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FACULDADES INTEGRADAS SIMONSEN
ROGÉRIO PEREIRA DOS SANTOS
Planejamento Urbano em Áreas Residenciais Segregadas
na Cidade do Rio de Janeiro: A Atuação da Codefam no
Projeto Rio na Favela da Maré
Rio de Janeiro
2016
ROGÉRIO PEREIRA DOS SANTOS
Planejamento Urbano em Áreas Residenciais Segregadas
na Cidade do Rio de Janeiro: A Atuação da Codefam no
Projeto Rio na Favela da Maré
ORIENTADOR: Prof. Me. Fábio Esteves
Rio de Janeiro
2016
Monografia apresentada às Faculdades Integradas
Simonsen como requisito parcial para a obtenção do
grau de Especialista em Planejamento Urbano e
Educação Ambiental.
DEDICATÓRIA
Esta pesquisa é dedicada aos meus entes queridos: Meu
irmão José Rinaldo Pereira dos Santos e meu pai Edésio
Pereira dos Santos (ambos já falecidos!); Aos meus
irmãos Rildo e Roberto Pereira dos Santos; À minha
mãe Francisca Maria de Aquino Santos e a minha filha
Ellen Ferreira Pereira dos Santos!
AGRADECIMENTOS
Ao maior de todos os fenômenos religiosos deste universo, Deus, por ter aberto as portas do
meio científico, a este pesquisador, através dos trabalhos que venho desenvolvendo, pois sem
essas oportunidades eu não poderia ter tornado o sonho de prosseguir meus estudos, uma
realidade.
Aos alunos da Turma de 2014 do Curso de Especialização em Planejamento Urbano e
Educação Ambiental das Faculdades Integradas Simonsen, em especial a ‘tríade’, Bruno
Saraiva (vascaíno!), Felipe Queiróz (professor!) e Natália Lima (a loira fatal!).
Ao professor Fábio Esteves por aceitar me orientar nesta pesquisa!
Aos funcionários de jaleco verde do 2º andar, das Faculdades Integradas Simonsen, pela
grande contribuição antes e durante as aulas, valeu galera!
Ao professor Rafael Soares Gonçalves por aceitar fazer parte da banca examinadora desta
pesquisa!
Gostaria de aproveitar o momento para agradecer, em especial, a todos aqueles pesquisadores
acadêmicos que, como eu, moram em comunidades carentes e que fazem de sua ‘luta de vida’
um estímulo a mais no momento da produção de seus trabalhos acadêmicos onde enaltecem o
seu ‘local de origem’: a Favela. A favela tem vozes!
EPÍGRAFE
As favelas são, sem nenhuma dúvida, expressões
estruturais do processo discricionário que caracteriza a
urbanização do território brasileiro. É importante
sublinhar que não se limitam a um fenômeno que se faz
presente nas metrópoles. As cidades médias brasileiras
são, na atualidade, representativas da multiplicação
urbana de favelas e, inclusive, abrigam um crescimento
mais expressivo do que o observado em capitais, em
especial as da Região Sudeste do país (...). As favelas
cresceram no amplo movimento de expansão da própria
cidade do Rio de Janeiro. Inicialmente localizadas nos
bairros próximos ao Centro da cidade, as favelas
emergiram e se consolidaram na expansão da fronteira
urbana da cidade, muitas vezes constituindo a própria
fronteira urbana (BARBOSA, 2012, p. 97).
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tipo Título Página
Foto 01 Morro do Timbáu, década de 70/80 26
Foto 02 Favela Baixa do Sapateiro em 22.02.1973 27
Foto 03 Parque Maré na década de 1950 27
Foto 04 Parque União à esquerda e Rubens Vaz à direita do canal 28
Foto 05 O Centro de Habitação Provisória da Nova Holanda 29
Foto 06 As ‘Palafitas’ na Favela da Maré 34
Foto 07 Autoridades no viaduto de acesso à Ilha do Fundão 48
Foto 08 Ministro Mário Andreazza com lideranças comunitárias da Maré 50
Foto 09 Atanásio Amorim com a Minuta Carta 50
Foto 10 Arquiteto Oscar Niemeyer na Maré 51
LISTA DE MAPAS
Tipo Título Página
Mapa 01 Divisão territorial das dezessete favelas do atual Bairro Maré 31
Mapa 02 Área de Implementação do PROJETO RIO 34
LISTA DE TABELAS
Tipo Título Página
Tabela 01 Remoções realizadas no Estado da Guanabara, no período de
1962-1974
33
Tabela 02 População, Famílias e domicílios por favelas (1980) 38
Tabela 03 Distribuição Percentual das Associações por Ano de Fundação 45
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
SIGLA/ABREV. SIGNIFICADO
AGB Associação de Geógrafos Brasileiros
ANPOCS Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
ANPUR Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional
AP Área de Planejamento
BNH Banco Nacional da Habitação
CEDEPLAR Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG
CEHAB Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro
CESHE Carteira de Erradicação da Subhabitação e Emergências Sociais
CHISAM Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana
CHP Centro de Habitação Provisória
COHAB Companhia Estadual de Habitação do Estado do Rio de Janeiro
CRU Coordenadorias Regionais de Urbanismos
CODEFAM Comissão de Defesa das Favelas da Maré
CODESCO Companhia de Desenvolvimento de Comunidades
DNOS Departamento Nacional de Obras de Saneamento
EDUSP Editora da Universidade de São Paulo
ENGA Encontro Nacional de Geografia Agrária
FAFEG Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara
FAFERJ Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro
FAPERJ Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
FASE Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
IAPAS Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social
IPPUR Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
MINTER Ministério do Interior
NIPFE Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Favelas e Espaços Populares
ORG. Organizadores
PDS Partido Democrático Social
PLANHAP Plano Nacional de Habitação Popular
PROMORAR Programa de Erradicação da Subhabitação
PUC Pontífice Universidade Católica
RBG Revista Brasileira de Geografia
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná
UFF Universidade Federal Fluminense
UFG Universidade Federal de Goiás
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFU Universidade Federal de Uberlândia
USP Universidade de São Paulo
RESUMO
Esta pesquisa tem como desiderato, analisar como se deu o processo de atuação e
envolvimento de uma determinada associação de moradores nas áreas das Favelas da Maré,
atuando como agente local. As associações de moradores vêm desempenhado papel
importante nas relações interpessoais nas favelas da Cidade do Rio de Janeiro. Reconhecidas
pelo Governo do Estado, e tendo como finalidade, a constituição de elementos participantes e
atuantes no plano geral no processo de urbanização das favelas, têm sofrido vicissitudes
diversas, mantendo, porém, algumas importantes funções. Em um momento atuam como
porta-vozes das reivindicações dos moradores das favelas junto ao Governo, em outro
momento, agem como elementos que auxiliam essa mesma instância estadual e de sua
subseqüente secretaria de desenvolvimento social em projetos de urbanização. Na estrutura do
Governo Estadual possuem um status característico e, estão associadas a uma federação de
associações de moradores que se preocupam em reunificá-las em torno de objetivos comuns.
Tal importância despertou, nesse pesquisador, o interesse em pesquisar uma determinada
associação de moradores que foi criada no bojo da implementação do Programa de
Erradicação da Subhabitação – O PROMORAR – que na Cidade do Rio de Janeiro, ficou
mais conhecido pelo codinome “PROJETO RIO”, criado pelo Governo Federal, em 1979. A
associação de moradores estudada será a “CODEFAM” – Comissão de Defesa das Favelas da
Maré. Para tal, me propus a responder algumas questões: Como se deu a criação, organização
e atuação desta associação de moradores? Sua atuação, de alguma forma, foi benéfica para os
moradores da Maré à época do PROJETO RIO? Em quê a ‘participação política’ influenciou,
positivamente ou negativamente na atuação desta instituição? De que forma o PROJETO RIO
influenciou, de forma significativa, no planejamento urbano territorial da Maré? Para este
trabalho iremos nos utilizar de dois conceitos chaves da Geografia, ‘Espaço’ e ‘Território’,
além do conceito de ‘Associativismo Comunitário’. Esse trabalho se justifica pela necessidade
de elucidar dúvidas em relação ao comportamento dos moradores no que tange às incertezas,
durante o PROJETO RIO, se haveria remoções ou simplesmente realocações de parte da
população da Maré, além de se tornar uma nova bibliografia sobre a temática, tornando, assim
sua relevância. Baseia-se principalmente em fontes documentais, retiradas de jornais da época
(em grande parte), bibliografias sobre o tema, e tendo como principal referência a vivência
deste pesquisador como morador da área em questão.
Palavras-chave: Favelas da Maré – Projeto Rio – Codefam – Associativismo Comunitário
S U M Á R I O
Numeração TÍTULO Página
1 Introdução 01
2 Abordagens Teórico-Conceituais: Espaço e Território 14
3 Localização e Descrição de Espaços Segregados na Cidade do Rio
de Janeiro: As Favelas da Maré
22
4 O PROMORAR (PROJETO RIO) nas Favelas da Maré 32
5 Associativismo Comunitário na Maré: A CODEFAM 45
6 Conclusão 59
7 Bibliografia 62
8 Anexos 71
Anexo A Decreto 6.011 da criação da Região Administrativa da Maré 72
Anexo B Exposição de Motivos nº 66 de 25/06/1979 73
Anexo C Resolução BNH 72/80 – página 12.701 74
Anexo D Resolução BNH 72/80 – página 12.702 75
Anexo E Resolução BNH 72/80 – página 12.703 76
Anexo F Resolução BNH 135/82 – página 3.997 77
Anexo G Resolução BNH 135/82 – página 3.998 78
Anexo H Resolução BNH 135/82 – página 3.999 79
Anexo I Repassando o Processo de Planejamento 80
Anexo J Organograma: Área, Setores e Favelas 81
Anexo L Balanço de um novo Programa Habitacional – BNH 82
Anexo M Projeto de Alinhamento (PAA) 10.310 83
Anexo N Decreto nº 4.074: Projeto de Urbanização nº 38.994 e Projeto de
Alinhamento (PAA) nº 10.310
84
Anexo O Minuta Carta da CODEFAM 85
Anexo P Propaganda de entrega de títulos de propriedades do BNH 87
1 – INTRODUÇÃO
Como elemento essencial à essa pesquisa, acho de suma importância uma breve
retrospectiva acadêmica, para se pensar a razão pelo qual escolhi a temática ‘favela’, como fio
condutor de minhas análises em pesquisas como esta que ora trataremos aqui mais adiante.
Na verdade, posso afirmar que o desejo em desvendar as particularidades que
envolvem as mais diversas problemáticas que nascem, dia após dia, numa favela, surgiu bem
antes da minha inserção à academia. Já como morador do atual ‘Complexo da Maré’ cresci
acompanhando a luta dos moradores, via associações de moradores, por diversos reclames ao
longo da minha vida: seja pela luz, pela água, por arruamentos e calçamentos de ruas e vielas,
por uma eficiente rede de esgotos, pela não remoção de moradores – discussão essa que será
travada nesta pesquisa – e, por fim, por uma Maré melhor para seus moradores!
Após minha aprovação no vestibular do segundo semestre de 2001 em Geografia e
Meio Ambiente pela Pontífice Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), percebi
que poderia consumir e, ao mesmo tempo, ampliar e aprofundar meus conhecimentos
intrínsecos que já obtinha como morador de favela, agora de forma mais acadêmica. Ao fim
deste curso de graduação obtive minha aprovação com a pesquisa intitulada “Complexo da
Maré: Múltiplas Territorialidades Locais em Movimento”, onde dissertei a respeito dos
principais atores sociais da Maré à época.
Em 2009, já na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a UERJ, cursei minha
primeira pós graduação. Sob o título “Políticas Públicas em Espaços Residenciais Segregados
na Cidade do Rio de Janeiro: O Complexo da Maré”, onde discuti de forma retilínea, as
políticas públicas habitacionais na Cidade do Rio de Janeiro, desde a ‘crise habitacional de
1850/1870 até o Programa Favela Bairro (2009).
Já em 2013, no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – o IPPUR
da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) –, desenvolvi uma pesquisa mais voltada
para o planejamento urbano em concordância com a regularização fundiária chamada “A
Apropriação Social do Espaço em Áreas Residenciais Segregadas na Cidade do Rio de
Janeiro: O Projeto Rio e o Programa de Titulação Social na Favela da Maré”.
Além dessas pesquisas de cunho acadêmico, participei de alguns encontros e
seminários de certa relevância, tendo sempre a temática favela como ponto de discussão.
Devido a essas experiências profissionais, sinto-me novamente envolvido em outra
investigação acadêmica que ora apresento.
Alguns fatores têm contribuído para a alteração no ponto de vista dos
administradores municipais e estaduais em face da problemática no que tange aos processos
de recuperação das favelas, por meio da urbanização ao invés da remoção, bastante difundida
na década de 1960, na Cidade do Rio de Janeiro.
Em trabalho exposto em 1980 na Cidade de João Pessoa, na Paraíba, João Agripino
Maio de Vasconcelos indicava alguns desses fatores:
No processo de implementação do PROMORAR (PROJETO RIO) nas Favelas da
Maré no final da década de 1970 e meados da década de 1980, do século passado, a
problemática da remoção – pode-se afirmar que seja a solução popular para a ‘incompetência
das políticas urbanas, principalmente nas grandes cidades brasileiras’ – deu lugar a realocação
de moradores das áreas de palafitas1, para novas áreas criadas durante o mesmo programa de
urbanização na Maré, impossibilitando, assim, a experiência negativa da ‘expulsão branca’,
proveniente da especulação imobiliária que afeta, com certa freqüência, essas áreas
segregadas da Cidade do Rio de Janeiro.
Para tomar a frente dessas problemáticas na Maré, durante o PROJETO RIO, foi
criada a CODEFAM para ser um autêntico canal de comunicação entre os moradores da Maré
e os órgãos envolvidos no programa, com o intuito de ser uma verdadeira entidade que, de
início, queria ser uma instituição que promovesse o “associativismo comunitário local’,
impedindo as remoções na área da Maré.
Quando se retrata a idéia de associativismo comunitário na Cidade do Rio de Janeiro,
teremos que voltar ao tempo e citar a participação, de certa forma ‘positiva’, de uma das
primeiras entidades carioca com essa finalidade, a Pastoral de Favelas, da mesma forma vale
destacar as ações, de mesmo cunho político, da FAFEG (Federação das Associações de
Favelas do Estado da Guanabara), mais tarde, FAFERJ (Federação das Associações de
Favelas do Estado do Rio de Janeiro). Nas palavras de Brum:
1De acordo com o Dicionário Aurélio Online significa: Conjunto de estacas de madeira em que assentam as
habitações lacustres. Construção assente sobre esse conjunto de estacas. “Barracos de madeira sobre a lama e a
água”, como cita o Museu da Maré em “História da Maré – Parte II, disponível em
http://www.museudamare.org.br/joomla/index.php?option=com_content&view=article&id=103&Itemid=124
Acesso em 15/05/2015.
O insucesso das remoções realizadas no Rio de Janeiro; a insatisfação e a
repercussão política desfavorável geradas pelas remoções; o crescimento
desordenado das cidades brasileiras; e a expansão da população favelada nessas
cidades, acarretando a necessidade de recursos cada vez mais vultosos para a
solução do problema (1980, p. 6).
A maneira de lutar para trazer melhorias para as favelas teve uma maior relevância
dado a maior mobilização dos moradores e, dessa forma, essa atitude era vista não apenas
como um instrumento para obtenção de melhorias para a própria favela, mas como um bom
alicerce político para os envolvidos na diretoria da CODEFAM.
A partir disto, essa monografia visa debater a especificidade de atuação do
associativismo comunitário como forma de desenvolvimento e planejamento local, por parte
da CODEFAM no bojo do processo de implementação do PROJETO RIO nas Favelas da
Maré. Será discutido de que forma se deu a atuação dessa organização comunitária na luta
travada entre essa entidade e os órgãos municipais, estaduais e federal, à época do
PROMORAR.
Procura-se desvendar, de forma prática, se os interesses dos moradores da Maré
foram atendidos no que se refere ao autoritarismo político das três esferas governamentais
durante o tempo de vigência, tanto da CODEFAM, quanto do PROJETO RIO.
A metodologia utilizada neste trabalho é constituída por vários autores que
discutiram, em larga escala, a complexidade dos conceitos os quais serão apresentados mais
adiante. O arcabouço teórico de ‘Espaço’, ‘Território’ e ‘Associativismo Comunitário’,
utilizados nessa pesquisa, visa uma melhor compreensão desses termos para um melhor
entendimento da atuação dessa associação de moradores local. Nesse sentido, e para dar conta
do objetivo e do caminho de investigação, a pesquisa apresenta-se estruturada em cinco
capítulos.
No primeiro capítulo faremos uma intensa análise de dois conceitos básicos da
Geografia: o Espaço e o Território, como forma de minimizar futuras incertezas quanto à
atuação da CODEFAM e sua representatividade na Maré enquanto instância política e voz
dissonante nas discussões contra as instituições de governo.
No segundo capítulo será apresentada, de forma concisa, a história, a formação, bem
como a localização das seis favelas da Maré que foram ‘beneficiadas’ pela intervenção
governamental do programa de erradicação das palafitas. Para dar conta dessa descrição,
A Pastoral de Favelas, surgida em 1977, foi uma das grandes articuladoras desse tipo
de associativismo, com alguns padres e leigos promovendo reuniões com grupos de
favelados, a exemplo do que ocorria com diversos outros segmentos que voltavam a
se organizar no fim da ditadura a partir das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
A questão da posse do solo urbano se mostrava como a maior preocupação da
população favelada, ainda sob o impacto das políticas de remoção de favelas
vigentes nas décadas de 1960 e 1970, quando a política de segregação espacial da
cidade tomou proporções inéditas, com os favelados sendo removidos das áreas
centrais do Rio de Janeiro, particularmente da valorizada Zona Sul, e transferidos
para terrenos vazios nas periferias (BRUM, 2011, p. 70).
serão utilizados alguns materiais bibliográficos expedidos pelas Organizações Sociais que
atuam no território da Maré, como o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – o
CEASM –, o Museu da Maré e o Redes de Desenvolvimento da Maré.
No terceiro capítulo faremos uma descrição do que foi o PROMORAR, mais
conhecido na Cidade do Rio de Janeiro como PROJETO RIO: seu surgimento, suas formas de
organização, suas diretrizes e funcionalidades.
Já no quarto capítulo iremos abordar o conceito de ‘Associativismo Comunitário’
como forma de entendimento da atuação da CODEFAM nas Favelas da Maré: sua estrutura
organizacional, sua finalidade e desempenho enquanto uma organização comunitária que luta
pelos diretos da população local.
E por fim, no quinto capítulo, faremos uma análise geral do trabalho como forma de
conclusão, e concomitantemente, iremos verificar se os objetivos dessa pesquisa foram
alcançados.
2 – ABORDAGENS TEÓRICO-CONCEITUAIS: ESPAÇO E TERRITÓRIO
Para dar conta no nosso objeto de pesquisa, se faz necessária uma análise minuciosa
de dois conceitos chaves da Geografia: Espaço e Território, como forma de contribuição às
discussões que serão travadas mais adiante desta pesquisa. Para tal, utilizaremos alguns
autores, tanto da Geografia, quanto das Ciências Sociais, que irão corroborar para um melhor
entendimento acerca do objetivo geral desse trabalho.
Antes de tratarmos da conceituação de ‘território’ devemos debruçar nossos estudos
na problemática conceitual de ‘espaço’ pois, de acordo com Raffestin (1993, p. 178), “o
espaço é anterior ao território”, como pode ser observado na citação a seguir:
A produção do espaço urbano não acontece de maneira isolada, é um somatório das
práticas sociais através das relações políticas, econômicas e culturais e que constituem
diferentes formas espaciais (SANTOS, 2009, p. 18).
Em um trabalho de tradução livre do livro ‘A Produção do Espaço’, de Henry
Lefebvre, Pereira e Martins (2006, p. 34) apontam que, para o autor francês, o espaço (social)
é um produto (social).
Outro geógrafo que trabalhou, e bem, a idéia de espaço foi o brasileiro Milton
Santos. Segundo ele o espaço seria formado “por um conjunto indissociável, solidário e
também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados
isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 1997, p. 51).
Ainda Santos (Ibidem, 51), “o espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais
artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez
mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes”.
Este mesmo autor afirma ainda que:
Espaço e território não são termos equivalentes. Por tê-los usado sem critério, os
geógrafos criaram grandes confusões em suas análises, ao mesmo tempo que,
justamente por isso, se privavam de distinções úteis e necessárias. Não
discutiremos aqui se são noções ou conceitos, embora nesses últimos vinte anos
tenham sido feitos esforços no sentido de conceder um estatuto de noção ao espaço
e um estatuto de conceito ao território. O estatuto de conceito permite uma
formalização e/ou uma quantificação mais precisa do que o estatuto de noção. É
essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se
forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator
sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao apropriar de
um espaço concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator
"territorializa" o espaço.
Neste momento, Milton Santos chama a atenção para a diferenciação entre o
conceito de espaço e o de paisagem. Afirma que ambos não são sinônimos e cita que “a
paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que
representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. O espaço são
essas formas mais a vida que as anima” (Ibidem).
Na visão de Mark Gottdiener (1993, p. 127), referindo-se à sua natureza
multifacetada como aspecto teórico mais importante do espaço, de Lefebvre, menciona que:
Para o professor de geografia da UFRJ, Roberto Lobato Corrêa, o espaço seria
“fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo
de lutas” (CORRÊA, 1989, p. 09). Para este mesmo autor, o espaço urbano caracteriza-se, em
qualquer tipo de sociedade,
No entender do geógrafo britânico David Harvey (2012, p. 10), refletindo sobre a
natureza do espaço, em trabalho de 1973, introduz a idéia de uma ‘divisão tripartite’ no modo
de entendimento do espaço, que poderia ser explicado da seguinte maneira:
Na visão do professor do departamento de geografia da PUC/RJ, Alvaro Ferreira, o
espaço social:
O espaço, uno e múltiplo, por suas diversas parcelas, e através do seu uso, é um
conjunto de mercadorias, cujo valor individual é função do valor que a sociedade, em
um dado momento, atribui a cada pedaço de matéria, isto é, cada fração da paisagem
(Ibidem, 83).
O espaço é ao mesmo tempo o local geográfico da ação e a possibilidade social de
engajar-se na ação. Isto é, num plano individual, por exemplo, ele não só representa
o local onde ocorrem os eventos (a função de receptáculo), mas também significa a
formação social de engajar-se nesses eventos (a função da ordem social).
Se considerarmos o espaço como absoluto ele se torna uma “coisa em si mesma”,
com uma existência independente da matéria. Ele possui então uma estrutura que
podemos usar para classificar ou distinguir fenômenos. A concepção de espaço
relativo propõe que ele seja compreendido como uma relação entre objetos que
existe pelo próprio fato dos objetos existirem e se relacionarem. Existe outro sentido
em que o espaço pode ser concebido como relativo e eu proponho chamá-lo espaço
relacional – espaço considerado, à maneira de Leibniz, como estando contido em
objetos, no sentido de que um objeto pode ser considerado como existindo somente
na medida em que contém e representa em si mesmo as relações com outros objetos
(HARVEY, 1973, p. 13).
por ser fragmentado, isto é, constituído por áreas distintas entre si no que diz
respeito a gênese e dinâmica, conteúdo econômico e social, paisagem e arranjo
espacial de suas formas. Essas áreas, por outro lado, são vivenciadas, percebidas e
representadas de modo distinto pelos diferentes grupos sociais que vivem na cidade
e fora dela (CORRÊA, 2013, p. 39).
A professora titular do departamento de geografia da Universidade de São Paulo
(USP), Ana Fani Alessandri Carlos, estabelece uma tese para a definição de espaço:
Em trabalho mais recente (2015, p. 14), essa mesma autora parte da premissa de que o
processo de constituição da humanidade contempla a produção do espaço, deste modo, ela
chega à idéia de que:
Para a psicóloga social Ana Lúcia Gonçalves Maiolino (2008, p. 23), apoiado em
Lefevbre, a noção de espaço urbano é considerada como sendo “ele próprio, um dos
elementos constitutivos da subjetividade e não um mero produto da sociedade”.
Desta forma, acreditamos ter deixado claro, a nossa visão sobre espaço, a qual
utilizaremos, como base conceitual, dessa pesquisa. Neste instante, daremos um passo a frente
e discutiremos a noção do conceito de ‘Território’, para melhor entendimento da nossa
problemática inicial.
Como vimos anteriormente, o espaço é anterior ao território (RAFFESTIN, 1993, p.
178), e não podem ser confundidos. Neste sentido, Manuel Correia de Andrade afirma que o
território:
Este mesmo autor aponta que “território não é sinônimo de espaço... do mesmo modo
territorialidade e espacialidade não devem ser empregadas de modo indiferenciado”. Em seu
modo de ver, “território constitui-se, em realidade, em um conceito subordinado a um outro
mais abrangente, o espaço, isto é, à organização espacial; ele é o espaço revestido da
dimensão política, afetiva ou ambas” (Ibidem, 251).
Não é homogêneo, mas fragmentado e que a busca de seu entendimento não
prescinde considerar seu significado simbólico e a complexidade de seu impacto
sobre o comportamento daqueles que vivem na cidade. Estamos percebendo o
espaço enquanto forma e conteúdo, ou seja, não haveria forma sem conteúdo, nem
conteúdo sem forma. Posto isso, o espaço urbano – como sociedade espacialmente
organizada – acaba por se mostrar através das formas espaciais (o aspecto visível,
seja uma casa, uma favela, uma indústria, ou um distrito industrial) (FERREIRA,
2011, p. 98).
Se define pelo movimento que o situa como condição, meio e produto da reprodução
social ao longo do processo civilizatório. Logo, o espaço se define (em seu conteúdo
social e histórico) como uma das produções da civilização (nunca acabada, como ela)
(CARLOS, 2011, p. 23).
A produção do espaço é condição, meio e produto da ação humana. Esse movimento
triádico sugere que é através do espaço (e no espaço), que, ao longo do processo
histórico, o homem produziu a si mesmo e o mundo como prática real e concreta.
não deve ser confundido com o de espaço ou de lugar, estando muito ligado à idéia
de domínio ou de gestão de uma determinada área, sendo assim, deve-se ligar
sempre a idéia de território à idéia de poder, quer se faça referência ao poder
público, estatal, quer ao poder das grandes empresas que estendem os seus
tentáculos por grandes áreas territoriais, ignorando as fronteiras políticas
(ANDRADE, 1994, p. 213).
Já Pedro Pinchas Geiger, (1994, p. 235) também defende a tese de que “espaço e
território não significam exatamente a mesma coisa e o esclarecimento deste fato tem a ver
com a argumentação sobre os conceitos de des-territorialização e espacialização ora em uso”.
Ele analisa a cidade de forma que ela “aparece implicitamente como o elo entre o território e o
amplo espaço, o material, e o abstrato, do pensamento. O território corresponde a um nível de
produção social do espaço” (Ibidem, 238).
O geógrafo francês Claude Raffestin entende ser o território “um trunfo particular,
recurso e entrave, continente e conteúdo, tudo ao mesmo tempo. O território é o espaço
político por excelência, o campo de ação dos trunfos” (1993, pp. 59-60).
Gervásio Rodrigues Neves (1994, p. 271) define os territórios como “espaços de ação
e de poderes e esse poder – como capacidade de decidir – é adaptado às circunstâncias
contraditórias e particulares no tempo e no espaço [cada vez mais diversificado e
heterogêneo]”. Conclui, ainda, que “os novos territórios estão sendo formados e
transformados em todas as partes sobre os escombros das territorialidades, da luta de classes
ou das novas fontes espacializadas de produção de mercadorias” (Ibidem, p. 273).
No 10º Encontro Nacional de Geógrafos, em 1996, na Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), Sonia Bloomfield Ramagem, apresentou um trabalho onde menciona a
sua visão sobre o conceito de território:
Marcelo Lopes de Souza, professor de geografia da UFRJ, define o território como
sendo, fundamentalmente, “um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de
poder, do quarteirão aterrorizado por uma gangue de jovens até o bloco constituído pelos
países membros da OTAN” (SOUZA, 2001, p. 11).
Para Marco Aurélio Saquet (2011, p. 40), professor da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (UNIOESTE), o território:
Território, para o geógrafo baiano Milton Santos, seria relacional aos objetos.
Quando afirma que:
um território pressupõe um povo, um grupamento com unidade cultural, o qual
reclama uma dada porção do espaço como exclusivamente sua; um espaço vivido,
campo de representações simbólicas, lócus de solidariedades territoriais, percebido
através do sentimento (RAMAGEM, 1996, p. 49).
É apropriado e produzido socialmente no tempo e no espaço; significa a relação
espaço-tempo em movimento de unidade; é reconstruído incessantemente, tanto
espacial como temporalmente, pelas relações sociais, econômicas, políticas e
culturais (E-P-C) unidas, no mesmo movimento, com as naturezas orgânica e
inorgânica do homem, como síntese da relação sociedade-natureza (E-P-C-N).
Outro autor que trabalha a problemática conceitual de território é Nilson Cesar Fraga
que, ao considerar o espaço um evento e mais do que um elemento físico, ele afirma que esse
espaço tem forma, corpo e alma, e essas premissas remetem ao território, cuja complexidade
se amplia de forma considerável. Neste sentido, conceitua o território como:
Para o geógrafo norte americano Robert David Sack, da Universidade de Wisconsin,
o território é visto como a ‘Territorialidade’, que em sua visão é definida como a “tentativa,
por indivíduos ou grupo, de afetar, influenciar, ou controlar pessoas, fenômenos e relações, ao
delimitar e assegurar seu controle sobre certa área geográfica”, sendo essa área geográfica, o
próprio território (SACK, 2011, p. 76).
Para finalizar essa parte conceitual sobre o território, iremos abordar adiante, a
evolução da conceituação de território, nos estudos do geógrafo gaúcho Rogério Haesbaert,
professor do departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e que há
mais de uma década vem discutindo esse conceito geográfico.
O professor Haesbaert é um dos maiores autores da geografia que tem se dedicado a
discutir o conceito de território, alimentando com suas formulações o conhecimento das
relações sociais inerentes ao processo da produção do espaço. Compreende o autor (2001, p.
1770) que as concepções de território podem ser agrupadas em três pontos – tendo como
influências as leituras de Augé (1992), Deleuze, Guattari (1997), Storper (1994), Raffestin
(1993) e Sack (1986):
* Jurídico-político = “... é a mais difundida, onde o território é visto como um espaço
delimitado e controlado, através do qual se exerce um determinado poder, na maioria das
vezes visto como o poder político do Estado”.
* Cultural(ista) = “... prioriza a dimensão simbólico-cultural, mais subjetiva, em que o
território é visto sobretudo como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo
sobre seu espaço”.
A materialidade do território é dada por objetos que têm uma gênese técnica, um
conteúdo técnico e participam da condição da técnica, tanto na sua realização como
na sua funcionalidade. Esses sistemas técnicos atuais são formados de objetos
dotados de uma especialização extrema. Isso é sobretudo válido para os objetos que
participam dos sistemas hegemônicos, aqueles que são criados para responder às
necessidades de realização das ações hegemônicas dentro de uma sociedade
(SANTOS, 2006, p. 146).
Sendo parte de uma extensão física dos espaços, mobilizada como elemento decisivo
no estabelecimento de um poder e controle. Por intermédio desse controle é possível
a imposição de regras de acesso e de circulação, bem como a normalização de usos,
de atitudes e comportamentos sobre esse espaço (FRAGA, 2011, p. 73).
* Econômico = “... bem menos difundida, enfatiza a dimensão espacial das relações
econômicas, no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho”.
Em artigo apresentado no IX Encontro Nacional da ANPUR (Associação Nacional
de Pós Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional), em 2001, na Cidade do
Rio de Janeiro, o pesquisador aborda o território da seguinte maneira:
Para Haesbaert (2004, p. 1) o território surge com uma conotação dupla, sendo
material e simbólica unidas, pois tem haver com a ‘dominação’ da terra e com a inspiração do
terror, do medo, sendo essa ‘dominação’ entendida pelo binômio ‘jurídico-político’.
Continuando seu raciocínio, Haesbaert afirma que “todo território é, ao mesmo tempo e
obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional e simbólico, pois exercemos domínio
sobre o espaço tanto para realizar funções quanto para produzir significados” (Ibidem).
Haesbaert retoma a discussão conceitual de território em artigo para o X Encontro de
Geógrafos da América Latina, em 2005 na USP (Universidade de São Paulo), desta vez,
associado à idéia do ‘espaço-tempo vivido’:
Em artigo produzido para o Boletim Goiano de Geografia, de 2006, Haesbaert cita a
relação entre o território e sua relação com o espaço:
Em outro artigo, em co-autoria com Ester Limonad, de 2007, Haesbaert parte de uma
aparente constatação banal, para elucidar o território, na seguinte visão:
O território é ao mesmo tempo um recurso ou instrumento de poder e um valor –
valor este que vai além do simples valor de uso ou de troca, estendendo-se pela
valorização simbólica, identitário-existencial. Rompe-se assim a divisão entre
“território político” (de adjetivação redundante) e “território identidade”, como
alguns autores propõem, já que se confundem o território enquanto recurso político e
enquanto estratégia identitária (Ibidim, p. 1771).
Como decorrência deste raciocínio, é interessante observar que, enquanto “espaço-
tempo vivido”, o território é sempre múltiplo, “diverso e complexo”, ao contrário do
território “unifuncional” proposto pela lógica capitalista hegemônica. Podemos então
afirmar que o território, imerso em relações de dominação e/ou de apropriação
sociedade-espaço, “desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominação
político-econômica mais ‘concreta’ e ‘funcional’ à apropriação mais subjetiva e/ou
‘cultural-simbólica” (HAESBAERT, 2005, p. 6775).
O território, enquanto relação de apropriação e/ou domínio da sociedade sobre o seu
espaço, não está relacionado apenas à fixidez e à estabilidade (como uma área de
fronteiras bem definidas), mas incorpora como um de seus constituintes
fundamentais o movimento, as diferentes formas de mobilidade, ou seja, não é
apenas um “território-zona”, mas também um “território-rede” (HAESBAERT, 2006,
p. 117-118).
No seu modo de ver, o território pode ser enfatizado a partir da noção de três
pressupostos: o primeiro seria diferenciar a noção de território e o espaço (considerado pelo
autor como sendo ‘geográfico’); o segundo momento seria o território sendo percebido como
uma ‘construção histórica’ (social) a partir das relações de poder que envolvam a sociedade,
como um todo, e esse espaço geográfico; e por fim, o terceiro pressuposto seria a tentativa de
entendimento desse território possuindo, tanto uma dimensão mais subjetiva – consciência,
apropriação ou identidade territorial –, quanto uma dimensão objetiva – a dominação do
espaço. Em relação a esse espaço, o autor conclui afirmando que:
Já em outro material (HAESBAERT, 2011) esse mesmo autor considera que:
Analisando os pressupostos teórico-conceituais que norteiam a problemática da
conceituação do território, Haesbaert (2014, p. 05) afirma que:
E assim “o território – que ficou ausente das preocupações geográficas até
recentemente – retorna com insistência na última década do século XX como elemento que
condiciona as relações de produção”, como salienta Sposito (2004, p. 119).
Como vimos, a geografia, como campo essencial do conhecimento, foi a disciplina
que melhor se apropriou das discussões conceituais e empíricas, tanto do espaço, quanto do
território, tornando-a uma disciplina sempre em voga.
sem dúvida o homem nasce com o território, e vice-versa, o território nasce com a
civilização. Os homens, ao tomarem consciência do espaço em que se inserem (visão
mais subjetiva) e ao se apropriarem ou, em outras palavras, cercarem este espaço
(visão mais objetiva), constroem e, de alguma forma, passam a ser construídos pelo
território (HAESBAERT e LIMONAD, 2007, p. 42).
Esse espaço tornado território pela apropriação e dominação social é constituído ao
mesmo tempo por pontos e linhas redes e superfícies ou áreas zonas. É possível
acrescentar então que são elementos ou unidades elementares do território (Ibidem,
p.43).
Se os territórios são espaços de exercício de poder, de relações de poder feitas
(no/pelo) espaço, este poder, contudo, tem múltiplas faces. Devemos considerar
desde aquelas do poder político “tradicional”, restrito à figura do Estado e/ou das
“classes hegemônicas”, quanto aquelas mais amplas, que enfatizam também sua
dimensão simbólica.
Território, no nosso ponto de vista, é tido como um espaço geográfico dominado
e/ou apropriado, cujas práticas sociais são focalizadas enquanto relações de poder,
como se estivéssemos olhando para o espaço focando nosso olhar sobre as relações
de poder, mas poder num sentido amplo e que envolve os mais diferentes sujeitos
sociais, um poder que vem tanto de cima para baixo quanto de baixo para cima,
numa visão, aqui, inspirada em Michel Foucault.
E dessa convergência espacial dos contrários, surgiu a reação à gestão central, à
desterritorialização e à integração com a formação de novas territorialidades, novas formas de
concepção do uso e do processo de domínio do território (SANTOS, 2005, p. 16). Essa
concepção de uso e o processo de domínio do território nas Favelas da Maré, serão abordadas
mais adiante, quando discutirmos à respeito da ação da CODEFAM durante o PROJETO
RIO.
Nos dias atuais, a produção desse espaço urbano tem se caracterizado por relações,
processos e ações, ocasionando uma dualidade: uma relatividade ou até mesmo uma
dificuldade de se estabelecer o que seja este espaço: social e geográfico.
A seguir, no terceiro capítulo desta pesquisa, iremos realizar uma descrição
detalhada da história, da formação, bem como da localização das seis favelas da Maré que
faziam parte da reconfiguração territorial da área da Maré à época de implementação do
PROJETO RIO. O seu espaço geográfico e seu território serão abordados de forma única,
numa totalidade centralizadora.
3 – LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO DE ESPAÇOS SEGREGADOS NA
CIDADE DO RIO DE JANEIRO: AS FAVELAS DA MARÉ
Como observado na citação da geógrafa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística) Valéria Grace Costa, em artigo publicado em 1996, na Revista Brasileira de
Geografia, a favela carioca já reside encravada no espaço urbano da urbe carioca há cerca de
cento e vinte anos. Nas décadas seguintes após o surgimento da considerada ‘primeira favela’
em 18972, o que se viu, foi uma intensa expansão dessa forma de habitação popular bastante
peculiar na Cidade do Rio de Janeiro.
Mas o quê é favela? Como conceituá-las?
De acordo com o professor da PUC-RJ, o historiador Rafael Soares Gonçalves
(2007, p. 01), “as favelas são uma das realidades mais marcantes da história e da estrutura
urbana da cidade do Rio de Janeiro”. Já na visão de Nunes (2008, p. 180), denomina-se
favela:
Em seminário realizado na Maré, em 2009, através da Organização Social de
Pesquisa Observatório de Favelas, e após diversos palestrantes divagarem sobre a temática
‘favela’, foi elaborado um documento chamado “Declaração: O Que é A Favela, Afinal?”,
considerando quatro perfis (elencados a seguir), os organizadores do evento concluíram que,
em relação às favelas:
2 De acordo com vasta literatura a respeito, não há um consenso sobre a primeira favela existente na Cidade do
Rio de Janeiro. Muitos autores afirmam ser o antigo ‘Morro da Favela’, atual ‘Morro da Providência, no centro
do Rio de Janeiro, a primeira a existir em solo carioca, em 1897. Mas, quatro anos antes, no Morro de Santo
Antônio, no Largo da Carioca, onde atualmente há somente o Convento e a Igreja de Santo Antônio, já havia
moradias por soldados provenientes da Guerra do Paraguai e também da Guerra de Canudos. Ver (ABREU e
VAZ, 1991; COSTA, 1992; ABREU, 1993; ABREU, 1994; VALLADARES, 2000; ABREU, 2004; VAZ, 2003;
VAZ e JAQUES, 2003; CAMPOS, 2010; KEHL, 2010).
A favela, embora existente na cidade desde 1897, somente a partir de 1930 passa a se
constituir na principal alternativa habitacional para os migrantes e parcela da
população, substituindo as outras formas predominantes, até então, como· os
cortiços, vilas operárias e casas de cômodos. Torna-se o principal destino da
população de baixa renda, expulsa de suas antigas residências muitas vezes pelas
reformas urbanas ou constantes aumentos de aluguel. Este processo estaria associado
à industrialização dos países subdesenvolvidos, ocorrida fundamentalmente a partir
dos anos de 1930, e que repercutiu no Brasil como um novo momento de organização
social que propiciou entre outras coisas o inchamento das grandes cidades onde a
oferta de habitações era inferior à demanda (COSTA, 1996, p. 26)
Ao assentamento popular que guarda condições tipicamente periféricas – população
de baixa renda, incluindo seu modo de vida, condições sanitárias e do atendimento de
infraestrutura e equipamentos públicos de baixo padrão e, em geral, irregularidades
quanto ao regime de propriedade – em razão de estar situado no centro.
1. “Considerando o perfil sociopolítico, a favela é um território onde a incompletude de
políticas e de ações do Estado se fazem historicamente recorrentes, em termos da
dotação de serviços de infra-estrutura urbana e de equipamentos coletivos” – favela
aqui seria considerada como territórios sem garantias de efetivação de direitos sociais;
2. “Considerando o perfil socioeconômico, a favela é um território onde os
investimentos do mercado formal são precários, principalmente o imobiliário, o
financeiro e o de serviços” – neste caso, haveria distâncias socioeconômicas em
relação à qualificação do tempo e espaço das favelas, em relação às condições
presentes de um modo geral na cidade;
3. “Considerando o perfil sócio-urbanístico, a favela é um território de edificações
predominantemente caracterizadas pela autoconstrução, sem obediência aos padrões
urbanos normativos do Estado” – aqui favela significaria morada urbana resumindo as
condições desfavoráveis da urbanização brasileira, concomitantemente, à luta dos
cidadãos pelo direito legítimo de habitar a cidade;
4. “Considerando o perfil sociocultural, a favela é um território de expressiva presença
de negros (pardos e pretos) e descendentes de indígenas, de acordo com região
brasileira, configurando identidades plurais no plano da existência material e
simbólica” – sobrepujando os estereótipos de territórios miseráveis e violentos. Aqui a
favela é vista com uma rica pluralidade de convivências de sujeitos sociais em suas
diferenças culturais, simbólicas e humanas. (OBSERVATÓRIO DE FAVELAS, 2009,
pp. 96-97, grifo nosso).
Por outro lado, as favelas sempre tiveram uma imagem ‘negativa’ em relação a
cidade, atrelada em demasia a estereótipos da alcunha de ‘outra cidade’, ‘terra sem lei’,
‘cidade partida’, ‘morro e asfalto’, entre outras denominações. Como afirma Souza e Silva em
trecho de Benjamim Costallat:
Após dissertarmos sobre o nosso entendimento do conceito de ‘favela’, iremos
adiante tratar do espaço-favela nas Favelas da Maré. Neste momento será usada, como fonte
bibliográfica, “A História da Maré” na página da internet da ONG – Organização Não
Governamental – Museu da Maré (http://www.museudamare.org.br/) e “História da Maré”
Encravada no Rio de Janeiro, a Favela é uma cidade dentro da cidade. Perfeitamente
diversa e absolutamente autônoma. Não atingida pelos regulamentos da prefeitura e
longe das visitas da polícia. Na Favela ninguém paga impostos e não se vê um guarda
civil. Na Favela, a lei é a do mais forte e a do mais violento. A navalha liquida os
casos. E a coragem dirime as contendas (COSTALLAT, 1924 apud SOUZA e
SILVA, 2005, p. 28).
narrada por outra ONG da Maré, o Redes de Desenvolvimento da Maré
(http://redesdamare.org.br/blog/uncategorized/a-historia-da-mare) e por fim, a ‘História da
Maré em Capítulos’, do CEASM – Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré
(www.ceasm.org.br), site atualmente indisponível, usado em trabalho anterior (SANTOS,
2005).
A formação da Maré remonta longo processo de alterações urbanas significantes que
assolou a Cidade do Rio de Janeiro durante o século XX, em particular, após a sua segunda
metade (SILVA, 2010).
Diversas mudanças ocorreram ao longo da história na própria cidade, sendo talvez o
mais interessante para essa pesquisa, o acréscimo evolutivo da atividade industrial, pois atraiu
o interesse de boa parcela de nordestinos que deixaram sua terra natal – principalmente do
polígono das secas – em busca de trabalho e de uma nova condição de vida.
A história da Maré urbana tem início nos anos 40, do século passado, com o
desenvolvimento industrial do Rio de Janeiro, como vimos anteriormente. O paradeiro dos
migrantes nordestinos foram as regiões desprezadas pela especulação imobiliária, como as
encostas e áreas alagadas.
Neste período, a região da Leopoldina já havia se transformado em núcleo industrial.
E, como as ‘terras boas’ do subúrbio tinham se tornado objeto da especulação imobiliária,
restou para a camada mais pobre a ocupação das áreas alagadiças no entorno da Baía da
Guanabara.
No final da década de 40, já havia palafitas – barracos de madeira sobre a lama e a
água – na região. Surgem focos de povoação onde hoje se localizam as comunidades da
‘Baixa do Sapateiro’, ‘Parque Maré’ e o ‘Morro do Timbáu’ – única naturalmente de terra
firme. As palafitas se estenderam por toda a Maré e só no início dos anos 80 foram
erradicadas (como veremos no capítulo que trata do PROJETO RIO).
A construção da Avenida Brasil - concluída em 1946 - foi determinante para a
ocupação da área, que prosseguiu pela década de 50, resultando na criação de outras
comunidades como ‘Rubens Vaz’ e ‘Parque União’.
Nos anos 60, um novo fluxo de ocupação da Maré teve início. Durante o Governo
Estadual de Carlos Lacerda (1961-1965), foram realizadas obras de modernização na Zona
Sul da cidade com a conseqüente erradicação de favelas e remoção de sua população para
regiões distantes do município.
A partir de 1960, moradores de favelas como Praia do Pinto, Morro da Formiga,
Favela do Esqueleto e desabrigados das margens do rio Faria-Timbó foram transferidos para
habitações "provisórias" construídas na Maré. Daí surgiu a comunidade de ‘Nova Holanda’.
Essas comunidades ocuparam e demarcaram territórios ao longo da Avenida Brasil e
se expandiram posteriormente na direção do Canal do Cunha e da Baía de Guanabara –
embora já existissem núcleos de pescadores na região desde o final do século 19.
As palafitas que serviram de morada para centenas de famílias ainda estão nas
lembranças dos moradores da Maré, assim como as memórias de lutas pela permanência de
suas moradas diante das tentativas de remoção por parte do Estado, nos anos 1960 e 1970.
Até o início dos anos 80, quando a Maré das palafitas era símbolo da miséria
nacional, como retrata a música Alagados, da banda de rock ‘Paralamas do Sucesso’. Mas
esse período marca também a primeira grande intervenção do Governo Federal na área: O
Projeto Rio, que previa o aterro das regiões alagadas e a transferência dos moradores das
palafitas para construções pré-fabricadas, as comunidades da Vila do João, Vila do Pinheiro,
Conjunto Pinheiro e Conjunto Esperança.
Das dezessete comunidades atuais da Maré, iremos retratar apenas as seis que
faziam parte das Favelas da Maré, à época do PROJETO RIO. Para tal, faremos um breve
resumo dessas seis primeiras localidades:
Morro do Timbáu: Ocupado inicialmente na década de 1940, ‘período de mais forte
proliferação de favelas no Rio de Janeiro’ (VARELLA, BERTAZZO e JACQUES,
2002, p. 20), pouco antes da construção e abertura da Avenida Brasil, de 1946, que
simboliza a época de expansão da industrialização da cidade, onde a burguesia
industrial se firma e consolida seu poder. Essa região foi ocupada desde o período
colonial, por se localizar, ali, o antigo Porto de Inhaúma. Posteriormente, a área foi
ocupada por portugueses e italianos que ali estabeleceram suas chácaras e por
pescadores que fundaram uma colônia de pesca.
A ocupação da comunidade propriamente dita se dá a partir da chegada da primeira
moradora da comunidade, Dona Orosina, que num passeio de final de semana se
apaixona pelo lugar, e recolhendo a madeira que a maré trazia, demarca uma área e
constrói o primeiro barraco, com a ajuda de seu marido (CEASM, 2005).
Foto 01 – Morro do Timbáu, década de 70/80
Fonte: Museu da Maré
O Morro do Timbáu foi a primeira favela da Maré a ter sistema de rede de água, rede
de luz, rede de esgoto, pavimentação de ruas e equipamentos urbanos. Essas conquistas se
deram, principalmente, durante a administração de Joaquim Agamenon Santos, a frente da
Associação de Moradores do Morro do Timbáu, entre 1968 a 1983 (SANTOS, 1983, p. 25).
Baixa do Sapateiro: Enquanto a comunidade do Timbáu apresentou um lento
crescimento, permanecendo na década de 40 com poucos habitantes surgia, ao final
deste período (1947), a primeira grande concentração humana que foi a Baixa do
Sapateiro (ver foto 02) que na época, teve sua formação a partir de um pequeno grupo
de barracos construídos sobre palafitas. Não há consenso sobre a origem do nome
(SANTOS, 2005, p. 34).
A ocupação por moradias, inicialmente, ocorreu a partir dos limites do “loteamento de
Bonsucesso”, onde ainda se podem notar muitas casas do início do século XX. Nessa
época se tem notícias dos primeiros barracos na mídia especializada (Ibidem):
Há dois anos moradores iniciaram a construção de barracões nos terrenos da Marinha
à margem da Avenida Brasil em Bonsucesso. Os terrenos formavam um charco que,
à medida que iam levantando as casas, iam aterrando. Se localizam ali hoje cerca de
800 barracos. Já havia na parte alta da Rua Jerusalém outro grupo de residências. A
Prefeitura mandou destruir tudo (Fonte: Jornal ‘A Noite’, 24/11/1947).
Cerca de 2000 pessoas ficarão desabrigadas (...) Prefeitura ameaça demolir 800
barracões. Há quase dois anos construídos por operários, em terrenos existentes no
lugar denominado ‘Favelinha do Mangue de Bonsucesso’, no fim da Rua Nova
Jerusalém – Comissão faz veemente apelo ao prefeito Ângelo Mendes de Moraes
(Fonte: Jornal ‘O Globo’, 26/11/1947).
Foto 02 – Favela Baixa do Sapateiro em 22.02.1973
Fonte: Alcyr Cavalcanti – Acervo Correio do Amanhã – Arquivo Nacional
Parque Maré: Em 1950, surgem as primeiras moradias do Parque Maré (vide foto.
03) como um prolongamento da ocupação ocorrida na Baixa do Sapateiro e essa área
tornou-se bastante atrativa às populações que chegavam com o fluxo migratório,
principalmente da Região Nordeste. A área que ia sendo ocupada pelos moradores do
Parque da Maré (1953 já consolidado) era dominada pela lama, por vegetação de
mangue e pelo movimento das águas, tendo a partir da década de 60, ocorrido uma
grande expansão da ocupação em direção à Baía da Guanabara, sendo o Parque Maré,
nesta época, predominantemente dominado pelas palafitas, conforme as figuras
abaixo:
Foto 03 – Parque Maré na década de 1950
Fonte: Museu da Maré
Parque Major Rubens Vaz: A história do Parque Rubens Vaz inicia-se no ano de
1951, quando surgem no local os primeiros barracos. A área, nesta época, era
conhecida como areal, devido à grande quantidade de areia espalhada no local, por
ocasião da drenagem e canalização do Canal da Portuária. Quando uma pessoa
chegava à área para fixar residência, já era avisada de que não deveria construir à
margem da Avenida Brasil, porque esta seria futuramente alargada, como de fato foi.
Sendo assim, ninguém construiu sua habitação a menos de 40 metros da Avenida
Brasil.
Em 1965, durante o Governo Carlos Lacerda, a população da área sente necessidade
de encontrar um nome oficial para o lugar. Escolhem o nome Rubens Vaz em
homenagem ao major assassinado em atentado na Rua Toneleros, em Copacabana. A
Associação de moradores é então registrada com o nome de Associação de Moradores
do Parque Major Rubens.
Foto 04 – Parque União à esquerda e Rubens Vaz à direita do canal
Fonte: Museu da Maré
Parque União: O advogado Antoine de Magarinos Torres Filho – o mesmo que
defendeu a população e seu direito de permanecerem na área hoje conhecida como
Parque Major Rubens Vaz – ligado ao PCB e que tinha um escritório nesta localidade,
deu todas as coordenadas para a estruturação da comunidade Parque União (foto 04),
em 1959, e esta localidade foi uma das áreas com um certo planejamento de ocupação,
pois ele demarcou áreas para a permanência dessa população. As casas eram
construídas primeiramente em madeira. Internamente eles iam levantando as paredes
em alvenaria, isso tudo feito às escondidas, pois, segundo a população, o governo
proibia a construção em alvenaria. A madeira só era retirada, quando a casa já estava
praticamente pronta. Magarinos e sua equipe lideraram e administraram a área até
1961.
Nova Holanda: A Nova Holanda (foto 05) foi concebida como um Centro de
Habitação Provisória (CHP) que funcionaria como um local de triagem, dentro da
política de remoções do governo, que visava muito mais retirar núcleos favelados de
áreas nobres da cidade, do que resolver a problemática habitacional. A tarefa de
controlar o processo de transferência dos moradores de favelas a serem erradicadas
ficou a cargo da Fundação Leão XIII, que foi incorporada à Secretaria de Serviço
Social da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Para uma melhor análise dessa
situação é preciso voltar ao passado e conhecer melhor o ‘Programa de Erradicação de
Favelas’, que deu origem aos CHPs – como a Nova Holanda.
Foto 05: O Centro de Habitação Provisória da Nova Holanda
Fonte: Museu da Maré
No CHP os moradores removidos passariam por um processo de preparação para
morarem em locais urbanizados, tendo noções de higiene e educação, além de
cuidados com a nova moradia. No período de 1962-63 foi construído o primeiro setor,
que era formado por 981 casas de madeira construídas em lotes 5 X 10 mts e o
segundo setor foi construído no último ano de governo de Lacerda, onde se
construíram 228 vagões de madeira divididos em 39 unidades... O que era transitório,
acabou por se tornar definitivo, e até hoje vivem na comunidade, muitas famílias que
foram para Nova Holanda aguardar sua remoção para um novo conjunto da cidade, o
que nunca chegou a acontecer. Com a degradação dos serviços de água e esgoto e a
chegada em 1971 dos removidos da Favela Macedo Sobrinho, a situação do CHP se
agrava e dessa forma, os moradores de Nova Holanda iam se integrando, pelos
problemas comuns, cada vez mais aos demais moradores da Maré.
A Maré é um dos maiores conjuntos de favelas do Rio de Janeiro.
Localizada na Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro; é limitada pela Avenida
Brasil e pela Linha Vermelha (RJ-071, oficialmente denominada Via Expressa Presidente
João Goulart), às margens da Baía de Guanabara. Ao longo da Avenida Brasil, sentido
Centro, inicia-se na Praia de Ramos e termina no Conjunto Esperança, próxima à Refinaria de
Manguinhos (ver mapa um).
A área em questão se localiza na XXXª Administração Regional, criada em
04/08/1986, conforme o Decreto Municipal nº 6.011 Art. 2º da Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro (ver anexo A). A delimitação territorial da Região Administrativa está em Decreto
Municipal nº 7.980, de 12 de agosto de 1988. Já o bairro da Maré foi criado através da Lei
Municipal nº 2.119 de 19/01/1994 (a delimitação do Bairro Maré corresponde à delimitação
da XXX R.A. – Maré), está organizada, de acordo com o Instituto Pereira Passos, como
pertencente às Coordenadorias Regionais de Urbanismos (CRU) e Área de Planejamento (AP)
03 (SANTOS, 2013, pp. 09-10).
O recorte definido pelo IBGE ignorou a condição formal de bairro da Maré,
estabelecida desde o final da década de 80, reconhecendo as comunidades locais como
“Unidades Territoriais Específicas” – é a maior concentração de população de baixa renda do
município do Rio de Janeiro (SANTOS, 2005, p. 05). O conjunto de 17 comunidades [Morro
do Timbáu (1940), Baixa do Sapateiro (1947), Conjunto Marcílio Dias (1948), Parque Maré
(1953), Parque Roquete Pinto (1955), Parque Rubens Vaz (1961), Parque União (1961), Nova
Holanda (1962), Praia de Ramos (1962), Conjunto Esperança (1982), Vila do João (1982),
Vila do Pinheiro (1989), Conjunto Pinheiro (1989), Conjunto Bento Ribeiro Dantas ou Fogo
Cruzado (1992), Nova Maré (1996) e Salsa e Merengue (2000)] totaliza, segundo o ‘Censo
Maré – 2.000’3, uma população de 132.176 representando esse contingente, 2,26% da
população do município do Rio de Janeiro e apenas 0.97 % dos habitantes do Estado do Rio
de Janeiro abrigados em 38.273 domicílios (Censo Maré 2000) 4-5.
Mapa 01 – Divisão territorial das dezessete favelas do atual Bairro Maré
Fonte: Guia de Ruas – Maré 2012
Após a descrição e formação das seis comunidades que constituíam as ‘Favelas da
Maré’ à época de implementação do PROMORAR, partiremos agora, para o esclarecimento
do que foi o Programa de Erradicação das Palafitas na Maré, que ficou mais conhecido na
Cidade do Rio de Janeiro, como ‘PROJETO RIO’.
Iremos perceber que o espaço geográfico e territorial da Maré se reconfigura,
amplamente, devido à implementação desse programa governamental que, a partir de 1979 até
meados de 1985, realiza um rearranjo da área da Maré, como explicitado a seguir.
3 O Censo Maré, a fim de melhor descrição da heterogeneidade local, considerou a comunidade de Mandacaru,
localizada no território de Marcílio Dias, como uma comunidade específica, devido às suas condições peculiares. 4 O “Censo Maré 2000” foi um empreendimento com iniciativa do CEASM, com financiamento do BNDES e
com vínculos a um conjunto de iniciativas de Políticas Sociais da Prefeitura do Rio de Janeiro e que ficou
conhecido como “Projeto Multissetorial da Maré”. 5 Nesta pesquisa, optamos por trabalhar com dados do CENSO 2000 pois, o CENSO 2010, alterou a categoria
‘favela’ por ‘aglomerados subnormais’ e, desta forma, a metodologia usada pelo IBGE, a partir desse censo de
2010, modificou, totalmente, os parâmetros de definição de favelas e assemelhados.
4 – O PROMORAR (PROJETO RIO) NAS FAVELAS DA MARÉ
Após as constantes divergências contra a população favelada, no que tange às
remoções de favelas, durante, principalmente, a década de 1960, no autoritarismo de Carlos
Lacerda, eis que o Governo acena para uma mudança de postura na política habitacional.
Esta década foi marcante pois foi presenciada, na Cidade do Rio de Janeiro, o início
de uma enorme operação visando a remoção sumária de favelas para uma nova forma de
habitação: os conjuntos habitacionais, estes, financiados pelo BNH (criado em 1964) – Banco
Nacional da Habitação – e comercializados pela COHAB (Companhia Estadual de Habitação
do Estado do Rio de Janeiro). Nas palavras de Licia do Prado Valladares (1980, p. 21):
A idéia de remoção por parte do governo tinha a intenção de desalojar as ‘fábricas de
marginais’, que seriam as favelas, com vistas a ‘purificar’ a cidade, como afirma Patrícia
Birman (2008, p. 100).
As políticas públicas voltadas peculiarmente para a urbanização são exclusivamente
relevantes uma vez que mais da metade da população se encontram nos centros urbanos.
Políticas voltadas para a tentativa de equacionar as conseqüências sociais do rápido processo
de urbanização tornam-se prioritárias neste instante na Cidade do Rio de Janeiro.
O remocionismo – como se caracterizou o período de forte remoção de favelas no
Rio de Janeiro (ver tabela 01 das remoções) – enfrenta forte reação social de moradores,
estudantes, intelectuais e até de alguns políticos empenhados na tentativa de iniciar um
processo democrático de urbanização. Essas reações aumentam sobremaneira os custos das
remoções, tornando-se um dos principais motivos de seu desarrimo. Sob essas circunstâncias,
houve uma reformulação do planejamento urbano estratégico no final da década de 1970
como uma tentativa de afastar os métodos autoritários e homogeneizantes em voga. Em razão
disso, a Cidade do Rio de Janeiro foi a primeira metrópole que procurou adotar mecanismos
participativos em sua administração.
Nesse contexto nasce a política de urbanização das favelas na Cidade do Rio de
Janeiro e que se consolida no tecido urbano na década de 1980. Trata-se de uma das principais
Este programa nasceu da construção das chamadas vilas populares em 1962–1964,
culminando com a intervenção federal que criou, em 1968, a CHISAM. Atuante até
1973, ano de sua extinção, o balanço de atividades deste órgão foi muitas vezes
superior a qualquer um realizado até então.
conquistas da população oriunda de favelas a garantia de permanência em seus ‘bairros’ de
origem, com a urbanização e realocação de seus moradores.
Tabela 01 – Remoções realizadas no Estado da Guanabara, no período de 1962-1974
Administração e Períodos
das Remoções Total de Favelas
Atingidas
Total de Barracos
Removidos
Total de
Habitantes
Removidos
Calos Lacerda (1962-1965) 27 8.078 41.958
Negrão de Lima (66-67/68-
71)
66-67 (s/r) 68-71 (33) 66-67 (s/r) 68-71 (12.782) 6.685/63.910
Chagas Freitas (1971-1974) 20 5.333 26.665
Total 80 26.193 139.218
Fonte: COHAB-GB – Extraído de Valladares (1980, p. 39) – Adaptado.
Desse período (década de 1960) até o início dos anos 80, a “cidade de casas de
palafitas” tornou-se símbolo da miséria nacional. Foi então que o governo federal idealizou a
sua primeira grande intervenção na área: o Projeto Rio, que previa o aterro das regiões
alagadas e a transferência dos moradores das casas de palafitas para construções pré-
fabricadas. Estas dariam origem às comunidades da Vila do João, Vila do Pinheiro, Conjunto
Pinheiro e Conjunto Esperança (CHAGAS e ABREU, 2007, p. 137).
Em 25/06/1979 nasce o Programa de Erradicação da Subhabitação, o PROMORAR,
resposta do governo a problemática habitacional, através da Exposição de Motivos Ministerial
nº 666, por intermédio do Ministro do Interior do Governo do Presidente João Baptista
Figueiredo, Mário Andreazza (SANTOS, 2009, p. 24). O documento oficial rezava que:
Desta forma, nas palavras de Valla (1986, p. 141), “o programa visava solucionar o
problema das habitações subumanas, as favelas e as palafitas (ver foto 06), urbanizando-as,
quando possível, e erradicando-as, quando eram vistas como caso perdido7”, na fala do
Ministro ao discursar sobre o projeto.
6 Ver Anexo B – Exposição de Motivos nº 66, de 26/06/1979. 7 Como rezava o Art. 66 da Constituição do Estado da Guanabara, de 27/03/1961.
(Em conjunto com os Ministérios da Marinha e da Fazenda e Secretaria de
Planejamento da PR). Programa de recuperação de áreas alagadas, através de aterro
hidráulico, com o aproveitamento de bancos de areia próximos, objetivando
solucionar a questão da submoradia nas zonas faveladas de diversas capitais do País,
com prioridade para a área da Favela da Maré, nos Municípios do Rio de Janeiro e
Duque de Caxias. "Aprovo. Em 25.6.79." (BRASIL, 1979).
Foto 06 – As ‘Palafitas’ na Favela da Maré
Fonte: Acervo CEASM/Arquivo Orosina Vieira
O ‘Projeto Rio’ previa uma intervenção desde a Ponta do Caju, até os rios Sarapuí e
Meriti, em Duque de Caxias, num trecho de 27 quilômetros (ver mapa 02), e apresentava
como objetivos centrais a criação de espaços para abrigar populações de baixa renda e criação
de condições para ambientação ecológica e paisagística do trecho mais poluído da Baía de
Guanabara. A execução do projeto coube ao Banco Nacional de Habitação (BNH), como
órgão financiador, e ao Departamento Nacional de Obras e Saneamento, incumbido de fazer
os aterros e macrodrenagem (ver os anexos C, D, E, F, G e H – Resolução BNH nº 72/80 e
135/82). À FUNDREM, órgão estadual, coube o encargo das pesquisas de levantamento
cadastral (SANTOS, 2009, p. 60).
Mapa 02 – Área de Implementação do PROJETO RIO
Fonte: Capa do Jornal do Brasil de 09.06.1979
De acordo com Valla (1996, p. 141-142) o PROMORAR atingiria uma população de
250 mil habitantes e tinha os seguintes objetivos:
Eliminar os focos de poluição da Baía e recuperar as praias, preservando a ecologia
local;
Ordenar o espaço urbano, recuperando a paisagem e melhorando as condições de
navegação da Baía;
Prover solução para o sistema viário (Avenida Brasil), há muito tempo reclamada;
Solucionar os problemas de saneamento ambiental e básico de áreas próximas às Ilhas
do Fundão e do Governador, onde a poluição atinge níveis elevados, inadequados à
vida humana; e
Recuperar e urbanizar as favelas existentes na área, sem remoção da população atual,
que deverá ser mantida em condições adequadas de habitação, emprego e atendimento
escolar e de saúde, nas mesmas áreas onde vive atualmente.
De início o Programa seria implementado na área da Maré e, posteriormente, seria
estendido a outras capitais do país. Foi batizado como PROJETO RIO obtendo ampla
divulgação nos meios de comunicação da época. Era interesse do Governo realçar o
Programa, principalmente, nos jornais lidos pela classe média8, buscando aproximação desse
leitor com a ‘atitude’ do poder público face a realidade mais importante naquele momento, no
que tange ao déficit habitacional.
O PROMORAR seria desenvolvido inserido no Plano Nacional de Habitação
Popular e teria, como principais objetivos, segundo o Departamento de Planejamento e
Análise de Custo do Banco Nacional de Habitação (1982, p. 24):
Erradicar, através da eliminação e conseqüente substituição por outras moradias
construídas sob projeto aprovado pelo BNH, as subhabitações destituídas das
condições mínimas de serviços, conforto e salubridade, especialmente as que
compõem aglomerados conhecidos por “palafitas”, “mocambos”, “favelas”,
“invasões”, etc;
Propiciar a permanência das populações beneficiadas nas áreas onde anteriormente se
localizavam, após a eliminação das subhabitações;
Promover a recuperação de assentamentos de submoradias, sujeitas a inundações,
mediante a utilização de sistemas de aterro sob a responsabilidade do Departamento
8 “Erradicação de favelas começa pelo Rio de Janeiro e Caxias” (Jornal do Brasil de 29/06/1979, p. 24).
“Andreazza anuncia plano contra favelas” (O Estado de São Paulo de 29/06/1979, p. 16).
Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), para efeito de desenvolvimento nessas
áreas de projetos aprovados no âmbito do PROMORAR.
A Unidade Executiva do programa caberia à Carteira de Erradicação da
Subhabitação e Emergências Sociais (CESHE/BNH); os agentes financeiros seriam as
COHABs e órgãos assemelhados, os bancos oficiais e estabelecimentos de crédito aceitos
pelo BNH; os agentes promotores seriam os Governos dos Estados, os Territórios Federais, os
Municípios, as concessionárias de serviços públicos, as COHABs e órgãos assemelhados, ou
ainda, outras entidades, a critério da Diretoria do BNH e, os Beneficiários Finais, seriam os
adquirentes das unidades habitacionais, os Estados, os Territórios Federais, os Municípios, as
concessionárias de serviços públicos ou outros órgãos governamentais aceitos pelo BNH. De
acordo com documento do BNH de 1982, as fontes de recursos do programa seriam o próprio
BNH (com recursos próprios, recursos internos e externos captados) e os Governos Federal,
Estadual e Municipais (SANTOS, 2009, p. 25).
Em relação às áreas de atuação de cada órgão envolvido no projeto, Héctor Atílio
Poggiese (ver o ‘processo de planejamento’ no anexo I) as definia da seguinte forma:
Em relação às diretrizes específicas relacionadas ao PROJETO RIO, o documento
elaborado em novembro de 1979 pela Fundação para o Desenvolvimento da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro (FUNDREM), mencionava, quanto à habitação, os seguintes
itens:
Consolidação das áreas residenciais de baixa renda e favelas, criando condições para
sua integração ao complexo urbano a ser criado;
Suprimento de serviços básicos nessas localidades, melhorando assim as condições de
habitabilidade da área;
Consideração de formas não convencionais de construção e infra-estrutura, visando
baratear custos e evitar deslocamentos da população residente;
Oferta de serviços sociais e equipamentos comunitários adequados;
Estímulo à associação comunitária através de esquemas de apoio que orientem a
organização da população em condomínios, cooperativas, associações de moradores,
O BNH participa financiando as obras; o DNOS executa as obras da orla marítima,
dragando e aterrando uma faixa do mar, com o que a Ilha do Fundão ficará
praticamente unida ao território. São atribuídos à FUNDREM os aspectos de
desenvolvimento urbano e, dentro dessa competência, foi realizada a concorrência
para a elaboração do Plano de Urbanização. Na resposta ao Edital apresentaram-se
onze consultoras de projetos resultando vencedora a proposta da ENGEVIX S.A.
(1981, p. 3).
etc. (FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO
METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO, 1979, p. 10).
No que concerne aos aspectos particularmente já considerados do projeto, quanto às
áreas ocupadas por favelas, considera-se que:
A população total estimada é de 250.000 habitantes9, que ocupam aproximadamente
157 hectares (dados fornecidos pela Superintendência de Informações para
Planejamento, da Secretaria Municipal de Planejamento (SMP), com base em
levantamentos realizados em 1975/1976);
Identificam-se aí problemas típicos de sub-habitação, saúde pública e saneamento
básico. Nas áreas que dispõem de redes de abastecimento d’água ou de sistemas de
esgotos, estes foram construídos pelos próprios moradores, ao longo do tempo,
representando assim trabalho e investimentos de muitos anos. No caso de favelas
situadas em áreas alagadiças, o próprio terreno foi conquistado pelos moradores,
através de aterros sucessivos, evidenciando, novamente, o esforço pela conquista da
moradia. Assim sendo, a orientação a ser seguida diz respeito a este esforço,
procurando-se em conseqüência manter e complementar as áreas semi-urbanizadas de
cada favela, urbanizar “in loco” aqueles que não dispõem de serviços e somente
remanejar, para áreas adjacentes, as que venham a constituir empecilho ou dificuldade
à execução dos serviços. O que se objetiva é respeitar, ao máximo, as características
comunitárias e os investimentos fixos já feitos pela população;
Os critérios para delimitação das áreas semi-urbanizadas ou a urbanizar deverão
basear-se no nível de ordenamento da malha existente, no tipo de serviços de cada área
e no grau de dificuldade que cada setor apresenta para instalação de infra-estrutura
(Ibidem, p. 14).
Após a assinatura de um protocolo de intenções envolvendo esferas dos governos
Federal e Estadual, configurou-se, neste momento, o compromisso de urbanizar a área objeto
do programa nas três instâncias governamentais. O passo seguinte foi a assinatura de
convênios entre a FUNDREM, a Companhia Estadual de Águas e Esgoto (CEDAE) e a
Companhia Estadual de Gás (CEG), assim como a contratação da fundação pelo BNH para a
execução do levantamento cadastral da Maré (SILVA, 1984).
9 Há divergência, entre os autores, em relação ao número total de habitantes das Favelas da Maré à época do
PROJETO RIO. Iremos considerar a Tabela 01, como diretriz dessa pesquisa.
Tabela 02 – População, Família e Domicílios por favelas – 1980
Favelas População Famílias Unidades Residenciais
Timbáu 6.313 (9.13%) 1.500 (8.53%) 1.147 (9.12%)
Baixa do Sapateiro 15.907 (23.02%) 3.709 (21.02%) 2.940 (23.36%)
Parque Maré 16.945 (24.51%) 4.500 (21.50%) 3.573 (28.38%)
Nova Holanda 11.347 (16.41%) 2.615 (14.83%) 2.240 (17.79%)
Rubens Vaz 6.124 (8.85%) 1.567 (8.89%) 989 (7.87%)
Parque União 12.500 (18.08%) 3.749 (21.23%) 1.698 (13.48%)
TOTAL 69.136 (100%) 17.640 (100%) 12.587 (100%)
Fonte: Detalhamento da área prioritária – ENGEVIX – FUNDREM (SILVA, 1984, p. 79)
Esta autora afirma ainda que esse levantamento foi desenvolvido em nove meses
(entre junho de 1980 a março de 1981), a um custo estimado de US$ 131.000, segundo
câmbio de 1980, envolvendo, sob a coordenação da FUNDREM, a Fundação Leão XIII, a
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e a CEHAB/RJ.
Nessa época, a Maré detinha “cerca de 80% de sua área ocupada pertencentes, até
1980, às seguintes entidades governamentais: Ministério do Exército, Ministério da Marinha,
o Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS), o
Banco Central e Banco do Brasil”, os 20% restantes são terrenos aforados a terceiros,
conforme afirma Valladares em trabalho de OLIVEIRA (1983, p. 214).
Ainda esta autora, referindo-se a publicidade que foi dada ao Conjunto de Favelas da
Maré quando da instalação e implementação do PROJETO RIO, em 1979:
Em relação às obras no que tange aos aterros hidráulicos nas Favelas da Maré, houve
conflito entre os agentes envolvidos no projeto e os ambientalistas. De acordo com Del Rio:
Ao mesmo tempo decidiu-se, ao contrário da opinião de inúmeros ambientalistas,
promover o aterro hidráulico de uma enorme área já bastante comprometida com os
processos de assoreamento, cujas causas principais evidentes eram a ação do homem
e a poluição da baía. A área total de intervenção do ‘Projeto Maré’incluía cerca de
130 hectares de aterro, uma escala que, evidentemente, representou imensos custos
ao BNH, que não poderia repassá-los aos mutuários pois isto significaria uma
prestação muito acima de sua capacidade de pagamento. Apesar de não ser nosso
objetivo desenvolver esta questão, é necessário apontar que estes fatores, ao moldar a
ação do BNH no caso Maré, representaram fardo significativo na falência
institucional do sistema e,principalmente, que esta experiência serviu para
demonstrar o despreparo do órgão para atuação em primeira linha e como agente
promotor (DEL RIO, 1990, p. 124).
Estas favelas ganharam visibilidade e os jornais da época dedicaram grandes espaços
a artigos sobre suas condições sociais e físicas e sobre as origens da população que as
constituía. Três anos depois, em 1983, surgiram as primeiras análises do Projeto Rio
e estes estudos abordaram, de forma mais sistemática, um pouco da história da
ocupação e expansão das seis favelas, bem como a experiência associativa nestas
comunidades faveladas (VALLADARES, 1985 p. 35).
O BNH participa deste 1979 da implantação dos Programas de Desenvolvimento
Comunitário do MINTER – Ministério do Interior –, vinculado a novas diretrizes orientadas à
atenção da população de baixa renda, com até três salários mínimos10 (essencialmente o
Promorar). Anteriormente, o BNH tinha enfrentado problemas de rejeição de seus projetos
habitacionais por famílias de baixa renda. Esses problemas de inadimplência, abandono,
depredação ou invasão de conjuntos, conhecidos como "conjuntos-problema" prejudicaram a
imagem do Banco, pelo que se implantaram com sucesso Programas de Desenvolvimento
Comunitário (POGGIESE, 1985, p. 109).
Em relação ao alto número de inadimplência nos pagamentos das mensalidades, o
BNH adota uma nova postura política: afastar investimentos em habitações populares, como
afirma Ermínia Maricato:
A efetivação do Programa PROJETO RIO na Cidade do Rio de Janeiro, mais
precisamente na Favela da Maré, a partir de 1979, iria criar uma certa expectativa de alteração
da configuração da ocupação do solo na favela pela legalização da moradia. Desta forma, para
viabilizar o objetivo da regularização fundiária o Banco Nacional da Habitação, o BNH,
obteve terras na área da Maré ao longo do programa.
De acordo com Cavallazzi (1993, p. 10) o BNH adquiriu, entre 1980 e 1986, “terras
da União Federal através de contrato de cessão, sob o regime de aforamento, e do Banco
Central do Brasil, através do contrato de compra e venda”. Vale destacar que o longo processo
de regularização fundiária na Maré veio a ser, a época do PROJETO RIO, apenas parcial. O
número de contratos de promessa de compra e venda entre os moradores e o BNH, tendo
como objetivo a aquisição da propriedade do solo, era reduzido e, deste contingente, apenas
uma pequena parcela da população reverteu em escritura definitiva de compra e venda, como
mostrado no caso em estudo apresentado.
10 Voltaremos a discutir a respeito das cotas a que os mutuários do BNH na Maré deveriam pagar, em relação as
mensalidades propostas pelo banco, no capítulo referente à CODEFAM.
Os fracassos sucessivos dos investimentos do BNH em habitação popular, o baixo
poder aquisitivo da maior parte da população em contraposição à formação de uma
classe média mais afluente, beneficiada pela concentração da renda nos estratos
mais privilegiados da sociedade (15%), a necessidade de buscar clientes de
responder aos juros e a correção monetária dos financiamentos do BNH, o interesse
da indústria da construção (subsetor edificações e subsetor construção pesada), a
política financeira e a política nacional de grandes projetos levam o BNH a se
afastar dos investimentos destinados à habitação popular (MARICATO, 1987, p.
82).
A implementação de uma nova orientação na política urbana brasileira adquiriu, nos
anos de 1980 e 1981, grande relevância, principalmente na denominada política de
urbanização de favelas, que inclui a regularização da posse precária dos moradores que
ocupam e constroem em terrenos de outros proprietários, como, também, a transferência da
propriedade da terra ao morador (POGGIESE, 1982, p. 20).
Em relação às dúvidas dos moradores quanto ao PROJETO RIO na Maré, às
lideranças comunitárias encontravam várias incertezas em relação ao programa e, nem mesmo
os órgãos envolvidos, esclareciam as dúvidas para a população. Em matéria do Jornal da
FAFERJ, de abril/1980, sob o título “Projeto Rio: Uma Ameaça para 250 mil Favelados”,
essa entidade já mostrava a sua preocupação com a falta de informações sobre o programa:
O processo de regularização, incluía cadastramento dos moradores da área, via de
regra efetuado através das Associações de Moradores da respectiva comunidade,
com a expedição de um “protocolo” aos chefes de famílias cadastrados. Os
moradores cadastrados realizavam diretamente com o BNH, e alguns com a
interveniência da Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro, o contrato
de promessa de compra e venda do lote referente às suas habitações. O PROJETO
RIO engendrou na Favela da Maré uma situação de “legalidade parcial”, em função
dos efeitos da regularização proposta na área. Esta situação configurou-se ao longo
da existência do BNH e, posteriormente, quando a Caixa Econômica Federal, com a
extinção do BNH em 1986, assumiu a responsabilidade pelo Programa
PROMORAR (CAVALLAZZI, 1993, p. 12).
Há alguns meses, o Governo vem falando que vai implantar nas favelas da Maré um
tal Projeto-Rio; fala de várias mudanças mas não menciona a ameaça de remoção que
paira sobre os 250 mil moradores da favela, contra o qual a FAFERJ se utilizará de
todos os instrumentos para impedir, dependendo apenas da união dos moradores em
torno da defesa de seus Interesses.
Pelo que foi dito até agora, esse projeto vai modificar tudo na Avenida Brasil. Fala-se
em acabar com as palafitas, urbanizar algumas partes da favela e construir numa área
próxima um conjunto onde ficará parte dos moradores e, no que parece, a coisa será
maior, abrangendo desde o Caju até Caxias, como a construção de uma avenida
paralela a Avenida Brasil, sobrando espaço para uma zona industrial, áreas de lazer,
transporte fácil, emprego perto. Enfim, o paraíso estaria a nosso alcance. Mas como
pobre quando vê muita esmola desconfia..., é melhor botar as barbas de molho.
Assim como não falam da ameaça as 250 mil pessoas, não mencionam que o meio
ambiente da Baía de Guanabara será atingido, causando distúrbios marítimos
gravíssimos e nem que a Universidade Federal do Rio de Janeiro, situada no Fundão,
também será atingida, Com tudo isso, o Governo não se dispõe, até hoje, a divulgar
seu plano de trabalho. Com tanta gente e tantos interesses sendo afetados, como
explicar o silêncio das autoridades, ainda mais que as obras já se iniciaram? O quê há
por trás do Projeto-Rio?
Os moradores da Maré vão botar as barbas de molho mas não vão ficar de braços
cruzados. O importante é continuar brigando, para que o projeto seja divulgado e os
moradores – e demais interessados possam fazer as sugestões que acharem
necessárias. Devemos Impedir a remoção de qualquer forma. Uma única família
removida constitui o primeiro passo para a remoção de uma após outra. Eles devem
estar premeditando uma remoção sutil, sem escândalos e dificultando a reação dos
moradores. Foi assim em Brás de Pina.
A única forma de combater esse novo golpe é estarmos unidos e organizados nas
Associações de Moradores, exigindo um plano de urbanização que não prejudique os
moradores. E, neste sentido, a FAFERJ continua disposta a cerrar fileiras (JORNAL
DA FAFERJ, 1980, p. 02)
Em outra matéria (agosto/1980) esse mesmo jornal afirma que o “Governo pouco se
importa com miséria dos favelados”, afirmando que os moradores da Maré exigem mais
respeito e lista uma série de reivindicações dos habitantes em relação ao poder público:
Essa preocupação dos moradores da Maré se fazia presente a cada instante que o
PROJETO RIO se desenvolvia na região. As incertezas da população eram evidenciadas,
conforme matéria de outra fonte bibliográfica: o jornal União da Maré. Em matéria intitulada
“Nós e o Projeto Rio”, as dúvidas sobre o programa só proliferavam na área da Maré:
Os moradores da Favela da Maré estão cansados de promessas e demagogias.
Exigem respeito e, junto com a FAFERJ, reivindicam o reconhecimento, pelo
Governo, do direito à propriedade da terra, sem pagamentos de qualquer ônus pelos
moradores; urbanização sem remoção, respeitando as ruas e as construções e sem
despesas; melhorias dos serviços de água, luz, esgoto, calçamento; construção de
escolas públicas, postos médicos e creches; Imposto Predial e outros impostos
urbanos com desconto de 50%; prestação inferior a 10% do salário mínimo, caso
algum morador aceite morar em conjunto habitacional na área.
O pessoal da Maré está mobilizado e exige que todas essas melhorias e direitos sejam
reconhecidos pelo Governo, através da assinatura de Termo de Compromisso pelos
órgãos governamentais. Eles já não confiam mais em promessas, baseados em casos
passados e principalmente porque sabem que os documentos assinados até agora (ver
Protocolo da FUNDREM) afirmam que ninguém vai sair da área, mas não garantem
que os moradores vão ficar em suas casas.
Esses documentos reconhecem as melhorias dos moradores (aterro, equipamentos
urbanos, casas) mas não reconhecem o direito à propriedade do terreno. Ê bom que o
Governo lembre que a área era um mangue e que foram os moradores que aterraram,
que colocaram água e esgoto, fizeram ruas e construíram casas em uma área
pertencente ao patrimônio público, isto é, do povo. POR ISSO A TERRA É UM
DIREITO DOS MORADORES DO LOCAL.
Até hoje, nenhum documento assinado afirma que a urbanização se fará de acordo
com os interesses do conjunto dos moradores. Até hoje, nenhum documento
reconhece os direitos de contribuintes dos moradores.
Por isso tudo, os moradores da Maré estão atentos, exigem respeito e, junto com a
FAFERJ, prometem lutar até o fim para conquistar, sem pagamento de qualquer
ônus, o reconhecimento do direito á propriedade da terra e melhorias para as favelas
(JORNAL DA FAFERJ, 1980, p. 02)
Exatamente no dia 9 de junho de 1979 volto a frisar, a imprensa anunciou o Projeto
Rio. Naquela data em diante – eu nunca deixei de afirmar – que somente os moradores
unidos evitarão nossa escravização do BNH. A questão desse Projeto já está dando pra
saturar as pessoas. Tem gente dizendo que “é melhor sair logo pois assim acaba esta
indecisão”. Ora minha gente é isto mesmo que eles querem. Através de um cansaço
longo e planejado, fazerem os favelados concordarem com seus projetos. Buscam
esgotar nossa paciência. Querem nos vencer pelo cansaço. Em dado momento, dizem
que estamos numa democracia e a opinião do povo tem que ser respeitada. Em
seguida, anuncia-se que uma parcela dos favelados será remanejada, para poder se
construir, na área desocupada, conjuntos habitacionais. Agora minha gente será que
alguma parcela dos favelados pediu conjunto habitacional? Onde está o respeito à
vontade dos trabalhadoras? O que nós queremos é a legalização dos nossos lotes.
Muitos moradores ficam pensando que vão ganhar tal apartamento. E preciso ficar
claro que isto vai ser pago. Todo ano haverá aumento da prestação e a qualquer
momento o governo "pode majorar esta mensalidade. Existem, ainda, as taxas de lixo,
água, esgotos, incêndio, imposto predial, condomínio, sem falar na luz. Falando de
encargos financeiros, os jornais publicaram em 31/10/80, alguns resultados do
cadastramento. Afirma-se que nas seis favelas residem 16. 076 famílias num total de
68.926 habitantes. Nós esperamos confrontar estes dados. O mais importante da
pesquisa são as conclusões de ordem econômicas. De início 16% das famílias não tem
Em outra matéria, agora de 1982, esse mesmo jornal ratifica as dúvidas dos
moradores em relação ao PROJETO RIO:
Posto isso, podemos afirmar que, as favelas podem ser identificadas como territórios
segregados dentro do espaço urbano e esta segregação é potencializada pelo constante
reconhecimento destas áreas como lócus de concentração, seja através do tráfico de drogas, da
marginalidade ou, principalmente, da ausência do estado nesses locais (SANTOS, 2009, p.
26).
No relatório “Favelas” de 1958 do SERFHA – Serviço Especial de Recuperação de
Favelas e Habitações Anti-Higiênicas –, apresentado por Reynaldo de Mattos Reis ao então
prefeito do Distrito Federal José J. de Sá Freire Alvim, é apresentado algumas preposições à
respeito dessas habitações populares: um estudo da atual conjuntura, bem como, o plano
estrutural para solucionar a problemática das favelas.
Em suas palavras, Reynaldo Reis culpa o poder público municipal pela situação e a
existência das favelas cariocas:
Conforme o projeto inicial, o órgão responsável pela campanha de esclarecimentos
do programa seria a Fundação Leão XIII, que se responsabilizaria pelos contatos com as
lideranças comunitárias neste sentido, abrir-se-ia um canal de comunicação e de participação
dos moradores.
Em 22.06.1979 houve uma reunião na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) com membros do grupo de trabalho, criado pela Reitoria da Universidade, para
estudar as conseqüências do PROJETO RIO na área do campus. Paralelamente a essa reunião,
Embora a existência de “favelas” não seja peculiar ao Rio de Janeiro, a verdade é que
a formação desses aglomerados se deve, em parte, à abstenção das autoridades
municipais, no que se refere ao planejamento e à ordenação urbana, bem como a
ausência de uma política habitacional que deveria constituir sempre matéria básica de
urbanismo (REIS, 1958, p. 05).
nenhuma renda; 40% ganham menos que um salário mínimo e outros 40% ganham
entre um e dois mínimos. Agora é o momento de perguntarmos se este povo tem
condições de arcar com as novas despesas do BNH. Nos próximos números deste
jornal, iremos aprofundar este assunto (Jornal União da Maré, 1981, p. 03).
Urbanização, Saneamento básico, Escolas para todos os níveis de ensino, Áreas de
Lazer, Direito de propriedade, tudo isto tem um nome - PROJETO RIO. A maioria
dos moradores da área da Maré ficam ouvindo e espalhando boatos sem nenhum
fundamento. Por quê? Talvez por não ter com quem buscar essas respostas para suas
perguntas. Se é tão importante o significado deste projeto para todos nós, por que
não organizar uma comissão ou grupo nestas comunidades que serão atingidas por
este projeto ‘tão importante’! (jornal União da Maré, 1982, p. 03).
o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFRJ e o Centro Acadêmico de Engenharia
promoveram um debate entre professores, estudantes, representantes das Favelas da Maré, da
Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro e parlamentares, sobre a urbanização
e erradicação das favelas. Além de manifestarem desconfiança em relação ao projeto, todos
são favoráveis à participação da comunidade favelada nas decisões, para a garantia da posse
das terras. Essa informação foi bem divulgada na mídia impressa, como observado nas
matérias do Jornal O Globo e Jornal do Brasil, ambos de 22.06.1979:
Ao término do programa, foram erguidas duas vilas de casas (novas favelas na
Maré), a Vila do João e Vila do Pinheiro11 e dois conjuntos habitacionais (de acordo com o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) os conjuntos habitacionais não são
considerados favelas), o Conjunto Pinheiro e o Conjunto Esperança.
De acordo com Valladares (1985, p. 72) foram erguidas, no Setor Pinheiro, 4.272
casas-embrião e 2.760 apartamentos e, no Setor Maré, 1.039 casas-embrião e 1.280
apartamentos, totalizando 5.311 casas e 4.040 apartamentos.
Esta mesma autora afirma que seriam distribuídos 12.000 títulos de propriedade12
dos terrenos aos moradores da área consolidada das seis favelas e esta distribuição seria feita
“a preço simbólico com diferentes formas de pagamento, cujas mensalidades não poderiam
ultrapassar a 10% do salário mínimo” (1985, p. 73).
O PROJETO RIO poderia ser dividido em dois momentos distintos: de 1979 a 1981,
e que foi marcado pela criação de um grupo de trabalho, resultante de um protocolo assinado
entre o Governo Chagas Freitas, o Ministro do Interior e um representante do Prefeito da
Cidade do Rio de Janeiro, em 15/06/1979, e o segundo instante foi de 1981 até o fim do
programa em 1984 (SANTOS, 2013, p. 33).
11 De acordo com Steinert este foi o setor que teve o melhor tratamento pela Consultora, a Engevix, pois foi
prevista a implementação de 4.300 lotes, sendo 1.300 no trecho prioritário sobre o solo existente e 3.000 sobre o
aterro hidráulico (1983 p. 171). 12 De acordo com Oliveira, “no que refere à distribuição de títulos de propriedade, calcula-se em torno de 10 mil
o número de habitações que terão sua situação regularizada, nas seis favelas que compõem o subconjunto de
Ramos, área definida como prioritária pelo Projeto” (OLIVEIRA et alii, 1983 p. 245).
Ao instalar ontem o grupo de trabalho da UFRJ criado para analisar e emitir parecer
técnico sobre o Projeto Rio, nos aspectos ligados à universidade, o Reitor Luiz
Renato Caldas acentuou que será feito “um trabalho realmente científico”
(Reitor...,1979).
Os membros do grupo de trabalho criado pela Reitoria da UFRJ para estudar as
conseqüências do Projeto-Rio na área da Universidade apresentarão seus pareceres
na reunião da próxima semana. O grupo reuniu-se ontem pela primeira vez e o Vice-
Reitor Sérgio Neves Monteiro disse que ele “está aberto à informações e sugestões
dos interessados” (UFRJ...,1979).
De forma resumida podemos pontuar as realizações do PROJETO RIO até 1984 na
área prioritária:
Obras de aterro: Concluídos um total de 256,2 hectares nos seguintes setores: a) Setor
Caju (30 ha), b) Setor Pinheiros (66 ha), c) Setor Maré (35 ha), d) Setor Ramos (7,2
ha) e e) Setor Missões (115 ha) (Ver Anexo J).
Obras de instalação de Unidades Residenciais: Setor Pinheiros: 1.546 unidades
habitacionais que compõem a Vila do João; Vila Pinheiro (2.300 casas e 1.360
apartamentos);
Obras de Infra estrutura: Criação das vilas do João e Pinheiro.
Sintetizando, o PROJETO RIO, no que concerne às áreas do Conjunto de Favelas da
Maré, teve como finalidade realizar intervenção que se apóia em três grandes linhas de ação: a
erradicação das palafitas com o remanejamento da população para o setor Pinheiro e Vila do
João; a transferência da propriedade aos moradores do Conjunto de Favelas da Maré não
removidos; e a urbanização da área remanescente da Maré (SILVA, 1984).
Foi divulgado na mídia um balanço do programa PROMORAR (ver Anexo L –
Balanço de um novo Programa Habitacional – BNH) no primeiro ano de implementação. Nele
é possível ver as seguintes situações: seis promessas a serem realizadas pelo BNH, 11
realizadas e quatro que ainda seriam realizadas.
Durante todo esse processo de implementação do PROJETO RIO nas Favelas da
Maré, havia a necessidade de uma entidade que pudesse reivindicar seus direitos junto aos
órgãos envolvidos no programa.
Neste sentido, as lideranças locais da Maré, se reúnem e criam uma entidade única e
que pudesse lutar pelos direitos e reivindicações dos moradores locais. Assim nasce a
Comissão de Defesa dos Moradores da Maré – a CODEFAM, a qual iremos abordar no
próximo capítulo.
V – ASSOCIATIVISMO COMUNITÁRIO NA MARÉ: A CODEFAM
Antes de tratarmos da criação da Comissão de Defesa das Favelas da Maré, iremos
dar um enfoque no que entendemos como ‘associativismo comunitário’, para em seguida,
entendermos como se deu a funcionalidade desse associativismo, pela CODEFAM, na Maré.
Para os moradores, as associações se constituem referência central na comunidade.
Na visão de Oliveira e Carvalho (1994, p. 103) essas associações são melhor percebidas pelos
moradores das comunidades do que os demais grupos ou outras organizações:
Houve uma crescente no percentual de fundação dessas instituições, principalmente,
entre 1947 a 1980, como mostra a tabela 03:
Tabela 03 – Distribuição Percentual das Associações por Ano de Fundação
Ano de fundação (%) Associações (%)
1947 a 1960 16
1961 a 1965 24
1966 a 1970 23
1971 a 1975 6
1976 a 1980 31
TOTAL 100
Fonte: Diniz, Eli. Favela: Associativismo e Participação Social. 1982.
Esse mesmo autor afirma que em 1979, ano de fundação da CODEFAM, que
falaremos mais adiante, “foi o ano de maior incidência de casos, cerca de 15% do total de
associações foram criadas nesse ano” (DINIZ, 1982, p. 33).
Pode-se dizer que a Associação é o único espaço formalmente constituído, que é
aberto à participação de todos os moradores da comunidade. Existem várias
Associações que funcionam apenas com a participação daqueles moradores que são
associados e que, portanto, se vêem obrigados a pagar uma taxa mensal como sócios.
Outras, entretanto, funcionam com a participação de todos os moradores que assim o
desejarem, independentemente de serem sócios ou não.
Nos estatutos da maioria das Associações de moradores só é garantida a voz e o voto
dos moradores que são sócios. No entanto, nos últimos anos, tem crescido a prática da
participação com voz e voto de todos os moradores, ainda que condicionada a uma
decisão prévia tomada em assembléia geral dos sócios.
Para esse autor essas instituições são caracterizadas da seguinte forma:
Licia do Prado Valladares (1977, p. 1393) afirma que a origem das associações que
aparecem na favela tem sua importância e seus significados. A autora distingue dois tipos de
organizações nas favelas: uma de origem local e outra de origem externa (a estas vêm juntar-
se aquelas que foram fundadas por dissidência ou fusão das existentes).
Diante de tantas dúvidas e incertezas quanto ao PROJETO RIO e suas implicações
quanto à eficácia de suas realizações prometidas e, muitas delas, não cumpridas, eis que surge
nas Favelas da Maré, a Comissão de Defesa das Favelas da Maré – a CODEFAM13.
Na tentativa de se criar uma voz de defesa em relação aos moradores da Maré é
criada a Comissão de Defesa das Favelas da Maré (CODEFAM) em 10/06/1979, composta de
cinco diretores, dois assessores e um presidente, todos ligados a entidades representativas das
seis favelas da Maré (SILVA, 1984). Essa associação teve o mérito de ser o canal de
comunicação entre os moradores e as entidades envolvidas do programa, principalmente o
DNOS, e sua atuação foi assim definida:
Uma das principais finalidades da CODEFAM era em relação às remoções de
moradores, maior incerteza da população da Maré, principalmente, daqueles que residiam nas
13 Lembrando que nesse momento (1979), nas seis comunidades da Maré, já haviam sido criadas as associações
de moradores. A CODEFAM surgiu com o intuito de agregar idéias e ideais que eram concomitantes às
reivindicações dos moradores de cada comunidade.
Por várias vezes surgiam desconfianças por parte dos moradores devido aos atrasos
nas obras e ao não cumprimento dos cronogramas e, neste sentido, as associações de
moradores tiveram um papel de suma importância ao criarem a CODEFAM –
Comissão de Defesas das Favelas da Maré – onde exerceram forte pressão para que as
promessas de campanha fossem cumpridas (SANTOS, 2005, p. 45).
As associações de favelas, como os demais tipos de associações de moradores, são
organizações voluntárias formadas com base em relações de vizinhança em torno de
interesses comuns de caráter bastante específico. Em geral, seus objetivos, definidos
estatutariamente, relacionam-se à defesa de certos direitos da população favelada,
principalmente quanto à sua inserção no conjunto dos setores populacionais
atingidos pela ação estatal em termos da prestação de serviços urbanos básicos.
Pretendem, pois, representar os moradores de uma dada favela perante os poderes
públicos tendo em vista a obtenção de melhorias específicas, tais como eletrificação,
abastecimento de água ou ainda instalação de redes de esgoto. Como se pode
observar, seus objetivos estão claramente associados às motivações que podem
impulsionar os estratos urbanos de baixa renda à ação coletiva através da criação
dessa modalidade de grupos de interesse. Tais estratos tendem a localizar-se em
zonas segregadas, densamente povoadas e tradicionalmente carentes quanto a
serviços públicos essenciais e acesso à educação, atendimento médico-hospitalar.
Entretanto, além das motivações mais gerais ligadas à precariedade das condições de
vida que afetam esse segmento das população urbana, fatores associados às
orientações e políticas governamentais em relação às áreas faveladas interferem
também na criação e ciclo das associações (Ibidem, p. 32).
palafitas. Em relação a essas remoções, o governo tinha uma certa idéia de que, com essa
nova política, não haveria espaço para essa intervenção, desta forma, como já foi abordado
anteriormente, o PROJETO RIO, iria valorizar a realocação desses moradores das áreas
palafitadas, para áreas que seriam formadas com a futura urbanização na Maré. Como aponta
Gustavo Heck em relação às remoções feitas anteriormente pelo governo na Cidade do Rio de
Janeiro:
A diretoria da CODEFAM era formada por Manoelino (Parque Maré/Presidente),
Aluizio Prates (Parque Rubens Vaz/Secretário Geral), Joaquim Agamenon Santos (1º
Secretário/Morro do Timbáu), Marciano do Rosário (Parque União/2º Secretário), Clóvis de
Andrade (Relator/Baixa do Sapateiro), Zé Careca (Baixa do Sapateiro), Custódio Balardino
(Parque União), Cícero Francisco de Barros (Parque União), Hortência Maria Dunshee de
Abranches (Advogada/Lagoa), Atanásio Amorim (Baixa do Sapateiro/Tesoureiro), Mauro
Ferreira dos Santos, José Roberto (Médico e jornalista) e Ladanese de Moura Costa (todos
esses participaram de uma reunião de formatação da entidade conforme entrevista com o
senhor Atanásio Amorim, em 12/12/2005).
Na visão de Karsch e Compans, em relação à atemorização de ameaça de remoção, a
CODEFAM:
Na realidade, a população da Maré, mesmo com a criação da CODEFAM, era pouco
ouvida pelo poder público. Os moradores tiveram participação em momentos pontuais, como,
por exemplo, no instante em que a empresa responsável pelas obras, a ENGEVIX, iniciou o
processo de disposição das ruas14. Nesse instante a população foi ouvida no sentido de
melhoria do projeto (SANTOS, 2013, p. 29).
14 Como mostrado no Projeto de Loteamento (PAL) nº 38.994 e Projeto de Alinhamento (PAA) nº 10.310, que
inclui a Baixa do Sapateiro e o Morro do Timbáu, encontrado no site da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,
anexos M (o Decreto) e N (o Projeto de Loteamento e Projeto de Alinhamento). Disponível em:
http://www2.rio.rj.gov.br/smu/acervoimagens/imagenspaa/4/0/52.JPG
A remoção do agrupamento para pontos afastados dos locais de origem, por
exemplo, nem sempre se mostra recomendável, porquanto pode significar não só a
ruptura de vínculos mantidos com a comunidade, mas também, transtornos relativas
ao estilo de vida, situação de emprego, condições de trabalho da família a nível de
complementação de salário, para se consumar no desconforto do aumento das
distâncias e na ampliação dos encargos domésticos (HECK, 1984, p. 47).
Foi composta por lideranças das comunidades atingidas pelo projeto, e passou, a
partir daí, a ser o principal interlocutor entre a comunidade e o poder público, assim
como procurou dialogar com entidades profissionais e religiosas, universidades e
intelectuais, na busca de alianças contra a remoção e a favor de suas reivindicações
(KARSCH e COMPANS, 1992, p.12).
Em depoimento ao CPDOC o senhor Ernani (2003, p. 154) afirma que a CODEFAM
surgiu como “uma articulação entre todas as associações da área da Maré, realizada por
ocasião do Projeto Rio”, nascendo num contexto de luta “diante da forte reação dos
moradores e da imprensa” contra a imposição do Governo Federal na implementação do
programa.
De início, o Governo se mostrava solícito em relação ao esclarecimento das dúvidas
dos moradores. José Reinaldo Tavares, diretor do DNOS, explicando sobre as recomendações
do Ministro do Interior, Mário Andreazza, em matéria de 12.06.1979:
Em matéria de 15.06.1979, do Jornal O Globo, o prefeito da Cidade do Rio de
Janeiro, Israel Klabin (ver foto 07), ao lado do Ministro Mário Andreazza, do Diretor do
DNOS José Reinaldo Carneiro Tavares e do Secretário Municipal de Planejamento Matheus
Schnaider, afirmava sobre o plano de recuperação da Maré que o “favelado ganhará mais do
que podíamos imaginar”
Foto 07 – Autoridades no viaduto de acesso à Ilha do Fundão
Fonte: Jornal O Globo, edição de 15.06.1979, página 7.
A Fundrem dará todas as informações sobre o projeto aos favelados, enfocando o
que o ministro Mário Andreazza já garantiu: que todos ficarão na mesma área,
portanto perto do Centro, como querem; que não haverá desmonte de nenhum
barraco antes de seu dono receber a chave da nova habitação, pelo qual pagará
prestação mensal de dez por cento do salário mínimo (hoje, Cr$ 226,80).
(GOVERNO..., 1979)
De início, o Governo acenava com a idéia de não remoção dos moradores da Maré:
Em relação às desapropriações na área da Maré, o Presidente da CODEFAM
deixava claro sua preocupação em prol dos moradores:
Na reunião realizada na UFRJ, em 22.06.1979, para criação do grupo de trabalho do
PROJETO RIO, o presidente da CODEFAM, Manoelino Silva, fez a seguinte declaração em
relação às possíveis remoções de favelas:
Durante a implementação do programa na Maré, o Ministro do Interior, Mário
Andreazza, esteve no local por diversas vezes, ora acompanhando as obras, ora participando
de reuniões com membros da CODEFAM, como visto na foto 07.
Outra figura conhecida e que, de certa forma, colaborava com os favelados, era Dom
Eugênio Sales, Cardeal da Igreja Católica na Cidade do Rio de Janeiro, nessa época.
Continuando a saga por apoio, a CODEFAM requisitou auxílio ao Cardeal para que este
realçasse a necessidade dos moradores serem ouvidos para o bom andamento do projeto15.
15 Jornal O Globo, 19/06/1979, p. 09.
O Governo me pediu um crédito de confiança que eu não posso dar, pois temos
apenas a palavra do Ministro e um acordo verbal com o Diretor-Geral do DNOS.
Mas os governos mudam. Políticos e idéias mudam. Não temos garantias porque não
conhecemos o projeto. Soubemos, pelos jornais, de um esboço apenas. Não sabemos
os interesses que existem por trás disso tudo (UFRJ...,1979).
Em assembléia da Comissão de Defesa da Favela da Maré (Codefam), realizada
ontem, representantes dos moradores da região manifestaram-se favoráveis ao
Projeto Rio, “desde que não ocorram remoções de favelados e a urbanização seja
feita dentro de critérios lógicos, sem prejudicar os habitantes”.
Antes do início da assembléia, a ex-secretária de Serviços Sociais da antiga
Guanabara, Hortência Dunshee de Abranches, colaboradora da Codefam, entregou à
diretoria da entidade um documento assinado pelo ministro Mário Andreazza,
prometendo que não haverá remoções de favelados. Segundo Hortência, que esteve
reunida com Andreazza, o ministro disse que uma comissão da Codefam integrará o
grupo de trabalho encarregado de definir as diretrizes do Projeto Rio. Ela informou
que o ministro marcará uma reunião com o grupo de trabalho e a comissão de
favelados, na próxima semana (Moradores..., 1979).
Seria justo, num país com o déficit habitacional como o nosso, derrubar-se milhares
de casa de alvenaria, muitas com valor de Cr$ 500,00 mil? – argumenta o documento
da Codefam, que também defende a primazia das casas sobre os apartamentos, se
bem que advogue a construção de pequenos conjuntos para aqueles que assim
desejarem, mas só após levantamento socioeconômico...
O presidente da Codefam, Manoelino Silva, disse acreditar que “as soluções para os
habitantes das favelas da área da Maré possam ser encontradas, desde que
devidamente documentadas, pois de boca eu não acredito em muita coisa”
(GOVERNO..., 1979).
Foto 08 – Ministro Mário Andreazza com lideranças comunitárias da Maré
Fonte: Acervo Orosina Vieira – Museu da Maré
Em matéria no Jornal Maré de Notícia, Atanásio Amorim (ver foto 09), um dos
fundadores da CODEFAM, relembra com entusiasmo, um importante documento redigido, a
minuta, por essa associação e que foi entregue ao Ministro Andreazza, com reivindicações dos
moradores:
Foto 09 – Atanásio Amorim com a Minuta Carta
Fonte: Jornal Maré de Notícias. Nº 57. p. 1.
Há mais de 35 anos, em 11 de junho de 1979, foi assinado pelo então ministro do
interior em exercício, Mário Andreazza, um documento que, embora muitos
moradores não conheçam, faz parte e é símbolo de um momento histórico da Maré.
Trata-se da “Minuta Carta” (ver no Anexo O), documento no qual o ministro
reconhece a Comissão de Defesa das Favelas da Maré (Codefam) como
representante dos moradores junto às autoridades que tratavam do Projeto Rio
(JORNAL NOTÍCIAS DA MARÉ, 2014, p 04).
Em matéria do Jornal O Globo, de 27.07.1979, Manoelino Silva, Presidente da
CODEFAM, exaltava como uma grande vitória para os moradores da Maré, que os moradores
dos trechos semi-urbanizados não teriam que deixar seus barracos. Ele dizia na matéria que:
Outro ilustre personagem que acompanhou de perto a problemática dos favelados da
Maré foi o arquiteto Oscar Niemeyer (ver foto 10). Em 16 e 17.07.1979, o arquiteto visitou a
Maré, caminhou por boa parte da região e pode constatar que, contrário a que muitos diziam,
a mancha de palafitas não era a maior parte das habitações, e sim as favelas eram como
verdadeiros bairros16.
De acordo com a CODEFAM a primeira vitória para os moradores da Maré era o
apoio dado pelos técnicos da Engevix (além da não remoção dos moradores, como dito
anteriormente), que deram suporte à população no sentido de serem os responsáveis pelo
projeto de arruamento e que somente as moradias que, de alguma forma, prejudicassem o
traçado das ruas viriam a baixo, e os barracos que localizavam-se na área de aterro poderiam
ser substituídos por sobrados com vãos independentes. Já a segunda conquista seria a garantia
de que fossem construídas casas mistas (vila de casas e apartamentos), de acordo com as suas
reivindicações (SANTOS, 2013, p. 32).
Foto 10 – Arquiteto Oscar Niemeyer na Maré
Fonte: Revista Veja. Edição 568. 25.07.1979 página 79.
16 Jornal O Globo, 16/07/1979, p. 09 e 17/07/1979, p. 13.
Serão deslocados apenas moradores de casas alugadas nestas áreas e as famílias que
moram em palafitas, que terão prioridade no conjunto habitacional a ser construído
na Ilha dos Pinheiros, a 200 metros do local. Esta foi a primeira grande vitória dos
favelados. O acordo foi conseguido com diálogo franco e amadurecido. Esperamos
ainda, que a concessão de permanência fique registrada em documentos oficiais, ou
seja, nas escrituras de posse dos terrenos que nós mesmos aterramos. Queremos
evitar que ocorra o mesmo que na Favela de Brás de Pina, onde os moradores ainda
não têm a posse do terreno (MARÉ...,1979).
No que se refere a importância da CODEFAM para os moradores da Maré, o Senhor
Clóvis de Andrade, outro diretor desta associação, em entrevista concedida em junho de 2006
à Rodrigo Silva Magalhães, destacava a organização desta entidade:
Magalhães afirma ainda que uma suposta “unidade nem sempre era possível, pois
cada representante pensava de uma forma e, por isso, entre uma reunião e outra, tal aliança
não se estabelecia por interesses políticos diferentes” (Ibidem).
Neste momento vamos destacar, em relação a CODEFAM, o lado ‘negativo’ da
atuação de seus representantes. Em trabalho realizado em agosto/1980-1983, Pinheiro e Maia
relatam que a CODEFAM:
Em matéria de 06.11.1984, o Jornal Última Hora destaca outro ‘momento negativo’
envolvendo as lideranças comunitárias da Maré. Com o titulo de “Maré troca líderes para
cobrar promessas”, o jornal afirma que:
A partir deste momento, iremos abordar a entrega, por parte do Governo, dos títulos
de propriedades aos moradores da Maré. Lembramos que, no início do programa o Governo
afirmava que seriam distribuídos 10.000 títulos.
Passou a freqüentar as reuniões do Grupo de Trabalho, palestras em faculdades de
arquitetura, debates no Instituto de Arquitetos do Brasil, entrevistas à imprensa e
com o Ministro do Interior, sendo portanto informados de tudo o que havia para
informar. Essas informações não foram repassadas às suas populações – que
continuam sem de nada saber, numa clara demonstração de manipulação política,
exatamente como acontece com outras lideranças em relação a qualquer setor da
sociedade. Talvez isso se explique pela pouca representatividade desses líderes,
sempre mais vinculados a instituições, como a Fundação leão XIII, que representam
(PINHEIRO e MAIA, 1980/1983, p. 54).
A CODEFAM era um lugar onde todos nós juntávamos nossas experiências,
necessidades e preocupações. Ali a gente se abria para resolver como a gente ia ser
representado, quando tivesse uma reunião fora da Maré. Uma vez, eu fui numa
reunião na FAMERJ e eles disseram que a nossa idéia era uma boa iniciativa, porque
as nossas comunidades são muito próximas uma das outras. Com essa união, as
coisas, às vezes, eram mais fáceis de se conseguir (MAGALHÃES, 2008, p. 81).
Todos os presidentes de associações de moradores das sete favelas da área da Maré
estão sendo substituídos pelos moradores da região, acusados de inoperância e
desprezo pelos problemas das comunidades que representam. Eles foram os
primeiros a ser beneficiados pelo Projeto Rio e, corrompidos, não têm mais como
levantar a voz em nossa defesa perante o BNH, disse Conceição Maia, secretária
geral da Associação de Moradores da Favela do Timbau, que já substitui dois
presidentes considerados inoperantes. A substituição desses presidentes é o início de
um movimento que, segundo ela, a média prazo irá reivindicar do Ministério do
Interior e do BNH todas as promessas feitas em nome do Projeto Rio, iniciado em 79
com o objetivo de beneficiar cerca de 250 mil pessoas (MARÉ..., 1984).
Em 11/06/1981, o jornal O Estado de São Paulo faz uma reportagem sob o título
“Figueiredo entrega os terrenos aos favelados do Projeto Rio”, a respeito da entrega, por parte
do então Presidente da República João Baptista Figueiredo, de terrenos que seriam destinados
aos moradores da Maré, referentes ao PROJETO RIO (SANTOS, 2013, p.36). Na matéria, o
jornal exalta a visita do Presidente no Conjunto de Favelas da Maré onde seriam entregues os
primeiros títulos de propriedade (ver Anexo P – Propaganda de entrega de títulos de
propriedades do BNH):
Em relação a esse dispositivo do Programa Promorar, que salientava a necessidade
de que o valor das novas moradias não ultrapasse a quantia de 10% do salário mínimo vigente
à época aos moradores da Maré, os mutuários ingressaram na 1ª Vara da Justiça Federal,
Seção do Rio de Janeiro, em dezembro de 1983 através do advogado da FAMERJ17, Sr.
Edgard Ramos da Silva Rego Junior, com uma ação ordinária contra o Banco Nacional de
Habitação, e a Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro (CEHAB), devido ao
aumento abusivo no valor das taxas inicialmente acordadas (SANTOS, 2013, p. 36).
O acordo inicial com os mutuários (792 do total de 1.400 famílias), realizado entre o
Governador Chagas Freitas, o Ministro do Interior Mário Andreazza e o Presidente da
República, General João Baptista Figueiredo, transcritos nos jornais, em panfletos, cartilhas e
revistas da época, era que a taxa de ocupação durante seis meses e posteriormente prestações
durante trinta anos, não ultrapassassem o valor de 10% do salário mínimo da época18. De
17 A Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro é uma entidade civil, sem fins
lucrativos e sem caráter político partidário e religioso, fundada em 05/01/1978 e tem como principais objetivos:
Congregar Associações de Moradores; Representar e defender os interesses de suas associações; Defender a
melhoria da qualidade de vida; Defender os mutuários na luta por sua moradia; Preservar o patrimônio histórico,
artístico e paisagístico; Estimular, promover e ajudar a criação de novas Associações; e Defender os interesses da
coletividade do Estado do Rio de Janeiro (www.famerj.com.br). 18 Em relação ao esquema de financiamento que rezava o Projeto, como era compatibilizar o valor das prestações
com a renda dos moradores, tendo-se estipulado em 10% do salário mínimo a ser cobrado como mensalidade, a
solução criada para resolver o impasse entre o preço cobrado e o custo das moradias, planejou-se a constituição
de um fundo especial para o BNH com recursos a fundo perdido. Várias fontes são apontadas pelos técnicos do
O presidente Figueiredo visita hoje à tarde a área do Projeto Rio, onde fará a entrega
dos primeiros 300 títulos de propriedade dos terrenos da favela do Timbáu. Até o
final do ano, segundo técnicos responsáveis pelo projeto, as duas mil famílias que
atualmente residem nos 1.300 barracos sobre palafitas já estarão em novas moradias,
construídas no Setor Pinheiros. O custo total do Projeto Rio está estimado em Cr$ 28
bilhões, financiados parte com a venda de terrenos e casa aos atuais moradores da
região e parte pela venda dos terrenos destinados à indústria. As prestações dos
financiamentos para aquisição de casa própria, incluída a parcela do terreno, não
poderão ultrapassar 10% do salário mínimo, com o preço médio da casa-embrião e
do respectivo terreno girando em torno de 250 a 260 UPC‟s e prestação de Cr$
450,00, nunca ultrapassando o limite de 300 UPC‟s, de acordo com às normas do
Promorar (FIGUEIREDO..., 1981). Grifo nosso.
acordo com o documento da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
(FASE) de 1987, “Aconteceu na Justiça”, em novembro de 1982 eclodiu o problema com os
moradores: a taxa de ocupação correspondia a aproximadamente 50% do salário mínimo
vigente e, em julho de 1983, a surpresa maior quando do recebimento dos carnês de
pagamento das prestações, essas foram reajustadas em 130,42%, algo em torno de 80% do
salário mínimo da época (Ibidem).
Através de Acórdão do Tribunal Federal de Recursos, de 15.10.1986, referente à
Apelação Cível nº 107.905, impetrada pelo advogado da FAMERJ em favor dos mutuários da
Favela da Maré, o relator, Ministro Eduardo Ribeiro, considerou a CEHAB culpada e obrigou
a companhia a cobrar o que tinha sido acordado à época da campanha publicitária
(desencadeada em 1982, através dos governos Municipal e Estadual) em todos os jornais do
Estado do Rio de Janeiro, bem como em folhetos e revistas distribuídas no conjunto de
favelas da Maré (ibidem).
No dia seguinte, o Jornal Folha de São Paulo informava que “a festa também foi
política”, referindo-se à candidatura do Ministro Mário Andreazza ao governo do Estado do
Rio de Janeiro, pelo PDS (Partido Democrático Social). Na ocasião, o General João Baptista
Figueiredo entregou o primeiro título de propriedade ao senhor Pedro Justino Barbosa,
pernambucano de 68 anos e há 30 anos morador do Morro do Timbáu19.
Em 26.05.1982, o Jornal O Globo noticiava a inclusão da CODEFAM, pelo Estado,
como um dos órgãos de poder decisório na Comissão de Desenvolvimento Social da Área da
Maré. A matéria citava ainda que:
Já em 1983, o Ministro Mário Andreazza entregava mais 862 títulos de posse aos
moradores da Maré em solenidade no Teatro do Banco Nacional de Habitação, no centro do
Rio de Janeiro. Na ocasião o ministro entregou um título ao senhor Mário Siqueira da Silva20.
Governo como fornecedores de recursos para a formação de tal fundo, como o lucro e o Imposto de Renda do
BNH, o Imposto de Renda das COHAB‟s e recursos antes destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento
Urbano. Estima-se que este montante, juntamente com as aplicações normais do BNH, seja suficiente para
financiar a construção das habitações (OLIVEIRA et alii, 1983, p. 249). 19 Jornal Folha de São Paulo de 12.06.1981, página 5 e Jornal do Brasil de 12.0.1981, página 14. 20 Jornal O Globo de 04.03.1983, página 9.
Os presidentes das associações de moradores de cinco favelas – representando as
17.067 famílias da área da Maré – agradeceram ao Governador Chagas Freitas...Na
Ocasião a CODEFAM entregou um documento, denominado “Carta de
Agradecimento”, no qual expressa gratidão daquela comunidade pela criteriosa ação
das autoridades e pelas demonstrações de interesse por aquela faixa carente da
população (CODEFAM..., 1982).
Como dito anteriormente, o governo teria prometido a entrega de 12.000 títulos de
propriedade dos terrenos aos moradores da área prioritária da Maré.
Em 29.09.1983, o Jornal Última Hora, noticiava que o Ministro Mário Andreazza
entregava mais 901 títulos de propriedades para os moradores e, com isso, o PROJETO RIO
já tinha distribuídos, até o momento, cerca de 3.511 títulos21 e que a meta até 1984, era a
entrega de 10.000 títulos só na área da Maré.
Como dito anteriormente, os títulos foram concedidos a partir de junho de 1981, na
favela do Morro do Timbáu, e isso se deu motivado pelo fato desta favela ser a única instalada
em área seca, não pantanosa, evitando, desta forma, gastos desnecessários em aterramento da
região. Desta maneira, o capital seria realocado em outra espécie de investimento, como por
exemplo, a construção de habitações em alvenaria, bem como, serviços básicos, como afirma
Vaz (1994, p. 5).
Além da regularização fundiária, o PROJETO RIO previa, também, a urbanização
da região e, neste sentido, o Morro do Timbáu assistiu a um maior impacto no que tange à
questão da aferição de títulos de propriedade. Isso remete ao fato de que por iniciativa dos
próprios moradores, alguns serviços públicos já tinham sido conquistados, como água e
energia elétrica, além da coleta de lixo que já era realizada pela Companhia Municipal de
Limpeza Urbana (COMLURB).
Em relação ao programa de titulação das propriedades, de acordo com Valladares,
até outubro de 1984, a Diretoria de Terras do BNH havia entregue 4.889 títulos provisórios,
distribuídos da seguinte forma pelas seis favelas da Maré: Morro do Timbáu (707), Baixa do
Sapateiro (737), Parque Maré (545), Parque Rubens Vaz (932), Parque União (1.367) e Nova
Holanda (601) (VALLADARES, 1985, p. 88).
21 Jornal Última Hora de 29.09.1983, página 7.
A titulação vem sendo feita em etapas, em áreas constituídas por grupos de ruas,
espalhadas pelas diversas favelas da Maré. A explicação para tal distribuição
parcelada reside, segundo os técnicos do Banco, no andamento dos processos de
aquisição dos terrenos aos seus proprietários originais. Na verdade, apesar de uma
parte das favelas se localizar em terras criadas pelos moradores, outra se encontra
situada em terrenos da propriedade privada ou pública. O Estado vem adquirindo
estas terras, em processos geralmente morosos, e à medida que as transações se
concluem, os terrenos são liberados para serem repassados aos moradores. Por serem
geralmente órgãos públicos os proprietários dos terrenos, a sua aquisição se dá
muitas vezes através de cessão ou de venda a preços simbólicos, irrisórios; algumas
vezes, no entanto, o processo se faz pelas vias normais, a preço de mercado de área
ocupada... A favela do Timbáu já foi inteiramente titulada, tendo seu terreno sido
cedido pelo exército (OLIVEIRA et alii, 1983, p. 251)(grifo nosso).
A questão da legalização dos Programas de Regularização Fundiária no país,
baseados na legalização por títulos de propriedade individual plena, não têm sido totalmente
bem-sucedidos, como afirmam Fernandes e Alfonsin (2003, p. 25). Na visão desses autores,
esses programas não têm se prestado a garantir a permanência das comunidades nas áreas
ocupadas, deixando, assim, de promover a desejada integração socioespacial.
Nos anos de 1984 e 1985, o PROJETO RIO perde forças e, principalmente, verbas
provenientes do BNH, que é extinto pelo Decreto-Lei nº 2.291, de 21.011.198622. Desta
forma, as últimas notícias que retratavam o programa pelos jornais da época, referiam-se não
às entregas de títulos de propriedades, mas sim, de supostas tentativas de invasões nos
conjuntos habitacionais construídos no ‘Conjunto Pinheiros’ atual ‘Conjunto Bento Ribeiro
Dantas’, como citado na matéria do Jornal do Brasil a seguir:
Em recente entrevista realizada com o Senhor Joaquim Agamenon Santos –
presidente da Associação de Moradores do Morro do Timbaú por 32 anos e um dos diretores
da CODEFAM à época do PROJETO RIO –, foi constatado alguns pontos relevantes da
atuação dessa instituição na Maré:
Rogério Santos: Cada diretor da CODEFAM pensava politicamente diferente?
Agamenon: Infelizmente sim... Cada um agia, em determinado momento, em causa
própria, o quê dificultava uma ação em conjunto... O Manoelino (Parque Maré) depois
virou oposição ao Projeto Rio.
Rogério Santos: Qual era a ligação da CODEFAM com a Fundação Leão XIII?
Agamenon: A Fundação Leão XIII exercia um importante papel político na Maré, não
só na CODEFAM, mas também, nas seis associações de moradores...
22 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2291.htm Acesso em 10.12.2015.
Prontos desde setembro, após mais de um ano de construção, os 34 blocos de 40
apartamentos cada um (total de 1 mil 360) da Vila Pinheiros ainda não têm data
para serem entregues a moradores das seis favelas que compõem a área da Maré,
em Manguinhos. O Pinheiros é o terceiro conjunto habitacional – os primeiros
foram a Vila do João e o Conjunto Esperança – erguidos pelo Projeto Rio e
Promorar do BNH.
Os conjuntos habitacionais Vila do João (1 mil 546 casas), Esperança (35 blocos e 1
mil e 400 apartamentos) e Pinheiros têm histórias semelhantes. Destinados a abrigar
os moradores das seis favelas existentes na área da Maré, toda aterrada a partir de
1982 pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), os conjuntos
foram palcos de brigas e acusações de favorecimento, invasões dos apartamentos e
festas de inauguração (BNH..., 1985).
Rogério Santos: A CODEFAM participava de reuniões no Grupo de Trabalho do
PROJETO RIO e não repassava aos moradores as informações (havia manipulação
política)?
Agamenon: Infelizmente sim... Não é puxando a sardinha pro meu nome não...Eu
comunicava aos moradores do Timbáu mas os outros diretores não avisavam aos
moradores de suas favelas... Eu tinha um compromisso com os moradores do Timbáu,
mas outros diretores, não tinham com seus moradores locais...
Rogério Santos: Houve troca de presidentes das Associações de Moradores devido à
inoperância deles, acusados de serem beneficiados pelo Projeto Rio?
Agamenon: Não... Isso foi conversa fiada... Não existiu isso não... Foi papo de jornal.
Rogério Santos: Algum diretor da CODEFAM recebeu uma casa/apartamento via
Projeto Rio?
Agamenon: Não que eu saiba... Nessa época já não havia mais a CODEFAM
(1983/1984)... Houve a separação com o Manôlo (Manoelino já falecido) e a
CODEFAM rachou...
Deste modo, “a criação (ou estimulo à criação) dessas instâncias de articulação, para
servir como instâncias de representação e interlocução com os órgãos públicos, é prática
recorrente dos governos locais” (TOMMASI e VELAZCO, 2015, pág. 09).
O surgimento dessas entidades nas favelas cariocas teve início, principalmente, da
necessidade de dois pontos de suma importância, como apontados por Fortuna e Fortuna:
Janice E. Perlman, em sua fascinante obra ‘O Mito da Marginalidade’ avalia deste
modo as associações de moradores de favelas:
As associações de moradores surgiram espontaneamente da união de residentes em
favelas que ‘procuravam alcançar melhoramentos e defender interesses próprios
das comunidades’. Antes da existência das associações de moradores, os favelados,
que não contavam com lideranças internas organizadas, eram explorados por
políticos que prometiam pequenos favores: um cano d'água, um sapato ou uma
roupa, em troca de votos. Esta situação, além de só possibilitar poucos benefícios,
era perigosa: se uma favela apoiasse um candidato do PTB e esse perdesse as
eleições, a favela também perdia a ajuda do candidato vencedor, não apoiado por
ela. Cansados dessa situação, os favelados começaram a perceber que somente a
união poderia levar à solução de seus principais problemas (FORTUNA e
FORTUNA, 1974. p. 104). Grifo nosso.
A mais importante organização política da favela é a Associação de Moradores, que
normalmente serve de porta-voz oficial da comunidade em seus entendimentos com
os de fora, e tem a importante missão interna de trazer para a área a extensão dos
serviços urbanos. Como vimos, as Associações de Moradores também tentam
proporcionar serviços assistenciais básicos para seus constituintes – como os de
médicos e dentistas – e cursos de alfabetização de adultos. As sedes das Associações
freqüentemente servem de lugar de encontro e recreação e são o centro de entrega de
correspondência para a comunidade inteira (PERLMAN, 1977, p. 203).
A pressão realizada por diversos órgãos da sociedade contra a ‘ditadura’ imposta
pelo governo durante o Projeto Rio, é analisada da seguinte forma por Victor Vincent Valla,
quando ele explicita o caráter ‘pouco democrático’ do Projeto Rio quando afirmando que:
Com esse testemunho do Senhor Joaquim Agamenon Santos, vistos anteriormente,
que foi de suma importância para tentar minimizar as últimas incertezas quanto à atuação da
CODEFAM na Maré à época do Projeto Rio, acreditamos termos encontrado as respostas que
esperávamos para as questões que prepusemos na proposta desta monografia.
A seguir, faremos as devidas conclusões deste trabalho de pesquisa!
Com a criação da CODEFAM e os protestos imediatos não apenas da parte dos
moradores, como da Igreja, dos técnicos, e das associações profissionais, os
moradores conseguiram ter um pouco mais de participação. Irrisória, sem dúvida,
pois a proposta na sua essência era autoritária. Receberam a proposta pronta. Na
verdade, as autoridades premidas pelo momento político global tiveram que dar
algumas ‘explicações’, aceitar algumas sugestões através de consultas, mas que em
nada mudariam a feição do projeto (VALLA, 1986, p.172).
VI – CONCLUSÃO
Em trabalho relançado recentemente Anthony Leeds e Elizabeth Leeds apontam a
favela como sendo “uma unidade sociogeográfica facilmente observável, que possui todas as
formas de organização como características de localidade23” (2015, p. 82). Afirmam ainda que
esses espaços segregados “tem uma ecologia, ou seja, uma distribuição social de atividades
através de seu território conforme a topografia, os solos e outras condições geográficas”
(Ibidem).
Posto isso, identificamos que as associações de moradores atuam, como afirmam
Leeds e Leeds, numa distribuição social de atividades voltados para os interesses de seus
moradores, ora atuando em benefícios deles, ora atuando de forma ‘política’ e renegando sua
função social que é informar sobre acontecimentos em prol dos moradores locais, como
observados na CODEFAM.
Destarte, o associativismo comunitário implementado por associações de moradores
em áreas segregadas da Cidade do Rio de Janeiro (áreas essas localizadas principalmente em
favelas), revela-se como um importante instrumento de defesa, para seus moradores, em suas
reivindicações contra a imposição do Estado em suas diversas atuações.
O Projeto Rio não foi o primeiro programa de urbanização de favelas na Cidade do
Rio de Janeiro. Basta lembrarmos-nos da atuação de alguns órgãos do governo,
principalmente, da CODESCO (Companhia de Desenvolvimento de Comunidades), que
implementou no Rio, a título de projeto-piloto e em caráter experimental, a urbanização
integral de uma favela: Brás de Pina (VALLADARES, 1981), mas foi o primeiro programa,
como dito durante esta pesquisa, que não se utilizou da ‘política de remoção’, havendo
apenas, realocações de moradores da área palafitada para novas áreas criadas no mesmo
território da Maré.
Como vimos, o Projeto Rio serviu como uma forma de organização territorial do
espaço físico das Favelas da Maré, principalmente, no que tange ao planejamento urbano
23 Os autores trabalham com a hipótese de localidade ao invés de comunidade devido às confusões existentes
com relação a este último, usado para designar as etnografias de lugares específicos. Para eles a ‘Comunidade’
“é tomada como uma unidade socioestrutural de algum tipo. Em geral, ela tem sido considerada como uma
forma de microcosmo de uma espécie de macrocosmo chamado sociedade total, ou algo equivalente” (LEEDS &
LEEDS, 2015. P. 67). Já localidade, esses autores definem como sendo uma “organização social que pode ser
vista como um sistema altamente flexível de adaptação humana. Sua extrema flexibilidade e fluidez, sua
complexidade não mapeada e não especificada permitem-lhe uma ampla gama de respostas para uma variedade
quase infinita de acontecimentos, contextos e exigências” (Ibidem, p. 73).
local. A Maré se modificou por completo, principalmente, após o término do Programa de
Erradicação da Subhabitação. Basta lembrarmos que, durante o Projeto Rio, havia na Maré,
apenas seis comunidades e, atualmente, há 17 micros bairros contidos no atual bairro maré.
Entendemos aqui que o ‘planejamento urbano’, que está inserido no Plano Diretor da
Cidade do Rio de Janeiro, como um instrumento de política urbana de suma importância e que
contribui para a produção de um espaço urbano democrático e podendo ser visto, ainda, como
um instrumento típico do urbanismo, é definido por Marcelo Lopes de Souza desta forma:
Posto isso, identificamos que a CODEFAM, como um exemplo de organização
voltada para o associativismo comunitário, desenvolveu no território da Maré, uma ‘atividade
de pressão’, junto ao poder público, na incumbência de que os moradores da Maré fossem
‘ouvidos’ por estes, durante a implementação do Projeto Rio. Mesmo que de forma irrisória.
Mesmo que a participação da CODEFAM durante o Projeto Rio fosse ‘benéfica’
para os interesses da população da Maré, como visto anteriormente, essa participação foi, de
certa forma, incipiente e sem estardalhaços pois, como afirma Caroline Rocha dos Santos, em
artigo de 2014, a atuação da CODEFAM foi efêmera: “além da oposição, por parte dos
favelados, a qualquer ação que representasse a retirada dos moradores da Maré para outras
partes da cidade, houve duras críticas no que tange a ausência de canais que viabilizassem a
participação efetiva da população nos rumos e processos tomados pelo Projeto Rio”
(SANTOS, 2014, pp, 654-655).
Para desfecho desta pesquisa, como visto anteriormente, nos apropriamos dos
conceitos de Espaço e Território (conceitos geográficos), Associativismo Comunitário
(Ciências Sociais) e Planejamento Urbano (Ciências Políticas) para dar conta do objeto deste
trabalho.
Concluindo e respondendo aos questionamentos desta pesquisa em relação à
CODEFAM e ao PROJETO RIO:
Essa instituição foi criada em 1979, logo em seguida ao anúncio feito pelo Ministro do
Interior – Mário Andreazza – sobre a implementação do PROMORAR (PROJETO
Planejamento e gestão não são termos intercambiáveis, por possuírem referenciais
temporais distintos e, por tabela, por se referirem a diferentes tipos de atividades. Até
mesmo intuitivamente, planejar sempre remete ao futuro: planejar significa tentar
prever a evolução de um fenômeno ou, para dizê-lo de modo menos comprometido
com o pensamento convencional, tentar simular os desdobramentos de um processo,
com o objetivo de melhor precaver-se contra prováveis problemas ou, inversamente,
com o fito de melhor tirar partido de prováveis benefícios. De sua parte, gestão
remete ao presente: gerir significa administrar uma situação dentro dos marcos dos
recursos presentemente disponíveis e tendo em vista as necessidades imediatas. Longe de serem concorrentes ou intercambiáveis, planejamento e gestão são distintos
e complementares (SOUZA, 2003, pp, 45-46).
RIO) nas Favelas da Maré. Sua estrutura organizacional se deu através da nomeação
de um presidente e sua diretoria (como vimos na pesquisa, cada presidente das seis
associações de moradores das seis favelas da Maré, formavam a diretoria) em reunião
realizada dois dias após a mídia retratar o projeto nos jornais da época.
Sua atuação, de um modo geral, pode ser classificada por este pesquisador como
positiva, visto que, durante os dois primeiros anos de sua vigência, essa instituição
muito colaborou nas reivindicações dos moradores em relação ao PROJETO RIO,
principalmente, no que tange à não remoção dos moradores para áreas afastadas do
território da Maré, como ficou bem claro nesta pesquisa. Contudo, sua atuação não foi
100% positiva. Como vimos, houve momentos de ‘falta de engajamento’ maior por
parte de alguns diretores, principalmente, no que tange a possíveis ‘manipulações
políticas’ durante o período em que essa instituição atuou. Essa ‘fragilidade’ se
mostrou evidente, principalmente, na relação de alguns diretores, tanto com a
Fundação Leão XIII, quanto em relação aos órgãos envolvidos no PROJETO RIO.
Quanto ao PROJETO RIO, verificamos que, após a incompleta implementação do
programa (a proposta era por dez anos: 1979 à 1989 e durou até meados de 1985) o
que se viu no espaço territorial da Maré foi, sem dúvida nenhuma, um novo rearranjo
de sua população, distribuída por suas 16 comunidades que formam o atual
‘Complexo da Maré’. O PROJETO RIO serviu, desta forma, como um instrumento
fundamental no planejamento urbano que ora presenciamos na Maré.
Destarte, acreditamos que o objetivo proposto nesta pesquisa foi alcançado!
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8 – A N E X O S
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Anexo B – Exposição de Motivos nº 66
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Anexo C – Resolução BNH nº 72/80 – página 12.701
Fonte: Diário Oficial da União, Seção I, quarta feira, 25/06/1980, página 12.701.
Anexo D – Resolução BNH nº 72/80 – página 12.702
Fonte: Diário Oficial da União, Seção I, quarta feira, 25/06/1980, página 12.702
Anexo E – Resolução BNH nº 72/80 – página 12.703
Fonte: Diário Oficial da União, Seção I, quarta feira, 25/06/1980, página 12.702
Anexo F – Resolução BNH nº 135/82 – página 3.997
Fonte: Diário Oficial da União, Seção I, segunda feira, 08/03/1982, página 3.997
Anexo G – Resolução BNH nº 135/82 – página 3.998
Fonte: Diário Oficial da União, Seção I, segunda feira, 08/03/1982, página 3.998
Anexo H – Resolução BNH nº 135/82 – página 3.999
Fonte: Diário Oficial da União, Seção I, segunda feira, 08/03/1982, página 3.999
Anexo I – Repassando o Processo de Planejamento
Fonte: Hector Atílio Poggiese. 1985. p. 72.
Anexo J – Organograma: Área, Setores e Favelas
SETORES FAVELAS
ÁREA
PRIORITÁRIA
Quinta do Caju
Parque N. S. da Penha
Parque S. Sebastião
PONTA DO CAJU/ATERRO DO CAJU Ladeira dos Funcionários
Parque Vitória
Parque da Alegria
PINHEIRO
Timbáu
Baixa do Sapateiro
Parque União
MARÉ Nova Holanda
Rubens
Parque Maré
RAMOS Roquete Pinto
SÃO SEBASTIÃO Marcílio Dias
MISSÕES
ÁREA
DUQUE
DE
CAXIAS
PARQUE DUQUE
PARQUE SARAPUÍ Dois Irmãos
GRAMACHO
ATERRO SANITÁRIO METROPOLITANO
Fonte: Projeto Rio. Revista A Defesa Nacional. Rio de Janeiro. 1981. Adaptado.
Anexo L – Balanço de um novo Programa Habitacional – BNH
Fonte: Revista Veja. Edição nº 596 de 06/02/1980, p. 88
Anexo M – Decreto nº 4.074: Projeto de Urbanização nº 38.994 e Projeto de Alinhamento (PAA) nº 10.310
Fonte: http://wpro.rio.rj.gov.br/decretosmunicipais/ Acesso em 14/12/2015.
Anexo N – Projeto de Loteamento (PAL) nº 38.994 e Projeto de Alinhamento (PAA) nº 10.310, folha 1
Fonte: Site da Secretaria Municipal de Urbanismo da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
Anexo O – Minuta Carta da CODEFAM
MINUTA
CARTA ABERTA ÀS AUTORIDADES FEDERAIS, ESTADUAIS, MUNICIPAIS E AO POVO DO NOSSO
ESTADO.
Os moradores das favelas envolvidas no Projeto-Rio denominada área da Maré, vêem
respeitosamente prestar, a todos, os seguintes esclarecimentos e apresentar, justificando, suas
reivindicações:
1º - Muitos pensam que essas comunidades são formadas, única e exclusivamente, por barracos
sobre palafitas, vivendo seus moradores nas piores condições de higiene, como realmente vivem alguns.
2º - Os barracos sobre palafitas representam, mais ou menos, 30% das habitações contidas nessas
favelas;
3º - As demais residências localizam-se em terreno sólido, já com muita infra-estrutura como água,
esgoto, luz, ruas calçadas, comércio, templos religiosos e CASAS DE ALVENARIA COM UM, DOIS,
TREIS e até QUATRO ANDARES, construídas pelos próprios moradores no correr dos últimos 30 anos.
Inúmeras dessas casas possuem requintes de acabamento iguais às de qualquer bairro não favelado, tais
como azulejos até o teto nos banheiros e cozinhas, terraços cobertos, sinteco, torneiras Deca, etc...
Esta parte das favelas não é vista por quem passa pela Av. Brasil, pois só penetrando-as nas ruas
transversais, a ela se tem acesso;
4º - Muitos moradores pagam imposto predial, luz, água e esgoto.
Isto posto, passemos às reivindicações:
a) Que nós, diretores das Associações de Moradores dessas favelas, tenhamos a possibilidade de
dialogar com os técnicos que ora detalham o projeto, trazendo-os inclusive às comunidades para
que conheçam a verdadeira realidade.
Explicamos: Nós, diretores, não só representamos os moradores em Associações juridicamente
constituídas, como recebemos todo o impacto de suas dúvidas, temores e ansiedade. Sem que
sejamos, esclarecidos, como esclarece-los?
b) Que 70% das áreas, já por nós semi-urbanizadas, tenha sua urbanização completada,
inclusive com a venda, aos moradores, dos lotes que ocupam, ou fração ideal do terreno, em caso de
condomínio horizontal por quadras.
Não desejamos nada de graça, e os casos de pobreza absoluta (pessoas idosas sem fonte de renda)
poderão, em estudos posteriores, ter seu problema resolvido pelos demais membros da comunidade
juntamente com as Ass. de Moradores;
c) Que as famílias que ora moram sobre as palafitas, recebam, na área a ser aterrada. Lotes
urbanizados onde os próprios moradores, em sistema de mutirão, construam suas casas, bastando
para isto, que o BNH lhes financie o material de construção através o RECON SOCIAL,
exatamente como já foi feito na urbanização das ex-favelas de Brás de Pina e Morro União pela
sempre saudosa CODESCO (Companhia de Desenvolvimento de Comunidades), urbanização esta
financiada pelo próprio BNH;
d) Que sejam construídos pequenos conjuntos de apartamentos para àqueles que, após
consultados através do levantamento sócio-econômico, assim o desejam, compatibilizando-se o nº e
tamanho dos imóveis, com as pessoas.
Inúmeras são as vantagens de casas sobre apartamentos, principalmente quando construídas pelos
próprios moradores.
Senão vejamos:
1º - A possibilidade de acréscimo quando do crescimento das famílias, dentro, obviamente, das
normas a serem instituídas pelo poder público;
2º - A variedade de estilos, cores, padrões que dão a qualquer família e sensação de individualidade,
e não a massificação visual hoje encontrada nas Vilas Kennedy, Cidade de Deus e outras;
3º - O AMOR E CARINHO que todos dão na conservação daquilo que, com suas próprias mãos,
suor e lágrimas, constroam:
4º - Tornar o projeto muito mais econômico, visando não somente os moradores, como também
indo ao encontro do nosso Presidente João Figueiredo no combate à inflação, chamamento a que todos
fomos convocados. Seria justo, num país com o déficit habitacional como o nosso, derrubar-se milhares de
casas de alvenaria, muitas com valor superior a Cr$ 500.000,00, principalmente sabendo-se ser este
investimento fruto da poupança de inúmeras famílias por longos e longos anos?
Finalmente só nos falta um convite às autoridades e povo de um modo geral, para que nos visitam e
constatem o que ora afirmamos, como ainda dizer que, mesmo nas obras de infra-estrutura, a mão-de-
obra dos inúmeros trabalhadores aqui residentes, está à disposição das autoridades para que, juntos,
possamos construir um verdadeiro e humano bairro. Aqueles que urbanizarem essas, e as demais favelas
urbanizáveis do Estado, terão a gratidão eterna de mais de um milhão e meio de habitantes.
Senhores, por favor, não nos faltem. Estamos explodindo de angústias.
CODEFAM
(Comissão de Defesa da Área da Maré)
Assinado por seu Presidente
Fonte: Arquivo pessoal do Senhor Atanázio Amorim. (adaptado).
Anexo P – Propaganda de entrega de títulos de propriedades do BNH
Fonte: Jornal O Fluminense. 11/06/1981. p. 5