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1 do estudante Núm. 55 - ANO VI 2ª Quinzena - Fev/2017 Folhetim do estudante é uma publicação de cunho cultural e educacional com artigos e textos de Professores, alunos, membros de comunidades das Escolas Públicas do Estado de SP e pensadores humanistas. Acesse o BLOG do folhetim http://folhetimdoestudante.blogspot.com.br Sugestões e textos para: [email protected] Festival Sul-Americano da Cultura Árabe O Festival Sul-Americano da Cultura Árabe, realizado anualmente entre os dias 18 e 31 de março, conta com o apoio da Unesco e de outras importantes instituições. Memórias de longa data mostram as contribuições dos imigrantes árabes para o Brasil, embora parte da sociedade ainda desconheça a densidade desse intercâmbio cultural. A intenção é fortalecer o estabelecimento de um vínculo entre a América do Sul e os Países Árabes com base no respeito à diversidade cultural e nos laços históricos e culturais, especialmente em São Paulo, Estado que possui uma comunidade árabe expressiva e atuante. O Brasil possui uma presença contínua de comunidades de imigrantes árabes que participaram ativamente da construção e do desenvolvimento do Estado nacional a partir do século XIX. Atualmente, mais de 16 milhões de árabes e descendentes vivem no Brasil e contribuem cultural, econômica e politicamente para as sociedades locais. Apenas em São Paulo, são aproximadamente 3 milhões de pessoas; trata-se da maior cidade árabe fora dos países árabes. O evento, para a população em geral, tem como público alvo estudantes de escola e faculdade, jornalistas, empresários, pesquisadores e interessados em geral e ocorre em espaços e equipamentos culturais das diversas cidades envolvidas. No ano de 2017, será promovido o VIII Festival Sul-Americano da Cultura Árabe - África em diversas cidades como São Paulo, Diadema, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Foz do Iguaçu, Guarulhos e Buenos Aires. Localizado na Rua Baronesa de Itu, 639, Santa Cecília, São Paulo, o Espaço BibliASPA Centro de Cultura e Pesquisa Árabe e Sul- Americana, possui biblioteca com acervo bibliográfico e multimídia, centro de documentação, editora, museu, sala de restauro, espaço para projeção de filmes e realização de outras propostas. Também dispõe de uma cabine de memória para o registro de história oral dos povos árabes, bem como da coleta de documentos que fortaleçam este acervo. Em outras cidades, outras sedes da BibliASPA também promovem eventos educativos e culturais. Realizado anualmente entre os dias 18 e 31 de março, o Festival Sul- Americano da Cultura Árabe - África, promovido pela BibliASPA, tem como objetivo principal refletir sobre as manifestações culturais árabes, africanas e as contribuições dos imigrantes. A intenção é fortalecer o vínculo entre a América do Sul e os Países Árabes com base no respeito à diversidade cultural e nos laços históricos, além de promover a cultura da paz por meio da aproximação dos povos. O objetivo é também reunir expressões de diferentes linguagens que revelem e reflitam a importância da cultura árabe e a influência da história e da riqueza da cultura árabe no Brasil, bem como favorecer um amplo acesso a população por meio de ações descentralizadas O festival promove apresentações, palestras, debates, exposições, lançamento de livros e Mostra de Cinema Árabe-Sul-Americano além de propiciar à população brasileira atividades relevantes. A programação deste V Festival Sul- Americano da Cultura Árabe prevê apresentações de vários segmentos artísticos, entre os quais caligrafia árabe, cinema, literatura, teatro, música, dança, artes plásticas (em diversas exposições), contação de histórias, arqueologia, fotografia, palestras, debates, colóquios, mesa- redonda, mediação de leitura, publicações e intervenções diversas. Prof. Valter Gomes _______________________________ Folhetim

Folhetim do Estudante - Ano VI - Núm. 55

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1

do estudante Núm. 55 - ANO VI

2ª Quinzena - Fev/2017

Folhetim do estudante é uma

publicação de cunho cultural e

educacional com artigos e textos de

Professores, alunos, membros de

comunidades das Escolas Públicas

do Estado de SP e pensadores

humanistas.

Acesse o BLOG do folhetim http://folhetimdoestudante.blogspot.com.br

Sugestões e textos para:

[email protected]

Festival Sul-Americano da Cultura Árabe O Festival Sul-Americano da Cultura

Árabe, realizado anualmente entre os

dias 18 e 31 de março, conta com o

apoio da Unesco e de outras

importantes instituições.

Memórias de longa data mostram as

contribuições dos imigrantes árabes

para o Brasil, embora parte da

sociedade ainda desconheça a

densidade desse intercâmbio

cultural.

A intenção é fortalecer o

estabelecimento de um vínculo entre

a América do Sul e os Países Árabes

com base no respeito à diversidade

cultural e nos laços históricos e

culturais, especialmente em São

Paulo, Estado que possui uma

comunidade árabe expressiva e

atuante.

O Brasil possui uma presença

contínua de comunidades de

imigrantes árabes que participaram

ativamente da construção e do

desenvolvimento do Estado nacional

a partir do século XIX.

Atualmente, mais de 16 milhões de

árabes e descendentes vivem no

Brasil e contribuem cultural,

econômica e politicamente para as

sociedades locais. Apenas em São

Paulo, são aproximadamente 3

milhões de pessoas; trata-se da

maior cidade árabe fora dos países

árabes.

O evento, para a população em geral,

tem como público alvo estudantes de

escola e faculdade, jornalistas,

empresários, pesquisadores e

interessados em geral e ocorre em

espaços e equipamentos culturais das

diversas cidades envolvidas.

No ano de 2017, será promovido o

VIII Festival Sul-Americano da

Cultura Árabe - África em diversas

cidades como São Paulo, Diadema,

Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba,

Porto Alegre, Foz do Iguaçu,

Guarulhos e Buenos Aires.

Localizado na Rua Baronesa de Itu,

639, Santa Cecília, São Paulo, o

Espaço BibliASPA – Centro de

Cultura e Pesquisa Árabe e Sul-

Americana, possui biblioteca com

acervo bibliográfico e multimídia,

centro de documentação, editora,

museu, sala de restauro, espaço para

projeção de filmes e realização de

outras propostas. Também dispõe de

uma cabine de memória para o

registro de história oral dos povos

árabes, bem como da coleta de

documentos que fortaleçam este

acervo. Em outras cidades, outras

sedes da BibliASPA também

promovem eventos educativos e

culturais.

Realizado anualmente entre os dias

18 e 31 de março, o Festival Sul-

Americano da Cultura Árabe -

África, promovido pela BibliASPA,

tem como objetivo principal refletir

sobre as manifestações culturais

árabes, africanas e as contribuições

dos imigrantes. A intenção é

fortalecer o vínculo entre a América

do Sul e os Países Árabes com base

no respeito à diversidade cultural e

nos laços históricos, além de

promover a cultura da paz por meio

da aproximação dos povos.

O objetivo é também reunir

expressões de diferentes linguagens

que revelem e reflitam a importância

da cultura árabe e a influência da

história e da riqueza da cultura árabe

no Brasil, bem como favorecer um

amplo acesso a população por meio

de ações descentralizadas O festival promove apresentações,

palestras, debates, exposições,

lançamento de livros e Mostra de

Cinema Árabe-Sul-Americano além

de propiciar à população brasileira

atividades relevantes. A

programação deste V Festival Sul-

Americano da Cultura Árabe prevê

apresentações de vários segmentos

artísticos, entre os quais caligrafia

árabe, cinema, literatura, teatro,

música, dança, artes plásticas (em

diversas exposições), contação de

histórias, arqueologia, fotografia,

palestras, debates, colóquios, mesa-

redonda, mediação de leitura,

publicações e intervenções diversas.

Prof. Valter Gomes

_______________________________

Folhetim

Page 2: Folhetim do Estudante - Ano VI - Núm. 55

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do estudante ano VI fevereiro/2017

LEITURA A Amizade eterna

e outras vozes da

África

Sobre o autor :Ilan Brenman

Prof. Valter Gomes ____________________________________

A Importância da Amizade

A amizade é algo fundamental na

vida humana, como se fosse uma

necessidade básica como por

exemplo alimentar-se ou

descansar. Quanto mais amigos

melhor é a vida. Se um dia você

está triste ou passando por

momentos difíceis, seus amigos

verdadeiros sempre estarão ali

para te ajudar. A partir do

momento que você se sente bem

perto de pessoas, você já pode

considera-las amigas. Pense como

sua vida seria sem seus amigos.

Ao longo da vida nós vamos

conhecendo muitas pessoas,

algumas que nós nos

identificamos e outras que não são

tão parecidas mas nós admiramos.

Tem uma frase que minha mãe

sempre fala para mim e ela adora.

“Existem pessoas que passam pela

gente e deixam um pouco de si,

outros levam um pouco da gente,

assim somos um pouco de cada

um...”

Essa frase resume tudo!

Maria Luiza – 7ºA

Colégio EAG

folhetim

Page 3: Folhetim do Estudante - Ano VI - Núm. 55

3

do estudante ano VI fevereiro/2017

EDUCAÇÃO

Hampâté Bâ leva

oralidade africana ao

papel Relato autobiográfico de etnólogo e filósofo malinês descreve a trajetória de mestre da transmissão oral do continente Na África, cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima. A frase, do malinês Amadou Hampâté Bâ, expressa a importância da transmissão oral no continente e a sensação de ouvir um sábio africano relatar suas experiências: é como se vários livros se abrissem, com uma profusão de detalhes, para dar voz às histórias e às tradições locais. "Desde a infância, éramos treinados a observar, olhar e escutar com tanta atenção que todo acontecimento se inscrevia em nossa memória como cera virgem", diz o etnólogo, filósofo e historiador em "Amkoullel, o Menino Fula". Um dos maiores pensadores da África no século 20, Hampâté Bâ integra a primeira geração do Mali com educação ocidental. Seu vínculo com a tradição oral do povo fula (nação de pastores nômades que conduz seu rebanho pela África savânica) o levou a buscar o reconhecimento da oralidade africana como fonte legítima de conhecimento histórico. Hampâté Bâ (1900-91) participou da elaboração dos primeiros estudos que usam as fontes orais de maneira sistemática, como em "História Geral da África", publicada pela Unesco em 1980. Se escritos como esse e outros de caráter sociológico e filosófico são mais conhecidos, o relato autobiográfico tem o mérito de revelar a trajetória desse mestre da transmissão oral e comprovar a força da "oralidade deitada no papel" (nas palavras do autor). "O extraordinário é que ele faz a palavra por escrito. Em momentos do livro, tenho a impressão de escutar

um mestre da palavra. E ele era um mestre da palavra", afirma o professor Fábio Leite, do Centro de Estudos Africanos da USP. "A obra aborda a realidade das sociedades africanas a partir de uma visão interna, que vai de dentro para fora dos fenômenos e revela a África-sujeito, a África da identidade profunda, originária, mal conhecida, portadora de propostas em valores diferenciais." Nascido em 1900 em Bandiagara, no atual Mali, Hampâté Bâ começou a viajar "com apenas 41 dias de presença neste mundo" e logo entrou em contato com fulas, bambaras, dogons e hauçás, entre outras comunidades étnicas. O rei Tidjani Tall, fundador de Bandiagara, mandara dizimar todos os membros do sexo masculino da família de seu pai, que sobreviveu ao massacre. À mãe, empreendedora e de caráter forte, chamavam de "mulher de calças". Os pais naturais, o pai espiritual (o mestre sufi Tierno Bokar) e o padrasto lhe ensinaram cedo as regras de honra e conduta. Hampâté Bâ examina a "morte" da primeira infância, o papel das associações de jovens na formação da personalidade africana e a relação com os brancos-brancos (os europeus) e os brancos-negros (os africanos europeizados). O autor conta que, quando pequeno, tocou a mão de um "filho do fogo" (um francês) e descobriu que ele era "uma brasa que não queima". Sem perífrases, descreve uma expedição ao lixo dos europeus para confirmar se seus excrementos eram negros –como diziam os rumores- e, mais tarde, o envio à "escola dos brancos", "considerada pela grande maioria dos muçulmanos como o caminho mais rápido para o inferno!". A descrição de uma cerimônia de circuncisão, precedida de uma grande festa que vai do pôr-do-sol ao amanhecer, recebe descrição minuciosa. Após as arengas destinadas a estimular a coragem, ao pé de duas acácias, colocavam-se pedaços de noz-de-cola na boca dos meninos, entre os molares, para medir sua coragem. Após a retirada do prepúcio, "que retém prisioneira a maioridade", a marca dos dentes, se ligeira, confirmava a bravura do circunciso. Hampâté Ba expõe ainda a fragilidade da civilização da oralidade

que tanto defendeu. "Uma das maiores consequências da guerra de 1914, pouco conhecida, foi provocar a primeira ruptura na transmissão oral dos conhecimentos tradicionais." No livro, ouve-se o timbre de sua voz e o murmúrio de um mundo ameaçado. Amkoullel, o Menino Fula

Prof. Dr.Paulo Daniel Farah

______________________________

_

Etnomatemática

O ensino de matemática não pode ser

hermético nem elitista. Deve levar em

consideração a realidade sócio cultural

do aluno, o ambiente em que ele vive e o

conhecimento que ele traz de casa. Essas

afirmações fazem parte da

etnomatemática, teoria defendida por

Ubiratan D‘Ambrosio, professor emérito

de matemática da Unicamp, professor do

Programa de Estudos Pós-Graduados de

História da Ciência da PUC de São

Paulo, professor credenciado no

Programa de PósGraduação da

Faculdade de

folhetim

Page 4: Folhetim do Estudante - Ano VI - Núm. 55

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do estudante ano VI fevereiro/2017

Educação da USP e do Programa de Pós-

Graduação em Educação Matemática do

Instituto de Geociências e Ciências

Exatas da Unesp

Segundo D’Ambrósio, desde pequena a

criança é condicionada a achar que a

matemática é complicada. “Se ela tem

em casa um irmão mais velho, já ouve

que matemática é difícil. É um

comportamento condicionado: ela entra

na escola apavorada com a disciplina.”

Ele diz acreditar que o natural seria a

matemática ser tratada como um

conhecimento presente em todas as

coisas do cotidiano das pessoas. “Como

era até a Idade Média. Já nos séculos,

XVII, XVIII e XIX, a matemática entra

na página da ciência e da tecnologia.

Surge a idéia de uma matemática mais

rigorosa e precisa. A partir da transição

do século XIX para o XX, a disciplina

passa efetivamente a lidar com

tecnologia e ciência e inicia-se o

conceito de que o aluno tem que estar

preparado para isso.” O professor explica

que desse período em diante a escola

passou a atribuir à matemática um caráter

rigoroso, com muitas abstrações,

esquecendo-se que ela está no cotidiano

das crianças e que é espontânea. “Olhar,

classificar, comparar são princípios da

matemática. Se alguém estender uma

mão cheia de balas e outra com poucas

para que uma criança escolha, ela

reconhece a diferença de quantidades e

vai optar pela mão cheia. Isso é uma

aplicação cotidiana e prática da

matemática.” Para Ubiratan, a escola

optou por formalizar essas relações.

“Pensar em números é abstrato, diferente

de pensar em balas. O ensino da

matemática assumiu a postura de se

encaminhar para o abstrato e se libertar

do espontâneo. É daí que vem o

distanciamento entre as crianças e a

matemática.”

Filtro social – De acordo com

D’Ambrósio, outra questão importante a

ser ressaltada é a utilização da

matemática como filtro de segregação

intelectual e social. “A nova organização

da sociedade é política. A escola passa a

ser o filtro que seleciona quem tem

condições de atingir uma posição de

decisão e comando. É um filtro que

existe na sociedade e no sistema de

produção: sem diploma, o indivíduo não

está preparado para assumir posições

altas. Isso é uma distorção. Capacidade

para desenvolver uma função deveria

estar relacionada com competência. Com

isso, a participação da população nos

processos de decisão fica comprometida.

A matemática é um instrumento forte

neste processo de filtragem”, afirma. Ele

diz acreditar que é necessário um grande

esforço dos educadores modernos para

que a matemática deixe de parecer tão

complexa e elitista. “Os professores

precisam aproximar a disciplina do que é

espontâneo, deixar a criança à vontade,

propor jogos, distribuir balas, objetos,

para que o aluno se sinta bem. A criança

adquire habilidades para a matemática

em casa, no meio em que vive. Cada um

tem um modo próprio de aplicá-la. Só

que na escola dizem que a matemática

não se faz do jeito de casa. Rechaçam

esse conhecimento que o aluno traz e

isso cria conflito.”

A teoria – Por isso, o professor é o

principal idealizador e defensor da

etnomatemática, que leva em

consideração os fatos e conhecimentos

que fazem parte do ambiente cultural no

qual a criança vive. “Quando o aluno

chega na escola ele traz experiências de

casa, traz o conhecimento de jogos, de

brincadeiras, pois já viveu sete anos

produtivos e criativos. Aprendeu a falar,

andar, brincar. Isso não é aproveitado

pelo sistema escolar. O professor parece

que pede: ‘esqueça tudo que você fez e

aprenda números e coisas mais

intelectualizadas’.”

Segundo D’Ambrósio, os professores

valorizam muito o pensamento formal,

têm hesitação e medo de se libertar. “É

mais importante aquilo que a criança

pode fazer com um instrumento que

trouxe de sua vida anterior à escola do

que dar instrumentos novos. Com o que

ela já sabe de casa pode fazer muito e ser

feliz. Só quando o aluno sentir que

necessita de algo novo é que o educador

deve intervir cultivando e explorando

esse desejo de saber e fazer mais. Neste

momento, o professor pode dizer: ‘você

parou aí, vou mostrar como ir adiante’.

Aos poucos, a criança irá aprender as

coisas novas apresentadas. A matemática

é isso. Só que esse momento não está

sendo adequadamente explorado pelo

sistema educacional. Falta

uma pedagogia na linha da

etnomatemática.”

Mudança de atitude – Para que esse jeito

de ensinar seja efetivamente colocado em

prática, o professor Ubiratan diz ser

imprescindível uma mudança de atitude

do educador. Ele afirma que o professor

que viu ser possível ensinar matemática

considerando os conhecimentos trazidos

pelo aluno, deve propagar essa idéia e

passar suas experiências para outros

colegas. “Neste processo, os que fazem

ensinam para os outros. Os educadores

estão interessados em fazer algo melhor.

Muita gente pensa que os professores são

mal preparados. Isso é falso, a

preparação é boa e competente. Os

educadores precisam é perder o receio de

entrar no novo. As autoridades também

poderiam ter participação mais ativa,

propiciando condições para o professor

fazer o novo. Mas o que acontece são

medidas controladoras como o Provão

para alunos e professores. Não se resolve

um problema sério com medidas

fiscalizadoras e controladoras. Os

professores precisam de medidas mais

liberais, pois educadores são criativos e

dedicados”, diz. Raciocínio e razão –

Matemática é raciocínio, afirma o

professor. Ele argumenta que a música é

tão racional quanto a matemática e

explica que ser racional é encontrar

caminhos para uma situação nova. “Um

jogador de futebol, na grande área,

descobre a solução para uma jogada e faz

gol. Ele usou o raciocínio. Já um sujeito

muito bom em matemática encontra uma

situação difícil na vida e não toma a

decisão certa, lógica, apesar de todo

conhecimento matemático que tem.

Portanto, ser racional não significa ir

bem em matemática.” O professor afirma

que raciocínio e razão se ajudam e são

inerentes à espécie humana, mas a

matemática ensinada na escola não

explora isso. “A maioria da população

passa longe da matemática formal. É um

erro pensar que só tem raciocínio quem

passa pela escola.” A matemática do

folhetim

Page 5: Folhetim do Estudante - Ano VI - Núm. 55

5

do estudante ano VI fevereiro/2017

sistema de ensino é muito específica e

voltada para ciência e tecnologia. “Isso

tem sua importância pois a ciência é

espantosa e a tecnologia é sofisticada,

mas há coisas muito menos sofisticadas

que requerem ciência, tecnologia e uma

matemática menos sofisticada também.

Um médico de cultura indígena não usa

um ecocardiograma para enxergar o que

se passa no coração do paciente, ele usa

elementos de outra natureza. Essa

matemática não é menor que a outra, é

adequada àquele ambiente.”

Sociedade tecnológica – Ele acrescenta

que a sociedade repleta de tecnologia

exige o ensino de uma matemática que

permita à criança lidar com o mundo à

sua volta, mas há outras prioridades além

disso. “Temos que dar matemática

adequada que permita acesso à toda

tecnologia. Mas é importante ressaltar

que a pessoa não terá falta de acesso só

por não saber matemática. A questão de

fato é a injustiça social. A criança não

deixa de ter comida e hospital por não ter

matemática. Os problemas fundamentais

da sociedade são de ordem social e

política.” D’Ambrósio diz acreditar que

os pais são enganados pela falsa idéia de

que seus filhos precisam aprender

matemática para ter um bom emprego.

“Os pais não percebem que a causa do

desemprego não está na matemática e

sim na organização perversa da

sociedade. Enganam-se achando que se o

aluno vai bem na escola e em

matemática, vai bem na sociedade. Os

pais sequer entendem o que está sendo

ensinado e acham que sabem o que o

filho precisa aprender. Enquanto isso, as

crianças se sentem pressionadas a

aprender algo que não é gostoso, nem

bonito, e não podem se abrir com os pais.

Se o aluno não aprendeu frações, recebe

punição e a família nem sabe o que é

fração. Se a criança diz que não entende

o que os

professores dizem, os pais ficam bravos,

chamam os filhos de burros. Isso fecha o

diálogo. Perde-se aí a confiança que a

criança tem nos pais, até para falar de

coisas maiores como uma gravidez

precoce ou drogas. Os pais tem a melhor

das intenções, só que foram enganados

pelo sistema, prestam atenção em coisas

mais acessórias do que o fundamental,

que é a situação difícil que vivemos. Para

eles terem outra compreensão, as

autoridades, os professores, precisam

ajudar a abrir os olhos dos pais para o

fato de que o mais importante não é a

matemática, mas as relações humanas.”

O professor reconhece a impossibilidade

da sociedade resolver grandes problemas

sem a matemática e seus instrumentos,

até cita a questão da falta de água que

pede a intervenção de engenheiros para

buscar soluções, mas acha que há

problemas maiores. “A sociedade não é

feita só de engenheiros que irão cuidar

da água. A matemática é muito

importante na sociedade tecnológica

moderna, porém há outros pilares da

sociedade que estão sendo colocados de

lado, como as relações humanas que

estão ofuscadas pela busca por uma

melhor matemática. A escola deveria

formar gente melhor, entretanto toda a

energia vai para um ensino errado e,

entre os alunos, para passar em

matemática. É necessário que todos

achem a matemática importante mas há

outras questões mais fundamentais que

não estão sendo olhadas com o mesmo

carinho.”

D’Ambrósio conclui sua reflexão

explicando que tudo o que ele disse faz

parte da etnomatemática. “A teoria nos

ensina a dar importância ao contexto e ao

ambiente cultural no qual a matemática

se desenvolve. Se os engenheiros da

Embraer vão colocar um novo avião no

mercado, eles usam a etnomatemática

para aquele ambiente. Usam equações

complexas para resolver situações de

vôo. Já as crianças jogando bolinha de

gude estão em um ambiente que pede

outra matemática específica. Eles pensam

‘vou jogar assim com o dedão, qual será

a trajetória da bolinha, qual força vou

usar, qual a distância da outra bola’, isso

é matemática. O aluno que sai de casa e

vai para a escola tem que traçar um

trajeto, isso é etnomatemática adequada

àquele ambiente, assim como o piloto de

avião que sai de São Paulo e vai para o

Rio. Ele usa a etnomatemática adequada

para aquela situação. A teoria intervém

na solução da situação que se apresenta e

no conhecimento dessa situação. Mas

a matemática que está na escola só

reconhece as regras e formalismos

desligados das reflexões mutáveis de

acordo com o ambiente em que se está.”

Entrevista concedida e publicada

ao Diário do Grande ABC – 2003

Imagem do Prof. Ubiratan

D´Ambrosio e professores da E.

E. Com. Miguel Maluhy – Junho

de 2003

Prof. Valter Gomes

folhetim

Page 6: Folhetim do Estudante - Ano VI - Núm. 55

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do estudante ano VI fevereiro/2017

EDUCAÇÃO

Deslocamentos,

Migração e Humanismo

Importante discussão que se

amplia em termos de urbanidade,

pertencimento e acolhimento, o

grande debate sobre Refúgio,

Moradia e Cidade, toma cada vez,

mais maiores proporções. Com o

objetivo em dar visibilidade à

questão dos deslocamentos de

refugiados, gerar reflexões e ao

mesmo tempo permitir um

aprofundamento sobre os

principais problemas e conflitos

gerados a partir desses

deslocamentos novos estudos,

novos conteúdos estéticos

permitem acessar um rico acervo

de informações que auxiliam na

pesquisa e na compreensão desses

fenômenos humanos que ganham

novos perfis geográficos e

culturais que se formam nesses

cruzamentos populacionais.

Com a intensificação dos conflitos

mundiais em plena era da

globalização, a questão dos

imensos deslocamentos de

refugiados entre diversas nações

já se tornou um dos principais

problemas e desafios para as

grandes cidades. Em São Paulo,

nos últimos dois anos um

fenômeno novo vem chamando a

atenção da mídia oficial e redes

sociais: a imersão de refugiados e

estrangeiros dentro dos

movimentos organizados de luta

por moradia digna. Em um país

que lida com um grave déficit de

moradia para seus próprios

habitantes, tal realidade vem

tecendo um novo panorama de

problemas e questões de caráter

urbano, político e humanitário que

devem ser assumidos na pauta

diária das políticas públicas e das

gestões administrativas ligadas ao

“direito à cidade”. Sobre esse

tema chama atenção a importante

contribuição para o debate

proporcionada pelo filme “A

CHAVE DA CASA” produção do

ano de 2009 mas que está

totalmente dentro do contexto

crescente de grandes cidades do

Brasil e de outros centros urbanos

em países que ainda não criaram

maiores restrições aos

movimentos migratórios.

RESENHA

Sobre o filme

A Chave da Casa (2009, 52

minutos, Direção: Paschoal

Samora e Stela Grizotti, Co-

Produção: Grifa Filmes e RT2A)

acompanha as últimas 48 horas de

um grupo de palestinos no campo

de refugiados de Al-Rweished, na

fronteira entre a Jordânia e o

Iraque, antes de partir para o

Brasil. Deixam para trás parentes,

amigos e um passado cheio de

lembranças. Nove meses depois, o

filme acompanha cinco deles em

diversos pontos do Brasil,

mostrando seus problemas de

adaptação, seus temores em

relação a família, o país e as

incertezas e esperanças de um

novo futuro.

Prof. Valter Gomes

POÉTICAS

O CÂNTICO DA MULHER

De lado,

Tinhas o rosto de um homem idoso

Que, assaltado por dias de mágoa,

Me trouxe o seu frasquinho

esverdeado

E pedia que tomasse a última

refeição.

Esse frasquinho é uma enseada,

O casamento de um barco com

uma enseada

Nos dias em que as praias se

afundam

E as gaivotas encontram os rostos

E o capitão pressente o seu

futuro.

Ele veio cheio de fome até mim,

eu dei-lhe o meu amor

Como um pão, como uma bilha,

como um leito

E abri as portas ao vento e ao sol

E partilhei com ele a última

refeição.

ADONIS, أدونيس ( Ali Ahmad Said )

folhetim