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60 MANUAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO ESCLARECIMENTOS SOBRE INJÚRIA RACIAL E RACISMO Nathan Castelo Branco de Carvalho 34* Priscila Aprile 35* Com a repetição de episódios de preconceito, a exemplo do caso Grafite, jogador de futebol insultado durante uma partida em razão da cor de sua pele, muita confusão foi feita a respeito do crime cometido por aquele que profere a ofensa racial. Esses casos são sempre noticiados pela imprensa como racismo, o que nem sempre é correto, dando margem a interpretações errôneas pela sociedade. Para esclarecer o equívoco, é importante tratar, em primeiro lugar, do crime de injúria. A injúria é crime contra a honra que consiste em ofender um sujeito, proferindo contra a vítima palavras que atentam contra sua dignidade. E a lei entendeu que quando esta ofensa estiver relacionada com elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de injúria merece uma punição mais grave, tornando-se qualificado, sendo prevista uma pena de um a três anos de reclusão, justamente com a finalidade de coibir este tipo de comporta- mento. Feitos esses esclarecimentos iniciais, é importante ressaltar que não se confunde esse crime de injúria qualificada pelo preconceito com o delito de racismo, previsto na Lei nº 7.716/89. Enquanto na injúria preconceito, como visto, o agente atribui qualidade negativa à vítima, no racismo o agente segrega a vítima do convívio social em razão de sua cor, raça etc. Seria exemplo o dono de estabelecimento comercial que nega a entrada de cliente em razão de sua cor. O racismo é crime de gravidade maior, ao qual a lei atribui um tratamento mais duro ao autor. De fato, enquanto o crime de injúria preconceito é prescritível, afiançável e de ação penal pública condicionada (Lei nº 12.033/09) o racismo é imprescritível, inafiançável e de ação penal pública incondicionada. E é importante ressaltar as diferenças entre estas duas modalidades de delito, que constantemente são confundidas diante de fatos trazidos pela mídia, como o exemplo citado 34 * Advogado. Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Barão de Mauá. Especialista em Direito Público. Mestrando em Direito Processual Coletivo pela Universidade de Ribeirão Preto. 35 * Advogada atuante na área de direito criminal e no Núcleo de Práticas Jurídicas do Centro Universitário Barão de Mauá.

INJURIA RACIAL E RACISMO

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Page 1: INJURIA RACIAL E RACISMO

60 MANUAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO

ESCLARECIMENTOS SOBRE INJÚRIA RACIAL E RACISMO

Nathan Castelo Branco de Carvalho34*

Priscila Aprile35*

Com a repetição de episódios de preconceito, a exemplo do caso Grafite, jogador de

futebol insultado durante uma partida em razão da cor de sua pele, muita confusão foi feita

a respeito do crime cometido por aquele que profere a ofensa racial.

Esses casos são sempre noticiados pela imprensa como racismo, o que nem sempre é

correto, dando margem a interpretações errôneas pela sociedade.

Para esclarecer o equívoco, é importante tratar, em primeiro lugar, do crime de injúria.

A injúria é crime contra a honra que consiste em ofender um sujeito, proferindo contra a

vítima palavras que atentam contra sua dignidade. E a lei entendeu que quando esta ofensa

estiver relacionada com elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime

de injúria merece uma punição mais grave, tornando-se qualificado, sendo prevista uma pena

de um a três anos de reclusão, justamente com a finalidade de coibir este tipo de comporta-

mento.

Feitos esses esclarecimentos iniciais, é importante ressaltar que não se confunde esse

crime de injúria qualificada pelo preconceito com o delito de racismo, previsto na Lei nº

7.716/89.

Enquanto na injúria preconceito, como visto, o agente atribui qualidade negativa à

vítima, no racismo o agente segrega a vítima do convívio social em razão de sua cor, raça etc.

Seria exemplo o dono de estabelecimento comercial que nega a entrada de cliente em razão

de sua cor.

O racismo é crime de gravidade maior, ao qual a lei atribui um tratamento mais duro

ao autor. De fato, enquanto o crime de injúria preconceito é prescritível, afiançável e de ação

penal pública condicionada (Lei nº 12.033/09) o racismo é imprescritível, inafiançável e de

ação penal pública incondicionada.

E é importante ressaltar as diferenças entre estas duas modalidades de delito, que

constantemente são confundidas diante de fatos trazidos pela mídia, como o exemplo citado

34 * Advogado. Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Barão de Mauá. Especialista em Direito Público. Mestrando em Direito Processual Coletivo pela Universidade de Ribeirão Preto.

35 * Advogada atuante na área de direito criminal e no Núcleo de Práticas Jurídicas do Centro Universitário Barão de Mauá.

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ocorrido com o jogador Grafite, a fim de evitar críticas infundadas pela sociedade.

Isto porque o crime de injúria por preconceito possui um tratamento e uma pena mais

branda que o de racismo e, embora possa ocasionar a prisão em flagrante do agente, difi-

cilmente esta pena será mantida ao final do processo, já que a lei prevê a possibilidade de

substituição por uma restritiva de direitos.

Diante da confusão terminológica feita em exemplos como o do caso citado, as pessoas

passaram a criticar a suposta impunidade do agente que teria ofendido o jogador e foi logo

solto, quando, na realidade, ele não cometeu o crime de racismo, que ensejaria prisão mais

longa, e sim o de injúria qualificada.

Mas deixando de lado as conceituações dos delitos, nota-se que a sociedade anseia por

um tratamento mais duro contra os autores de crimes que envolvem preconceito.

Mesmo concordando com esse entendimento, concluímos que a atual legislação prevê

essa diferença mais acentuada de tratamento entre o crime de racismo e de injúria racial, sen-

do recomendável uma alteração legislativa para conferir uma punição mais severa àquele que

pratica delito motivado em preconceito de raça, ainda que com uma mera ofensa, sobretudo,

numa sociedade orientada por uma Constituição que, no seu art. 3º, determina que é objetivo

do Estado “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação”.

BIBLIOGRAFIA

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, vol. 1, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Geral. 12ª ed., Niterói: Impetus, 2010.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol I. 16ª ed., São Paulo: Atlas, 2010