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História dos Estudos Lingüísticos Florianópolis - 2008 Heronides Moura Morgana Cambrussi Período

Historia dos estudos_linguisticos

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História dos Estudos Lingüísticos

Florianópolis - 2008

Heronides MouraMorgana Cambrussi1º

Período

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Governo FederalPresidente da República: Luiz Inácio da SilvaMinistro de Educação: Fernando HaddadSecretário de Ensino a Distância: Carlos Eduardo BielschowkyCoordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil: Celso Costa

Universidade Federal de Santa CatarinaReitor: Lúcio José BotelhoVice-Reitor: Ariovaldo BolzanSecretário de Educação a Distância: Cícero BarbosaPró-Reitor de Orçamento, Administração e Finanças: Mário KobusPró-Reitor de Desenvolvimento Urbano e Social: Luiz Henrique Vieira da SilvaPró-Reitora de Assuntos Estudantis: Corina Martins EspíndolaPró-Reitora de Ensino de Graduação: Thereza Christina Monteiro de Lima NogueiraPró-Reitora de Cultura e Extensão: Eunice Sueli NodariPró-Reitor de Pós-Graduação: Valdir SoldiPró-Reitor de Ensino de Graduação: Marcos Laffi nDepartamento de Educação a Distância: Araci Hack CatapanCentro de Comunicação e Expressão: Viviane M. HeberleCentro de Ciências da Educação: Carlos Alberto Marques

Curso de Licenciatura Letras-Português na Modalidade a DistânciaDiretora Unidade de Ensino: Viviane M. HeberleChefe do Departamento: Roberta Pires de OliveiraCoordenador de Curso: Roberta Pires de OliveiraCoordenador de Tutoria: Zilma Gesser NunesCoordenação Pedagógica: LANTEC/CEDCoordenação de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem: Hiperlab/CCE

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Equipe Coordenação Pedagógica Licenciaturas a Distância

EaD/CED/UFSCNúcleo de Desenvolvimento de MateriaisProdução Gráfi ca e HipermídiaDesign Gráfi co e Editorial: Ana Clara Miranda Gern; Kelly Cristine SuzukiAdaptação do Projeto Gráfi co: Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha OliveiraResponsável: Thiago Rocha OliveiraDiagramação: Guilherme Carrion, Laura Martins RodriguesDesign InstrucionalResponsável: Isabella Benfi ca BarbosaDesigner Instrucional: Verônica Ribas Cúrcio

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Copyright © 2008, Universidade Federal de Santa Catarina / LLV/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordena-ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras-Português na Modalidade a Distância.

Ficha Catalográfica

M929hMoura, Heronides História dos estudos lingüísticos / Heronides Moura, Morgana Cambrussi .— Flo-rianópolis : LLV/CCE/UFSC, 2008. 74p. : 28cm ISBN 978-85-61482-01-5 1. Origem das línguas. 2. Linguagem. I. Cambrussi, Morgana. II. Título

CDD 410

Elaborado por Rodrigo de Sales, supervisionado pelo setor técnico da Biblioteca Universitária da

Universidade Federal de Santa Catarina

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Sumário

Unidade A ............................................................................................ 9Por que estudar autores antigos? 1 ..........................................................11

A teoria platônica da linguagem: o Crátilo 2 ........................................13

Rousseau: as paixões criaram a linguagem 3 .......................................17

Famílias de línguas 4 .....................................................................................21

Os espíritos dos povos criam as línguas: 5

a visão de Ernest Renan ...........................................................................25

Sincronia e diacronia: a contribuição de Saussure 6 .........................29

A mente criou a linguagem: a moderna teoria 7

sobre a origem das línguas .....................................................................33

Unidade B ...........................................................................................39Gramática de Port-Royal: a linguagem como 1

estrutura lógica ............................................................................................41

A hipótese de Sapir-Whorf e as relações entre 2

língua e pensamento .................................................................................45

O mentalês: a linguagem da mente3 ......................................................49

Linguagem, mente e cérebro: os genes da linguagem4 ..................55

Tradição gramatical: construção da língua como 5

representação do pensamento ..............................................................61

Como vemos as línguas: efeitos da cultura e do poder 6 ................69

Referências .........................................................................................73

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Apresentação

N este curso, você vai fazer uma viagem no tempo. Estará na Grécia antiga, acompanhando a discussão de Sócrates e Crátilo sobre a origem das palavras. Circulará em Roma e na Idade Média, quando

perceberá que as idéias da cultura greco-romana sobre linguagem perduraram até os princípios da Idade Moderna. Chegará a Paris a tempo de ver a discussão dos membros da comunidade religiosa de Port-Royal sobre a relação entre a razão humana e a linguagem. Já um pouco antes da Revolução Francesa, ouvirá os argumentos ardentes de Rousseau em prol de sua teoria da origem da linguagem, que teria, segundo ele, surgido não da razão, mas da emoção. Já no século XIX, verá o papel que os românticos, como o filósofo francês Renan, atribuíam às nações e aos povos na formação da linguagem e acompanhará a grande descoberta das famílias de línguas, pelos comparativistas europeus.

No século XX, depois da viagem pela Europa, você vai pousar nos Estados Unidos, e acompanhar de perto a discussão sobre o papel da cultura na cons-trução da linguagem, com a hipótese de Sapir-Whorf. E verá a reação a essa hipótese, com o argumento da gramática universal e da linguagem da mente.

Nessas viagens, você vai descobrir que o filósofo Sócrates não respeitava muito as mulheres, que o inglês era considerada uma língua bárbara, assim como o alemão, que a gramática indiana influenciou os estudos gramaticais no Oci-dente, que o Brasil quase falou tupi e não português, que Rousseau dizia que o ser humano começou falando por metáforas, e que os cientistas debatem, hoje em dia, se há um conjunto de genes responsáveis pela capacidade de o ser humano se exprimir lingüisticamente.

Você não precisa de passaporte para fazer essa viagem no tempo. Use o seu material impresso, participe das atividades on line e, especialmente, use sua imaginação, e boa viagem!

Heronides Moura

Morgana Cambrussi

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Unidade AOrigem e diversidade das línguas

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CAPÍTULO 01Porque estudar autores antigos?

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1 Por que estudar autores antigos? Os seres humanos sempre tentaram entender como as línguas sur-

giram e por que há tantas línguas diferentes no mundo. Vamos fazer nesta Unidade uma viagem no tempo e examinar como diferentes au-tores, de vários períodos históricos, responderam a essas questões intri-gantes.

Nem todos os autores citados aqui são lingüistas, pois a questão da origem da linguagem interessou também a muitos � lósofos. De fato, esse problema foi abordado muitas vezes de forma especulativa, pura-mente hipotética.

Muitas dessas especulações nos parecem hoje pouco pertinentes, mas revelam muito sobre a cultura e a época em que foram feitas. Se formos analisar a questão sob um ponto de vista estritamente da ciência lingüística moderna, a discussão histórica perde muito de seu valor. Para um biólogo, o estudo da biologia do século XVI pode ser desprovido de interesse, pois o que se fazia nessa época tem pouca ligação com o que se faz hoje na biologia. Mas a linguagem humana é um objeto de pesqui-sa diferente do objeto de pesquisa da biologia: as línguas humanas são tanto objetos naturais, no sentido de que têm uma realidade objetiva no mundo natural, quanto são objetos culturais, e como tais estritamente conectados ao ambiente cultural em que existem.

Compare por exemplo com outros objetos de pesquisa: a circula-ção sanguínea e a moral humana. A circulação sanguínea é um objeto de pesquisa estritamente natural, que não depende em nada de fatores culturais para sua compreensão. Assim, para quem estuda a circulação sanguínea hoje haverá pouco interesse em estudar a forma como os gre-gos da Antigüidade descreviam a � siologia do sangue. O único interesse será de curiosidade histórica.

Agora compare com o estudo da moral humana. A moral envolve intrinsecamente valores culturais, portanto, saber como os gregos des-creviam e analisavam a moral na sua época é interessante para quem estuda a moral hoje, pois não se pode de� nir a moral humana sem rela-cioná-la a uma cultura ou a um ideal de cultura.

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Já as línguas humanas apresentam uma ambigüidade em seu es-tatuto cientí� co, porque são tanto um objeto natural (como a circula-ção sanguínea), quanto um objeto social (como a moral humana). Se queremos mostrar quais estruturas gramaticais são comuns a todas às línguas humanas, ou como são formados os sons da linguagem, preci-samos descrever objetivamente o maior número possível de línguas, e chegar a uma hipótese que possa ser comprovada empiricamente, como nas ciências naturais. Mas esse tipo de questão empírica não esgota o campo de investigação sobre as línguas: é importante de� nir e estudar qual a importância social da linguagem, como os falantes de uma socie-dade encaram as mudanças e variações da linguagem, quais os efeitos que a diversidade lingüística provoca em uma dada comunidade, qual a relação que uma sociedade percebe entre linguagem e pensamento etc. Todas essas são questões sociais, que envolvem não apenas objetos naturais, mas a percepção que os seres humanos têm desses fatos e como eles constroem e modi� cam esses fatos.

A linguagem é um assunto vital para as comunidades humanas, como a moral, e as pessoas costumam ter muitas idéias sobre o seu uso e o seu valor. É nesse sentido que o estudo de autores antigos pode ser muito interessante e revelador: eles nos mostram como suas socieda-des viam a linguagem, sua origem e seu uso, e podemos comparar essas crenças com as nossas, o que é uma forma muito útil de perceber quem somos e como pensamos.

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CAPÍTULO 02A teoria platônica da linguagem: o Crátilo

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2 A teoria platônica da linguagem: o Crátilo

Ler o Crátilo, um dos mais famosos diálogos de Platão, é uma ex-periência surpreendente, como se entrássemos num túnel do tempo e caíssemos em plena praça pública da Atenas antiga; cada frase ali faz um enorme sentido no contexto daquela discussão, mas se compara-mos com o nosso tempo, as crenças sobre a linguagem ali expressas são totalmente exóticas. Façam a seguinte experiência: leiam o diálogo em voz alta, com colegas e/ou alunos, cada um representando um dos per-sonagens do debate, ou seja, Crátilo, Hermógenes e Sócrates. Vocês vão sentir como esse debate é vivaz e natural (embora Sócrates fale demais e os outros muito pouco!), e podemos até imaginar as posturas corporais dos debatedores, mas como as idéias de Sócrates parecem estranhas! Na realidade, só parecem estranhas quando comparadas com nossas idéias; faziam naquele contexto todo o sentido.

O debate principal do diálogo é a oposição entre naturalismo e convencionalismo do signo lingüístico.

O signo lingüístico (de uma maneira simpli� cada, a palavra) é uma junção de som e sentido. Os naturalistas acham que deve existir uma relação entre a forma da palavra e o sentido que ela expressa. Onoma-topéias são assim: au-au designa o som que um cachorro faz e tenta-se reproduzir esse som na própria palavra. Onomatopéias são represen-tações naturais dos signi� cados. A idéia dos naturalistas é que todas as palavras devem ter essa relação natural entre som e sentido. Os conven-cionalistas, por outro lado, defendem que o som de uma palavra nada tem a ver com o sentido que ela designa; as onomatopéias são apenas exceções a esse princípio. Note-se que o convencionalismo, também co-nhecido como princípio da arbitrariedade do signo, é hoje aceito como um princípio básico da lingüística moderna, e é essa uma das razões que nos levam a estranhar as idéias defendidas no Crátilo. Sócrates, que domina o debate, defende o naturalismo, juntamente com Hermógenes, e Crátilo, por sua vez, defende o convencionalismo. É verdade que no � nal do diálogo Sócrates relativiza sua posição e ataca o convencionalis-mo radical, admitindo alguma forma de convenção no uso lingüístico,

Signo lingüístico compreende, em uma acepção saussureana, a uma unidade da língua. Pode-se dizer que o signo lingüístico compreende à unidade mínima da frase e que, arbitrariamente, carrega consigo som e sentido.

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pois de outra forma a palavra, de tão semelhante à coisa que designa, poderia ser um substituto da coisa em si, o que para ele é inadmissível. Alguns comentadores desse diálogo platônico chegam a dizer que no � nal Sócrates se mostra convencionalista, mas a nossa leitura é que ele é fundamentalmente um naturalista. (SEDLEY, 2006).

Muito antes de Saussure elaborar, de uma maneira clara e precisa, o conceito de arbitrariedade do signo lingüístico, o � lósofo Descartes já ha-via comentado que as palavras se ligam arbitrariamente às coisas que elas denotam. O argumento dele é � losó� co e é um dos fundamentos da revo-lução cientí� ca que ocorreu no século XVII. Descartes argumentou que, para estudar a natureza, é preciso separar a percepção sensorial feita pelo ser humano e a realidade das coisas naturais. Tradicionalmente, a idéia era que as coisas eram essencialmente o que pareciam ser para nós, atra-vés de nossos sentidos (CLARKE, 2006, p. 115). Isso leva a erros curiosos; não há nenhuma propriedade em uma pena de pássaro que seja similar à sensação causada numa criança, quando alguém roça a pena nela. Ela sente cócegas, mas essa sensação é totalmente diferente da natureza da pena em si. Para estudar a pena, é preciso esquecer as cócegas e atentar para a estrutura físico-química da pena. Ora, as palavras e as coisas tam-bém pertencem a categorias diferentes, e é um erro buscar nas palavras semelhanças com as coisas que elas representam, assim como é um erro buscar nas coisas as mesmas sensações que elas nos causam. Outro � lóso-fo do século XVII, Leibniz, também criticou a visão tradicional de que as coisas são aquilo que parecem para nós. Ele zombou dos pensadores que falam em “qualidades ou faculdades ocultas, que na imaginação deles se parecem com pequenos demônios ou duendes capazes de provocar, sem mais nem menos, o que lhes pedem, como se os relógios marcassem as horas devido a alguma faculdade horodêictica (que aponta as horas) sem precisar de engrenagens” (apud PINKER, 2004, p. 531). Não existe, é cla-ro, essa propriedade de dar as horas, assim como não existe nas palavras nenhuma propriedade que as ligue às coisas que representam.

O naturalismo de Platão, por absurdo que possa parecer aos olhos modernos, (por exemplo, quando ele diz que corpo (soma, em grego) vem de sepultura (sema, em grego)), está ligado a uma série de crenças e idéias do platonismo. Entre elas, podemos citar:

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CAPÍTULO 02A teoria platônica da linguagem: o Crátilo

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As coisas e seres têm uma essência permanente. Nada mais 1) natural que cada palavra, visando representar as coisas, ten-te caracterizar pelo menos uma das propriedades da coisa ou ser por ela representada. Portanto, a ligação mais natural não é exatamente entre som e sentido, mas entre o sentido da pa-lavra e a essência atribuída à coisa. O som apenas ajuda a che-gar a esse sentido que leva à essência. No exemplo citado, se corpo (soma) está ligado à sepultura (sema), é porque o corpo é a sepultura da alma, essa é a essência do corpo. Note-se que essa explicação é quase poética e cabalística; mas o que importa para Sócrates é investigar o que um conceito, como “corpo” ou “justiça”, realmente signi� ca. O som (soma-sema) pode ajudar nessa investigação das essências.

A verdade sobre as essências das coisas é absoluta e não relativa 2) de acordo com a crença de cada pessoa. O relativismo era de-fendido pelos so� stas, que Sócrates e Platão combatiam. Uma frase famosa de um so� sta, Protágoras, é citada no Crátilo (p. 148): “O homem é a medida de todas as coisas, e por isso, con-forme me parecerem as coisas, tais serão elas, realmente, para mim, como serão para ti conforme te parecerem”. Sócrates se insurgia contra esse tipo de a� rmação e então imaginou que as palavras devem representar necessariamente a essência das coisas. Outro exemplo dado por Sócrates é que “o” liga a pala-vra deuses (theoi, em grego) ao verbo correr (thein), pois seria da natureza dos deuses mais primitivos (o sol, a lua, a terra, os astros e o céu) estarem perpetuamente em movimento, ou seja, correndo! A relação som-sentido não pode ser arbitrária ou convencional, pois dessa forma cada pessoa teria uma apreen-são diferente da essência das coisas, o que equivaleria a recair no relativismo sofístico. Como diz Sócrates (p. 149): “[...] (as coisas) não estão em relação conosco, nem na nossa dependên-cia, nem podem ser deslocadas em todos os sentidos por nos-sa fantasia, porém, existem por si mesmas, de acordo com sua essência natural”. E nomear as coisas é designá-las de acordo com sua essência: “convirá nomear as coisas pelo modo natural de nomeá-las e serem nomeadas, e pelo meio adequado, não como imaginamos que devemos fazê-lo” (p. 151).

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Segundo a opinião de Sócrates e Platão, a verdade e a essência 3) das coisas devem ser estabelecidas pelas pessoas mais justas e mais razoáveis de uma comunidade. Essa é idéia por trás da República ideal de Platão, que seria governada por um conse-lho de sábios, com todos os poderes para legislar (uma ditadu-ra de sábios, na verdade). Bem, só os sábios podem saber com justeza o que as palavras devem signi� car, para representar da melhor maneira possível as coisas que designam (por exemplo, a relação entre corpo e sepultura (soma e sema, em grego), já citada acima. Assim, os sábios devem buscar e de� nir qual a relação natural entre som, sentido e coisa representada. A con-venção seria um artifício dos tolos, que aceitariam qualquer relação arbitrária. Platão sustenta que os sábios de� nem o sen-tido original das palavras. Esse é um dos pontos que causam mais estranheza na leitura do Crátilo. Sócrates rea� rma várias vezes que há legisladores sábios que de� niram, em algum mo-mento da história, a relação som-sentido das palavras de uma língua. Ou seja, essa é a explicação platônica para a criação da linguagem: os homens sábios se reuniram e de� niram a forma e o signi� cado das palavras. Por mais estranho que nos pareça hoje, essa posição se opõe, implicitamente, à idéia religiosa da criação da linguagem, tal como expressa no Antigo Testamento. Agora a linguagem não era mais vista como assunto dos deu-ses, mas como negócio dos homens. Quer dizer, não de todos os homens, mas dos sábios (todos do sexo masculino, pois Só-crates não tinha uma opinião muito boa sobre as mulheres, como se pode ver no Crátilo).

Nós veremos, nessa nossa viagem no tempo, como em cada época existe um responsável pela criação da linguagem: deuses, sábios, a alma de um povo (no século XIX), os falantes de uma língua ou, � nalmente, na visão mais moderna, a mente humana.

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CAPÍTULO 03Rousseau: as paixões criaram a linguagem

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Rousseau: as paixões criaram a linguagem

Em seu Ensaio sobre a origem das línguas, Rousseau argumenta que as paixões e não as necessidades humanas foram o motor do desen-volvimento de nossa faculdade de linguagem. Ele associa o � orescer da linguagem verbal a uma gama mais que rica de sensações humanas, em especial quanto às relações sociais.

Ele imagina uma Idade de Ouro anterior ao desenvolvimento da linguagem, em que os homens se comunicavam provavelmente por ges-tos e não por palavras. Essa Idade de Ouro seria paradoxal, pois “[...] em todos os lugares dominava o estado de guerra e a terra toda estava em paz” (ROUSSEAU, 1987, p. 176). Esse aparente paradoxo se explica da seguinte maneira: sem a linguagem, os homens viviam isolados, em pequenos grupos familiares, cada grupo sem interagir com o outro, e numa guerra latente entre esses clãs. Aqui há uma ressonância da idéia de Hobbes, segundo o qual, antes do desenvolvimento da civilização, o homem primitivo vivia num estado de guerra permanente, sem lei nem rei. Mas, acrescenta Rousseau, como os homens não interagiam pela lin-guagem articulada, viviam isolados em suas famílias, e tinham poucas chances de guerrear. Portanto, a idéia de Rousseau é que os homens primitivos satisfaziam plenamente suas necessidades sem o recurso da linguagem, comunicando-se apenas por gestos e sons inarticulados.

A linguagem humana tirou o homem primitivo de seu isolamento físico e espiritual, segundo Rousseau. “Além de si mesmos e de sua famí-lia, todo o universo nada signi� cava para eles (os homens primitivos)” (p.175). O efeito da linguagem sobre os homens foi duplo: em primeiro lugar, ofereceu-lhes uma abertura para a realidade dos outros. A lingua-gem deu-lhes a imaginação e “[...] quem não imagina não sente mais do que a si mesmo: encontra-se só no meio do gênero humano” (p. 175). Em segundo lugar, a linguagem deu ao ser humano a capacidade de conhecer-se a si mesmo, de voltar-se para seu interior, através do desen-volvimento de suas emoções.

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Para Rousseau, o desenvolvimento da linguagem está associado ao enriquecimento das emoções. Na sociedade primitiva, por exemplo, ha-via casamento, mas não amor. Havia afeto, mas não haveria paixão. Essa nasceu com os tons e in� exões da linguagem, sua gama rica de contras-tes sonoros e de expressões distintas. Quanto mais rica a gama de sons articulados, mais rica a variação das emoções. Portanto, foi a linguagem articulada que ajudou a criar, no ser humano, “[...] os acentos das pai-xões ardentes” (p. 183). Contrariando o senso comum de que Rousseau pregava um retorno ao mundo primitivo, essas idéias sobre a linguagem mostram que ele não desprezava a importância da civilização; o estado social deu ao homem uma “[...] ampliação dos horizontes intelectuais, enobrecimento dos sentimentos e elevação total da alma”. (ARBOUSSE-BASTIDE e MACHADO, 1987, p. XIV).

Essa associação da origem da linguagem às paixões leva a duas conseqüências interessantes na teoria de Rousseau. Em primeiro lugar, ele faz a hipótese – que outros autores também defenderam (FARRAR, 1860) – de que as primeiras palavras proferidas pelos seres humanos se-riam metafóricas . Por exemplo, e por hipótese, eles teriam chamado os outros homens, desconhecidos deles, não de “homens” em seu sentido literal, mas de “gigantes”, em seu sentido metafórico: “Seu terror tê-lo-ia levado a ver esses homens maiores e mais fortes do que ele próprio e a dar-lhes o nome de gigantes.” (ROUSSEAU, p. 164). Ou seja, inicialmen-te as palavras catalogavam o mundo com base no registro das emoções, e por isso a metáfora desempenhava um papel importante nessa época de criação da linguagem.

Outra conseqüência é que Rousseau deu uma grande importância à fonética (estudo dos sons da linguagem), mais do que à gramática e ao vocabulário. Não por acaso, aliás, esse ensaio sobre a origem das lín-guas termina com um estudo sobre a origem da música. Na linguagem nascente, os sons seriam muito variados, haveria poucas consoantes, os tons e acentos seriam em grande número: cantar-se-ia em lugar de fa-lar. Embora isso possa nos parecer estranho, essa linguagem musical primitiva faz todo o sentido na teoria de Rousseau: ele quer enfatizar a ligação da linguagem com a gama de emoções da alma humana; como as emoções são ricas, assim também são os sons que devem expressá-las

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CAPÍTULO 03Rousseau: as paixões criaram a linguagem

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(embora possa se dizer também que foi a riqueza sonora da linguagem articulada que levou ao enriquecimento das emoções, como já se viu). Pense-se na ópera ou no rap: um falar cantando. Isso tudo levou o � ló-sofo a adotar o naturalismo já expresso no Crátilo, de Platão, que já estu-damos aqui. As palavras das línguas primitivas seriam sons imitativos, tanto das próprias emoções, quanto do efeito dos objetos percebidos pelo ser humano. A língua primitiva, original, seria mais emocional do que racional.

No entanto, com o despertar da civilização e com o desenvolvi-mento da lógica e da gramática (conferir o capítulo sobre a gramática de Port-Royal), as línguas foram perdendo esse caráter musical original, constituindo, posteriormente, a linguagem “fria e monótona” da Europa do século XVIII. Essa idéia de que a linguagem evolui de uma riqueza expressiva, mas confusa, para uma gramática mais racional e mais clara foi também desenvolvida por outros autores no século XIX, como por exemplo, Ernest Renan. A diferença é que Rousseau via a suposta clare-za da língua francesa, por exemplo, como uma limitação, ao passo que Renan a via como uma virtude.

Muito interessantes também são suas observações sobre a diferen-ça entre fala e escrita. Rousseau chama a atenção para a diferença de funções entre elas; como vimos, a fala serviria para expressar as emo-ções, interagir com os outros e comover. A escrita serviria para propó-sitos sociais de outro nível, por exemplo, o comércio e a burocracia. No século XX, outro francês, o antropólogo Lévi-Strauss, argumentou, no livro Tristes Trópicos, que a origem da escrita está associada à criação do Estado, o que está em conformidade com o que pensava Rousseau.

Para este � lósofo, a escrita “substitui a expressão pela exatidão”, e como tal empobrece a riqueza primitiva da linguagem humana, que foi o elo que nos tirou da solidão da Idade do Ouro, segundo Rousseau.

Algumas das idéias desse � lósofo podem nos parecer estranhas hoje, mas são extremamente signi� cativas em seu contexto histórico e, na verdade, colocam questões instigantes não respondidas até hoje.

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CAPÍTULO 04Famílias de línguas

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4 Famílias de línguas

No século XIX, aconteceu uma revolução nos estudos lingüísticos, o chamado comparativismo. Da especulação � losó� ca sobre a origem da linguagem, os pesquisadores passaram a estabelecer parentescos en-tre as línguas, e retraçar a evolução das famílias de línguas, com base em descrições pormenorizadas de propriedades das diferentes línguas, em especial da família indo-européia. Essas descrições envolviam se-melhanças de som e de sentido entre palavras das diferentes línguas, além de propriedades morfológicas e sintáticas. Se um grupo de línguas apresentava uma série de radicais semelhantes no som e no sentido, en-tão se podia estabelecer com segurança um parentesco entre elas. As variações de sons entre os radicais de línguas de uma mesma família não eram casuais, mas de� nidas por regras fonéticas bem estabeleci-das. Dessa forma, foram estabelecidas correlações entre línguas muito distantes geogra� camente. Por exemplo, descobriu-se que línguas tão diferentes quanto o sânscrito (língua clássica e religiosa da Índia), o per-sa, o armênio, o grego, o latim, o antigo germânico, o romani (língua dos ciganos), entre outras línguas, derivavam de uma língua ancestral comum, o indo-europeu, cuja existência não pode ser atestada direta-mente, mas inferida a partir da comparação entre as línguas derivadas dessa língua-mãe mais antiga. Assim, cada família de línguas derivaria de uma mãe especí� ca mais antiga.

A descoberta inicial mais importante e extraordinária, no � nal do século XVII, foi a do inglês Sir William Jones, que decidiu estudar o sânscrito, uma língua da Índia já morta:

“O sânscrito, seja qual for sua antigüidade, tem uma estrutura maravilhosa; mais perfeito que o grego, mais copioso que o latim, e mais primorosamente re� nado que ambos, embora mantenha com eles tamanha a� nidade, tanto nas raízes dos verbos como nas formas da gramática, que é impossível pensar que isso se deu por acidente; a a� nidade é de fato tão forte que nenhum � lólogo poderia examinar as três línguas sem pensar que elas tenham brotado de alguma fonte comum que, talvez, não mais exista.” (JONES, apud PINKER, 2004, p. 321).

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Essa fonte comum seria o indo-europeu, extinto há muito tempo, uma língua-mãe (também chamada de proto-língua) que devia ser fala-da inicialmente na Ásia Menor, talvez na atual Turquia, e cujos falantes migraram, em parte para a Índia, em parte para a Europa. Eis a razão pela qual as línguas se diversi� cam: as migrações humanas. Quando membros de um agrupamento humano, que inicialmente falam uma mesma língua, deslocam-se para uma região distante, ao longo do tem-po, introduzem mudanças inconscientes na sua língua de origem, ao ponto de criarem línguas bem distintas, como são o grego e o sânscrito. Mas um exame acurado mostra identidades lexicais importantes, e o parentesco pode ser estabelecido.

Estudar a diversidade das línguas é estudar a dispersão dos agrupa-mentos humanos ao longo dos séculos. Não por acaso, geneticistas mo-dernos usam o conhecimento sobre esses parentescos lingüísticos para estabelecer semelhanças genéticas de populações humanas diferentes. De modo geral, pode-se estabelecer uma correlação entre homogenei-dade genética de populações diferentes e a família das línguas faladas por essas populações (CAVALLI-SFORZA, 2003). Por exemplo, os es-quimós do Alaska e os povos da Sibéria têm genes em comum e línguas aparentadas, porque os esquimós migraram, há milênios, da Sibéria. Os homens carregam consigo suas línguas, seus genes e sua cultura. O mito da Torre de Babel na verdade se explica pelas migrações e pela história dos povos humanos.

Podemos, assim, estabelecer diferentes gerações de línguas, com base na história dos povos e de suas migrações. Por exemplo, o antigo indo-europeu (digamos, a avó) deu origem ao latim (digamos, a mãe), que deu origem ao português de Portugal (a neta). Se considerarmos que o português do Brasil já é uma língua distinta da de Portugal, então a nossa língua seria bisneta do indo-europeu!

Diferenças de famílias de línguas têm a ver com ondas migratórias distintas. Por exemplo, na Europa se falam basicamente duas famílias de línguas: a indo-européia e a uraliana (ou urálica). No Nordeste da Euro-pa, a maior parte das línguas pertence à família uraliana (por exemplo, o estoniano e o húngaro), embora algumas línguas dessa família sejam encontradas também a oeste (o � nlandês e o lapão, ambos falados na

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CAPÍTULO 04Famílias de línguas

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Finlândia). As línguas uralianas, faladas normalmente a Oeste dos Mon-tes Urais, correspondem a uma determinada onda de migração para o continente europeu (CAVALLI-SFORZA, 2003, p. 153).

Já as línguas indo-européias correspondem à outra onda de migra-ção. Portanto, países vizinhos podem falar línguas de origem diferente, desde que tenham sido colonizados por povos de línguas de famílias diversas, em distintas ondas migratórias. Assim, o búlgaro é uma língua indo-européia, mas o húngaro é uma língua uraliana, embora Hungria e Bulgária sejam países vizinhos.

Essas ondas migratórias de ocupação da Europa devem estar liga-das à expansão da agricultura. Populações de agricultores foram se espa-lhando por novas terras, e absorvendo nessa passagem os antigos povos coletores-caçadores que ali habitavam (PINKER, 2004, p. 323). Lembre-se de que os povos agrícolas tinham necessidade de novos braços, e sua população se expandia rapidamente com o alimento das plantações, ao passo que os coletores-caçadores eram em número bem menor, pois o alimento disponível era muito mais escasso.

Os parentescos lingüísticos podem gerar situações curiosas. O Orien-te Médio e o norte da África têm populações de origem genética comum e línguas, em geral, de uma mesma família: a família afro-asiática. A essa família pertencem o hebraico, o árabe, o aramaico (língua falada por Cris-to), o berbere, o egípcio, o etíope, as antigas línguas babilônicas, entre outras. Assim, judeus e palestinos têm a mesma origem, falam línguas-irmãs, habitam a mesma região, mas vivem em con� ito constante.

Mas, se todas as línguas descendem de proto-línguas especí� cas e já extintas, é possível supor que todas essas proto-línguas descendam de uma única língua-mãe, a língua-mãe de todas as línguas? Em tese, sim, pois se supõe que o homo sapiens desenvolveu a linguagem em algum ponto do território da África, mas isso aconteceu dezenas de milhares de anos atrás, de modo que é muito difícil dizer como seria essa língua original.

Um efeito muito importante do comparativismo foi pôr em questão a idéia de que existem línguas mais primitivas do que outras. Quando se começou a comparar línguas, viu-se que todas dispunham de complexi-dade gramatical, independente do desenvolvimento cultural dos povos.

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História dos Estudos Lingüísticos

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Mas essa percepção sobre a inexistência de correlação entre complexi-dade gramatical e desenvolvimento cultural só se a� rmou mesmo no século XX, com o estruturalismo, especialmente nos Estados Unidos, onde se fez um grande esforço para descrever e classi� car as línguas na-tivas daquele país, e se pôde con� rmar que, independentemente do de-senvolvimento cultural de um povo, sua língua apresentará uma riqueza gramatical equivalente à dos povos ditos civilizados. Como diz Sapir (apud PINKER, 2004, p. 21), “[...] quando se trata da forma lingüística, Platão não se distingue do guardador de porcos macedônio, ou Con-fúcio, do caçador de cabeças selvagem de Assam”. No século XIX, era ainda muito comum tentar mostrar níveis evolutivos da linguagem, em correlação com o nível cultural de um povo. Mesmo autores que assu-miam o comparativismo � zeram especulações sobre línguas primitivas e línguas desenvolvidas, como é o caso de Ernest Renan, como veremos no capítulo a seguir.

Estruturalismo compreende um conjunto de estudos

diversi� cados e que se espalham por muitas áreas. Em lingüística, pode-se dar

destaque aos trabalhos estruturalistas de Ferdinand

de Saussure, que toma a língua enquanto sistema,

e aos trabalhos de L. Bloom� eld (representativo

do estruturalismo norte-americano), que considerava

a noção de subsistemas operando em um sistema

lingüístico maior.

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CAPÍTULO 05Os espíritos dos povos criam as línguas: a visão de Ernest Renan

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5 Os espíritos dos povos criam as línguas: a visão de Ernest Renan

Renan foi um autor muito famoso no século XIX e começo do século XX. Ele escreveu um livro sobre o cristianismo que foi muito discutido e debatido. Mas era também um lingüista, e publicou Sobre a origem da linguagem (1858). Naquela época, o comparativismo já ti-nha estabelecido com segurança os seus princípios e já tinham sido fei-tas descrições extensivas de famílias lingüísticas, em especial a família indo-européia e a família afro-asiática (tradicionalmente chamada de camito-semítica).

No entanto, � ca evidente em seu trabalho que ele acredita que exis-tem línguas mais elaboradas que outras, e que estas são mais apropriadas para o pensamento. Ele reconhece dois estados na evolução das línguas. O primeiro seria o estado sintético, de rica complexidade gramatical e morfológica, em que as relações gramaticais são expressas por a� xos que se juntam às raízes das palavras.

Modernamente, as línguas sintéticas são classi� cadas em � exionais, como o latim, em que um a� xo pode conter várias informações grama-ticais, e aglutinantes, em que cada a� xo transmite uma informação e em que muitos a� xos são aglutinados junto das raízes (PINKER, 2004, p. 294). Por exemplo, em kivunjo, uma língua banto, o verbo näïkìmlyìïà, que signi� ca “ele está comendo aquilo para ela”, é formado por oito a� xos que se juntam à raiz –lyì– (comer). Por exemplo, o a� xo –m– é marcador de benefactivo, ou seja, indica que a ação verbal tem um bene� ciário; esse a� xo, além disso, concorda com a classe morfológica desse bene� -ciário, ou seja, ela, que pertence à classe morfológica “humano singular” (PINKER, 2004, p. 153). O turco é outro exemplo de língua aglutinante.

O segundo estado das línguas seria o estado sintético. Como diz Renan (1858), nas línguas sintéticas “[...] a � exão cai, e a partícula apa-rece como uma palavra distinta diante do termo que ela modi� ca: dessa maneira procedem as línguas românicas e as línguas analíticas em geral.” É o caso das línguas românicas, como o português. Nós exprimimos a relação de benefactivo não através de um a� xo, mas de uma palavra

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separada (a preposição PARA, no nosso exemplo), que se combina num sintagma com um nome ou pronome (no nosso exemplo, o pronome ELA), e assim temos “está comendo aquilo PARA ELA”. O sintagma PARA ELA é uma análise, uma separação, de uma relação que aparece junta numa mesma palavra, nas línguas sintéticas.

Pois bem, ao reconhecer esses dois tipos de língua, que o compa-rativismo no século XIX já descrevera, qual a conclusão de Renan? Ele infere que as línguas analíticas são mais desenvolvidas que as sintéticas, pois são mais claras e mais aptas para o pensamento: “[...] a marcha das línguas em direção à análise corresponde à marcha do espírito humano em direção a uma re� exão mais clara; essa tendência comum do espí-rito humano e da linguagem existiu desde o primeiro dia.” (RENAN, 1858). Assim, se o kivunjo e o turco, por exemplo, são línguas sintéticas, elas seriam, na tese de Renan, menos evoluídas que o francês e o portu-guês, que são línguas analíticas. Portanto, ele coloca sua própria língua, o francês, como exemplo de evolução e de perfeição! Renan foi mais um desses pensadores que divulgaram a crença de que o francês era uma língua clara, apropriada ao pensamento!

O que um autor atual diria sobre a diferença entre línguas analíti-cas e línguas sintéticas? Simplesmente, que essa diferença corresponde a dois tipos de estrutura gramatical, a duas possibilidades de montar uma gramática, sem nenhuma relação com a cultura do povo que a ge-rou. Pois se fosse assim, teríamos de dizer que o turco é uma língua de certo modo primitiva, apesar de ser a língua de uma tradição cultural riquíssima!

Mas por que Renan chegou a a� rmar essa superioridade das lín-guas analíticas? Porque ele acreditava que as línguas são criadas pelo “gênio de uma raça”, e que as línguas nascem “de um só golpe” a partir desse espírito de um povo! Essa foi uma crença bastante difundida no século XIX, época do Romantismo, em que os pensadores e artistas ten-taram criar e imaginar formas próprias de expressão de seu povo e de sua nação. Ora, a língua seria também fruto da alma de um povo, assim como suas lendas e cantos tradicionais.

A valorização das línguas nacionais ocorreu também, no Roman-tismo, em outros países da Europa. Na Alemanha, como em outros pa-

Sintagma, nesse caso, é a denominação dada a uma cadeia de fala, a qual não

constitui uma sentença, mas apresenta um bloco

de expressões lingüísticas que é parte da sentença.

Os sintagmas podem ser verbais, nominais ou

preposicionais. Exemplos de sintagmas nominais

são: O homem de carro, O barco à vela.

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CAPÍTULO 05Os espíritos dos povos criam as línguas: a visão de Ernest Renan

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íses, havia um domínio do francês e do latim como línguas de cultura – Leibniz (1646-1716), por exemplo, grande � lósofo alemão, escrevia principalmente nessas línguas –, e os pensadores germânicos, para se defenderem desse domínio cultural de línguas estrangeiras, passaram a sustentar que o alemão exprimia mais naturalmente a alma alemã, no mesmo sentido defendido por Renan, que dizia que cada língua ex-pressa o espírito de um povo. O francês era criticado como sendo uma língua super� cial, de uma civilização que não representava as legítimas aspirações do povo alemão. Os � lósofos germânicos daquela época ar-gumentavam que “[...] se modernamente o francês, como outrora o la-tim, posava de língua da civilização universal, é que eram super� ciais a civilização e a universalidade; o alemão seria, ao contrário, a língua da cultura e da particularidade germânica: autêntica, profunda, e o equiva-lente moderno do grego” (CÍCERO, 2007). Portanto, os � lósofos alemães usavam argumentos gramaticais (a semelhança do grego e do alemão, ambas línguas � exionais), para se opor à in� uência da língua francesa, que, como vimos, é uma língua analítica. Assim, cada um usa o argu-mento gramatical que quer, quando deseja valorizar a sua própria língua em detrimento da língua dos outros povos. Se, para Renan, o francês era evoluído por ser uma língua analítica, para os alemães o alemão era desenvolvido por não ser analítico, mas sintético, como o grego!

Na verdade, a avaliação que as pessoas fazem de sua língua e da língua dos outros tem pouca base gramatical; derivam quase sempre do papel e da importância que querem atribuir a cada língua na sociedade em que vivem.

Veja que curioso: o alemão, de “língua de cocheiros”, proibida nas escolas, onde se ensinava francês, passa a ser considerada a língua da � loso� a, ao ponto em que se chega a a� rmar, numa canção de Caetano Veloso, que “Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção/ Está provado que só é possível � losofar em alemão”. Que enorme suces-so foi a campanha dos pensadores alemães em prol da valorização de sua língua!

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CAPÍTULO 06Sincronia e diacronia: a contribuição de Saussure

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6 Sincronia e diacronia: a contribuição de Saussure

Depois de uma longa tradição de especulação sobre as origens da linguagem e depois do impacto causado pelas descobertas do compa-rativismo, no início do século XX, a questão da origem foi relegada a um segundo plano, em grande parte pela in� uência de um lingüista su-íço, que muitos consideram o pai da lingüística moderna: Ferdinand de Saussure. O seu trabalho mais famoso, o Curso de Lingüística Geral, não foi escrito por ele, mas redigido por ex-alunos seus, a partir de anota-ções de sala de aula. O efeito dessa obra foi enorme.

A idéia de que a língua é um sistema autônomo e coeso, complexo e com partes interdependentes, descende diretamente das pesquisas desse lingüista. Mas ele ajudou também a tirar de cena a questão da origem da linguagem, ou mais exatamente, a limpar o terreno para o que ele considerava o verdadeiro estudo da linguagem.

Ele argumentou que os estudos históricos podem levar a confusões teóricas e descritivas no estudo das línguas. Se cada língua é um sistema autônomo e coordenado, deve-se examinar um estado desse sistema, e não a forma como ele chegou a ser o que é. Descrições sobre evolu-ções históricas das palavras e das formas gramaticais podem terminar atrapalhando a descrição, ao inserir dados irrelevantes para o sistema. Não que ele achasse inúteis os estudos históricos: ele simplesmente ar-gumentava que o mais viável metodologicamente seria separar as duas formas de analisar as línguas: a diacronia, que estuda a evolução das formas lingüísticas ao longo do tempo, e a sincronia, que estuda uma língua com base em um momento temporal especí� co. Só a sincronia pode esgotar o objeto de estudo, pois só ela permite apreender o sistema lingüístico como uma interdependência entre as partes.

Ele dá como exemplo da diferença entre análises sincrônica e dia-crônica o plural do inglês (Saussure, s.d., p. 99). Certos plurais em inglês moderno são marcados pela modi� cação da vogal, tal como ocorre nos pares: foot, feet; tooth, teeth; goose, geese. Essa é uma oposição sistemá-

Por diacronia entende-se o estudo dos fatos da lín-gua que leva em conside-ração a mudança histórica desses fatos e a apresenta a partir da des-crição e da comparação das diferen-tes formas de uma mesma expressão ou estrutura sintática ao longo do tem-po. Por sincronia entende-se o estudo dos fatos da língua em um momento especí� co do tempo, sem preocupação com mudan-ças históricas. Assim, um estudo diacrônico é com-posto por um conjunto de análises sincrônicas.

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tica entre pares de palavras; é uma regra morfológica do inglês moderno. (Na verdade, é uma das formas de se marcar o plural, a mais normal é o acréscimo de -s). Pois bem, essa descrição mostra um estado sincrônico da língua, e é su� ciente para dar conta do sistema que os falantes põem em jogo ao usar a língua inglesa.

Um estudo diacrônico revela como se chegou a essas formas, mas o estágio anterior, segundo Saussure, não é necessário para compreender ou explicar a sincronia; essa se basta a si mesma. No caso, o estudo dia-crônico, revela que no inglês antigo tinha-se fot (pé), plural *foti (pés); gos (pato), plural *gosi (patos) etc. Uma primeira modi� cação fonéti-ca mudou a vogal: *foti se transformou em *feti. Depois, uma segunda modi� cação fonética provocou a queda da vogal � nal, levando a fet. Em resumo, temos a transformação *foti → feet, ou seja, a forma de um es-tado sincrônico p levou a um estado sincrônico a (ou seja, p → a); essa é uma explicação diacrônica. O estudo sincrônico desconsidera a linha de tempo e justapõe formas simultâneas numa dada sincronia. No estado sincrônico p (passado), a regra de plural era feita com o acréscimo de –i. No estado sincrônico a (atual), a regra de plural (em algumas palavras) é feita pela mudança de vogal. Repare que as regras sincrônicas para p e a são independentes.

Em inglês, há outro exemplo interessante. O passado de alguns ver-bos é marcado de forma irregular: drink (beber) – drank (beber, no pas-sado); sing (cantar) – sang (cantar, no passado); know (saber) – knew (saber, no passado); � y (voar) – � ew (voar, no passado). Como sabe-mos, o passado regular em inglês é construído com o acréscimo de –ed. Como se explica a existência dos verbos irregulares? No indo-europeu, que, como vimos, é o ancestral do inglês, o passado era formado pela troca da vogal (PINKER, 2004, p. 167). Mas isso é uma explicação dia-crônica; o que importa é que no inglês moderno há uma regra geral para a construção do passado (-ed) e listas de passados irregulares. Eles são irregulares justamente porque são resquícios de regras de outro tempo, que não se aplicam mais ao inglês moderno. Curiosamente, quando ver-bos derivados são formados a partir de verbos irregulares, os verbos de-rivados mantêm a irregularidade do passado: “Quando o verbo to blow ganhou na gíria sentidos como to blow him away (assassinar) e to blow

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CAPÍTULO 06Sincronia e diacronia: a contribuição de Saussure

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it o� (desconsiderar sem dar importância), as formas do passado con-tinuaram sendo irregulares: blew him away e blew o� the exam, e não blowed him away e blowed o� the exam.” (PINKER, 2004, p. 172).

Ou seja, os falantes de inglês “decoram” listas de passados irregu-lares como itens lexicais independentes; não há uma regra morfológica ligando blow–blew como havia no passado; o estado sincrônico anterior simplesmente sumiu da memória dos falantes. A única regra de forma-ção de passado é o acréscimo de –ed.

Sendo assim, podemos até radicalizar a análise de Saussure para o plural do inglês, seguindo sua própria metodologia de separar sincronia de diacronia. Talvez, sequer exista no inglês atual uma regra morfoló-gica ligando os pares foot–feet; as duas formas são simplesmente arma-zenadas como itens lexicais distintos na memória dos falantes. Assim, o plural do inglês moderno não herdou nenhuma regra do inglês antigo. Criou-se um novo sistema.

Saussure deu uma grande contribuição para a compreensão das línguas humanas como sistemas bem construídos e com regras so� sti-cadas. Mas ajudou também a jogar para segundo plano a questão, sem dúvida fundamental, sobre como as línguas surgiram. Talvez estives-se na sua mente a mesma rejeição pela questão da origem que muitosfísicos mostravam até algumas décadas atrás. À física, diziam eles, cabe o estudo da forma atual do universo, e não a indagação sobre sua ori-gem; a origem do mundo seria uma questão mais religiosa do que cien-tí� ca. Mas as pesquisas de Stephen Hawking e outros cientistas levaram à teoria do Big Bang sobre a origem do universo. Assim como os físicos, os lingüistas agora voltam a pensar seriamente no Big Bang que deu origem à linguagem.

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CAPÍTULO 07A mente criou a linguagem: a moderna teoria sobre a origem das línguas

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7 A mente criou a linguagem: a moderna teoria sobre a origem das línguas

Como vimos, ao longo do tempo, a criação da linguagem foi atri-buída a vários “criadores”: Deus, os sábios, os falantes, o espírito dos povos. Mas, a partir do século XX, um outro personagem entra em cena: a mente humana.

Desde os primeiros trabalhos de Chomsky, na década de 60 do século XX, passou-se a considerar como improvável que uma criança adquira uma linguagem com base apenas na observação das sentenças que ela ouve. Seria um verdadeiro milagre que ela pudesse adquirir a gramática em tão pouco tempo e com tanta e� cácia, apenas a partir de deduções sobre a fala dos adultos. Além disso, a criança logo se mostra capaz de produzir frases que ela nunca tinha ouvido antes. Uma ex-plicação é imaginar que já nascemos com uma gramática universal na mente. Qual a natureza dessa capacidade de linguagem é um ponto de controvérsia até hoje, mas é difícil colocar em dúvida a necessidade de pressupor algum conhecimento gramatical inato.

Além disso, ao contrário do que muita gente pensa, essa gramática universal não corresponde à teoria especí� ca de um autor ou de uma escola; ela é antes uma hipótese explicativa da capacidade de aprender línguas que uma criança demonstra. Como diz Chomsky (2007) em en-trevista recente:

“Evidentemente, existem muitas confusões sobre a gramática universal. Em seu sentido moderno, o termo se refere à teoria correta da faculdade humana da linguagem, o que quer que isso venha a ser.

A gramática universal tem tanto status quanto a teoria correta do sistema visual humano, o que quer que isso venha a ser. Não é ‘minha teoria’.”

Portanto, a gramática universal é a teoria que explica a faculdade humana da linguagem, mas ainda não há de� nição (apenas hipóteses) sobre qual a natureza e o formato dessa teoria. Há divergência até sobre o

Noam Chomsky é lingüis-ta-autor e responsável pelo desenvolvimento da Gramática Gerativa, desde de 1950 até os dias atuais. Entendida como um Programa de Investigação Cientí� ca, a Gramática Gerativa se fundamenta na tese inatista, segundo a qual já nascemos com um dispositivo mental que nos permite o desen-volvimento da linguagem – somos dotados de uma faculdade de linguagem.

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tipo de mecanismo que deve fazer parte da teoria. Chomsky e colabora-dores a� rmam que a gramática universal é formada essencialmente por regras sintáticas, mas para Pinker e Jackendo� (2005) ela deve abranger também estruturas inatas para a produção e percepção da fala, além de regras fonológicas: “Assim como toda língua dispõe de um número ilimitado de estruturas sintáticas construídas a partir de uma coleção � nita de morfemas, toda língua tem um número ilimitado de estruturas fonológicas, construídas a partir de um repertório � nito de segmentos fonéticos”. Além disso, a capacidade de organização fonológica parece especi� camente humana, de modo que deve fazer parte do aparato da gramática universal, tanto quanto a sintaxe.

Hauser, Chomsky e Fitch (2002), por sua vez, enfatizam a recursi-vidade sintática como uma propriedade intrínseca dessa gramática uni-versal, mas, na entrevista citada acima, Chomsky deixa claro que isso é apenas UMA teoria; pode haver outras, que expliquem a faculdade da linguagem. De fato, Pinker e Jackendo� (2005) argumentam que regras fonológicas, que fariam parte da gramática universal, não são recursivas (não se pode, por exemplo, encaixar sílabas dentro de outras sílabas). Desse modo, na teoria desses autores a recursividade não seria uma ca-racterística comum a todo o aparato da gramática universal.

O resumo desse debate atual é que deve haver um sistema de es-truturas na mente humana que explique a extraordinária capacidade da criança de aprender as regras de uma língua, qualquer que seja ela. O que não se sabe ainda é em que consistem exatamente esses universais da linguagem, embora muita pesquisa já tenha sido desenvolvida.

Como surgiu a linguagem então? Como uma resposta da mente hu-mana à sua interação com o meio. Nessa visão, foi a mente que criou a linguagem, em algum ponto da evolução da espécie. E essa gramática uni-versal é passada de pais para � lhos através dos genes. Línguas especí� cas, como o português e o inglês, passam de pais para � lhos através da cultura e da aprendizagem, mas a capacidade humana de aprender essas línguas é passada pelos genes, como parte de nosso patrimônio genético.

Essa explicação biológica pode ser levada às últimas conseqüên-cias, ou seja, pode levar a encarar a linguagem como uma adaptação da espécie humana, na sua evolução. Isso signi� ca que, num momento

Recursividade sintática é a propriedade lingüística

de combinação in� nita de termos. Exemplo: A bolsa

de couro sintético da Joana da segunda fase do curso

de Letras da UAB.

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CAPÍTULO 07A mente criou a linguagem: a moderna teoria sobre a origem das línguas

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não de� nido da história do homo sapiens, alguns indivíduos sofreram mutações genéticas e começaram a falar entre si, tornando-se com isso mais aptos para a sobrevivência e a reprodução de seus genes. Como diz Pinker (2004, p. 473), “[...] é incrivelmente lucrativo trocar conhe-cimentos duramente adquiridos com parentes e amigos, e obviamente a linguagem é um dos principais meios para conseguir isso”.

Essa vantagem adaptativa explica também por que o ser humano tem uma capacidade extraordinária de aprender línguas desde muito cedo e por um breve período. Como sabemos, aprender novas línguas a partir da adolescência pode ser muito difícil. Na idade adulta, só os mui-to hábeis com línguas conseguem aprender uma língua estrangeira com perfeição. Nossas mentes infantis, por outro lado, são fantasticamente maleáveis para a aquisição da linguagem, e isso na verdade é muito útil. Crianças que aprendem uma língua têm menos risco de sofrer acidentes (embora além de saber uma língua, seja preciso também obedecer aos adultos!). Logo, reproduz-se no indivíduo aquilo que ocorreu na espé-cie: quem sabe falar tem mais vantagens. (PINKER, 2004).

O cérebro humano concentra muita energia (ou seja, conexões de neurônios) na aprendizagem de línguas muito cedo; mas depois que a criança já sabe falar ao menos uma língua, não é mais útil concentrar tanta energia nessa capacidade cognitiva. O cérebro se volta para outras funções cognitivas. Como diz Pinker (2004, p. 375):

“Quando a capacidade de aprender (línguas) é necessária? Já a� rmamos que a resposta poderia ser ‘O mais cedo possível’ para permitir que se desfrute dos benefícios da linguagem pelo máxi-mo de tempo. Note, no entanto, que aprender uma língua – em oposição a usar uma língua – é extremamente útil uma única vez. Uma vez aprendidos os detalhes da língua local falada pelos adultos, qualquer outra capacidade de aprender (afora o voca-bulário) é supér� ua.”

Mas resta entender por que só os seres humanos falam. Não seria lógico que nossos parentes primatas, como os chimpanzés, também dis-pusessem de uma linguagem, ou pelo menos de uma proto-linguagem? Engenhosamente, Pinker compara essa busca da fala dos macacos à tentativa (insólita) de buscar trombas nos parentes dos elefantes. Só os

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elefantes desenvolveram trombas, e seus parentes no reino animal não possuem trombas ou proto-trombas! A linguagem é a nossa tromba! Só nós desenvolvemos esse mecanismo adaptativo, por seleção natural. Darwin explica.

Mas então os chimpanzés e outros primatas não são capazes de fa-zer uso de linguagem articulada? Muitos psicólogos e outros cientistas tentaram ensinar uma linguagem articulada aos macacos, e muitos deles alegaram que tiveram êxito, mas isso é muito controverso. Como diz Pinker (op. cit., p. 436):

“Mesmo deixando de lado vocabulário, fonologia, morfologia e sintaxe, o que mais impressiona na expressão por sinais dos chimpanzés é que fundamentalmente, lá no fundo, eles simples-mente não ‘sacam nada’. Eles sabem que os treinadores gostam que façam sinais e que fazendo muitos sinais conseguem o que querem, mas nunca parecem intuir de fato o que é a língua e como usá-la”.

Além disso, obviamente os chimpanzés precisam ser treinados exaustivamente para aprender a usar alguns sinais, ao passo que uma criança aprende naturalmente, às vezes com estímulos limitados. A ra-zão é simples: crianças aprendem uma língua, chimpanzés no máximo usam mecanicamente alguns sinais.

A mesma coisa se aplica a outros animais. Cachorros interagem muito bem com seus donos, mas isso não quer dizer que eles entendam português ou inglês. Uma propaganda de ração, vinculada pela televi-são, mostra o que um cachorro ouve quando seu dono fala com ele: “Totó blá blá blá blá Tamp blá blá blá Totó blá blá Tamp”. Totó é o nome do cachorro e Tamp (nome � ctício) é a marca da ração divulgada pela propaganda. Totó só entende seu nome e o nome da ração. Mas a pro-paganda é uma brincadeira; de fato, Totó só entende seu nome, e o resto, inclusive Tamp, é blá blá blá. Mas você deve pensar: eu sei quando meu cachorro está triste, ou alegre, ou pidão. É verdade, isso parece possível, mas a comunicação não se dá por linguagem articulada, através de uma gramática e um vocabulário complexos.

Outro ponto interessante está relacionado à evolução da lingua-gem, desde os tempos primitivos. Se a linguagem é fruto da seleção na-

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tural, então é um mecanismo biológico que deve ter se desenvolvido aos poucos, e não de um só golpe, como defendeu, no século XIX, o � lósofo Renan, por exemplo.

Finalmente, podemos observar que a questão da origem da lingua-gem voltou a ser uma questão de interesse dos lingüistas, depois de � -car em segundo plano ao longo de quase todo o século XX, em função do postulado, defendido por Saussure e pelos estruturalistas, de que os lingüistas deviam se voltar para a sincronia, para o sistema da língua enquanto um todo coeso e complexo.

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Unidade BLinguagem e Pensamento

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Capítulo 01Gramática de Port-Royal: a linguagem como estrutura lógica

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1 Gramática de Port-Royal: a linguagem como estrutura lógica

O século XVII é tido como o século das gramáticas gerais, surgidas, conforme pesquisa histórica de Orlandi (1992, p. 12), em uma socieda-de marcada pelo racionalismo. “Os pensadores da época concentram-se em estudar a linguagem enquanto representação do pensamento e pro-curam mostrar que as línguas obedecem a princípios racionais, lógicos”. De todas as gramáticas gerais surgidas naquele século, o modelo mais conhecido é a Grammaire générale et raisonnée (também conhecida pelo nome de Gramática de Port-Royal), obra que pretende descrever a lin-guagem em suas propriedades universais. O contexto histórico de seu surgimento é bastante rico, como nota Weedwood:

“A crescente consciência do uso dos vernáculos europeus e da multiplicidade de línguas recém-descobertas fora da Europa foi contra-atacada [...] por uma desconfortável percepção de que o meio tradicional de manter Babel sob controle, a língua latina, até então a inquestionada língua universal, estava rapidamente perdendo eficácia. O latim, desafiado por um vernáculo após o outro como veículo de produção intelectual, e totalmente inútil fora da Europa ocidental, estava empenhado numa batalha de-sesperada. Defrontados com a perspectiva iminente da fragmen-tação lingüística numa escala desconhecida na Europa desde a partida dos romanos, os eruditos e também o público reagiram, lançando o foco do interesse sobre o aspecto universal da lingua-gem” (WEEDWOOD, 2002, p. 96-97).

É nesse contexto que Claude Lancelot observou a existência de as-pectos comuns entre o latim, o grego, o espanhol e o italiano, enquan-to escrevia livros didáticos dessas línguas. Em parceria com Antoine Arnauld, “[...] que trouxe a confirmação indutiva da base cognitiva da linguagem”, como descreve Weedwood (Ibidem, p. 98-99), esses estu-diosos jansenistas de Port-Royal propuseram um modelo de gramática especulativa de tradição greco-latina, a Grammaire générale et raisonnée (1660), que iria se tornar a versão dominante de gramática universal, na

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época. Segundo Lyons, o objetivo dessa gramática é “[...] demonstrar que a estrutura da língua é um produto da razão e que as diferentes lín-guas são apenas variedades de um sistema lógico e racional mais geral” (LYONS, 1979, p. 17).

Essa gramática é a precursora de várias outras gramáticas gerais, filosóficas, universais ou especulativas, isto é, obras que propuseram princípios que ultrapassariam a descrição de uma língua particular para pensar a linguagem em sua generalidade. Nesse tipo de método ana-lítico, a preocupação é demonstrar, como comenta Lyons, a presença marcante de princípios lógicos na linguagem, dissociados dos efeitos arbitrários do uso de uma língua qualquer.

Além do contexto sócio-histórico de retorno do interesse pela uni-versalidade da linguagem, vale relacionar o surgimento da gramática de Port-Royal e o seu forte prescritivismo ao contexto histórico da França do século XVII, em que a “arte de bem falar” torna-se moda e se define como o explicar bem o raciocínio, o bem pensar: só falaria bem quem raciocinasse bem, segundo operações estabelecidas pela lógica (MAT-TOS e SILVA, 2002, p. 27). Nesse campo de dizer, não cabe o bem falar da retórica, mas o bem falar lógico que também pode persuadir.

Assim, sob o ideário de que a linguagem reflete o pensamento e de que há propriedades que funcionam como núcleo comum às línguas (propriedades ligadas à alma dos indivíduos), o grupo de pensadores de Port-Royal pretendeu construir uma gramática geral das línguas. Esse projeto teve continuidade em pesquisas importantes do século XX, como a desenvolvida por Noam Chomsky (em sua Gramática Gerativa), que sob o nome de lingüística cartesiana resumiu o estilo de descrição da gramática influenciado pela lógica, presente em Port-Royal.

A Lingüística Cartesiana compreende os estudos, em especial repre-

sentados pela Gramática Gerativa, de base racionalista, os quais re-

conhecem que há uma estrutura lingüística mental capaz de explicar

a natureza, o surgimento e o desenvolvimento da competência (ha-

bilidade para desenvolver a linguagem) e do desempenho lingüístico

dos falantes (realização lingüística).

A gramática tradicional, que até hoje embasa o en-sino escolar de língua, pos-sui relações próximas com a tradição gramatical que desde Platão (séc. III a.C.) situa a linguagem como

representação do pensa-mento em uma relação

icônica: saber falar é saber pensar. Essa prática da An-

tigüidade consolidou-se na Gramática de Port-Royal

com os estudos raciona-listas que se propunham descritivos, mas eram in-

trinsecamente normativos: escrever bem é pensar bem. Essas questões serão mais

bem discutidas, ao final desta unidade, no texto

que aborda a construção da tradição gramatical

ocidental.

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Capítulo 01Gramática de Port-Royal: a linguagem como estrutura lógica

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A Gramática Gerativa diz-se gerativa por postular a capacidade inata

que os falantes têm de, a partir de um número finito de possibilidades

de combinação lingüística, gerar um número infinito de sentenças. De

autoria de Noam Chomsky, essa teoria busca explicar a criatividade do

falante e sua capacidade de produzir e compreender sentenças inédi-tas, segundo a idéia de existência de estruturas universais inatas que

possibilitam a aprendizagem de sistemas particulares – as línguas.

Logo na primeira página de sua obra, Arnauld e Lancelot explicam que sua Grammaire générale et raisonnée contém fundamentos da arte de falar, os quais, na avaliação dos próprios autores, são explicados de modo claro e natural – o que justifica a face prescritiva de Port-Royal. Em seguida, afirmam que o texto contém aspectos comuns a todas as línguas e também as principais diferenças encontradas entre elas – o que revela a face universalista e descritivista de Port-Royal. Contudo, a universalidade proposta nesta gramática é restrita ao pensamento e, em termos de estrutura e funcionamento lingüístico, está condicionada aos limites de certas línguas, todas indo-européias ou afro-asiáticas: entre elas o francês, o latim, o grego e o hebraico. Nesses termos, a universali-dade de Port-Royal restringe-se a línguas que eram as mais conhecidas na época.

Os gramáticos de Port-Royal dividiram sua obra em duas partes: a primeira trata do som e dos caracteres dos signos (criados pelos homens para exprimir seus pensamentos); a segunda parte trata da significação dos signos, quer dizer, da maneira como os homens os usam para ex-pressar seus pensamentos.

O que os autores da gramática de Port-Royal denominam fazer cientificamente, relacionado ao estudo do uso que se faz das línguas e da arte de bem falar, é estruturado por operações mentais. Essa posição é claramente resultante da base lógico-filosófica em que os pensadores de Port-Royal estavam apoiados. Na época, os filósofos argumentavam que em nosso espírito ocorrem três operações (conceber, julgar e racio-cinar) e por meio dessas operações do espírito é que se vem a conhecer os fundamentos da gramática. Weedwood (2002, p. 99) fez as seguintes considerações a esse respeito:

A respeito do tema famí-lias de línguas, consulte o capítulo pertencente à Unidade A deste livro, destinada a tratar das questões relativas ao sur-gimento das línguas. Tam-bém é possível consultar Faraco (1991), em obra que trata de questões de Lingüística Histórica.

E ainda, visite a páginahttp://home.unilang.org/main/families.php?l=ptque apresenta figuras representativas da ge-nealogia das línguas do mundo, distribuídas em suas famílias e troncos lingüísticos em forma de árvore genealógica

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História dos Estudos Lingüísticos

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“As operações mentais foram transformadas na base das distinções gramaticais: as três operações primárias – formar um conceito como “redondo”, fazer um julgamento como “a terra é redonda”, e raciocinar – forneciam um arcabouço para distinguir as várias partes do discurso e para o estudo da sintaxe. Como essas ope-rações e as suas conseqüências lingüísticas são universais, elas podem ser exemplificadas por meio de qualquer língua, e o fran-cês e o latim oferecem a maioria dos exemplos. Dessa maneira, a célebre análise da oração “Deus invisível criou o mundo visível” mostra simplesmente como três proposições mentais distintas – que Deus é invisível, que Ele criou o mundo, e que o mundo é visível – estão incluídas nesta única proposição verbal.”

Em outros termos, o que em Port-Royal foi chamado de operações do espírito são as relações e categorias semânticas que ainda hoje são investigadas no estudo das sentenças. No caso da sentença Deus invisível criou o mundo visível, podemos identificar: em primeiro lugar, a opera-ção de conceber, de modo puramente intelectual, o que é Deus, o que é visível e o que é invisível e, de modo físico, o que é mundo; em segundo lugar, há a operação de julgar, após conceber, que Deus é invisível e que o mundo é visível; e, por fim, constituindo a proposição complexa, há a operação de raciocinar que Deus invisível criou o mundo visível.

Pelas operações do espírito, as quais explicam o percurso incons-ciente que leva aos usos bem sucedidos da língua, a) expressa-se o pen-samento e b) garante-se a diversidade das palavras que compõem o discurso. No primeiro caso, está em jogo a relação entre linguagem e pensamento e a visão da língua como representativa, não de fatos ex-ternos, mas de fatos internos ao homem, ligados ao seu pensamento de forma coletiva no que se refere às três operações (conceber, julgar, racio-cinar) e de forma subjetiva no que se refere ao julgamento traduzido no discurso. No segundo caso, a diversidade das palavras que compõem o discurso é tal que mesmo não tendo nada “[...] em si mesmas de seme-lhante ao que se passa em nosso espírito, não deixam de revelar aos ou-tros todo o seu segredo e de fazer com que aqueles que nele não podem penetrar compreendam tudo quanto concebemos e todos os diversos movimentos de nossa alma” (ARNAULD e LANCELOT, 2001, p. 29).

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CAPÍTULO 02A hipótese de Sapir-Whorf e as relações entre língua e pensamento

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2 A hipótese de Sapir-Whorf e as relações entre língua e pensamento

Edward Sapir – lingüista e antropólogo, aluno do estruturalista americano Franz Boas –, ao estudar línguas indígenas americanas no início do século XX, propôs que cada língua se con� gura em um con-junto de subsistemas, os quais, interligados, formam um sistema único, quer dizer, que não se repete, que é próprio para cada língua. Como de� nição que considera satisfatória para linguagem, Sapir (1980, p. 22) diz que ela é “[...] um método puramente humano e não-instintivo de comunicação de idéias, emoções e desejos por meio de um sistema de símbolos voluntariamente produzidos”. E, em demonstração clara de seu determinismo lingüístico, termina por argumentar que não há pen-samento sem linguagem:

Para apresentar sob outra forma a nossa doutrina, digamos que a lingua-

gem é, primariamente, uma função pré-racional. Limita-se com humil-

dade a entregar ao pensamento, nela latente e eventualmente exteriori-

zável, as suas classifi cações e as suas formas; não é, como ingenuamente

se costuma supor, o rótulo fi nal de um pensamento concluído.

Perguntando à maioria das pessoas se lhes é possível pensar sem a lin-

guagem, obteríamos provavelmente esta resposta: “Sim, mas não é coi-

sa fácil. Contudo, sinto que é possível”.

A linguagem é então uma roupagem! E se fosse, ao contrário, não tanto

uma roupagem quanto uma estrada feita, um canal?

Com efeito, é mais do que provável que a linguagem seja um instru-

mento aplicado, de início, abaixo do plano dos conceitos e que o pen-

samento tenha surgido de uma interpretação requintada do conteúdo

lingüístico.

Em outros termos, o produto desenvolve-se com o instrumento, e o

pensamento, na sua gênese e na sua prática diária, é tão inconcebível

sem a linguagem quanto o raciocínio matemático é impraticável sem a

alavanca de um simbolismo matemático adequado.

(SAPIR, 1980, p. 27-28).

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O produto de que fala Sapir é o pensamento e o instrumento, a linguagem. Aquele não se formula, não se organiza, sem o instrumento adequado: a língua. Esta, então, não pode ser descrita como mero rótulo, como a roupagem que traz à cena o que se pensa, mas sim como aquilo que de mais adequado existe para o nascimento e a exteriorização das idéias. O pensamento é uma substância informe; a linguagem organiza o pensamento. Desse modo, Sapir a� rma ser falsa a impressão de que se pode ter pensamento sem linguagem, uma vez que, àquele, ela serve de canal, de estrada feita, e que as línguas são mais que códigos que descre-vem a realidade, são instrumentos que nos ajudam a interpretá-la.

Benjamim Lee Whorf – engenheiro químico e estudioso de lingüís-tica, seguidor de Sapir e de Boas – postula que o pensamento se formula através da linguagem e, radicalizando Sapir, defende que se cada língua é diferente em seu conjunto de subsistemas, também difere em termos da visão de mundo. Assim, os modos de concepção do mundo em seus as-pectos mais gerais, externos à linguagem, são determinados de maneira particular e especí� ca por cada língua. Isso implica dizer que as línguas, por suas categorias disponíveis para expressar o pensamento, impõem a forma de os falantes pensarem o mundo e essa forma varia de língua para língua. Do mesmo modo que Sapir acreditava que a linguagem de� ne a percepção que se tem do mundo, ao organizar o pensamento, Whorf acreditava que a linguagem é o fundamento da realidade e que ela restringe o pensamento, à medida que o determina.

Assim, formulada entre os anos de 1920 e 1950 e discutida até a atualidade, a hipótese de Sapir-Whorf estabelece uma relação entre lin-guagem e pensamento quase que unanimemente associada ao relativis-mo lingüístico (ao menos em parte a língua determina o pensamento e diferenças entre línguas acarretam diferenças de pensamento entre falantes de línguas distintas) ou ao determinismo lingüístico fraco (o que in� uencia a maneira como observamos, pensamos e descrevemos o mundo é a linguagem que usamos, diferentemente do determinismo lingüístico forte que postula que o que determina a maneira como obser-vamos, pensamos e descrevemos o mundo é a linguagem que usamos).

Segundo Lyons (1987), Sapir e Whorf combinam determinismo lingüístico com relatividade lingüística à medida que, ao mesmo tempo,

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CAPÍTULO 02A hipótese de Sapir-Whorf e as relações entre língua e pensamento

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assumem que a linguagem determina o pensamento e que não há limi-tes para a diversidade estrutural das línguas. Em uma apresentação da versão mais extremada da hipótese de Sapir-Whorf, pode-se dizer que tudo o que fazemos, tudo o que percebemos, tudo o que pensamos está submetido à língua especí� ca utilizada em nossa sociedade. Isso implica dizer que pensamos somente aquilo que está codi� cado na linguagem, logo, sem linguagem não há pensamento. Também implica a� rmar que as categorias estruturais pertencentes a uma língua são exclusividades desta língua e distinguem-se de outra língua qualquer e de suas catego-rias especí� cas.

Contra-exemplos à hipótese de Sapir-Whorf não faltam. O famoso pianista Lui Chi Kung, após � car preso durante sete anos e sem nenhum meio de tocar piano na prisão, ao recuperar sua liberdade, executava sinfonias ainda melhor que antes de ser preso. Segundo o músico, no período em que esteve privado de seu instrumento musical, ensaiava diariamente, através de imagens mentais das teclas, cuja criação ocorria sem a utilização de qualquer palavra. No caso do pianista, será cabível a� rmar que os ensaios realizados através das imagens mentais criadas não recebem o nome de pensamentos? Se reconhecermos, como parece tão logicamente certo, que se tratava de pensamentos, então há formas de estruturação do nosso pensar que não passam pela linguagem e isso é fortemente contrário ao que se postula na hipótese de Sapir-Whorf.

Pinker (2004) faz severa crítica à hipótese de Sapir-Whorf, em es-pecial à consideração de que pelas categorias de uma dada língua se pensa, interpreta-se, expressa-se o mundo e à a� rmação de que, ao va-riar o sistema lingüístico de língua para língua, também as visões que se tem de mundo variam.

Há ainda uma outra contra-argumentação que atinge em cheio a hipótese criada por Sapir-Whorf: as relações entre bilingüismo e pensa-mento. Como se sabe, falantes bilíngües conseguem expressar o mesmo pensamento nas duas línguas que dominam, à revelia das diferenças sin-táticas e lexicais existentes entre as línguas. Esses falantes não possuem visões de mundo distintas/incompatíveis pelo fato de falarem duas lín-guas, além disso, quase sempre são capazes de dizer a mesma coisa em ambas as línguas que falam – opinião também defendida por tradutores.

Também Albert Einstein fez descobertas a partir de imagens mentais que criava, como a de estar montado em um facho de luz, olhando para um relógio que se situava atrás e a de deixar uma moeda cair no interior de um elevador em queda – todos os exemplos aqui utilizados foram extraídos da seguinte página:http://www.nce.ufrj.br/ginape/publicacoes/trabalhos/RenatoMaterial/pensamento.htmAcesso realizado em 25/04/2007, às 11h40min.

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História dos Estudos Lingüísticos

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Caso se con� rmasse a hipótese de Sapir-Whorf, uma mesma pessoa, multilingüe, por exemplo, teria “choque” de pensamentos; dependendo da língua em que estivesse se comunicando, expressaria um pensamento ou outro sobre mesmos aspectos do mundo – o que é claramente falso.

Entretanto, Lyons (1987) a� rma que nem tudo que se argumenta é contrário à hipótese de Sapir-Whorf. Segundo o autor, já se sabe que a memória e a percepção são afetadas pela disponibilidade de palavras e expressões apropriadas. Dois exemplos, segundo ele, são a recon� gura-ção de imagens mentais da memória visual que tendem a ser distorcidas de maneira que se aproximem de expressões lingüísticas mais usadas e a lembrança e observação mais exatas e facilitadas de coisas codi� cadas na língua, quer dizer, de coisas para as quais há uma palavra ou ex-pressão lingüística codi� cadora. O fato é que em versão relativizada, em interpretação mais “suave” da hipótese de Sapir-Whorf, parece sim ha-ver algum tipo de elo entre linguagem e pensamento, mas, hoje em dia, acredita-se que ninguém ousaria a� rmar que é por ela, a linguagem, que se pode pensar e que é ela que determina como se pensa sobre o mundo, sobre o externo a nós e à própria língua.

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CAPÍTULO 03O mentalês: a linguagem da mente

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3 O mentalês: a linguagemda mente

Como vimos no capítulo 1 desta unidade, os autores da Gramáti-ca de Port-Royal já propunham que a linguagem re� etia característi-cas universais do pensamento humano. As operações mentais básicas de conceber, julgar e raciocinar embasariam a estrutura gramatical de todas as línguas. Portanto, esses autores pressupunham uma conexão entre pensamento e linguagem, o que implica que a natureza das línguas deriva mais de propriedades universais da mente humana do que de ca-racterísticas sociais e culturais. Ou seja, o universalismo de Port-Royal se opõe ao relativismo lingüístico da tese de Sapir-Whorf, apresentada no capítulo 2 desta unidade. A tese de Sapir-Whorf é fruto de seu con-texto histórico, pois, no começo do século XX, foram descritas deze-nas de línguas pouco conhecidas antes, com gramáticas aparentemente muito diferentes das línguas mais conhecidas, o que colocou em xeque a suposta natureza universal da linguagem. Antropólogos e lingüistas passaram a defender que povos iletrados e ditos primitivos, como os indígenas do continente americano, possuíam uma linguagem tão com-plexa e rica quanto a dos povos ditos civilizados, além de perfeitamente adaptada à sua cultura e modo de vida.

Hoje em dia, o debate se dá em torno dos que adotam a tese de Sa-pir-Whorf, como Everett (2005), e aqueles que acreditam numa gramá-tica universal inata (JACKENDOFF, 2002; PINKER, 2004; CHOMSKY, 2007). Uma das maneiras de defender esse universalismo é a dos que propõem a existência do mentalês, ou seja, a língua da mente, uma lín-gua sem palavras, mas com conceitos e estruturas organizados em nosso cérebro (JACKENDOFF, 2002; PINKER, 2004).

A criança nasceria com esse mentalês e teria, de certa forma, de traduzi-lo para a sua língua materna. Essa teoria, aparentemente mira-bolante, na verdade corrobora uma idéia do senso comum: nosso pen-samento não depende da linguagem, sendo anterior a ela; muitas vezes pensamos coisas que não conseguimos colocar em palavras.

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O mentalês se opõe à teoria de Sapir, para quem não há pensa-mento sem linguagem. Mas ele ajuda a explicar por que conseguimos traduzir qualquer coisa entre duas línguas totalmente diferentes entre si, por exemplo, latim e tupi: simplesmente porque nosso aparato cognitivo dispõe de um sistema de intermediação entre as duas línguas, ou seja, o mentalês. “As pessoas não pensam em português ou chinês ou apache; pensam numa língua do pensamento.” (PINKER, 2004, p. 93).

Essa língua do pensamento seria capaz de dar conta de todas as interpretações que atribuímos às frases de nossa língua materna, assim como, em tese, de todas as outras línguas.

Considere este exemplo: todas as frases seguintes são sinônimas (com variações de ênfase e estilo). Nesse caso, exprimem uma só idéia ou proposição (PINKER, 2004, p. 92).

1) João borrifou a parede com tinta.

1a) João borrifou com tinta a parede.

1b) A parede foi borrifada com tinta pelo João.

1c) Tinta foi borrifada na parede pelo João.

A idéia que é comum a essas frases deve poder ser representada em mentalês. Em outras palavras, somos capazes de traduzir uma mesma imagem ou forma do mentalês nessas quatro frases diferentes. A ordem e o arranjo das palavras (além do léxico e da fonologia, claro) são típicos do português, mas a forma da idéia deve ter um correspondente mental. Uma possibilidade de representar essa forma do mentalês seria:

2) (João borrifar tinta1) CAUSA (tinta1 ir para (na parede))

Essa é uma representação muito mais abstrata do que o português ou qualquer outra língua, e nada nos diz sobre a gramática dessa lín-gua. A representação em (2) corresponde a uma idéia, construída na mente em função de uma estrutura conceptual inata: o mentalês. Assim, o mentalês deve conter símbolos que identi� quem indivíduos (como João, mas, na verdade, não a palavra João, pois essa é uma palavra do português), símbolos para predicados (como borrifar e ir para) e sím-bolos para substantivos (como tinta e parede, sempre lembrando que

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CAPÍTULO 03O mentalês: a linguagem da mente

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não nessa forma, pois estas são palavras do português). Além disso, o mentalês deve conter símbolos que representem relações mais abstra-tas entre predicados, que são chamados de operadores, como CAUSA. Qual a moral da história? Nem todas as línguas precisam ter um verbo com o sentido de borrifar, mas todas as línguas teriam nomes próprios, predicados, substantivos e operadores. Nem todas as línguas precisam ter as estruturas sintáticas que aparecem nos exemplos em (1), mas to-das as línguas seriam capazes de gerar uma estrutura como (2), pois essa é uma estrutura do mentalês, portanto universal (não a idéia em si, mas a estrutura).

Voltamos, assim, um pouco às idéias dos gramáticos de Port-Royal. Eles defendiam que as classes de palavras correspondiam às operações do pensamento, ou seja, ao que pode ser chamado de mentalês. No en-tanto, eles concebiam o pensamento com os instrumentos da época de-les; hoje em dia, os que defendem essa língua universal do pensamento sustentam que ela deve ser bastante rica e estruturada, com símbolos e regras combinatórias. Ou seja, ela se parece um pouco com as línguas reais, que usam palavras.

Assumir o mentalês leva a negar a hipótese de Sapir-Whorf. Se to-das as línguas humanas podem ser “traduzidas” em mentalês, o que im-porta é a estrutura conceptual que está na mente, e não o signi� cado das palavras ou a estrutura gramatical de uma língua particular. Em termos mais simples, não importa o tipo de nome que você dá a um conceito ou a estrutura gramatical que você usa para representar uma idéia; o que importa são o conceito em si e a idéia expressa (é claro que isso não nega que a forma de dizer seja importante; na poesia, por exemplo, a forma é tão importante quanto o conteúdo).

Assim, se a hipótese do mentalês é verdadeira, não faz sentido ima-ginar que uma língua especí� ca (por exemplo, o tupi), possa moldar e de� nir a forma de pensar de um povo. Os falantes de tupi pensam em mentalês, não em tupi. Se as línguas têm categorias e estruturas espe-cí� cas, isso não quer dizer que um falante de uma língua a não possa entender o que um falante de uma língua b quis dizer, (se ele sabe a lín-gua, é claro), ainda que as duas línguas tenham categorias e estruturas diferentes.

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Um exemplo muito famoso dos que defendem o relativismo lin-güístico é o dos nomes de neve na língua dos esquimós. É comum dizer que esse povo tem dezenas, talvez centenas de palavras para neve! E isso serviria como prova de que a cultura in� uencia a língua, que por sua vez in� uencia o pensamento! O esquimó veria a neve de uma forma diferente do comum dos mortais!

Pinker (2004, p. 70-71) diz que essa a� rmação sobre a quantidade de nomes para neve na língua dos esquimós é uma lenda urbana. Uma verdadeira história da carochinha. O importante antropólogo e lingüis-ta americano Franz Boas escreveu, em 1911, que o esquimó tinha quatro raízes para neve; Whorf aumentou um pouco, e falou em 11 palavras. A bola de neve foi aumentando e em pouco tempo manuais e livros de curiosidades falavam em dezenas ou mesmo centenas de palavras para neve! Como seriam exóticos esses esquimós! Infelizmente, manuais de lingüística citam esse dado falso até hoje.

Um outro suposto exemplo do relativismo lingüístico seria a mani-pulação política e ideológica da linguagem. Um empresário não diz que vai demitir pessoal, mas sim que sua empresa vai fazer uma “reengenha-ria da empresa”, e chama seus empregados de “colaboradores”. Um líder político não diz que vai investir menos em serviços sociais, mas que vai “cortar gastos” ou “buscar o equilíbrio das contas públicas”. Crises polí-ticas ou econômicas viram “momentos de turbulência nos mercados”, e assim por diante.

Orwell, num apêndice a seu livro 1984, imaginou uma ditadura, si-tuada em 2050, em que os políticos controlariam os sentidos das pala-vras. A palavra “livre”, por exemplo, só poderia ser usada em alguns con-textos concretos, como em “O caminho está livre”, mas não no sentido mais abstrato (e importante) de “imprensa livre”, ou “politicamente livre”. Seria a Novilíngua. Para muitas pessoas, o controle das palavras leva ao controle do pensamento, pois só pensamos com base nas palavras, e se se proíbe que a palavra “livre” seja usada no campo da política, então as pessoas podem perder a noção de liberdade! É a tese do relativismo lin-güístico de Sapir-Whorf: pensamos a partir das categorias e signi� cados de nossa linguagem. Se certas categorias e signi� cados não estão dispo-níveis na linguagem de uma comunidade, então os conceitos e idéias cor-respondentes também não estão disponíveis para essa comunidade.

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CAPÍTULO 03O mentalês: a linguagem da mente

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No entanto, se assumimos a posição teórica contrária, que postula uma estrutura conceptual universal, ou seja, o mentalês, então mesmo que uma ditadura proíba o uso de certas palavras, ainda assim, em função de nosso aparato cognitivo, seríamos capazes de pensar nos conceitos in-terditados: ou seja, os falantes da Novilíngua seriam perfeitamente capa-zes de pensar na idéia de liberdade, mesmo que as palavras lhes tivessem sido roubadas (PINKER, 2004, p. 94). Como disse Benveniste (1988, p. 80): “Nenhum tipo de língua pode por si mesmo e por si só favorecer ou impedir a atividade do espírito. O vôo do pensamento liga-se muito mais estreitamente às capacidades dos homens, às condições gerais da cultura, à organização da sociedade que à natureza particular da língua”.

Assim, quando um empresário fala em “reengenharia” e não em de-missão, ele deseja apenas controlar o debate e situá-lo nos termos que lhe são favoráveis; mas o conceito não-dito de demissão continua a existir, mesmo que não seja nomeado. Além disso, por uma mutação semântica natural, as pessoas podem atribuir à “reengenharia” o sentido de demis-são, justamente aquele signi� cado que essa palavra desejava ocultar.

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CAPÍTULO 04Linguagem, mente e cérebro: os genes da linguagem

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4 Linguagem, mente e cérebro: os genes da linguagem

Ao longo da história dos estudos lingüísticos, há, conforme já se disse, uma gama considerável de estudiosos que se dedica a pesquisas sobre as relações existentes entre linguagem e mente ou entre linguagem e mundo. Em psicolingüística, área que se consolidou pelo tratamento da lingüística a partir da psicologia cognitiva, a aquisição da linguagem constitui o cerne das discussões e, como objeto de estudo, tem sido abordada de maneira muito diversa, � cando sua descrição a cargo do pesquisador e da opção teórica por ele feita. Estudos cientí� cos atuais, desenvolvidos por psicolingüistas dedicados em desvendar o que mente, cérebro e linguagem têm em comum, trazem resultados não de� nitivos, mas, sem dúvida, instigantes e convincentes da direção por eles tomada para explicar como o homem se apropria da linguagem.

Em defesa da tese de que a linguagem é resultado de parte da ativida-de cerebral humana e de que se trata de uma capacidade biológica e não cultural, Steven Pinker, no livro O instinto da linguagem, dedica o décimo capítulo de sua obra (Órgãos da linguagem e genes da gramática, p. 379 a 424) a discorrer sobre as relações entre o aparato cerebral e a linguagem.

Pinker observa que lesões cerebrais ou más formações genéticas podem interferir no desenvolvimento da linguagem e isso mostraria que órgãos e genes especí� cos são responsáveis pela faculdade de lin-guagem. Quando se fala em órgão de linguagem, está se usando uma metáfora; assim como o aparelho reprodutor é formado de órgãos cuja função é a reprodução, no caso da linguagem os órgãos seriam as partes do cérebro que têm a função de processar e interpretar a linguagem.

Pesquisas realizadas com três gerações de uma mesma família (a família K), que apresentavam um transtorno hereditário da linguagem, sugeriram a existência de um gene especí� co que, quando afetado pato-logicamente, prejudica a gramática.

Como o próprio Pinker toma o cuidado de esclarecer, tal gene tem o poder de prejudicar a gramática, mas não é o único a controlá-la. Didati-camente, o autor compara a gramática da língua a um carro. A retirada do

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cabo do carburador impede o carro de funcionar, mas não se pode dizer que o carro seja controlado pelo cabo do carburador. Assim também ope-ra o gene capaz de prejudicar, mas não de controlar a gramática.

Mas o que seriam, en� m, os genes da gramática? Segundo Pinker (2004, p. 416), “[...] até agora temos indícios que sugerem a existência de genes da gramática, no sentido de genes cujos efeitos parecem ser especí� cos do desenvolvimento dos circuitos que subjazem a partes da gramática”.

O ponto não controverso é que existem transtornos da linguagem que são hereditariamente adquiridos, como a patologia especí� ca que afetava a família K (membros dessa família, de três gerações distintas, produziam construções agramaticais como Carol está chora na igreja), as gagueiras, as dislexias, entre outros. Além disso, há variados estudos desenvolvidos com gêmeos idênticos separados ao nascer e que viveram em condições culturais distantes, os quais possuem não só costumes, preferências ou gostos idênticos, como também idêntico comportamento lingüístico – o que não se veri� ca em gêmeos fraternos, por exemplo. (PINKER, 2004).

Os gêmeos idênticos Oskar Stöhr e Jack Yufe, que foram separados ao nascer e cresceram distantes um do outro, quando se encontraram para um atendimento com o psicólogo que os estudaria enquanto caso clínico, usavam ambos camisa azul, com ombreiras e duas � leiras de botões. Ambos tinham bigode e usavam óculos com armação de metal e ambos eram impacientes. Os dois, já quarentões, só haviam se encon-trado uma vez, por volta dos vinte anos. Pinker pede que se deixe de lado o ceticismo e que se busque compreender que nesses casos o que há não é um conjunto de coincidências; também não é o caso de existir um gene especí� co para a cor e o modelo de camisa, mas a constituição de cinqüenta mil genes que, em alguma medida, interferem em comporta-mentos, entre eles o comportamento lingüístico.

Segundo o autor, é possível que se pense o órgão da linguagem des-cartando-se, de partida, metade do cérebro, ao se considerar que apenas o hemisfério esquerdo é responsável pela faculdade da linguagem. A teoria de que a faculdade de linguagem se situa no lado esquerdo do cérebro foi formulada pelo médico francês Paul Broca já em 1861 e tem sido comprovada desde então.

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CAPÍTULO 04Linguagem, mente e cérebro: os genes da linguagem

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Por exemplo, nos casos em que se injetam substâncias químicas em certa área cerebral para paralisá-la, observa-se que “[...] um paciente com o hemisfério direito adormecido consegue falar; um paciente com o hemisfério esquerdo adormecido não” (PINKER, 2004, p. 383). Lesões cerebrais que afetam o hemisfério esquerdo, como as afasias, em outras palavras comprometem a linguagem de diferentes formas e em diferen-tes proporções. De� cientes auditivos que se comunicam por línguas de sinais, da mesma forma, apresentam transtorno de linguagem quando sofrem lesões no hemisfério esquerdo do cérebro, o que é muito coe-rente, já que a língua de sinais é tão rica e lingüisticamente complexa quanto qualquer outra língua.

Contudo, não é em todos os indivíduos que o controle da lingua-gem � ca a cargo do hemisfério esquerdo. Pinker (2004, p. 391) a� rma que, em 19% do número de canhotos e em cerca de 3% dos destros, a linguagem é comandada pelo hemisfério direito. Há também casos de canhotos em que o controle da linguagem se distribui por ambos os hemisférios. As vantagens dos canhotos não são difíceis de se perceber. Sendo a faculdade de linguagem melhor distribuída entre partes do cé-rebro nos dois hemisférios, canhotos têm maiores chances de suportar uma lesão em um dos lados sem sofrer de afasia.

Apesar de alguns casos em que os órgãos da linguagem se situam no hemisfério direito e de outros em que eles se situam em ambos os he-misférios, os esforços podem ser concentrados no estudo do hemisfério esquerdo como sendo aquele responsável pelo processamento e produ-ção da linguagem. Mas que espaço a faculdade da linguagem ocupa no hemisfério que a controla e em que medida podemos localizar esse(s) espaço(s)? Os pesquisadores identi� caram duas áreas que seriam, então, os órgãos da linguagem.

A primeira área (a área de Broca) corresponde à região imediata-mente superior à fenda (o sulco lateral do cérebro) que separa o lobo temporal do restante do cérebro. A segunda área (a área de Wernicke) corresponde à parte inferior à fenda, mais próxima ao lobo occipital (acompanhar � gura em Pinker (2004, p. 393)). Como são áreas distin-tas, são também consideradas como regiões de órgãos diferentes da lin-guagem, cujas lesões produzem tipos distintos de afasias.

Afasias são “perturbações da comunicação verbal sem dé� cit intelectual; podem atingir a emissão e/ou recepção dos signos verbais, orais ou escritos” (DUBOIS et al., 1973, p. 27).

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Quando a lesão atingir a área de Broca, a afasia apresentada de-tecta-se pela fala trabalhosa e agramatical; a di� culdade na fala resulta do fato de a lesão atingir também uma área motora adjacente, o que di� culta o controle dos maxilares, da boca e da língua, e a agramatica-lidade advém do fato de essa área ser a responsável pelo processamento da gramática. Por certo tempo, pensou-se que a afasia de Broca envolvia apenas a produção da linguagem e não o processamento da gramática, pois esses afásicos são capazes de explorar redundâncias da fala e fazer interpretações simples que não requeiram muita análise sintática, o que enganava os pesquisadores. “Por exemplo, é possível compreender O cão mordeu o homem ou A maçã que o menino está comendo é vermelha só por saber que cães mordem homens, meninos comem maçãs e maçãs são vermelhas. É até possível adivinhar o que signi� ca O carro empurra o caminhão porque a causa é mencionada antes do efeito” (2004, p. 394). Só foi possível, segundo Pinker, compreender o real efeito da afasia de Broca quando psicolingüistas colocaram diante de afásicos com a área de Broca lesionada frases do tipo O carro é empurrado pelo caminhão, em que o processamento sintático interfere na interpretação, e obtive-ram, como resultado, 50% de respostas corretas e 50% de interpretações equivocadas, ou seja, os afásicos apelaram para a sorte, como um chute numa questão do vestibular.

Além disso, há outros fatores que, para Pinker, comprovam que é a área de Broca o órgão responsável pelo processamento da gramática. Quando percebem agramaticalidades em uma construção frasal, no pon-to da construção em que a agramaticalidade é percebida, falantes produ-zem padrões distintos de atividade elétrica na área de Broca – padrões que podem ser captados por eletrodos. “Várias tarefas-controle e subtrações con� rmam que o que ativa essa área geral é o processamento da estrutura das frases, não o simples pensar sobre seu conteúdo.” (2004, p. 394).

Já se a lesão atingir a área de Wernicke, a afasia resultante é, em cer-ta medida, complementar a de Broca. “Os pacientes emitem seqüências � uentes de sintagmas mais ou menos gramaticais, mas a fala deles não faz sentido e está cheia de neologismos e de trocas de palavras.” (2004, p. 396). Diferentemente dos pacientes com afasia de Broca, os com afa-sia de Wernicke distorcem o som das palavras que nomeiam objetos ou

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CAPÍTULO 04Linguagem, mente e cérebro: os genes da linguagem

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os nomeiam com palavras semelhantes, como o uso de chair (cadeira) para nomear table (mesa) ou o uso de tubber (palavra inexistente em inglês) para nomear butter (manteiga) – o que caracteriza essa afasia é a di� culdade de se nomear objetos, a chamada anomia. Pinker diz, ainda, que chama a atenção o fato de pacientes com afasia de Wernicke darem poucos sinais de compreensão do que é dito ao seu redor.

Em síntese, Pinker a� rma que se poderia assim dividir o aparato cerebral humano relativo à linguagem: parte anterior do cérebro, in-cluindo-se a área de Broca, responsável pelo processamento gramatical; parte posterior, que inclui a área de Wernicke e a área de junção dos três lobos, responsável pelos sons das palavras e alguns aspectos de seu sig-ni� cado, em especial de substantivos. Contudo, a divisão do cérebro em subpartes responsáveis por funções especí� cas é no mínimo pretensiosa e requer algum cuidado. Primeiro porque não há regularidades quanto a áreas lesionadas e distúrbios causados: pacientes com áreas distintas lesionadas apresentam o mesmo tipo de distúrbio e pacientes com dife-rentes tipos de distúrbio da linguagem apresentam lesões na mesma área do cérebro. Depois porque a idéia de que um todo complexo funciona em harmonia parece mais coerente e é justamente o que está por trás das partes que, nunca isoladamente, colocam o sistema e seus impulsos ner-vosos em funcionamento. O paralelo é com um sistema computacional. Não importa a posição dos diferentes elementos, o que importa é se as conexões necessárias são feitas.

Portanto, a questão dos órgãos da linguagem está em aberto e é perigoso assumir qualquer posição de� nitiva, sob o risco de se fazer generalizações sobre relações cérebro/linguagem que ainda nem se dei-xam conhecer. Com não muita cautela, mas apoiado na tecnologia das neurociências que a cada dia avança e se nos apresenta com toda sua autoridade e seu poder explicativo, Pinker (2004, p. 402) considera que: “[...] até onde sabemos o cérebro deve ter regiões dedicadas a processos tão especí� cos quanto sintagmas nominais e árvores métricas; nossos métodos de estudo do cérebro humano ainda são tão precários que ain-da não conseguimos encontrá-las.”

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CAPÍTULO 05Tradição gramatical: construção da língua como representação do pensamento

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5 Tradição gramatical: construção da língua como representação do pensamento

O ensino da gramática tradicional nas escolas direciona-se ma-joritariamente para indivíduos que já dominam a língua cujas regras estariam estabelecidas nessa gramática com o objetivo de se ensinar essa língua. Com base nessa a� rmação, que parece ser contraditória se pensarmos que a gramática nada teria para ensinar a aprendizes que já dominam a língua a ser aprendida, poder-se-ia fazer a pergunta: o que se ensina nas escolas, então, e que denominamos contemporaneamente como gramática tradicional?

De acordo com Mattos e Silva (2002, p. 12), “[...] a gramática tra-dicional estabelece regras de um predeterminado modelo ou padrão de língua, para aqueles que já dominam outras variantes dessa língua e também algumas regras daquela variante que é a padrão”. De posse dessa de� nição de gramática, determinamos o objetivo central deste capítulo: investigar como esse tipo de re� exão sobre a língua se constituiu, bem como traçar um breve panorama geral do percurso da tradição gramati-cal até chegar ao que se conhece como gramática tradicional, seguindo de perto a exposição de Weedwood (2002) e Mattos e Silva (2002) sobre esse tema.

A expressão gramática tradicional, para Weedwood (2002, p. 09), “[...] engloba um espectro de atitudes e métodos encontrados no perío-do do estudo gramatical anterior ao advento da ciência lingüística”. De fato, “tradição”, nesse caso, refere-se a mais de 2.000 anos de re� exões que envolvem a linguagem, desde o trabalho dos gramáticos gregos e romanos da Antigüidade clássica, passando pelos autores do Renasci-mento e os gramáticos prescritivistas do século XVIII.

Com relação à origem dessa gramática, é comum encontrarmos dentre os historiadores da ciência da linguagem o consenso de que a tradição gramatical remonta aos gregos da Grécia Antiga. Ressalta-se que se está abordando aqui uma tradição dita “ocidental”, que tem seu

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próprio padrão de desenvolvimento. Há outras tradições gramaticais que se desenvolveram independentemente da tradição greco-romana, como a árabe, a chinesa e a indiana, algumas das quais remontam a pelo menos 2.500 anos.

Já estudamos o Crátilo de Platão, no capítulo 2 da Unidade A. Mas os estudos lingüísticos na Grécia Antiga compõem uma rica tradição. Para se perceber a importância dessa tradição, ainda hoje se analisa o que Aristóteles (384-322 a.C.) considera como o discurso primeiro: a frase declarativa. Nela, encontra-se a relação entre o que o nome desig-na e o que o verbo predica.

Aristóteles observa mais atentamente os constituintes semânticos dos enunciados e acrescenta uma nova classe, a das conjunções, que não eram nem nomes nem verbos, além de algumas outras distinções que se referem aos substantivos, às formas de quali� car, às classes de denomi-nações espaciais, temporais e a algumas categorias verbais. Além disso, Aristóteles de� niu a proposição, “[...] que a� rma ou nega um predicado ao sujeito, ou diz se o sujeito existe ou não”. (KRISTEVA, apud MAT-TOS e SILVA, 2002, p. 16).

Os estóicos (séculos III-II a.C.) também empreenderam estudos sobre a língua, dedicando-se em grande medida à etimologia. No qua-dro de seus estudos, vê-se mais fortemente se delinear a fundamentação da gramática tradicional nas investigações acerca das regularidades lin-güísticas. Seus estudos gramaticais também abordavam os constituintes semânticos dos enunciados – classes de palavras. Mas esses � lósofos não estavam interessados exclusivamente na língua, e como os � lósofos an-teriores, seus estudos gramaticais não se separavam da � loso� a e da ló-gica. Como vimos, uma postura parecida foi adotada séculos mais tarde pelos gramáticos racionalistas, como aqueles de Port-Royal (conferir o capítulo 1 da Unidade B).

Os estudos feitos pelos estóicos serviram de base para que seus su-cessores históricos, os estudiosos alexandrinos, privilegiassem as regu-laridades da língua e adotassem uma postura normativa, preocupando-se em como a língua deve ser. Já considerados � lólogos, esses estudiosos de Alexandria privilegiaram a língua dos grandes escritores gregos e rebaixaram os demais usos, pois seu objetivo era educar os povos con-

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quistados impondo sua língua e sua cultura. De fato, como comenta Ferreira (2003, p. 45), a atitude normativo-purista dos � lósofos do pe-ríodo chamado helênico pode ser explicada pelo seu contexto histórico de dominação e imposição cultural:

“Damos o nome de helenismo à fusão da cultura dos países con-quistados por Alexandre Magno com a cultura grega, que ele impunha aos povos que dominava. Quando Alexandre morreu [323 a.C], seus generais – os díadocos – repartiram entre si o império que tinham ajudado a conquistar. Nasceram, assim os reinos helenísticos, nos quais os povos dominados, além de terem de tolerar a presença de seus conquistadores, foram obrigados a adotar a cultura grega e fundi-la à sua própria cultura.”

A cultura grega era imposta sob a égide da precedência da língua escrita dos grandes escritores em relação aos demais usos. Tal atitude de seleção de uma variedade escrita e o desprestígio de outras � xa na tradi-ção gramatical o que Lyons (1979, p. 09) chamou de “o erro clássico”.

Como ressalta Mattos e Silva (2002, p. 18), podemos dizer que é nessa época dos � lósofos alexandrinos que se consolida de forma mais ampla o que veio a chamar-se de gramática tradicional e passa-se a em-preender esses estudos gramaticais independentemente da � loso� a e da lógica. E a autora acrescenta, citando Lyons: “[...] com Dionísio da Trá-cia, séc. II-I a.C. é que se tem ‘a primeira descrição ampla e sistemática publicada no mundo ocidental’ (LYONS, 1979, p. 12) de uma língua: o grego da Ática, ou grego ático”. É, portanto, Dionísio o melhor organiza-dor da gramática na antigüidade, de� nida por ele como o conhecimento prático de uso da língua pelos poetas e escritores de prosa:

“De� ne Dionísio a gramática como “a arte de escrever” (arte no sentido de “conjunto de preceitos necessários para a execução de uma determinada atividade”), já disciplina independente da ló-gica e da � loso� a e como saber empírico da linguagem dos poetas e prosadores”

(MATTOS e SILVA, 2002, p. 18).

A gramática de Dionísio pode ser considerada um livro didático do Oriente grego e obra de referência nos estudos gramaticais do mundo de fala grega, pois tinha � nalidade pedagógica e contemplava a literatu-

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Segundo Weedwood (2002. p. 36), De lingua

latina, obra de Varrão, era composta por vinte e cin-co livros, organizados da seguinte forma: no livro I havia uma introdução;

do II ao VII uma exaustiva discussão da etimologia

latina; do VIII ao XIII era discutido a � exão; e do

XIV ao XXV era discutida a organização das palavras

em enunciados (provavel-mente tratava da sintaxe).

Do total desses livros, temos acesso a somente

seis (do livro V ao X).

ra grega clássica. Essa gramática se concentra majoritariamente nos es-tudos da fonética e da morfologia, dando pouca atenção para a sintaxe. Por conseguinte, uma tradição lexicológica se veri� ca, sendo de� nidas nesses estudos das partes do discurso oito classes de palavras – nome, verbo, particípio, artigo, pronome, preposição, advérbio e conjunção.

A primeira teoria sintática foi construída pelo gramático alexandri-no Apolônio Díscolo (séc. II a.C.) ao estudar a língua grega. De acordo com Neves (2002), os estudos sintáticos realizados pelo � lósofo reve-lavam a in� uência dos trabalhos de Dionísio de Trácia e dos estóicos. Seus estudos abordavam diversos planos da língua – fonemas, sílabas, palavras – “uma vez que consideravam uma série de elementos rela-cionados” e “o conjunto de regras que regem a sintaxe dos elementos” (NEVES, 2002, p. 63).

Neves (1987, apud JUNQUEIRA, 2003, p. 53) a� rma que a gramá-tica era de� nida como arte (téchne) no Crátilo de Platão, e sua função era reguladora: dirigia a atribuição das letras nas formações dos nomes; no helenismo, a grammatiké era o exame dos textos escritos com � nali-dade didática: seu objetivo era preservar as obras que representavam a cultura e o espírito do povo grego; e com Dionísio da Trácia a gramática era de� nida como empeiriá – conhecimento empírico.

Um fato interessante é que a gramática de Dionísio � cou pratica-mente desconhecida até sua primeira edição em 1727. Na verdade, res-salta Weedwood (2002, p. 34), “foi através dos gramáticos romanos da Antigüidade tardia que a doutrina gramatical grega, � ltrada pela língua latina, se incorporou à tradição gramatical dominante”. Note-se que os romanos atribuíam aos gregos a introdução da gramática na cultura lati-na. Marcos Terêncio Varrão (116-27 d.C.), discípulo direto dos gramáti-cos alexandrinos, � cou conhecido por aplicar a gramática grega ao latim. Em seu grande compêndio sobre o latim, De lingua latina, encontra-se uma de� nição de gramática: a arte de escrever e falar corretamente e de compreender os poetas. Essa de� nição já nos indica, conforme aponta Mattos e Silva (2002, p. 19), que Varrão tratava do latim considerado “padrão” – posteriormente chamado de “clássico”. O cerne de sua obra é a morfologia, campo em que o autor realizou distinções fundamentais encontradas ainda hoje: “entre palavras variáveis e invariáveis, (a obra

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também) estabelece categorias secundárias para analisar as partes do discurso, como a voz e o tempo para o verbo, e aplica o sistema de casos do grego ao latim” (Ibidem). As elucidações de Varrão serviram de base para gerações posteriores de gramáticos latinos.

Apesar desses estudos voltados para a gramática latina, a educação romana sob o Império era fortemente destinada à formação de oradores: importava menos a descrição das formas do latim e das regras de geração de enunciados do que a rotulação e a classi� cação das formas estilísticas já conhecidas. Por isso, Quintiliano (I. d.C.), um importante gramático, assim como Varrão, intitulou sua obra como Institutio oratoriae.

Na Idade Média, Donato (séc. IV d.C.) e Prisciano (séc. V d.C.) são os dois gramáticos mais estudados. O primeiro, autor de uma impor-tante obra, De partibus orationibus ars mino, já propõe diferenças entre o latim e o grego. O segundo, autor da mais célebre gramática da sua época, Institutio grammaticae, propõe de forma inédita uma sintaxe da língua latina, como apresenta Mattos e Silva:

“A sua de� nição de sintaxe, que é a primeira do mundo ocidental, é uma de� nição lógica: a disposição que visa à obtenção de uma oração perfeita. Os conceitos de oração perfeita/oração imperfeita [...] já envolvem a distinção da transitividade (não transitivida-de) dos verbos. Nele também já se estabelece a noção de palavra regente e palavra regida, conceitos que até hoje vigoram nas ter-minologias da gramática [...]” (MATTOS e SILVA, 2002, p. 20).

O período histórico compreendido entre os séculos V e XV, que por convenção chamamos de Idade Média, é marcado por duas direções nos estudos sobre a linguagem, sendo a segunda a dominante: uma que deu prosseguimento aos estudos do latim – “língua da cultura” da Eu-ropa medieval –, em consonância com a gramática greco-latina; e outra que procura estudar as línguas dos povos dominados por Roma, além daqueles submetidos ao avanço do catolicismo romano, que tinha o la-tim como língua instrumental (MATTOS e SILVA, 2002).

No âmbito dos estudos do latim, os gramáticos produziram materiais didáticos para um ensino escolar dessa língua, isto é, para aqueles que não tinham o latim como língua materna e nem como língua veicular.

Calvet apresenta a se-guinte de� nição de língua veicular: “[...] uma língua utilizada para a comuni-cação entre grupos que não têm a mesma primei-ra língua” (CALVET, 2002, p. 57).

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Entre essas gramáticas escolares, as mais conhecidas na Europa ca-tólica eram o Doctrinale puerorum (1199), de Alexandre de Villa Dei, e o Graecismus (1212), de Eberhard Bethune.

Nessas obras, adverte Weedwood (2002, p. 56-57), nota-se um estreitamento do foco da gramática, isto é, há um distanciamento das preocupações universais e semanticamente enviesadas da Antigüidade, voltando-se os autores “[...] aos pormenores de uma língua particular, o latim”. Nesse sentido, Weedwood aponta uma regularidade que per-passou diversos momentos da trajetória da tradição gramatical e que podemos notar ainda hoje: sempre que se tiver uma ampla necessidade de aprendizado de uma língua especí� ca, o foco se fechará na gramática descritiva, “particular”.

Entretanto, os estudos a respeito do aspecto universal da linguagem não foram abandonados. No � nal do século XII, algumas obras de Aris-tóteles, inacessíveis até aquele momento, começaram a circular na Euro-pa em traduções recentes para o latim. A partir da leitura de obras como a Metafísica, os estudiosos da época experimentaram as novas idéias nas disciplinas tradicionais do conhecimento, além de aprenderem a ques-tionar a própria natureza dessas disciplinas. Aristóteles opõe, nessa obra, as disciplinas especulativas (ou teóricas) às habilidades práticas: “O ob-jetivo do conhecimento teórico é a verdade, enquanto o do conhecimen-to prático é a e� cácia” (Metafísica, II 993b 21-22, apud WEEDWOOD (2002, p. 57)). Weedwood (2002, p. 57) exempli� ca essa oposição da se-guinte maneira: considere-se que um arquiteto entenda os princípios ne-cessários ao desenho dos edifícios e um construtor simplesmente possui os conhecimentos técnicos relativos à mistura da argamassa. Essa dico-tomia entre ramos teóricos e práticos, ressalta a autora, foi projetada no estudo da linguagem. Assim, uma grammatica speculativa investigava os princípios universais da gramática, ao passo que uma grammatica positi-va interessava-se pelos detalhes de uma língua particular: “[...] a gramá-tica especulativa se concentrava no essencial e universal, e a gramática positiva, no acidental e particular” (WEEDWOOD, 2002, p. 57).

No tocante à segunda direção que mencionamos anteriormente, o estudo das línguas que envolviam o mundo românico, ou seja, as célti-cas, germânicas, eslavas etc., segundo Mattos e Silva (2002), trata-se de

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uma perspectiva inovadora, que abre caminho para outras realidades lingüísticas para além do grego e do latim.

Ressalta-se que, de maneira semelhante ao fechamento do foco da gramática de que falávamos anteriormente, também no período do Renascimento a necessidade social de se ensinar as diversas línguas românicas aos europeus e também aos povos que estavam sendo cris-tianizados em outros continentes, contribuiu para a mudança nos es-tudos gramaticais: quando a língua começa a ser trabalhada de modo generalizado como objeto de ensino , preza-se pela clareza, sistematização e e� cácia – necessárias às aplicações pedagógicas –, o que interrompe, não de modo pleno e de� nitivo, as especulações lingüísticas medievais (MATTOS e SILVA, 2002, p. 24).

J.C. Scaliger e Ramus são considerados os grandes representantes das gramáticas empiristas do Renascimento – em oposição às gramáti-cas racionalistas anteriores. O primeiro, por volta do ano de 1540, “[...] tenta delimitar o campo da gramática como ciência, diferencia-a da lógica, da retórica e da interpretação dos autores literários, e constrói por � m uma gramática de caráter normativo da língua latina, fundada na forma clássica dessa língua” (MATTOS e SILVA, 2002, p. 24). O se-gundo, nas obras Dialectique, 1556, e Gramere, 1562, utiliza princípios formais (e não semânticos ou lógicos) como método de análise grama-tical. Por exemplo, para distinguir as partes do discurso, ao invés de dizer que “nome” é o que designa alguma coisa ou a quem se atribui um predicado, Ramus vai dizer que “nome” é palavra com número e gêne-ro. A importância dos estudos desse gramático no quadro renascentista reside em suas análises morfológicas – na ordenação, sistematização e formalização gramaticais.

As re� exões acerca da linguagem no período do Renascimento podem ser assim sintetizadas, de acordo com Mattos e Silva (2002, p. 25): i) há uma libertação das línguas clássicas – latim e grego – para a ampliação do campo de observação e de análise empírica: estudo das línguas românicas, bem como das línguas chamadas de “exóticas” com que os europeus entravam em contato na África, na Ásia e na Amé-rica; ii) substituição da especulação pela observação e da lógica pelo uso lingüístico, mas sem o abandono da relação pensamento-língua. É

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nesse período, portanto, que ocorre o desenvolvimento de um disposi-tivo pedagógico que gera uma ambivalência (encontrada ainda hoje na Gramática Tradicional): “o de pretender trabalhar sobre a língua como objeto de estudo e como objeto de ensino, tentando ser, ao mesmo tem-po, gramática descritiva e gramática normativa”.

Em resposta ao empirismo renascentista, no século XVII diversos estudiosos se opõem a esse modelo de estudo da língua, na tentativa de voltar aos estudos especulativos medievais de tradição greco-latina. E aí chegamos nos gramáticos racionalistas, em especial, os gramáticos de Port-Royal, que já estudamos no capítulo 1 da Unidade B.

Esse quadro de estudos prescritivos dos racionalistas-iluministas franceses, cujo mote regulador repousa, em última instância, na análi-se da linguagem enquanto representação do pensamento, delineou em muitos aspectos a hoje chamada gramática tradicional. Esses pontos foram aprofundados pelos iluministas franceses Du Marsais, Beauzée, Condillac, sendo este último o representante mais expressivo de um aristocratismo lingüístico próprio das gramáticas gerais racionalistas. Na obra Cours d’étude pour l’instruction du Prince de Parme (1775), Con-dillac defende que o discurso modelo é o da Academia, por isso recorre aos grandes textos. Dessa forma, � cava reservado a uma elite “o escrever bem por pensar bem”, já que somente os mais “nobres” freqüentavam a Academia na época do Cours de Condillac.

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CAPÍTULO 06Como vemos as línguas: efeitos da cultura e do poder

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6 Como vemos as línguas: efeitos da cultura e do poder

A gramática, a fonologia e a estrutura conceptual são fatores intrín-secos de uma língua, provavelmente ligados a uma gramática universal e ao aparato cognitivo humano. Uma mesma estrutura gramatical pode servir para a expressão de diferentes culturas e de vários signi� cados. A língua não condiciona nossa forma de pensar. No entanto, ainda que não de� na o tipo de gramática de um povo (para uma posição contrária de um autor contemporâneo, veja Everett (2005)), a cultura certamente afeta a forma como vemos a nossa língua e a língua dos outros povos. É muito difícil sermos objetivos em questões de opinião sobre línguas, tanto quanto é difícil sermos objetivos em questões políticas. Isso ocorre porque a língua é a face visível de uma cultura. Não por acaso, muitas vezes usamos uma mesma palavra para designar um povo e a sua língua: português, francês, alemão etc.

Mas é preciso não confundir: uma coisa é a forma como vemos uma língua, em função de seu papel social e de seu poder. Outra são as ca-racterísticas objetivas de cada língua. No entanto, faz parte do jogo uma mistura entre as duas coisas, e as pessoas costumam quali� car os traços gramaticais das línguas a partir do que pensam sobre elas. Por exemplo, tomemos a situação do inglês hoje em dia. Trata-se da língua internacio-nal, com domínio na ciência, no comércio, na cultura pop, na informá-tica etc. Com base nesse domínio, muitas pessoas exprimem conceitos sobre o inglês, tais como: é uma língua simples e objetiva, a gramática não é tão complicada, não tem uma conjugação verbal tão difícil como o português etc. É aquela questão: o inglês domina o mundo porque é sim-ples, ou parece simples porque domina o mundo? Na verdade, a melhor alternativa parece ser a segunda: em função de seu valor social e de seu poder, à língua inglesa se atribuem propriedades positivas.

Mas essas propriedades re� etem o valor que se atribui ao uso do inglês, não propriedades intrínsecas dessa língua. Considere a suposta simplicidade de seu sistema verbal, por exemplo. É verdade que o inglês tem uma conjugação mais simples que o português, mas em compen-

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sação a língua inglesa tem uma riqueza incrível de modais (verbos au-xiliares) e apresenta os famosos phrasal verbs, formados por um verbo e uma preposição, os quais são muito difíceis de aprender, pois formam uma lista enorme, que podem levar à confusão. Veja por exemplo al-guns exemplos com take: take for (confundir alguém com outra pessoa; aceitar um certo valor por uma coisa; take by (pegar alguém ou algu-ma coisa em alguma parte); take aside (tirar uma pessoa de um grupo para poder falar privadamente com ela); take as (considerar uma pessoa como sendo um certo tipo de pessoa) etc. Não é tão fácil assim, certo?

Além disso, se hoje o inglês domina, nem sempre foi assim. O grego dominou amplamente no mundo antigo: “Houve uma primeira globali-zação na Antigüidade, mas foi anterior ao Império Romano e ao cristia-nismo. Foi na época de Alexandre, o Grande, a partir dos anos 300 a.C. A civilização grega dominava a cultura “mundial”, do atual Afeganistão (onde os budas são esculpidos como bacos) ao atual Marrocos. A língua grega ocupava o lugar que o inglês ocupa hoje. Os próprios romanos possuíam uma cultura grega, assim como o Japão atual é ocidentaliza-do...” (VEYNE, Folha de São Paulo, 13 de maio de 2007).

Depois foi a época do latim, que foi a língua da cultura até mais ou menos o século XVIII, quando começou a perder espaço para o francês. Nas cortes européias e mesmo no Brasil do tempo de Macha-do de Assis e José de Alencar, no século XIX, o francês era a língua da cultura, da diplomacia e da moda. Depois o inglês começou a se impor como língua do comércio, em função do poderio comercial da Inglaterra, mas ainda no século XX o francês era muito forte, perma-necendo, por exemplo, como a língua da diplomacia. Só há poucos anos o Itamaraty deixou de exigir a língua francesa como condição para ingresso na carreira de diplomata.

Claro que, em cada momento da história, os pensadores tentaram justi� car o domínio de uma determinada língua a partir de supostas qualidades superiores dessas línguas dominantes. Mas o fato é que elas dominavam não em virtude de características intrínsecas, mas em fun-ção do poder e da cultura dos povos que as falavam. Por exemplo, Ben-veniste (1988) mostrou que o � lósofo grego Aristóteles propôs as suas famosas categorias do pensamento com base na língua grega, o que im-

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CAPÍTULO 06Como vemos as línguas: efeitos da cultura e do poder

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plica que essa língua, e não outra, seria a ideal para representar a estru-tura do pensamento: “Segue-se que o que Aristóteles nos dá como uma tabela de condições gerais e permanentes (do pensamento) é apenas a projeção conceptual de um determinado estado lingüístico” (BENVE-NISTE, op. cit., p. 76). No século XVII, os gramáticos de Port-Royal usaram o latim e o francês para exempli� car também a forma pela qual as línguas re� etiam o pensamento, como vimos no capítulo 1 desta unidade. O � lósofo francês Renan, por sua vez, argumentou que a língua france-sa, como língua analítica, era mais apta a expressar o pensamento, sendo clara e elegante (cf. capítulo 5, Unidade A). Quem já não ouviu a idéia de que o francês é uma língua clara e transparente? Bem, isso é fruto de pro-paganda intensiva em favor dessa língua, feita já há alguns séculos.

Além dessas línguas internacionais, há ainda uma luta política para valorizar línguas nacionais em detrimento de outras línguas nacionais, ou mesmo em relação a outras línguas locais. Por exemplo, como vimos no capítulo 5 da Unidade A, pensadores alemães � zeram uma grande campanha em favor da língua alemã, contra o domínio do francês como língua de cultura. A campanha foi bem sucedida, e até hoje, como vimos, o alemão é visto por muitas pessoas como a língua ideal para a � loso� a.

Dentro de cada país, as línguas nacionais lutam por espaço e valo-rização, em detrimento de línguas regionais. Na Itália, o italiano fala-do na Toscana foi ao longo dos anos se impondo como o dialeto mais importante daquele país. Na França, o francês teve de dominar outras línguas, como o gascão, o bretão, o provençal etc. O governo francês, ao longo dos séculos, defendeu a língua francesa, falada na região de Paris, como a única língua nacional. As outras línguas, por razões puramente políticas, foram consideradas dialetos regionais, ou patois, como dizem em francês.

O lingüista Calvet (1999) mostrou que as línguas se organizam em torno de um sistema de poder e prestígio. Ele chamou essa estrutura de sistema gravitacional, pois, segundo ele, haveria uma língua hipercen-tral no centro do sistema, em torno da qual gravitam todas as outras línguas. Atualmente, a língua hipercentral é o inglês. Num segundo ní-vel do sistema, haveria as línguas do tipo supercentral, como o árabe, o chinês, o espanhol, o francês, o russo, o hindi e o português. As línguas

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do nível seguinte seriam centrais, que correspondem mais ou menos às línguas nacionais, como o japonês, o alemão, o quíchua do Peru etc. En-� m, haveria as línguas periféricas, como as línguas indígenas do Brasil. Calvet observa que quanto mais alto o prestígio da língua de uma comu-nidade, mais essa comunidade tende ao monolingüismo. Já os falantes de línguas periféricas, dado o baixo prestígio de suas línguas, tendem ao plurilingüismo. Isso gera situações curiosas, descritas em Vieira e Mou-ra (2002). Bush, atual presidente do Estados Unidos, é um monoglo-ta, mas orgulhoso dessa limitação, pois para que o presidente da nação mais poderosa precisa falar a língua dos outros povos? É a arrogância explicando a ignorância. Já o caso de um indígena brasileiro citado em Vieira e Moura (op. cit., p. 121), que falava 5 línguas em seu contexto social, não é valorizado socialmente, pois três delas eram línguas indí-genas, com baixo status social.

Repare que assumir essa valorização social das línguas não equivale a assumir o relativismo lingüístico. Teorias como a de Calvet enfatizam valores sociais associados aos usos das línguas, mas nada dizem sobre a natureza intrínseca de cada língua. Dessa forma, nada se a� rma sobre possíveis relações entre língua e pensamento.

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