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UNIVERSIDADE SANTA CECILIA PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM NOVAS ABORDAGENS EM EDUCAÇÃO – PEDAGOGIA ESPÍRITA. AUTOR: IZABEL CRISTINA DE LIMA DÁGUILA TITULO: Perdas na Infância, como trabalhar estas questões ainda na infância e evitar as conseqüências traumáticas na vida adulta. Santos – SP. Fevereiro / 2009.

Monografia izabel cristina pdf-2009

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UNIVERSIDADE SANTA CECILIA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM

NOVAS ABORDAGENS EM EDUCAÇÃO – PEDAGOGIA ESPÍRITA.

AUTOR:

IZABEL CRISTINA DE LIMA DÁGUILA

TITULO:

Perdas na Infância, como trabalhar estas questões ainda na infância e

evitar as conseqüências traumáticas na vida adulta.

Santos – SP.

Fevereiro / 2009.

UNIVERSIDADE SANTA CECILIA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM

NOVAS ABORDAGENS EM EDUCAÇÃO – PEDAGOGIA ESPÍRITA.

IZABEL CRISTINA DE LIMA DÁGUILA

TITULO:

Perdas na Infância, como trabalhar estas questões ainda na infância e

evitar as conseqüências traumáticas na vida adulta.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do título de Pós-Graduado (lato sensu) em Novas Abordagens em Educação – Pedagogia Espírita à Universidade Santa Cecília.

Santos – SP.

Fevereiro / 2009.

IZABEL CRISTINA DE LIMA DÁGUILA

TITULO:

Perdas na Infância, como trabalhar estas questões ainda na infância e

evitar as conseqüências traumáticas na vida adulta.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do título de Pós-Graduado (lato sensu) em Novas Abordagens em Educação – Pedagogia Espírita à Universidade Santa Cecília.

Data da aprovação: __ / __ / ____.

Orientador: Prof. Dra. Dora Incontri.

DEDICATÓRIA

Aos educadores que escolheram a profissão por amor.

Aos profissionais de saúde que trabalham com crianças enfermas.

Aos voluntários e acolhedores da infância, independente de onde estejam atuando.

AGRADECIMENTOS

À Universidade Santa Cecília, pelo acolhimento, a atenção dos funcionários, e o espaço

físico que utilizamos.

Aos professores, que se deslocaram de longe, sem medir esforços, para transmitir o

conhecimento necessário á nossa formação.

Ao Dr. Luiz Fernando de Andrade penteado, pela entrevista concedida e a colaboração

com riqueza de dados e experiências vividas em seu consultório.

Ao meu marido, que ajudou a tornar possível o meu projeto.

Á Prof. Dra. Dora Incontri, pela orientação ao meu trabalho e pela dedicação e o esforço

desmedido com que orientou e dirigiu a pós-graduação, superando todos os obstáculos que

surgiram durante o curso, sejam pessoais ou profissionais.

RESUMO

O objetivo deste trabalho é alertar aos pais e familiares, sobre a importância do acolhimento oferecido á crianças no momento da perda, como trata os psicólogos. Tratamos aqui de diversos tipos de perdas, do material ao emocional. Buscamos mostrar também, através de consulta aos órgãos competentes, que o trabalho infantil é uma triste realidade no Brasil. Que se faz necessário a atuação destes órgãos e nossa atitude consciente para impedir que criança, a partir dos 5 anos de idade deixe de brincar e evoluir naturalmente para se expor a todo tipo de risco, durante o trabalho em canaviais, coleta de cizal, fabricação de carvão vegetal, coleta de laranja, de tomates e folhas de tabaco. Além de perder a infância, essas crianças perdem a saúde, pois são mutiladas pelas ferramentas, carregam peso excessivo, lidam com fumaça tóxica e agrotóxico, sem nenhum equipamento de proteção. PALAVRAS-CHAVE: Criança, Luto, Perdas, Trabalho.

ABSTRACT

The goal of this research is to alert parents and families on the importance of the host offered to children at the time of loss, as the psychologist deal. We deal here with different types of losses, from material to the emotional. We also show, by consulting the competent organs, that child labor is a sad reality in Brazil. What is needed the work of these bodies and our conscious attitude to prevent the child from the 5 years-old to play and let naturally evolve to expose the whole kind of risk, while working in sugar cane fields, cizal collecting, manufacturing charcoal, collection of orange, of tomatoes and leaves of tobacco. Besides losing their childhood, these children lose their health because they are disabled by tools, carry excessive weight, and deal with smoke and toxic pesticide, with no protective equipment. KEYWORDS: Child, Grief, Losses, Work.

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1. Elizabeth Kubler-Ross. ..........................................................................

FIGURA 2. Família TAKAKURA no Brasil. ...........................................................

FIGURA 3. Família TAKAKURA no Japão. ...........................................................

FIGURA 4. Pestalozzi com os órfãos em Stans ........................................................

FIGURA 5. Aldeia de Stans em 1790, alguns anos antes da Revolução Helvética...

FIGURA 6. Castelo de Iverdon. ................................................................................

FIGURA 7. Dora Incontri. .........................................................................................

FIGURA 8. Gráficos do IBGE – Nível de Ocupação por faixa etária. .....................

FIGURA 9. Gráficos do IBGE – Trabalhos Domésticos a partir dos 05 anos de

idade. .........................................................................................................................

FIGURA 10. Gráficos do IBGE – Trabalhos a partir dos 05 anos de idade e a

posição na ocupação. .................................................................................................

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................

1. Crianças que Trabalham - Perda da Infância..................................................

1.1.Introdução ao Mundo das Letras. ....................................................

1.2.Desenvolvimento Cognitivo. ...........................................................

2- Mudança de Cidade ou País............................................................................

2.1.Perda do contato com entes queridos. ..............................................

3. Morte de Entes Queridos.................................................................................

3.1. Refletindo sobre a experiência do adoecimento e da morte. ...........

3.2. Falando da Morte com Crianças - Morte e criança. .........................

3.2.1. Perda e o Processo de Luto. ..........................................................

3.2.2. Luto da Criança. ............................................................................

3.3. Pais aidéticos - Filhos órfãos. .....................................................................

3.4. A casa abrigo. ..............................................................................................

4. Separação do casal - Perda da convivência com um dos pais. ........................

4.1.Papai – Liberdade Cerceada. .............................................................

4.2.O Casamento do Papai. ......................................................................

5. As Crianças de Pestalozzi. ...............................................................................

5.1. A Revolução Helvética e a Tragédia de Stans. ................................

5.2.Sistema de Educação de Pestalozzi. .................................................

CONCLUSÃO. .................................................................................................

REFERENCIAS. ...............................................................................................

ANEXOS:

A. Entrevista - Luiz Fernando de Andrade Penteado - psicólogo clínico. .........

A.1. Paciente com Hidrocefalia. .............................................................

A.2. Paciente – HIV – Soro Positivo. .....................................................

A.3.Como acolher as crianças na Casa Espírita? .....................................

B. Homenagem – Dra. Elisabeth Kubler-Ross. ...................................................

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INTRODUÇÃO:

O objetivo deste trabalho é alertar pais e familiares, sobre a importância do acolhimento

oferecido a crianças no momento de perda ou “Luto Infantil”, como denomina os psicólogos.

Tratamos aqui de diversos tipos de perdas, desde o bichinho de pelúcia destruído pelo

cachorro até a morte de entes queridos.

Fomos educados desde a mais tenra idade para ganhar, somar, conquistar e ampliar nossos

bens. Cobramos carinho e atenção de todos que nos rodeiam. Quando somos pequeninos, o

menor ser da família, atraímos todas as atenções. Entretanto, essa atitude dos nossos entes

queridos não nos ensina a dividir e compartilhar.

Ao longo de 15 anos trabalhando na “Educação Espírita Infantil”, venho observando o

comportamento das crianças. Temos de 02 a 15 anos de idade e com elas mantenho contato

uma vez por semana. Essa foi a razão que me levou a pesquisar um pouco sobre as perdas na

infância e como os profissionais da área da saúde, lidam com estas questões.

Muitos trabalhadores, mesmo demonstrando todo seu amor para com os pequenos, sentem-se

impotentes ao se depararem com uma criança triste, isolada das demais, sofrendo com a dor

da perda, e nesse momento tudo o que temos é nosso afeto, atenção e boa vontade.

Penso que seria diferente se o educador estivesse preparado para lidar com as emoções dos

seus assistidos. Seria importante que os adultos fossem preparados para explicar as crianças

porque ocorrem as perdas. A preparação adequada o tornaria um educador apto a responder as

indagações, assim como inspirar segurança aos pequenos, carentes de atenção, colo e calor

humano.

Por que nos separamos das pessoas a quem amamos?

Por que temos que abrir mão de coisas que gostamos?

Por que perdemos nossos bichinhos de estimação?

Por que as pessoas têm que morrer?

Começamos a coleta de dados, buscando informações junto a profissionais que trabalham com

perdas na infância, nas mais variadas situações.

Também vivenciei experiências de perdas na infância. A maioria foi superada, porém a

lembrança de outras ainda machuca. Seria a falta de orientação adequada na infância, ou é

normal que todos sintam saudades e sofram ao lembrar fatos tristes registrado na mente?

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Quando criança eu detestava ir a funerais A aparência do morto me dava medo, se por acaso

eu precisasse ir, depois não conseguia dormir. Isso durou até a adolescência.

Quando mocinha, eu que morava no interior de SP, vivi uma fase diferente. A ocorrência de

um funeral também era uma reunião social. Vinham os parentes e os amigos da família.

O problema não era medo de morrer e sim o de ficar só. Meu pai faleceu quando eu tinha

apenas seis anos de idade, vítima de um acidente, o que nos levou de volta a casa dos avós

maternos. Meses depois o avô também morreu, mas a família era grande e tinha muita gente

que poderia nos entreter ou nos ajudar.

Hoje com mais de 50 anos e com um conhecimento razoável sobre a “Doutrina dos Espíritos”,

codificada por Allan Kardec, já não tenho motivo para desespero na hora da partida de entes

queridos. A dor da separação, da saudade, é claro que sempre vai existir, pois somos sensíveis

e quando amamos alguém, queremos estar por perto, fazer uma visitas, dar um telefonema,

enviar cartas ou mensagens pela internet.

Não consigo imaginar os sentimentos que ficam com os familiares daqueles entes queridos

que partiram, levados pela morte, quando os seus não acreditam que a vida continua do outro

lado, ou ainda, como seria para as pessoas egoístas que não aceitam a separação, julgam que

Deus não deveria ter tirado do seu convívio, aquele ser amado que hoje se encontra distante

dos olhos.

Temos o caso da Aninha (ACSJ), ela tinha apenas três anos quando o pai faleceu após dois

meses doente. Filha de um casal católico, ela acreditava que o pai estava no céu.

Na ocasião, a mãe de Aninha a convenceu de que Deus gostava tanto do seu pai que o levou

para morar perto dele. No primeiro ano, ela encarou a perda de maneira surpreendente, pegava

o telefone e ficava conversando, em sua imaginação, com o pai distante. Depois foi para a

escolinha, fez novos amigos, trazia atividade escolar e as horas passavam mais rápido.

Para entender melhor o comportamento da Aninha, consultamos o trabalho realizado por

Cecília Casali Oliveira, “Visão da Criança sobre a Morte”, para o Simpósio de Medicina de

Ribeirão Preto (2005 p.38 (1)p.26-33) “MORTE: Valores e Dimensões” Logo no início,

encontramos os versos abaixo:

Amar o perdido / Deixa confundido / este coração.

Nada pede o olvido / Contra o sem sentido / Apelo do não.

As coisas tangíveis / Tornam-se insensíveis / Á palma da mão.

Mas as coisas findas / Muito mais que lindas / Essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade. “Memória”.

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O adulto subestima a inteligência e a percepção da criança diante da morte daqueles que lhe

são caros e entre estes estão inclusos os familiares, os amiguinhos, os bichinhos de estimação

e até seus brinquedos favoritos quando estes sofrem um acidente sem recuperação.

Acreditamos que não devemos dizer a uma criança “O cachorro morreu, mas nós lhe

compramos outro”, o mesmo com o peixe, o gato, o coelho ou qualquer bichinho de

estimação que o filho ou neto tenha perdido. Seria o mesmo que dizer à criança que o pai ou o

avô que morreu pode ser facilmente substituído por outro.

No caso de madrasta ou padrasto deve-se incentivar o respeito pelo novo cônjuge dos pais,

mas nunca tentar substituir aquele que faleceu. O carinho dedicado a um ente querido é

insubstituível.

Os adultos, muitas vezes, na tentativa de proteger a criança, tomam atitudes inadequadas.

Uns optam por mentiras fantasiosas dizendo que o falecido viajou de repente e escondendo o

funeral da criança. Assim ficam num corre-corre, de lá pra cá e de cá pra lá, enquanto

esperam o melhor momento para contar a verdade.

Iludem-se ao imaginar um momento melhor. A criança é muito sensível e o adulto se ilude

tentando esconder os fatos pois ao presenciar lágrimas e lamentos por todo lado, a criança

intui que há algo errado. Quando um familiar está com uma doença incurável é aconselhável

preparar a criança para a despedida do ente querido enfermo. Caso não saiba como lidar com

a situação, é preferível contar a ajuda de um profissional para orientar toda a família.

“... (Morienterapeuta (moriens – que está morrendo) Therapeuein – cuidar,

servir, curar). O Morienterapeuta entra em cena quando as esperanças se

foram. A despedida é certa. Ele ou ela tem de estar em paz com a vida e a

morte, tem de saber que a morte é parte da vida... é preciso que a despedida

seja mansa e sem dor”. (OLIVEIRA, 2005.p.32).

Durante um seminário, que a Dra. Elizabeth Kubler-Ross apresentou, foi questionada sobre o

comportamento das crianças que perdem pai ou mãe e com muita propriedade ela nos mostrou

que os pais que tem medo da morte passam o medo para os filhos. As famílias que tratam o

tema como tabu perdem a oportunidade preciosa de educar as crianças para a vida e para a

morte.

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Segundo Kubler-Ross, é importante apresentar o doente às crianças da família e se o caso for

grave, mostrar-lhes o que pode ser feito para tornar a vida do enfermo um pouco mais

agradável. Leve as crianças ao funeral de familiares, explicar a elas que a morte é um

processo natural, que algumas pessoas vivem mais outras menos, assim como os animais e as

plantas, o ser humano também vem e volta, transita entre os dois mundos assim chamados

“Mundo dos vivos e Mundo dos mortos”.

Kubler-Ross, em seu livro “ O Túnel e a Luz”, narra a história de Liz: “Algum tempo atrás,

fui chamada para ver uma menina de doze anos que estava morrendo. Conseguimos tirá-la do

hospital para morrer em casa. Sempre que humanamente possível, levo todas as minhas

crianças para morrer em casa, mas nunca coloco no quarto porque os quartos são com

freqüência usados para punir as crianças. Presumo que não seja diferente aqui, na Suécia.

Acho que todos se lembram que, ao desobedecer quando criança, eram mandados para seu

quarto e, ao se acalmarem, tinham permissão de sair dele novamente. Muitas crianças

associam os quartos com coisas indesejáveis, tabus, punições e isolamento”.

Por isso, continua Dra. Kubler-Ross, levamos as crianças para a sala e as colocamos em uma

grande cama de onde possam ver a floresta, o jardim, as nuvens ou as flores, os passarinhos

ou a neve.

“Liz estava em uma cama na sala; muito, muito lentamente morria de câncer.

A mãe conseguia se aproximar da menina de uma maneira muito bonita. Mas

o pai era incapaz de dizer qualquer coisa – (...)”. (KUBLER-ROSS, 2003,

p.37).

A família da menina, assistida por Kubler-Ross, era composta pelo pai, mãe e quatro irmãos.

Liz tinha 12 anos, os irmãos seis, dez e onze. Todos sabiam que a irmã estava morrendo e

procuravam estar em sua companhia, se despedindo a cada dia. Porém, o irmão caçula de seis

anos era o mais impaciente. Quando questionado pela Dra. Ross sobre seus sentimentos com

relação à irmã doente, ele foi simples e direto, disse que estava cheio daquela situação, pois

não podia bater a porta, não podia brincar com os amigos na sala e nem ver televisão.

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Figura 1. Dra. Elizabeth Kubler-Ross

Para uma criança de seis anos, perder a liberdade de fazer as coisas de que gosta é muito ruim.

A família voltou toda a atenção para a enferma, esquecendo que os outros filhos necessitavam

continuar suas vidas, e mesmo amando a irmã doente, não podiam deixar de lado as coisas

que eram importantes para eles.

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1. Crianças que Trabalham - Perda da Infância.

Fazer carvão,

Cortar cana-de-açúcar,

Preparar e carregar o Cizal,

Quebrar castanhas, cacau ou pedras,

Colheita de laranja, tomate ou folhas de tabaco,

Vender balas ou pedir esmolas nas grandes avenidas.

As crianças que trabalham principalmente as que ainda não freqüentaram o ambiente escolar

sofrem grandes prejuízos no seu desenvolvimento social e emocional. Ao iniciar seu período

de aulas, dentro da faixa etária adequada, entre 4 e 6 anos, ela será introduzida

progressivamente e naturalmente na dimensão da cultura humana. Esse período caracteriza o

despertar da curiosidade espontânea do ser humano.

O contato com o mundo das letras, o suporte oferecido pelos mestres e materiais didáticos, a

disputa saudável que acontece entre os colegas de aprendizagem, tudo concorre para que esta

criança tenha bases sólidas ao seu desenvolvimento posterior, seja na puberdade ou na fase

adulta. (RAPPAPORT,1982).

O trabalho infantil, além de provocar muitas perdas no desenvolvimento do ser humano, é

acima de tudo desumano. A criança tem o direito de ser feliz, e nem estamos nos referindo ao

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, pois se houvesse respeito pela infância, seria

dispensável criar estatutos que poucos obedecem.

Ao iniciar no trabalho precocemente ela perde a oportunidade de estudar e escolher a carreira

profissional, diferente daquela de que fora obrigada aceitar em troca do alimento, muitas

vezes escasso, insuficiente para toda a família.

É com pesar que assistimos as reportagens sobre o trabalho infantil. São constrangedoras as

imagens de crianças vendendo balas nos semáforos das grandes cidades, cortando e

carregando cizal no Nordeste, colhendo folhas de tabaco no Sul, fazendo carvão no Centro

Oeste, cortando cana de açúcar e colhendo café no Sudeste.

Citamos apenas o Brasil, mas o trabalho infantil existe no mundo todo. Exemplificamos

alguns trabalhos pesados ou insalubres que conhecemos como o contato com defensivos

agrícolas, utilizados nas lavouras de fumo, café, tomate, hortaliças e laranja, onde também se

utilizam mão de obra infantil.

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Vemos o horror da fumaça e o pó de carvão nos fornos, onde crianças e suas famílias que

trabalham sem nenhuma proteção. Nos canaviais, a situação não é diferente para as crianças

que trabalham. Quando a cana é cortada ainda verde, suas folhas cortam a pele até dos

adultos, imaginem a pele das crianças que é mais delicada.

Quando a cana é queimada antes do corte, ao bater o facão para cortar a cana bem rente ao

solo, o pó restante da queimada se movimenta e é inalado pelos trabalhadores ao respirar, é

cinza, é tóxico e prejudicial aos pulmões ao longo do tempo. Junte-se a tudo isso, a falta de

higiene, má alimentação, falta de socorro adequado quando ocorrem acidentes de trabalho,

etc.

Essas crianças serão os chefes de famílias do futuro.

Que futuro? Seus filhos seguirão os caminhos dos seus pais, seus netos também se esta

corrente infeliz não for quebrada.

É vergonhoso ter que convivermos com notícias e gráficos, que a primeira vista, quando

lemos somente o titulo, imaginamos que o trabalho infantil realmente diminuiu. Observem os

dados abaixo, divulgados pelo IBGE – Instituto Brasileiro de geografia e Estatística.

TRABALHO INFANTIL CAI POUCO E AINDA HÁ 1,2 MILHÃO DE CRIANÇAS

EXPLORADAS

”Portanto, apesar do IBGE apresentar os dados relativos ao trabalho infantil dentro da faixa de 5 a 17 anos, é preciso considerá-los dentro das divisões por grupos de idade e situá-los nas determinações da legislação brasileira. ( Set/2008.)”

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Figura 8. Gráficos do IBGE – Nível de Ocupação por faixa etária.

Pesquisa nacional por amostra de domicílios 2006 - Aspectos complementares de

educação, afazeres domésticos e trabalho infantil-Código: 8954

GRÁFICOS DO IBGE – Pesquisa Divulgada em 2006

Figura 9. Gráficos do IBGE – Trabalhos Domésticos á partir dos 05 anos de idade.

“Para as crianças de 5 a 9 anos, o quadro era bastante diferenciado entre as regiões, com o Sudeste e o Sul apresentando, nessa ordem, o percentual mais baixo (21,2%) e o mais alto (30,3%).

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Aproximadamente nove em cada dez crianças e adolescentes que exerciam afazeres domésticos freqüentavam escola. Em todas as faixas de idade, a taxa de escolarização dos que exerciam afazeres domésticos era superior a dos que não exerciam”.

Figura 10. Gráficos do IBGE – Trabalhos á partir dos 05 anos de idade e a posição na ocupaçao.

“O trabalho agrícola não-remunerado estava intensamente presente entre as crianças e adolescentes ocupados, sobretudo entre os mais novos: dos ocupados com 5 a 13 anos de idade, 95,1% estavam em atividades agrícolas e sem remuneração. Para o universo de pessoas de 5 a 17 anos de idade, essa situação se verificava em todas as regiões brasileiras, com destaque para o Sul, onde 91,0% das crianças e adolescentes ocupados desempenhavam atividades agrícolas não-remuneradas. Além desse elevado percentual de crianças e adolescentes em atividades agrícolas sem remuneração, aproximadamente 79,0% dos adolescentes de 16 a 17 anos de idade que estavam trabalhando como empregados ou trabalhadores domésticos não tinham carteira de trabalho assinada em 2006. No Nordeste, foi encontrado o menor percentual de pessoas nessa faixa etária com carteira assinada (3,8%); e no Sul, o mais alto (33,1%)”.

E assim, após observarmos os gráficos coloridos, os noticiários da TV, ficamos tristes, mas

em seguida, o telejornal apresenta uma noticia alegre, festiva e muito se esquecem das

criancinhas com suas mãos sujas e feridas pela violência do trabalho infantil.

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1. 1. Introdução ao Mundo das Letras

É no período escolar que a criança vai sendo introduzida progressivamente a cultura humana.

Também neste período que a criança desenvolve suas relações emocionais conforme podemos

constatar na teoria Piagetiana. (RAPPAPORT,1982, p.2).

É também o período da organização de pequenos grupos “As Panelinhas”, onde ocorrem as

trocas de conhecimentos, as fofocas, a proteção entre os amigos, em alguns casos, para se

defender do grupo rival. É também no ciclo básico escolar que ocorre o envolvimento com o

mundo das letras, indispensável para a transformação formal do conhecimento.

“A escola lhe será um ponto de múltiplas cobranças e realizações. Uma nova

figura, vinda de fora, complementa ou até substitui os pais na implantação dos

modelos de lei e de realizações. A competição contra as tarefas e contra os

colegas é efetuada com uma proteção apenas relativa. Se seu desenvolvimento

físico, psicomotor, intelectual e afetivo é normal, estará apto para as batalhas.

Se atrasado ou perturbado, o mundo das letras será impenetrável fonte de

frustrações, estará frágil para os embates sociais e, frequentemente, só lhe

restará o retorno a um infantilismo emocional pelas cobranças que não poderá

atender”. (RAPPAPORT,1982, p.3).

1.2. Desenvolvimento Cognitivo

Dos 7 aos 12 anos a criança passa a desenvolver as operações concretas. (RAPPAPORT,1982,

p.45).

O pai será o primeiro exemplo a ser seguido pelo filho e a mãe, pela filha. O menino busca no

pai os valores morais, o programa de TV, o futebol nos finais de semana e o interesse pelas

conversas do pai com os amigos. A menina desenvolve interesse voltado para a mãe e para a

professora, na escola. A menina veste as roupas da mãe, coloca sapatos de salto alto,

maquilagem, jóias e adereços que a torne semelhante à imagem da mãe.

“Existem algumas propostas específicas derivadas dos estudos de psicanalistas

seguidores de Melanie Klein, como por exemplo, M. Langer, R. Soifer etc.

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Nestas propostas, fica clara a importância do relacionamento menina-mãe,

desde a mais tenra infância, para aquisição de uma identidade feminina

saudável, de um sentimento de bem-estar em relação a si própria, a seu corpo, a

menstruação, as manifestações de sua sexualidade, á gravidez, parto,

desempenho do papel maternal, etc.” (RAPPAPORT,1982, p.46).

A criança obrigada a trocar os livros escolares pelas ferramentas de trabalho na infância,

obrigatoriamente, será forçada a pular etapas importantes do seu desenvolvimento de modo

geral. Quando observamos o rosto da criança entrevistada durante uma reportagem sobre

trabalho infantil, notamos que ela, além de tímida, sente vergonha pela sua ignorância, pela

dificuldade de se expressar ao responder as perguntas do repórter, sente tristeza pela falta de

opção.

Hoje, com a expansão da energia elétrica, mesmo sem freqüentar escola, muitas crianças tem

acesso a informação pela TV. Sentem desejos de possuir bens como brinquedos, roupas,

calçados, freqüentarem o colégio, ter amigos, poder dizer que é um estudante, mas olhando

suas mãos, no lugar do lápis encontramos as bolhas e calos provocados pelos instrumentos do

trabalho pesado que as crianças vem executando junto aos adultos.

Os pais, na maioria analfabeta, conforme assistimos nas reportagens da TV, acham normal ver

seus muitos filhos no trabalho para ajudar no sustento da família e alguns pais ainda

respondem que é bom ter muitos filhos, assim, na mesma proporção, tem muitos braços para o

trabalho, mas se esquecem que mais filhos, mais necessidades a serem suprida, e assim como

foram criados os seus antepassados, também seus filhos o serão se nada for feito agora para

ajudar esta geração, quebrando a corrente da ignorância.

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2. Mudança de Cidade ou País.

2.1.Perda do contato com entes queridos.

Perda do carinho, do toque físico, da companhia dos entes queridos que mudam de País ou

para um local distante, seja definitivo ou a trabalho. No documentário seriado, exibido pela

TV Bandeirante em 2008, em homenagem aos 100 anos da imigração japonesa para o Brasil –

“Haru e Natsu, as cartas que não chegaram” nos deparamos com inúmeras perdas na Infância

dos personagens na dramatização de uma história real.

Vejamos aqui a saga da família TAKAKURA do Japão. No porto de Kobi no Japão, a família

Takakura se preparava, junto a outros imigrantes para embarcar no navio Kasatu Maru com

destino ao Brasil. Quando chegaram para inspeção de saúde, o médico percebeu que a irmã

menor, Natsu, estava com Tracoma Ocular, um tipo de conjuntivite. Na época em 1934 não

havia remédio eficaz e a contaminação do navio seria inevitável.

A garotinha foi deixada na hospedaria para ser retirada por um familiar que viria busca-la e

assumir sua educação até o retorno dos pais que estava programado para três anos mais ou

menos. Temos duas histórias de perdas na infância, vividas pela mesma família, uma parte de

cada lado do Oceano. Eram quatro filhos; Shigeru, Minoru, Haru e Natsu.

Figura 2. Família TAKAKURA no Brasil.

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No Brasil, a irmã mais velha sofre com a saudade da irmã menor, a falta da escola, agravada

pela dura vida na lavoura de café. Seu irmão Shigeru contraiu febre amarela e veio a falecer.

Figura 3. Brasil Japão

No Japão, a irmã mais nova, Natsu, que havia ficado com a avó, sofria a saudade dos pais, a

falta da companhia da irmã, a falta de alimentos para todos e os maus tratos causados pela tia

e pelos primos. As cartas da família, enviadas do Brasil, nunca chegaram para Natsu, pois a

primeira carta continham dinheiro japonês dentro dela, fora enviados a Natsu, já que a moeda

japonesa não podia ser usada no Brasil, a tia usou o dinheiro e escondeu todas as outras

cartas com medo de ser descoberta.

Com a morte da avó, a pequena Natsu foge da casa dos tios e é encontrada e protegida pelo

Sr. Tukoji, um velho fazendeiro viúvo cuja única filha também tinha morrido. O Sr. Tukoji

cuidou de Natsu como neta, ensinando a lidar com a fazenda, as vagas e a produzir queijos

caseiros, para ganhar algum dinheiro.

A menina era muito feliz com o avô adotivo, até que a febre espanhola o levou também.

Novamente, Natsu, com apenas 10 anos, se achava sozinha no Japão, com um sítio e algumas

vacas para ordenhar e alimentar, e tinha também os queijos. Dois amigos, filhos de

fazendeiros vizinhos, foram designados para ajudar nas tarefas deixadas pelo Sr. Tukoji, após

sua morte. Então explodiu a Segunda Guerra Mundial em 1939.

Os soldados confiscavam tudo em nome de Sua Majestade o Imperador. Todo o leite era

levado pelos soldados, os jovens, agora adolescente, já estavam muito fracos para suportar o

trabalho pesado da fazenda. Ao terminar a guerra em 1945, um soldado nisei, naturalizado

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americano, se apaixonou pela jovem japonesa Natsu, mesmo contra a opinião dos seus dois

amigos, ela pretendia casar-se. Então ela sofreu uma grande decepção, quando o jovem

soldado foi convocado para retornar aos Estados Unidos da América, deixando sua amada

grávida e sem família.

Para evitar que seu filho crescesse sem pai e ainda ter que enfrentar todo tipo de preconceito,

ela se casa com um jovem japonês que estava interessado apenas na sua pequena fábrica de

biscoitos construída com o apoio do seu namorado americano. Natsu teve mais um filho, pois

seu marido reconheceu o filho bastardo e sugeriu que tivessem um filho legítimo. Ela não foi

feliz no casamento. Durante anos conviveu com a infidelidade do companheiro, e também não

educou seus filhos de maneira correta, transformou os jovens em garotos mimados que só

sabiam gastar o dinheiro da mãe.

Dentro do seu coração havia muita mágoa pelo abandono da família, sentimento que fez com

que ela oferecesse aos filhos tudo o que lhe fora negado na infância solitária e de muita

miséria. Quando imigraram para o Brasil, a promessa era de voltar em três anos e com muito

dinheiro. No Japão, Natsu imaginava que sua família estava rica e não se importavam com

ela. Mal sabia da miséria que eles suportavam em terras distantes, sem ao menos dominar o

idioma da nação onde viviam. Após 70 anos, quando sua irmã Haru finalmente consegue ir ao

Japão com seu neto, procurar pela irmã que nem quer ouvir falar de sua família, a dor era

tanta que ela preferiu se convencer de que todos estavam mortos.

Natsu só fica sabendo a verdade quando sua prima a procura para entregar as cartas de sua

infância. Graças as cartas, as duas irmãs puderam terminar seus dias juntas no Brasil. Para

Natsu que cresceu longe dos pais, os danos foram bem maiores. Faltou amor, faltou proteção

e sobraram dores e sofrimentos por uma vida inteira de abandono.

15

3. Morte de Entes Queridos.

3.1 . Refletindo sobre a experiência do adoecimento e da morte.

“A doença e a morte não são temas que associamos á infância.

Tradicionalmente espera-se que os velhos morram antes do que os novos”. (...)

“Antes de mais nada, adoecer nas primeiras fases da vida está:” Fora do

planejamento da vida – achamos que tudo tem seu tempo e adoecer ou morrer

não faz parte da infância ou adolescência, mas somente da velhice; Mudanças

no desenvolvimento normal – a criança e o adolescente devem passear e se

divertir, estudar e não ter preocupação, mas frente á doença tudo muda, eles

passam a pensar e refletir sobre situações adversas e doloridas que

transformam sua visão de vida;” (SCHLIEMANN apud INCONTRI,

SANTOS, 2007, p.50).

Como se sentem os irmãos menores ao observar as mudanças no comportamento dos pais, a

ausência do irmão hospitalizado, a tristeza que ronda a aparência de todos os envolvidos?

Independente da idade da criança doente, não podemos ignorar seus sentimentos de perda. Se

o doente está em idade escolar e deixa de freqüentar o colégio, se afasta dos amiguinhos, fica

privado de acontecimentos importantes para o aspecto cognitivo e a maturação emocional da

criança doente. É preciso ficar atento, buscar ajuda profissional e terapias com psicólogos

para evitar problemas futuros depois que a criança for curada, cuidar da recuperação da

identidade que foi modificada durante o período que ela estava doente.

3. 2. Falando da Morte com Crianças - Morte e criança.

Morte e criança parece tratarem-se de assunto incompatíveis. Será? A maioria

das pessoas diz que esse não é assunto do universo infantil, somente dos

adultos. Porém, estamos constantemente expostos a morte: seja nas ruas

(violência, homicídios, acidentes...), ou nos meios de comunicação, dentro de

nossas próprias casas (rádios, jornais e nos noticiários na TV: nas cenas de

violência física, nas cenas de acidentes, catástrofes, homicídios, guerras,

atentados...) E a criança faz parte desse cenário. (PAIVA in INCONTRI,

SANTOS, 2007.p.179).

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3.2.1. Perda e o Processo de Luto

Quando nos referimos ao LUTO, logo surge a idéia de que alguém morreu, mas o luto pode

ocorrer em outras situações de perdas. Para a criança, quando morre seu animal de estimação,

ela fica de luto e não adianta prometer outro animal de imediato, devemos ser sensíveis ao seu

sentimento de luto, deixar que a criança experimente a dor da perda oferecendo nossa

compreensão e apoio pela morte do cachorro, gato, peixinho ou qualquer outro animalzinho

de estimação, caso contrário, quando acontecer a morte física de um ente querido, como

iremos substituir a pessoa amada que partiu?

3.2.2. Luto da Criança

“É importante ressaltar que as crianças no período pré-operacional ainda não

tem conhecimento de que a morte é irreversível e da qual não há volta.

Precisam ser informadas do fato. Surgem sentimentos ambivalentes em

relação a perda, mas o sentimento de culpa pode aparecer com muita força

relacionada com a influência do pensamento mágico onipotente tão presente

nas crianças nesta fase do desenvolvimento. (...) A criança sabe que algo

aconteceu, e busca as informações que precisam para entender o que está

acontecendo, o que pode causar mais medo e insegurança”. (KOVÁCS in

INCONTRI, SANTOS, 2007, p.228).

3.3. Pais aidéticos - Filhos órfãos.

Como trabalhar as perdas com os filhos de pais aidéticos na fase terminal? Como trabalhar o

emocional dos pais, cujos filhos serão entregues aos cuidados de terceiros? Outro trabalho

muito interessante que nos chamou a atenção foi o livro “MORTE” da Psicóloga Maria Elisa

Pessoa Labaki. Ela relata o período em que atuou como psicóloga no ambulatório de Aids do

Hospital São Paulo da Escola Paulista de Medicina (1986 a 1990).

Em 1990, a AIDS assustava bem mais as pessoas e seus familiares, o que com o tempo já não

estão sendo levados á sério como deveria ser. Hoje, em 2008, as pessoas ignoram os efeitos

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colaterais dos medicamentos, acreditando que o “Coquetel” pode fazer milagres, o que

infelizmente é utópico. (LABAKI, 2006, p.32).

Para trabalhar em um ambiente tão hostil, onde a emoção é o principal ingrediente a ser

manipulado, somente um Espírito cuja compreensão das dores humanas é inata, e a perfeição

deste sentimento vem sendo burilado ao longo dos anos. O texto abaixo remete-nos a uma

reflexão sobre a tarefa assumida por esta profissional.

“Acrescentam-se fatos pessoais. Há muito tempo me pergunto sobre a morte.

Criança, me dei conta de que as feições emolduradas dos mortos que

habitavam meu ambiente familiar eram figuras dos que já não estavam mais

ali porque doenças os fizeram desaparecer, sumir. Como era terrível ver

realizada a fantasia de perda da mãe – em geral contrariada com o repetido

regresso dela – e testemunhar a comprovação de que ela podia, de fato, deixar

de existir, apagar-se! O terrível sumiço, que os retratos dos mortos revelam,

devolvia ao sonho a eficácia perdida, a porção de mistério, trazendo a tona a

fantástica mistura de realidade com ilusão. Transporta-me, também, o quebra-

cabeça de reminiscências para os dias de feira livre, cujo acesso possível

levava-me a travessia – voluntária; não obrigatória – de, como não bastasse

um, dois cemitérios próximos a minha casa. As missas fúnebres com corpo

presente tanto me atraiam que, certa vez, me aproximei de uma delas cantando

em alto e bom som a seguinte cantiga de ninar: “Boi, boi, boi, boi da cara

preta, pega esta menina que tem medo de careta”. (LABAKI, 2006, p.33).

3.4. A casa abrigo.

Conhecemos uma casa abrigo para crianças soro positiva para o vírus HIV. Tentamos realizar

um trabalho com outros voluntários, mas fracassei, então busquei ser útil em outra ocupação

que exigesse menos do meu emocional. Na época, a minha formação era apenas na área de

ciências exatas, talvez hoje eu pudesse tentar novamente trabalhar com esse grupo de

crianças, visto que já consigo fazer visitas periódicas.

Acreditamos na importância de se fazer a escolha certa para ter êxito no trabalho escolhido,

seja ele remunerado ou voluntário. Em outubro de 2007, uma empresa doou vários bichinhos

de pelúcia recusados pelo controle de qualidade, cujo defeito era imperceptível. O gerente me

pediu colaboração na distribuição deles para crianças carentes. O primeiro lugar que passamos

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foi na Casa Abrigo, onde 20 crianças e jovens menores de idade são acolhidos com seus

acompanhantes, durante o tratamento no Hospital das Clínicas em São Paulo.

Uma jovem de 16 anos portadora de leucemia recebeu de presente uma gata branca de

aproximadamente 50 cm, com música em uma das patas. Quando acionou a patinha da gata, a

paciente começou a chorar, perguntamos o porquê da sua emoção e a resposta foi direta

“Nunca ganhei um bicho de pelúcia grande e nenhum brinquedo com música”. Essa

adolescente reside em uma cidade do interior de Rondônia, soubemos que estava afastada por

um período, fazendo tratamento á distância.

É necessário se preparar antes de se lançar nesse tipo de trabalho, é muito sofrido estar com as

crianças sem poder dar esperança de que elas seriam curadas, o grupo continua, mas por hora

estou afastada.

Hoje, temos uma aliada importante para nos ajudar a adquirir o conhecimento sobre o ser

humano e o equilíbrio necessário para lidar com questões morais e espirituais, a “Pedagogia

Espírita”, que nos faz perceber, principalmente, que se aprende mais, onde julgamos ensinar,

que se somos ajudados onde nos colocamos para ajudar e que se dividirmos um pão ao meio,

ficaremos apenas com a metade dele, mas se dividirmos amor e atenção com outros seres,

ambos sairemos com o dobro do conteúdo que tínhamos no inicio.

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4. Separação do casal.

4.1. Perda da convivência com um dos pais

Outro trabalho bem interessante que pesquisamos “PERDAS NECESSÁRIAS” de Judith

Viorst. Como é difícil aceitar que perder é necessário, é importante para o nosso crescimento

e é inevitável que se perca algo ou alguém.

“Quando pensamos em perda, pensamos na morte das pessoas que amamos.

Mas a perda é muito mais abrangente em nossa vida. Pois perdemos, não só

pela morte, mas também por abandonar e ser abandonado, por mudar e deixar

coisas para trás e seguir nosso caminho. E nossas perdas incluem não apenas

separação e partidas dos que amamos, mas também a perda consciente ou

inconsciente de sonhos românticos, expectativas impossíveis, ilusões de

liberdade e poder, ilusões de segurança – e a perda do nosso próprio eu jovem,

o eu que se julgava para sempre imune as rugas, invulnerável e imortal”.

(VIORST, 1986, p.13).

4.2. Papai – Liberdade Cerceada.

Observando o comportamento das crianças com as quais trabalhamos e percebendo suas

mudanças, logo começamos a investigar. Trabalhamos na casa espírita, com educação infantil.

Entre todas as crianças do curso, havia uma que se destacava pelo comportamento alegre,

participativa, muito falante, estava sempre cantando ou dançando durante as aulas.

Um dia ela chegou com uma carinha triste que dava pena, abriu uma revistinha e se isolou do

grupo. Esperamos pelo melhor momento, não queríamos chamar a atenção dos outros alunos,

fomos investigar a ocorrência, saber por que ela estava triste.

- Estou com saudade do meu pai, disse ela baixando os olhos.

- Que houve com seu pai (NGR), está viajando?

- Não – falou bem baixinho para não ser ouvida - ele foi preso, fiquei sem meu pai.

Nesse momento, buscamos a intuição divina com um pedido de socorro aos céus, como

tranqüilizar aquela inocente criança, sem contar mentira e ao mesmo tempo colocar alguma

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esperança em seu coração. Não poderíamos ficar calados diante dos fatos, a notícia chocou,

então perguntamos:

- Você já ficou de castigo em sua casa?

- Já. Quando eu e meu irmão brigamos, minha mãe nos coloca de castigo para pensar

que é errado brigar e bater um no outro.

- Então minha querida, seu pai fez uma coisa errada e a justiça dos homens o colocou

de castigo, só que castigo de gente grande demora mais pra acabar, tenha paciência, quando

terminar, ele volta pra casa.

4.3. O Casamento do Papai.

Outro garoto, filho único do primeiro relacionamento dos pais, com quem tínhamos muita

liberdade de diálogo, também nos colocou numa situação delicada. Um dia ele chegou com

uma expressão eufórica, um misto de excitação e tristeza que não entendemos muito bem.

Perguntamos se estava tudo bem, então ele respondeu sacudindo os ombros.

- Está sim, meu pai vai casar! Que legal, respondi, pois entendi que os pais iam se casar e até

fiz um comentário do tipo: - Que bom que você vai ao casamento dos seus pais, é diferente!

Não, só o meu pai é que vai se casar com a tia fulana, não é com minha mãe.

Semanas depois, vimos as fotos do nosso aluno, com traje á rigor, junto ao pai e a madrasta,

uma família feliz. Seria precisamos ouvir a opinião das crianças, não é justo impor aquilo que

achamos que está bom pra nós, a criança é um ser individual.

Não confundir proteção com posse, os filhos não são propriedade dos pais, eles foram

colocados sob suas responsabilidade para educar e orientar, receber as primeiras diretrizes

para sua jornada evolutiva.

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5. As Crianças de Pestalozzi

“Johann Heinrich Pestalozzi, pedagogo, nasceu em Zurique na Suíça em 12 de Janeiro de 1746. Casou-se com Anna Schultherss em 1769 com teve um filho único, Hans Jakob, cujo nome faz homenagem á Jean-Jacques Rousseau. Pestalozzi, sempre preocupado com a educação dos pequenos mais desfavorecidos, fundou o instituto para pobres, cujas instalações ficavam na fazenda Neuhof na região de Birrfeld, aliando educação e trabalho, uma maneira de manter os internos ocupados enquanto aprendiam as letras e os cuidados com a natureza. Seu projeto foi à falência em 1780, fim do Instituto Neuhof, as crianças voltam para a miséria do antigo lar ou para as ruas onde pediam esmolas para entregar aos seus pais”. (INCONTRI,1996.p.09).

O texto abaixo nos ajuda na compreensão do trabalho do mestre Pestalozzi com as crianças de

Stans. Segue na íntegra, visto ser impossível suprimir qualquer informação contida no texto.

5.1. A REVOLUÇÃO HELVETICA E A TRAGÉDIA DE STANS

“Em seu projeto de expansão revolucionaria, a França encontrou na Suíça um campo desguarnecido, no qual foi fácil instalar uma nova ordem social, sua influencia e a presença militar, extremamente vantajosa ás ambições napoleônicas”. Na verdade, a situação político-social da Suíça no século XVIII era bastante confusa. Preponderava ainda o sistema confederativo, em que os cantões conservavam grande autonomia, embora algumas regiões detivessem predominância político-econômica sobre outras. Nos cantões rurais, ainda vigorava a democracia direta, através das Landesgemeinde (comunas regionais, cujas reuniões, aliás, Pestalozzi descreve em Leonardo e Gertrudes), embora em algumas prevalecesse o domínio dos sensores semifeudais. Em cidades industrializadas, como Zurique, por exemplo, uma forte oligarquia já se estabelecera, mantendo o poder de decisão e de voto estritamente nas mãos dos mais abonados, que geralmente faziam parte das tradicionais famílias que comandavam as corporações de ofícios. Formara-se aí o conselho dos Burger (burgueses), em que alguns poucos cidadãos representavam o restante da população urbana, que perdera a participação política. Há muito, as elites intelectuais suíças clamavam por reformas, pedindo a abolição, ou pelo menos a diminuição, dos privilégios aristocráticos e oligárquicos. Desde a década de 60, tanto a Sociedade Helvética como os chamados patriotas – grupos de que Pestalozzi fez parte ao lado de Lavater – pretendiam promover alguma espécie de mudança social. No caso de Pestalozzi, como já foi visto, houve uma evolução de um ponto de partida paternalista para uma democracia liberal. Entretanto, como bem observa Dierauer, pouca ou quase nenhuma ação concreta foi desencadeada por esses grupos.

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Pestalozzi, com o apoio do editor Iselin e como membro da sociedade secreta dos iluministas (cuja proposta era essencialmente influenciar e esclarece os que detinham o poder), tentou, durante mais de década, ganhar a simpatia dos aristocratas, para que estes encetassem as mudanças necessárias. No plano prático, não obteve nenhuma adesão de vulto, tanto que não conseguiu nenhum apoio para concretizar as experiências pedagógicas com que sonhava. “Mas, sem duvida, seus escritos publicados durante os anos 80 e 90 tiveram uma grande influência na difusão de ideais reformistas, que conclamavam a consciência das elites a dar maior importância ás necessidades e aos anseios da população.” (INCONTRI,1996.p.78).

Figura 4. Pestalozzi com os órfãos em Stans.

Após a guerra, o governo convoca os voluntários para reerguer Stans e Pestalozzi retoma seus

projetos educacionais como “Mestre-escola”. Pestalozzi que não desisti nunca, então com 53

anos, inaugura o Instituto de Stans em 7 de dezembro de 1798, dentro de um convento em

construção que lhe fora emprestado, e novamente Pestalozzi recolhe as crianças

desamparadas, sujas, cobertas por piolhos e feridas causadas pela falta total de higiene e a

miséria do pós-guerra. Com apenas uma criada e quase 80 crianças famintas de alimento e

afeto, encontraram no bondoso educador, o carinho, a compaixão e o instinto materno, que

havia em seu coração, soma-se á tudo isso as experiências dolorosas vividas nos últimos

acontecimentos em Stans.

“Conforme ele mesmo conta em sua carta, às condições de miséria, ignorância e embrutecimento do povo local, até mesmo das crianças, era algo pavoroso. Isso, porém, não o impressionou. Fez o que pode para acabar com a sujeira física que envolvia as crianças de feridas e piolhos e ensinar-lhes algo. As

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múltiplas pressões sofridas vão-lhe causar muito maior prejuízo”. (INCONTRI,1996.p.85).

Para defender seu projeto educacional, Pestalozzi tem que enfrentar os mais variados

obstáculos. Trabalhava com o pouco dinheiro que recebera do governo para cuidar e alimentar

quase 80 crianças, enfrentando a desconfiança generalizada da sua capacidade administrativa,

embora essa desconfiança fosse injustificada, pois Rufer já havia provado que Pestalozzi usou

de maneira sensata o dinheiro que o governo lhe confiou em outra empreitada. Havia também

a oposição da população que via em Pestalozzi um representante do governo que mandara as

tropas francesas massacra-los durante a rebelião. Havia os católicos que discordavam da

presença de um protestante assumindo a educação de seus filhos a mando do governo.

“Nem todas as crianças assistidas pelo instituto eram completamente órfãs: algumas tinham pai ou mãe. Havia crianças exploradas pelos pais, para mendigar e esmolar em seu favor. Pestalozzi, coadjuvado pelo governo, pretendia por um fim a essa situação e isso evidentemente feria os interesses escusos de certas famílias, afeitas á exploração das crianças e aos maus-tratos”. (INCONTRI,1996.p.86).

Todo o esforço de Pestalozzi para proteger as crianças não foi o bastante, pois se sabe que

após cinco meses de muito trabalho, quando os frutos começam a aparecer, o abrigo

improvisado das crianças no convento de Stans foi solicitado pelas tropas francesas e suíças

em guerra com a Áustria. Pestalozzi é afastado de suas funções de educador, doente e abatido.

Figura 5. Aldeia de Stans em 1790, alguns anos antes da Revolução Helvética.

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Pestalozzi retoma seu projeto educacional em 1804 com a reabertura do instituto em Iverdon e

em 1806 funda também um instituto para meninas no mesmo local.

Figura 6. Castelo de Iverdon.

Graças a persistência deste educador incansável, já com 58 anos de idade, crianças suíças e

estrangeiras, encontraram em Pestalozzi os métodos revolucionário de aprender, mas até se

firmar como educador, lutando contra inúmeros obstáculos, muitas crianças sofreram com as

perdas cada vez que um instituto era extinto até que outro fosse inaugurado. Percebe-se que

apenas Pestalozzi estava realmente preocupado com o destino dessas crianças, durante e no

pós-guerra.

Trechos da carta de Marc-Antoine Jullien (1775-1848) sobre o Instituto de Iverdon.

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5.2. “SISTEMA DE EDUCAÇAO DE PESTALOZZI”

“Os arredores do Instituto de Iverdon oferecem caminhos deliciosos, que parecem dispostos expressamente para os jogos e os prazeres da infância. Um grande lago, em cujas ribeiras foram plantadas largas alamedas de álamos, possibilita ao mesmo tempo banhos cômodos e seguros para as crianças e locais favoráveis para formá-las no exercício da natação”... “Todas as crianças, que formam uma só família, são tratadas com a maior doçura pelos preceptores, escolhidos, em sua maioria, entre os alunos mais antigos, nos quais, muito mais que mestres, elas encontram amigos e companheiros”. (INCONTRI,1996.p.165).

Figura 7. Profª Drª. Dora Incontri

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CONCLUSÃO:

“ACOLHIMENTO”. Esta é a palavra que melhor define um dos objetivos da Pedagogia

Espírita. Através do acolhimento, muitos sentimentos de dor podem ser amenizados,

independente da idade do ser sofrido.

Esse trabalho dá uma atenção especial às crianças e adolescentes e foi por eles que iniciamos

este trabalho que agora estamos concluindo, por exigência e necessidade de concluir o curso

de pós-graduação, mas isso não significa que nossos interesses por eles terminaram por aqui.

As perdas na infância ou o “LUTO INFANTIL” como define os psicólogos, podem e devem

ser tratados com carinho, valorizando o sentimento de quem perdeu. Cada ser humano elege

algo que seja importante, durante um período da sua vida, os valores mudam com o tempo,

mas enquanto durar respeite-o, pois é muito importante para quem o elegeu.

Vejamos o exemplo de um homem ou uma mulher aos 40 anos, quando começa a aparecer os

primeiros cabelos brancos e acentuam as marcas de expressão, são os sinais que a juventude

se foi e com ela, outras perdas virão. A diferença é que o adulto já estava ciente que esta fase

ia chegar, ele já está maduro e pode encarar outras perdas ao longo do caminho.

Com as crianças é diferente, toda perda é importante, elas tem suas posses, seus objetos e

animais de estimação, seus amigos e familiares queridos, elas só não tem, ainda, a convicção

de que tudo é finito na vida.

Quando morre um bichinho de estimação, evite oferecer outro de imediato, pois se fosse um

familiar que tivesse morrido como faria a substituição? Seja solidário, aproveite a

oportunidade pra falar sobre vida e morte, começo, meio e fim das coisas.

Quando morrer alguém da família, não esconda das crianças, busque alto controle, mostre que

enquanto morre um aqui, nasce outro acolá, e isso é fácil de ser demonstrado ou

exemplificado.

Se a família for cristã, comente sobre a passagem do evangelho “Na casa de meu pai há

muitas moradas” e que estas moradas estão por todo o universo. Dê uma explicação

convincente, não minta, pois a descoberta da mentira gera a dúvida e a desconfiança da

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criança naqueles que ela deveria confiar e se sentir segura e num momento de perda pode ter

conseqüências ainda piores.

A Dra. Elisabeth Kubler-Ross, era contraria a mentira, quando tratava de crianças com câncer

ou leucemia, em fase terminal. Ela colocava as crianças doentes, sempre que possível, de

maneira confortável, em uma cama grande no meio da sala, onde a vista externa fosse a mais

bela possível, e preparava toda a família para o momento final desta vida.

Nunca deixava o doente no quarto, pois na maioria das famílias, quando as crianças faziam

algo errado, eram mandadas para o quarto de castigo.

Vejamos a história de um garoto em situação de rua dos 6 aos 13 anos, o nome dele é Roberto

Carlos Ramos, depois de recolhido pela FEBEM (Fundação do Bem Estar do Menor), em

Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, de onde ele fugiu mais de 100 vezes.

Como ele mesmo relata, sua vida era um verdadeiro inferno, ele só conhecia perdas até que

num abençoado dia, a FEBEM foi visitada por uma pedagoga francesa, a Sra. Marguerit

Duvas que se apaixonou com aquela criança adolescente e disponibilizou toda a ajuda

necessária para reverter um quadro muito triste de perda e abandono.

A primeira travessura que ele fez, foi encher a pia do banheiro e deixar escorrer pela casa toda

e ficou esperando pelo castigo, pois era a reação que ele estava acostumado.

A pedagoga Duvas, contrariando as expectativas de Roberto, o abraçou carinhosamente junto

ao peito e falou baixinho aos seus ouvidos “Ninguém mais vai te magoar, eu cuidarei de você

enquanto precisar de mim”.

Para um garoto que sofreu com o abandono desde os seis anos de idade, nesse momento, o

amor era tudo o que precisava para se sentir seguro e quem sabe ser feliz a partir daí.

A Sra. Marguerit Duvas, transformou “Robertô”, como ela o chamava, que era um garoto sem

norte em um homem de visão e sentimentos nobres.

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Na reportagem “Meninos de rua que viram heróis” e no site -

www.robertocarloscontahistoria.com.br, vimos que é possível modificar a história de vida de

quem perdeu muito ou se perdeu de si mesmo.

A História só não revela a intensidade das lembranças doloridas que este ser levará pela vida a

fora.

29

BIBLIOGRAFIA: BETTELHEIM, Bruno, A Psicanálise dos Contos de Fadas, Ed.Paz e Terra, Tit. Original The Uses of Enchantment The Meaning and importance of fairy Tales,1903, tradução CAETANO, Arlete, 1978, Rio de Janeiro, Brasil. INCONTRI, Dora, SANTOS, Franklin Santana, A Arte de Morrer-Visões Plurais, Ed. Comenius, 2007, Bragança Paulista, SP, Brasil. INCONTRI, Dora, Pestalozzi Educação e ética, Ed. Scipione, 1996,SP,Brasil. KUBLER-ROSS, Elisabeth, O Túnel e a Luz, Tit.Orig. TheTunnel and the Light, 1999, Trad. Ed.Verus-2003, LOPES, Magda França. LABAKI, Maria Elisa Pessoa, Morte, 3 Ed.São Paulo.Casa do Psicólogo, 2006. Casa Psi Livraria, Editora e Gráfica. PIRES, José Herculano, O Mistério do Ser Ante a Dor e a Morte, 2 Ed. Editora Paidéia, 1990, SP, Brasil. RAPPAPORT, Clara Regina, FIORI, Wagner Rocha, DAVIS, Claudia, Psicologia do Desenvolvimento Vol.4, A Idade Escolar e a Adolescência, Ed.EPU, 1982, SP, Brasil. VIORST, Judith, Perdas Necessárias, Tit.Orig. Necessery Losses, 1986 Nova York. Trad. RODRIGUES, Aulyde Soares, 22 Ed. Editora Melhoramentos, 2002. WINNICOTT, D. W, Tit. Orig. Playng and Reality,1953, Trad. ABREU, José Octavio de Aguiar e NOBRE, Venade, O Brincar & a Realidade, Ed. Imago, 1975, RJ, Brasil. ENTREVISTA: Luiz Fernando de Andrade Penteado – psicólogo clínico – SP / 06/02/2009.

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ARTIGOS: ALVES, Murilo Neto, “Meninos de rua que viraram heróis” Disponível em 21/07/2008 as 18:02, < http://brasil.indymedia.org/pt/blue/2007/07/388566.shtml > ou <www.robertocarloscontahistoria.com.br> Acesso em:. Set/2008. IBGE – Suplemento Trabalho Infantil – PNAD, Disponível em 2006, acesso Set/2008. <http://www.ibge.com.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1117&id_pagina=1> OLIVEIRA, Cecília Casali, “Visão da Criança sobre a Morte”, para o Simpósio de Medicina de Ribeirão Preto (2005;38 (1): 26-33) “MORTE: Valores e Dimensões” < http://www.pet.vet.br/puc/apegoinfantil.pdf> Acesso em:. Set/2008. UCHINAKA,Fabiana,IBGE,Trabalho infantil no Brasil, Disponível em 18/09/2008 - 10h00, Acesso Set/2008. <http://noticias.uol.com.br/especiais/pnad/ultnot/2008/09/18/ult6843u4.jhtm> SCHLIEMANN, Ana Laura, A Morte e o Morrer na Infância e Adolescência, in INCONTRI, Dora, SANTOS, Franklim Santana, Ed.Comenius, 2007, A Arte de Morrer, Visões Plurais, 2007,p.50. PAIVA, Lucélia Elizabeth, Falando da Morte com Crianças, in INCONTRI, Dora, SANTOS, Franklim Santana, Ed.Comenius, 2007, A Arte de Morrer, Visões Plurais, 2007,p.179. KOVÁCS, Maria Julia, Perdas e o Processo de Luto, in INCONTRI, Dora, SANTOS, Franklim Santana, Ed.Comenius, 2007, A Arte de Morrer, Visões Plurais, 2007,p.228.

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ANEXO A.1

ENTREVISTADO: Dr. Luiz Fernando de Andrade Penteado, psicólogo clinico.

Realizada em 06/02/2009.

A.1. PRIMEIRO CASO – PACIENTE COM HIDROCEFALIA.

PERGUNTA:

Dr. Luiz Fernando, durante os seus 32 anos entre o consultório e o Departamento de Recursos

Humanos das empresas, eu penso que deve ter vivido muitas experiências com pacientes

vítimas das mais variadas situações de perdas.

O meu interesse em especial é com os indivíduos que sofreram perdas significantes na

infância e por absoluta falta de atendimento adequado dos pais, dos familiares e de

profissionais de saúde mental, terminaram no seu consultório, seja na fase da adolescência ou

até mesmo na idade adulta, vítimas das conseqüências traumáticas que as perdas mal

resolvidas ocorreram num determinado momento em suas vidas.

É possível relatar um caso clínico, que possa ser inserido no meu trabalho de pós-graduação?

RESPOSTA:

Acho que você tem vários aspectos que pode trabalhar. Estou pensando naquilo que pode te

ajudar mais.

São 32 anos de consultório, preciso tomar cuidado para não misturar os casos, mas eu acho

que tem um que me chamou muito a atenção, que é uma forma de lidar, onde a criança tem

que aprender a lidar com a perda, uma série de perdas.

É de uma garota, que quando chegou para mim já estava com 23 anos aproximadamente, e

sofria de Hidrocefalia.

Então você imagina uma garota filha de pais importantes na sociedade, economicamente

muito bem colocados, e que o pai não aceitava em hipótese alguma que tivesse tido uma filha

com esse tipo de problema.

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A menina apresentou os primeiros sintomas de hidrocefalia quando ela tinha 2 anos de idade.

Eles correram com ela, fizeram as cirurgias necessárias, colocaram a válvula para que líquido

não ficasse parado na cabeça. Nesse primeiro quadro ela teve uma perda no desenvolvimento,

inclusivo no cognitivo, ela passou a apresentar limitações, isso fez com que ela não crescesse,

ela ficou baixinha, fez com que ela tivesse dificuldade de compreensão das coisas, dificuldade

de aprendizado, e a família fez com ela perdesse uma série de coisas em relação ao processo

natural para o desenvolvimento da criança.

O pai não aceitando esse tipo de coisa, passou a rejeitá-la, bem, ela sofreu ali a primeira

perda, e ele passa a desenvolver uma atitude de tentar cobrar dela um processo de evolução á

qualquer custo, ela tinha que ter sucesso em algo.

Ela tinha mais duas irmãs, uma mais velha e outra mais nova, perfeitas, para as quais o pai

sem dúvida nenhuma dava toda a atenção possível, imagine.

Ela tinha uma mãe que a acolhia, mas acolhia de uma forma super protetora, em vez de ajudar

ela sufocava, e essa luta fez com ela que tivesse mais dificuldade de evolução. Pela própria

formação da estrutura física, ela passa a ser rejeitada na escola, a ter problema de

relacionamento, não ser aceita em uma série de lugares, mesmo porque esse pai queria que ela

fizesse o que ele queria, que freqüentasse a mesma escola que as irmãs.

Ele tinha umas atitudes agressivas com ela, no sentido de exigir que ela fizesse que ela

realizasse que acontecesse. Isso foi um processo complicado, ela foi para terapia desde

pequena, tendo dificuldades, mais em função da estrutura sócio econômica da família.

Ele manipulava as situações, então quando ele achava que a terapeuta não estava fazendo o

que ele queria, ele simplesmente tirava a menina do tratamento, pois o objetivo dele era que a

filha fosse uma pessoa de sucesso.

Quando ela chegou a mim ela já estava com vinte e poucos anos, mas a idade mental dela

estava por volta dos 11 anos, e o desenvolvimento emocional também, ela era uma criança,

ela falava como criança, o jeito dela era como se você estivesse na frente de uma criança de

10 ou 11 anos de idade, e ela já tinha 23 anos.

33

O processo de hidrocefalia faz com que você tenha de tempos em tempos que substituir a

válvula, há o desgaste da válvula, ela entope, aí tem que operar e colocar nova válvula. Ela já

tinha feito duas cirurgias, a segunda aos 10 anos de idade e teria que fazer a terceira e isso era

traumático, a situação de hospital, toda pressão que sofreu desde os 3 anos de idade, gerava

um trauma danado.

Mais uma vez a família se posicionava dessa forma, o pai numa postura extremamente

distante, dizendo que ela era normal e que tinha que se desenvolver, a mãe pelo contrário

incentivava o processo da doença porque ela super protegia e ela ficava mais doente ainda.

Ela passou a ficar, depois de certa idade, arredia.

Em uma das escolas que passou a freqüentar, uma professora tomou uma atitude diferente

com ela, estimulando-á, mostrou que ela tinha algumas condições, que algumas coisas ela

podia vencer, e ai ela já com todo desequilíbrio presente, ela acaba se apaixonando por esta

professora, desenvolve um processo de transferência.

Era uma paixão infantil, não tinha nada absolutamente de erótico na história, era uma

necessidade premente de estar junto dessa professora em tempo integral porque ela tinha sido

a única a dar atenção, tinha dado limite, mostrando que ela tinha condições de vencer algumas

coisas então ela trabalhar o alto estima de forma pró ativa, de forma produtiva e ela

obviamente direcionou a essa professora toda a sua afetividade, ela se sentiu aceita.

Ela adorava escrever e a professora foi incentivando isso nela e ela passou a escrever poema,

ela foi escrevendo poesia, a professora foi incentivando e ela foi nutrindo por esta professora,

sentimento cada dia mais intenso, fazendo com que isso chegasse o momento em que a

professora pedisse a família que era melhor afasta-la porque ela estava confundindo as

situações.

Ela ficava o dia inteiro na escola esperando a professora. Ela seguiu a professora até a casa,

ficou plantada do outro lado da rua, horas. Um dia ela chegou a ir quando a professora não

estava, tocou a campainha, contar uma estória, a empregada bota ela pra dentro de casa, ela

conheceu os filhos da professora, conheceu o marido, quando a professora chegou deu com

34

ela lá dentro. Ela invadiu completamente a privacidade da professora, e isso obviamente

começou gerar dificuldades na professora.

Como ela não era uma profissional da área, era uma educadora, ela tentou botar limites,

explicar que aquilo não era possível, e ai nesse contesto todo ela é afastada da professora,

proibida pelo pai de ir procurar a professora e ela veio parar no meu consultório por conta

disso, um amigo comum, meu e dele convenceu o pai traze-la ao meu consultório e ela veio

com esse quadro.

Ai ela começou a entender o que eles estavam achando que acontecia, isso cria nela uma

sensação de revolta muito grande porque ela não tinha nenhuma ação, nenhum

comportamento em nenhum momento nenhuma ação erótica com relação á professora, era

uma relação de carinho, a professora tinha virado a mãe, mas não a mãe que era uma pessoa

assim que só a cobria de presente e tudo bem, disfarçava a estória, mas uma mãe que

conversava que estimulava as coisas certas, que repreendia na hora que era necessário, a mãe

que ela queria.

Infelizmente nesse período ela tinha uma terapeuta que colocou essa estória de que ela

poderia estar tendo uma ação homossexual em relação á professora, isso pirou a cabeças dos

pais de uma vez.

Um quadro complicadíssimo, nesse sentido ela chega, uma criança sentada ai na frente, uma

criança que dirigia, tinha o próprio carro, eu rezava quando ela vinha e quando saia porque ela

não tinha total controle sobre os movimentos dela, ele enfiou um carro nas mãos dela, pagou

pra ela aprender a dirigir e tirar a carta e tinha que dirigir. Ela andava com aquele carro

batendo pelo meio do caminho e isso era um caos.

Ai começa o trabalho de fazê-la trabalhar essa situação toda, que ela acaba descobrindo que a

família, os amigos e a própria professora que acaba induzida pela terapeuta de que a menina

podia ter interesses outros por ela, isso deu um nó.

Óbvio que nesse contexto, nem a família e nem a professora não tinham preparo, menor

preparo teve a terapeuta que estava acompanhando o processo, eu nunca iria relatar tal coisa

sem entender os meandros dessa estória objetivamente.

35

Bem, ai ela entra numa depressão profunda porque ela se sente rejeitada, independente da

minha vontade ela teve aqui as primeiras seções, ai ele resolve que o melhor pra ela era estar

longe por um tempo grande.

Ele veio conversar comigo, eu andei puxando a orelha dele em algumas coisas, (o relato

anterior ao meu trabalho com a paciente foi passado pelo pai, a outra pela mãe, pela terapeuta

e pela paciente com o pai). O pai resolve afasta-la de tudo aqui pra ver se ela esquecia da

estória, ou seja, ele resolveu tira-la do caminho, pra que ninguém fosse atrás dela, deixa-la

escondida em algum lugar e resolve que ela vai estudar inglês nos Estados Unidos, e ai ele

despacha essa menina daqui pra São Francisco.

Aluga um apartamento, soca essa menina pra morar sozinha nos Estados Unidos, e ela fica um

ano morando lá sozinha, matriculada numa escola que ela raramente ia, óbvio, ela não tinha

nenhuma condição de interação com as pessoas.

Ela mora num lugar onde tem um café em baixo no edifício, um Coffee Shop, e lá passa a ser

o lugar onde ela passa a maior parte do tempo dela, os proprietários a acolhe, ela entrava de

manhã e passava o dia inteiro por lá, eles tinham paciência, acolhiam, de vez em quando ela

ajudava no balcão, e aquilo passou a ser a vida dela ali.

Algumas vezes ela ia a escola. O inglês que ela aprendeu foi o inglês do café, foi aprendendo

lá, ela já falava um pouco de inglês quando foi morar nos Estados Unidos, o pai já tinha

obrigado ela estudar aqui, mas ela voltou falando o inglês de rua, falando gírias e palavrões,

era o inglês que ela aprendeu ali no café durante um ano.

A mãe foi vê-la uma vez e da segunda foi o pai, que descobriu que ela não estava assistindo

aula nenhuma, que tinha ido poucas vezes a escola e que ela ficava lá no café ou sozinha no

apartamento, imagino o perigo dessa menina sozinha, numa cidade americana totalmente

estranha, sem amigos.

Eu disse a ela que era uma pessoa extremamente protegida, porque os proprietários do café

acolhera e a adotara, é óbvio que ela devia gasta uma fábula, uma vez que ela fazia todas as

suas refeições no café, mas de qualquer forma eles acabaram sendo os elementos protetores

36

dela, era onde ela ficava, eram raros os passeios, alguns clientes do café que ficaram amigos

dela a levavam para conhecer um lugar ou outro.

Ai ela volta para o Brasil e acaba voltando pro meu consultório.

Ela volta com a idéia de montar aqui um café, queria comprar um quiosque desses de

Shopping para vender café, era só isso que ela queria, não queria mais nada além do café.

Um detalhe da estória dela que era interessante é que ela cantava muito bem, ela tinha uma

voz linda, isso também tinha virado um trauma, quando foi percebido que ela tinha essa voz, a

mãe era artista, pianista, concertista, uma serie de coisas do gênero, a mãe tocava e ela

cantava em casa.

O pai simplesmente resolve que ela tinha que se transformar em cantora Lírica, ai ele contrata

a maior professora lírica de São Paulo pra dar aulas pra filha dele.

Ela não queria ser cantora lírica, não era isso que ela queria, mesmo porque ela não queria

essa estória de ser exposta cantando, se todo mundo já a tratava como ET, imagine ela no

palco cantando musica lírica.

Ela era obrigada, o motorista a fazia ir a marra. Provavelmente a mulher só aceitou-a como

aluna, primeiro porque ela tinha potencial de voz, segundo porque ela estava sendo bem paga

para ensinar. Ela brigava com a menina o tempo todo por causa do comportamento, da

postura, ela tinha limitação, ela não tinha condições de acompanhar aquilo, essa foi a ajuda

que convenceu o pai a tirar da professora.

Outra confusão que o pai me armou foi que ela escreveu nos Estados Unidos, um monte de

poesias, lógico, ela tinha um tempo homérico para não fazer nada, ai ele pega as poesias dela,

manda pra corrigir, montar pra ficar com cara melhor possível e edita um livro, publica o

livro, me faz uma noite de autógrafos, expõe ela na frente de todo mundo com o livro dela.

Cria uma fantasia incrível na estória dizendo que de agora em diante ela ia viver de poesias,

de escrever livros.

É obvio que ele fez a noite de autógrafos pra ele, fez “oba-oba”, convida toda a sociedade de

São Paulo, mais sofisticados que foram lá, compraram o livro da menina só pra agradá-lo, não

estavam nem um pouco preocupados com a menina, muito menos com que a menina tinha

escrito, e ela percebe isso, aquele monte de gente.

37

Os que faziam parte da família foram mais por piedade, e aqueles amigos que não tinham

absolutamente nada a ver ou porque, foram por causa de um super coquetel, cheio de gente

importante.

Ela não tinha nenhum amigo, porque ela não conseguia se comunicar com o povo da idade

dela, só conseguia interagir com os muito mais novos, mais com crianças e adolescentes que

ela conseguia interagir razoavelmente.

Era pequena no tamanho, mas o físico e o rosto começou a ficar mais velho, e o pai ainda

agindo dessa maneira, ela só se relacionava com os amigos da família, na maior parte eram

aqueles indivíduos que faziam “oba-oba” social e alguns amigos da conveniência, da hora.

Durante o tempo em que ela esteve comigo eu raramente vi algum relato de pessoas com as

quais eles tinham alguma troca realmente profunda, tudo era muito superficial, tudo tinha

muito a ver com interesses, com dinheiro, com negócios, coisas do gênero ou projeção social.

Ele projetou em cima dela, transformou-a em macaquinho do circo, ele expõe ela naquele dia

e no meio do coquetel ele a faz cantar, havia um piano no local, ele obriga a esposa tocar e ela

cantar, aquilo pra ela foi o fim, ela sai de lá, louca.

Ela queria o café, ele resolveu o problema dela, já que ela queria um café, ele montou um

restaurante, ele não deu só o café, óbvio que ela não ia conseguir lidar com um restaurante,

ela não ia conseguir levar aquilo á frente, ela só queria um quiosque pra vender café de

máquina, o cara me monta um restaurante com 40 mesas, tinha que manter cozinheiro,

empregados, tinha que administrar só que ele a deixa lá e quer que ela administre.

Pra ele, na concepção dele era assim “Isso não vai dar certo mesmo, vai dar prejuízo, eu cubro

o prejuízo e ela para de me encher”, e foi exatamente o que aconteceu. Em termos de perda,

ela vai perceber na relação com o pai, perdas e frustrações, tudo o que ela sonha ele derruba

esse sonho porque ele cria uma megalomania no lugar do sonho, ela não é capaz de

desenvolver, e ela perde.

Ele não facilitava em nada, e na concepção dele, ele estava fazendo de tudo pra ela, ele estava

ajudando e ainda afirma “Mas eu estou fazendo Tudo”! Só que estava fazendo tudo errado.

Ela pede um quiosque de café, ele dá um restaurante, ele descobre que ela canta bem, ela

gosta de cantar junto a família, ele obriga ela a fazer curso pra cantora lírica, mais uma

38

frustração ai ela para, depois ele a expõe em mais uma exposição pública e faz com que ela se

frustre de novo.

Ela começa a escrever alguma coisa que era muito dela, como se fosse um diário que ela

estava fazendo em poesia, ele pega o material e publica, e expõe ela na frente de todo mundo

com as coisas mais pueris e mais íntimas dela, ela sofre, perdeu a identidade, perdeu o sentido

das coisas não confiava mais em ninguém, ninguém entendia o que acontecia com ela, ela

começou a se tornar difícil, algumas vezes ela manifestou vontade de morrer de se matar,

coisas do gênero, porque a grande preocupação dela era que ele a aceitasse.

O processo era óbvio, ela vivia a rejeição dele desde que ela nasceu, desde o primeiro

problema que ela teve, o sonho da vida dela era ser tratada da mesma forma que ele tratava as

irmãs, e ela era a irmã do meio “Irmã Sanduíche”, então o trabalho que foi feito, foi mostrar

pra ela primeiro é que as irmãs não eram tão alegres e felizes do jeito que ela estava

imaginando não.

O fato dela não ter a atenção dele era melhor do que ter, pois quando ela tinha, ela só se

frustrava, que as irmãs por sua vez não tinham a autonomia e a independência que ela achava

que tinha, elas também eram obrigadas a fazer o que ele queria, ele fazia da mesma maneira

mas de outra forma, mas ele obrigava a fazer o que ele queria, até namorar com quem ele

queria, sempre que havia alguma vantagem comercial na estória, é o interesse na estória.

Isso ele fazia com suas irmãs, fazia com a mulher, ele também tinha frustrado toda a carreira

da mulher, ela era artista, pintora, pianista e ele transformava aquilo em algo menor.

Ela fazia uma série de quadros, ele criava a VERNISSAGE, convidava quem ele queria pra

vernissage, ele comprava todos os quadros sem ela saber, contratava alguns laranjas pra

retirar. Ela ficava feliz da vida por ter conseguido vender todos os quadros.

Isso ele fez várias vezes, até que um dia ela descobre que uma parte estava guardado no

estoque da empresa dela e que outra parte tinha sido distribuída de brinde de fim de ano na

empresa, ele nem teve o cuidado de sumir com os quadros. Ele deixava lá, quando surgia a

oportunidade de dar um presente, ele dava os quadros dela, ou seja, não dava valor nenhum

aquilo, era o “Hobbyzinho” dela, mas ele armava o circo cada vez que ele queria.

39

Ela brigou com ele naquele momento e ele se justifica, diz que ela não estava entendendo, ele

queria fazer uma surpresa pra ela, ai ele monta uma galeria pra ela. Abre a galeria, (ele é

comprador de afeto), contrata o melhor curador pra tomar conta da galeria pra ela, e ainda diz

“Você vai fazer a inauguração da galeria com seus próprios quadros, era uma surpresa que eu

queria fazer pra você”.

Tudo mentira. Era assim o contexto da família, e essa garota foi perdendo, ela não sabia mais

quem ela era, pra ela passou a ser nada, um objeto que era jogado daqui pra lá e que ninguém

aceitava.

Fazê-la resgatar esse processo todo foi um caminho muito complicado e na medida em que ela

foi conseguindo entende uma série de coisas, trabalhar essas coisas, começar dentro das

limitações dela conseguir interagir com algumas pessoas, aliás, ela teve uma pessoa durante o

processo terapêutico comigo, ela teve a madrinha dela que foi a avó, já com muita idade, mas

que de repente assume essa postura, ela começa procurar essa vó, e a vó passa a ser o

elemento de ajuda pra ela no sentido de começar a se entende.

Nesse período ela já está com 24 anos de idade cronológica, mas a idade mental/emocional

entre 16 e 17 anos, uma adolescente, com uma defasagem grande.

Ai ela começa interagir com essa vó, e a vó foi muito feliz na escolha, talvez a única coisa que

a vó sabia.

Então ela começa a ensiná-la a fazer doces, a vó era especialista em doces. Pra quem queria

vender café de maquina, fazer doces tinha muito a ver, e era fácil de assimilar, e era isso que o

pai não conseguia entender.

Ela começa a fazer os docinhos junto com a vó, e a vó fazia doce especial para casamento que

é raríssimo quem faça, é uma espécie de “Bem-Casados”, só que muito chique e caro, e a vó

vai ensinado pra ela fazer, pois eram pouquíssimas pessoas que ainda fazia.

Daí dá um Start nela, ela chega perto de mim e diz “Eu aprendi a fazer doce, será que eu

consigo vender esses doces”? “Esses doces que você esta fazendo são muito gostosos, mas

são muito caros, você tem que vender pra que possa pagar, tem pessoas que não tem

condições de comprar”.

40

Ela me disse “Já que meu pai me esfregou na cara desse povo todo, no meio deles tem

promouter que realiza grandes festas na sociedade, responsáveis pelos casamentos chiques da

cidade, e se eu procurar por eles”? Digo, tudo bem, se você tem como fazer, faça, e ela foi.

Entrou em contato com esses promouter, a vó fez uma série de cestinhas e ela levava como

amostra, oferecia e dizia que ela estava aceitando encomenda pra doces, e a coisa pegou, eu só

disse pra ela, não abra a boca pro seu pai, senão ele acaba montando uma fábrica de doces pra

você.

Ai ela começou fazer por conta própria, ela pediu a ele pra mudar de casa, ela queria morar

sozinha, e agente incentivava ela a fazer isso, “Afinal de contas eu já morei sozinha nos

Estados Unidos, porque não posso morar sozinha aqui”?

O pai não concordou de imediato, mas ela e a avó conseguiram convencer a mãe, e ai a mãe

disse pra ele ou você dá ou eu dou.

Com muito custo ele deu um Flat, e ali começou o drama, como fazer doces num Flat, mas de

qualquer maneira vou fazer os doces no Flat, óbvio que ele não deu um “Flatizinho” e sim de

2 dormitórios, sala, banheiro, cozinha, e ela transformou a cozinha e a sala num espaço pra

fazer doces.

Como ela fazia especificamente aquele doce que era especial, ela começou receber

encomendas.

Ai ela começa criar o processo de Independência dela e desvincular da aprovação dele, porque

isso não interessou muito pra ele, então ele ignorou o fato, ou seja, ela fazer doces não dava

nenhum status pra empresa dele, ele até comentava nas festas “Esses doces são da minha

filha”, mas era só.

Esse processo de autonomia dela acabou gerando uma série de ações. As irmãs também deram

seus gritos de liberdade, enfrentando o pai, e a mulher se divorciou dele, deu uma virada

completa e total na vida deles.

O divórcio na vida dele foi um desespero, se refletiu na empresa, pois ela era dona da maior

parte das ações, o dinheiro veio do pai dela, ai pegou no bolso, ai ele teve que assumir, eles

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continuam sócios na empresa, mas ele não faz mais o que ele quer, ela contratou outro

profissional que a representa na empresa e envia relatório de tudo, assim ele não pode mais

tomar atitudes sem o consentimento dela, ele tinha procuração, mas com o divórcio ela tirou a

procuração dele, fora que todo Status criado teve que ser refeito.

Para as filhas e principalmente pra minha cliente foi ótimo, a melhor coisa que podia

acontecer, porque aquele medo todo que existia, primeiro porque ele teve que mudar de

comportamento com as filhas, porque a coisa inverteu e ele precisava delas para que a mulher

concordasse com algumas coisas.

Ele voltou e tentou se reaproximar das filhas e ficar amiguinho delas, segundo elas, ganharam

autonomia, “somos donas do nosso nariz, vamos fazer o nos queremos” e a outra passou a

viver das vendas dos doces, nem precisava usar a mesada dos pais, ela estava vivendo dos

doces que ela fazia.

A ultima vez que eu tive contato com ela, já tinha 03 pessoas trabalhando com ela, a mãe já

tinha dado outro espaço pra ela trabalhar, não precisava mais fazer doces no Flat, ela tinha

pegado outras receitas da avó e tinha mais três pessoas pra dar conta das encomendas.

Então ela consegue, através de uma ação afetiva, aprender uma atividade que a envolveu e

que a fez se sentir importante com as vendas e ai ela consegue ir superando essas perdas.

A última vez que eu me encontrei com ela, ela estava super bem e me disse “Eu sinto muita

pena dele, eu não tenho mais raiva, porque ele é infeliz, eu hoje sou feliz, faço meus doces,

todo mundo conversa comigo por conta dos meus doces, estou bem”.

Isso deu a ela um estímulo de vida, um sentido na vida, ela aprendeu a fazer mais doces, e

outra, ela faz alguma coisa que não precisa se sentir exposta, está lá na cozinha dela, a mãe

ajudou em alguns contatos, agora ela tem as pessoas que fazem a divulgação pra ela, então ela

coordena a cozinha.

Isso fez com que ela se sentisse realmente feliz, ela está ajudando gente, porque ela deu

emprego e trabalho pra algumas pessoas e ensinou as pessoas o que fazer. Coisa que ela

jamais imaginou que fosse possível, ensinar algo pra alguém.

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Ela esta propiciando que essas pessoas cresçam, está realizando a vida dela, está fazendo

alguma coisa de produtivo, ela se sente útil hoje, mesmo com todas as limitações que ela tem.

PERGUNTA:

Quando esses pais começaram o tratamento da filha, principalmente quando ela estava na pré-

adolescência, pois imagino que na infância seria bem mais fácil, mas o adolescente

normalmente já tem mais dificuldade pra aceitar opinião, o terapeuta da época não sugeriu o

tratamento para os pais? Como cuidar de uma criança especial?

RESPOSTA:

Sim, foi sugerido, mas imagina você compartilhando, convivendo com pessoas, primeiro

porque elas se acham acima do bem e do mal, e que elas são perfeitas, elas não precisam de

nada. Então eles aceitavam ir ao consultório apenas porque eles tinham que ser orientados de

como lidar com ela.

Eles não se trabalhavam, a minha grande luta com eles foi essa. Pra você ter uma idéia de

como ele não me enfrentava, ele fugia mesmo, ele não aceitava a menina, ele queria apenas

uma forma de se ver livre dela, de modo que a sociedade não o culpasse por isso.

Por ele já teria internado ela numa instituição e largada lá, estava resolvido o problema.

Tinha muitos eventos que ele nem dizia que tinha 3 filhas, ele aparecia com as 2 normais e

pronto, só falava na terceira se alguém perguntava “Você tem mais uma, não tem ? Ah, tenho,

mas essa outra é como a mãe, é artista”.

Mesmo no processo dela comigo, eu também cobrava deles, eu dizia que eu acompanharia o

caso se eles também fizessem o tratamento, teríamos que fazer um tratamento num contexto

familiar.

Primeiro porque pra você conseguir um horário...! Ele nunca tinha um horário, ele era muito

ocupado, tinha atividades mil, ai tinha que ser do jeito dele, ligava a secretaria dele pra cá e

dava os horários que ele tinha disponível, eu é que tinha que tinha que me encaixar nos

horários dele.

43

Um dia eu liguei pra ele e disse que eu não podia mais encaixar horários, afinal quem está

precisando do tratamento é você, não sou eu, você vai encaixar no meu horário, não eu no seu,

não é porque você está me pagando que você pode chegar na hora que você quiser, você não é

meu único paciente.

Ai ele pediu mil desculpas, afinal nós tínhamos um amigo em comum que me apresentou á

ele, e não queria criar embaraços.

PERGUNTA:

Uma coisa que me chamou a atenção é que quando ela era jovem, ela transferiu a carência

afetiva para a professora, isso aconteceu no seu caso como terapeuta?

RESPOSTA:

Não, porque no primeiro momento, já sabendo dessa estória, já comecei trabalhar isso logo

de cara.

Ela criou um vínculo de amizade comigo, e até hoje a gente mantém contato. Ela me manda

E-mail, me manda doces.

No processo da professora ela estava no inicio da adolescência, era carência mesmo, comigo o

vínculo não chegou a esse nível, e também nesse momento, na minha fase, teve o contexto da

entrada da avó na estória.

Ai a avó tinha ficado viúva, não tinha mais nenhum filho com ela, então essa avó elegeu a

neta, a avó deixava claro isso, ela queria – aliás a avó era uma figurinha, tive oportunidade de

conhecê-la – a avó queria deixar aquelas receitas que tinha recebido da mãe, que recebeu da

avó, eram receitas de família, ela queria deixar isso pra alguém, mas nenhuma das filhas dela

quis aprender, ela descobre na neta a continuidade delas.

Então é o que eu digo, o vínculo afetivo se estabeleceu dento de uma estória forte, a avó viu

nela a possibilidade dela ser aquela que daria continuidade e isso fez ela se sentir

extremamente importante por conta disso. Esse vínculo delas foi muito positivo, e acabou de

uma forma muito simples dando uma condição profissional de sobrevivência pra neta, tanto

que quando ela contou pra avó que ela estava vendendo os doces, a avó não acreditava, eu só

44

te ensinei pra você saber e passar para a próxima geração. “Não só vou passar para a próxima

geração, mas também estou vivendo dos doces”.

A presença da avó nesse momento foi muito boa, muito positiva, o que não gerou este vínculo

tão forte comigo, tanto que quando ela foi para o Flat, ela ia do Flat pra casa da avó, ela quase

não ia à casa da mãe, só ia quando era pra bater o ponto ou porque ela estava precisando de

um dinheirinho extra.

Ela mesma dizia “Eles só me servem pra isso, me levar ao médico e custear minhas coisas, só

isso, eu só vou lá pra buscar dinheiro mesmo”.

O final dessa estória foi ótimo, é um processo onde o afeto gera a recuperação de alguém e

essa é a grande vitória, quando o processo terapêutico funciona. Você conseguir que a pessoa

crie seus vínculos e retorne.

Óbvio que você tem uma infinidade de outras situações onde isso não aconteceu.

Rejeição materna ou paterna onde a pessoa não conseguiu resgatar isso, então descarrega de

uma forma pesada.

Você tem situações, por exemplo, de indivíduo que é adotado, escondem dele que é adotado, e

num momento de dificuldade no relacionamento você joga na cara dele que ele é adotado e

naquele momento ele se sente perdendo tudo, aquela família não era dele, ninguém sabe nada

da estória dele e ele começa a viver uma nova vida com a pergunta “Quem sou eu? Todas as

minhas raízes, toda a minha estória, não são reais”? Ai você tem um conflito e é difícil a

pessoa reagir á esse processo. FIM

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ANEXO A.2

ENTREVISTADO: Luiz Fernando de Andrade Penteado, psicólogo clínico.

Realizada em 06/02/2009.

A.2. SEGUNDO CASO – PACIENTE – HIV – SORO POSITIVO.

PERGUNTA:

Dr. Luiz Fernando, como o senhor mesmo comentou no final do primeiro caso clínico

relatado, existem situações onde não é possível o retorno ou o tratamento do trauma causado

no indivíduo em formação.

Faltou o aconchego na infância ou na adolescência, quando ele mais precisava de apoio diante

de uma perda importante pra ele, mas que não foi percebido pelos pais ou profissionais de

educação, portanto esse ser não teve a oportunidade de ser tratado por um profissional de

saúde mental ou emocional.

Poderia me relatar um caso onde ocorreu a impossibilidade do retorno, da cura do seu

paciente?

RESPOSTA:

Em 1984, há aproximadamente 25 anos, eu comecei atender os primeiros portadores do vírus

HIV, os primeiros que assumiram que tinham o vírus HIV. Os médicos começaram a

identificar que era HIV.

Eu me lembro muito bem de um que era um jovem, homossexual, 22 anos, que descobre a

doença e a primeira reação que a família tem ao descobrir a doença, ao constatar que estava

diagnosticada a doença nele é fazer com que ele passe a morar na edícula. Põe ele do lado de

fora da casa e proíbe-o de usar as coisas de dentro de casa. Foi morar no quarto da empregada.

Uma coisa muito louca. Puseram a empregada pra dentro de casa e ele no quarto da

empregada.

Mandaram modificar para que o banheiro não fosse usado por mais ninguém, medo do

contágio, e ai você imagina a cabeça dele.

46

Ele já sofria desde pequeno, todo o preconceito da orientação sexual, dos sentimentos que ele

tinha, das coisas que ele não podia comungar com ninguém, todo esse sofrimento. Ele

conhece um companheiro, se apaixona por esse companheiro, vive um relacionamento intenso

com ele, só que era portador do vírus e passa pra ele e depois o companheiro morre.

Ai ele perde tudo de novo, nessa fase ele estava morando na casa da pessoa, tinha saído da

casa dos pais dele pra morar com essa pessoa, ele era adolescente, e quando ele volta os pais

descobrem que o parceiro morreu em decorrência do vírus. Os pais descobrem que ele

também estava infectado, eles descobrem a estória toda, a família simplesmente o rejeita.

Ele passa a morar no quintal e proíbe ele de usar copos, pratos e talheres da casa, a

justificativa deles era essa, ninguém conhecia essa doença direito, ele podia passar para a

família, mesmo explicando a forma de contágio, ele é rejeitado completamente.

Ele entra numa depressão profunda, tenta se matar e numa dessas tentativas ele foi resgatado e

veio parar aqui no consultório. Mas era assim, eu deveria prepará-lo para a morte, vamos

dizer assim, se é que isso é possível, prepara-lo para ter uma morte tranqüila, uma morte

assumida.

Naquele momento do tratamento não tinha nada que eu pudesse fazer. Nesse período ele já

estava com 27 anos. Não tinha nada que pudesse ser feito; os coquetéis que existiam na época,

ele já estava tomando. Ai o processo vai e na hora que começa aparecer os tumores começa

cair cabelos, a aparência é difícil.

Eu acompanhei todo o processo, até quase o finalzinho, ele só dizia que não queria que eu o

visse próximo á morte, ele queria morrer sozinho.

Depois ele passou mal, foi para o Hospital Emílio Ribas e lá ele partiu. Daí você trabalhar

essa perda toda. Pra trabalhar, ele trouxe toda a estória dele pra mim, a doença, o processo

emocional, os conflitos, os pais distantes, tudo.

A mãe o teve quando ela já tinha 40 anos, então ele tinha uma distância dos pais, os pais eram

muito velhos, ele cresce com dificuldade de compreensão, de comunicação, de troca.

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Ele tinha irmãos bem mais velhos, a diferença de idade entre ele o irmão mais próximo era de

18 anos, ele foi um temporão.

Fico pensando entre nós que ele era um temporão não aceito, essa mãe deve ter rejeitado essa

gravidez de todas as formas, é óbvio que ele deveria ser um espírito que veio pra acertar

dívidas. Ele foi um indivíduo rejeitado desde criança, ele percebeu na infância que era

homossexual. Ele começou a perceber que sentia atração pelos meninos e não pelas meninas.

Durante uma fase da vida dele, ele tinha uma empregada da casa que era meio mãe dele, era

quem o conduzia, mas essa mulher também tinha muita idade ai quando ele começou a chegar

aos 14 ou 15 anos, ela faleceu.

Dali pra frente ele caiu no mundo e a família pouco se lixava, onde ele estava ou deixava de

ir, com quem ele estava ou o que estava fazendo. Foi assim, quando ele tinha 18 ou 19 anos,

foi quando ele conheceu outro rapaz e foi viver com o cara, pegou as coisas dele e foi embora.

Ele relatava todos esses momentos e tudo estava relacionado a carência afetiva, as pessoas

que não deram afeto pra ele. Ele gerou a doença dele, ele buscou a doença e obviamente no

final ele dizia pra mim.

Nós trabalhamos muito o processo da morte e do morrer, ele dizia assim pra mim “Não vou

morrer, eu acho que na hora que eu morrer, eu vou pra vida”, ele foi aprendendo a se libertar.

Gozado que, no consultório eu raramente misturo estações, mas ele foi parar na Federação por

livre e espontânea vontade. Ele trazia as coisas que ele ouvia na Federação pra conversar

comigo, me deu abertura pra nós podermos trabalhar o processo do não acabar da vida, da

continuidade, ciclos e etc. Isso foi ajudando ele a lidar com essa estória.

Ele tinha mais preocupação com a mãe que já era muito velhinha e que ia ficar ai meio

sozinha, os irmãos não davam a mínima pra ela, enquanto ele, continuava morando com ela –

ele no quartinho dos fundos e ela dentro da casa. Ela parte alguns dias depois que ele morre.

Então foram situações que foram vividas dentro do consultório, não sei se isso te ajuda.

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Em muitos casos temos que lidar com situações de perdas muito fortes. Perda afetiva, perda

de vida, mas essa perda existencial eu acho que é mais triste.

Nesse processo todo, a maior perda é quando a pessoa se perde de si própria, quando ela perde

o sentido da existência, tudo aquilo com que ela tinha se colocado, ela descobre que não era

vida, isso é mais difícil. FIM

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ANEXO A.3

ENTREVISTADO: Luiz Fernando de Andrade Penteado, psicólogo clínico.

Realizada em 06/02/2009.

A.3. TERCEIRO CASO – Como acolher as crianças nos Centros Espíritas?

PERGUNTA:

Tenho observado na educação espírita infantil, do nosso centro, que algumas crianças chegam

querendo quebrar tudo. Quando essas crianças faltam a aula, algumas colegas se sentem

aliviadas, com crianças mais calmas, é mais fácil trabalhar.

Eu penso que o atendimento fraterno deve começar pela infância, observando o

comportamento das crianças, conversando com os pais “Sem magoá-los”, pois senão eles

somem da casa espírita. Qual a sua opinião sobre esse assunto?

RESPOSTA:

Você não consegue que alguém aprenda acolher, se essa pessoa não se acolhe. Quem precisa

ser tratado é o educador, é a pessoa que está ali, está doando do tempo dela por alguma razão,

mas na verdade ela não esta inteiramente comprometida com a idéia, com a proposta.

Por quê? Porque ela deve ter alguma barreira pessoal que a impede disso, então o grande

problema dessa situação é que as pessoas devem ser trabalhadas por inteiros, têm que ser

treinadas antes. Elas têm que encarar as limitações delas, então elas estariam voltadas

voluntariamente de forma clara e comprometida com a estória. O que acontece é que nós não

temos muitas vezes, condições para poder fazer isso.

A pessoa que escolhe que se destina a ser voluntário dentro de um trabalho desses, a primeira

coisa que ela tem de fazer, é o processo de auto-educação, porque se a criança chegar

desestimulada ela deve ser incentivada pelo educador, porque muitas vezes a atividade

dentro do espaço é que chama a atenção dela.

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O que eu tenho pra dizer é o seguinte, a pessoa não está fazendo isso por maldade, não está

madura o suficiente para o trabalho, então ela se coloca numa situação difícil como voluntário

ou de atuar em algum lugar.

Dentro da sua limitação, toda vez que sai do roteiro, ela não tem culpa, você pode dizer pra

ela “Não, mas você não pode fazer isso, você tem que pensar que você tá aqui pra outros

fins”.

Ela até tenta colocar na cabecinha dela que o novo Script é assim, o script da boazinha, então

normalmente ela pega o script errado, porque ela vai super proteger ou vai paparicar aquela

criança pra mantê-la quieta ou se ela não tiver o senso crítico da estória, ela pode chamar os

pais e descascar o verbo em cima deles, porque é assim “Eu quero tirar a responsabilidade de

cima de mim, já que eu tenho que estar aqui, ser boazinha, cumprir meu papel”. Espera ai,

com esse pepino eu não sei lidar, chamo os pais, então eu devolvo. “O problema é de vocês”.

E ai some os pais e a criança que estava ali para receber orientação moral cristã. Você tem que

sacar o jogo, dar oportunidade dos pais conversarem e ajudar na orientação do seu filho.

A maioria não age assim. “Seus filhos quebram as coisas, ele não tem disciplina, precisa dar

disciplina”, acaba com os pais, chamam os dois de incompetentes de forma indireta, e ai você

acha que eles vão reagir como?

O problema maior é que os educadores não estão preparados. Precisa preparar os educadores

para receber as crianças na Casa espírita também.

É preciso ter um trabalho de formação de educadores, aliás, essa é a minha briga.

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HOMENAGEM

A Dra. Elisabeth Kubler-Ross acompanhou varias crianças acometidas de doenças como

Câncer e Leucemia até seus últimos momentos. Para conhecermos um pouco desta figura

maravilhosa como ser humano, dedico algumas linhas sobre sua Biografia.

08/07/1926 – 24/08/2004 - 78 anos.

“Elisabeth Kubler-Ross, psiquiatra, ocupa lugar de destaque como autoridade das mais

queridas e respeitadas no que se refere ao tratamento de pacientes em estado terminal. Cursou

medicina em Zurique, Suíça, local de seu nascimento. Em 1958, ano seguinte á sua

graduação, mudou-se para os Estados Unidos e começou a trabalhar em um hospital onde

ficou horrorizada com o tipo de tratamento dedicado ao pacientes terminais. “Eram

marginalizados e enganados, ninguém usava de honestidade para com eles”, observou ela.

Diante dessa realidade, decidiu agir de forma diferente: sentava-se ao lado dos pacientes e se

punha a ouvi-los enquanto eles lhe abriam o coração. Atenta aos pacientes que sofriam,

acompanhando-os nas varias etapas pelas quais passavam, foi aprendendo formas especificas

e eficazes de prestar-lhes ajuda. Logo passou a fazer conferencias, workshops e retiros

destinados não apenas aos pacientes, mas também a profissionais de saúde, religiosos,

professores, assistentes sociais, familiares e pessoas em geral que se conscientizavam da

necessidade de se aprimorarem para atuar nessa área. Elisabeth Kubler-Ross, profissional

dedicada á valorização da vida, acreditava fundamentalmente que “as pessoas que vivem

plenamente nunca terão medo de viver nem de morrer”.