para a, vítima, ao' lado de uma indiret\a punição do lesante.

E quanto à legitimidade ativa? É apenas do ofendido ou também de seus parentes?

O Código Civil brasi leiro, malgrado afi rmar a transmissibilidade da obrigação de indenizar (art. 943 do CC), não elenca quem poderá realizar o p leito compensatório caso o lesado venha a falecer antes do aju izamento da ação. o STJ vem posicionando-se no sentido de que caberá ao autor comprovar a pertinência do pedido em tela, sendo possível, por exemplo, irmãos e pais pleitearem tais danos (REsp 160. 125/DF. Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. REsp 122.573/ PR. Rei. Min . Eduardo Ribeiro).

E a pessoa jurídica, pode sofrer dano moral?

O tema fora objeto de tratamento no nosso volume 1, ao tratar do assunto d ireito da personalidade.

o art. 52 do Código Civil estende,no que couber, a proteção dos direitos da personalidade às pessoas j u rídicas. I nfere-se, por conseguinte, que os d i reitos da personal idade foram criados para

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as pessoas físicas, havendo uma aplicação elástica e casu 1st1 ca, tão somente da sua proteção, naqui lo que couber, às pessoas jurídicas.

Impossível, por exemplo, a extensão de proteção do pilar da integridade física, pois a estrutura corpórea é exclusividade da pessoa humana. I dem sobre a imagem voz, ou honra subjetiva. Apesar d isto, não se ignora que um estabelecimento pode sofre destruição.

Pode-se falar, porém, de proteção à personalidade da pessoa jurídica em relação ao nome, imagem atributo, privacidade (segre­do de empresa), dentre outros.

Em relação ao nome, lembra FÁBIO LiLHOA COELHO, deve-se distinguir sua proteção, enquanto direito da personalidade, de sua tutela em­presarial.

o nome empresarial - designação adotada por uma sociedade empresária - está protegido de imitações. O registro da sociedade empresária na j unta Comercial assegura-lhe exclusividade na base territorial do respectivo Estado (Código Civil, artigo n66). É possível, ainda, a extensão da proteção, a pedido dela, perante as juntas Comerciais dos demais Estados, com vistas a assegurar a exclusivi­dade nacional.

A tutela acima referida, porém, não se confunde com a do nome enquanto direito da personalidade. Quando a lei estende ao nome da pessoa jurídica a proteção dos direitos da personalidade, isso significa que ninguém pode inseri-lo em publicações ou represen­tações que o exponham ao desprezo público, ainda que não haja intenção d ifamatória (art. 17, CC), nem usá-lo, sem autorização, em propaganda comercial (art. 18, CC).

Referindo-se à imagem, é lugar comum notícia de proteção ao aspecto atributo, afinal as pessoas jurídicas costumam ter uma qua­lificação social, seja positiva, ou negativa. Destarte, FÁBIO LiLHOA CoELHo vai além, afirmando necessidade de proteção à imagem retrato, ao passo que há em presas que se notabilizam por uma determinada forma de apresentação, sendo possível, deste modo, impedir re­presentações de espaços físicos que a identifiquem de modo parti­cular seja utilizado contra os seus interesses.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Seguindo com a proteção relativa à pessoa jurídica, é possí­vel afirmar tutela à privacidade, chamada no Direito Empresarial de segredo de empresa. As informações privadas da empresa não devem ser difundidas: integram sua intimidade. Contempla a regra as movimentações bancárias, plani lhas de custos, perdas e ganhos, entre outras situações aferíveis no caso concreto.

A tutela da privacidade é mais am pla do que àquelas referentes à repressão da concorrência desleal por exploração de segredo da empresa. A pessoa jurídica pode impedir a d ifusão de informações que repute privadas, mesmo que inexista exploração econômica ou vantagem de qualquer espécie por terceiros.

No que se relaciona à honra, restringe-se a proteção à objetiva (reputação social), sendo inviável sustentar uma honra da pessoa jurídica em relação a si mesma (subjetiva). De certo modo, inegável a aproximação com a tutela da imagem atributo.

� Como se posicionou o STJ acerca do tema?

No que diz respeito à incidência do dano mora l à pessoa jurídica, no REsp 1.298.689, o STJ firmou o seguinte posicionamento: "Pessoa jurídi­ca pode sofrer dano moral, mas apenas na hipótese em que haja fe­rimento à sua honra objetiva, isto é, ao conceito de que goza no meio social. Embora a Súmula 227/STJ preceitue que "a pessoa jurídica pode sofrer dano moral", a aplicação desse enunciado é restrita às hipóte­ses em que há ferimento à honra objetiva da entidade, ou seja, às si­tuações nas quais a pessoa jurídica tenha o seu conceito social abalado pelo ato ilícito, entendendo-se como honra também os valores morais, concernentes à reputação, ao crédito que lhe é atribuído, qual idades essas inteiramente aplicáveis às pessoas jurídicas, além de se tratar de bens que integram o seu patrimônio. [ . . . ] O dano mora l para a pessoa jurídica não é, portanto, o mesmo que se pode imputar à pessoa na­tural, tendo em vista que somente a pessoa natural, obviamente, tem atributos biopsíquicos. O dano mora l da pessoa jurídica, assim sendo, está associado a um "desconforto extraord inário" que afeta o nome e a tradição de mercado, com repercussão econômica, à honra objetiva da pessoa jurídica, vale dizer, à sua imagem, conceito e boa fama, não se referindo aos mesmos atributos das pessoas naturais". REsp l.298.689, rei. Min. Castro Meira, j. 23.10.2012. 2• T. (lnfo 508)

Já quanto à pessoa jurídica de direito púbico, entendeu a 4• Turma do STJ, em decisão proferida no ano de 2013, não ser possível a mesma

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pleitear, contra particular, indenização por dano moral relacionado à violação da honra ou da imagem. E afirmou o Ministro Relator Luís Fe­lipe Salomão:

"Eventuais ataques ilegítimos a pessoas jurídicas de direito público podem e devem ser solucionados pelas vias legais expressamente consagradas no ordenamento, notadamente por sanções administrativas ou mesmo J?enais; soluções que, aliás, se harmonizam muito mais com a exigência constitu­cional da estrita observância, pela administração pública, do princípio da legalidade, segundo o qual não lhe é dado fazer nada além do que a lei expressamente autoriza" (REsp i.258-389-PB, Rei. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013).

Titularizando a proteção dos direitos da personal idade é possí­vel falar-se que a pessoa jurídica pode ser lesada nesta proteção, podendo, por conseguinte, sofrer dano moral, na forma da súmula 227 do STJ · Exemplo corriqueiro na jurisprudência do próprio STJ é o deferimento de danos morais por protesto indevido de título da empresa e sua indevida inscrição no CADIN (Cadastro de lnadimplen­tes). Trata-se de clara lesão a honra objetiva e a imagem atributo da em presa, havendo, por vezes, até prejuízos de ordem material i ndireta, como a perda de uma chance de participar de licitações, ou perda de contratos.

Todavia, assim como ocorre com as pessoas físicas, o mero dis­sabor não enseja indenização por danos morais para as pessoas ju­rídicas. Vejamos o julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no ano de 2013:

ADMINISTRATIVO. DANO MORAL. DANOS EMERGENTES. DESCABl­MENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. (. . . ) Mero dissabor que, se por um lado não deve ser encarado como normal à ativi­dade comercial, não implica, por outro, vexame tal que aba­le, per se, a ponto de justificar a indenização em virtude de prejuízo extrapatrimonial, a credibi l idade, no mercado, da Pessoa Jurídica vitimada. (TRF-4 - AC: 50289504820114047000 PR 5028950-48.201i.404.7000, Relator: LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Data de Ju lgamento: 05/12/2013, QUARTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 06/12/2013).

Por fim, im perioso ressa ltar que há críticas à aplicação elás­tica dos direitos da personalidade à pessoa jurídica, posto que o escopo da tutela da personal idade é a promoção da d ignidade

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

da pessoa humana. Esta, por óbvio, não se ap l ica às pessoas ju rídicas. Assim, o correto é informar que a pessoa jurídica pos­sui a proteção dos d ireitos da personal idade, ao revés de sua titu laridade . Esta consideração é real izada por ARRUDA ALVIM e W1LsoN ALVES. Nesta l inha, afirma o Enunciado 286 do CJF que "os direitos da persona lidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa huma­na, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos".

Na mesma l inha de pensamento, aduz GusTAvo TEPED1No que a cria­ção dos d ireitos da personalidade deverá contemplar as pessoas físicas, em uma visão de repersonal ização e despatrimonial ização do direito civil. Vai além o doutrinador, afi rmando que os danos sofridos pela pessoa jurídica são sempre materiais, pois possuem reflexos patrimoniais. Logo, se houver uma afronta a seu segredo, isto terá impactos em suas relações, ocasionando perdas financei­ras. Caso o dano seja a uma em presa sem finalidade lucrativa, ain­da segundo o autor, não haverá uma afronta imaterial, mas sim um dano institucional, pois não há como lesionar uma moral inexistente.

Como será definido o valor da indenização do dano moral no Brasil?

Há muito resta ultrapassada a ideia de uma tarifação da inde­nização por dano moral. Desde a época da Lei de Im prensa que o STJ sumulou entendimento acerca da impossibi l idade de prévia fixação do valor do dano. Neste sentido, aduz a Súmula 281 que a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de lmprensai6•

Por conta da súmula em comento, inclusive, que é afastado no Brasil a aplicação do Pacto de Varsóvia, o qual fixa parâmetros pré­vios de indenização na hipótese de extravio de bagagem.

Predomina, diuturnamente, o critério do arbitramento. Logo, o quantum indenizatório (ou quantum debeatur) no dano moral ha-verá de ser arbitrado pelo magistrado, a partir da análise do caso concreto, de forma razoável e buscando o temperamento entre a compensação e a im possibi l idade do enriquecimento sem causa.

36. Importante lembrar que o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucio­nalidade da Lei da Imprensa.

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Isto, todavia, não resolve por completo a problemática, pois carecemos de claros critérios legais de arbitramento do dano moral. o diploma legislativo que se ocupava em perquirir a questão era a extinta Lei de Imprensa, hoje declarada inconstitucional pelo SuPREMo TRIBUNAL FEDERAL Esta norma, no seu a rtigo 53, veiculava como critérios gerais: a) situação econômica do lesado; b) intensidade do sofri­mento; c) gravidade; d) natureza e repercussão da ofensa (notorie­dade); e e) circunstâncias que envolveram os fatos.

A doutrina e a jurisprudência, diante da lacuna legislativa rela­cionada ao tema, ainda se recorrem aos critérios da extinta Lei de Imprensa, com variações. A depender do autor consu ltado, novos itens i rão aparecer, mas sem pre a partir de uma leitura do paradig­ma da proteção integral .

Para provas su bjetivas, recorda-se que se a indenização for fi­xada através de salários mínimos, a sua atualização deverá seguir os ditames da Súmula 490 do STF , segundo a qual a pensão corres­pondente à indenização oriunda de responsabil idade civil deve ser calcu lada com base no salário-mínimo vigente ao tempo da senten­ça, ajustando-se às variações u lteriores. Logo, deve ser expresso o valor em reais segundo o salário mínimo vigente à época e após tal valor ser atualizado.

Decerto, que fique registrado, carece de melhor técnica a de­cisão que arbitra os danos morais com base em salários mínimos, ante a vedação da indexação no texto constitucional (art. ?°, IV da CF/88). Todavia, cediço que ocorre no Brasil, até mesmo com norma legal infraconstitucional expressa permitindo, como se percebe da leitura do art. 495-Q, §4° do CPC.

lmpende lembrar, ainda, que em função da Emenda Constitucio­nal 45/04 é cristalina hoje a competência da Justiça do Trabalho para processar e ju lgar demandas relativas a indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes das relações de trabalho, a exemplo do assédio moral .

No particu lar, seguimos o entendimento de FLÃv10 TARTucEi1, no sentido da inadequação da Súmula 366 do STJ , que informava ser

37 . Op . Cit. p. 362.

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a Justiça Estadual a competente para processar e julgar ação in­denizatória em função do falecimento do empregado em acidente de trabalho. Tanto isto é verdade, que o próprio SuPERIOR TRIBUNAL oE JusT1çA cancelou o verbete. De fato, a Emenda Constitucional 45/04 fulminou qualquer debate a respeito da com petência da justiça do Trabalho em situações como estas. A inda na importante d igressão, nas pegadas da Súmula 229 do STF a indenização acidentária não exclui a do di reito comum, havendo independência entre a pensão previdenciária e a decorrente do direito comum.

Apesar disto, se a Emenda Constitucional 45/04 tiver atingido processo em curso na justiça Estadual há anos, no qual já fora prola­tada a sentença, por um viés de instrumental idade, economicidade e celeridade, a com petência da Justiça comum Estadual poderá ser mantida.

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE Jus11çA?

o SUPERIOR TRIBUNAL OE JUSTIÇA posiciona-se no sentido supracitado. Cita-se:

DANOS MORAIS. EX-EMPREGADO. EX-EMPREGADOR.

A Seção rejeitou os EREsp, mantendo a competência da Justiça Estadual. Os embargantes, ex-empregados, alegavam dano moral após término do vínculo trabalhista, quando o empregador, supostamente, teria veiculado publica­mente comentários maledicentes contra os ex-empregados, fatos ocorridos antes da edição da EC n. 45/2004. Essas circunstâncias táticas que compõem a causa de pedir foram reiteradas pelo acórdão recorrido; assim, segundo o Min. Relator, não há como tomar por base outra ordem circunstancial. Esclarece que não se pode esquecer ser agora tardio para anular tudo e recomeçar a ação na Justiça do Trabalho, pois passados treze anos da prola· ção da sentença que firmou a competência do juízo estadual. Observa, entre outros argumentos, que tanto os juízes estaduais como os juízes trabalhistas integraram a mesma unidade jurisdicional do bem formado quadro da ma­gistratura nacional, sendo todos, portanto, capazes de julgar casos como o dos autos, um entre tantos outros. EREsp 786.209-BA, Rel.Min. Sidnei Beneti, julgados em 27/ 4/2011.

� Veja ainda as súmulas 221 e 281 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

Sum 221. São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorren· te de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprie· tário do veículo de divulgação.

Sum 281. A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.

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3.5. Dano Estético

O STJ há muito vem propugnando a reparação do dano estético, até mesmo de forma independente ao dano imaterial e material . Tanto é assim que já está sumulado o entendimento de possibi l ida­de de cumulação do dano moral com o dano estético (Súmula 387 do STJ).

O STJ, portanto, enxerga o dano estético como modalidade au­tônoma em relação ao dano moral (REsp 65.393/RJ. Min. Rei . Ruy Rosado de Aguiar), mesmo com importantes divergências doutriná­rias, a exemplo da discordância de SÉRG10 CAvAuER1 F1 LH038• Para CAvAuERI a questão é apenas de quantificação do dano, ao passo que se houver lesão estética o dano moral há de ser majorado.

FLÃv10 TARTUCE considera dano estético as feridas, cicatrizes, cortes, lesão ou perda de órgãos, aleijões, amputações, entre outras ano­malias que atingem a d ignidade humana39• Para o SUPERIOR TRIBUNAL DE JusT1ÇA seria a alteração morfológica de formação corporal que agride a visão, causando desagrado e repu lsa4º.

o dano estético liga-se a uma lesão à integridade física da víti­ma, configurando um aleijão, repugnância, marcas ou defeitos físicos que gerem na vítima um senso de inferioridade. Não mais se exige que o dano seja definitivo, sendo corrente o entendimento de que ta l dano estético pode ser permanente ou transitório.

3.6. Dano Reflexo, Oblíquo ou Ricochete

Trata-se de i nstituto nascido no direito francês que remete ao prejuízo que atinge de forma oblíqua (indireta ou ricochete) pessoa próxima à vítima d ireta da conduta. É o exem plo do fi lho que ajuíza ação em face do assassino de seu genitor em razão de ter perdido, com o falecimento do pai, os al imentos necessários à subsistência (art. 948 do CC).

38. Op. Cit. p. 99. 39. Op. Cit. p. 418. 40. REsp. 65.393-RJ e 84.752-RJ.

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A regra, que fique claro, é o dano direto, sofrido pela própria pessoa, sendo o indireto a exceção. Contudo, o SUPERIOR TRIBUNAL oE JusT1ÇA vem ad mitindo esta modalidade de dano41•

O futuro aprovado, porém, deve ficar atento ao nexo de cau­salidade no momento da análise do dano reflexo. Isto porque o lesante apenas i rá responder pelos danos decorrentes de forma direta e imediata de sua conduta (art. 403 do CC). A consequência remota não é apta de indenização. Desta forma, na expressão feliz de ANTUNES VARELA, citada em diversos manuais, se "/'\' foi atropelado por "B" e este sofreu ferimentos, haverá de ser indenizado por "B". Todavia, "B" não será obrigado a indenizar "C", dono do teatro em que "P<' se apresentaria; nem "D", arrendatário do buffet que perdeu o contrato por não ter a apresentação teatral. No particular, o exemplo citado do art. 948 do CC (acima) é uma exceção, pois expresso em lei .

� Atenção!

Não se deve confundir o dano oblíquo com o indireto. Neste há uma lesão patrimonial que acaba, indiretamente, ocasionando uma lesão ex­trapatrimonial; ou vice e versa. Já no oblíquo há uma lesão ao interes­se juridicamente tutelado de um sujeito, atingindo a outrem de forma ricochete.

Tem-se como exemplo de danos reflexos os relativos à persona­lidade em função de tentativa de lesão à personalidade do morto, consoante os artigos 12 e 20, em seus parágrafos ún icos.

O objeto de proteção dos direitos da personal idade é, justa­mente, a personalidade . Essa se inicia do nascimento com vida e se extingue com a morte, como estudado no capítulo da pessoa na­tural, no volume de parte geral. Logo, os d ireitos da personal idade são vitalícios, pois não há o que p roteger após a morte (em regra).

Morrendo o titu lar, não haverá transmissão dos direitos da per­sonalidade. Na forma do art. 6° do CC, a morte extingue os d ireitos da personalidade. Somente o titu lar pode ajuizar ação em caso de violação, mas se este já a promoveu antes de falecer, o direito re­paratório se transmite aos herdei ros.

41. REsp. i.208.949-MG.

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I nteressante, porém, é que o parágrafo único do art. 12 do Có­digo Civil, que se destina a regu lar a proteção dos d ireitos da per­sonalidade, afirma que "Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau".

Como compatibi lizar essa informação com o caráter vitalício dos d ireitos da personalidade?

Em verdade, o que prevê o artigo é a possibilidade de uma in­denização reflexa, oblíqua ou ricochete - à personalidade, em clara influência da doutrina francesa. Explica-se: na tentativa de lesão a personal idade do morto - fala-se em tentativa, pois sua lesão é crime impossível, haja vista que personalidade não mais existe - é possível que, de forma reflexa, acabe por violar os direitos da personalida­de de parentes vivos. Assim, caso alguém tente violar a imagem de meu pai, que já é falecido, é possível que acabe, de forma oblíqua, lesando minha personalidade, de meus irmãos e de minha mãe.

Nessa l inha, importante observar que não há veiculado no ar­tigo a hipótese de legitimação extraordinária, ou substituição pro­cessual. De fato, não há de se fa lar que cônjuge ou parentes vivos substituem ao morto e pleiteiam, em nome próprio, direito alheio. Não é isso! Estamos diante de uma legitimação ordinária ou autôno­ma, pois a parte pleiteia direito próprio em nome próprio, na forma do art. 60 do CPC. É lesão à personalidade daquele que está vivo, de forma reflexa, até mesmo porque lesar a personalidade de quem não existe é crime impossível .

Exem plo interessante de lesado indireto é o caso Garrincha. Um jornal ista escreveu uma obra sobre a vida de Garrincha, denomina­da de estrela solitária. Nesta está escrito que Garrincha tinha um pênis avantajado. Os parentes vivos ajuizaram uma ação.

� Como entendeu o SUPERIOR TRIBUNAL OE JusnÇA?

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CIVIL DANOS MORAIS E MATERIAIS. DIREITO À IMAGEM E À HONRA DE PAI FALECIDO. Os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guar· dam como principal característica a sua intransmissibilidade. Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção à imagem e à honra de quem falece, como se fossem coisas de ninguém, porque elas permanecem perenemente lembradas nas memórias, como bens imortais que se prolongam para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto. Daí porque

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a honra de seu falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais se desvanecem com a exaltação feita à sua memória, como são os que mais se abatem e se deprimem por qualquer agressão que lhe possa trazer mácu­la. Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além de sua morte, pelo que os seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitimidade para postularem indenização em juízo, seja por dano moral, seja por dano material. Primeiro recurso especial das autoras par­cialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido. Segundo recurso especial das autoras não conhecido. Recurso da ré conhecido pelo dissídio, mas improvido (REsp 521697/RJ, Min. César Asfor Rocha, 4' Turma, data de julgamento: 16/02/2006).

� Atenção!

Interessante observar que o Código Civil, ao tratar da lesão oblíqua do direito à imagem, trouxe rol mais restrito de legitimados, mencionando o parágrafo único do art. 20 o cônjuge, ascendentes e descendentes, sem incluir os colaterais até 4° (quarto) grau. Como fazer? Sendo norma específica, a incidência do parágrafo único do art. 20 ape­nas há de acontecer nas hipóteses de lesão à imagem, sendo que para as violações reflexas dos demais direitos da personalidade deve-se aplicar o rol de legitimados mais extenso do art. 12, parágrafo único, do Código Civil. Neste mesmo sentido é o Enunciado n° 5 do CJF.

Questão interessante é saber se o companheiro (união estável) adentra no rol?

Por isonomia, é possível sua inclusão ao lado do cônjuge, como vaticina o Enunciado 275 do CJF. Todavia, tal informação apenas deve ser utilizada em provas subjetivas, ou nas objetivas cuja pergunta direcione o candidato, constando no enunciado pedido de entendi­mento doutrinário ou jurisprudencial .

3.7. Danos Coletivos, Difusos e Interesses Individuais Homogêneos

O Enunciado 456 da V Jornada em Direito Civil afirma que a ex­pressão dano abrange não apenas os danos ind ividuais, materiais ou imateriais, como também os danos sociais, difusos, coletivos e in­d ividuais homogêneos, a serem reclamados pelos legit imados para propor ações coletivas.

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Desta forma, inegável admitir que o direito brasileiro vivencia o fe­nômeno do alargamento das modalidades de danos, em fiel coerência com a efetividade da Justiça e a operabilidade do direito civil.

Conforme já tratado, não mais subsiste uma tutela meramente individual dos interesses (micro-lesões). Busca-se, ao lado desta, a proteções das macro-lesões. Justo por isto, há muito fora inaugura­da a proteção dos interesses coletivos lato sensu, incorporando-se os coletivos, difusos e homogêneos.

o primeiro diploma a veicular tais expressões de forma clara foi o Código de Defesa do Consumidor (art. 81). O legislador realizou tal classificação considerando o d ireito subjetivo específico que fora violado.

Os direitos difusos relacionam-se a pessoas indeterminadas, l i­gadas pelas circunstâncias do fato, como aqueles relativos a danos ambientais. Os direitos coletivos referem-se a um grupo, categoria ou classe com relação entre si em função de uma ligação jurídica base, como ações patrocinadas por sindicatos. Os individuais homo­gêneos são divisíveis e determinados, mas ligados a um fato unifor­me, a exem plo da venda de um produto adulterado.

Destarte, ao falarmos em danos difusos, coletivos e tutela de interesses individuais e homogêneos estamos nos referindo não só ao aspecto material, mas também ao moral. Com efeito, a Lei da Ação Civil Públ ica (Lei 7.347/85), em seu art. 1°, possibilita claramente o pleito de danos materiais e morais difusos por lesões ao meio ambiente, ao consumidor, bens e d ireitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, infração de ordem econômica ou qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

A legitimação para a propositura de tais ações é restrita e os valores costumam ser revertidos para fundos de apoio, com vista à implementação de políticas de combate e prevenção a futuras lesões.

PABLo SToLZE GAGLIANo E RoooLro PAMPLONA F1LH042 informam que a tutela da Lei da Ação Civil Pública supracitada legitima, até mesmo, a pro­positura de ações com o escopo de proteção ao meio am biente de

42. Op. Cit. p. 83.

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trabalho. Isto porque um ambiente de trabalho inseguro traz danos não só aos seus trabalhadores, mas também a todos aqueles que usufruem do fruto do trabalho.

3.8. Responsabilidade Civil Pela Perda do Tempo Livre ou Desvio Produtivo de Consumo.

Segundo CHARLES DARWIN, o Pai do Evolucionismo, "o homem que tem a coragem de desperdiçar u ma hora de seu tempo, não des­cobriu o valor da vida". Nas palavras do dramaturgo Francês V1aoR Huco, "a vida já é curta, e nós a encurtamos ainda mais desperdiçan­do o tempo". Na crença popular "o tempo é o senhor das coisas" ...

O tempo é um bem que todos nós temos. É impassível de troca, substituição, compra ou venda. Carrega o tempo uma noção relati­va. Os colegas já devem ter se apercebido que quando mais novos os anos demoravam mais a passar. Claro, eles representavam mais sobre o seu tempo total de existência. Com 5 (cinco) anos de idade, um ano era i/5 da sua vida; 2oºk do seu tempo terrestre. Hoje, i (hum) ano representa bem menos . . .

A própria noção sobre a velocidade das coisas é relativa. Em uma reflexão sobre este assunto, o juiz de Direito do Tribunal de justiça do Pernambuco, Doutor Luiz Mário Moutinho, em mensagem postada em uma rede social, descreveu a importância do tempo no mundo atual:

"A sensação do tempo é algo que varia com o tempo. Veja o exemplo dos computadores. Temos um equipamento que tem um processador com certa velocidade, e depois com­pramos outra máquina mais rápida alguns milésimos de se­gundos, e logo achamos que o PC antigo é lento demais . . . "

Seria então este tempo um bem jurídico?

Nas palavras de PABLO SrnlZE GAGUANo43, o tempo possui uma dupla perspectiva:

a) Dinâmica;

b) Estática.

43 Op. Cit.

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Na perspectiva mais difundida, a "dinâmica" (ou seja, em movi­mento), o tempo é um "fato jurídico natural ordinário". Traduz um acontecimento natural, apto a deflagrar efeitos na órbita do Direito, com visto e aprofundado no nosso Volume de Parte Geral, quando do estudo da Teoria do Fato, Ato e Negócio J u ríd ico. É este sentido dinâmico do tempo que nos trás noções como prescrição e deca­dência, usucapião, mudança de incapacidades . . .

Em uma leitura "estática", o tempo é um valor, um bem relevan­te, merecedor de tutela jurídica.

Assim, hoje, o tempo é enxergado como um bem jurídico perso­nalíssimo, o qual apenas pode ser disposto pelo seu próprio titular. Logo, aquele que injustificadamente se apropria deste bem alheio, causa lesão, apta a ser indenizada.

Trazendo tais i lações para o d ireito do consumidor, percebe-se que, por conta da despessoa lização das empresas e atendimentos em cal/ center, d irecionamos tempo demasiado a solução de pro­blemas comezinhos, os quais deveriam ser rapidamente sanados. Seria razoável exigir do consumidor que perca tempo precioso para solucionar questões dessa natureza, quando ao mesmo tempo há outros afazeres e problemas mais sérios a solucionar?

Huco GucuNsK144, especialista em direito do consumidor, assevera em artigo específicos sobre o tema, disponível na internet, que

"Quando a má prestação de um serviço extravasa as raias da razoabil idade, dando lugar à irritação, a frustração, ao sentimento de descaso, ao sentimento de se sentir somente mais um número no rol de consumidores de uma empresa, é que ocorre a violação do direito à paz, à tranquil idade, à prestação adequada dos serviços contratados, enfim, a uma série de direitos intimamente relacionados à dignidade hu­mana. Hoje o consumidor brasileiro percorre uma verdadei­ra via crucis para tentar ver respeitados os seus direitos".

Comungamos, perfeitamente, com este pensamento.

Em decisão que condenou o Banco do Brasil a indenizar uma consumidora em RS 5 (cinco) mi l reais, o Des. joNES F1cuE1Rrno ALvEs,

44. Encontrado em http://jus.eom.br/artigos/21753/danos-morais-pela-perda-do-tempo­util-uma-nova-modalidade

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também do TRIBUNAL DE JUSTIÇA PERNAMBUCANO, ao proferir voto/vista na Apelação Cível n° 230521-7, ju lgada pela 4ª Câmara Cível do TJPE, destacou :

"A visão eclesiástica do tempo diz-nos que tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo propósito debai­xo do céu: há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de abraçar e tempo de afastar-se; tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz.[ . . . ]. A questão é de extrema gravida­de e não se pode admiti-la, por retóricas de tolerância ou de condescendência, que sejam os transtornos do cotidiano que nos submetam a esse vi l ipêndio de tempo subtraído de vida, em face de uma sociedade tecnológica e massificada, impessoal e disforme, onde nela as pessoas possam perder a sua própria individualidade, consideradas que se tornem apenas em usuários numerados em bancos informatizados de dados".

D'outra banda, MARCO DEssAUNE45, em excelente obra sobre o as-sunto, afirma que:

"Mesmo que o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) preconize que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo devam ter padrões adequados de qualidade, de segurança, de durabil idade e de desempenho - para que sejam úteis e não causem riscos ou danos ao consumidor - e também proíba, por outro lado, q uaisquer práticas abusivas, ainda são 'normais' em nosso País situa­ções nocivas como:

- Enfrentar uma fila demorada na agencia bancária em que, dos io (dez) guichês existentes, só há dois ou três abertos para atendimento ao público;

- Ter que retornar à loja (quando ao se é direcionado à as­sistência técnica autorizada ou ao fabricante) para reclamar de um produto eletroeletrônico que já apresenta problema alguns dias ou semanas depois de comprado;

- Telefonar i nsistentemente para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) de uma empresa, contando a mes­ma história várias vezes, para tentar cancelar um serviço

45. DESSAUNE, Marcos. Desvio Produtivo do Consumidor - O Prejuízo do Tempo Des· perdiçado. São Paulo: RT, 2011, págs. 47-48.

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indesejado ou uma cobrança indevida, ou mesmo pra pedir novas providências acerca de um produto ou serviço defei­tuoso renitente, mas repetidamente negligenciado;

- Levar repetidas vezes à oficina, por causa de um vício reincidente, um veículo que frequentemente sai de lá não só com o problema original i ntacto, mas também com outro problema que não existia antes;

- Ter a obrigação de chegar com a devida antecedência ao aeroporto e depois descobrir que precisará ficar uma, duas, três, quatro horas aguardando desconfortavelmente pelo voo que está atrasado, algumas vezes até dentro do avião - cansado, com calor e com fome - sem obter da empresa responsável i nformações precisas sobre o problema, tam­pouco a assistência material que a ela compete".

Percebe-se completo desrespeito as ditames do Código de De­fesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) e ao Decreto-Lei do Serviço de Atendimento ao Cl iente (SAC - Decreto-Lei número 693/2008), am­bos focados em um ágil atendimento ao consumidor.

Adverte o Des. Luiz FERNANDO RIBEIRO DE CARVALHO do TRIBUNAL DE Jus11ÇA DO Rio DE JANEIRO que "no plano dos direitos não patrimoniais, porém, ainda há grande resistência em admitir que a perda o tempo em si possa caracterizar dano moral . Esquece-se, entretanto, que o tempo, pela sua escassez, é um bem precioso para o indivíduo, tendo um valor que extrapola sua dimensão econômica. A menor fração de tempo perdido em nossas vidas constitui um bem irrecuperável. Por isso, afigura-se razoável que a perda desse bem, ainda que não impl ique prejuízo econômico ou material, dá ensejo a uma indenização. A ampliação do conceito de dano moral, para englobar situações nas quais um contratante se vê obrigado a perder seu tempo livre em razão da conduta abusiva do outro, não deve ser vista como um sinal de u ma sociedade que não está d isposta a suportar abusos".

Nessa toada é que se coloca o posicionamento de LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA46:

"Outra forma interessante de indenização por dano moral que tem sido admitida pela jurisprudência é a indenização

46. GARCIA, Leonardo Medeiros. Sinopses para Concursos Públicos. Direito do Consu­midor. Salvador: )uspodivm, 2013.

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pela perda do tempo livre do consumidor. Muitas situações do cotidiano nos trazem a sensação de perda de tempo: o tempo em que ficamos "presos" no trânsito; o tempo para cancelar a contratação que não mais nos interessa; o tem­po para cancelar a cobrança indevida do cartão de crédito; a espera de atendimento em consultórios médicos etc. A maioria dessas situações, desde que não cause outros da­nos, deve ser tolerada, uma vez que faz parte da vida em sociedade. Ao contrário, a indenização pela perda do tempo livre trata de situações intoleráveis, em que há desídia e desrespeito aos consumidores, que muitas vezes se veem compelidos a sair de sua rotina e perder o tempo livre para soluciona problemas causados por atos ilícitos ou condutas abusivas dos fornecedores. Tais situações fogem do que usu­almente se aceita como "normal", em se tratando de espera por parte do consumidor. São aqueles famosos casos de cal/ center e em que se espera durante 30 minutos ou mais, sen­do transferido de um atendente para o outro. Nesses casos, percebe-se claramente o desrespeito ao consumidor, que é prontamente atendido quando da contratação, mas, quan­do busca o atendimento para resolver qualquer impasse, é obrigado, injustificadamente, a perder seu tempo livre.

Ademais, há alguns bons julgados sobre o tema no Brasil; cita-se:

Des. Luiz Fernando de Carvalho - ju lgamento: 13/04/2011 -terceira câmara cível. Consumidor. Ação indenizatória. Falha na prestação de serviço de telefonia e de internet, além de cobrança indevida. Sentença de procedência. Apelação da ré. Ausência de demonstração da ocorrência de uma das excludentes previstas no art. 14, §3° do CDC. Caracterização da perda do tempo livre. Danos morais fixados pela senten­ça de acordo com os parâmetros da razoabil idade e pro­porcionalidade. Honorários advocatícios igualmente corretos. Desprovimento do apelo.

DES. ALEXANDRE CAMARA - Julgamento: 03/11/2010 - SEGUNDA CAMARA CIVEL Agravo Interno. Decisão monocrática em Ape­lação Cível que deu parcial provimento ao recurso do agra­vado. Direito do Consumidor. Demanda indenizatória. Seguro descontado de conta corrente sem autorização do corren­tista. Descontos indevidos. Cancelamento das cobranças que se impõe. Comprovação de inúmeras tentativas de resolu­ção do problema, durante mais de três anos, sem que fosse

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solucionado. Falha na prestação do serviço. Perda do tempo livre. Dano moral configurado. Correto o valor da compen­sação fixado em R$ 2.000,00. Juros moratórios a contar da citação. Aplicação da multa prevista no § 2° do (artigo 557 do CPC, no percentual de 10°b (dez por cento) do valor corrigido da causa. Recurso desprovido. (AGRAVO DE INSTRUMENTO No 0049407 - 8po11.8.19.oooo)

DES. MON ICA TOLLEDO DE OLIVEIRA - Julgamento: 27/10/2010 -QUARTA CAMARA CIVEL. Apelação. Danos morais. Contrato para instalação do serviço OI VELOX ( banda larga internet). Inadimplemento contratual por parte da operadora que ale­gou inviabil idade técnica por impropriedades da linha tele­fônica. Sentença de procedência. Dano moral fixado em R$ 2.000,00. Apelos de ambas as partes. A princípio, o inadimple­mento contratual não acarreta danos morais, porém, pelas peculiaridades do caso concreto, se verificou a ocorrência de aborrecimentos anormais que devem ser compensados. Violação ao dever de informação, art. 6°, I l i , do CDC. Grande lapso temporal entre a data da celebração do contrato e a da comunicação de que a não seria viável a prestação dos serviços por impropriedades técnicas da l inha telefôni­ca do Autor. Teoria da Perda do Tempo Livre. Por mais de um ano, o Autor efetuou ligações para a Ré na tentativa de que o serviço de internet fosse corretamente instalado, além de ter recebido técnicos da Ré em sua residência, mas que não solucionavam os problemas. Indenização bem dosada em RS 2.000,00. Pequeno reparo na sentença para fixar a correção monetária desde a data do arbitramento e juros moratórios a partir da citação. Provimento parcial ao recurso do autor. Desprovimento ao recurso do réu. (Processo: APL 2792196120098190001 RJ 0279219-61.2009.8.19.0001)

APELAÇÃO CÍVEL N° 2009.ooi.56125 . APELANTE: ELIANE SILVEIRA DE AVILA. APELADO : BANCO IBI S.A. - MÚLTIPLO S.A. RELATOR: DES. ANDRÉ ANDRADE DIREITO DO CONSUM IDOR.

CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SOLICITADO. ENVIO DE FATURAS COBRAN­DO O SEGURO DO CARTÃO. CONDUTA ABUSIVA. DANO MORAL CON­FIGURADO. TEORIA DA PERDA DO TEMPO LIVRE. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 2009.ooi.56125 em que é apelante ELIANE SILVEIRA DE AVILA e apelado BANCO IBI S.A. - MÚLTIPLO S.A.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Processo: APL 100961720078190037 RJ 0010096-17.2007.8.19.0037. Relator(a): DES. ALEXANDRE (AMARA. ju lgamento: 18/05/2011 . Órgão ju lgador: SEGUNDA (AMARA CIVEL

Publicação: 20/05/2011 . Parte(s): Apdo: OK ELETRO 01 MACAE COMERCIO DE ELETRODOMESTICOS LTDA. Apte : VANESSA GARCIA FUENTES

Ementa

Direito do consumidor. Alegação de aquisição de aparelho de home theater defeituoso. Sentença que condenou a ré a restituir o valor pago pelo produto. Autora que, durante dez meses, tentou efetuar a troca do aparelho, deixando-o na loja para análise e não obtendo qualquer resposta. Tem­po despendido pela autora tentando solucionar o problema que não pode ser desconsiderado. Comprovação das inú­meras ligações efetuadas para a loja da ré. Perda do tempo livre. Dano moral configurado, fixada a verba compensatória em RS i.000,00 (mil reais). Provimento do recurso.

Processo: APL 328366120098190210 RJ 0032836-61.2009.8. 19.0210. Relator(a): DES. CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ. Ju lgamento: 06/06/201 1. Órgão Ju lgador: DECIMA SEGUNDA CAMARA Cl-

VEL. Publicação: 14/06/2011. Parte(s): Apdo : OS MESMOS. Apdo : PERFECT SOLUCOES DE PROCESSAMENTO DE DADOS LTDA EPP. Apte : ENVISION INDUSTRIA DE PRODUTOS ELE­TRONICOS LTDA e outros

Ementa:

APELAÇÕES CÍVEIS. COMPRA PELA INTERNET. DEFEITO NO PRODUTO. DEMORA INJUSTIFICADA DE REPARO. PRAZO DE GARANTIA VIGEN­TE. MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. REDUÇÃO.

ln casu, o consumidor se viu obrigado a recorrer ao Poder Judiciário para pleitear o conserto de um aparelho de televi­são e o reconhecimento de danos morais. A demora exage­rada no conserto ou troca do produto que desempenha na vida cotidiana importante papel, somada à perda do tempo livre do consumidor, gera d ireito à percepção de danos mo­rais. Quantum indenizatório que se reduz. Recursos providos em parte, na forma do art. 557 § 1°-A do CPC, para reduzir a verba indenizatória

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E a coisa se torna pior quando, por exemplo, o serviço pres­tado é fornecido em regime de monopólio, como o forne­cimento de água e coleta de esgoto, energia elétrica etc., aos quais o consumidor simplesmente é forçado a aderir, pois são essenciais. Consequentemente, também é forçado a aceitar os péssimos SAC s disponibilizados pelas empresas, e o resultado estamos vendo agora, com o surgimento da tese que enxerga a perda do tempo útil como uma ofensa aos direitos da personalidade.

Finalmente, cabe lembrar que os fornecedores atuam no mercado de consumo assumindo os riscos do empreendi­mento, tese inspiradora da teoria da responsabilidade civil objetiva do fornecedor. Sendo assim, se este decide explo­rar empresa, deve arcar com os danos eventualmente de­correntes de sua atuação, inclusive o dano extrapatrimonial causado ao consumidor por despojá-lo de seu tempo útil.".

Por tudo isto, infere-se que o tempo, estaticamente considera­do, é um bem jurídico de valor extremamente relevante. Assim, a sua perda exacerbada, em claro abuso de direito do fornecedor, é apta a ocasionar um dano indenizável, colocando-se a chamada responsabi l idade civil pela perda do tempo livre, ou o desvio pro­dutivo do consumidor.

4. NEXO DE CAUSALIDADE

Visitada a conduta humana e o dano, partimos à análise do terceiro elemento da responsabil idade civil: o nexo de causalidade. Tal elemento imaterial ou espiritual objetiva perquirir uma relação de causa e efeito entre a conduta e o dano. Nos d izeres de FLÃv10 TARTUCE47, é um cano virtual que une os outros dois elementos: con­duta e dano. Segundo SÉRG10 CAVAL1ER148, é a verificação de que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato.

Nas palavras de PABLo STDLZE GAGLIANO E RoooLFo PAMPLONA F1LH049trata-se do elemento geral mais melindroso, ao passo que o conceito de

47. Op . Cit. p. 359. 48. Op. Cit. p. 46. 49. Op. Cit. p. 85.

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causa remete a uma noção fi losófica, por vezes ligada, até mesmo, a noções naturais.

Mas, o que vem a ser a causa?

Causa é um elo, um l iame, um fio condutor que une a conduta ao dano, gerando a responsabi lização civil. Segundo DEMOGUE é a re­lação necessária entre o fato incriminado e o prejuízo.

Na busca de tal elo a doutrina e jurisprudência construíram di­versas teorias, sendo as principais: a) Teoria da Equivalência das Condições (Conditio Sine Qua Non); b) Teoria da Causalidade Ade­quada; c) Teoria da Causalidade Direta ou Imediata (Interrupção do Nexo Causal ou Causal idade Necessária). Soma-se a esta miríade de teorias a dificuldade advinda das concausas, haja vista a percepção de que podem concorrer para um m esmo evento danoso mais de um causa.

Aduz FLÃv10 TARTUCE5ºque na responsabilidade civil subjetiva o nexo de causa lidade é formado pela culpa lato sensu (art. 186 do CC); enquanto na objetiva pela previsão legal de responsabilização sem culpa ou em função de atividade de risco .

Vamos visitar as teorias.

4.i. Teoria da Equivalência das Condições ou do Histórico dos Ante­cedentes ou Da Conditio Sine Qua Non

Fruto dos estudos do doutrinador alemão VoN BuR1, na segunda metade do Sécu lo XIX, com base nos ensinamentos de STUART M1LL, a matriz teórica em comento não diferencia os antecedentes do dano, afirmando que causa é tudo aqui lo que tenha concorrido para o resu ltado danoso. Há, portanto, uma equivalência de todos os ante­cedentes (condições) que foram sine qua non (contribuíram) para o resultado, inexistindo clara diferença entre causa e condição.

Tal teoria é adotada pelo Código Penal brasi leiro, especifica­mente no seu artigo 13, segundo o qua l "o resultado, de que depen­de a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa.

50. Op. Cit. p. 359.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não

teria ocorrido".

Na análise da causa apl ica-se o que denomina THYRÉN de uma fórmula de eliminação hipotética, sendo causa todo o antecedente que, caso el iminado, faria com que o resultado desaparecesse. Todo ato do autor que, de a lguma forma, contribuiu para o dano trata-se de causa.

A teoria em comento apresenta um grave inconveniente. Com efeito, caso levada as ú ltimas consequências, ocasionará uma d igressão infinita, im putando o dever d e reparar a inúme­ras pessoas, havendo uma exasperação da causal idade. Notando ta l possib i l idade, B1No1NG, há m uito, já tecia suas críticas, aduzindo que a teoria da equ ivalência das cond ições poderia ocasionar a responsabi l idade do marceneiro como partícipe do tipo penal do ad ultério, pois por ter confeccionado o leito afetivo acabou por facilitar a conduta.

Em direito penal, após estas críticas, foram criados mecanismos de redução do nexo, como a imputabil idade objetiva e a tipicidade cerrada. Assim, d iuturnamente, apesar da manutenção da teoria na seara penal, esta serve mais para afastar possíveis responsáveis do que para, efetivamente, responsabilizar.

O d ireito civil, face ao inconveniente, achou por bem afastar a incidência desta teoria na sua responsabil ização, não sendo, hodier­namente, aceita na seara privada.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para a PGE-Pl/2008 foi declarada inverídica a seguinte afir­mativa: "quando inúmeras causas sucessivas contribuem para a produ­ção do efeito danoso, q ualquer dessas causas pode ser considerada suficiente para demonstrar o nexo de causalidade e imputar ao seu autor o dever de indenizar".

4.2. Teoria da Causalidade Adequada

A matriz teórica em estudo teve como principal elaborador o jurista alemão VoN KR1Es, revelando grande avanço em relação ao seu momento histórico.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Assim, entende como causa apenas o antecedente abstratamen­te idôneo à produção de um resu ltado danoso. Nas palavras de CAR­Los RosERTO GoNÇALVEs51, insere-se neste mundo apenas a cond ição apta, por si só, a produzir o dano. Segundo FLÃv10 TARTucE5' materializa-se a teoria na busca da possível causa que, potencialmente, ocasionou o evento danoso. Do evento relevante, perquirindo, ainda, busca de indenização adequada aos fatos que a envolvem. Afirma SÉRGIO

CAVAL1ER153 que causa é o antecedente não só necessário, mas também adequado à produção do resultado danoso.

Real iza-se um j uízo não só de necessariedade, mas também d e adequação, fazendo d istinção entre causa e condição. Causa será apenas aquela determinante, descons id erando-se as de­mais cond i ções. Desta forma, no célebre exem plo d e ANTUNES VA­

RELA, se João gerou o atraso d e Ped ro para pega r u m voo, e em virtude d isto Ped ro em barcou em avião d iverso e veio a ser vi­t imado em acidente, João não poderá ser responsabi l izado, vis­to que sua conduta não fora a bstrata mente i dônea à prod ução d este resu ltado. O mesmo se d iga caso Mário dê um leve tapa na cabeça de André e este, por ter uma fragi l idade d e formação óssea, venha a ób ito. O tapa não fora causa abstratamente idô­nea à produção d o dano .

Interessante que em ambos os exemplos mencionados acima, fartamente tratado nos mais diversos manuais de d ireito civil, se­riam aptos a gerar responsabil idade caso se estivesse diante a da teoria da equivalência de condições, mas não o são em um juízo de causal idade adequada.

A crítica que se faz na doutrina, a exem plo de PABLo SrnLZE GAGUA­No E RoooLFo PAMPLONA F1LH054, é que esta matriz teórica confere grande grau de d iscricionariedade ao julgador na análise dos antecedentes. Como estabelecer, entre as várias condições, qual é a causa?

5i. Op. Cit. p. 350. 52. Op. Cit. p. 359. 53. Op. Cit. p. 48, 54. Op. Cit. p. 90.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

4.3. Teoria da Causalidade Direta ou Imediata

Também chamada de teoria da interrupção do nexo causal ou causalidade necessária, fora desenvolvida no Brasi l pe los estudos de AcosnNHo ALVIM. Na percepção de CARLos ROBERTO GoNÇALvEs55é um meio termo entre as teorias anteriores.

Causa é apenas o antecedente fático que, ligado por um víncu­lo de necessariedade ao resu ltado danoso, determine este último corno uma consequência direta e imediata. O avanço da teoria em comento é a interrupção do nexo de causalidade quando quebrado o vínculo de necessariedade, inaugurando-se um novo vínculo de causal idade.

Em exemplo clássico da doutrina afirma-se que: Caio foi ferido de forma leve por Tício em um jogo de futebol . Por conta disto, Pedro tratou de conduzi-lo até o hospital. Caso no curso da carona, por desídia de Pedro, haja um acidente e Caio venha a óbito, Tício não tem como ser responsabilizado por isto. Decerto, a desídia de Pedro na conduta gerou uma interrupção do nexo causal, sendo quebrada a relação de causal idade anterior - desprovida de uma relação direta e imediata com o dano - e inaugurando-se uma nova, esta sim diretamente e imediatamente ligada ao dano.

Nessa ordem de ideias, recorda CARLOS ROBERTO GoNÇALvEs56que não se indeniza esperanças desfeitas, danos potenciais, eventuais, su­postos ou abstratos, pois estes não decorrem de forma d ireta e imediata da conduta.

A adoção desta teoria, todavia, não é capaz de afastar a pos­sibi l idade de configuração do dano reflexo, já estudado neste ca­pítulo. Isto porque em tal dano, malgrado reflexo, resta cristalina a presença de um nexo de causalidade direto e imediato entre a conduta e o dano.

4.4. Qual a Teoria Adotada pelo Código Civil?

Após visitarmos as principais teorias doutrinárias, resta saber qual é aquela adotada pelo Código Civil?

55. Op. Cit. p. 352. 56. Op. Cit. p. 360.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A doutrina e a jurisprudência não são uníssonas em relação ao tema. Respeitada parcela da doutrina, citando por todos SÉRG10 CAvAuER157 e Fl.Ãv10 TARrucE58, defende ser a teoria aplicada no Brasil a da causal idade adequada. Afi rmam seu posicionamento com base na redação dos artigos 944 e 945 do Código Civil, bem como do Enunciado 47 CJ F, segundo o qual o Código Civil não exclui a teoria da causalidade adequada. Tal raciocínio, porém, segundo os doutri­nadores em comento, não inviabiliza o aprofundamento acerca dos fatores que excluem ou obstam o nexo de causalidade.

De outra banda, PABLo SrnLZE GAGLIANo E RoooLFo PAMPLONA F1LH059 , bem como CARLos RosERTo GoNÇALVEs, defendem a aplicação da teoria da cau­salidade d i reta e imediata, exigindo uma causalidade necessária.

Os defensores da causalidade necessária mencionam como em­basamento codificado para tanto a redação do artigo 403 do Código Civil, que fala em efeitos d ireto e imediato. Cita-se:

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do deve­dor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

A exigência deste vínculo di reto e imediato não é inovação do direito brasi leiro. Assim também o fazem o d i reito Francês (art. u51), Italiano (art. i .223) e Argentino (art. 520).

SÉRGIO CAvAurn16º, porém, ao abordar o a rtigo supracitado aduz que ele não trabalha com a teoria di reta e imediata, ao passo que não exige a causa cronologicamente mais p róxima ao even­to danoso, não havendo identificação deste artigo com a teoria norte-americana i ntitu lada de /ast clear chance. O que persegue o legislador civil ista é a causa mais determinante, adequada. Per­siste a d ivergência .

57. Op . Cit. p. 50. 58. Op. Cit. p. 360. 59. Op. Cit. p. 93. 60. Op. Cit. p. 50.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

� Como se pronunciou o SuPERIOR TRIBUNAL DE JumÇA?

A divergência contam ina também a jurisprudência. O próprio SurER10R TRI­BUNAL oE JusnÇA tem diferentes posicionamentos sobre o tema, conforme se infere dos ju lgados ora colacionados: a) Adotando a causalidade adequada:

Agravo regimental - Agravo de instrumento - Responsabilidade civil - Descar­ga elétrica - Ausência de corte das árvores - Contato com fios de alta-tensão - Nexo de causalidade reconhecido - Culpa exclusiva da vítima - lnocorrência. i. Em nenhum momento a decisão agravada cogitou da falta de prequestio­namento dos artigos apontados como violados, ressentindo-se de plausibili­dade a alegação nesse sentido. 2. O ato ilícito praticado pela concessionária, consubstanciado na ausência de corte das árvores localizadas junto aos fios de alta-tensão, possui a capacidade em abstrato de causar danos aos consu­midores, restando configurado o nexo de causalidade ainda que adotada a teoria da causalidade adequada. 3. O acolhimento da tese de culpa exclusiva da vítima só seria viável em contexto tático diverso do analisado. 4. Agravo regimental desprovido. (STJ . AgRg no Ag 682.599/RS. Rei. Min. Fernando Gonçal­ves. Quarta Turma. Julgado em 25.10.2005. DJ 14.1i .2005. p. 334).

b) Adotando a causalidade direta e imediata:

Responsabilidade civil do Estado - Decisão condenatória transitada em julga­do - Liquidação - Extensão dos danos - Pretensão de revisão das provas -Impossibilidade - Súmula 07/STJ - Critério da razoabilidade da indenização. 1 . Hipótese em que o cidadão (vítima) em 07.07.1984 foi arbitrariamente detido por oficiais da Marinha do Brasil em razão de simples colisão de seu veícu­lo com outro conduzido por aspirante daquela Arma. Após colidir, a vítima sofreu agressão física e verbal e foi ilegalmente presa por seis dias em cela da Marinha. Ficou incomunicável e sem cuidados médicos, comprovadamente diante do acórdão transitado em julgado no processo de cognição plena. o fato resultou em danos físicos e morais, e causo-lhe a deterioração da saúde. Devido ao desenvolvimento de isquemia e diabetes, teve, inclusive, os dedos dos pés amputados. 2. Ato ilícito, nexo direto e imediato, bem como danos comprovados e ratificados na instancia ordinária. [ . . . ] (STJ. REsp 776.732/RJ. Rei. Min. Humberto Martins. Segunda Turma. Julgado em 08.05.2007. DJ 2i.05.2007. p. 558).

4.5. Concausas ou Concausalidade ou Causalidade Múltipla ou Cau­salidade Comum

Segu ndo PAsLo SToLZE GAGUANo E RoooLFO PAMPLONA FiLH061, concausa sig­nifica o acontecimento anterior, concomitante ou superveniente ao anterior que iniciou a relação causal, acrescentando-se a este na

61. Op. Cit. p. 95.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

verificação do evento danoso. Verifica-se quando o evento danoso surge diante de um conjunto de causas.

Desta forma, estar-se-á diante de outra causa que, somando-se à primeira, reforça o resultado danoso. Registre-se que não há nem início e nem interrupção de nexo, mas sim reforço. Na feliz expres­são de SÉRG10 CAvAurn162, é como se fora um rio menor que, desaguan­do em outro maior, reforça o seu volume.

Lembra FlÃv10 TARTUCE63, com base na classificação de RoBERTO SEN1sE L1sBoA, que as concausas classificam-se da seguinte forma:

a) Concausalidade ordinária, conjunta ou comum: são condutas coordenadas de duas ou mais pessoas que, de maneira rele­vante, ocasionam o evento danoso. Nas pegadas das lições de VoN THuR, verifica-se quando duas ou mais pessoas participam ou cooperam para o evento danoso. A consequência jurídica é a responsabilidade solidária, como posto no art. 942 do CC de todos estes coautores. Exem plifica-se com duas pesso­as que, conjuntamente, coagem alguém à prática de um ato.

b) Concausalidade acumulativa: são condutas de duas ou mais pessoas, independentes entre si, que ocasionam o prejuízo. Neste cenário, responde cada um dos agentes na medida de sua culpa, nas pegadas do art. 944 e 945, ambos do CC. Exemplifica-se com o motociclista que, por estar sem capa­cete, vem à óbito ao ser atingido por uma carro. Trata-se da culpa concorrente, aprofundada no tópico sobre excludentes de responsabi l idade civil.

c) Concausal idade alternativa ou disjuntiva: são condutas de duas ou mais pessoas sendo apenas uma delas relevante para a ocorrência do evento danoso. Exemplo: d uas pessoas tentam espancar uma terceira, mas apenas uma delas acerta a vítima.

A grande questão que, por vezes, desafia o futuro aprovado na prova é saber quando a concausa é apta a interromper o nexo causal já iniciado, gerando um novo elo?

62. Op. Cit. p. 58. 63. Op. Cit. p. 364.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Em sendo a concausa absolutamente independente em relação à conduta do agente - podendo ser preexistente, concomitante ou superveniente - haverá rompimento do nexo causal originário.

Os exemplos doutrinários são os mais criativos.

Imaginem, afi rmam PAsLo SrnLZE GAGUANo E RoDOLFo PAMPLONA F1LH064, o cidadão que fora alvejado por um tiro, mas, antes do seu faleci­mento, é vitimado por um terremoto. Trata-se de uma concausa superveniente absolutamente independente, rompendo o nexo cau­sal e não respondendo o ati rador pelo evento morte. O mesmo raciocínio, segundo os autores, aplica-se à concausa preexistente absolutamente independente - a exemplo da ingestão de veneno, antes do tiro, sendo aquela causa responsável pelo óbito -, e conco­mitante absolutamente independente - a exemplo de um derrame cerebral violento, causador real do óbito, no mesmo momento em que houve o disparo.

Raciocínio diverso, porém, impõe-se quando estivermos diante de uma concausa relativamente independente, entendendo-se por esta aquela que incide no curso do processo e soma-se à conduta do agente. Neste cenário havemos de perquiri r se tal concausa é preexistente, concomitante ou superveniente.

Em sendo concausa relativamente independente preexistente ou concomitante não será apta a excluir o nexo de causalidade e, logicamente, a obrigação de indenizar, como informa SÉRGIO CAvALER165• Exempl ificam PABLo SrnLZE GAGLIANo E RoDOLFo PAMPLONA F1LH066com o cidadão que, por ser diabético, vem a falecer de uma lesão perpetrada por outro, ou ainda da pessoa que leva um tiro, mas vem a falecer de susto, por parada cardíaca. Nos exemplos em análise - o primeiro de causa preexistente e o segundo de concomitante - persiste a responsabil idade civil, não se falando de interrupção do nexo de causalidade.

Outro exemplo de concausa relativamente independente nos é fornecido por CARLos RoBERTO GoNÇALVEs67ao informar que não se culpa

64. Op. Cit . p. 96. 65. Op. Cit. P. 59. 66. Op. Cit. P. 96. 67. Op. Cit. p. 353.

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ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

o médico pela morte da paciente, durante um parto, em razão da ruptura de edema, de origem congênita, e que não guardava nenhu­ma relação com o parto.

Já a concausa relativamente independente superveniente pode, sim, ser apta a rom per o nexo de causal idade, como o exemplo já citado do cidadão que é agredido em um jogo de futebol e vem a falecer em razão do acidente de carro, quando transportado para o atendimento hospitalar. Há, aqui, uma nova causa direta e imediata de um novo dano. Todavia, nem sempre haverá novo nexo. CARLOS RosERTo GoNÇALVEs68 exemplifica que se a vítima do atropelamento não for socorrida a tempo e vier a óbito em função da perda de muito sangue, esta última concausa apenas reforça o evento danoso an­terior e não romperá o nexo causal. Ou seja, na concausa relativa­mente independente superveniente haverá de ser analisado o caso concreto para aferição se houve, ou não, o rompimento do nexo.

68. Op. Cit. p. 353.

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C a p í t u l o I l i

Excludentes de responsabilidade civil Sumário:i. Conceito e Objeto de Estudo - 2. Estado de Necessidade - 3. Legítima Defesa - 4. Exercício Regu lar de Direito - 5. Caso Fortuito e Força Maior - 6. Culpa Exclusiva ou Fato Exclusivo da Vítima - 7. Fato de Terceiro - 8. Cláusula de Não Indenizar.

i. CONCEITO E OBJETO DE ESTUDO

As excludentes de responsabilização são circunstâncias que afastam o dever de reparar por fulminarem o nexo de causalidade . Sem o nexo - um dos três elementos gerais da responsabil idade civil (conduta, dano e nexo) - não há responsabi l idade civil e, por con­seguinte, dever de reparação. O instituto costuma ser denominado na doutrina de causas excludentes de responsabilidade civil ou de causas excludentes do nexo causal'.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o MPE-SP/2006 foi considerada correta a seguinte as­sertiva: "A lei prevê, no entanto, as excludentes da responsabilidade civil, que afastam a responsabilidade do agente porque rompem o nexo de causalidade".

Trata-se de importante instituto que, em várias oportunidades, é util izado pelos tribunais na solução de conflitos, como já ocor­reu com a Súmula i32 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JusT1ÇA segu ndo a qual "A ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo a lienado". Realmente, a falha administrativa não poderia repercutir na esfera cível da reparação civil por absoluta ausência de nexo entre o acidente provocado pelo atual proprietário e o dano experimentado pela vítima. De fato, qual seria a participação

1. Conforme os ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho. ln Programa de Responsabi­lidade Civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 63.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

do antigo proprietário neste evento? Eis um belo exemplo da impor­tância do nexo causal.

Alguns autores, a exemplo de PAsLo Srnm GAGUANO E RoooLFo PAMPLONA F1LH0' sustentam, ainda, que na modalidade subjetiva de responsa­bilização, as excludentes, além de afastarem o nexo de causalida­de, são capazes de afastar a configuração da culpa, a exemplo do caso fortuito e da força maior. Isto, porém, não significa que tais excludentes se aplicam apenas à responsabil idade civil subjetiva. J ustamente por quebrarem o nexo de causal idade também devem incid ir na seara objetiva.

As excludentes de responsabil idade civil impossibilitam o adim­plemento obrigacional por fato superveniente, não imputável ao de­vedor. Buscando uma análise sistemática do tema, serão abordadas as seguintes excludentes de responsabi lização:

a) Estado de Necessidade

b) Legítima Defesa

e) Exercício Regular de Direito e Estrito Cumprimento do Dever Legal

d) Caso Fortuito e Força Maior

e) Culpa Exclusiva da Vítima ou Fato Exclusivo da Vítima

f) Fato de Terceiro

g) Cláusula de Não-Indenizar

Passamos a análise de cada uma das supramencionadas exclu­dentes.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Apresentando as principais hipóteses de exclusão da responsabilida­de civil, em concurso para o TRF-ia região foi apresentada a seguinte questão, com as respectivas alternativas, sendo considerada a correta a alínea "a": O fato lesivo, causado pelo agente, por ação ou omis­são voluntária, negligência ou imprudência, gerando a alguém dano pa­trimonial ou moral, acarreta o dever de indenizar, quando praticado:

2. ln Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. Vol. I l i . 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p . 101.

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

a) em desacordo com a ordem jurídica; b) em legítima defesa; c) em es­tado de necessidade; d) no exercício regular de um direito reconhecido; e) com deterioração da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente, não excedendo os l imites do indispensável para a remoção do perigo."

2. ESTADO DE NECESSIDADE

O estado de necessidade é uma excludente prevista expressa­mente no Código Civil (art. 188, li do CC). Nele, "O agente, por exem­plo, para desviar-se de um precipício, na direção de veículo, lança-se sobre uma pessoa; para desviar-se de uma árvore que tomba a sua frente inopinadamente, invade e danifica a propriedade alheia", como ilustra SíLv10 DE SALVO VENosA3.

Trata-se de instituto já previsto no anterior Código Civil de 1916, particularmente, no art. 160 (revogado) segundo o qual não constitui i lícito a "deterioração ou destruição da coisa a lheia para remover peri­go iminente". O Código Civil de 2002 manteve e melhorou o dispositi­vo para incluir a lesão à pessoa como hipótese passível de também se enquadrar no estado de necessidade.

Nas pegadas da legislação civilista (conceito legal), configura-se o estado de necessidade quando há a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo imi­nente. Esta conduta lícita será legítima desde que as circunstâncias a tornem absolutamente necessárias e não haja excesso aos limites do indispensável para remoção do perigo.

É d izer: para evitar um dano iminente, a vítima atinge a esfera jurídica alheia.

Doutrinariamente, conceitua-se o estado de necessidade na conduta de deterioração ou destruição de bem jurídico alheio, de valor jurídico igual ou inferior ao interesse que se pretende prote­ger, visando à remoção de perigo iminente e q uando as circunstân­cias do fato não autorizem outra forma de atuação. PABLo S1om GA­GLIANo E RODOLFO PAMPLONA F1LH04 definem o instituto como uma situação de

3 . ln Direito Civil. 7. ed .. São Paulo: Atlas, 2007. p. 54. 4. ln Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. Vol. I l i . 7. ed. São Paulo:

Saraiva, 2009. p. 102.

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agressão a um direito alheio, de valor jurídico igual ou inferior àque­le que se pretende proteger para remover perigo iminente, quando as circunstâncias do fato não autorizam outra forma de atuação.

Infere-se, por parte da doutrina, um conceito segundo a pon­deração de interesses. Há de se entender o instituto, portanto, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabil idade. Verifica­-se a afronta a um interesse jurídico tutelado para preservação de outro, cujo valor é igual ou superior. Ta l atuação há de ser propor­cional. Caso não o seja, estar-se-á diante de uma conduta ilícita, resultando em abuso de direito_ Como o ato emu lativo ocasiona responsabilidade objetiva, o excesso é punido independentemente da presença da culpa (art. 187 do CC)5.

É dizer: o abuso, o excesso, acarreta responsabi l idade civil por escapar da cobertura normativa indicada.

Ademais, se no exercício de um estado de necessidade for atin­gido · interesse de terceiro inocente, este deve ser indenizado. O ordenamento jurídico brasileiro vai além. Ordena que a reparação seja realizada pelo próprio agente que agiu em estado de necessi­dade - isto mesmo, por aquele que agia em conduta permitida pelo d ireito - tendo ação regressiva em face do verdadeiro causador do dano (arts. 929 e 930 do CC).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz do Trabalho do TRT-MG/2009 foi considerada ver­dadeira a seguinte assertiva: "No caso de destruição da coisa alheia para remover perigo iminente, não sendo a pessoa lesada ou o dono da coisa culpados do perigo, terão direito à indenização do prejuízo que sofreram".

Para muitos o raciocínio em comento revela uma completa in­congruência6, pois aquele que age licitamente tem o dever de inde­nizar, tendo apenas ação regressiva posterior. Porém, é justamente a opção codificada.

Elucidativos são os exem plos doutrinários sobre o tema .

5 . Sobre o tema, remete-se a o capítulo q u e s e dedica à análise d o abuso d e direito. 6. Nesse sentido Flávio Tartuce. ln Direito Civil. 4. ed. Direito das Obrigações e

Responsabilidade Civil. São Paulo: Método, 2009. p.556.

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

O primeiro remete a uma pessoa dirigindo o seu veículo, em com pleta observância às regras de trânsito, quando, repentinamen­te, depara-se com uma criança no meio da pista. Para não atropelá­-la, acaba por col id ir com um veículo estacionado e vazio. O proprie­tário do automóvel, em não sendo o pai da criança (causador do dano), haverá de ser ressarcido pelo condutor do veículo - isto mes­mo; àquele que agiu em estado de necessidade -, quem terá ação de regresso em face do pai da criança (real causador do dano).

o mesmo acontece se um o condutor, para não atropelar a alu­dida criança, colide com um muro. O proprietário do muro há de ser ressarcido pelo condutor, que terá ação em regresso em face do pai do menor.

Em um segundo exemplo, narra-se um incêndio em que um terceiro, com o fito de salvar-se, arrom ba a porta do prédio ao lado. Caso o proprietário do prédio ao lado não seja o causador do incêndio, haverá de ser ressarcido pelo terceiro, que terá ação regressiva em face do real causador do dano (incêndio).

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA?

O SurER10R TRIBUNAL oE Jusr1ÇA, por mais de uma oportunidade, já comungou da l inha de raciocínio aqui explicitada. Transcreve-se uma ementa exem­plificativa:

Responsabilidade Civil. Indenização. Preposto de empresa que, buscando evitar atropelamento, procede a manobra evasiva que culmina no abalro­amento de outro veículo. Verba devida pela empresa, apesar do ato ter sido praticado em estado de necessidade. Direito de regresso assegurado, no entanto, contra o terceiro culpado pelo sinistro. (STJ. REsp 124.527-SP. DJU 5-6-2000. RT 782/211)'. Estado de necessidade. Ônibus. Freada que provoca queda de passageiro. A empresa responde pelo dano sofrido por passageira no interior do coletivo, provocada por freada brusca do veículo, em decorrência de estilhaçamento do vidro do ônibus provocado por terceiro. O motorista que age em estado de necessidade e causa dano em terceiro que não provocou o perigo, eleve a este indenizar, com direito regressivo contra o que criou o perigo. (STJ, 209.o62/RJ).

7. No particular lembrar-se que responde a empresa por estar o preposto no exer­cício da função, falando-se em responsabilidade civil indireta e objetiva (arts. 932 e 933 do CC). Remete-se ao capítulo específico sobre o tema; qual seja: respon­sabilidade civil indireta.

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O motorista que, ao desviar de "fechada" provocada por terceiro, vem a colidir com automóvel que se encontra regularmente estacionado responde perante o proprietário deste pelos danos causadas, não sendo elisiva da obrigação indenizatória a circunstância de ter agido em estado de necessi­dade. Em casos que tais, ao agente causador do dano assiste tão-somente direito de regresso contra o terceiro que deu causa à situação de perigo (STJ, REsp. 12.840/RJ). Na sistemática do direito brasileiro, o ocasionador direto do dano responde pela reparação a que faz jus a vítima, ficando com ação regressiva contra o terceiro que deu origem à manobra determinante do evento lesivo (STJ, REsp. 127 .7 47 /CE).

PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH08 distinguem o estado de necessidade da legítima defesa, esclarecendo que naquela "o agente não reage a uma situação injusta, mas atua para subtrair um direito seu ou de outrem de uma situação de perigo concreto".

Seguindo a influência do direito penal , há quem realize distin­ção entre estado de necessidade defensivo e agressivo .

No defensivo , o agente, com o escopo de preservação de bem jurídico próprio ou alheio, sacrifica bem pertencente ao causador da situação de perigo. Exemplifica-se quando, nos casos narrados acima, o patrimônio atingido foi do pai da criança ou do causador do incêndio. Aqui não haverá dever de indenizar.

Já no agressivo , o agente, com o objetivo de preservar bem jurídico próprio ou a lheio, sacrifica patrimônio de terceiro. Aqui, o agente que agiu em estado de necessidade haverá de indenizar, tendo posterior ação em regresso em face do terceiro, conforme exem plos já narrados (arts. 929 e 930 do CC).

Interessante q ue, pela sistemática codificada, no estado de ne­cessidade agressivo há dever de indenizar pela prática de um ato lícito . Trata-se de situação excepcional e incongruente com o sis­tema despatrimonializado e repersonificado do direito civil, como já explicitado. Isto, porque, nos exemplos aqui trabalhados, aquele que priorizou a vida será responsabilizado, tendo mera ação em regresso. Esta, em virtude de várias situações - falando por todas: a

8. ln Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. Vol. I l i . 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 102.

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

execução vazia - pode não alcançar o objetivo pretendido. Penaliza­-se, assim, aquele que salvou urna vida humana.

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz Substituto do TJ-SE/2008 foi considerada correta a seguinte afirmativa: "Se o condutor de um veículo invadir a pista contrária para não colidir com outro que intercepta sua trajetória e as­sim colidir com veículo que transite corretamente na outra pista, nessa situação, o mencionado condutor não praticará ato i lícito, entretanto, subsistirá o dever de reparar os prejuízos que causou".

Apesar da crítica, digno de nota que o Código Civil vigente pro­moveu certo melhoramento do terna em relação à codificação ante­rior. Sim, ao revés do Código de 1916, que apenas previa o instituto para lesões patrimoniais, alargou-se o campo de incidência, con­templando danos às pessoas. Fil iou-se o sistema vigente ao Italiano. Logo, na dicção do art. 188, l i do CC, fala-se em estado de necessida­de tanto quando há deterioração ou destruição de coisa a lheia como também quando se verifica lesão à pessoa9•

Por fim, por força do art. 65 do CPP, a decisão penal que haja reconhecido estado de necessidade faz coisa julgada no cível. SíLv10 oE SALvo VENOSA diante da previsão codificada em confronto com a legis­lação penal adverte: "o dano causado em estado de necessidade não isenta seu causador, mesmo que tenha sido absolvido na esfera criminal [ ... ] embora parte da doutrina sustente que a legislação processua l penal tenha alterado a norma civil. Não é o que sustenta a jurisprudência"10• Isto, porém, não quer dizer que tal reconhecimento vai ocasionar o dever de reparação no cível, em virtude do já abordado.

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Ju iz Substituto do TJ-AP/2009 foi considerada incorreta a seguinte afirmativa: "A responsabilidade civil independe da criminal, porém, a absolvição do causador do dano, em ação penal, pelo reco­nhecimento de que agiu em estado de necessidade, torna automatica­mente certa a obrigação de indenizar.".

9. Nesse sentido Carlos Roberto Gonçalves. ln Direito Civil Brasileiro. Responsabilida­de Civil. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 459.

10. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 55.

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3. LEGÍTIMA DEFESA

A legítima defesa justifica a conduta lesiva, pois a ordem jurídica deve reconhecer ao indivíduo a possibi l idade deste usar dos meios necessários para repelir injusta agressão, atual ou iminente, contra si ou contra alguém de seu ciclo social, não apenas na defesa de bens materiais, como de bens imateriais da personalidade humana. Tam bém é isso o que pensa SíLv10 DE SALvo VENosA11•

A legítima defesa está prevista no Código Civil como excludente de responsabi l idade (art. 188, 1 do CC). O agente reage a uma agres­são injusta, atual ou iminente, dirigida a si ou a terceiro, utilizando os meios necessários, sem excessos.

o excesso, caracterizado pela utilização de via imoderada e desproporção no ato de defesa (neste caso, i legítima), configura o dever de reparar por afastar-se do preceito normativo.

o art. 188, 1, do CC é doutrinariamente denominado de legítima defesa real, cujo conceito é deveras próximo ao da seara penal, explicitado no art. 25 do CP.

o estudo da legíti ma defesa demonstra que apesar do d i rei­to repelir a vingança privada, como excludente, admite q ue, em situação específica, o ind ivíduo defenda-se, afastando agressão atual ou iminente de maneira proporcional . Se houver excessos, assim como no estado de necessidade, a h ipótese é de abuso de d ireito, falando-se em responsabi l idade objetiva pe lo ato emula­tivo (art. 187 do CC).

Ainda de forma análoga ao estado de necessidade, se interesse de terceiro inocente for atingido, haverá de ser indenizado pelo próprio agente que agiu em legít ima defesa. Este terá posterior

ação em regresso em face do real causador do dano (arts. 929 e 930 do CC). É a hipótese de aberratio ictus, na qual, por erro de pontaria ou engano, no exercício da legítima defesa é atingida pessoa de terceiro ou o seu patrimônio. Neste sentido a doutrina de SíLv10 DE SALvo VENOSA": "Se, porém, no ato de legítima defesa, o agen­te atinge terceiro ou os bens deste (aberratio ictus), deve reparar o

11 . ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 53. 12. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 53 .

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dano, dispondo de ação regressiva contra o ofensor, para reembolso

da indenização paga".

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA?

O SuPER10R TRIBUNAL oE JusT1ÇA, por mais de uma oportunidade, já assegurou tal direito. Transcreve-se ementa exemplificativa:

O agente que, estando em situação de legítima defesa, causar ofensa a ter­ceiro por erro de execução, responde pela indenização do dano, se provado no juízo cível sua culpa. A possibilidade de responsabilização, no caso da legítima defesa com aberratio ictus, ou no estado de necessidade contra terceiro que não provocou o perigo, não exclui o exame da culpa do agente na causação da lesão em terceiro. (RSTJ 113/290).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

A prova para Analista Judiciário - Área Judiciária/ TRT 15ª Região, realiza­da pela banca FCC, ano de 2013, trouxe a questão a seguir: Ernesto envolveu-se em uma briga de bar na qual desferiu socos e pontapés em todos a seu redor, incluindo José, dono do bar, que estava longe dos contendores e nada tinha que ver com a briga. Machucado, José ajuizou ação de indenização contra Ernesto, o q ual se defendeu alegando legítima defesa. O pedido deverá ser ju lgado a) procedente, com a responsabilização subjetiva de Ernesto, que agiu em abuso do direito. b) improcedente, pois a legítima defesa autoriza a prática dos atos indispensáveis à remoção do perigo. c) procedente, com a responsabilização objetiva de Ernesto, que agiu com dolo. d) improcedente, pois José exerce atividade de risco. e) procedente, com a responsabilização subjetiva de Ernesto, que agiu com dolo. O gabarito é a letra E.

O instituto da legítima defesa também fora adotado na seara do tratamento da posse no direito civil. Com efeito, exigindo requisitos análogos aos aqui explicitados, autoriza o art. i .210 do CC a legítima defesa da posse nos casos de turbação e o desforço incontinente no esbulho. Tanto em um, como no outro caso, a ação há de ser ime­diata e proporcional, punindo-se o excesso. A expressão utilizada pela doutrina nessas situações é desforço incontinente .

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Apesar de a doutrina civilista reconhecer a legítima defesa de terceiro como exclu dente, não se fala em legítima defesa putativa como apta a afastar a responsabil idade civilista.

PAsLo STOLZE GAGLIANo E RoooLFo PAMPLONA F1LH013 sustentam que a legítima defesa putativa "não isenta o seu autor da obrigação de indenizar", tendo em vista que esta hipótese interfere tão somente no âmbito da culpabil idade penal. Curiosamente, neste caso o envolvido será absolvido na esfera crime, porém condenado no âm bito civil. Tal posicionamento, hoje, é majoritário.

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL oe JuSTJÇA?

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JusnÇA, por mais de uma oportunidade, já afirmou que não há aplicabil idade da legítima defesa putativa no direito civil, perma­necendo a obrigação de indenizar. Transcreve-se ementa:

Civil - Dano moral - Legítima defesa putativa. A legítima defesa putativa su­põe negligência na apreciação dos fatos e por isso não exclui a responsa­bilidade civil pelos danos que dela decorram. Recurso Especial conhecido e provido. (STJ . REsp 513.891/RJ. Processo 2003/00332562-7. 3ª Turma. Rei. Min. Ari Pargendler. J. 23.opoo7. DJU 16.opoo7).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz Substituto do Tribunal de justiça do Tocantins/2007 foi considerada inverídica a seguinte assertiva: "A legítima defesa puta­tiva é causa excludente de responsabil idade civil pelo prejuízo causado, em razão de o ofensor acreditar encontrar-se diante de uma injusta agressão. Nesse caso, por não constituir ato ilícito, apesar de causar dano aos direito de outrem, não acarreta o dever de indenizar".

Na legítima defesa putativa o agente reage a uma agressão ima­ginária, suposta, irreal, utilizando-se de meios proporcionais. Verifi­ca-se quando um agente, imaginando (equivocadamente) que seu desafeto iria o agredir, por caminhar em sua direção e colocar uma mão no bolso, contra-ataca primeiro, agredindo-o.

Em síntese: malgrado a legítima defesa putativa interferir na análise da culpabi l idade penal (excludente de culpabi l idade e

13. ln Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. Vol. I l i . 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p . 10i.

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

dirimente penal), não exclui o i lícito (antijuridicidade) da conduta na seara cível. Assim, no mundo do direito civil haverá de falar-se de ato i lícito e ressarcimento.

Tam bém assim pensa a doutrina de SíLv10 DE SALVO VENosA'4: "A legí­tima defesa putativa não inibe o dever de indenizar, porque exclui a culpabilidade, mas não a antijuridicidade".

Por fim, registra-se que por força do art. 65 do CPP, a decisão penal que haja reconhecido legítima defesa faz coisa julgada no cível.

4. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO

Trata-se de mais uma excludente de responsabilidade civil reco­nhecida na legislação, especificamente no art. 188 do CC. Destarte, se alguém age protegido pelo direito, não poderá estar atuando em desrespeito deste mesmo direito . O raciocínio é elementar.

PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH015 exemplificam com : a) a autorização do Poder Público para desmatamento controlado de de­terminada área rural, com o escopo de posterior plantio; b) peque­nas violações à integridade física em função de práticas esportivas, a exemplo do boxe, MMA ou futebol.

Sobre o ú ltimo exemplo os autores apresentam uma análise à luz do princípio da adequação social remetendo apenas ao exercí­cio regu lar do d ireito caso a lesão seja cometida no exercício des­portivo, sem excessos ou dolo. Decerto, no momento em que se fala de excesso no exercício do d ireito remete-se ao abuso de direito, o qual remonta a uma responsabilidade de índole objetiva, indepen­dentemente de culpa, a partir de um critério objetivo-finalístico (art. 187 do cc e Enunciado 37 do CJF)16•

O excesso, por conseguinte, deve ser punido de forma veemen­te. Para muitos, no caso de atividades desportivas, o agressor, que pratica o ato de forma dolosa, deve ficar afastado da atividade

14 . ln Direito Civil. 7. ed .. São Paulo: Atlas, 2007. p. 53. 15. Op. Cit. p. 101.

16. O tema abuso de direito está devidamente verticalizado no capítulo que se dedi­ca à responsabilidade objetiva, para o qual remete o leitor.

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pelo mesmo tempo em que o agredido. O leading case no Brasil é o caso do atleta Dodô, lateral esquerdo do Esporte C lube Bahia que fora lesionado por suposta prática dolosa de Bolívar, jogador do Internacional. o SUPERIOR TRIBUNAL DE J USTIÇA DESPORTIVA (STJD) determinou que Bolívar não jogasse até a completa recuperação de Dodô. Puniu, portanto, o excesso, o abuso por violação ao princípio da adequa­ção social . Contudo, à margem de legislação a prever, especialmente no d ireito civil, esta hipótese, deve-se melhor refletir sobre o tema à luz do princípio da legalidade.

Na jurisprudência há alguns interessantes precedentes versando sobre o tema.

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA?

O Surrn10R TRIBUNAL oE Jusr1çA já afirmou ser exercício regular de direito a ins­crição do nome em cadastros de restrição ao crédito (SPC e SERASA, por exemplo), desde que diante do inadimplemento e consoante o devido processo legal - atento, dentre outros, ao dever de prévia comunicação. Cita-se:

Indenização. I nscrição no SPC. O posicionamento do Tribunal decorreu da aná lise do contrato celebrado entre as partes, bem como do conjunto probatório dos autos, considerando que não houve conduta ilícita da ré ao determinar a inscrição no cadastro de inadimplentes em razão da falta de pagamento das mensalidades do curso. Consta do acórdão que hou­ve, na verdade, o descumprimento do contrato por parte do autor, que deixou de comunicar a sua desistência do curso conforme previsão con­tratual expressa. Também considerou o acórdão que não restou compro­vada a alegação de propaganda enganosa. (STJ, Acórdão: AGR 555.171/RS (200301802977), 557358. Agravo regimental no agravo de i nstrumento. Data da decisão: 25.05.2004. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Fonte: DJ 02 .08.2004. p. 379).

O mesmo raciocínio enunciado pode ser aplicado ao protesto de título na hipótese de ausência de pagamento no prazo fixado. Caso, porém, a duplicata seja irregular ou não aceita, mais uma vez restará verificado o abuso de direito, falando-se na necessidade de indenização. Menciona­-se mais uma decisão do STJ :

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AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESPONSABILIDADE CIVIL - DU­PLICATA - PROTESTO INDEVIDO - ENDOSSO·TRANSLATIVO - DANOS MORAIS CARACTE­RIZADOS - FIXAÇÃO - RAZOABILIDADE - CORREÇÃO MONETÁRIA - INCIDÊNCIA - ARBI­TRAMENTO DA VERBA - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte é pacífica ao proclamar que, tratando-se de duplicata irregu lar, desprovida de causa ou não aceita, hipótese observada

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

no caso em tela, deve o Agravante responder por eventuais danos que te­nha causado, em virtude desse protesto, pois, ao encaminhar a protesto título endossado, assume o risco sobre eventuais danos que possam ser cau­sados ao sacado. Assim, não há que se falar em exercício regular de direito.

li. É possível a intervenção desta Corte para reduzir ou aumentar o valor indenizatório por dano moral apenas nos casos em que o quantum arbitrado pelo Acórdão recorrido se mostrar irrisório ou exorbitante, situação que não se faz presente no caso em tela.

I l i . A orientação das Turmas que compõem a Segunda Seção deste Tribunal, nos casos de indenização por danos morais, é no sentido de que deve in­cidir a correção monetária a partir da fixação de um valor definitivo para a condenação, in casu, o Acórdão recorrido.

IV. O Agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a con­clusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.

Agravo Regimental improvido. (STJ. AgRg no Ag 1380089 / SP. AGRAVO REGIMEN­TAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2011/0003536-5. Relator: Ministro Sidnei Beneti. Terceira Turma. Data do Julgamento: 12.04.2011.)

Seguindo o STJ, há interessante julgado imputando responsabil idade civil aos empregadores, por queda do edifício de empregada, trancada em apartamento, por suspeita de furto, em função do abuso de direito. Não assiste aos empregadores a prerrogativa de trancar a empregada em apartamento para averiguação de suposto furto, configurando-se conduta ilícita por ato emulativo. Cita-se trecho da ementa:

Civil e Processo civil. Responsabilidade civil. Empregada doméstica. Suspeita de furto. Trancamento no apartamento. Queda do edifício. Suspeita de suicí­dio. Irrelevância. Responsabilidade dos patrões. Exercício regular de direito. lnocorrência. Uso imoderado do meio. [ . . . ]. (REsp. 164.391/RJ. Rei. Min. Sálvio de Figueiredo. Julgado em 28.6.1999).

� Como se pronunciou o TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO?

o TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO referendou entendimento que o emprega­dor pode fiscaliza.r o e-mail corporativo do empregado, e, inclusive despedi-lo por justa causa na hipótese de uso indevido, a exemplo de veiculação de material pornográfico. Em sendo o empregador respon­sável - indireta e objetiva - por atos do empregado (art. 932 do CC), detém o exercício regular do direito de fiscalização, não se fa lando em quebra de privacidade ou sigilo, pois, repisa-se, o e-mail é profissional. Cita-se trecho da ementa:

Prova ilícita - E-mail corporativo - Justa causa - Divulgação de material por­nográfico. Os sacrossantos direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, concernem à comunica­ção estritamente pessoal, ainda que virtual (e-mail particular). Assim, apenas

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o e-mail pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de prove­dor próprio, desfruta a proteção constitucional e legal da i nviolabi l idade. 2. Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado e-mail corpora­tivo, instrumento de comunicação virtual mediante o qual o empregado louva-se de terminal de computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio endereço eletrônico que lhe é disponibi l izado igual­mente pela empresa. Destina-se este a que ne le trafeguem mensagens de cunho estritamente profissional . [ . . . ]. Ostenta, pois, natureza jurídica equivalente a uma ferramenta de trabalho proporcionada pelo empre­gador ao empregado para a consecução do serviço. [ . . . ]. A experiência subministrada ao magistrado pela observação do que ord inariamente acontece revela que notadamente o e-mail corporativo não raro sofre acentuado desvio de final idade, mediante sua utilização abusiva ou i le­gal, de que é exemplo o envio de fotos pornográficas. [ . . . ]. (TST. Proc. RR 613/2000-013- 10-00. Pub licação: DJ io.06.2005. Primeira Turma. Relator: João Oreste Dalazen).

SíLv10 oE SALvo VENOSA adverte, entretanto, que se no exercício regu­lar de um direito ocorrer lesão a bem jurídico de terceiro, o agente estará obrigado a reparar o dano: "Quando, porém, se trata de exer­cício legal de um direito que atinge bem jurídico de terceiro, o agente estará obrigado a reparar o dano"11.

Discussão interessante é saber se o estrito cumprimento de dever legal tam bém seria excludente de responsabi l idade civil, ao passo que o art. 188 codificado não o menciona expressamente.

Para concursos mais objetivos, organizados principalmente pela FCC ou ESAF, o a luno deve ficar extremamente atento ao texto de lei. Assim, se a questão indagar quais as excludentes contempladas pelo Código Civil, não deve ser inserido o estrito cumprimento do dever legal.

Cediço, porém, que a doutrina, seguindo os ensinamentos de FREDERICO MARQUES, insere o estrito cumprimento do dever legal no rol das excludentes, ao lado do exercício regular de direito. É assim desde a época do CC/16.

Na jurisprudência costumam os livros recordarem da solicitação de alguns estabelecimentos para que os consumidores deixem seus

17. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 53.

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

bens em um guarda-volumes, enquanto estão nas dependências da loja. A conduta é lícita, referendada por um exercício regular de direito ou um estrito cumprimento de um dever legal. Acerca do assunto, menciona-se ju lgamento da Casa Judicial Gaúcha:

Responsabi l idade Civi l . Solicitação para deixar a sacola no guarda-volumes, dentro do estabelecimento do hiper­mercado. Praxe adotada no comércio. Dano mora l . I nexis­tência. Cl iente que se sente incomodado ao ser solicita­do pelo funcionário da loja para que deixe a sacola no guarda-volumes. l nocorrência de dano moral . Procedimen­to de rotina, adotado para com todos os clientes. Ausên­cia de d iscriminação racial, pelo fato do autor ser negro. Os funcionários agiram com estrito cumprimento do dever legal. Não de pode considerar qua lquer dissabor enfren­tado pelas pessoas no seu cotidiano, como fato passível de indenização por dano mora l . Apelação Desprovida. (Ap. Cível número 70002638112 . Décima Câmara Cível . Tri bunal de Justiça do Rio Grande do Sul . Re i . Des. Lu iz Ary Vessini de Lima. J. 25 . 10.201 1).

Recorda CARLos RosERTo GoNÇALvEs'8 que nos casos de estrito cumpri­mento do dever legal do agente público, malgrado o agente não ser responsabilizado, a vítima pode buscar indenização perante o Estado, haja vista a responsabi l idade objetiva do Poder Público por ações comissivas (art. 37, §6° da CF/88). Neste caso, porém, o Estado não terá ação regressiva em face do agente - apenas cabível em situações de dolo ou cu lpa - por este estar amparado pela exclu­dente de responsabi lização.

5. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR

Segundo SíLv10 DE SALvo VENOSA o caso fortuito e a força maior ex­cluem a responsabi l idade civil porque, à vista deles "inexiste relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado danoso". Lembra o autor que o caso fortuito, denominado act of god (ato de Deus no direito anglo-saxão) "decorreria de forças da natureza, tais como terremoto, a inundação", enquanto a força maior "de atos

18. Op. Cit. p. 462.

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LUCIANO F IGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

humanos inelutáveis"'9• Reconhece, porém, o doutrinador, a própria imprecisão destes conceitos por força das divergências acadêmicas admitindo que alguns autores relacionam o caso fortuito a ideia da imprevisibi l idade e i rresistibil idade, ao contrário da força maior, re­lacionada por algo irresistível, porém previsível.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Advogado da PETROBRAS/2010 foi considerada correta a seguinte assertiva: "A força maior é causa de exclusão da responsabi­lidade no descumprimento da obrigação. O principal fundamento para essa excludente é que há o rompimento do nexo de causalidade nessa hipótese".

São excludentes de responsabi l idade civil, previstas no art. 393 do Cód igo Civi l atual, equivalente ao art. i .058 do Cód igo de i916. Neste aspecto não há diferença entre a anterior e a atual legislação.

Sobre o caso fortuito e a força maior reputa enorme polêmica acadêmica, em vista da dificu ldade doutrinária de diferenciar os institutos (qual a d iferença entre caso fortuito e força maior?). A celeu ma é tão grande que, por vezes, se percebe doutrinadores com posições d iametra lmente opostas, gerando confusão concei­tuai. A d ivergência, porém, é meramente doutrinária. O Código Civi l não se ocupou em conceituar os institutos. j usto por isto, PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA FILH020, bem como SILVIO DE SALVO VENOSA", i nformam inexistir importância pragmática em tal d iferen­ciação. Concordamos para avançar no sentido de nos parecer que a d istinção desprestigia o princípio da opera bi l idade do Direito Civi l . Ocorre que, para provas su bjetivas, por vezes é im portante tal d istinção.

Em um esforço doutrinário, percebe-se que:

19 . ln Direito Civil .7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p . 45. 20. Op. Cit. P. 110. 2i. ln Direito Civil - Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2002. p. 254.

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Maria Helena Diniz

Agostinho Alvim

Álvaro Villaça Azevedo

Carlos Roberto Gonçalves

EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Conhece-se o motivo ou causa que dá ocorrência ao fato, o qual decorre da natureza. Ex.: raio, terremoto, fortes chuvas.

Acontecimento externo. Tam­bém chamado de fortuito ex· terno ou act of God.

Fato de terceiro ou do credor. Atuação humana, não ligada ao devedor, que impossibilita o cumprimento obrigacional.

Derivada de acontecimentos naturais. Ex.: Raio, inundação e terremoto.

A causa é desconhecida, como o rompimento de um cabo elétrico.

Impedimento relacionado à pessoa do devedor ou sua empresa. É o chamado fortui­to interno.

Acontecimento provindo da natureza sem qualquer inter­venção humana.

Decorre de fato alheio à von­tade das partes. Ex.: greve, motim e guerra.

o fato é que a maioria da doutrina -cite-se, como exemplo, PABLo SrnLZE GAGLIANo E RoooLFo PAMPLONA F1LH022, bem como SÉRG10 CAvAL1ER1 F1LH023 -sustenta que tanto o caso fortuito, como a força maior, ligam-se à noção do inadimplemento sem culpa, sendo excludente de respon­sabil ização por afastamento do nexo causal.

A força maior (Act of God) seria inevitável , ainda que previsível, por ter sua causa conhecida. Relaciona-se a eventos da natureza, como o terremoto. Já o caso fortuito é imprevisível para o homem médio, como um atropelamento. Decorre de condutas humanas.

A imprevisibilidade em comento, conforme lembra SÉRG10 CAvAuERI F1LH0'4, há de ser analisada no caso concreto, e não em abstrato, sob pena de tudo passar a ser previsível. Ademais, a inevitabilida­de deve ser observada segundo parâmetros médios de conduta. Logo, deve-se exigir mais segurança em um banco do que em um estacionamento.

22. Op. Cit. p. 111. 23- Op. Cit. p . 65. 24. Op. Cit. p . 65.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

De tal modo, o Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul enten­deu não haver a configuração do caso fortuito por haver previsibi l i­dade no caso concreto:

APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE PASSIVA E CERCEAMENTO DE DEFESA. ESTIAGEM. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR NÃO CONFIGURADA. INADIMPLEMENTO DA CÉDULA DE PRODUTOR RURAL. AVAL SEM ANUÊNCIA DO CÔNJUGE. INADIM­PLEMENTO DO TÍTULO. IMPROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS DE DEVE­DOR. (. .. ) Caso fortuito ou força maior: A estiagem, embora decorrente de fatores climáticos, não se configura como cau­sa excludente da responsabil idade do devedor, pois consiste em evento previsível, especialmente, quando ocorrera em outras épocas. (. .. ) Sentença mantida. APELO CONHECIDO PAR­CIALMENTE. NA PARTE CONHECIDA, PRELIMINARES REJEITADAS E RECURSO DESPROVIDO. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível N° 70028859379, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Maria Canto da Fon­seca, ju lgado em 20/06/2013)

Ainda nas pegadas da doutrina, a configuração do caso fortuito e da força maior exige um fato não culposo, superveniente, inevi­tável e irresistível.

Mas será que sempre que estiver presente o caso fortuito e a força maior haverá isenção de responsabil idade civil?

A resposta é negativa. Existem hipóteses nas quais, ainda que presente a configuração de caso fortuito ou força maior haverá res­ponsabil idade civil. São elas:

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a) Mora. Caso haja mora - seja do devedor ou do credor - o causador do atraso responderá, ainda que a perda do obje­to decorra de caso fortuito ou força maior. As únicas exclu­dentes passíveis de incidência na mora são a comprovação de isenção de culpa, ou que o evento aconteceria ainda que a obrigação houvesse sido oportunamente cumprida (art. 399 do CC).

b) Perda do Objeto nas Obrigações de Dar Coisa Incerta. Caso a referida perda ocorra antes da escolha, responderá o deve­dor, ainda que na hipótese de caso fortuito ou força maior (art. 246 do CC). J usto por isto, afirma-se em direito obriga­cional que o gênero não perece nunca.

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

e) Autonomia Privada. Da leitura do art. 393 do CC se observa que o próprio legislador possibilita às partes, no exercício de sua l iberdade contratual, expressamente afastar a inci­dência da excludente do caso fortuito e força maior. Seria a exclusão da excludente, em promoção à autonomia privada. Dessa forma, é usual verificar-se, por cláusula expressa, res­ponsabil idade da em presa locadora de geradores de ener­gia ainda no caso fortuito ou força maior. Alguns doutrinado­res, a exemplo de FLÃv10 TARTUCE25, denominam esta cláusula de assunção convencional .

d) Fortuito Interno. Com base nos ensinamentos de Acos11NHO AL­v1M a doutrina e a jurisprudência firmam diferenciação entre o fortuito interno e o externo. Assim, interno é o fortuito ligado à pessoa ou coisa do agente ou sua empresa . Já o fortuito externo decorre de fator estranho à pessoa do de­vedor ou sua empresa, tendo causa ligada à natureza, como raio, queda de barreiras e inundações. o fortuito interno apenas excluirá responsabilidade civil caso esta seja sub­jetiva (fundada na culpa) . Todavia, na objetiva, fundada na teoria do risco, não exclui . justo por isto, não é excludente de responsabil idade civil a derrapagem na chuva, estouro de pneus, quebra de barra de direção, mal súbito do moto­rista, rompimento dos freios, todos relacionados ao contra­to de transporte - responsabi lidade objetiva por relação de consumo e obrigação de resu ltado. No que tange ao fortuito externo sempre será excludente de responsabil idade civil, equi parando-se à força maior.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No tocante ao fortuito interno, tratando-se de responsabilidade objeti­va, a prova para Analista Administrativo - Direito/ TCE-ES, banca CESPE, ano de 2013, considerou correta a afirmativa: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno re­lativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de opera­ções bancárias".

25. Op. Cit. p. 561.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

e) No Contrato de Comodato. O art. 583 do CC afirma que se o objeto do comodato se encontrar em situação de risco, jun­tamente com outros do comodatário, este não pode preferir a salvação dos seus e abandonar os do comodante, sob pena de responder pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir caso fortuito ou força maior.

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL oe JumÇA?

o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA adota a tese de AGOSTINHO ALVIM no que tange a divisão do fortuito em interno e externo, bem como a impossibil idade de afastamento da responsabil idade objetiva por fortuito interno. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABI­LIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. PROBLEMAS TÉCNICOS. FORTUITO INTERNO. RISCO DA ATIVIDADE. VALOR DA INDEN IZAÇÃO. MODERAÇÃO. REVISÃO. SÚMULA N. 7/STJ .

i. A ocorrência de problemas técnicos não é considerada hipótese de caso fortuito ou de força maior, mas sim fator inerente aos próprios riscos da atividade empresarial de transporte aéreo (fortuito interno), não sendo pos­sível, pois, afastar a responsabilidade da empresa de aviação e, consequen­temente, o dever de indenizar.

2. É inviável, por força do óbice previsto na Súmula n. 7 do STJ. a revisão do quantum indenizatório em sede de recurso especial, exceto nas hipóteses em que o valor fixado seja irrisório ou exorbitante.

3. Agravo regimental desprovido por novos fundamentos. (STJ. AgRg no Ag 1310356 / RJ . AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2010/0091553-0. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Quarta Turma. Data do Ju lgamento: 14.04.2011).

A tese aplica-se, até mesmo, no que tange à responsabil idade civil do Estado, equiparando-se o fortuito externo à força maior (Act of God). Já decidiu o mesmo STJ :

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Administrativo. Responsabilidade Civil do Estado. Força maior. A força maior exclui a responsabilidade civil do Estado quando descaracteriza o nexo de causalidade entre o evento danoso e o serviço público; não se qualifica como tal a tentativa de roubo de veículo apreendido por trafegar sem li­cença, que se encontrava sob a guarda da repartição pública, porque nesse caso o Estado deve estar preparado para enfrentar a pequena criminali­dade. Responsabilidade pelos danos causados no veículo. Recurso Especial não conhecido. (STJ . REsp 1997/0039492-1, DJ 2-3-98, p. 62, Relator: Ministro Ari Pargendler).

Assalto à mão armada iniciado dentro de estacionamento coberto de hi­permercado. Tentativa de estupro. Morte da vítima ocorrida fora do esta

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

belecimento, em ato contínuo. Relação de consumo. Fato do serviço. Força maior. H ipermercado e shopping center. Prestação de seguran·ça aos bens e à integridade física do consumidor. Atividade inerente ao negócio. Ex­cludente afastada [ . . . ] A prestação de segurança aos bens e à integridade física do consumidor é inerente a atividade comercial desenvolvida pelo hipermercado e pelo shopping Center; porquanto a principal diferença exis­tente entre estes estabelecimentos e os centros comerciais tradicionais reside justamente na criação de um ambiente seguro para a realização de compras e afins, capaz de induzir e conduzir o consumidor a tais pra­ças privilegiadas, de forma a incrementar o volume de vendas. Por ser a prestação de segurança e o risco ínsitos à atividade dos hipermercados e shoppings centers, a responsabil idade civil desses por danos causados aos bens ou à integridade física do consumidor não admite a excludente de força maior derivada de assalto à mão armada ou qualquer outro meio irresistível de violência. (STJ. REsp 419.059/SP, DJ 29-n-2004, p . 3 15, Relato­ra: Ministra Nancy Andrighi).

6. CULPA EXCLUSIVA OU FATO EXCLUSIVO DA VÍTIMA

Consiste no fato ou conduta exclusiva da vítima apta a inter­romper o nexo de causal idade e, por conseguinte, excluir a res­ponsabi l idade civil. Para tanto, exige o STJ que o réu demonstre suficientemente este fato. O ônus da prova de demonstração da cu lpa exclusiva da vítima, portanto, é do réu (vide REsp 439408/ SP, DJ 21-10-2002). E não poderia ser diferente, à luz do regime do ônus probatório previsto no art. 333, do Cód igo de Processo Civil. Tratando-se de fato impeditivo alegado pela defesa, esta atrai para si o ônus da prova deste fato.

A culpa exclusiva da vítima não foi referida no Código Civil de 1916. O atual, quando muito, discipl ina a culpa concorrente (art. 945, CC) sem, contudo, apresentar referência expressa sobre a hipótese na qual apenas a vítima é culpada. Na lição SíLv10 oE SALvo VENOSA com "a culpa exclusiva da vítima, desaparece a relação de causa e efeito entre o dano e seu causador", daí constituir isto hipótese excludente da responsabil idade civil'6, aplicável, inclusive, em sede de respon­sabilidade civil objetiva.

26. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 46.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz Substituto do TRT 2ia Região/2012 foi considera­da inverídica a seguinte assertiva: "Na hipótese de culpa concorrente entre a vítima e o autor do dano, não incide a responsabilidade deste último, quanto ao dever de reparação, salvo se comprovada a ocorrên­cia de culpa grave".

� Atenção!

O Decreto-Lei 2.681/1912 em seu art. 17 positivou hipótese de culpa exclusiva da vítima como situação a exclu ir a responsabi l idade civil no acidente ferroviário. É possível entender, como faz a d outrina, que este preceito legal poderia ser aplicado por analogia aos demais con­tratos de transporte. Contudo, isto não poderá se confundir, jamais, com situação na qual a culpa é concorrente. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu: "Acidente ferroviário - Vítima Fatal - Cul­pa concorrente - Danos morais e materiais. Neste Superior Tribunal de Justiça prevalece a orientação jurisprudencial no sentido de que é civi lmente responsável a concessionária do transporte ferroviário pelo falecimento de pedestre vítima de atropelamento por trem em via férrea, porquanto incumbe à empresa que explora ta l atividade cercar e fiscalizar, eficazmente, a l inha, de modo a impedir a sua invasão por terceiros, notadamente em locais u rbanos e populosos. Nesses casos, é reconhecida a culpa concorrente da vít ima q ue, em razão de seu comportamento, contribuiu para o acidente, por isso a indenização deve atender ao critério da proporcional idade, podendo ser reduzida à metade. (REsp. 257090/SP).

Lembra CARLos Rosrnm GoNÇALvEs'7 que q uando caracterizada a culpa exclusiva em comento, no mais das vezes o suposto ofensor é um mero instrumento para a prática do dano . É o que se observa com o sujeito que, objetivando retirar a sua própria vida, atira-se na frente de um carro em movimento. Com efeito, o suposto agente do atropelamento (condutor do veículo) é um mero instrumento para a lesão, perpetrada por culpa exclusiva da vítima.

Nas palavras de SÉRGIO CAvAUERI F1LH028 e em rigor técnico, seria mais correto falar-se em fato exclusivo da vítima, ao revés de culpa

27. Op. Cit. p. 463. 28. Op. Cit. p. 64.

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

exclusiva da vítima. Como pondera o aludido autor, a problemáti­ca refere-se ao nexo de causal idade, não devendo a discussão ser posta no terreno da culpa. Justo por isto, o Direito Italiano utiliza da expressão relevância do comportamento da vítima. Entrementes, no Brasil, a maioria da doutrina utiliza-se tanto da expressão culpa exclusiva da vítima, como fato exclusivo da vítima, como sinônimos.

� Como se posicionou o Tribunal Superior do Trabalho sobre esse tema?

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. ACIDENTE DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAL, MATERIAL, ESTÉTICO E PSICOLÓGICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. EXCLUDEN­TE DE RESPONSABILIDADE. Constatada a culpa exclusiva da vítima, impossível o reconhecimento da responsabilidade civil do empregador. Agravo de ins­trumento conhecido e desprovido . (TST - AIRR: 470-67.2012.5.03.0142, Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 05/06/2013, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/06/2013).

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - ACIDENTE DO TRABALHO FATAL - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA - EX­CLUDENTE DE RESPONSABILIDADE - REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS . o Tribunal Regional, ao decidir o litígio, empreendeu acurada análise do acervo proba­tório para a formação de seu convencimento e concluiu que o acidente do trabalho fatal ocorrido , deu-se em razão de culpa exclusiva do empregado; na medida em que, ao contrário do que foi sustentado, a empresa fornecia e fiscalizava o uso do equipamento de proteção (cinto de segurança retrá­til) e havia treinamento em segurança do trabalho aos seus empregados. Na forma como posto, portanto, apenas mediante o revolvimento dos fatos e provas dos autos seria possível chegar-se a conclusão pretendida pelos recorrentes. Incidência da Súmula n• 126 do TST. Agravo de instrumento des­provido . (TST - AIRR: 444-8po10.5.04.0733, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 18/09/2013, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/09/2013).

I nteressante a lembrança de SiLv10 DE SALvo VrnosA sobre a Lei 6.453/77 que discipl ina a responsabil idade por danos nucleares e exclui o operador nuclear quando provado ter o dano decorrido de resu ltado exclusivamente da cu lpa da vítima, situação na qual o operador nuclear será exonerado apenas em relação àquela vítima da obrigação de indenizar'9•

29. ln Direito Civil. 7 . ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 48.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Não deve, porém, como visto acima, o futuro aprovado confun­dir a culpa exclusiva da vítima com a culpa concorrente ou culpas comuns. Nesta há uma repartição da culpabi l idade, tendo concorri­do culposamente para o evento tanto o agente como a vít ima. Neste cenário, ordena o art. 945 do Código Civil que haja a repartição de responsabil idades, mediante a verificação do grau de culpabil idade. Sendo assim, a culpa concorrente não adentra como excludente de responsabi l idade civil, mas apenas como um fator apto a influir na quantificação do dano.

A verificação da concorrência de culpas não ocasionará, ne­cessariamente, u m a d ivisão igual itária da responsabi l ização. Há casos em que as Casas Jud iciais entendem pelo fracionamento igua litário (50°k para cada u m). Em outros é d eterminada respon­sabi li dad es diferenciadas, como 25ºt, x 75°k; 4oºt, x 6oºL. Casuística corrique ira na j urisprudência remete ao motociclista que vai a óbito, em acidente de menor gravidade, pela ausência de utiliza­ção do capacete. Configu rada a culpa concorrente do motociclista e do causador do acidente, o qua l, por si só, não seria capaz de ocasionar o fa lecimento.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ainda nesse sentido, no certame do mesmo cargo para a 2ia Região/2012 foi considerada correta a proposição: "não apenas a culpabilidade do autor do dano, mas também a da vítima, devem ser consideradas para fins de fixação do quantum indenizatório."

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Já no certame para DPE-SE/2012 foi considerada verdadeira a proposi­ção: "Embora a indenização por ato ilícito proveniente de dano extra­contratual seja medida pela extensão do dano, se a vítima tiver concor­rido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada com base na gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano."

Por fim, o CóDIGD DE DEFESA Do CoNsuM1DoR faz alusão ao tema como excludente de responsabi l idade do fornecedor (art. 12, §3°, I l i e 14

§3°, 1 1).

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

7. FATO DE TERCEIRO

O fato de terceiro é o ato praticado por pessoa diversa da vítima e, portanto, responsável; ato este que ocasiona o evento danoso. Por ser a lesão decorrente, exclusivamente, da conduta de um terceiro, afasta o nexo de causalidade e, por conseguinte, a responsabil idade civil.

Para SíLv10 DE SALVO VENOSA o fato de terceiro apenas exclui a res­ponsabil idade civil quando realmente constituir causa estranha à conduta, aspecto que "elimina o nexo causa/"3º.

Segundo PABLo SrnLZE GAGUANO E RoDoLFo PAMPLONA F1LH031, de todas as excludentes esta é que encontra maior resistência no direito pátrio. Tal se dá por seguir o Código a influência francesa, não mencionan­do expressamente o fato de terceiro como excludente de responsa­bi l idade, por entender o legislador que está abrangido pelo fortuito.

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Promotor de justiça Substituto do MPE-SP/2006 foi re­alizado questionamento acerca das excludentes de ilicitude presentes no art. 188 do CC, sendo correta a seguinte resposta: "legítima defe­sa, exercício regular de direito reconhecido e estado de necessidade". Constata-se, portanto, que o Código Civil atual não tratou expressamen­te da hipótese de fato de terceiro, especificamente no art. 188 do CC, nem nos demais dispositivos do seu corpo legislativo, sendo, entretan­to, defendido pelos autores desta obra como uma excludente.

I n icialmente há resistência legislativa ao fato de terceiro no mo­mento em que os arts. 929 e 930 do CC informam que se alguém, no exercício de legítima defesa, ou no estado de necessidade, lesionar terceiro inocente, haverá de indenizá-lo, tendo apenas futura ação em regresso em face do real causador da legítima defesa ou do estado de necessidade32•

Ora, se o mero fato de terceiro já fosse reconhecido claramente como excludente, o lesado haveria de buscar o seu ressarcimento

30. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 56. 31. Op. Cit. p. 116. 32. o tema em comento já for a tratado nos pontos referentes à legítima defesa e

ao estado de necessidade.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

diretamente em face do terceiro. Esta não foi a opção do legislador nacional.

Para instrumentalizar o processo e festejar a economicidade e celeridade, admite o direito brasileiro, em casos como o em tela, a denunciação da lide (art. 70, I l i do CPC), possibilitando-se que o magistrado já resolva toda a questão de uma só vez, em uma única sentença, divida em capítulos. No primeiro soluciona-se a demanda principa l e no segundo a regressiva/secundária fruto da denuncia­ção, buscando-se responsabilizar o garantidor.

Contudo, nas hipóteses de responsabi l idade civil por acidentes de consumo é vedada a apl icação da denunciação da lide. O Supe­rior Tribunal de justiça ampliou a proibição de denunciação da l ide, prevista no artigo 88 do CDC, para as demais ações de indenização propostas por consumidor.

� Como se posicionou o Superior Tribunal de Justiça?

De tal modo decidiu o Superior Tribunal de Justiça , no ano de 2014:

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DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE AÉREO. FALE­CIMENTO DE PASSAGEIRO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. CONDUTA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE PROVAS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. VEDAÇÃO CONSTANTE DO CDC. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDIMENSIONAMENTO INCABÍVEL.

1.- O Tribunal de origem indeferiu a denunciação da lide, afirmando que ela não teria cabimento em face da natureza consumerista da relação jurídica em debate. Esse fundamento não foi impugnado nas razões do Recurso Es­pecial, atraindo a incidência da Súmula 283/STF.

2.- De acordo com as instâncias de origem, o acidente aéreo representou falha na prestação do serviço de transportar o contratado, não sendo pos­sível imputar a responsabilidade pelo sinistro à conduta dos operadores de voo (fato exclusivo de terceiro), de modo que a pretensão recursai, porque assentada nessa premissa, demandaria o revolvimento de fatos e provas. Incidência da Súmula 07/STJ.

3.- No caso dos autos o valor arbitrado a título de indenização por danos morais (RS 70.000,00) para a esposa e para cada uma das filhas da vítima, não se revela abusivo. 4.- Na linha dos precedentes desta Corte, a preten­são de redimensionamento da condenação em honorários com base nos parâmetros assinalados pelo § 3°, do artigo 21 do CPC esbarra na Súmula 7/STJ 5.- Recurso Especial a que se nega provimento. (STJ - REsp: 1418168 RJ 2013/0312223-7, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 11/02/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/02/2014).

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Todavia, o STJ i nforma que o fornecedor ou aquele que for res­ponsabilizado isoladamente na ação indenizatória poderá exercer o seu direito de regresso, a fim de pedir ressarcimento de qua lquer prejuízo que tenha, contra os demais responsáveis. Neste sentido, segue o julgado do STJ, do ano de 2013:

RECURSO ESPECIAL. CIVI L, PROCESSUAL CIVIL E CONSUM IDOR. RES­PONSABILIDADE CIVIL. ROUBO DE VEÍCULO. MANOBRISTA DE RES­TAURANTE (VALET). RUPTURA DO NEXO CAUSAL. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. AÇÃO REGRESSIVA DA SEGURADORA. EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDORA POR SUB-ROGAÇÃO (SE­GURADORA).

i. Ação de regresso movida por seguradora contra restau­rante para se ressarcir dos valores pagos a segurado, que teve seu veículo roubado quando estava na guarda de ma­nobrista vinculado ao restaurante (valet).

2. Legitimidade da seguradora prevista pelo artigo 349 do Código Civi l/2002, conferindo-lhe ação de regresso em rela­ção a todos os direitos do seu segurado.

3. Em se tratando de consumidor, há plena incidência do Código de Defesa do Consumidor, agindo a seguradora como consumidora por sub-rogação, exercendo direitos, privilégios e garantias do seu segurado/consumidor.

4. A responsabil idade civil p·e10 fato do serviço, embora exercida por uma seguradora, mantem-se objetiva, forte no artigo 14 do CDC.

5. O fato de terceiro, como excludente da responsabilidade pelo fato do serviço (art. 14, § 3°, l i , do CDC), deve surgir como causa exclusiva do evento danoso para ensejar o rom­pimento do nexo causal.

6. No serviço de manobristas de rua (valets), as hipóteses de roubo constituem, em princípio, fato exclusivo de terceiro, não havendo prova da concorrência do fornecedor, median­te defeito na prestação do serviço, para o evento danoso.

7. Reconhecimento pelo acórdão recorrido do rompimento do nexo causal pelo roubo praticado por terceiro, excluindo a responsabilidade civil do restaurante fornecedor do servi­ço do manobrista (art. 14, § 3°, li, do CDC).

8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ - REsp: 1321739 SP 2012/0088797-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,

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LUCIANO F IGU EIREDO E ROBERTO FIGUEI REDO

Data de Ju lgamento: 05/09/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/09/2013).

Lembra SíLv10 oE SALvo VENOSA que a tendência jurisprudencial será admitir apenas de modo excepcional o fato de terceiro como ex­cludente de culpa havendo uma "tendência marcante de a largar a possibilidade de indenização sempre que possível"33•

De fato, tanto na seara jurisprudencial (Súmula i87 do STF), quanto na codificada (art. 735 do CC), entende-se que o fato de ter­ceiro não é capaz de afastar a responsabi l idade civil no contrato de transporte. Assim, a transportadora indenizará o passageiro em tais casos, tendo posterior ação regressiva contra o terceiro. Funda-se o raciocínio em questão no fato de ser o contrato de transporte uma obrigação de resultado e consumo (via de regra), havendo, por con­seguinte, incidência de uma responsabi l idade civil mais agravada.

Esta ação de regresso, convenhamos, é de nenhuma ocorrência pragmática nos contratos de transporte ante a não identificação do terceiro muitas das vezes.

Dessa forma, lembra CARLOS RosERTo GoNÇALvEs34 que, ainda que o dano ao passageiro decorra de uma fechada de terceiro, a trans­portadora haverá de indenizá-lo, buscando, futuramente e em ação regressiva, o ressarcimento em face do terceiro.

Acresça-se a isto, diante do regime de distribuição do ônus da prova, que a alegação do fato de terceiro atrai - para q uem alega a questão - o dever de comprovar isto, ou seja, o ônus de de­monstrar em juízo que a ocorrência do fato aconteceu em virtude de exclusiva atuação do terceiro, sob pena de incidir o art. 942 do CC (corresponsabi l idade/solidariedade para todos os responsáveis pela ocorrência do dano).

Exem plo típico dos manuais ocorre com o veículo colidido na retaguarda que, projetando-se para frente por força do im pacto, acarreta dano a outrem. Trata-se de uma situação na qual não exis­te qualquer responsabi l idade do motorista do veículo atingido na retaguarda e que serviu como mero instrumento da ação culposa de outra pessoa.

33. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 57.

34. Op. Cit. p. 463.

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EXCLUDENTES OE RESPONSABILIDADE CIVIL

Todavia, segundo CARLOS RoBERTO GoNÇALVEs35, situação diversa verifica­-se quando o fato de terceiro equipara-se a um fortuito externo. É o caso do arremesso de pedra, assalto, briga entre passageiros que lesiona terceiro ou disparos em face do ônibus . Diante de um fortuito externo ou um fato de terceiro estranho à atividade e ao devedor,

elimina-se o nexo de causalidade e é afastada a responsabilidade civil. Diferente, porém, se o motorista do ônibus discute com outro motorista, que dispara e lesiona passageiros. Aqu i há responsabilida­de da transportadora, pois o fato de terceiro é inerente à atividade.

• Como se pronunciou o SuPREMO TRIBUNAL FEDERAL?

Segundo o STF, na hipótese de arremesso de pedra em face do ônibus, a empresa transportadora não responderá, por incidir a excludente do fortuito externo. Cita-se:

Passageiro de ônibus atingido por estilhaço de vidro produzido por uma pedra atirada por terceiro. Ato de terceiro equiparado e caso fortuito. Inevi­tabilidade do fato e ausência de culpa do transportador. Inexistência de re­lação causal entre o fato e o contrato de transporte. Não há falar em diver­gência com a súmula 187. Recurso Extraordinário não conhecido (RE 1 13/95).

• E como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JumÇA?

No mesmo sentido, ju lgou a Quarta Turma do STJ, no ano de 2013: EMBARGOS DECLARATÓRIOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPE­CIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE OE PASSAGEIROS. ARREMESSO OE PEDRA OE FORA DA COMPOSIÇÃO FÉRREA. LESÃO EM PASSAGEIRO. FATO OE TERCEIRO EX­CLUDENTE OE RESPONSABILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental em face do nítido caráter infringente das razôes recursais. Aplicação dos princípios da fungibilidade e da economia processual. 2 . A jurisprudência do Superior Tri­bunal de Justiça tem entendido que o arremesso de objeto de fora de trem não se inclui entre os riscos normais da atividade de transporte e, por isso, não gera, para aquele que explora essa atividade, dever de indenizar, por se caracterizar como fortuito externo. Precedentes. 3. No tocante à condenação em verbas sucumbenciais, deve ser observado o disposto no art. 12 da Lei i.060/50, em virtude da concessão de assistência judiciária gratuita ao autor. 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se dá parcial provimento, apenas para que seja observado o disposto no art. 12 da Lei i.060/50, em relação às verbas sucumbenciais. (STJ - EDcl no AgRg no REsp: 1325225 SP 2012/0104865-7, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 15/10/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: OJe 03/12/2013)

35. Op. Cit. p . 463.

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LUCIANO F IGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Ainda nas q uestões relativas ao transporte, lembra o mesmo CARLOS ROBERTO GoNÇALvEs36 que na colisão entre dois ônibus que ocasione um dano à terceiro, não sendo possível precisar qual dos veículo teve culpa direta no acidente, resta configurada responsabil idade solidária. O raciocínio em tela funda-se na dicção do art. 942 do CC, segundo o qual se a ofensa tiver mais de um autor, todos respon­derão solidariamente pela reparação.

� Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA?

O SuPrn10R TRIBUNAL oe JusT1ÇA tem interessantes ju lgamentos versando sobre a controvérsia do fato de terceiro no contrato de transporte. Colacionam­-se duas ementas:

Responsabilidade civil. Acidente. Via pública. Ato de terceiro. Prosseguindo o julgamento, a Turma entendeu que se exclui a responsabilidade civil de em· presa ferroviária por acidente e graves danos provocados pelo arremesso, por terceiro, de pedra contra veícu lo, em via contígua à ferrovia, vez que tal ato de vandalismo não se equipara aos riscos e deveres inerentes aos serviços de transportes ferroviários. (STJ. REsp 204.826/RJ. Rei. Ministro Cesar Asfor Rocha. J. 3-12-2002).

Responsabilidade civil. Transporte intermunicipal. Assalto praticado dentro do ônibus. Caso em que o fato de terceiro não guarda conexidade com o transporte. Exoneração da responsabilidade do transportador, de acordo com precedentes do STJ . (STJ . REsp 74.534/RJ. Relator: Ministro Nilson Naves, Terceira Turma. J. 4-3-1997).

8. CLÁUSULA DE NÃO INDENIZAR

Trata-se de cláusula inserida no contrato pelas próprias partes, em virtude do exercício da autonomia privada, que exonera o de­vedor da indenização na hipótese de descumprimento obrigacional .

Lembra SíLv10 DE SALVO VENOSA que a cláusula de não indenizar ense­ja a exoneração convencional do dever de reparar o dano de modo que os riscos são contratualmente transferidos para a vítima, sendo que alguns autores a distinguem da cláusula de irresponsabil idade isto porque esta "exclui a responsabilidade, e a primeira, afasta ape­nas a indenização"37•

36. Op. Cit. p. 468. 37- ln Direito Civil}. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 59.

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Seria isto jurídico e possível à luz dos novos valores do direito civil constitucional?

A cláusula de não indenizar modifica a dinâmica contratual, por exercício da autonomia privada, alterando as perspectivas negociais Qogo de riscos) e gerando uma exclusão da responsabil idade civi l . Deve ser analisada, contudo, também à luz do art. 51, 1 , do CDC sendo esta cláusula "vista com uma certa antipatia pelo direito brasi­leiro", na lição de SíLv10 DE SALvo VENOSA38•

Em um conceito mais s implista e direto, é u m ajuste que objeti­va afastar os usuais desdobramentos do inadimplemento, l iberando o devedor da indenização. Não se trata apenas de uma cláusula que imputa uma inversão de ônus probatório, ou uma presunção de cu lpa. Seu objetivo é afastar a reparação.

A doutrina denomina a cláusula de não indenizar como cláusula de irresponsabilidade, de exclusão de responsabilidade ou exone­rativa de responsabilidade. Tal conduta, todavia, segundo SÉRG10 CAvA­uER1 F1LH039, seguindo os ensinamentos DE AGUIAR D1As, carece da melhor técnica. De fato, a cláusula em comento não afasta a responsabili­dade em si, mas apenas a indenização. A obrigação de reparar o dano persiste. Há responsabil idade. O que não há é a indenização. Melhor, portanto, o uso da expressão cláusula de não indenizar.

Arremata o aludido autor afirmando ser a cláusula de irrespon­sabilidade (ou de exclusão de responsabil idade ou exonerativa de responsabil idade) diversa daquela denominada de não indenizar. A cláusula de irresponsabil idade decorre da lei, excluindo a própria i licitude, a responsabil idade. É o caso de ações em legítima defesa, exercício regular de direito e estado de necessidade. Nada tem a ver, portanto, com uma cláusula contratual que retira a reparação.

A distinção em apreço, porém, apenas deve ser utilizada pelo futuro aprovada em provas subjetivas, ou nas objetivas que exijam o paralelo. Com efeito, a maioria da doutrina utiliza-se dos termos como sinônimos.

38. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 57. 39. Op. Cit. p. 497.

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LUCIANO FIGUEI REDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Seguindo no estudo da cláusula de não indenizar, já é possível de­duzir que sua zona de atuação é, justamente, o campo da responsa­bi l idade civil contratual, não sendo possível admiti-la na seara extra­contratual ou aquil iana, a qual envolve questões de ordem pública.

Inspira-se seu nascimento no cenário de um direito patrimonia­lista, egoísta e individualista, fundado na ordem do ter, fruto da codificação francesa do século XVI I I . Nos dias de hoje, porém, sob as lentes do d ireito civil repersonificado, despatrimonializado e solidá­rio, fincado em ideais de justiça distributiva e na ordem do ser, seu estudo deve ser (re)visitado, questionando-se sobre sua eticidade.

J usto por isto, hodiernamente seu campo de atuação é na res­ponsabilidade civil contratual, desde que se esteja diante de um contrato paritário e não contrarie questões de ordem pública, afi­nal de contas a eticidade e a função social constituem princípios do Cód igo Civil.

Logo, a cláusula em estudo não é aceita em sede de defesa do consumidor. o próprio CDC, nos arts. 24 e 25, afasta qualquer cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a responsabil idade do fornecedor. Soma-se a isto a disposição do art. 5 1 do mesmo CDC, que considera cláusulas deste tipo abusivas. Sua verificação em contratos de consumo ocasiona a invalidade da cláusula, com a permanência do contrato, reti rando-se a abusividade.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

· A banca examinadora CESPE, na prova para Analista Administrativo - Di­reito - ANTI, considerou correta a afirmativa: "Eventual abusividade de cláusula acessória não implica a nulidade da obrigação principal, desde que mantida a essência do negócio jurídico".

Igualmente não é aceita sua inserção em contratos de adesão. Isto porque o a rt. 424 do cc vaticina ser nula a renúncia antecipada a d ireito pelo aderente.

Por tudo isto, concordamos com a doutrina e jurisprudência ao entender como nula a estipulação contratual, em avenças de depó­sito de veículos (estacionamentos pagos), segundo a qual a empresa não responde por furto de eventuais pertences deixados no interior do carro. Nesse sentido é a Súmula i30 do STJ.

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Tal raciocínio aplica-se, até mesmo, se o referido estacionamen­to for gratuito, seja em shopping, supermercados, lojas, hotéis e afins, seja em virtude da teoria do risco, seja porque a onerosida­de não é elemento imprescindível, muitas vezes, à configuração da relação de consumo. Aliás, ainda que não haja remuneração direta pelo referido depósito, esta subsiste de forma indireta, ao passo q ue o referido estacionamento é utilizado por clientes em compra. Em sentido parecido é a doutrina de FlÃv10 TARTUCE4º.

A cláusula de não indenizar também não é bem vista na sea­ra dos contratos de transporte, em razão da natureza do pacto -obrigação de resultado e relação de consumo - e sua consequente responsabilidade civil agravada .

No estudo da cláusula de não indenizar em contratos de trans­porte, tem-se, como uma primeira notícia histórica relevante, o De­creto 2.681/1912, responsável pelo regramento do transporte nas estradas de ferro. Este verberava a nu lidade das cláusulas que ob­jetivassem a diminuição da responsabil idade.

Após um salto histórico, a segunda notícia importante é a verifi­cada na súmula 161 do SurREMo TRIBUNAL FEDERAL, a qual, desde a época do CC/16, informa ser nula a cláusula de não indenizar em contratos de transporte: "Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar".

Diuturnamente, o próprio Código Civil atual, inspirado pela sú­mula supracitada, caminhou no mesmo sentido, especificamente em seu art. 734, afirmando a nulidade do pacto em apreço em contratos de transporte.

Aliás, o art. 247 do Código Brasileiro de Aeronáutica e o art . 23 da Convenção de Varsóvia (1931) igualmente informam a invalidade da cláusula em comento no transporte aéreo.

Esta impossibi l idade da cláusula limitativa de responsabilida­de no contrato de transporte tem origem, como visto, no antigo Decreto 2.681/1912 e deve ser admitida em situações específicas, onde existam igualdade de cond ições jurídicas entre contratante e contratado.

40. Op. Cit. p. 565.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Temos que o problema tam bém deve ser analisado à luz do princípio da equivalência material .

� Como se pronunciou o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL?

o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL afirmou que: Diverge, manifestamente, da Súmula 161 do STF, onde se consagra a ino­perância da cláusula de não indenizar, o acórdão recorrido, que placitou estipulação limitativa de responsabilidade do transportador marítimo a valor capaz de tornar irrisória a indenização. (Primeira Turma. RE 107.361. Rei. Ministro Octávio Galloti. ln JSTF - Lex 98/212).

Em síntese: a verificação da validade de uma cláusula de irres­ponsabil idade exige, na lição de SíLv10 DE SALVO VENOSA'':

a) Bilateralidade de Consentimento: A inserção não deve ser co­locada uni lateralmente com busca da adesão da outra parte. Ao revés, exige uma transação com concessões recíprocas.

b) Respeito à ordem pública: Não é possível afastar a responsa­bi l idade por dolo ou culpa grave do estipu lante. Igualmente impossível exclu ir a responsabi l idade por obrigação inerente à função, ou em face de usuário de serviço públ ico.

e) Igualdade entre as partes: Seu campo de atuação é o contra­to paritário, no qual há igualdade substancial entre as partes.

Citando um campo de validade da inserção, segundo a juris­prudência, lembra-se das convenções condominiais. Exemplo claro de contrato paritário e inserção respeitosa à autonomia privada e questões de ordem pública.

� Como se pronunciou o SuPERioR TRIBUNAL DE JuSTiçA?

o SuPrn10R TRIBUNAL oE Jusr1ÇA firma a validade da cláusula de não indenizar em convenções condominiais. Cita-se famoso julgado sobre o tema:

Condomínio. Furto de veículos. Cláusula de não indenizar. L Estabelecendo a Convenção cláusula de não indenizar, não há como impor responsabilidade do condomínio, ainda que exista esquema de segurança e vigilância, que não desqualifica a força da regra livremente pactuada pelos condôminos. 2. Re­curso especial conhecido e provido. (STJ.REsp 168346/SP. Rei. Min. Waldemar Zveiter. DJ 6-9-99).

4i. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 60.

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EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No ano de 2014, na prova para o cargo de Juiz - TJDF, realizada pela ban­ca CESPE, foi tida como incorreta a assertiva: "Há responsabi l idade do condomínio, independentemente da existência de previsão de guarda e vigi lância dos bens dos condôminos no regimento condominial".

Todavia, há quem d iscorde na doutrina do ju lgamento em co­mento, afirmando a inval idade da cláusula de não i ndenizar mes­mo em convenções condominia is . O raciocín io parte da seguinte premissa : se os condomínios entregam à administração a guarda dos carros - e esta, inclusive, contrata vigi lantes para tanto - a ad missão da c láusula de não ind enizar in casu seria o afasta­mento da responsabi l idade pela própria atividade. Nesse sentido SÉRGIO CAVALIERI FiLHo4'.

Outros doutrinadores vão além. FLÁv10 TARTUCE43 defende a com­pleta inaplicabi l idade da cláusula em estudo, mesmo em contratos paritários, por ofensa ao ideal proibitivo de lesão do patrimônio alheio (noeminemlaedere) e uma leitura dos contratos pautada nos ideais da função social e justiça d istributiva.

Malgrado tal posicionamento, infere-se no Código Civil a sua pre­sença, a exemplo dos arts. 448 e 449, os quais permitem às partes, desde que por cláusula expressa, minorar ou exclu ir a reparação na evicção. Ademais, verifica-se boa parte da doutrina concordando com sua aplicação, desde que observados os temperamentos aqui explicitados.

42. Op. Cit. p. 505. 43. Op . Cit. p. 564.

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C a p í t u l o I V

Responsabilidade civil subjetiva e objetiva Sumário: i. Responsabilidade Civil Subjetiva: 1.1. O Dolo e a Culpa: 1 .1 .l . Modalidades de Culpa; i.2. As Hipóteses de Responsabilidade Civil Subjetiva no Código: 1.2-.l. Incapaz; i.2.2. Credor de Dívida Não Vencida ou Já Paga (Cobrança Indevida); 1.2.3. Homicídio e Incapacidade Laboral; 1.2-4. Ofensa à Saúde; i.2.5. Usurpação ou Esbulho; 1.2.6. Injúria, Difamação ou Calúnia; 1.2-?- Ofensa à Liberdade Pessoal - 2. Responsabilidade Civil Objetiva: 2.i. O Advento da Teoria do Risco Na Atual Codificação; 2.2. Hipóteses de Responsabilidade Civil Objetiva no Código: 2.2.i. A Responsabilidade Civil dos Empre­sários e das Empresas; 2.2.2. A Responsabilidade Civil por Ato de Terceiro; 2.2.3. A Responsabilidade Civil por Fato do Animal e por Fato da Coisa.

L RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA

O art. 927 do CC, em clareza solar, afirma: "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará­-lo". Este dever de indenizar se relaciona à prática de um ato ilícito que, pela discipl ina da lei, ou decorre de dolo ou culpa, na forma do art. 186, ou do abuso do direito (art. i87), situação ú ltima que não exige a presença do elemento psicológico-subjetivo.

Para o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA a indenização tem como objetivo compensar a dor sofrida, punir o ofensor e desestimu lar este e a sociedade a cometerem atos de tal natureza (REsp. 337.739). Este aspecto, no plano moral, ganha maior relevância por repercutir no direito da personalidade, independentemente da condição social do indivíduo. Ademais, "A condição da vítima, de pobre, não pode ser valorizada para reduzir o montante da indenização pelo dano moral; a dor das pessoas humildes não é menor do que aquela sofrida por pessoas abonadas" (SuPrn10R TRIBUNAL DE J usT1ÇA, REsp. 951.777).

No âmbito doutrinário, quanto ao abuso do direito, o Enunciado 37 da 1 Jornada de Direito Civil esclarece que a responsabi l idade civil dali decorrente independe de culpa, pois se fundamenta no critério

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

objetivo-finalístico. Trata-se de cláusula geral constitucionalmente erigida nos princípios da solidariedade e proteção da confiança, daí porque se aplica a todos os ramos do direito. Esta é a conclusão do Enunciado 414,da V Jornada em Direito Civil.

Este é o contexto que melhor orienta a interpretação da norma, al iando doutrina e jurisprudência na perspectiva de que a respon­sabil idade civil não pode ignorar os novos desafios da sociedade brasi leira, muito menos os direitos da personalidade e os institutos da boa-fé objetiva, dentre outros.

O parágrafo único do art. 927 prossegue afirmando que haverá obrigação de reparar o dano "independentemente de culpa": (a) nos casos especificados em lei, (b) quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano "implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

É possível afirmar, à guisa desta leitura, que a regra é a res­ponsabilidade civil subjetiva, pois isto é o que resta d iscipl inado no caput do artigo 927. Desta forma, além dos elementos gerais (con­duta humana, dano e nexo causal), há de se com provar a existência de dolo ou cu lpa para, somente desta maneira, todos os elementos justificadores do dever de reparar se encontrarem presentes.

A exceção vem discipl inada no desdobramento do referido arti­go, ou seja, no seu parágrafo único, de modo que, seja ante a pre­sença de lei especiaL seja por força do risco da atividade normal­mente desenvolvida, a hipótese será de responsabil idade objetiva, quando o dolo ou a culpa não serão importantes. Nestes casos, a presença apenas dos elementos gerais (conduta, dano e nexo) já é suficiente para caracterizar o dever secundário de indenizar.

Teoria da Culpa Subjetiva Regra!

Eis a distinção entre responsabil idade civil subjetiva e objetiva. Na primeira, que é a regra, deve-se demonstrar a presença do dolo ou da culpa (Teoria da Culpa ou Subjetiva). Na segu nda, que é a ex­ceção, não será necessário comprovar nada disto: o simples dano, causado com a conduta humana independentemente da sua inten­ção, l igados por um nexo, enseja o dever de reparar.

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Ju iz do Trabalho do TRT - 4ª região/RS/2012 foi con­siderada inverídica a seguinte assertiva: "De acordo com o Código Civil, a regra geral é da responsabi l idade objetiva, sendo excepcional a responsabi l idade subjetiva". A falsidade desta afirmativa reside no tratamento diverso da expressa disposição trazida no Diploma Civil, que considera a responsabi l idade subjetiva como regra, conforme elucidado acima. Corroborando o sistema adotado pelo Código Civil, em concurso para Procurador do Estado do Acre/2012 foi considerada verdadeira a afirma­tiva que expressava o seguinte: "Haverá responsabil idade civil objetiva, no sistema do Código Civil, quando houver expressa determinação legal ou quando a atividade habitual do agente, por sua natureza, implicar risco para o direito de outrem, o que não exclui outros subsistemas de responsabilidade civil objetiva".

1.1. O Dolo e a Culpa

A com preensão dos conceitos jurídicos envolvendo o dolo e a culpa passa, inicialmente, pela leitura do an. 186 do CC, segundo o qual : "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusi­vamente mora l, comete ato ilícito". Trata-se de preceito que não se contenta apenas em apresentar uma das hipóteses de ato ilícito. Antes, o dispositivo aborda a denominada culpa em sentido amplo, aquela subdividida em dolo ou culpa em sentido restrito. Tanto isto é verdade que a ação ou omissão devem ser voluntárias, ou seja, juridicamente qualificadas pelo animus.

Eis o cam po da responsabi l idade civil subjetiva, no qual é pre­ciso demonstrar a voluntariedade do ato ou omissão, sob pena de não restar configurado o dever de indenizar. Sem dolo, sem culpa, inexistiria responsabil idade civil, afinal de contas unuscuique sua cul­pa nocet (cada um responde por sua própria culpa).

Ao tratar da responsabi l idade civil subjetiva o direito civil bra­sileiro demonstra a influência recebida da legislação francesa, prin­cipalmente do Código Napoleônico. Os arts. 159 e i.518 do antigo CC/16 e os atuais 186 e 927 do CC/02 destacam a culpa como fun­damento imprescindível à caracterização da responsabil idade em termos de regra geral.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEI REDO

O dolo está diretamente relacionado com a consciência de pra­ticar ato proibido, pelo desejo de incidir num ilícito cível ou penal . Ocorre quando se busca determinado resultado e se age exatamen­te no sentido de obtê-lo. Exem plo típico está no Direito Penal, na expressão animus necandi, uti lizada para evidenciar situação de ho­micídio doloso, quando o agente demonstra a intenção de matar.

No âmbito cível, o dolo tanto pode ser causa de anu lação do negócio jurídico (art. 145)1, como hipótese de ato ilícito configurador do dever de reparar (arts. 186 e 927). O Código Civil classifica o dolo como: de aproveitamento (art. 157), essencial ou acidental (art. 146), omissivo ou comissivo (art. 147), de terceiro (art. 148), do represen­tante (art. 149) e recíproco (art. 150).

� Atenção!

As figuras do dolo eventual e do preter dolo não estão regradas no Direito Civil, não se aplicando neste ramo. Tratam-se de temas do Direito Penal. Também é importante lembrar que na V Jornada em Direito Civil foi produzido o Enunciado 443 segundo o qual a respon­sabil idade pela perda da chance não se l imita à categoria dos danos extrapatrimoniais e pode apresentar natureza jurídica de dano patri­monial , desde que a chance seja séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.

Portanto, a ação ou a omissão podem ser dolosas desde que comprovado no caso concreto a intenção inequívoca de agi r ou de não agir. Quanto à culpa, seu estudo deve ocorrer de maneira des­tacada, ante a importância do instituto. É o que se fará agora.

i.1.1. Modalidades de Culpa

A culpa constitui tema nitidamente relacionado à ideia de des­cuido, decorrente de negligência (descuido e omissão), imprudência (descuido e ação) ou imperícia (descuido técnico com ação ou omis­são). I lustre-se:

i. Apenas para lembrar o conteúdo do dispositivo: "São os negócios jurídicos anulá­veis por dolo, quando este for a sua causa.".

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Descuido + omissão

RESPONSABILIOADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

Descuido + ação

Descuido técnico

Uma das maneiras de melhor compreender o alcance da culpa no caso concreto é dialogar com os conceitos jurídicos da previsi­bilidade e do homem médio (padrão médio de comportamento). A definição da culpa passa efetivamente pela compreensão da previ­sibi l idade. É por conta disto, por exemplo, que o fortuito deve ser considerado excludente da responsabil idade civil, eis que imprevisí­vel ao homem médio.

Ousamos afirmar que a possibi l idade de culpar alguém em de­corrência de evento imprevisível à luz do homem médio, configura hipótese de responsabilidade civil integral de pouca aceitação teóri­ca, conveniência política e visível custo social .

Além de apresentar a culpa pelo viés da imprudência, negligên­cia e imperícia, também é necessário evidenciar que o desenvolvi­mento da doutrina e jurisprudência clássicas justificou o surgimento das expressões culpa in vigilando, in contraendo e in custodiendo , entre outras

O fato é q ue os Tribunais brasi leiros aceitam estas expressões. Algumas se encontram em súmulas, como os verbetes 341 do STF e 331 do TST , entre vários outros que se poderia i lustrar.

� Atenção!

• Culpa in eligendo: decorre da escolha equivocada de um represen­tante ou de um preposto, ou de alguém para a prática de atos ci­vis. Quando isto acontece, a jurisprudência imputa responsabilidade àquele que elegeu mal. Quem elege mal possui responsabil idade civil por culpa in eligendo, numa espécie de imprudência, ou seja, descui­do acrescido do ato de eleger outrem (STJ. REsp 96704).

• Culpa in vigilando: decorre da falta de fiscalização quando o descuido é relacionado com a omissão, aspecto a configurar negligência por não fiscalizar, não vigiar, a pessoa eleita (vide a súmula 331, incisos IV e V, do TST que responsabiliza o tomador do serviço terceirizado, de modo subsidiário, pelo inadimplemento das parcelas trabalhistas do real empregador, qual seja o fornecedor de serviço. Neste caso, por

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LUCIANO F IGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

não ter vigiado, fiscalizado, o empregador, a empresa . tomadora de serviço é responsável pelo pagamento das verbas trabalhistas à luz do verbete, recentemente examinado pela Corte Suprema nos autos da ADC 16, do STF).

Além destas situações, eJíistem outras modalidades de culpa, menos uti.lizadas na prática forense, a saber:

• éulpa in commitendo: decorre de ato positivo e imprudente.

• Culpa iil ommitendo: decorre de omissão e negligência.

• Culpa in custodiendo: decorre da falta de custódia ern face de ani­mais.

Esta clássica e tradiciona l forma de qual ificar a cu lpa merece a necessária crítica do D ireito Civil contem porâneo. De fato, tais modal idades de cu lpa estão em desuso ante a teoria do risco abraçada pelo atua l Código Civi l, que prestigia novos casos de responsabi l idade civil objetiva, até então tratados pe la u ltrapas­sada classificação acima. A títu lo de exem plo, os a rts. 932 e 933 do CC responsabi l izam objetivamente as pessoas a l i i nd icadas por atos d e terceiros, entre as q uais o patrão por ato do em pregado. Trata-se de pedagógico exemplo de superação da súmula 341 do STF pela nova legislação cível, d e modo a não se fazer ma i s neces­sário qualificar como presumida a culpa do em pregador, agora ob­jetiva, por força de lei, ante os atos praticados pelo empregado .

Cumpre ressaltar que esse tema é recorrente em concurso pú­b lico. Assim, apenas para i lustrar, trouxemos algumas q uestões.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Apesar de se encontrar em desuso esta classificação das modalidades de culpa, no concurso para Juiz do Trabalho do TRT-2ia região/RN/2012 foi considerada incorreta a seguinte assertiva: "Qualquer entidade privada se responsabiliza pelos atos praticados por seus empregados, em ra­zão do trabalho por eles realizado, desde que se configure a culpa "in eligendo e "in vigilando".

Também foi considerada incorreta a seguinte proposição, extraída da prova para o cargo de Juiz - TRT ia Região, banca FC(, ano de 2013: "O empregador é responsável pelos atos de seus empregados, desde que

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

provada sua culpa nas orientações dadas a estes e o nexo causal entre tais orientações e os danos causados ao ofendido".

No concurso para provimento do cargo de Ju iz Federal - TRF ia Região, banca CESPE, ano de 2013, foi cobrada a questão a seguir: Considere que José, motorista de uma empresa de transporte de car­gas, tendo obtido autorização para manter o veículo durante o horário de almoço, tenha causado, exatamente nesse período, acidente de trân­sito com lesão a terceiro. Acerca dessa situação hipotética, assinale a opção correta. a) A responsabil idade entre José e seu empregador será solidária. b) A empresa não poderá ser cobrada isoladamente pela reparação dos danos. c) O direito de regresso não existirá entre josé e a empresa, caso esta arque com os prejuízos. d) o lesado não poderá ajuizar ação conjunta contra José e seu em­pregador porque a natureza da responsabi l idade do empregado e do empregador é diversa. e) A empresa não responderá pelos danos porque que o acidente ocor­reu quando José não estava cumprindo ordem de seu empregador. A letra A é a assertiva correta.

A prova para o cargo de Ju iz do Trabalho - TRT 6• Região, banca FCC, ano de 2013, trouxe a seguinte questão: O empregador é responsável pela reparação civil, em decorrência de atos praticados por seus empregados, a) em qualquer circunstância, mesmo que o empregado não tenha agido com culpa. b) quando estes agirem estritamente no exercício de trabalho que l hes competir, mas não apenas em razão do trabalho, porque a lei, neste caso, não comporta interpretação extensiva. c) somente se ficar provada culpa na escolha ou na vigilância destes. d) sendo, porém, conjunta a obrigação destes e daquele. e) ainda que não haja culpa daquele. O gabarito é a letra E.

� Atenção!

No Informativo 481 o Surrn10R TR1BUNAL oE Jusr1çA decidiu o Recurso Especial sob o regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 (Recursos Re­petitivos) e afirmou que as Instituições Financeiras respondem objetiva­mente, a título de danos morais e materiais, quando o nome de alguém

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que jamais manteve relação jurídica com as mesmas é negativado em órgão de proteção ao crédito, ainda que a hipótese decorra de "delitos praticados por terceiros", uma vez que tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento (STJ. REsp u97.029-PR).

Apesar da culpa efetivamente ter perdido espaço no Código vi­gente, a gradação da culpa ganhou força e, de forma inédita, surgiu estampada no artigo 944 do CC, segundo o qual: "Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz re­duzir; equitativamente, a indenização". Na V Jornada em Direito Civil foi elaborado o Enunciado 454 afirmando que a expressão "dano", do art. 944 do Diploma Civil, abrange além dos individuais materiais ou imateriais, os danos sociais, difusos, coletivos e individuais ho­mogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas.

Entende a doutrina consagrada no Enunciado 379 que a grada­ção da culpa prevista no art. 944 do CC não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabi­lidade civil. De qualquer modo, o texto normativo empresta l imita­ções ao dever de reparar pelo critério da culpa.

Sobre o tema o Enunciado 46 do CJF afi rma que a possibi l i ­dade de redução do valor i ndenizatório, referido no parágrafo único do mencionado art. 944, deve ser interpretada restritiva­mente porque significa exceção ao princípio da re paração i ntegral do dano, não se aplicando, pois, aos casos de responsabilida­de objetiva. Exatam ente por isto o Enunciado 456 sugere que a redução equitativa da indenização tem caráter excepcional, de modo a som ente ocorrer quando a amp litud e do dano extrapolar os efeitos razoavelmente im putáveis à con duta do agente, razão pela qual o grau de cu lpa do ofensor, ou a sua eventual cond uta intencional, devem ser considerados pelo ju iz na quantificação do dano (Enunciado 457).

Quanto à culpa exclusiva da vítima, também denominada fato exclusivo da vítima, remetemos o leitor ao Capítulo Ili deste tra­balho, pois o tema restou tratado entre as hipóteses das causas excludentes da responsabi l idade civil.

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

i.2. As H ipóteses de Responsabilidade Civil Subjetiva no Código

Além do caput do art. 927, o Código Civil trata da responsa­bi l idade subjetiva em outros preceitos legais. É o que veremos agora.

i.2.1. Incapaz

O art. lº do CC é claro ao afirmar que toda pessoa é titu lar de d ireitos e deveres no Ordenamento Jurídico. Sendo o incapaz pessoa, deve responder pelos atos da vida civil que praticar. A pro­pósito d isto, o art. i8o do CC afirma que o relativamente incapaz não pode invocar sua idade para se eximir de obrigação quando dolosamente a ocultou ou declarou-se maior.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o cargo de Juiz do Trabalho da 4ª região/2012 a res­posta que afirmava que, considerando as disposições do Código Civil, "o incapaz nunca responde pelos prejuízos que causar" foi considerada incorreta, justamente pela existência de hipóteses que determinam a responsabilidade do incapaz pelos danos ocasionados.

O incapaz, afirma o Código, possui responsabilidade civil pelos prejuízos que causar. Contudo, esta responsabil idade somente será admitida pela norma se as pessoas por ele responsáveis "não tive­rem obrigação de fazê-lo" ou "não dispuserem de meios suficientes". É o que afi rma o art. 928 do CC.

Vale ressaltar que o teor do referido dispositivo legal é recor­rente em provas de concurso.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No ano de 2013, a prova para o cargo de Juiz - TRT ia REGIÃO, banca FCC, considerou correta a assertiva: "O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes".

Sobre o mesmo tema, a prova para Analista Judiciário - Área Judiciária/ TRT 5• Região, banca FCC, ano de 2013, cobrou a seguinte questão:

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

Maria Clara, de qu inze anos de idade, pega o carro de sua mãe, Sofia Vera, sem autorização desta. Perto de Porto Seguro, colide cul­posamente o carro com o veículo de Roberta Inês, que propõe ação contra mãe e filha, alegando a responsabil idade civil de ambas. Esta conduta foi

a) correta, pois a responsabilidade de Sofia Vera e de sua filha Maria Clara é solidária, na hipótese, sem quaisquer ressalvas quanto às inde­nizações devidas.

b) correta, pois se Sofia Vera não dispuser de meios financeiros sufi­cientes, Maria Clara responderá subsidiariamente com seus próprios bens, i ndenizando-se Roberta I nês equitativamente e sem que se pos­sa privar do necessário Maria Clara ou as pessoas que dela depen­dam.

c) incorreta, pois Maria Clara é incapaz e não responde com seu patri­mônio pessoal em nenhuma hipótese, pelo que a ação deveria ter sido proposta somente contra Sofia Vera.

d) incorreta, pois se Maria Clara pegou o carro sem autorização de Sofia Vera, somente ela deveria ter sido acionada, embora seja i ncapaz, já que causou prejuízos a Roberta Inês.

e) i ncorreta, pois Maria Clara é absolutamente incapaz e somente os relativamente incapazes respondem com seu patrimônio pessoal ao causarem prejuízos a terceiros.

O gabarito é a letra B.

Significa dizer que a responsabi l idade civil do incapaz é a um só tempo condicional , subsidiária e subjetiva , afina l de con­tas será necessário apurar dolo ou culpa d este para, com isto, responsabi l izá-lo civi lmente. Se não fosse assim, estar-se-ia per­mitindo uma responsabi l idade civi l por ato próprio o bjetiva para aquele que é inca paz e, ao mesmo tem po, responsabi l idade civil su bjetiva para os adu ltos, em nítida subversão do sistema inter­pretativo, afastando-se as regras de proteção aos incapazes e, pior, o dever constituciona l de proteção à infância e juventude, na forma do art. 227 da CF/88.

o Texto Constitucional impõe como dever da família, da socie­dade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com abso­luta prioridade , um sem número de direitos fundamentais "além de

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, explo­ração, violência, crueldade e opressão".

Sob as lentes da Constituição, a única interpretação possível ao art. 928 do CC é a da responsabil idade subjetiva do incapaz que, no plano penal constitucional é inimputável e submetido à legislação especial (art. 228, CF).

Os Direitos da Infância e juventude, assegurados na Constituição Federal, im põe um sistema jurídico próprio a considerar a efeti­va "condição peculiar de pessoa em desenvolvimento", daí porque os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta exigem interpretação conforme (e subjetiva) da responsabil idade civil do incapaz por critério de idade.

Mas também é importante lembrar que o signo incapaz abrange todos os sujeitos de direito referidos entre os arts. 3° e 4° do CC. Os curatelados e os interditados, assim como todos os demais i ncapa­zes, também respondem civi lmente. É o que afirma o art. 928. Esta responsabil idade só pode ser subjetiva.

Mas, como admitir a responsabi l idade subjetiva, nesta hipótese, se tais sujeitos de d ireito muitas vezes não conseguem com preender o mundo em que vivem e, como visto acima, o elemento da volun­tariedade se apresenta fundamental à caracterização do ato ilícito?

� Atenção!

Esta questão já foi objeto de análise do notável ORLANDO GoMEs quando sustentou que a falta do discernimento do menor impediria a responsa­bilização deste e de seus genitores. Contudo, este entendimento não foi consagrado na atualidade.

Trata-se de vexata quaestio. O princípio da justiça d istributiva e os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a que alude o art. 3°, nos incisos 1, I l i e IV, talvez indiquem a solução pelo critério principiológico da ponderação, razoabil idade e proporcio­nal idade, de modo que se deve mitigar, mas não abol ir, o aspecto volitivo em situações como estas para prestigiar outros importantes valores constitucionais, além do próprio restitutio in integrum.

Acreditamos que esta seria uma forma de interpretação confor­me o Texto Maior.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Outra alternativa seria classificar a hipótese como um ato-fato jurídico de modo a, com tal enquadramento, reconhecer a respon­sabil idade civil do incapaz.

� Atenção!

De acordo com o art. 188 e 929 do CC é possível a responsabilidade civil decorrente de ato lícito, o que constitui exceção à regra tranqui la­mente aceita pela doutrina e jurisprudência, além da explícita previsão normativa.

Curiosidade! No CC/16 o absolutamente incapaz não tinha qualquer res­ponsabilidade civil e o relativamente incapaz (entre 16 e 21 anos) era equiparado, para efeito de responsabilidade, ao seu representante le­gal, surgindo nisto uma solidariedade. Como visto, houve significativa mudança do Direito Anterior para o Direito Codificado Atual.

Em arremate, deve-se lembrar que o parágrafo único do art. 928 do CC impõe que a inden ização prevista para o incapaz arcar deve ser equ itativa e não terá lugar se privar do necessário o inca­paz ou as pessoas que dele dependem. Sob este tema o Enunciado

39 do CJF a sugerir que a im possibi l idade de privação do necessá­rio ao incapaz traduz um dever de indenização equitativa informa­do pela d ignidade humana, de modo a também beneficiar os pais, tutores e curadores neste limite humanitário do dever de indenizar.

Em síntese: a passagem ao patrimônio do incapaz se dará não quando esgotados todos os recursos do responsável legal, mas quan­do estes forem reduzidos ao mínimo essencial à manutenção de sua dignidade. Contudo, o Enunciado 448 da V Jornada em Direito Civil ressalva: "A indenização equitativa a que se refere o art. 928, parágrafo único, do Código Civil não é necessariamente reduzida sem prejuízo do Enunciado n. 39 da I Jornada de Direito Civil". Fica a reflexão.

Outra importante hipótese de incidência do art. 928 se dá para os casos de medida sócio-educativa , na forma do art_ 116, do ECA . De fato, q uando o incapaz recebe medida sócio-educativa o caráter personalíssimo da mesma impede que tais efeitos atinjam seus re­presentantes legais. Esta é uma situação na qual apenas o incapaz responde.

Neste sentido o Enunciado 40 do CJF: "O incapaz responde pe­los prejuízos que causar de maneira subsidiária ou excepcionalmente

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

como devedor principal, na hipótese do ressarcimento devido pelos adolescentes que praticarem atos infracionais nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito das medidas sócio-educativas".

Em arremate, deve-se lembrar que a única situação na qual a responsabil idade civil do incapaz será solidária com os seus pais há de acontecer no caso de um menor de i8 anos emancipado, como sugere o Enunciado 41 do CJF.

1.2.2. Credor de Dívida Não Vencida ou Já Paga (Cobrança Indevida)

Também o art. 939 d iscipl ina hipótese específica de responsabi­l idade civil subjetiva quando o credor demanda antes de vencida a dívida, situação na qua l fica obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento e a descontar os juros correspondentes, além de pagar as custas em dobro. Acreditamos que a norma em destaque só pode estar a prever discipl ina de responsabil idade civil subjetiva, afinal de contas a cobrança de u ma dívida não vencida ocorre ou por do lo (má-fé de quem pede) ou por culpa (im prudência: descui­do e ação indevida).

HELoísA HELENA BARBOSA' defende o entendimento no sentido de ser necessário, no caso em destaque, verificar se o credor agiu de má­-fé para fins de aplicação das sanções referidas no art. 939 do CC, nada obstante consignar existir entendimento no sentido de que o valor da indenização estaria prefixado pela lei, correspondendo às sanções ali previstas.

É mesmo intuitiva a ideia segundo a qua l o credor não pode exi­gi r o adim plemento senão quando do vencimento da dívida (exigibi­l idade). Cobrada antes, surge hipótese de ato ilícito, cuja sanção é a espera do advento do vencimento, descontando-se juros, custas em dobro, eventuais honorários d e advogado, enfim: perdas e danos.

À semelhança da hipótese acima, o a rt. 940 do CC prevê a co­nhecida repetição de indébito para quem "demandar por dívida já paga" ou "pedir mais do que for devido".A jurisprudência só admite a restituição em dobro da cobrança indevida para caso de compro­vada má-fé, a evidenciar necessária a presença do dolo.

2 . ln Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira, 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 517.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

� Como os tribunais estão decidindo o assunto?

o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO Rio GRANDE DO Sul já teve a oportunidade de se mani­festar sobre o tema da seguinte maneira: "Reparação de danos. Cheque pós-datado. Apresentação antes da data combinada, por apenas uma vez. Cobrança antecipada a desafiar a aplicação do disposto no art. 939 do cc. Direito ao ressarcimento dos encargos bancários decorrentes da devolução do cheque. Danos morais não configurados. Reapresentação do título e encaminhamento a protesto quando já havia transcorrido a data combinada entre as partes, estando a autora, portanto, obrigado ao pagamento. Regular exercício de um direito pelo credor. Recurso desprovido. (Recurso Cível 7i.ooi.659.283). O SuPREMo TRIBUNAL FEDERAL na Súmula 259 assentou entendimento no sentido de que a cobrança indevida feita de boa-fé não enseja a repetição do­brada do indébito. Eis o verbete: "A cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. i .531 do Código Civil". O art. i .531 do CC/16, referido no enunciado da súmula, equivale hoje ao art. 940 do CC. O SuPrn10R TRIBUNAL DE JusT1ÇA segue o mesmo entendimento: "Como assenta­do em diversos precedentes, a incidência do art. 1 .531 do Código Civil supõe que, além da cobrança indevida, exista procedimento malicio­so do autor, agindo consciente de que não tem direito ao pretendido. (REsp. 184.822). E mais: "A doutrina e a Jurisprudência estão de acordo que o art. i.531 do Código Civil supõe que, além da cobrança indevida, exista procedimento malicioso do autor, agindo consciente de que não tem direito ao pretendido" (REsp. 99.683).

O coe também possui dispositivo sobre a repetição de indébito (art. 42), sendo que a súmula da Corte Suprema, para a doutrina especializada, encerra polêmica de pensamento a ser dividida em duas grandes correntes:

(i) Majoritária: para ARRUDA ALVIM3 e ANTÔNIO HERMAN VASCONCELLOS E BENJA­MIM4, mesmo quando se aplica o Código de Defesa do Consumi­dor ainda assim a súmula 159 prevalece de modo que a res­tituição dobrada do indébito sempre exige a prova da má-fé.

3. ln Código do Consumidor Comentado. 2 . ed. São Paulo: RT, 1995- p. 224/225. 4. ln Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do an­

teprojeto. 5 . ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. p. 324.

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

(ii) Minoritária: para CLÃuo1A L1MA MARQuEs5 a súmula 159 da Supre­ma Corte não se aplica ao art. 42 do coe, de modo que apenas o fortuito seria excludente da dobra.

Apesar da d ivergência doutrinária, a jurisprudência consagra a súmula 159 para todas as situações, cíveis ou de consumo, de modo que apenas a prova da má-fé, ainda que em causas de consumo, autorizaria a repetição dobrada. A este respeito o SuPERIOR TRIBUNAL DE JusT1çA no Recurso Especial 505734.

Atenção! As sanções previstas nos arts. 939 e 941 não se aplicam quando o autor desistir da ação antes de contestada, ressalvando­-se ao réu d ireito de indenização por eventual prejuízo que prove vier a ter experimentado à vista d isto. É o que afi rma o art. 942 do CC. De qualquer modo, a "desistência do credor não impedirá, contudo, que o devedor venha a ser indenizado por a lgum dano que comprovadamente seja decorrente do procedimento do credor". A ad­vertência é de H ELoísA H ELENA BARBosA6•

i.2.3. Homicídio e Incapacidade Laboral

Também há discip l ina juríd ica acerca da responsabi l idade civil subjetiva para casos de homicídio (art. 948) quando a inden ização consistirá, entre outras coisas: (i) no pagamento das despesas com o tratamento da vít ima, seu funeral e o luto da famíl ia. (ii) na pres­tação de al imentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida do de cujus vitimado.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o TRT - iia região/AM/2012 foi considerada verdadeira a seguinte assertiva versando acerca da extensão da indenização na hipótese de homicídio, a qual engloba: "as despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família, bem como a prestação de al imentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima".

5. l n Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p.

i.051. 6. l n Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira, 2. ed. Curitiba:

]uruá, 2009. p. 519.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Ainda sobre a doutrina de HELoísA HELENA BARsosA7 a mesma afi rma, para o caso de homicídio, que "o artigo estabelece a indenização que cabe aos sucessores", estando legitimados a postular reparação os que dependiam economicamente do falecido "além das que sofre­

ram a perda pela morte, geralmente os integrantes da sua familia, em

sentido estrito".

Tal preceito liga-se, diretamente, ao caráter transmissível da responsabil idade civil, tanto no viés do direito à reparação, como na obrigação de indenizar (art. 943 do CC).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o cargo de Ju iz Substituto do TRT 8• Região/2012 foi considerada inverídica a assertiva que apresentava o seguinte texto: "O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la não se transmi­tem com a herança.".

No certame para o mesmo cargo na 2ia Região/2012 foi considerada fal­sa também a afirmação: "o dever de reparar o dano transmite-se com a herança, assumindo os sucessores, em conjunto, a responsabilidade solidária com o espólio do "de cujus", em face da obrigação legal."

� Como os tribunais estão decidindo a questão?

Segundo a súmula 490 do SurREMo TRIBUNAL FEDERAL "A pensão corresponden­te a indenização oriunda de responsabil idade civil deve ser calculada com base no salário mínimo vigente no tempo da sentença e ajustar-se às variações ulteriores".

O Surrn10R TR1BUNAL oE JusT1(A também já entendeu que para um caso de lesão corporal seguida de morte será possível a " Indenização por ato ilícito" mediante "Pensão de natureza alimentar" que se implementaria "atra­vés de desconto em folha" (REsp. 194.581/MG).

Tam bém é importante recordar que a indenização disciplinada no Código Civil decorre da prática do ato i lícito e não se confunde com a relação jurídica estatutário-previdenciária, ou seja, não se confunde com a relação entre o beneficiário e a previdência social . Desta forma, o fato da vítima postular pensão na esfera cível contra

7. ln Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira, 2. ed. Curitiba: )uruá, 2009. p. 524.

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

o agente agressor, não obsta que a mesma também se d irija ao órgão previdenciário e requeira pensão acidentária.

Portanto, o termo pensão acidentária não se confunde com a pensão do direito comum . Sobre o tema o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL edi­tou a súmula 229 : "A indenização acidentária não exclu i a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador".

No campo previdenciário já se reconhece devida a pensão por morte aos dependentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qua lidade, preencheu os req uisitos legais para a obtenção da aposentadoria até a data do seu óbito, na forma da súmula 416 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

I nteressante também o julgado do SUPERIOR TRIBUNAL oE jusT1ÇA no In­formativo 460 em caso envolvendo atropelamento que vitimou au­tista, pois se entendeu que, mesmo em tese não tendo este aptidão para o trabalho (capacidade laboral), ainda assim seria o caso de se reconhecer o pagamento de pensão mensal, inclusive como for­ma de interpretação constitucional em face das pessoas com neces­sidades especiais (REsp. 579.888-RJ).

No Informativo 401 o SuPERIOR TRIBUNAL DE JusT1ÇA reconheceu a um mergulhador que sofreu esmagamento da mão direita, mas, ainda assim, estava apto a exercer outras atividades, que a hipótese se­ria de pensionamento em iooºt,, independente de outro trabalho que venha ou não lhe auferir rendimento igual, ou mesmo superior (REsp. 579.888-RJ).

� Atenção!

Importante recordar o conteúdo da súmula 278 da Corte Especial para quem "O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral".

Pacífico o entendimento segundo o qual, em regra, a responsa­bil idade civil discipl inada no art. 948 é subjetiva, salvo nos casos de lei especial, ou de risco. É dizer: a melhor forma de interpretar o preceito é sistematizando-o com o art. 927 e seu parágrafo único, pois ambos tratam da responsabi l idade por ato próprio, a merecer semelhante interpretação.

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEI REDO

De acordo com a súmula 313 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA "Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pen­são, independentemente da situação financeira do demandado".

1.2.4. Ofensa à Saúde

Quanto aos profissionais da saúde a que alude o art. 949 do CC a matéria também está pacificada no sentido de que, como regra, são responsabilizados apenas em casos de agirem com dolo ou cul­pa, sendo idêntica a necessidade da presença destes elementos nas questões que envolvam incapacidade laboral (parcial ou absoluta), como adverte o art. 950, de leitura recomendada. Assim, o "ofensor indenizará o ofendido" tanto nas despesas do tratamento, como nos lucros cessantes (o que deixou de ganhar), "além de a lgum outro pre­juízo" experimentado.

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o TRT-20• Região/SE/2011 a resposta a qual afirmava que a indenização "no caso de lesão ou outra ofensa à saúde consistirá no pagamento das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido" foi considerada totalmente correta.

Neste sentido, deve-se recordar que os danos oriundos das si­tuações previstas nos artigos 949 e 950 do Código Civil devem ser analisados em conjunto para o fim de atribuir a indenização por perdas e danos materiais, cumulada com dano moral e estético. Sobre o tema, possível a referência às súmulas 37 e 387 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JusT1çA, bem como .o Enunciado i92 da Ili Jornada de Direito Civil: "Os danos oriundos das situações previstas nos arts. 949 e 950 do Código Civil de 2002 devem ser analisados em conjunto, para o efeito de atribuir indenização por perdas e danos materia is, cumulada com dano moral e estético".

� Como se pronunciou o STJ?

o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA adota a tese acima. Nesse sentido:

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Responsabilidade civil do Estado. Indenização. Acidente ocorrido durante a utilização de máquina de passar roupas. Dano moral e estético. Cumulação. Possibilidade. É possível a cumulação do dano moral e do dano estético,

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quando possuem ambos fundamentos distintos, ainda que originários do mesmo fato. (STJ . A I 276.023/RJ, D J 18-8-00, p. 256, Relator: Ministro Paulo Ga­lotti).

Perda de braço. Dano estético e moral. Cumulação. Possibilidade. Lucros ces­santes [ ... ] Possível a cumulação dos danos estéticos e moral, ainda que decorrentes de um mesmo sinistro, se identificáveis as condições justificado­ras de cada espécie. (STJ . REsp. 248.869/PR, DJ 12-2-11, Relator: Ministro Aldir Passarinho).

Olfato. Paladar. Indenização. A perda do olfato e do paladar é causa de incapacidade que atinge gravemente a pessoa, prejudica sua vida de rela­ção, impede-a de usufruir de alguns prazeres da vida e mesmo prejudica a defesa da sua saúde, o que exige indenização compatível (STJ. REsp. 404.706/ SP, DJ 02.09.2002, Relator: Ruy Rosado de Aguiar).

Queimaduras. Lucros cessantes. Dano moral. Juros compostos. Honorários advocatícios. Tratamento. Novas cirurgias. [ . . . ] A condenação deve incluir to­das as intervenções que se fizeram necessárias durante a tramitação do demorado processo e das que devam ser feitas no tratamento das sequelas deixadas pelo acidente, ainda que não possam ser desde logo definidas em número e em valor; o que ficará para a liquidação de sentença. (STJ. REsp 297.007/RJ, DJ 18-3-02, p. 256, Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar).

Na V Jornada em Direito Civil foi elaborado o Enunciado 459, para quem a responsabil idade subjetiva do profissional da saúde referida no art. 951 do CC e no art. 14 do CDC não afasta a respon­sabil idade objetiva pelo fato da coisa da qual tem este a guarda, em caso de uso de aparelhos ou instrumentos que, por eventual disfunção, causem danos a pacientes. Isto, contudo, não im pede que o profissional da saúde exerça direito regressivo em relação ao fornecedor do aparelho, tudo sem prejuízo da ação direta do pa­ciente, na condição de consumidor, contra tal fornecedor.

A popularmente denominada pensão vitalícia também será ad­mitida para os casos de ofensa à saúde que resultarem em obstru­ção/impedimento ao exercício do trabalho, ou diminuição da capa­cidade laboral. Com efeito, o art. 950 prevê para este caso "pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu".

O Código Civil, portanto, reconhece à vítima ou aos parentes da mesma, para o caso de óbito, o d ireito de requerer pensão. Tal pretensão pode ser exercida através de pedido único de pensão, ou de todo o valor, de uma só vez.

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Vale lembrar que a pessoa jurídica para quem o profissional da saúde efetivamente trabalhe terá, em casos como estes, respon­sabi l idade civil objetiva, seja particular, à luz do CC e do CDC, seja público, como já entendeu o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, forte na Teoria do Risco Administrativo, em situação envolvendo erro médico ( Informa­tivo 364 Al455 .846 e Informativo 266. RE 217389).

Em síntese: a responsabi l idade do profissional da saúde será subjetiva ( Informativo 438. REsp. 1. 184.128-MS) e a da pessoa jurídica objetiva ( Informativo 472 REsp. 986.648-PR).

Importante recordar que a lgumas obrigações médicas são de resu ltados, como aquelas decorrentes da cirurgia p lástica estética. Nestas condições, caso o fim almejado não seja atingido, o profis­sional da saúde será responsabilizado objetivamente. Este entendi­mento foi reafirmado em 24 de fevereiro de 2012 pelo SuPERIOR TRIBUNAL DE Jusr1ÇA ao reconhecer "vasta jurisprudência desta Corte no sentido de que é de resultado a obrigação nas cirurgias estéticas". ( Informativo 491. REsp. 985.888).

� Atenção!

O parágrafo único do art. 950 reconhece direito em favor do prejudi­cado que "se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez". Sobre o tema o Enunciado 48 do CJF sustenta que ta l preceito normativo "institui direito potestativo do lesado para exigir pagamento da indenização de uma só vez, mediante arbitramento do va­lor pelo juiz, atendidos os arts. 944 e 945 e a possibilidade econômica do ofensor''. No mesmo sentido o Enunciado 381 segundo o qual o lesado pode exigir que a pensão seja arbitrada, e paga, de uma só vez, salvo impossibil idade econômica do devedor, hipótese na qual o juiz pode fi­xar outra forma de pagamento de acordo com a condição financeira do ofensor e os benefícios resultantes do pagamento antecipado. Também é importante recordar que o art. 951 do CC admite a aplicação dos arts. 948, 949 e 950 a toda e qualquer hipótese na qual alguém, no exercí­cio de atividade profissional, culposa ou dolosamente, causar a morte de um paciente, ou agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou, finalmente, inabilitá-lo para o trabalho.

Curioso o entendimento do SuPrn10R TRIBUNAL DE JusnÇA no sentido de que se o hospital apenas aluga, ou cede, o centro cirúrgico sem qualquer tipo de i ngerência ou fiscalização sobre o ato médico do

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cirurg1ao, não há falar-se em responsabi l idade alguma da pessoa jurídica por hipótese de ofensa à saúde causada pelo locatário do espaço ( Informativo 467. REsp. 1.019-404).

A súmula 490 do SuPREMO TRIBUNAL FEDERAL adverte, como já vimos, que a pensão correspondente à indenização oriunda da responsa­bi l idade civil deve ser calculada com base no salário-mín imo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações u lteriores. Sobre o tema, interessante relacionar o entendimento jurisprudencial acima com a súmula 246 do SuPrn10R TRIBUNAL DE JusT1ÇA, segundo a qual o valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicial­mente fixada.

O art. 951 do CC determina que o disposto nos a rts. 948, 949 e 950 do Código se aplicam ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou inabilitá-lo para o trabalho.

É dizer: no exercício da atividade profissional será possível a ocorrência de dano indenizável e que, neste caso, aplica-se a Te­oria da Culpa. O art. 951 do Código Civil encontra-se em perfeita harmonia com o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que também afirma ser subjetiva a responsabi l idade civil dos profissio­nais l iberais.

No cam po particular da medicina a jurisprudência do SuPERIOR TRIBUNAL DE JusnÇA tem revelado a exigência de um requisito a mais, relacionado com a responsabil idade civil subjetiva, para esta profis­são, qual seja o consentimento informado, esclarecendo que a falta deste caracteriza omissão justificadora do dever de reparar.

� Como se pronunciou o STJ?

o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA adota a tese acima. Nesse sentido: Cirurgia plástica. Dano moral. O médico que deixa de informar o paciente acerca dos riscos da cirurgia incorre em negligência, e responde civilmente pelos danos resultantes da operação. (AgRg 818.144/SP. Relator Ministro Ari Pargendler, DJ 05.1i.07).

Examinada a prova dos autos pelo Acórdão recorrido, com a indicação de que faltou o médico com o dever de informação sobre os riscos da cirur­gia (REsp. 332.025/MG, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 05.08.02).

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Médico. Consentimento informado. A despreocupação do facultativo em ob­ter do paciente seu consentimento informado pode significar - nos casos mais graves - negligência no exercício profissional. As exigências do princípio do consentimento informado devem ser atendidas com maior zelo na medi­da em que aumenta o risco, ou o dano (REsp. 436.827/SP, Relator Ministro Ruy Rosado do Aguiar, DJ 18.11.02).

i.2.5. Usurpação ou Esbulho

O Código Civil não trata, com bons olhos, o esbulho. Já no art. 373 proíbe a utilização do instituto da compensação "se provier de esbulho". No art. 1.210 reconhece ao possuidor esbulhado o direito de ser restituído na posse, estendendo este direito subjetivo contra terceiro. Já no art. 1 .212 conclui : "O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era".

Neste momento, o art. 952 do CC discipl ina a indenização cabível para o caso de usurpação ou para a hipótese de esbulho, tanto no que concerne ao dano emergente (aquilo que você perdeu), assim como os lucros cessantes (o que você razoavelmente deixou de ga­nhar). A isto, como já vimos, denomina-se perdas e danos, também aplicável no caso de esbulho e usurpação. No particu lar, a norma determina que se a usurpação ou o esbulho der causa ao pereci­mento da coisa há de se determinar uma indenização no valor cor­rente e nominal da moeda, considerando-se o preço do mercado e, também, o preço afetivo, ou seja, o valor estimativo experimentado pela vítima.

Neste contexto, natural que o CC tenha d iscipl inado o esbu lho no campo da reparação civi l . De fato, o art. 952 do cc prevê o de­ver de reparar contra quem usurpar ou esbulhar patrimônio alheio, obrigando-os, além disto, a restituir a coisa e pagar pelas deterio­rações e lucros cessantes, levando-se em conta tanto o valor de mercado, quanto o valor de afeição.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o cargo de Juiz Substituto do TJMG/2012 foi considera­da incorreta a seguinte sentença: "Havendo usurpação ou esbulho do alheio, a indenização consistirá no reembolsar o seu equivalente ao pre­judicado".

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

Evidentemente que a indenização somente será cabível se hou­ver o dano, um dos elementos configuradores da responsabil idade civil.

� Como se pronunciou o STJ?

o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA adota a tese acima. Nesse sentido: Ação possessória. Indenização. Não ofende os arts. 503, 159 e 1059 do Código Civil a decisão que nega direito a indenização por haver reconhecido que do esbulho nenhum dano resultou para o possuidor (REsp. 154.903/SP, Relator Ministro Eduardo Ribeiro - DJ 15.os,iooo).

Qua nto ao valor de afeição importante notar que constitui in ­teressante perspectiva legislativa, i ncomum nos textos legais, po­rém extremam ente razoável no campo da responsabi l idade civil su bjetiva.

Sob o po nto de vista processual , a ação de rei ntegração de posse co nstitui o mecanismo j u ríd ico-proced imental apto ao com­bate da perda da posse d eco rrente do esbulho (CPC, a rt. 926), de modo que o CPC autoriza cu m u lação de ped idos em situa­ções como estas, i ncl usive para f ixar pena em hi pótese de novo esbu l ho, a lém das perdas e danos (CPC, 921, i ncisos 1 e l i) . Este mesmo d i reito também é assegurado ao réu de uma possessória (CP(, 922) .

Ainda no campo processual, os embargos de terceiros (CPC, art. i.046) evidenciam a preocu pação do legislador contra atos de esbu­lho mesmo em face de quem, não sendo parte em processo judicial, sofra deste mal, digamos assim.

Esbu lho e usurpação também constituem crimes previstos no art. 161, do CP!

i .2.6. Injúria, Difamação ou Calúnia

Os danos à honra configuram, em uma primeira análise, lesões aos d i reitos da personalidade. Merecem reflexão à guisa do mais alto significado da cláusula geral de tutela, ou seja: uma leitura atra­vés da lenta da dignidade humana.

Sendo certo dizer que toda a interpretação do d i reito é, an­tes de tudo, uma interpretação da Constituição Federal, mais certo

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

ainda será afi rmar que os danos à honra, o ra analisados, exigem conhecimento sobre o que se convencionou denominar de eficácia horizontal dos di reitos fundamentais (teoria da i rradiação).

In icia lmente, devemos apresentar uma breve perspectiva dos i nstitutos pelas vias do Direito Penal. Sendo um só o Ordenamento Jurídico, a interpretação sistêmica passa pelo diálogo entre estas duas importantes cadeiras do conhecimento.

Caluniar alguém é imputar-lhe falsamente a prática de um fato definido como crime sendo interessante notar que o Código Penal tipifica a "ca lúnia contra os mortos" e, ainda, d iscipl ina a exceção da verdade, tudo a partir do art. 138 do CP.

A difamação acontece quando alguém imputa fato ofensivo à reputação de outra pessoa. É o que diz o art. 139 do CP que tam­bém admite a exceção da verdade, agora mais l imitada, quando o ofendido é servidor público e a ofensa relativa ao exercício desta função.

o Código Penal admite a retratação da difamação (e da calúnia) que pode ocorrer "antes da sentença" e acarreta a isenção da pena. Diz-se interessante se considerar que o Direito Penal deve funcionar como ultima ratio e contemplar hipóteses de maior repúdio social e jurídico. Sim, porque no âm bito cível a retratação não exime o dever de indenizar, enquanto que no crime isenta o querelado da pena. Seria isto contradição sistêmica ou o Direito Penal deveria readequar-se juridicamente?

No âmbito penal injuriar alguém significa ofender-lhe a digni­dade ou o decoro , aspecto típico que enseja pena de detenção de um a seis meses, ou mu lta, na forma simples do art. 140 do CP, a experimentar gravame punitivo se houver violência, vias de fato, ou, pior ainda, quando a injúria consistir na utilização de elementos referentes à "raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência".

Importante notar que o mesmo Código Penal exclui o crime de injúria quando a ofensa é irrogada em juízo "na discussão da causa", ou ainda quando a opinião desfavorável for emitida por servidor público em apreciação ou informação prestada no cumprimento do dever de ofício.

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

Feitos estes esclarecimentos, é possível afi rmar, já na seara do Direito Civil, que a indenização por injúria, difamação ou calúnia (o CC trata destes institutos no mesmo artigo 953) consistirá na repara­ção do dano que delas resulte ao ofendido, material ou moral, a ser equitativamente aferido, no âmbito extrapatrimonial, pelo magistra­do, tudo de acordo com as circunstâncias do caso.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz de Direito do TJMG/2012 foi considerada verda­deira a seguinte afirmativa: "A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido, porém, se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização conforme as circuns­tâncias do caso".

� Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JuS"llÇA está decidindo a matéria?

Direito civil. Obrigação de publicação da sentença condenatória. Ofensa à honra em veículo de comunicação.

É possível que sentença condenatória determine a sua divulgação nos mes­mos veículos de comunicação em que foi cometida a ofensa à honra, desde que fundamentada em dispositivos legais diversos da Lei de Imprensa. O .. STF, no julgamento da ADPF 130, considerou não recepcionados pela CF to­dos os dispositivos da Lei de Imprensa. Porém, a ofensa à honra veiculada em meios de comunicação é passível de condenação por danos morais e à obrigação de divulgar; nos mesmos meios, � sentença condenatória, pois encontra amparo na legislação civil e na CF. AR 4.490, rei. Min. V. B. Cueva, julgada em 24.10.2012. 2• S. (lnfo 507)

·

Esta responsabi l idade civil, nos casos envolvendo publicação pela imprensa escrita, falada ou televisiva, será tanto do autor da matéria, quanto do proprietário do veículo, configurando-se a hi­pótese da coautoria a que se reporta o art. 942, ú ltima parte, do Código Civil: "se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão

solidariamente pela reparação".

Sobre o tema, vide a súmula 221 do SuPERIOR TRIBUNAL DE jusT1ÇA: "São

civilmente responsáveis pelo ressarcimento do dano, decorrente de pu­

blicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário

do veículo de divulgação".

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LUCIANO FIGU E IREDO E ROBERTO F IGUE IREDO

� Como o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E

os TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DO PAis estão decidindo a matéria?

No Recurso Extraordinário 215 .984/RJ a Suprema Corte entendeu que a reparação do dano moral não exige a ocorrência de ofensa à reputa­ção do indivíduo: "o que acontece é que, de regra, a publicação de fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado".

Já no Superior Tribunal de Justiça foi decidido que a reiterada publicação de notícias lesivas à honra do autor extrapola o dever de informação e configura dano moral objetivo, a autorizar publicação da decisão judicial de desagravo pelos mesmos meios de comunicação utilizados na prática do ilícito civil, a fim de dar conhecimento geral, em tese, ao mesmo público que teve acesso às notícias desabonadoras (REsp. 957.343/DF).

Dano moral. Ofensa à honra pessoal. Injúria, difamação e calúnia. Indeniza­ção devida. Valor. A i mputação d e fato lesivo à reputação, na presença de terceiros, caracteriza difamação, mesmo que o fato seja verdadeiro. Verba indenizatória arbitrada em cinquenta (50) salários mínimos. (TJRS, Apelação cível 70.005.821.939, Relatora Desem bargadora Mara Larsen Chechi).

Responsabilidade civil. Dano moral. Ofensa à honra. Injúria e difamação. Tipificação. Indenização devida. Valor. A responsabilidade civil por injúria, calúnia ou difamação prescinde de intenção de prejudicar. A simples divul­

gação de imputação de conduta desonrosa, capaz de atingir a dignidade da pessoa, por culpa do agente, caracteriza i lícito, que gera o dever de indeni­zar os danos correspondentes (TJRS, Apelação cível 70.0004.896.502, Relatora

Desembargadora Mara Larsen Chechi).

De resto, basta aplicar os elementos da responsabi l idade civil para reconhecer o dever de reparar o dano daqueles que incorre­rem em injúria, calúnia ou difamação, lembrando da relativa situa­ção de independência da instância cível em face da penal à luz do art. 935 do CC

1.2.7. Ofensa à Liberdade Pessoal

No rol das garantias fundamentais do art. 5° da CF está o d ireito de i r e vir (XV), assim como o de não sofrer tratamento desumano ou degradante (I l i), a inviolabi l idade da honra (X), de modo que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo lega l" (LIV). Dentro deste contexto, absolutamente caro à

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

dignidade humana está a disciplina da responsabil idade civil sub­jetiva decorrente da ofensa à l iberdade pessoal (CC, art. 954), a consistir no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido em decorrência de: (a) cárcere privado, (b) prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé, (c) prisão i legal .

Reza o inciso LXI, do art. 5 da CF que "Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autori­dade judiciária competente" sendo este o dever jurídico primário a ser observado, sob pena de aquele que inadvertidamente venha a contrariá-lo incorrer no dever jurídico secundário de reparar.

Aliás, a prisão i legal há de ser imediatamente relaxada pela autoridade jud iciária (LXV, art. 5°, CF), sendo vedada a prisão por dívida, assim como a de natureza cível, salvo para hipótese de ali­mentos inadimplidos. A este respeito, a súmula vinculante 25 ao vedar prisão civil do depositário infiel evidencia o alto significado constitucional da l iberdade humana.

Neste contexto, a reparação civil em situação como esta deve ser à altura do desrespeito ao direito fundamental violentado, devi­damente arbitrada e fundamentada pelo magistrado.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Juiz do TJMG/2012 foi considerada verdadeira a se­guinte assertiva: "A indenização por ofensa à l iberdade pessoal consis­tirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido".

A indenização por ofensa à l iberdade pessoal consistirá no pa­gamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar o prejuízo, terá aplicação o disposto no pa­rágrafo único do art. 953 do CC, ou seja, o ju iz fixará mediante a técnica processual do arbitramento, o valor da indenização devida de acordo com as circunstâncias do caso. Isto é o que afirma o art. 954 do CC.

Evidentemente que tais lesões poderão ser de ordem material ou extrapatrimonial, de maneira que será tranqui lamente possível ao magistrado, convencido da lesão ao direito da personalidade, fi­xar o dever de pagamento dos danos morais ante o dano ao direito fundamental da liberdade da pessoa humana.

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LUCIANO F IGUEIREDO E ROBERTO FIGUEIREDO

Isto acontecerá em três hipóteses indicadas no art. 954 do CC: cárcere privado, prisão decorrente de queixa ou denúncia falsa e de má-fé, prisão i legal.

Sendo certo lembrar que a instância cível é independente da instância penal (CC, art. 935), claro fica o entendimento no sentido de que a solução do caso deverá acontecer na Vara Cível indepen­dentemente dos reflexos deste mesmo evento na seara criminal .

., Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Advogado da COPEL/2011 foi considerada verdadeira a seguinte assertiva: "A responsabil idade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal".

.. Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vem se posicionando sobre a matéria?

o Estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação dos seus agentes, pratica contra o mesmo prisão ilegal. O Estado, ao prender in­devidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos e provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais. Recurso especial provido (REsp. 220.982/RS, Relator Ministro José Delgado. DJ 03.04.00).

Inconcebível que empresas comerciais, na proteção aos seus interesses co­merciais, violentem a ordem jurídica, inclusive encarcerando pessoas em suas dependências sob a suspeita de furto de suas mercadorias. Diante dos fatos assentados pelas instâncias ordinárias, razoável a indenização arbi­trada pelo Tribunal de origem, levando-se em consideração não só a des­proporcionalidade das agressões pelos seguranças como também a circuns­tância relevante de que as lojas de departamentos são locais frequentados diariamente por milhares de pessoas e famílias (REsp. 265.133/RJ, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ n10.2000).

2. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

Como afirma ANornsoN ScHREIBER8, não se pode negar o fenôme­no da erosão da culpa como filtro da reparação, de modo que a perda desta força impôs o d iálogo com outras alternativas de

8 . ln Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. 3 . ed . São Paulo: Atlas. 2011.

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

responsabi l idade civil, na busca de novos paradigmas. As primeiras publicações sobre a teoria dos riscos surgiram por volta de 1897 e decorreram do que se denominou de estrondo industrial surgido na Europa, precursor do capitalismo.

Exem plo atual do nível de complexidade jurídica dos dias atuais pode ser observado no Informativo 489 do Superior Tribunal de Jus­tiça, q uando se entendeu pela imperiosa necessidade de inversão do ônus da prova e do reconhecimento da responsabi l idade civil objetiva em casos de saques não autorizados, realizados em conta bancária, para afirmar: "a retirada de numerário da conta bancária do cliente acarreta a responsabi lização objetiva do fornecedor do serviço" (REsp. u55.770-PB), assim como a súmula 492 do SurREMo

TRIBUNAL FEDERAL, para quem "A em presa locadora de veícu los respon­de, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado". Também a súmula 28 do SurREMO TRIBUNAL FEDERAL, que traduz este entendimento consolidado da seguinte forma: "O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa ex­clusiva ou concorrente do correntista".

D iante d esta nova sociedade de riscos foi que o art. 927, assim como outros artigos do CC (931, 933, 936 e 937), passou a ad mitir situação onde não é necessária a prova de dolo ou cu lpa para responsabi l izar, daí fa lar-se em responsabi l idade civil objetiva. A j urisprudência exerceu papel fu ndam ental na m udança legislativa.

De igual modo, a doutrina atual admite a incidência desta regra não apenas no âmbito cível, mas até mesmo na Justiça do Trabalho. A propósito, o Enunciado 377 do CJF para quem o art. 7, XXVll l , da CF não é impedimento para a incidência do art. 927, parágrafo único, do CC, quando se tratar de atividade de risco desenvolvida pelo empregador .

Já foi visto que a presença de legislação especial , ou mesmo a circunstância do agente agressor desenvolver, com habitualidade, atividade de risco , justificam a responsabil idade civil objetiva.

Os casos especificados nas leis especiais são os mais varia­dos possíveis e poderiam ser exem plificados com a Lei Ambiental (Lei 6938/81, art. 14), com a CF, ao consagrar a Responsabi l idade

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Objetiva do Estado para atos comissivos (art. 37, § 6°, CF), na questão do Dano Nuclear também previsto na norma constitucio­nal (art. 21, XXl l l); no CDC (Lei 8078/90), no tema do DPVAT (seguro obrigatório de acidente de veículo), na Responsabi l idade Civi l do Transportador (art. 7 34, CC). Sobre esta ú lti ma situação, cum pre recordar o conteúdo da súmula 187 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL "A

responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qua l tem

ação regressiva".

Nestes casos a regra (responsabil idade subjetiva) sai de cena e a exceção (responsabil idade objetiva, onde não é necessário provar dolo ou culpa) acontece.

A responsabi l idade civil objetiva também está nitidamente atre­lada, no atual Código, à teoria do risco . Reza o parágrafo único do art. 927 haver dever de reparar independente de cu lpa "quando a

atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

Contudo, a expressão atividade de risco constitui cláusula aber­ta no CC a ser valorada à luz do Princípio da Operabil idade e dos sentidos constitucionais, aspecto a fortalecer o papel do magistra­do e demais atores do processo jud icial. Seria possível num caso concreto, i lustre-se, admitir que empregados da área de saúde, ao trabalharem em laboratório com amostras de bactérias ou vírus de fácil contágio, desenvolvam atividade de risco. Idem no que tange aos paraquedistas. Os citados se enquadrarem na h ipótese da res­ponsabil idade civil objetiva.

� Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vem decidindo a matéria?

No Recurso Especial i.01i.437/RJ o Superior Tribunal de Justiça enten­deu por responsabilizar civi lmente uma companhia de energia elétrica pela instalação de um transformador em lugar inadequado, aspeào que acarretou choque elétrico de alta tensão, reconhecendo a responsabili­dade civil objetiva, o risco e a razoabilidade do valor de RS 400.000,00 para o dano estético e RS 800.000,00 para o dano moral, ante as nefas­tas consequências suportadas pela vítima.

Apesar do grande debate que se pode travar sobre qual das teorias do risco o CC abraça (risco criado, integral, profissional,

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

proveito, ad ministrativo, etc.) o certo é que foi elaborado o Enuncia­do 38 na 1 jornada de Direito Civil segundo o qual : "a responsabilida­de fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa deter­minada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade".

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em prova para o cargo de Delegado de Polícia do Estado de Goiás/2008 foi considerada correta a seguinte afirmativa: "a responsabil idade ob­jetiva fundada no risco da atividade, configura-se quando a atividade desenvolvida pelo agente do dano é mais onerosa para certa pessoa que para outros integrantes da comunidade".

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Verificando a adoção da teoria do risco pelo Código Civil de 2002, no concurso para Defensor Público do Estado de Rondônia/2007 foi conside­rada verdadeira a seguinte expressão: "A responsabi lidade civil objetiva no direito brasileiro, salvo nos casos especificados em lei, será reconhe­cida nas atividades normalmente geradoras de risco".

De qualquer modo, a regra continua sendo a responsabi l idade civil subjetiva, nada obstante a relevância do advento da teoria do risco na atual codificação e as novas modalidades de responsabil ida­de objetiva previstas pelo codificador. É o que estudaremos agora.

2.1. O Advento da Teoria do Risco Na Atual Codificação

O atual Código Civil trouxe a teoria do risco inovando na forma de tratar o tema da responsabi l idade civi l . Além do risco da ativida­de profissional, por exemplo, poderemos observar a utilização da teoria do risco criado no art. 936, para hipótese do fato do animal (quem cria o risco de adquirir o animal responde objetivamente), além da teoria do risco dependência a responsabi lizar objetivamen­te os pais pelos atos dos fi lhos menores (932 e 933).

O Enunciado 445 da V jornada de Direito Civil conclui no sentido de que a responsabi l idade civil prevista na segu nda parte do pará­grafo único do art. 927 (teoria do risco) deve levar em consideração

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"não apenas a proteção da vítima e a atividade do ofensor", como ainda a "prevenção e o interesse da sociedade".

Por conta disto, a responsabil idade civil objetiva decorrente do risco se aplica sempre que a atividade desenvolvida, mesmo sem defeito e não essencialmente perigosa, induza, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem. Em outras pa­lavras: são critérios de avaliação desse risco, entre outros, a esta­tística, a prova técnica e as máximas da experiência ( Enunciado 447

do CJF).

O advento da teoria do risco na atual cod ificação será o objeto do estudo apresentado nas próximas l inhas.

2.2. Hipóteses de Responsabilidade Civil Objetiva no Código

O Código Civil apresenta algumas circunstâncias nas quais a res­ponsabi l idade civil será objetiva, ou seja, quando não existe ne­cessidade de aferir dolo ou culpa para responsabi lizar. A primeira hipótese - após o já indicado parágrafo único do art. 927 - se refere ao empresário individual e às empresas pelos produtos postos em circulação.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No certame para o cargo de Procurador do Estado do Acre/2012 foi considerada incorreta a seguinte afirmativa: "Haverá responsabil idade civil objetiva, no sistema do Código Civil, quando houver expressa de­terminação legal ou quando a atividade habitual do agente, por sua na­tureza, implicar risco para o direito de outrem, o que não exclui outros subsistemas de responsabil idade civil objetiva.".

2.2.1. A Responsabilidade Civil dos Empresários e das Empresas

Sem dúvida, a responsabil idade civil prevista no art. 931 do CC amplia o conceito do fato do produto tratado pelo a rt. 12 do coe, de modo a im putar o dever da em presa e dos em presários indivi­d uais vinculados à circulação de produtos a reparar, independente­mente de dolo ou de culpa, como entende a doutrina no Enunciado 42 do CJF. Em sendo uma responsabi l idade civil objetiva sem risco integral, plenamente possível será a arguição de excludentes de res­ponsabil idade (Enunciado 562 do CJF).

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

A matéria começa a ganhar força na jurisprudência dos Tribunais de Justiça. Já entendeu o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO Rio GRANDE DO SUL haver responsabil idade civil por fato do produto no caso de "fornecedora

de botijões de gás apreendidos na revenda dos autores em desconfor­midade com as prescrições legais", qualificando a hipótese como de "responsabilidade objetiva" de modo a admitir a "incidência do dis­posto no art. 931 do Código Civil" (TJ/RS, Apelação Cível 70.022.074.371). Tam bém naquele Tribunal de Justiça, para outra questão processual envolvendo alimento contaminando por traças, entendeu-se ser hi­pótese, não apenas de dano moral in re ipsa, como, principalmente, de responsabilizar o fabricante (Apelação Cível 7i .ooi.545 .151).

Desta maneira, o diálogo entre o art. 931 do CC e 12 do CDC é fundamental. É sabido que o fabricante, o produtor, o construtor e o importador respondem independentemente de culpa pelos defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmu­las, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus pro­dutos, como também pelas informações defeituosas sobre a utiliza­ção e riscos. Pois bem, o Código Civil insere neste contexto a figura do empresário ind ividual e da empresa, que também responderão pelo fato do produto.

O Enunciado 43 do CJ F tam bém afirma isto, ao sustentar que a responsabil idade civil pelo fato do produto, prevista no art. 931, também inclui os riscos do desenvolvimento. De qualquer maneira, aplica-se o art. 931 do CC haja ou não relação de consumo. É o que d iz o Enunciado 378.

Ora, se a proposta interpretativa é sistêmica como admite a doutrina, então é possível sustentar a incidência das específicas hipóteses excludentes de responsabilidade civil previstas no CDC em favor dos empresários individuais e das empresas, isto porque onde há a mesma razão, se aplica o mesmo direito. Em sendo as­sim, com provando o empresário individual, ou a empresa, não ter colocado o produto no mercado ou que, embora colocado, o defeito inexiste ou, finalmente, culpa exclusiva da vítima ou do terceiro, ine­xiste fundamento jurídico à responsabi lização objetiva.

Mas, antes de adentrar no tema de fundo, torna-se impor­tante apresentar o conceito legal d o empresário, extraído do art.

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LUCIANO F IGU EI REDO E ROBERTO F I G U EIREDO

966 do CC: "Considera-se empresário quem exerce profissionalmente

atividade econômica organizada pa ra a produção ou a circu lação de

bens ou de serviços".

Desta forma, para se admitir a responsabil idade objetiva é im­prescindível, antes disto, identificar se o autor do ato ilícito efetiva­mente seria empresário. Uma forma prática de se atingir este obje­tivo seria obter certidão no Registro Público das Empresas Mercantis, ou mesmo exigir que a parte contrária apresentasse sua carteira funcional a indicar o respectivo registro . A propósito, o art. 967 ad­verte ser obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.

Questão polêmica seria se o agente agressor efetivamente exer­cesse atividade organizada para produção ou circulação de bens ou serviços, mas não estivesse formalmente i nscrito como empre­sário. Nesta hipótese seria possível que o autor do ilícito pudesse se beneficiar da própria torpeza para se enq uadrar na situação da responsabilidade subjetiva? Acreditamos que não, sob pena de desrespeito à boa-fé, à eticidade e, na perspectiva processual, à efetividade da justiça, da j urisdição, da Sol idariedade Social e da restitutio in integrum.

Também é importante saber quem não é empresário . Disto, o parágrafo ú nico do art. 966 tratou ao afi rmar não ser empresário "quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou

artística, a inda com o concurso de auxiliares, sa lvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa".

De acordo com o art. 972 do CC podem exercer a atividade de em presário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos

À luz do art. 931 do CC a responsabi l idade do empresário é objetiva . A regra d iz isto de maneira induvidosa ante a expressão "independente de culpa". Segundo a norma, ressalvadas as demais hi póteses previstas em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos em circu lação.

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o TRT-4• região/2012 foi considerada incorreta a se­guinte assertiva: "os empresários individuais e as sociedades empre­sárias respondem somente nos casos de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação".

Sem dúvida o Código está a considerar o risco da atividade empresarial para objetivizar a responsabi l idade daquele que lucra com o empreendimento, seja empresário, seja a própria empresa. A equação é sim ples: quem lucra e obtém o bônus ao exercer, com regu laridade, esta atividade profissional, deve também repartir o. ônus em situações de reparação civil.

O art. 931 do CC efetivamente se harmoniza com o Ordenamento jurídico. De fato, o CPC já admitia nos arts. 592, li e 596 a respon­sabilidade civil do sócio (da pessoa física, portanto) pelos atos das pessoas jurídicas nos casos previstos em lei.

De qualquer sorte, a teor do Enunciado i90 a regra do art. 931 não afasta as normas acerca da responsabil idade pelo fato do pro­duto previstas no art. 12 do CDC, que continuam mais favoráveis ao consumidor lesado.

� Atenção!

A CF prescreve em seu art. 5°, XXXl l que "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" de modo que foi publicada a Lei 8.078/90 denominada Código de Defesa d o Consumidor. Dentro deste valor de ordem constituciona l econômica, previsto no a rt. 170, inciso V, da CF, é que se pode afirmar que o advento do direito d o consumidor inaugura nova era de compreensão do direito privado, especia lmente à luz dos princípios básicos que i ntroduziu, prestigian­do o respeito ao vulnerável, de modo a concretizar igualdade mate­rial mediante compensação legislativa. Não se objetiva neste espaço conceitua r consumidor ou fornecedor. Muito menos se deseja abordar a distinção entre produto e serviço. O que se deseja é demonstrar ao leitor que o CDC discipl ina um regime jurídico próprio para o que denomina de responsabi l idade civil por fato do produto ou serviço, bem como dos profissionais liberais, além da responsabi l idade civil por vício do produto ou serviço, entre outros temas, como, ainda, os prazos prescricionais e decadenciais, de modo que é fundamental ter

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LUCIANO FIGUEIREDO E ROBERTO F IGUEIREDO

em conta a nítida diferença entre este microssistema e o CC, para evi­tar equívocos na solução dos problemas jurídicos. De q ua lquer modo, é importante lembrar que o coe explicitamente afirma que a respon­sabilidade civil do profissional liberal é subjetiva!

2.2.2. A Responsabilidade Civil por Ato de Terceiro

Tam bém denominada de responsabil idade civil objetiva indireta ou impura , trata-se de interessante modal idade na qual uma pes­soa pratica o ato e outra tem o dever de indenizar. O art. 932 afir­ma: "São também responsáveis". Ao assim dispor, a norma admite, no mínimo, que duas pessoas respondem, ao mesmo tempo, pelo ato ilícito: o autor do ato e um terceiro. Visível a hipótese de soli­dariedade passiva. De logo, é importante lembrar que se trata de relação numerus clausus, razão pela qua l não é possível responsa­bilizar qualquer outra pessoa que não esteja textualmente indicada no aludido preceito.

Quanto ao referido disposto legal, o inciso 1 prevê a responsa­bi l idade dos pais pelos fi lhos menores, no entanto, para que seja aplicada a responsabil idade objetiva em relação aos pais, há que se apurar sobre a responsabi l idade subjetiva no que tange à conduta do fi lho. A título de exemplo, vejamos a decisão prolatada pelo Tri­bunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

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APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE I NDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATO PRATICADO POR MENOR ADOLESCENTE. RESPONSABILIDADE DOS PAIS NOS TERMOS DO ARTIGO 932, INCISO 1 , DO CÓDIGO CIVIL. RELACIONAMENTO AMOROSO ENTRE A FILHA DOS AUTORES E O FILHO DOS RÉUS. DEVER DE I NDEN IZAR CONFI­GURADO. EXCESSO EVIDENTE NA CONDUTA DO FILHO DOS DEMAN­DADOS APÓS O TÉRMINO DO RELACIONAMENTO. AMEAÇAS, PERSE­GUIÇÃO INTIMIDAÇÃO E AGRESSÕES VERBAIS COMPROVADAS. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA.

i. A questão diz com pedido de indenização por danos mo­rais em decorrência das atitudes do filho dos demandados em relação aos autores, quando do término do namoro com sua filha.

2. Ao que se vê do relato da inicial, os fi lhos dos litigantes mantiveram relacionamento amoroso (ele, com i6 anos de

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

idade e ela, com 14 anos de idade). Os autores sustentaram que tomaram conhecimento de que o filho dos réus era ex­tremamente agressivo e agredia fisicamente sua filha, razão pela q ual, houve o rompimento do namoro. Disseram, ainda, que o filho dos réus não se conformou com o fim do relacio­namento e, por isso, passou a molestá-los moralmente com atitudes violentas e ameaças. Há, ainda, relato de sequestro da adolescente, o que, inclusive, deu azo à medida prote­tiva para impedir que o fi lho dos réus se aproximasse dos autores e de sua fi lha.

3 . O pedido se fundamenta no que discip lina o artigo 932, inciso 1, do Código Civil. Porém, para que seja aplicada a responsabilidade objetiva em relação aos pais, há que se perquirir acerca da responsabil idade subjetiva em relação à conduta do filho e, no ponto, configurado o dever indeniza­tório dos demandados, em razão das atitudes de seu filho em relação aos autores.

4. Os danos morais, no caso em tela, decorrem do próprio fato, são consequência lógica da conduta perpetrada pelo filho dos réus em ofender, agredir verbalmente, ameaçar e perturbar o sossego dos autores. 5. Somadas as circunstân­cias dos autos e a extensão do prejuízo, os ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, à situação socioeconômica de ambas as partes tenho como justa, adequada e razoável a quantia de R$ 2.500,00, para cada um dos autores. Sobre o montante deverá incidir correção monetária pelo IGP-M, a contar desta data, nos termos da Súmula 362 do STJ e ju­ros de mora de iºlo ao mês desde a data de ocorrência do evento danoso, que no caso, fixo a partir do ingresso da medida protetiva. APELO PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível N° 70053355285, Nona Câmara Cível, Tribunal de justiça do RS, Re­lator: lris Helena Medeiros Nogueira, Ju lgado em 1 1/09/2013).

Esta é uma das formas de se entender a súmula 430 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JusnçA: "O inadimplemento da obrigação tributária pela socie­dade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-geren­te." Com este fundamento também se poderia justificar a súmula i32 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: "A ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo a lienado". De fato, se a responsa­bil idade civil por ato de terceiro é exceção taxativa, não estando as situações acima indicadas no texto de lei, é porque não se pode,

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util izando-se técnica de interpretação ampliativa e inadequada para a hipótese restritiva de direito (CC, 1 14), admitir responsabi lização de tais sujeitos.

E, nesta senda, os pais respondem pelos atos dos fi lhos meno­res que estiverem sob autoridade e companhia destes, o tutor e curador pelos pupilos e curatelados nas mesmas condições, o em­pregador pelo empregado, os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por d inheiro, pelos atos dos hóspedes, moradores e educandos e, finalmente, aqueles que gra­tuitamente houverem participado nos produtos do crime "até a con­corrente quantia". A doutrina estende a hipótese para atingir também as instituições hospitalares privadas, que responderiam na forma do art. 932, I l i , do CC "pelos atos culposos praticados por médicos integrantes de seu corpo clínico" como afirma o Enunciado 191 do CJF.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para o TJPE/2012 foi elaborado o seguinte questionamen­to: "Segundo o Código Civil brasileiro, são responsáveis pela reparação civil, ainda que não haja culpa de sua parte, pelos atos praticados pe­los terceiros", sendo que em resposta foram considerados os seguintes sujeitos: "I. Os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua auto­ridade e em sua companhia; l i . O empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; I l i . Os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos".

Ainda nesse sentido, no certame para Ju iz Substituto do TRT 2ia Re­gião/2012 foi considerada correta a proposição; "a indenização devida pelo incapaz será equitativa e não terá lugar se o privar do necessário."

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em prova realizada pelo CESPE para concurso de J uiz de Direito Substi­tuto-PA/2012 foi considerada falsa a assertiva que continha a seguinte afirmativa: "Se, ao conduzir veícu lo de propriedade dos pais, o filho menor, culposamente, causar dano a terceiro, a vítima, para obter repa­ração civil, terá de demonstrar que o dano foi causado pelo menor, por culpa in vigilando dos pais."

Assim, é pacífico o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE J USTIÇA sobre a responsabil idade civil por fato de terceiro. Ali já se entendeu, por

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exemplo, que "Os pais respondem pelos atos dos filhos [ . . . ] como as­sentado em pacífica jurisprudência da Corte (REsp. 246}81/AC). E mais: "A inexistência de vínculo empregatício entre a cooperativa de traba­lho médico e o profissiona l a ela associado não é fator impeditivo do reconhecimento da sua responsabilidade civil [. .. ] em relação aos atos praticados em decorrência de serviços prestados em plano de saúde" (EDREsp. 309.760/RJ). Por outro lado, quanto à empresa esta respon­de "solidariamente pela ação do seu preposto" (REsp. 337.689/SP).

Interessante perceber que tais sujeitos respondem pelos atos dos terceiros acima referidos "ainda que não haja culpa de sua parte",o que demonstra estarmos em mais uma situação de responsabi lida­de civil objetiva. Sobre o assunto, a súmula 130 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JusT1çA ao advertir: "A empresa responde, perante o cliente, pela repa­ração de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento".

Desta forma, não adiantaria o curador, patrão, tutor, pai, enfim, não adiantaria que tais sujeitos sustentassem ausência de dolo, ou culpa, da própria parte. A responsabil idade destes é objetiva.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Na prova realizada pela Fundação Carlos Chagas, em concurso para o TRT - 6• região/2012 foi considerada verdadeira a seguinte assertiva: Sendo o patrão responsável pela reparação civil dos danos causados culposamente por seus empregados no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele, é obrigado a indenizar ainda que o patrão não tenha culpa.

� Atenção!

No que diz respeito à responsabil idade objetiva dos estabelecimentos educacionais, por atos não apenas de seus educandos, mas ainda por fatos ocorridos, como Bullying na infância e adolescência, evidentemen­te que a interpretação a ser dada envolve os serviços onde os alunos são menores de is anos, afinal de contas os estabelecimentos de En­sino Superior não poderiam ser responsabilizados por situações como estas. É o que pensa CARLOS ALBERTO GoNÇALVEs9.

9. ln Direito das Obrigações - Parte Especial - Responsabilidade Civil, São Paulo: Saraiva. 2001, p. 28. Sinopses Jurídicas, p . 774.

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� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Defensor Público do Estado de São Paulo/2012 foi con­siderada correta a afirmativa que continha o seguinte teor: "A prática de bullying entre crianças e adolescentes, em ambiente escolar, pode ocasionar a responsabilização de estabelecimento de ensino, quando caracterizada a omissão no cumprimento no dever de vigilância".

Importante questão diz respeito à manutenção ou não da res­ponsabi l idade civil do representante legal nos casos de emancipa­ção. Sobre este assunto, de pouca referência jurisprudencial, a dou­trina cível foi consol idada no Enunciado 41 do CJ F : "A única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter sido emancipado nos termos do art. 5, parágrafo único, inciso /, do novo Código Civil".

Como se pode recordar, a emancipação constitui instituto cível d irigido aos relativamente incapazes que, com a mesma, podem exercer/praticar atos da vida civil sem a necessidade de assistência dos representantes legais. O incapaz, apesar disto, continua menor de idade afinal de contas emancipação não se confunde com maio­ridade.

Mas a emancipação afastaria a i ncidência da responsabil idade civil solidária dos pais? É dizer: a emancipação obstruiria a aplica­ção do art. 932 do CC? A doutrina atual, orientada pelo princípio da eticidade, entende que a emancipação voluntária não poderia obstru ir a solidariedade. Não fosse assim, os representantes legais passariam a emancipar voluntariamente seus descendentes para, com isto, afastarem-se da norma imperativa.

Em resumo: a emancipação não voluntária afasta a incidência do art. 932. A voluntária não afasta. Como já afirmou S1Lv10 oE SALVO VE­NosA10, apesar da controvertida doutrina sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que a emancipação do menor não elide a responsabil idade dos pais, pois é ato volun­tário dos genitores que não tem o condão de obliterar a responsa­bi l idade civil.

10. ln Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 74.

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

� Atenção!

O simples afastamento da casa materna, ainda que imotivada, não afas­ta a responsabilidade civil dos genitores, pois não retira a autoridade referida no art. 932.

Fica, entretanto, uma reflexão. À luz do princípio processual da eventual idade da defesa previsto no art. 300 do CPC e con­siderando que a responsabi l idade civil do incapaz é subjetiva, subsid iária e condicional, poderiam estas pessoas alegar ausência de culpa ou dolo daque le que efetivamente praticou o ato lesivo para, com isto, descaracterizar um dos e lementos da responsa­bi l idade civil subjetiva deste e, por consequência, a responsabi l i ­dade objetiva dos garantidores? Acreditamos que sim, daí porque sustentamos ser a hi pótese uma verdadei ra responsabilidade civil complexa .

O certo é que a disciplina dos arts. 931 e 933 do CC é típica da responsabil idade civil objetiva por ato de terceiro e se baseia na teoria do risco dependência. Assim, o curador, o tutor, o genitor e o patrão, entre outros, têm responsabil idade civil objetiva por atos praticados pelos curatelados, tutelados (pupi los), fi lhos menores e empregados. Na forma do art. 932, a responsabil idade destes sujei­tos ocorrerá independente de culpa.

� Atenção!

Apesar de grandes doutrinadores como ÜRtANoo GoMEs" sustentarem que a responsabilidade paterna exigiria a capacidade de discernimento do menor este entendimento não fo i consagrado na atualidade. Com a de­vida vênia do notável civilista, entendemos que a hipótese é de respon­sabilidade civil objetiva pela teoria do risco criado.

A inovação legislativa impede a manutenção da superada ju­risprudência que, em situações como estas, sustentava haver cul­pa presu mida do empregador, por exemplo, por ato do emprega­do. A este respeito o Enunciado 449 da V Jornada em Direito Civil

11. Obrigações, p. 348. Apud Carlos Roberto Gonçalves ln Direito Civil Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. u6.

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a advertir que a responsabi l idade dos pais, doravante, é objetiva "e não por culpa presumida", razão pela qua l ambos genitores no exercício da autoridade parental são, em regra, sol idariamente responsáveis "a inda que estejam separados, ressa lvado o direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos genitores".

O Enunciado 450 arremata: a responsabil idade por ato de ter­ceiro é objetiva ou independente de culpa estando superado o mo­delo da culpa presumida .

Curiosa é a discipl ina do art. 934 a respeito deste assunto, a ad­miti r o exercício do direito de regresso em favor daquele que paga pelo terceiro e desde que este não seja descendente seu, exceção: a impedir o regresso.

A doutrina consagrada no Enunciado 44 do CJF afirma que o direito de regresso previsto no art. 934 do CC a autorizar o empre­gador a agir contra empregado ou preposto somente seria justifi­cado se este houver causado o dano em ato de dolo ou culpa. De qualquer modo, é preciso analisar o enunciado à luz do art. 462 da CLT, pois é vedado ao empregador efetuar qualquer desconto no salário do empregado, salvo quando resultar de adiantamentos, ou dispositivos de lei ou de norma coletiva, sendo que "Em caso

de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito desde que

esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do

empregado".

o direito de regresso também é referido em algumas súmulas de tribunais superiores. O SuPREMO TRIBUNAL FEDERAL abordou o assun­to na súmula 187 ao afirmar que a responsabil idade contratual do transportador pelo acidente com o passageiro é objetiva e não será elidida por culpa de terceiro "contra o qual tem ação regressiva".

Também a súmula 188: "O segurador tem ação regressiva contra o cau­sador do dano" por aqui lo que efetivamente pagou reconhecendo-se cabíveis, inclusive, honorários advocatícios "na ação regressiva do

segurador" (súmula 257).

Em síntese: se o empregado causar dano por conduta culposa somente se permite o desconto salarial respectivo acaso exista pre­visão expressa no contrato de emprego. Se a conduta for dolosa

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não é necessário contratação específica, pois a lei permite o des­conto.

� Importante:

A responsabilidade civil dos amentais!

Pela Teoria da Imputabilidade seria possível responsabi l izar os amentais civi lmente? Numa visão subjetiva da responsabi l idade civil, a exigir a presença da voluntariedade, do do lo ou da culpa, a con­clusão seria negativa . Nesta concepção, o amental seria in imputável. E pela Solidariedade Social? Vê-se que na atual idade a cu lpa tem sido posta em papel secu ndário. A ê nfase vem sendo dada ao dano e à teoria d o risco. Concentra-se o d ireito n a tentativa de reparar o dano como atividade principal de hermenêutica. Os Cód igos Civis da atual idade admitem a responsabi l idade civil dos amentais". O Código Civil de 1916 não tratou do assunto o que levou a d outrina da época sustentar a i rresponsabi l idade destas pessoas (Teoria da I rresponsabi l idade Absoluta). O atual CC em seu artigo 928 abraça a Teoria da Responsabilidade Mitigada e Subsidiária de modo que o patrimônio d o incapaz será util izado para satisfazer/repa rar o pre­j uízo experimentado pela vítima excepcionalmente. O i ncapaz res­ponde pelos preju ízos que causar de forma subsidiária, condicional e equitativa. Subsidiária, pois a penas responde se pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não d ispuserem de me ios suficientes. Condicional e equitativa, po is não terá lugar se privar o a lud ido incapaz ou as pessoas que dele dependerem do mín imo existencial .

I nteressante notar que não era este o regime do Código Civil de 1916. Naquele diploma os relativamente incapazes t inham responsabi l idade civil por se equipararem aos adu ltos (artigo 156), de modo que havia solidariedade entre estes e seus pais. Os absolutamente incapazes não tinham responsabi l idade civil alguma. Eram considerados in im­putáveis.

12. Neste sentido o Código Civil de Portugal (artigo 489), ao Código da Rússia Soviéti­ca (artigo 406), do México (artigo 1 .911), da China (artigo 187), da Espanha (artigo 32), da Itália (artigo 2.047) e do Peru (artigo i.140).

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� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para juiz Substituto do TjDFT/2011 foi considerada verda­deira a seguinte assertiva: "O CC/02 criou, assim, responsabilidade até para o incapaz, não só para o menor de dezesseis anos, mas também para o amental. Essa responsabilidade é subsidiária, porque o incapaz só vai responder se o seu responsável - pai, curador, tutor - não puder responder e mesmo assim se tiver patrimônio suficiente para indenizar a vítima sem prejuízo do sustento próprio e daqueles que dele depen­dem".

Também neste sentido, a prova para Advogado - ITESP, banca VUNESP, ano de 2013, considerou correta a proposição: "a equidade é um dos parâmetros a ser consid

.erado como critério para a fixação da inde­

nização no caso de responsabilidade civil de ato ilícito, cometido por incapaz, considerando como balizas a dignidade da pessoa humana e a impossibilidade de privação ·do necessário à pessoa, nos casos de pais, tutores e curadores".

Ainda sobre responsabilidade civil por ato de terceiro, no ano de 2014, a prova para Técnico judiciário - Área Administrativa/ TRF 3ª REGIÃO, ban­ca FCC, cobrou a questão a seguir:

Considere as seguintes situações hipotéticas:

1. Mario, dezessete anos de idade, escondido de seu pai, Golias, pegou a chave do carro da família e atropelou Xisto.

li. Fabiana, dezesseis anos de idade, com a permissão de sua mãe, Ma­ria, que lhe entregou as chaves do veículo da família, dirigiu alcoolizada e colidiu o referido veículo com a moto de Fabrício.

I l i . Carlos é dono do restaurante "CC". Seu empregado, Matias, derrubou um prato na cliente, Fátima, ferindo-a.

IV. Diogo é dono do hotel "AK'. Nesta madrugada um hóspede enfureci­do atirou pela janela do quarto, no qual estava hospedado, vasos, um abajur e um lustre, ferindo Simone, uma transeunte.

De acordo com o Código Civil brasileiro, responderão pelos atos pratica­dos pelos terceiros mencionados nas situações hipotéticas,

a) Maria, Carlos e Diogo, apenas.

b) Maria e Diogo, apenas.

c) Golias, Maria, Carlos e Diogo.

d) Carlos e Diogo, apenas

e) Golias, Maria e Carlos, apenas.

o gabarito é a letra e.

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

2.2.3. A Responsabilidade Civil por Foto do Animal e por Foto do Coiso

Dentro da teoria do risco é possível reconhecer a possibi l idade de danos decorrerem de objetos inanimados, assim como de seres i rracionais, de modo que o Código Civil não poderia ignorar esta realidade. Apesar da expressão responsabil idade civil por fato da coisa ou do animal a doutrina de CARVAUERI F1LH0'3 entende ser mais acertado o termo responsabil idade civil pela guarda das coisas ina­nimadas . Tanto é assim que o art. i .384 do Código Civil Francês imputa responsabil idade civil àquele pelas "coisas que tem sob sua guarda", daí porque a defesa do réu, muitas vezes, ficará l imitada ou à afirmação de que não é proprietário da coisa ou, finalmente, que não a tinha sob guarda.

Originariamente, a responsabil idade civil por fato da coisa ou do animal ganhou força no Direito Francês, forte na ideia, já u ltrapassa­da, da culpa presumida. É o que afi rma CA10 MÃR1014• Hoje, entende-se que a h ipótese é de responsabil idade objetiva na medida em que o sujeito que aufere os cômodos deve experimentar tam bém os incômodos.

E foi neste sentido que a doutrina cível contemporânea elabo­rou o Enunciado 451 da V Jornada de Direito Civil ao afirmar que a responsabil idade civil do dono ou detentor do animal é o bjetiva, admitindo-se a excludente do fato exclusivo de terceiro. Na forma do art. 936 do CC o dono ou detentor terão, portanto, responsabi­l idade por fato do animal (dano causado pelo animal). Trata-se, a nosso juízo, da teoria do risco criado .

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para a DPE-SP/2012 foi considerada verdadeira a seguinte assertiva: "A responsabilidade do dono ou detentor de animal pelos danos por este causado é objetiva".

PABLO STOLZE E RODOLFO PAMPLONA F1LH015 sustentam que o responsável pela reparação do dano proveniente da coisa ou do animal é o

13. ln Programa de Responsabilidade Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 123. 14. ln Responsabilidade Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 102. 15. ln Novo Curso de Direito Civil. Vol. Ili. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 172.

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seu guardião tendo em vista seu "poder de comando ou direção intelectual". Para estes doutrinadores se restar provado no caso con­creto que o sujeito não tinha, no momento, poder de comando não seria o caso de se responsabi lizar objetivamente. Interessante os ju lgados trazidos por estes grandes civilistas da Bahia sobre impor­tantes temas da responsabi l idade civil, como, por exem plo, do Esta­do decorrente de dano causado por equino da brigada militar16, por gado que invade lavoura alheia'7 e por colisão de veículo em animal solto em pista '8, todos envolvendo a i ncidência do art. 936 do CC.

� Atenção!

Os animais aqui referidos podem ser ferozes, doméstico, ou não. Cães, cavalos, leões, touros e até mesmo abelhas de um criatório podem se enquadrar na mens legis.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

A prova para Procurador Municipal - Prefeitura de Cuiabá/MT, banca FCC, ano de 2014, trouxe a seguinte questão:

Aracy hospedou-se no Hotel Bela Vista e levou consigo um poodle apa­rentemente inofensivo. Este, porém, fugiu do quarto de Aracy, por des­cuido dela, e atacou os pés de Ana Tereza, causando-lhe rompimento de tendão. Ana Tereza poderá pedir indenização contra a) Aracy, que responde objetivamente pelos danos causados pelo ani­mal, e contra o Hotel Bela Vista, que responde subjetivamente por seus hóspedes. b) Aracy, que responde objetivamente pelos danos causados pelo ani­mal, e contra o Hotel Bela Vista, que responde objetivamente por seus hóspedes c) Aracy, que responde subjetivamente pelos danos causados pelo ani­mal, mas não contra o Hotel Bela Vista, que não teve culpa pelo inci­dente.

16. Reexame Necessário 70002234698. Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator Desembargador Paulo Antônio Kretzmann. Julgado em 6.12.2001.

17. Apelação Cível 197203391. Segunda Câmara Cível, Tribunal de Alçada do Rio Gran­de do Sul, Relator Desembargador lrineu Mariani. Julgado em 7.5.1998.

18. Apelação Cível 20000310109227. Terceira Turma, Tribunal de Justiça do Distrito Fe­deral, Relator Desembargador Jeronymo de Souza. DJU de 24.4.2002.

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d) o Hotel Bela Vista, apenas, por se tratar de relação de consumo. e) Aracy, que responde objetivamente pelos danos causados pelo ani­mal, mas não contra o Hotel Bela Vista, que não teve culpa pelo inci­dente. O gabarito é a letra B.

Segundo a lei as un 1cas hipóteses que poderiam excluir esta responsabil idade civil seriam culpa da vítima ou força maior.

Nesse sentido, segue a emanta da decisão do Tribunal de justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ano de 2013:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE OB­JETIVA DO DONO NO ANIMAL. CULPA EXCLUS IVA DA VÍTIMA. DEVER DE INDEN IZAR INOCORRENTE. É cediço que o dono ou detentor de an imal, responde objetivamente pelos danos que este causar a outrem, salvo se comprovada a culpa da vítima ou força maior. Inteligência do art. 936 do CC/2002, vigente à época do fato. Hipótese em que restou caracterizada a culpa exclusiva da autora que, sabedora da existência do animal no estabelecimento comercial e estando fechado o portão de acesso, entrou no local, sem permissão, vindo a ser ata­cada pelo cão, o que afasta a pretensão indenizatória. Res­ponsabil idade objetiva que não dispensa a demonstração do nexo de causalidade. Sentença de improcedência man­tida. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível N° 70053.307237, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Ju lgado em 21/03/2013).

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Procurador da DER-R0/2010 foi considerada falsa a assertiva que afirmava o seguinte: "O dono do animal ressarcirá o dano por este causado, ainda que existente e provada força maior".

O art. 937 do CC atual tem a mesma redação do art. 1 .528 do CC/16. Curiosa esta observação porque, à época do antigo Código, doutrina e jurisprudência divergiam a respeito da natureza subjeti­va desta hipótese de responsabi l idade civil. Apesar de idêntica, a norma atua l é vista hoje como hipótese de responsabi l idade civil objetiva (Enunciado 556 do CJF).

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Apesar disto, existem ju lgados no SUPERIOR TRIBUNAL DE jUSTIÇA que fa­zem alusão à culpa do réu (dono ou detentor do animal) o que a nosso ver é inadequado. Confira: "Correta é a aplicação do art. 1.527 do Código Civil tratando de lesão causada por animal, sendo certo que, no caso, considerou o Acórdão recorrido demonstrada culpa do réu e a ausência de comportamento imprudente do autor" (REsp. 345.853/ GO). E mais: "Responsabilidade civil. Acidente de veículo. Animais sobre a pista. Reconhecida a culpa do dono dos animais. Neg/igenciamento na sua guarda, descabe reapreciar os fatos no recurso especia l" (REsp . 59.611/BA).

Nessa pegada, : também decidiu o Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul, no ano de 2013:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABI LIDADE CIVI L EM ACIDENTE DE TRÂN­SITO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. MOTOCICLISTA. QUEDA. CA­CHORRO. RESPONSABILIDADE DO DONO DO AN IMAL. 1. Responsa­bil idade do dono de animal : o dono do cão que causou a queda da motociclista é responsável pelos danos decorren­tes do referido acidente de trânsito. Responsabil idade que decorre do risco inerente de ser dono de um animal, não perquirindo acerca do dever de guarda propriamente dito. 2. Dano moral: a violação da integridade física acarreta dano moral "in re ipsa". Fratura no membro inferior esquerdo que demandou realização de cirurgia, fazendo jus a autora à re­paração no valor de RS 10.000,00 (aproximadamente 15 salá­rios mínimos nacionais). 3. Avarias na motocicleta: os danos da motocicleta deverão ser indenizados com base no valor do menor orçamento acostado aos autos. 4. Despesas médi­cas, hospitalares e afins: os valores efetivamente gastos com cirurgia, exames, tratamentos médicos e fisioterápicos, bem como com aquisição de medicamentos, deverão ser indeni­zados em montante a ser apurado em liquidação de sen­tença por arbitramento ( ... ). (Apelação Cível N° 70057324311, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Re­lator: Umberto Guaspari Sudbrack, ju lgado em 12/12/2013)

Pela letra fria da lei, a inda que haja locação do imóvel a res­ponsabil idade civil continua sendo do dono do bem que, evidente­mente, terá ação de regresso contra eventual locatário.

Mas é chegada a hora de também abordar a responsabil idade civil por fato da coisa.

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RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

HELoísA HELENA BARsosA'9 lembra haver divergência doutrinária quan­to ao fundamento da obrigação de reparar o dano pela ruína de edifício ou construção: "culpa (responsabilidade subjetiva) ou teoria do risco (responsabilidade objetiva)". Arremata a doutrinadora que a responsabilização sem cu lpa "parece mais adequada à orientação adotada pelo Código".

� Como o SUPERIOR TRIBUNAL oe JUSTIÇA está entendendo o assunto?

"Responsabilidade Civil. Desabamento de Muro. Responsabilidade do dono do imóvel e do empreiteiro. Prova do dano moral. Precedentes da Corte. 1. Já decidiu a Corte que provado o fato que gerou a dor, o sofrimento, sen­timentos íntimos que ensejam o dano moral, impõe-se a condenação. 2. Do mesmo modo, precedente da Corte já assentou que o proprietário da obra responde, solidariamente com o empreiteiro, pelos danos que a demoli­ção de prédio causa no imóvel vizinho". 3. Recurso Especial não conhecido. (REsp. 180.355/SP).

Responsabilidade civil. Desabamento. O dono do prédio responde pelos da­nos que resultaram da ruína do edifício. Aplicação das súmulas 7/STJ e 400/ STF. Agravo regimental desprovido. (AgRg 166.031/RJ).

De igual modo, o morador do prédio responderá independente­mente de culpa pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido, não sendo relevante se a pessoa se encontra naquela habitação a título de dono, possuidor, locatário, comodatário ou inqui l ino.

Em síntese: prevê o Código a responsabi l idade civil objetiva pe­los objetos caídos ou lançados, no que entendemos ser idêntica situação da teoria do risco criado. É consenso doutrinário, e isto podemos afirmar, que a origem desta norma está no Direito Roma­no, na conhecida actio de effusis et dejectis.

Questão típica da prática forense, ou mesmo dos concursos pú­blicos, está no fato de não ser possível identificar a unidade do con­domínio edi lício de onde partiu o objeto caído ou lançado. Dois en­tendimentos podem ser apresentados sobre este assunto: (i) todo o condomínio responde; (ii) responde apenas o bloco do condomínio de onde a coisa caída ou lançada poderia efetivamente surgir.

19. ln Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira, 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 515.

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Este problema também é levantado por HELoísA H ELENA BARBOSA'º ao sustentar: "No caso de edifício de apartamentos, não sendo possível identificar o apartamento de onde a coisa caiu ou foi lançada, deverá ser responsabilizado o condomínio. Atende-se, desse modo, ao princí­pio de que todo dano deve ser ressarcido. Há opiniões contrárias a este entendimento".

Nessa ordem de ideias, portanto, não sendo possível identificar de onde partiu o objeto responderá todo o condomínio, sendo pos­sível posterior ação em regresso em face do real responsável; acaso identificado (Enunciado 557 do CJF).

� Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA está entendendo o assunto?

"Responsabilidade Civil. Objetos lançados da janela de edifícios. A reparação dos danos é responsabilidade do condomínio. A impossibilidade de identifi­cação do exato ponto de onde parte a conduta lesiva, impõe ao condomínio arcar com a responsabilidade reparatória por danos causados a terceiros. (REsp. 64.682/RJ).

20. ln Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira, 2 Edição. Curiti­ba: Juruá, 2009. p. 517.

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1. NOÇÕES GERAIS

C a p í t u l o V

Efeitos da responsabilidade civil nas relações trabalhistas Sumário: i. Noções Gerais - 2. A Relação de Tra­balho: 2.i. A Relação de Emprego - 3. Desdobra­mentos Juslaborais da Responsabilidade Civil: 3.i.

Responsabilidade Civil do Empregador ou (omiten­te por Atos dos seus Empregados, Serviçais ou Pre­postos; p. Responsabilidade Civil do Empregado, Serviçal ou Preposto em Face do Empregador ou Comitente; 3.3. Responsabilidade Civil do Emprega­dor por Dano ao Empregado (não pelo emprega­do); 3.4. Responsabilidade Civil Decorrente de Aci­dente do Trabalho; 3.5. Responsabilidade Civil em Relações Triangulares de Trabalho (Terceirização); 3.6. O Assédio Moral - 4. Incapacidade laboral e Pensionamento Ressarcitório.

Dentro da tessitura do convívio social, o trabalho é umas das re­lações que desperta as maiores controvérsias e celeumas jurídicas. E isto não é de hoje. O próprio embate histórico entre o capitalismo e social ismo já demonstrava a importância do trabalho humano e sua forma de análise.

Dessa forma, um estudo sobre a responsabil idade civil na seara trabalhista sempre será dificultoso. Entrementes, o maior obstáculo à análise do assunto, aquele capaz de ocasionar as maiores con­trovérsias, é a cristal ina e usual desigualdade tática entre os en­volvidos. Em regra, temos de um lado o trabalhador, contratado e hipossuficiente; e do outro o tomador, contratante e hipersuficiente. Este costuma se valer de sua condição economicamente mais forte para impor regras abusivas ao pacto, explorando indevidamente o trabalhador.

O direito, obviamente, não poderia passar incólume a este ce­nário. Na tentativa de melhoria do quadro, implementou uma igual­dade material, segundo o ideal AR1sTOTÉuco de desigualar os desiguais

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na medida de sua desigualdade. O sistema, dantes preocupado com o não intervencionismo e na busca de uma igualdade formal, passou a intervir para igualar esta balança contratual, trazendo normas pro­tetivas aos trabalhadores. O escopo era, como ainda é, a promoção de uma justiça contratual ou equivalência material das prestações, promovendo entre os contratantes trocas úteis e justas (Enunciado 22 do CONSELHO DA Jusr1ÇA FEDERAL)'.

A percepção deste sistema desigual e intervencionista - em bus­ca, justamente, da igualdade - ganha complexidade quando da aná­lise da i ncidência das regras da responsabi l idade civil nas relações laborais. Isto porque como chamam a atenção PABLo Srnm GAGUANo E RoDoLFo PAMPLONA F1LH0': "não é possível apl icar isoladamente as regras de Direito Civil em uma relação de trabalho, sem observar as a dis­ciplina própria de tais formas de contratação".

Olvidando u ma compreensão ampla sobre o assunto, a qual possibil ite ao futuro aprovado transitar com faci l idade nas provas trabalhistas e cíveis, o presente capítulo iniciará o seu desenvolvi­mento tecendo breves comentários sobre a relação de trabalho.

Destarte, como é consabido, esta obra dedica-se ao direito civil. Tal, porém, não nos impedirá de abordar importantes questões jus­laborais, advindas da prática na advocacia e na docência, sempre respeitando, porém, o recorte epistemológico e a proposta deste livro.

2. A RELAÇÃO DE TRABALHO

Etimologicamente a palavra trabalho significa "o conjunto de ati­vidades, produtivas ou criativas, que o homem exerce para atingir determinado fim"3•

1. Para muitos o princípio da justiça Contratual, ou Equivalência Material das Pres­tações, é um subprincípio da Função Social. O tema será aprofundado no livro dedicado a Teoria Geral dos Contratos, ao abordarmos os princípios contratuais.

2 . ln: Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol. 3 . 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 289.

3. ln: Instituto Antônio Houaiss. Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa. Rio de Ja­neiro: Objetiva, 2001. P. 2743.

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EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

Juridicamente, a relação de trabalho é um grande gênero que engloba pactos cujo objeto é um fazer, uma atividade humana ou prestação de fato. Daí ser usual alguns nomearem a relação de tra­balho como um contrato atividade.

São várias as relações englobadas pelo gênero relação de tra­balho. Sobre o tema, ensina MAuRíc10 Goo1NH0 DELGAoo4, ao fazer o para­lelo entre as expressões relação de trabalho e relação de em prego, que:

A primeira expressão tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstan­ciada no labor humano. [ ... ]. A relação de trabalho engloba­ria, desse modo, a relação de emprego, a relação de traba­lho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.).

O fator d iferenciador dos mais diversos tipos de trabalho hu­mano é o nível de subord inação do contratado (trabalhador) ao contratante (tomador), o qual admite gradações. A verificação deste dar-se-á mediante u ma minuciosa investigação concreta, segundo o princípio juslaboral da primazia da realidade5•

Dentre as inúmeras formas de trabalho humano, aquela que ga­nha maior atenção é a relação de emprego, por conta de sua vasta incidência social. Assim, a relação de emprego acaba por consistir no centro, no grande paradigma comparador das demais. J usto por isto, iremos nos aprofundar no estudo dos elementos caracterizado­res de tal relação.

2_i. A Relação de Emprego

A relação de emprego é aquela pactuada entre o tomador do serviço, denominado empregador, e o trabalhador, doravante bati-zado como empregado.

' ·

4. ln : Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: LTR, 201i. p. 275.

5. Consiste na noção segundo a qual o contrato, em sua realidade, se sobrepõe ao firmado por escrito. O pai de tal princípio é o doutrinador Américo Piá Rodriguez.

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No cam po legislativo, o artigo 3° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é o responsável por conceituar o em pregado, ao afir­mar que "Considera-se em pregado toda pessoa física que prestar serviço de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário".

Mas quem seria o empregador?

Nas pegadas do o artigo 2° da CLT "Considera-se empregador a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da ativi­dade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços".

Com efeito, quem deve assu mir os riscos da atividade econômi­ca (ou mesmo os riscos econômicos da atividade) é o empregador, e não o empregado, pois este se subordina juridicamente, de forma absoluta, ao poder patronal de d ireção.

A partir de tais a rtigos legais, a doutrina, cuidadosamente, elen­ca os elementos essenciais da relação de em prego. Nas lições de MAuRíc10 Goo1NHO DELGAoo6 são eles: a) a prestação de trabalho por pes­soa física a um tomador qualquer; b) pessoal idade do trabalhador; c) não eventual idade no labor; d) subordinação e e) onerosidade.

Vamos verificar cada elemento analiticamente,

a) Trabalho prestado por Pessoa Física. Em rigor técnico, o tra­balho é aquele realizado pela pessoa natural ; enquanto que o serviço pode ser executado tanto pela pessoa física, como pela pessoa jurídica .

Nessa ordem de ideias, o empregado, necessariamente, será uma pessoa física, pois realiza trabalho. Já o empregador pode ser tanto uma pessoa física, como jurídica.

b) Pessoal idade. A relação de emprego é personalíssima, intuito personae, no que diz respeito ao em pregado. O empregado não pode se fazer substituir por outro quando da sua ausên­cia.

Diga-se que nem todo trabalho executado por uma pessoa física é infungível, personalíssimo. Em algumas situações de prestações

6. Op. Cit. Pág. 279.

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EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

de serviços é possível se fazer substituir, como um segurança que, eventualmente, presta serviços em uma casa noturna.

Recorda, porém, VóuA BoMFIM CASSAR7 que a pessoal idade na rela­ção de emprego decorre do contrato de trabalho, o qual é intras­missível. Explico. Contrata-se um determinado empregado segundo suas qua lificações pessoais, vi rtudes próprias e confiança .

Entrementes, ta l pessoal idade não é absoluta. São possíveis eventuais substituições, sem desnaturar o vínculo. Exem plifica-se com substituições do em pregado consentidas pelo empregador, a exemplo de viagens ou licenças. Imaginem um Professor U niversi­tário que, de forma consentida, se afasta por alguns meses do seu emprego para cursar uma determinada matéria do doutorado em outro país.

� Como se posicionou o TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO sobre o assunto?

Determina a Súmula 159 do TST que: Substituição de caráter não eventual e vacância do cargo:

1 - Enquanto perdurar a substituição que não tenha caráter meramente even· tual, inclusive nas férias, o empregado substituto fará jus ao salário contra­tual do substituído.

e) Onerosidade. A atividade prestada na relação de emprego tem fundo econômico. Isto é: é exercida pelo empregado mediante contraprestação pecuniária do empregador. Caso esta inexista tal pagamento, estar-se-á diante de trabalho voluntário.

Tal contraprestação paga ao empregado, quem coloca a sua for­ça de trabalho à disposição do empregador, é um conjunto salaria l (remuneração). Percebe-se, portanto, ser a relação de emprego um contrato bilateral, oneroso e sinalagmático8.

O salário pode se prestado em dinheiro ou em uti l idades (art. 458 da CLT), por dia, semana, quinzena ou mês (art. 459 da CLT) e de maneira fixa ou variável (art. 483 da CLT).

7. ln: Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: lmpetus, 201i. Pág. 263.

8. Sobre a classificação dos contratos, indica-se a consulta ao nosso volume sobre o tema.

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d) Permanência, habitualidade ou não-eventualidade. O traba­lho na relação de emprego é habitual. Leia-se: faz-se neces­sária uma periodicidade.

A não-eventual idade em comento deve ser significada sob a óti­ca do empregador, perquirindo se o trabalho em análise é de ne­cessidade permanente ou acidental para a sua empresa. Permanen­te é o trabalho, obviamente, cuja necessidade é permanente para o desenvolvimento da atividade do empregador. No particular, nos curvamos no Brasil, nos dizeres de MARTINS CATAR1No9, à influência me­xicana, buscando a habitualidade segundo os olhos do empregador.

o futuro aprovado deve ficar atento à diferenciação entre as expressões habitual idade e continuidade. Esta (continuidade) con­figura-se quando há um labor diário, a exemplo das empregadas domésticas. Já aquela (habitualidade) ocorre quando houver perio­dicidade, como o caso de um garçom, em pregado de uma boate, que labora apenas de quinta a sábado, semanalmente.

Esta necessidade permanente pode ser de forma contínua, com o labor diário, ou intermitente, com o labor periód ico, porém habi­tual. A doméstica, em regra, trabalha de forma permanente e con­tínua. Já um Professor, que ministra au las em uma instituição toda quarta-feira, trabalha de forma periód ica e intermitente. Ambos são empregados.

� Atenção!

Fique atento!

No caso da doméstica, a Lei (5.859/71) exige, além da habitualidade, a continuidade; ou seja: que ela trabalhe ininterruptamente, salvo os repousos semanais remunerados.

No particular, recorda-se o entendimento do TST no sentido de que até três vezes por semana não há de se falar em vínculo de emprego. Esta orientação foi explicitada em 2009, pela Sétima Turma do TST.

e) Subordinação jurídica. Para grande parte da doutrina, é o elemento principal para configuração da relação de emprego.

9. ln: Compêndio Universitário de Direito do Trabalho . São Paulo: Editora jurídica e Universitária, 1972, Vol. 1, Pág. 185

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EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES TRABALH ISTAS

Isto porque é aquele capaz de diferenciar as demais rela­ções de trabalho da empregatícia.

Analisando o significado da palavra, a expressão subordinação deriva de subordinare (sub - baixo; ordinare - ordenar). Leva a no­ção de dependência, submissão, hierarquia, obediência.

Na relação de emprego a subordinação se evidencia de forma absoluta, havendo um verdadeiro estado de sujeição, respeitando, obviamente, os direitos e garantias fundamentais. Denomina-se de subordinação jurídica, sendo o empregado informado em como pro­ceder, fazer o seu trabalho. O empregador poderá fiscalizá-lo, dirigi­-lo e, até mesmo, puni-lo.

Para VóuA BoMFIM CAsSAR10 o poder em comento se desdobra em diretivo, discipl inar e hierárquico. O di retivo se traduz na capaci­dade do em pregador em dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador. Já o discipl inar consiste na possibi l idade de punir, de maneira proporcional e razoável, o empregado. O hierárquico in­forma a prerrogativa do empregador em organizar e estruturar sua hierarquia empresaria l .

Tal subordinação costuma ser mais forte nas funções cuja ca­pacitação técnica é menor, e mais tênue naquelas atividades cuja capacitação é mais elevada.

Registre-se, porém, ser irrelevante para a configuração da re­lação de emprego a presença de uma subordinação técnica e eco­nômica .

A subordinação técnica advém do d ireito francês, rea lçando o poder d iretivo do empregador em relação ao em pregado. Parte da premissa que o empregador, invariavelmente, possui conhecimento técnico mais largo que o do empregado.

O problema reside, justamente, nesta equivocada premissa. De­certo, é plenamente possível que o empregado tenha conhecimento técnico mais largo que o empregador. Por isto, não adotamos a subordinação técnica no Brasi l .

Igualmente não abraçamos a subordinação econômica, de origem alemã. Não é premissa para configuração da relação de

10. Op. Cit. Pág. 266.

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emprego no Brasil que o em pregado dependa, financeiramente, da contraprestação do seu em pregador para sobreviver. Explica-se. O fato do empregado não depender economicamente da contrapres­tação pecuniária para seu sustento não quer significar inexistência de relação de emprego . Exemplifica-se com o coordenador, em pre­gado de uma instituição de ensino, que possui outra fonte de renda e não depende do salário oriundo da Faculdade. Tal não desnatura a relação de emprego.

Além dos supracitados elementos essenciais da relação de em­prego, há outros intitu lados como acidentais, secundários ou acessó­rios. São assim denominados porque podem, ou não, se fazer pre­sente. Acaso estejam, todavia, reforçam a sua configuração. São eles:

a) Continuidade. É a exacerbação da habitual idade. Configura­-se na hipótese do labor diário, observados os repousos obrigatórios. Lembra-se que a relação de emprego exige apenas habitual idade. Verificada, porém, a continuidade, resta muito clara a configuração da relação de emprego. É o já tratado caso das empregadas domésticas.

b) Exclusividade. Não há vedação legal à simultaneidade de contratos de empregos. Aliás, muitos professores se i nse­rem em uma pluralidade de contratos de emprego, quando ministravam aulas em diversas Facu ldades como emprega­dos. Todavia, a verificação de uma exclusividade leva a uma percepção mais facil itada da relação de emprego, haja vista ressaltar a pessoal idade e habitualidade.

3. DESDOBRAMENTOS JUSLABORAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Vistos os conceitos de empregado e empregador, bem como visitados os elementos acidentais e acessórios da relação de em­prego, já é tempo de adentrarmos no estudo da responsabil idade civil nas relações de trabalho.

3.i . Responsabilidade Civil do Empregador ou Comitente por Atos dos seus Empregados, Serviçais ou Prepostos

O Código Civil inclui a responsabil idade civil do empregador ou comitente por atos de seus empregados, serviçais ou propostos no

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EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

rol de hipóteses de responsabil idades civis indiretas por ato de terceiro (art. 932, I l i do CC11).

Indireta é uma classificação da responsabil idade civil quanto ao agente, pois responde pelo ato que não fora praticado por si próprio. Recorda-se que as responsabilidades civis indiretas são ob­jetivas, independendo da culpa. Logo, quando se fala em responsa­bil idade civil indireta por ato de terceiro, estar-se-á diante de uma responsabil idade civil objetiva.

Assim, pode-se afirmar que a responsabi lização ora em análise é indireta quanto ao sujeito e objetiva quanto à culpa.

Nessa esteira de pensamento, não há de se perquiri r presun­ções de culpa. Nada de buscar, então, culpa in eligendo, in comitendo ou in contrahendo. Por conta desta percepção, caiu a Súmula 341 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a qual falando em responsabil idade civil do patrão ou comitente por atos de seus empregados, serviçais e pre­postos, afirmava a existência de uma presunção de culpa.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso para Juiz do Trabalho Substituto da 2ia Região/2012 foi considerada incorreta a assertiva: "qualquer entidade privada se res­ponsabi liza pelos atos praticados por seus empregados, em razão do trabalho por eles realizado, desde que se configure a culpa "in eligendo e "in vigi lando";

Voltando ao Código Civil, como já pontuado, o a rtigo que se dedica ao tema é o 932, I l i; in verbis:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

[ . . . ] Ili - o empregador ou comitente, por seus empregados, ser­viçais e prepostos. no exercício do trabalho que lhes com­petir, ou em razão dele;

A primeira hipótese versa sobre relação de emprego, cujos re­quisitos já foram amplamente delineados neste capítu lo. A segunda casuística versa sobre o comitente. Mas quem seria o comitente?

11. Para aqueles que desejam recordar o tema, indica-se a leitura do capítulo deste volume dedicado à responsabilidade civil subjetiva e objetiva.

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Consiste a expressão comitente em um gênero da autonomia privada, englobando o contrato de corretagem, mandato, agência e distribuição . . . Preferiu o legislador abrir os poros da norma civilista, açambarcando, em uma só expressão, várias situações.

I nfere-se que em ambas as hipóteses há necessidade da exis­tência de um negócio jurídico previamente entabulado, somado a um dano cometido no exercício do trabalho ou em função dele.

A vítima pode ser outro empregado ou um terceiro ao ambiente laboral (fornecedor, cliente, transeunte, etc.), sempre sendo mantida a objetivação da responsabil idade.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Observa-se a seguinte questão:

(Cesgranrio/Petrobras/Advogado/2011) Um empregado conduziu um car­ro de propriedade da empresa onde trabalha, vindo a colidir com um poste, o que causou prejuízos em uma residência e ferimentos nos mo­radores. Após as tratativas iniciais, não houve acordo para dirimir o conflito, com o pagamento das despesas apresentadas. Nesse contexto, considere as afirmações a seguir.

1 . O empregador é desobrigado de responder pelos danos causados pelo seu empregado.

li. I ncide a responsabilidade sem culpa ou objetiva tanto em relação ao empregado como ao empregador.

I l i . São devidos danos morais e materiais.

IV. Sendo a responsabilidade objetiva, não existe defesa possível.

Está correto apenas o que se afirma em

a) I l i .

b) 1 e l i .

c) I l i e IV.

d) 1, li e IV.

e) l i, I l i e IV.

Resp.: A

o que o futuro aprovado deve ficar atento, porém, é que ob­jetivo é o enlace de responsabil idade do artigo 932 do Código Ci­vil. Leia-se: o empregador ou comitente responderá, objetivamente,

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EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

por atos praticados por seus empregados, serviçais e prepostos no exercício do seu trabalho ou em razão dele. Aqui não se busca se houve, ou não, culpa dos empregadores ou comitentes. Todavia, o ato praticado pelos empregados, serviçais e prepostos há de ser culposo. Assim, o empregado, serviçal ou preposto pratica um ato culposo em face de um cliente, o qual ocasiona responsabi l idade civil objetiva do seu empregador ou comitente.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Prova: FCC - 2010 - TIU - 8• Região (PA e AP) - Analista Judiciário - Execu­ção de Mandados; Disciplina: Direito Civil 1 Assuntos: Direito das Obriga­ções - Responsabilidade Civil;

Luiz, dirigindo sozinho um veículo de seu empregador, atropelou um pedestre, causando-lhe ferimentos graves. Nesse caso, a) a culpa do empregado, autor do dano, acarretará a responsabilida­

de objetiva do empregador. b) o empregador responderá pelos danos causados independentemen­

te da existência de culpa do empregado. c) o empregador só responderá pelos danos causados se ficar de­

monstrado que sabia que o empregado não dirigia com cautela. d) somente o empregado responderá pelos danos causados, pois o

empregador não estava presente na ocasião do evento. e) o empregador só responderá pelos danos causados se ficar de­

monstrado que infringiu o dever de vigilância. Resp.: A

Na prova para Ju iz do Trabalho Substituto da 2ia Região/2012 foi conside­rada incorreta a seguinte proposição: IV - o empregador é responsável pelos danos causados por seus empregados ou prepostos no exercício do trabalho que lhes competir, ainda que estes não tenham agido cul­posamente;

3.2. Responsabilidade Civil do Empregado, Serviçal ou Preposto em Face do Empregador ou Comitente

Uma vez estabelecida a premissa segundo a qual o emprega­dor ou comitente responderá objetivamente por atos praticados por seus empregados, serviçais e prepostos no exercício do seu trabalho ou em razão dele, uma consequente pergunta há de ser feita: mas o empregado, serviçal ou preposto que praticou o ato; sairá i leso?

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A resposta é negativa !

Após o ressarcimento do dano, o empregador ou comitente po­derá ajuizar ação em regresso em face do empregado serviçal ou preposto, com espeque no artigo 934 do vigente Código Civil; segu n­do o qual: "Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz."

Deve o futuro aprovado, porém, ficar atento ao fato de que na ação regressiva a responsabil idade em comento é subjetiva. Logo, haverá o em pregador ou comitente, para lograr êxito em sua pre­tensão, que comprovar o dolo ou culpa do empregado, serviçal ou preposto.

Mutatis mutandi, é o mesmo raciocínio que se aplica ao Direito Público. O Estado responde objetivamente por atos praticados por seus agentes no exercício da função, contra os quais terá ação re­gressiva, havendo de comprovar dolo ou culpa.

Em sendo possível a responsabil idade civil do empregado, ser­viçal ou preposto, assim como do seu em pregador ou comitente, nada impede que a ação de reparação já seja ajuizada em face de ambos; ou de apenas um deles.

Na hipótese de formação de litisconsórcio, a dificuldade reside no fato do primeiro responder objetivamente, enquanto o segundo de forma subjetiva. Entrementes, isto não vem sendo entrave em outras searas do direito civil, a exemplo do erro méd ico e da con­sequente ação ajuizada em face do hospital (responsabil idade civil objetiva) e do médico (responsabil idade civil subjetiva).

Mas e se a ação for aju izada apenas em face do em pregador, poderia ele denunciar o empregado à l ide?

Não enxergamos obstácu lo. Aliás, seria até aconselhável, para que não houvesse decisões contraditórias. Noticia-se, porém, que em algumas situações, em vi rtude da proteção do hipossuficiente e receio da letargia processual, a intervenção de terceiros é de­sestimulada por lei, a exemplo dos Juizados. Dessa forma, apenas a análise do caso concreto e do respectivo microssistema permitirá uma resposta fechada sobre o assunto.

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EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

Ainda sobre o tema, há uma i nteressante dúvida que passa a nos persegui r: poderia o empregador, após responder objeti­vamente pelo ato do empregado, fazer o desconto do valor em folha?

Segundo o artigo 462 da CLT, apenas se houver acordo ou a presença de dolo do empregado".

Obviamente, o acordo supracitado poderá ser objeto de contro­le judicial, em caso de ocorrência de qualquer vício que leve à inva­l idade do negócio jurídico, como, por exemplo, a coação psicológica para a obtenção de tal documento.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Prova: CESPE - 201 1 - TRT - 5ª Região - Ju iz - Disciplina: Direito Civil 1 As­suntos: Responsabil idade Civil;

Com relação à responsabilidade do empregador, assinale a opção cor­reta.

a) Para que seja indenizada pelo dano, é imprescindível que a vítima faça prova da relação de preposição.

b) Para responsabilização do empregador, não basta que o dano tenha sido causado em razão do trabalho.

c) O empregador é responsável pelos atos do preposto, ainda que a relação não tenha caráter oneroso.

d) Em relações regidas pelo Código Civil, ainda que o empregado não tenha atuado com culpa, o empregador será objetivamente respon­sável pelo dano por ele causado.

e) A aparente competência do preposto não se presta para acarretar a responsabil idade do comitente.

Resp: C

12. Art. 462. Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositiyos de lei ou de contrato coletivo. '

§ 1°. Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empre­gado.

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3.3 Responsabilidade Civil do Empregador por Dano ao Empregado (não pelo empregado)

Questão capaz de despertar olhares curiosos diz respeito à res­ponsabi lização não pelos danos causados pelo empregado, mas sim àqueles causados ao em pregado.

No primeiro caso a solução legislativa é clara: responsabil ida­de civil objetiva do empregador. No segundo, porém, não há uma norma expressa a disci pl inar o problema, estando o operador do direito diante de uma lacuna.

PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH013 advogam a tese de que a resposta dependerá das circunstâncias em que esse dano for cau­sado.

Se este dano decorrer de ato de outro empregado, incid irá a regra legislada de responsabi l idade civil objetiva do em pregador, com possível ação em regresso subjetiva em face do empregado causador do dano, terria já abordado nesta obra.

E se o dano, porém, for causado por um terceiro, a exemplo de um cliente, ainda que no ambiente de trabalho?

No particular, diante da ausência de regra expressa, caminha­mos com a noção de uma responsabil idade civil subjetiva. É o que ocorre quando um cliente do empregador, por exem plo, agride o empregado. Aqui, responderá o empregador, pelo dano causado ao em pregado, subjetivamente.

3.4 Responsabilidade Civil Decorrente de Acidente do Trabalho

O artigo 19 da Lei 8.213 de 24 de julho de 1991, a qual dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social, informa o con­ceito legal sobre o acidente do trabalho. Cita-se:

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do tra­balho dos segurados referidos no inciso VII do artigo 11 des­ta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

13. Op. Cit. Pág. 300.

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EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

Fazendo uma análise do tema, infere-se que três tipos de res­ponsabilização podem decorrer da ocorrência de um acidente do trabalho:

a) Responsabil ização contratual, com a eventual suspensão do contrato de trabalho e o reconhecimento da estabil idade acidentária (art. 1 18 da Lei 8.213/91).

b) Benefício previdenciário do seguro de acidente de trabalho, financiado pelo em pregador e adimplido pelo Estado.

e) Reparação dos danos pelo empregador.

É a consequência prevista na alínea "c" que nos interessa, haja vista seu claro viés civilista. A temática envolve uma importante ce­leuma doutrinária e jurisprudencial. Explica-se.

A Constituição Federal, ao tratar do assunto no artigo ?°, XXVlll fala em uma responsabil idade civil por acidente de trabalho de for­ma subjetiva, exigindo a presença do dolo ou culpa para sua confi­guração. ln verbis:

Art. 7°. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[ . . . ] XXVl l l - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do em­pregador, sem excluir a indenização a que este está obriga­do, quando incorrer em dolo ou culpa .

I nteressante perceber, porém, que apesar da norma constitucio­nal falar em culpa, o Código Civil informa como uma das casuísticas de responsabil idade civil objetiva a configuração de atividade de risco, conforme a redação do artigo 927, parágrafo único. Cita-se:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, inde­pendentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou q uando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Dessa forma, surge a seguinte dlivida: afinal, diante de um aci­dente de trabalho, em exercício de atividade de risco, a responsa­bi l idade civil pela reparação dos danos por parte do empregador será objetiva ou subjetiva?

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Cuidado! A polêmica diz respeito apenas ao acidente de traba­lho acaso haja uma atividade de risco . Fora desta situação, sem a menor penumbra de dúvida, incidirá a norma constitucional, com a subjetivação da responsabil idade, sendo esta a regra geral .

Retomando a questão posta, há dois posicionamentos doutri­nários:

• Primeira Corrente : Em razão da norma constitucional, a res­ponsabilidade civil será subjetiva, mesmo diante de uma ati­vidade de risco.

• Segunda Corrente : A Constituição Federal trabalha com uma pauta mínima de direitos. Logo, em atenção ao princípio do não retrocesso social, é possível à legislação infraconstitucio­nal avançar na proteção ao empregado.

Com efeito, no momento em que há uma objetivação da res­ponsabil idade por atividade de risco, verifica-se uma melhoria na tutela, o que é plenamente possível à luz do princípio de proteção ao hipossuficie nte. Tal posicionamento foi acolhido pelo CoNsELHo oA JusT1çA FEDERAL no Enunciado de número 377, segundo o q ual : O art. 7°, inc. XXV/11, da Constituição Federal não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil quando se tratar de atividade de risco.

� Como se posicionou o TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO sobre o as­sunto?

Adotando a segunda corrente. Cita-se:

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Recurso de Revista. Acidente de trabalho. Dano moral. Indenização e pensão. A caracterização de responsabilidade civil objetiva depende do enquadra­mento técnico da atividade empreendida como sendo perigosa. Artigo 927, parágrafo único, do Código Civil. Motorista de viagem. i.1 Condenação ao pagamento de indenização por dano moral e de pensão mensal, baseada na responsabilidade civil objetiva, pressupõe o enquadramento técnico da atividade empreendida como sendo perigosa. 1.2 Os motoristas profissio­nais, aplicados ao transporte rodoviário enfrentam, cotidianamente, grandes riscos com a falta de estrutura da malha rodoviária brasileira. O perigo de acidentes é constante, na medida em que o trabalhador se submete, sem­pre, a fatores de risco superiores àqueles a que estão sujeitos o homem médio. Nesse contexto, revela-se inafastável o enquadramento da atividade de motorista de viagem como de risco, o que autoriza o deferimento dos títulos postulados com arrimo na aplicação da responsabilidade objetiva

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EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

prevista no Código Civil. Recurso de Revista conhecido e provido.( RR -148100-16.2009.5.12.0035, j. 16-2-2011, Rei. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. 3 Turma. DEIJY 25-i-2011.)

No mesmo sentido: E·ED·RR - 9951600-43.2006.5 .09.0664, j. 10-2-201 1, Rei. Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, Subseção 1 Especializada em Dissídio I ndividuais, DEJT de 1 1-3-2011 e RR - 185300-18-2005.5. 18.0007, j . 17-11-2010, Rei . Min. josé Roberto Freire Pimenta, 2 Turma, DEJT de 26-u-2010.

A tendência caminha, seguramente, com a segunda corrente, a qual ganha ares majoritários. Todavia, persistem im portantes discor­dâncias. Para retratar o fato, verifica-se ser um dos poucos temas em que PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH014 discordam na sua obra. O primeiro caminha com a tese da culpa; enquanto o segundo com a objetivação diante da atividade de risco15•

Recorda-se que por atividade de risco entende-se aquele risco acima da média social . De fato, todos nós nos submetemos a ris­cos diários (assaltos, balas perdidas, atropelamentos . . . ). Tal não se configura como atividade de risco. Esta dar-se-á quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade (Enunciado 38 do CJF).

Exemplifica-se com pessoas que laboram em grandes alturas, ou em usinas nucleares. Tais sujeitos, além dos riscos sociais, se submetem, diariamente, a um risco acima da média social (ativida­de de risco). De acordo com a segunda tese explicitada a lhures, em sofrendo acidente do trabalho, a responsabi l idade será objetiva.

Por fim, não comungamos com a noção de que como o empre­gador assume o risco econômico da atividade ele responderia obje­tivamente em q ualquer hipótese. Não nos parece ser esta a noção do signo atividade de risco do Código Civil e também não é este o pensamento dominante hodiernamente.

14. Op. Cit. Pág. 305. 15. Sobre o conceito de atividade de risco, remete o leitor ao capítulo que versa

acerca da responsabilidade civil subjetiva e objetiva.

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3.5. Responsabilidade Civil em Relações Triangulares de Trabalho (Terceirização)

A terceirização é um fenômeno da pós-modernidade. Consiste, em apertada síntese, em uma dúplice relação jurídica. Na primeira um tomador de serviços contrata uma empresa prestadora de ser­viços, em um pacto de natureza civil. Já a prestadora contrata os empregados, os quais trabalham em atividades relacionadas com o tomador de serviços.

Tal triangulação soe ocorrer em serviços de l impeza. A Empresa "A" (Tomadora do Serviço) contrata a Empresa "B" (Prestadora do Serviço) para que faça a sua l impeza. Tem-se, aqui, um contrato cível. A Empresa "B", por sua vez, contrata empregados, os quais irão trabalhar na sede da Empresa "A". Verifica-se aqui um pacto trabalhista.

Empresa A (tomadora)

Contrato Cível: Prestação de Serviços

Empregado de B (tomadora)

Empresa B (Prestadora)

Como é cediço, a responsabil idade patrimonial em relação aos créditos trabalhistas dos empregados é de q uem é o sujeito da re­lação obrigacional, q uem seja: seu empregador. No caso em análise é da Empresa "B".

Todavia, as Casas Judiciais Trabalhista, consagrando uma hipóte­se didática de ob/igatio (obrigação) sem debitum (débito), abraçam a tese da responsabil idade civil subsidiária do tomador de serviços pelos débitos trabalhistas do prestador. O tema é pacífico e objeto de Súmula de número 331, IV do Colendo TRIBUNAL SuPERIOR oo TRABALHO. Cita-se:

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"Enunciado n° 331 : Contrato de Prestação de Serviços - Lega­l idade - Revisão do Enunciado n° 256

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EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

[ . .. ] IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das socie­dades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do títu lo executivo judicial (art. 71 da Lei n° 8.666, de 2i.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000)

Dúvida pertinente é se esta regra jurisprudencial, concebida para créditos trabalhistas stricto sensu, aplica-se às regras de res­ponsabi l idade civil em geral?

Pensamos ser a resposta positiva!

Assim, por exemplo, se um determinado restaurante terceiriza o serviço de manobrista de seus clientes, deve responder, juntamente com o empregador do manobrista, pelos danos causados ao consu­midor no exercício desta função, a exemplo de colisões.

� Veja informativo do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto:

Responsabilidade civil subjetiva. Acidente de trabalho. Ônus da prova. Em­pregador. Julgamento "ultra petita".

É subjetiva a responsabilidade do empregador por acidente do trabalho, cabendo ao empregado provar o nexo causal entre o acidente de que foi vítima e o exercício da atividade laboral. Porém, comprovado esse nexo de causalidade, torna-se presumida a culpa do empregador e sobre ele recai o ônus de provar alguma causa excludente de sua responsabilidade ou de redução do valor da indenização. No caso, reconheceu-se a responsabilidade do empregador e da tomadora de serviços pelo evento ocorrido por não terem cumprido sua obrigação de preservar a integridade física do emprega­do. Assim, a elas cabia comprovar algum fato impeditivo, modificativo ou ex­tintivo do direito do autor. Quanto à fixação dos danos materiais, o tribunal ua quo", ao proferir sua decisão, foi além do pedido na inicial. As verbas in­denizatórias de acidente de trabalho têm natureza diversa das oriundas de benefícios previdenciários; sendo assim, não é obrigatória a dedução para o cálculo da pensão mensal. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça concedeu a pensão com base na integralidade do salário do autor na época do acidente e com caráter vitalício, por entender que os danos eram irreversíveis. Entre­tanto, o empregado havia pleiteado o pagamento da indenização desde o acidente, mas somente até o dia em que recuperasse a aptidão laborativa e ainda requereu que essa pensão fosse baseada apenas na diferença entre a

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remuneração auferida e o valor a ser recebido do INSS. Dessa forma, a Tur­ma entendeu que o acórdão recorrido, quanto ao critério de fixação da pen­são mensal e o seu termo final, proferiu julgamento "ultra petita", devendo ser reformado. REsp 876. 144, rei. Min. Raul Araújo, j. 3.5.2012. 4• T. (lnfo 496)

3.6 O Assédio Moral

O assédio moral consiste na prática de atos, por parte do em­pregador, que visam à exclusão do empregado de sua atividade profissional, atacando, injustificadamente, o seu rend imento pes­soal; manipulando sua reputação pessoal e profissional, mediante rumores e rid icularizações; abuso do poder mediante atitudes de menosprezo e controle desmedido do desempenho do empregado.

Caracterizam hipótese de responsabil idade civil do empregador, configurando assédio moral no trabalho, com o escopo de gerar o pedido de demissão do trabalhador. O entendimento atualmente é que o trabalhador reclame em juízo as verbas oriundas do término do contrato (resilição) e indenização por danos morais e materiais. Estar-se-á, até mesmo, diante de uma justa causa conferida pelo em­pregador (despedida indireta), para o término da relação de empre­go, tendo d ireito o empregado a todas as verbas oriundas da relação.

� Como esse assunto foi cobrado em concurso?

(Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil - AFRFB - 2009). Os seguintes atos do empregador: medida destinada à exclusão do empregado de sua atividade profissional, atacando, injustificadamente, seu rendimento pessoal; manipulação da reputação pessoal e profissional do emprega­do, mediante rumores e ridicularização; abuso do poder com atitudes de menosprezo e controle desmedido do desempenho do empregado: a) minam a autoestima e a dignidade do trabalhador, destruindo sua

capacidade de resistência, levando-o a pedir dispensa do emprego e possibilitam apenas indenização por dano patrimonial.

b) criam uma situação vexatória de forma continuada, incutindo no em­pregado sentimento de incapacidade profissional, dando azo tão so­mente ao pedido de demissão e percepção do salário.

c) geram constrangimento na relação trabalhista por desrespeitarem o lesado em sua intimidade, honra e nome, mas não responsabilizam civilmente o empregador, visto que não acarretam no empregado nenhuma desestabilização emocional.

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EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVI L NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

d) constituem assédio moral suscetível de gerar apenas o direito de reclamar, judicialmente, as verbas resultantes de resilição contratual indireta.

e) configuram assédio moral no trabalho, fazendo pressão para que o obreiro lesado se demita, possibi litando que reclame, em juízo, não só as verbas oriundas de resilição contratual, mas também indeniza­ção por dano moral e patrimonial, pois geram responsabilidade civil do empregador, visto que sua conduta trouxe humilhação no ambien­te laborativo e i nterferiu na vida do assediado, comprometendo sua saúde física e mental.

Resp.: e

4, INCAPACIDADE LABORAL E PENSIONAMENTO RESSARCITÓRIO

O art. 950 do CC prevê o pagamento de a l imentos de natu reza ressarcitória, decorrente, pois, da prática de ato i lícito, para a hi pótese de defeito pelo qua l o ofendido não possa exercer seu ofício ou sua profissão (incapacidade laboral absoluta), ou para a situação de d iminuição da capacidade laboral (incapacidade re­lativa).

Segundo a norma cível, neste caso "a indenização, além das des­pesas médicas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convales­cença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu".

Trata-se, pois, de uma específica hipótese de responsabil ida­de civil que se exprime pela forma do pagamento de uma pensão al imentícia. Contudo, esta pensão não decorre da solidariedade fa­mil iar, ou melhor, da relação de famíl ia . A origem do dever de pa­gar al imentos não será o parentesco, a conjugalidade, ou mesmo a união estável.

Não é isso. O pensionamento ressarcitório brotará do ato ilícito diante da previsão normativa do art. 950 do CC.

Vale notar que isto não é novidade. O art. 948 do CC já previa também o pensionamento ressarcitório para o caso de homicídio (que por analogia pode se aplicar se o caso envolver acidente tra­balhista fatal).

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o certo é que o empregador pode ser responsabilizado civil­mente a pagar pensionamento ressarcitório em face do empregado para casos que envolva acidente laboral, de acordo com o Código Civi l .

Outra importante consideração a respeito deste assunto reside no conteúdo do parágrafo único do art. 950 do CC, segundo o qual o prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja paga de uma só vez.

Trata-se de importante previsão normativa a reconhecer em fa­vor da vítima da incapacidade trabalhista um d ireito potestativo de obter toda a indenização em um só momento.

Evidentemente que esta regra pode contemplar, em casos ex­cepcionais, uma justa causa a recomendar o seu afastamento. Imagi­ne, por exemplo, que o pagamento do pensionamento ressarcitório de uma só vez inviabilize economicamente a saúde financeira, ou mesmo a existência da empregadora pessoa jurídica .

O que se pretende dizer aqui, de rigor, é que a regra do pa­rágrafo único do art . 950 do CC não é absoluta. Ao contrário d isto, em certos casos se deve atentar para o princípio da função social da empresa para, deste modo, reconhecendo o impacto econômico desastroso do pagamento total da dívida, o magistrado preserve a própria fonte reparadora e im peça tal prática.

Também é importante lembrar a regra do art. 475-Q do CPC, segundo a qual o juiz deverá - para os casos de a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos - ordenar ao devedor a constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão.

Esta constituição de renda, ou de capital, será representada por imóveis, títulos da dívida pública, apl icações financeiras em banco oficial; será inal ienável e impenhorável enquanto durar a obrigação.

Como dito a lhures, o juiz poderá, entretanto, substituir a cons­tituição do capital pela inclusão do beneficiário da prestação em folha de pagamento de entidade de direito público ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica, ou, a requeri­mento do devedor, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz.

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EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

Como se trata d e pensão al imentícia, ainda que de caráter res­sarcitório, deve a mesma submeter-se à cláusula rebus sic estandi­bus. J ustamente por isto é que o § 3º do art. 475-Q do CPC arremata: "Se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da presta­ção".

Nada impede, ademais, que estes al imentos sejam fixados to­mando por base o salário mínimo (CPC, art. 475-Q, § 40), pois os tri­bunais superiores entendem que para esta situação jurídica não se aplica a vedação constitucional do salário-mínimo como indexador.

� Como os tribunais superiores estão entendendo isto?

Para o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA a constituição de capital não é mera fa­culdade do magistrado. Ao contrário disto, constitui dever jurídico ine­vitável e consectário da condenação que fixa o pensionamento ressar­citório. Sobre o tema vide a súmula 313 do STJ: "Ação de Indenização Procedente - Constituição de Capital ou Caução Fidejussória - Situação Fi­nanceira do Demandado - Garantia de Pagamento da Pensão. Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para garantia de pagamento da pensão, indepen­dentemente da situação financeira do demandado".

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