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128 ARISTÓTELES EOIPRO LIVRO IV Na verdade, nem estão certos os que sustentam que todas as coisas estão em repouso, nem os que defendem que todas as coisas estão em movimento. Com efeito, se todas as coisas 25 estão em repouso, as mesmas coisas se manterão sempre ver- dadeiras e falsas, quando [sabemos que] esse estado de coisas é evidentemente sujeito à mudança; de fato, o próprio enuncia- dor de uma asserção não existia num tempo e novamente virá a não existir. 163 E se todas as coisas estão em movimento, nada será verdadeiro, ou seja, tudo será falso. Contudo, foi demons- trado ser isso impossível; ademais, é necessário que o mutável seja aquilo que é, uma vez que a mudança é de alguma coisa para alguma coisa. Que se complemente que tampouco é ver- 30 dadeiro que todas as coisas estão em repouso ou em movimen- to às vezes, mas nenhuma coisa continuamente, visto que há algo que move continuamente o que é movído.l'" além do que o primeiro motor 165 é ele mesmo não movido. 163. Isto é, estando submetido à geração e destruição, o indivíduo existe numa determinada e restrita faixa de tempo, não existindo nem antes nem depois. 164. A referência de Aristóteles é à esfera dos astros fixos. Ver Livro XII, Capítulos 6 a 8. 165 .... nporrov KtVOUV ... (próton kinoiini, conceito central da metafísica aristotélica. Ver Livro XII, Capítulo 7. METAF{SICA 129 LIVRO V EOIPRO I LIVRO V I 1. Princípio 166 significa [a] a parte de uma coisa a partir da qual pode-se empreender o primeiro movimento. Por exemplo, uma linha 167 ou uma estrada 168 tem um princípio em cada uma das extremidades opostas; [b] o ponto a partir do qual é possí- vel que cada coisa seja, do melhor modo, originada. Por exem- plo, um processo de aprendizado deve, às vezes, ser principiado não pelo que é elementar [no assunto] ou pelo ponto de partida do assunto, mas a partir do ponto que mostra mais facilidade para o aprendizado; [c] aquilo cuja presença determina em primeira instância o surgimento de alguma coisa. Por exemplo, a quilha de um navio e as fundações de uma casa, e, como supõem alguns pensadores, no caso dos seres vivos, o cora- ção; 169 [como pensam] outros, o cérebro.F'' e outros alguma outra parte, seja qual for; [d] aquilo a partir de que, ainda que não imanente à coisa, algo nasce!" e de que o movimento e a transformação procedem primordialmente, como o filho pro- vém do pai e da mãe, e a disputa provém do ultraje; [e] aquilo, em conformidade com cuja escolha deliberada, o que é movido é movido, e o que é transformado é transformado,' do 'que são exemplos as magistraturas nas cidades, e os governos: oligar- quias, monarquias e tiranias; [f] as artes também são chamadas de princípios, sobretudo' as artes arquitetônicas; [g] aquilo a partir de que uma coisa começa a ser compreensível também é chamado de princípio da coisa, por exemplo as hipóteses das demonstrações. (Causa pode apresentar uma quantidade seme- lhante de distintos sentidos, já que todas as causas são princí- pios.) 35 1013a1 5 10 \ 15 166. APXll (arkhê) engloba, na metafísica, os sentidos de origem, princípio e fundamento, não tanto isoladamente, mas conjuntamente. Por outro lado, esse termo também significa auto- ridade, poder e governo (especialmente na administração doméstica [oikonomia 1 e na po- lítica). 167 ..... ~l1KouS ... (mekous), literalmente extensão. !iS8. ...o8ou ... (odoü) pode significar estrada (caminho) e viagem. Tanto um conceito quanto o outro ajusta-se igualmente à ilustração de Aristóteles. 169. De acordo com Da geração dos animais, o que supunha' o próprio Aristóteles. 170. Opinião de Platão expressa no Timeu. 171. Vem a ser, passa a existir.

Met.v. principio.causa

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128 ARISTÓTELES

EOIPRO LIVRO IV

Na verdade, nem estão certos os que sustentam que todasas coisas estão em repouso, nem os que defendem que todas ascoisas estão em movimento. Com efeito, se todas as coisas

25 estão em repouso, as mesmas coisas se manterão sempre ver-dadeiras e falsas, quando [sabemos que] esse estado de coisas éevidentemente sujeito à mudança; de fato, o próprio enuncia-dor de uma asserção não existia num tempo e novamente viráa não existir.163 E se todas as coisas estão em movimento, nadaserá verdadeiro, ou seja, tudo será falso. Contudo, foi demons-trado ser isso impossível; ademais, é necessário que o mutávelseja aquilo que é, uma vez que a mudança é de alguma coisapara alguma coisa. Que se complemente que tampouco é ver-

30 dadeiro que todas as coisas estão em repouso ou em movimen-to às vezes, mas nenhuma coisa continuamente, visto que háalgo que move continuamente o que é movído.l'" além do queo primeiro motor165 é ele mesmo não movido.

163. Isto é, estando submetido à geração e destruição, o indivíduo existe numa determinada erestrita faixa de tempo, não existindo nem antes nem depois.

164. A referência de Aristóteles é à esfera dos astros fixos. Ver Livro XII, Capítulos 6 a 8.

165 .... nporrov KtVOUV... (próton kinoiini, conceito central da metafísica aristotélica. Ver LivroXII, Capítulo 7.

METAF{SICA 129

LIVRO V EOIPRO

I LIVRO V I1. Princípio166 significa [a] a parte de uma coisa a partir da

qual pode-se empreender o primeiro movimento. Por exemplo,uma linha167 ou uma estrada168 tem um princípio em cada umadas extremidades opostas; [b] o ponto a partir do qual é possí-vel que cada coisa seja, do melhor modo, originada. Por exem-plo, um processo de aprendizado deve, às vezes, ser principiadonão pelo que é elementar [no assunto] ou pelo ponto de partidado assunto, mas a partir do ponto que mostra mais facilidadepara o aprendizado; [c] aquilo cuja presença determina emprimeira instância o surgimento de alguma coisa. Por exemplo,a quilha de um navio e as fundações de uma casa, e, comosupõem alguns pensadores, no caso dos seres vivos, o cora-ção; 169 [como pensam] outros, o cérebro.F'' e outros algumaoutra parte, seja qual for; [d] aquilo a partir de que, ainda quenão imanente à coisa, algo nasce!" e de que o movimento e atransformação procedem primordialmente, como o filho pro-vém do pai e da mãe, e a disputa provém do ultraje; [e] aquilo,em conformidade com cuja escolha deliberada, o que é movidoé movido, e o que é transformado é transformado,' do 'que sãoexemplos as magistraturas nas cidades, e os governos: oligar-quias, monarquias e tiranias; [f] as artes também são chamadasde princípios, sobretudo' as artes arquitetônicas; [g] aquilo apartir de que uma coisa começa a ser compreensível também échamado de princípio da coisa, por exemplo as hipóteses dasdemonstrações. (Causa pode apresentar uma quantidade seme-lhante de distintos sentidos, já que todas as causas são princí-pios.)

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166. APXll (arkhê) engloba, na metafísica, os sentidos de origem, princípio e fundamento, nãotanto isoladamente, mas conjuntamente. Por outro lado, esse termo também significa auto-ridade, poder e governo (especialmente na administração doméstica [oikonomia 1 e na po-lítica).

167 ..... ~l1KouS ... (mekous), literalmente extensão.

!iS8. ...o8ou ... (odoü) pode significar estrada (caminho) e viagem. Tanto um conceito quanto ooutro ajusta-se igualmente à ilustração de Aristóteles.

169. De acordo com Da geração dos animais, o que supunha' o próprio Aristóteles.170. Opinião de Platão expressa no Timeu.171. Vem a ser, passa a existir.

130 A RISTÓTELES

EDlPRO LIVRO V

É, assim, comum a todos os princípios serem o primeiroponto a partir do qual uma coisa ou é, ou vem a ser ou torna-seconhecida; além disso, alguns princípios são imanentes às coi-sas, enquanto outros não são.172 Portanto, a natureza [de uma

20 coisa] é um princípio, o sendo também o elemento [de umacoisa], bem como o entendimento e a escolha, a substância e acausa final - pois o bom e o belo, em muitos casos, são o prin-cípio do conhecimento e do movimento [de muitas coisas].

2. Causal73 significa [a] aquilo em função de cuja presença25 alguma coisa vem a ser, [do que são] exemplos o bronze de

uma estátua e a prata de uma taça, bem como as classes [demateriais] que os contêm; [b] a forma ou modelo, isto é, a fór-mula da essência e as classes que a contêm, por exemplo aproporção 2:1 e o número em geral são causas da oitava, e aspartes da fórmula; [c] aquilo de que procede o primeiro princí-

30 pio da mudança (transformação) ou do repouso, por exemplo ohomem que delibera é uma causa, e o pai uma causa do filho, eem geral aquilo que produz é a causa daquilo que é produzido,e aquilo que muda é a causa daquilo que é mudado; [d] a fina-lidade, isto é, a causa final, [do que é] exemplo: a finalidade decaminhar é a saúde, pois [à pergunta] "Por que alguém carni-

35 nha?" respondemos "Para ter saúde.", e ao respondê-lo julga-mos ter fornecido a causa - e também todos os meios que in-tervêm (e contribuem) anteriormente à finalidade, quando al-

1013b1 guma coisa adicional desencadeou o processo, por exemplo oemagrecimento, o purgativo, os medicamentos e os instrumen-tos que atuam antes da obtenção da saúde, já que todos elessão em função da finalidade, ainda que sejam diferentes entresi pelo fato de uns serem instrumentos, enquanto os outros sãoações.

Esses são, aproximadamente, todos os sentidos de causa.5 Porém, uma vez que as causas são referidas com vários senti-

dos, conclui-se haver diversas causas (e isso não em caráteracidental) da mesma coisa. Por exemplo, tanto a esculturaquanto o bronze são causas da estátua, não em conexão com

172. Isto é, transcendem a elas.

173. ...Al'tlov ... (aition).

META FíSICA 131

LIVRO V EOIPRO

qualquer outra coisa, mas enquanto estátua. 'Entretanto, nãosão causas do mesmo modo, mas uma como matéria e a outra

10 como princípio de movimento. E as coisas podem ser causasumas das outras, por exemplo o exercício do vigor físico, e estedo exercício - mas não de idêntico modo; mas um como umafinalidade e o outro como uma fonte de movimento. Além dis-so, por vezes a mesma coisa é a causa de contrários, porqueaquilo que devido à sua presença é a causa de algo em particu-lar, às vezes acusamos de ser - devido à sua ausência - a causado contrário, quando dizemos, por exemplo, que a ausência dopiloto é a causa do naufrágio, ao passo que sua presença era a

15 causa da segurança. E em ambas, a presença e a privação, sãocausas como fontes de movimento.F"

Todas as causas que acabamos de descrever classificam-semuito claramente em quatro sentidos. Com efeito, os compo-nentes das sílabas, l75 o material dos artigos manufaturados, o

20 fogo (a terra e todos os corpos desse tipo), as partes de um todoe as .premissas da conclusão de um sílogtsmo!" são causas nosentido material. Destas, algumas são causas como substratum(por exemplo, as partes), outras como essência (o todo, a com-posição e a forma). O sêmen, o médico, aquele que planeja oudelibera e, em geral, aquilo que produz'" são' todos princípios

25 de mudança ou de repouso. Os restantes são causas como afinalidade e o bem das outras [coisas], posto que a causa finalinclina-se a ser o bem supremo e a finalidade do restante. Con-sideremos que é indiferente o classificarmos de bem ou bemaparente.

Essas são, portanto, as quatro espécies de causas. Entretan-30 to, as variedades de causas são muitas, ainda que uma vez

resumidas sejam também relativamente poucas.

De fato, fala-se de causas em muitos sentidos e mesmo entreas que pertencem à mesma espécie, há as causas que o sãonum sentido anterior, enquanto há outras que o são num senti-do posterior. Por exemplo, o médico e o profissional especialis-ta são, ambos, causas da saúde, bem como a proporção 2: 1 e o

174. Isto é, causas motrizes.175. Isto é, as letras.176. Ou literalmente: as hipóteses da conclusão.177. A opção de W. D. Ross é mais consistente: aquele que age.

132 A RISTÓTéLES

EDIPRO LIVRO V

número são, ambos, causas da oitava; por outro lado, os uni-versais que abrangem uma dada causa são causas de seus efei-tos particulares. Além disso, uma coisa pode ser uma causaacidental, [ou melhor) uma causa no sentido de um acidente, e

35 as classes que encerram os acidentes. Por exemplo, a causa deuma estátua num sentido é Políclito, enquanto num outro sen-

1014a1 tido é o escultor, porque o escultor ser Políclito é um acidente.E [também) são causas os termos uníversaís-" que incluem osacidentes. Por exemplo, a causa de uma estátua é um ser hu-mano - ou em geral um ser vivo, já que Políclito é um ser hu-mano e o ser humano é um ser vivo. E mesmo no que tange àscausas acidentais, há as que são mais remotas ou mais próxi-

5 mas do que outras. Por exemplo, seria possível dizer que acausa da estátua é homem branco ou homem instruído, e nãoapenas Políclito ou homem.

Mas além de todas essas variedades de causas, na qualidadede próprias e acidentais, algumas são chamadas de causas numsentido de potência, enquanto outras o são num sentido de ato.Por exemplo, a causa da construção [da casa) é ou o construtor

10 ou o construtor ao construir. A mesma diversidade de significa-dos que já indicamos é aplicável aos efeitos das causas, porexemplo a esta estátua, ou a uma estátua, ou, em geral, a umaimagem; também a este bronze, ou ao bronze ou ao materialem geral. Algo idêntico ocorre com os efeitos acidentais. Ade-mais, as causas acidentais e as próprias podem ter um sentido

15 combinatório, como, por exemplo, a causa não é nem Políclitonem um escultor, mas o escultor Políclito.

Entretanto, embora essas variedades de causas sejam emnúmero de seis, cada uma é empregada em dois sentidos. Ascausas são particulares [1), genéricas [2), acidentais (3), generi-camente acidentais (4), estas podendo ser enunciadas isolada-mente (5) ou em combinação (6).179 E, ademais, todas são atuais(em ato) ou potenciais (em potência).l80 E que se acresça que

20 há entre elas a diferença de que causas atuais e particularesexistem ou não existem simultaneamente aos seus efeitos, porexemplo este homem particular administrando tratamento médi-

178. As classes.179. Sentido 1.

J 80. Sentido 2.

METAFíSICA 133

LIVRO V EDIPRO

co a este homem particular que está recuperando a saúde, e esteconstrutor particular a este prédio particular que está sendo cons-truído; entretanto, não é o que ocorre sempre com causas poten-

25 ciais, pois a casa não perece simultaneamente ao construtor.

3. Elemento181 significa [a) o componente imanente primor-dial, numa coisa, o qual é indivisível como espécie em outrasespécies. Por exemplo, os elementos de um som são as partesdas quais esse som é composto e nas quais ele é divisível emúltima instância, não sendo essas partes mais divisíveis em ou-tros sons delas mesmas distintos como espécies; se forem divi-

30 didas, serão de idêntica espécie, como uma parte da água éágua, embora uma parte da sílaba não seja uma sílaba; [b) osque se referem aos elementos dos corpos entendem semelhan-temente [por elementos) as partes em que os corpos são, emúltima instância, divisíveis, não o sendo mais em outras partesdiferentes em espécie. E quer discorram sobre um tal elementoou mais de um, é o que entendem por elemento; [c) os elemen-

35 tos das figuras geométricas e, geralmente, os elementos dasdemonstrações, têm significados muito semelhantes, uma vez

1014b1 que as demonstrações primárias contidas em muitas outrasdemonstrações são chamados de elementos das ..demonstra-

v.ções. Os silogismos primários que consistem de três termos, umdeles o termo médio, são desta natureza; [d) o termo elementoé também empregado' metaforicamente a qualquer pequenaunidade que se presta a vários propósitos - e, em decorrência

5 disso, aquilo que é pequeno, ou simples, ou indivisível é classi-ficado.corno um elemento; [e) daí [conclui-se) que as coisasmais. universais são elementos, já que cada uma delas, por seruma unidade simples, está presente numa multiplicidade decoisas, ou em todas ou em tantas quanto possível, devendo-seacrescer a isso que, para alguns, a unidade e o ponto são pri-meiros princípios; [f) e visto que os chamados gêneros são uni-

10 versais e indivisíveis (uma vez que não há fórmula deles), háquem chame os gêneros de elementos, e eles de preferência àsdiferenças, pela razão do gênero ser mais universal: com efeito,onde a diferença está presente, acompanha-a o gênero, aopasso que onde o gênero está pr~sente nem sempre a diferença

18J. ...~~OtxEtov ... (stoikheion).