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Autores: Celso e Junko Sato Prado SANTA CRUZ DO RIO PARDO MEMÓRIAS, DOCUMENTOS E REFERÊNCIAS

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  • Autores: Celso e Junko Sato Prado

    SANTA CRUZ DO RIO PARDO MEMRIAS, DOCUMENTOS E REFERNCIAS

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

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    SANTA CRUZ DO RIO PARDO MEMRIAS, DOCUMENTOS E REFERNCIAS

    PRODUTO A VENDA APENAS SOB ENCOMENDA:

    Para obt-lo, este ter que ser adquirido junto ao Clube de Autores, conforme endereo ele-

    trnico abaixo, escolhendo o acabamento pretendido.

    https://clubedeautores.com.br/book/190609--Santa_Cruz_do_Rio_Pardo#.VcIyrW5Vikp

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  • Celso e Junko Sato Prado

    2

    Dos direitos autorais

    Obra registrada em nome dos autores Celso Prado e Junko Sato Prado sob o nmero

    137695590858382500, conforme Certificado Digital de Direito Autoral que atesta este

    assento:

    Santa Cruz do Rio Pardo - Memrias, documentos e referncias - 2013-08-19 - 20:08:17

    _____________________________________________________________________________

    P896S Prado Celso; Sato Prado Junko

    Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

    Celso Prado e Junko Sato Prado Santa Cruz do Rio Pardo, SP

    Autores, 2015

    465 p. 16X23 cm

    I Memrias (...) - Santa Cruz do Rio Pardo, SP. Prado, Celso

    II Sato Prado, Junko

    III Ttulo

    CDD: 907

    ISBN 978-85-913452-2-9

    _____________________________________________________________________________

    Copyright@ Celso e Junko Sato Prado

    Advertncia:

    Plgio crime. Os autores, no entanto, autorizam a reproduo total ou parcial, exceto

    para fins comerciais, desde que citados os crditos, as referncias e fontes.

    Celso e Junko Sato Prado

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

    3

    NDICE REMISSIVO

    Apresentao 07

    1608 Prealegados histricos: atassalhando o vu das pressuposies 09

    - 1. Antigos caminhos

    - 2. A senda militar

    - 3. As sesmarias ao longo dos caminhos

    - 4. A falncia dos empreendimentos

    1780 Dos povos e naes indgenas 12

    - 1. Caiu

    - 2. Xavante

    - 2.1. Oti-xavante

    - 2.2. Ofai-xavante

    - 3. Kaingang

    - 4. Magotes ou os destroos tribais

    - 5. Dos autodenominados tupi

    1808 Reconhecimentos historiogrficos 17

    - 1. O capitalismo contido no alto da Serra Botucatu

    - 2. A fazendeiros obstinados em arredar os ndios

    - 3. A guerra ao ndio

    1849 Jos Theodoro de Souza o ltimo bandeirante 24

    - 1. A famlia

    - 2. O caudilhismo

    - 3. A morte do pioneiro

    - 4. Theodoro sob o ponto de vista histrico

    - 5. Quando Theodoro chegou ao serto

    - 5.1. Em algum tempo entre 1842/1856

    - 5.2. Theodoro e os seus na provncia paulista nos anos de 1840

    1851 Pioneirismo histrico-documental 33

    - 1. Assentamentos no Turvo/Alambari (...)

    - 2. Fazendeiros margem esquerda do Turvo (...)

    - 3. Fazendas no espigo Pardo/Turvo e Pardo direita (...)

    - 4. Fazendeiros s margem e vertentes do Pardo esquerda (...)

    1862 A histria referenciada para Santa Cruz do Rio Pardo 43

    - 1. Alambari o primeiro bairro rural entre fazendas santacruzenses

    - 2. Santa Cruz sede de fazenda/bairro rural no pontal Pardo/So Domingos

    - 3. Doaes patrimoniais para formaes de povoados oficiais (...)

    - 4. Formao da Capela Santa Cruz do Rio Pardo

    - 5. Os fundadores Manoel Francisco Soares e Padre Joo Domingos Figueira

    - 6. As primeiras vias da integrao (...)

    - 7. Conquistas consolidadas o papel da Igreja (...)

    - 8. Os vigrios aps o Padre Figueira (...)

    1870 Do ps-guerra com o Paraguai 63

    - 1. Acontecimentos e consequncias

    - 2. Subdelegacia de distrito

    - 3. Organizao urbana

    - 4. O estranho equvoco poltico-histrico

    1872 Das transformaes sociais 67

    - 1. Freguesia de Santa Cruz do Rio Pardo

    - 2. Subdelegacia de freguesia

    - 3. Dados censitrios (...)

  • Celso e Junko Sato Prado

    4

    - 4. Dos nascidos livres de mes escravas

    - 5. Dos aforamentos

    - 6. Santa Cruz melhorista (...)

    - 7. Contestaes de divisas

    1876 Ordenaes poltico-jurdicas 79

    - 1. Vila e municpio de Santa Cruz

    - 2. Estruturas poltico-partidrias do sculo XIX (...)

    - 3. A poltica santacruzense

    - 4. Os coronis e mandatrios

    - 4.1. Cel. Joaquim Jos Botelho

    - 4.2. Cel. Joaquim Manoel de Andrade

    - 4.3. Cel. Emygdio Jos da Piedade (...)

    - 4.4. Cel. Marcelo Gonalves de Oliveira

    - 4.5. Cel. Joo Baptista Botelho (...)

    - 4.6. Dr. Olympio Rodrigues Pimentel

    - 4.7. Dr. Antonio Jos da Costa Junior

    - 4.8. Dr. Francisco de Paula de Abreu Sodr

    - 4.9. Cel. Antonio Evangelista da Silva o Tonico Lista (...)

    - 4.10. Tenente-coronel Lenidas do Amaral Vieira

    1877 Poderes legislativo, executivo e juizado de paz ... 127

    - 1. Cmaras Municipais (...)

    - 2. Apartes poltico-histricos (...)

    - 3. Os lderes polticos locais ps Revoluo de 1930 (...)

    - 4. Juizados de Paz (...)

    - 5. Inspetores de Quarteiro

    - 6. Quartel Delegacia/Cadeia para a Vila de Santa Cruz (...)

    - 7. Agncia postal

    - 8. Termo de Comarca

    - 9. Da formao jurdica municipal

    - 10. Comisso Exploratria de Governo

    - 11. Das coletorias

    1879 Escolas pioneiras 212

    I Ensino Pblico

    - 1. Curso de primeiras letras primeiros professores, inspetores (...)

    - 2. O curso primrio e o grupo escolar

    - 3. Antigo curso ginasial

    - 4. Ensino secundrio escola normal, colegial (...)

    - 5. Delegacia de Ensino

    II Ensino Privado

    - 1. Nos idos de 1872

    - 2. Uma escola no identificada

    - 3. Colgio Nossa Senhora do Amparo

    - 4. Escola de instruo de leitura

    - 5. Escolas de ensino particular (...)

    - 6. Curso municipal preparatrio e outras escolas (...)

    - 7. Escola confessional seminrio catlico

    - 8. Ensino laico por instituies religiosas (...)

    - 9. Escola tcnica de comrcio

    - 10. Ensino particular residencial

    - 11. Cursos regulares de ensino infantil, fundamental e mdio (...)

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

    5

    III Educao integrada e profissionalizante

    - 1. Centro educacional do servio da indstria Sesi

    - 2. Servio nacional de aprendizagem industrial Senai

    IV Alfabetizao [Educao] de Massas

    - 1. Campanha de alfabetizao de adultos

    - 2. Licena ginasial

    - 3. Madureza e curso supletivo

    - 4. Mobral Movimento brasileiro de alfabetizao

    V - Cursos superiores (...)

    1881 Formao poltico-administrativa 232

    - 1. Divisas e regularizaes de posses (...)

    - 2. Dos famosos 'grilos' de terras em Santa Cruz do Rio Pardo (...)

    - 3. Divisas municipais

    - 4. Alistamento militar Tiro de Guerra

    - 5. Cdigo de Posturas de 1883, aditamentos (...)

    - 6. gua potvel atravs dos regos

    - 7. Delimitaes de rea urbana e levantamento de construes (...)

    - 8. Iluminao pblica

    1883 Sade e assistencialismo 252

    - 1. Os primeiros e os destacados profissionais mdicos (...)

    - 2. Outros profissionais de Sade cirurgies-dentistas, farmacuticos (...)

    - 3. Sade Pblica (...)

    - 4. Nosocmios (...)

    - 5. Reparties pblicas de sade (...)

    - 6. Entidades caritativas assistenciais (...)

    1886 Vias e meios de transportes 299

    A) Vias terrestres

    - 1. Os caminhos pelo serto (...)

    - 2. Os veculos (...)

    B) Vias frreas

    - 1. Estrada Sorocabana (...)

    - 2. Ferrovia do Peixe

    C) Via area

    1888 Acontecimentos notveis: o fim do imprio e o incio republicano 312

    - 1. A escravido em Santa Cruz do Rio Pardo negra, indgena (...)

    - 2. Santa Cruz sinopse de 1888

    - 3. As ltimas realizaes do imprio e provncia para Santa Cruz (...)

    - 4. Presbiterianismo a oficialidade em 1889 e outras seitas crists (...)

    - 5. O advento republicano

    - 6. Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo (...)

    - 7. A Maonaria (...)

    - 8. Ajustes territoriais e divisas (...)

    1889 Conflitos armados: participaes santacruzenses 334

    - 1. Golpe militar de 1889 a proclamao de repblica

    - 2. Revoluo federalista 1893

    - 3. 1 Guerra Mundial 1914/1918

    - 4. Revoluo de 1924

    - 5. Revoluo de 1930

    - 6. Revoluo Constitucionalista de 1932

    - 7. 2 Guerra Mundial 1939/1945

  • Celso e Junko Sato Prado

    6

    - 8. Revoluo camponesa de 1953

    - 9. Golpe militar de 1 de abril de 1964 (...)

    1892 A agricultura livre e as imigraes 349

    - 1. Produtividade cafeeira

    - 2. As grandes fazendas e os fazendeiros

    - 3. Imigraes italianas, japonesas (...)

    - 4. Sobrevalorizao das terras

    - 5. Santa Cruz sinopse de 1892

    1895 A imprensa 366

    I - Imprensa Escrita

    - 1. Os hebdomadrios e bi-semanrios santacruzenses (...)

    II - Imprensa falada

    - 1. Emissoras de Rdio

    III Jornalismo online

    1896 O ltimo quinqunio do sculo XIX 388

    - 1. O hediondo crime da 'mozinha'

    - 2. A ponte nova sobre o Rio Pardo pela Rua Saldanha Marinho

    - 3. Santa Cruz sede do 5 Distrito Territorial (...)

    - 4. A Guarda Cvica

    - 5. Uma ponte metlica sobre o Rio Pardo

    - 6. A Guarda Nacional local - 1900

    Histria complementar incio do sculo XX 396

    - 1. Entretenimentos

    - 2. Diverses: cultura, esporte e lazer (...)

    - 3. Tecnologias de comunicao (...)

    - 4. Sistema financeiro: bancos e seguradoras (...)

    - 5. Pasta da Agricultura e os servios interligados (...)

    - 6. Diagnstico do municpio em 1926

    - 7. Loteamentos pioneiros (...)

    Bibliografia das citaes, fontes, crditos e referncias 456

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

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    Apresentao

    A histria informada para Santa Cruz do Rio Pardo, em 1887, ignorava o tempo

    da chegada de Manoel Francisco Soares, porm tinha-o na lembrana como o pioneiro

    que, acercado de destemidos companheiros, muito combatera os indgenas ferozes que

    infestavam a regio, e, na sede da fazenda onde residia, fincou a "cruz de madeira, que

    orgulhosamente se ostentava na beira do terreiro de sua habitao" (Almanach da Pro-

    vincia de So Paulo, 1887: 541).

    Soares mandara, ainda, construir pequeno espao religioso, coberto "com taqu-

    ras rachadas e sobre-postas umas s outras (...). E desde ento ficou a Santa Cruz como

    sendo a padroeira da povoao" (Almanach da Provincia de So Paulo, 1887: 542). Soares

    visualizou, ento, a fundao de uma freguesia em suas terras.

    poca igualmente lembrada a presena do Reverendo Padre Joo Domingos

    Figueira, como aquele que concorrera para execuo do plano adotado pelo sertanejo na

    formao do povoado, conseguindo dele a doao de terrenos para o Patrimnio da

    Santa Cruz e, de imediato, fazendo levantar um templo religioso e nele entronar a ima-

    gem de So Sebastio, doada pelo Soares, e "ahi Manoel Francisco, sua numerosa familia,

    e todos os j ento habitantes deste serto e dos terrenos do patrimnio, se reuniam (...)"

    (Almanach da Provincia de So Paulo', 1887: 542). O lugarejo tornou-se Capela, em 1862,

    como povoao oficialmente reconhecida.

    O histrico publicado em 1887, de provvel autoria do Coronel e Deputado Pro-

    vincial de So Paulo, Emygdio Jos da Piedade, tinha por objeto a histria local a partir

    de 1870, com a chegada do fazendeiro e capitalista Joaquim Manoel de Andrade, o prin-

    cipal agente transformador do capenga lugarejo em prspera comunidade: "Os ranchos

    desde ento foram esquecidos e, podemos affirmar, Santa Cruz do Rio Pardo nasceu em

    1872, sendo desde ento rapido o seu progresso e admiravel os melhoramentos que tem

    recebido." (Almanach da Provincia de So Paulo, 1887: 542).

    Segundo aquela narrativa, a Santa Cruz de 1872 deixava a condio de Capela

    para transformar-se em Freguesia, sinnimo de progresso, sob os auspcios de Joaquim

    Manoel de Andrade, o mais rico e influente nome no lugar, inclusive o responsvel pela

    elevao santacruzense condio de vila e, consequentemente municpio, em 1876.

    Com o advento republicano de 1889 e a declarada laicidade do estado em 1891, a

    Cmara e a Igreja travaram disputa pelos terrenos urbanos santacruzenses, e na pugna

    desapareceram muitos dos antigos documentos camarrios e reescritos os eclesiais, nos

    tempos do Reverendo Padre Bartholomeu Comenale, mandatrio local, Vigrio Forense,

    Vereador Presidente da Cmara, e depois Intendente.

    A histria primitiva da localidade, com efeito, perdeu-se, e a edio do Almanach

    de 1887 tornou-se o nico apontamento, conhecido e disponvel quanto s origens de

    Santa Cruz do Rio Pardo, com partes espelhadas, quinze anos depois, pelo Correio do

    Serto (1902), sem a citao da fonte, da os pesquisadores e interessados locais recorre-

    rem-se ao citado hebdomadrio como referncia historiogrfica.

    A origem santacruzense oficializou-se, portanto, quela maneira narrada pelo Al-

    manach, edio de 1887, copiada pelo Correio do Serto (1902/1903), e apenas no ano de

    2005, com as publicaes e atualizaes digitais de 'Razias Incurses predatrias em

    territrios indgenas do Vale Paranapanema' e 'Historiografia para Santa Cruz do Rio

  • Celso e Junko Sato Prado

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    Pardo', ambas assinadas por SatoPrado, concluiu-se que a formao do lugar ou da fixa-

    o branca retroagia ao ano de 1851, comprovada por centenas de expedientes cartoriais,

    eclesisticos e particulares, apanhados pelos autores.

    As pesquisas, com apresentaes de documentos autnticos e sem excluses ou

    incluses convenientes de acontecimentos, revelaram o vindouro territrio santacru-

    zense palco de acontecimentos at anteriores a 1851, a todos de itinerncia, desde o ata-

    lho jesutico entre o Paranapanema e a Serra de Botucatu, entre os anos 1608/1628, a tri-

    lheira bandeirante de 1721 e o caminho militar de 1771, calcados num quase mesmo tra-

    jeto, a despassar o Turvo aonde o baixio do rio, nas proximidades da barra do Alambari.

    Como cho de passagem pode-se afirmar, com segurana documental, que em

    partes para o ento futuro 'antigo' municpio de Santa Cruz, beira direita do Paranapa-

    nema entre as atuais municipalidades de Timburi e Ourinhos passava a senda pr-

    cabraliana Peabiru, largamente utilizada por aventureiros, contrabandistas, faiscadores,

    bandeirantes, entradistas e religiosos.

    Outrossim, igualmente 'resgatados' alguns dos ofcios de governo garantidores

    das presenas de arranchados nas sesmarias outorgadas entre o Pardo, s duas margens,

    o Turvo esquerda e o Paranapanema aos fundos, a partir de 1759 at o abandono dos

    empreendimentos, por volta de 1780, para enfim a chegada do bandeirismo de Jos The-

    odoro de Souza, frente de bugreiros, para as transformaes decorrentes das ocupaes

    predatrias em territrios indgenas.

    A concluso desta tarefa, como edio reescrita, corrigida e ampliada de 'Histo-

    riografias' e 'Razias', revela o ineditismo e singularidade historiogrfica santacruzense,

    destacados seus lderes e influentes, registrados biograficamente naquilo que podido co-

    nhecer, at esta editao, aberta a discusses sem pretenses de 'histria fechada', pois

    muito ainda se tem a pesquisar e informar.

    Santa Cruz do Rio Pardo, 2015.

    Celso e Junko Sato Prado

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

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    1608 Prealegados histricos: atassalhando o vu das pressuposies

    1. Antigos caminhos religiosos e bandeirantes

    Antiga trilheira no territrio que viria ser Santa Cruz do Rio Pardo servia de pas-

    sagem aos padres espanhis e demandadores dos sertes, desde a Serra de Botucatu ao

    Salto das Canoas ou Quebra Canoas, no Paranapanema, em atual municpio de Salto

    Grande (Aluisio de Almeida 1959: 168).

    Monsenhor Aluisio Almeida (1960: 41), estudioso jesuta, melhor explica o curso

    deslocado da estrada pr-cabraliana Peabiru, que "subiu a serra, ganhou as cabeceiras

    do Pardo (Pardinho) antigo Esprito Santo do rio Pardo e desceu aquele rio at as alturas

    de Santa Cruz do rio Pardo, donde passou para o afluente Turvo e saiu nos Campos

    Novos do Paranapanema (nome mais novo)", prosseguinte at o Salto das Canoas, a par-

    tir de onde navegvel o Paranapanema em direo s Redues Jesuticas (1608/1628) e

    Rio Paran. Cartografia oficial de caminhos paulistas, sculos XVII e XVIII, confirma o

    uso do Paranapanema de sua barra ao Salto das Canoas, numa viagem com durao

    mdia de vinte dias (BDPI: Cart325602).

    O trecho paulista Peabiru saa de So Vicente rumo a Piratininga So Paulo,

    depois Sorocaba e, na entrada da Serra Botucatu, obliquava para os lados da hoje Avar

    e da ao Paranapanema, seguindo a margem direita at transp-lo, aonde a atual Ouri-

    nhos, e seguir adiante por terras paranaenses ao municpio denominado Peabiru (Valla,

    1978: 90). Os ibricos conheciam a Peabiru, de So Vicente aos Andes peruvianos, com

    as primeiras andanas entre 1502/1513, mas foram os padres que produziram o atalho

    pela serra at o Salto das Canoas, denominado Paranan-Itu (Salto Grande) pelos Tupi.

    Em 1719 instalou-se na Serra Botucatu a Fazenda Jesutica conhecida por Boa

    Vista, para os propsitos inacianos alm do comrcio com os passantes, aventureiros e

    bandeirantes, oferecendo-lhes os padres, ainda, pouso e lugar de ajustes.

    Em 1721 o bandeirante Bartholomeu Paes de Abreu, primo do jesuta reitor Padre

    Tenente Estanislau de Campos Bicudo, requereu Cmara de So Paulo direitos para

    explorar uma estrada, do centro da ento capitania paulista s minas de Cuiab, calcada

    no leito da antiga Peabiru e da trilha jesutica/bandeirante, ou seja, "a partir da 'ultima

    povoaam', da ltima vila e, tambm, a partir do morro do Hibiticat" (Apud, Figueiroa,

    2009: Revista 4).

    Sorocaba, poca, era a derradeira vila desde 03/03/1661, e a ltima povoao

    seria a sede da Fazenda Boa Vista, junto ao Ribeiro de Santo Incio, passagem rumo a

    Paranan-Itu aonde "um rudimentar porto para as canoas que iam e vinham" para dali se

    chegar, segundo Paes de Abreu, "ao rio Paran onde instalou trs roas de milho, feijo,

    legumes e deixou 250 bois em uma delas" (Apud, Figueiroa, 2009: Rev. n 5).

    No aguardo de autorizao Paes de Abreu iniciou abertura de eito terrestre de

    Paranan-Itu at defronte o despejo do Pardo matogrossense no Rio Paran (Giovannetti,

    lbum Histrico do Municpio de Quat, 1953: 1-2). Indeferido o pedido Paes de Abreu,

    desgostoso e com problemas judiciais, abandonou o projeto.

    Anos depois, em 1759, a expulso dos jesutas do territrio brasileiro, decretou o

    fim dos seus empreendimentos tambm em Botucatu, favorecendo a infestao indgena

    nas encostas e morrarias da serra, com prejuzos s iniciativas sesmariais.

    2. A senda militar

  • Celso e Junko Sato Prado

    10

    Por Ato de 06 de janeiro de 1765, o rei portugus, D. Jos I, nomeou Governador

    da Capitania de So Paulo, o Capito-General D. Lus Antonio de Souza Botelho e Mou-

    ro, 4 Morgado de Mateus, encarregado em restaurar a capitania paulista, abrir ou re-

    fazer estradas, fundar cidades e povoar os sertes, fazendo guarnecer os rios Tiet, Pa-

    ranapanema, Iguatemi, Paran e Prata, assim a expandir fronteiras ao oeste e levantar

    fortalezas para proteger o sul contra os espanhis, ainda ressentidos pelas perdas terri-

    toriais com o fim do Tratado de Tordesilhas.

    Ainda, o Morgado precisava entregar segura a outrora fazenda dos jesutas aos

    arrematantes, conceder novas sesmarias e ratificar as concesses anteriores, com o livra-

    mento dos perigos indgenas, para isto contratado o bugreiro Francisco Manuel Fiza.

    A regio experimentou o progresso com o fluxo de pessoas vindas principal-

    mente de Sorocaba, Itu, Itapetininga e Porto Feliz, atradas pela promessa de fundao

    de novos povoados e distribuies de terras nas cercanias e adiante da Serra Botucatu,

    como sentinelas avanadas e fortalezas, sendo Simo Barbosa Franco o encarregado das

    aes (Donato, 1985: 47-48).

    Com essa viso militarista o Morgado determinou a construo da senda militar,

    em 1770/1771, a entrar pela Serra Botucatu at a barra do Pardo ou, mais propriamente,

    ao Paranan-Itu, sob as ordens do Capito-Mor de Sorocaba, Jos de Almeida Leite, para

    articulaes com as bacias hidrogrficas dos rios Tiet, Paranapanema, Paran, Iguatemi

    e Prata, incentivando o povoamento do serto e sua defesa das pensadas incurses es-

    panholas.

    O Almeida Leite prestou contas do compromisso ao Morgado, dando-o por rea-

    lizado em 1772, sendo certo sua chegada margem do Paranapanema.

    3. As sesmarias ao longo dos caminhos

    O Vale do Pardo, no entanto, no foi apenas corredor de acesso entre a Serra Bo-

    tucatu e o Rio Paranapanema; documentos creditam-lhe grupos arranchados, desde que

    Joo lvares de Araujo, por volta de 1730, rumou "para o sul, costeando a serra e posi-

    cionando-se alm do Rio Pardo" (Donato, 1985: 44), beira do caminho religioso/bandei-

    rante e por onde haveria de passar, dcadas depois, a senda militar.

    Joo Pires de Almeida Taques, pelos anos de 1750, obteve sesmaria no Pardo

    "alm do dito rio no novo caminho que se abriu para a Praa de Iguatemy, em tempos

    povoados por Joo Alvares de Araujo" (Repertrio das Sesmarias, L. 19, fls. 121-v).

    Aluisio de Almeida, confirma os aparentados Joo Pires, Jos de Almeida Leme,

    e Antonio Pires de Almeida Taques, sesmeiros no Pardo abaixo, e que Antonio [Pires]

    de Almeida Taques, em 1770, beneficiara-se de terras margem esquerda do Rio Pardo

    (Repertrio das Sesmarias, L. 21, fls. 46).

    Documentos atestam que Claudio de Madureira Calheiros, em 1771 requereu ses-

    maria, adiante daquela do sogro Vicente da Costa Taques Goes e Aranha, a acompanhar

    o Turvo, margem esquerda, sua barra no Pardo (Repertrio das Sesmarias, L. 21, fls.

    70). Destarte, as sesmarias direita do Pardo "j estavam ocupadas por Vicente da Costa

    Taques (...), e por Francisco Paes de Mendona e Jeronymo Paes de Proena, c. 1779"

    (Pupo e Ciaccia, 1985: 23).

    Acima destes situavam-se Joo Alvares, Antonio Machado e os Pires, e da um

    vo at as terras sesmadas do citado Madureira Calheiros, do qual ciente Manoel Correa

    de Oliveira que, em 1780, pediu o cho entre aquelas sesmarias sobrando-lhe "as terras

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

    11

    do espigo entre o Pardo e o Turvo, at a barra deste naquele." (Pupo e Ciaccia, 1985: 22-

    23).

    O Repertrio das Sesmarias (L 21 fls. 100 e L 25 fls 82) ratifica os nomes daqueles

    relacionados sesmeiros margem direita do Pardo, e confirmadas, tambm, as sesmarias

    concedidas do espigo margem esquerda do Turvo, e do outro lado deste nenhuma

    sesmaria notada.

    Mais para o Vale Paranapanema, pela antiga Peabiru, existiu a Sesmaria das An-

    tas "em Lenis, onde hoje est a povoao da Ilha Grande [Ipaussu] no municpio de

    Santa Cruz do Rio Pardo" (Silva Leme, 1905: 403, vol. VI), originariamente concedida a

    Luiz Pedroso de Barros, aos 09 de dezembro de 1725, repassada a Jos Monteiro de Bar-

    ros, av materno do famoso sertanista Tenente Urias Emygdio Nogueira de Barros (1790-

    1882), que a recebeu por herana, estimada extenso de trs lguas de terras nos atuais

    municpios de Ipaussu e Chavantes Distrito de Irap (Tapi'irape: Caminho das Antas),

    com largura de uma lgua a partir da margem paulista do Paranapanema.

    Das fazendas e sesmarias adiante de Botucatu atestam-nas a 'Carta Provincial do

    Governo de So Paulo, de 12 de fevereiro de 1771', obrigando os moradores na regio do

    Pardo prestar ajuda, em tudo que deles necessitasse, o Capito Almeida Leme, na aber-

    tura da vereda militar, concluda em 1772.

    Dos restos de sesmarias, no comeo do sculo XX, residentes sorocabanos des-

    cendentes dos Pires anunciavam a venda de 4.000 alqueires de terra em Santa Cruz do

    Rio Pardo (Aluisio de Almeida, 1959: 255).

    4. A falncia dos empreendimentos

    Martim Lopes Lobo de Saldanha assumiu o governo paulista (1775/1782), como

    'Capito General', e optou pelo abandono de tudo quanto planejara ou realizara o Mor-

    gado, seu antecessor, em Botucatu e adiante da serra. Com o desamparo dos feitos as

    sesmarias no progrediram, as fazendas fracassaram e os arranchados, isolados e

    merc da crescente e ameaadora presena indgena, retiraram-se.

    Os ndios expulsos por Fiza, em 1770, retornaram mais ou menos dez anos de-

    pois, com seus descendentes e acrescidos de outros grupos e restos tribais, para formar

    numerosa e preocupante populao adversa ao progresso, postando-se nas encostas das

    serras, onde a geografia lhes facilitava os movimentos e tticas de combates, impedindo

    o expansionismo capitalista.

  • Celso e Junko Sato Prado

    12

    1780 Dos povos e naes indgenas

    O despovoamento branco adiante da Serra em direo ao Rio Paran incentivava

    chegadas de ndios, isolados ou em bandos, sobreviventes escorraados pelos fazendei-

    ros de diferentes regies.

    A populao indgena, a contar de 1780, crescera de maneira tal que, em 1835, j

    se dizia de infestaes nas morrarias e furnas das Serras de Agudos e de Botucatu, nos

    Vales do Pardo, Peixe, Feio/Aguape e do Batalha, alm do Paranapanema paulista.

    Deste modo, nas primeiras dcadas do sculo XIX todo o interior paulista, entre

    os rios Tiet e Paranapanema, adiante da serra barranca do Rio Paran, transformara-

    se num vazio desconhecido da civilizao, regio inspita e insalubre, habitado por ani-

    mais selvticos, enquanto os ndios movimentavam-se dentro desse espao geogrfico,

    escolhendo reas e por elas guerreando com os rivais, inclusive no Vale do Pardo san-

    tacruzense, aonde contadas algumas etnias.

    1. Caiu

    O Caiu, subgrupo identificado erroneamente por 'Caiu-Guarani', vivia nos es-

    piges e beiras de pequenos rios, ao longo do divisor Pardo/Turvo. 'Caa-wa' tem signi-

    ficado de 'o feio do mato', ou espinho, no sentido de imprestvel.

    H consenso que bandos distintos Caiu e Guarani, propriamente dito, tenham

    vindo do sul de Mato Grosso, Paran, leste do Paraguai e nordeste da Argentina, onde

    desapossados de seus termos procuraram segurana em terras do Planalto Ocidental

    Paulista, unindo-se aos destroos tribais no Pardo, aps 1835, depois de infausta que-

    rena pelos lados de Itapetininga e Itapeva.

    2. Xavante

    O Xavante ou Chavante tornou-se conhecido como 'ndio do cerrado', por signi-

    ficado vocabular indgena 'havante', embora inexista uniformidade grfica seno o

    aportuguesamento fonmico, admitindo-se 'havan' similar a 'savana', sinnimo de cer-

    rado, ento designao no indgena.

    Considerados Xavante todos os ndios banda Ocidental do interior paulista, no

    h unanimidade quanto a designao e origem, posto tais populaes confundidas com

    os 'Akun-Xavnte', da famlia J, do Brasil Central. Segundo o estudioso Egon Schaden,

    os denominados 'Xavante Paulista' constituam em verdade duas tribos diversas, as Ot

    e Opai (1954: 397).

    Justifica-se a denominao errada, a Carta Rgia de 05 de setembro de 1811, que

    autorizava a Guerra aos Xavante, entre outras naes especfica, pelos danos que supos-

    tamente causavam ao branco (Xavante: Panorama...), que ainda se fez prevalecer quando

    das penetraes das frentes pioneiras, em 1850/1851.

    Da a assertiva de Hercule Florence: "chamam-se Xavante a todos os ndios que

    aparecem na parte ocidental da Provncia de So Paulo e para la do Tiet." (1876: 375 R-

    1), e aos brancos, ento propositadamente, permitiram acometimentos preventivos aos

    Xavante, de origem ou no.

    2.1. Oti-Xavante

    O dito Oti-Xavante, escorraados dos lados de Bofete, por volta de 1840 assentou-

    se nos cerrados entre em alguns afluentes do Rio Turvo s duas margens.

    No se sabe quantos Oti-Xavante habitavam o serto quando da chegada de Jos

    Theodoro e seu grupo no incio de 1850, mas vinte anos depois, estavam reduzidos a

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

    13

    menos de quinhentos indivduos, reunidos em umas poucas aldeias de trinta a quarenta

    pessoas cada (Tidei Lima, 1978: 135).

    J alm dos anos de 1870, segundo Curt Nimuendaju, pelos lados de Conceio

    de Monte Alegre, em atual municpio de Paraguau Paulista, promoveu-se um massacre

    aos Oti "barbaramente assassinados sem distino de idade ou de sexo (...). difcil sa-

    ber-se o nmero de Otis chacinados (...). Afirma Jos de Paiva, que tomou parte no feito,

    que os cadveres estavam empilhados em grande quantidade." (Tidei Lima, 1978: 135 e

    136).

    2.2. Ofai-Xavante

    Segundo o mapa etnogrfico de Hermann von Ihering e os dados levantados por

    Curt Nimuendaju, depois por Darcy Ribeiro, os Ofai so classificados distintos dos

    Akuen e dos Oti (Tidei Lima, 1978: 41-A).

    Antigos sertanistas citavam presenas de ndios Ofai-Xavante na regio de Ja-

    guaret e Laranja Doce (Giovannetti, 1943: 58), compreendendo-se que o Ofai seja ori-

    undo do sul mato-grossense, de toda bacia inferior do Pardo e do sul do Mato Grosso,

    que entraram em terras bandeirantes por volta de 1910, perseguidos pelos fazendeiros

    instalados.

    Os Ofai-Xavante foram violentos e opositores ao avano dos brancos, adiante de

    Conceio de Monte Alegre, conforme "esto a testemunhar a rapida extino da tribo e

    as histrias das chacinas de que foram vtimas" (Darcy Ribeiro 1951, apud Tidei Lima,

    1978: 41-A e 42). Darcy Ribeiro conviveu por semanas com os ltimos sobreviventes

    Ofai, em 1948, ocupante das margens do Santo Anastcio (Tidei Lima, 1978: 41-A).

    Descendentes dos primeiros desbravadores regionais contam que as famlias

    Nantes, Botelho e Medeiros, entre outras, valeram-se dos prstimos de bugreiros como

    Joo Hiplito, Joo da Silva e Oliveira, Jos Theodoro de Souza Junior e o Coronel Fran-

    cisco Sanches de Figueiredo, para matanas de ndios, e faz-los refugiarem-se para alm

    dos rios Paranapanema e Paran, deixando livres as terras pretendidas. Em empreitadas

    do gnero foram exterminadas tribos inteiras de 'Xavante Paulista', Oiti e Ofai, inde-

    pendentes se pacficas ou no. - At recentemente Joo da Silva e Oliveira era tido, por todos os pesquisadores, cunhado

    de Jos Theodoro de Souza, pelo primeiro matrimnio, ou seja, irmo de Francisca Leite da

    Silva. No entanto, documentos comprovam a inexistncia desse cunhadio, e apenas Bernar-

    dino da Silva e Oliveira, irmo de Joo, foi casado com Theodora de Souza, filha de Joaquim

    Antonio de Miranda e Anacleta de Souza, esta irm do pioneiro mor.

    - Obviamente isto no exclui laos parentescos entre as respectivas famlias comprova-

    dos por documentos eclesiais (Igreja Catlica/SGU) e citaes em expedientes cartoriais

    (DOSP, 20/10/1939: 30).

    - Outrossim inegvel que Joo da Silva e Oliveira foi procurador de Jos Theodoro

    de Souza, por algum tempo e em muitas transaes de terras, por saber ler e escrever

    alm de confivel ao outorgante.

    3. Caingangue

    O Caingangue ou 'Caa-Caing', tambm grafado Kaingang, com significado 'gente

    do mato' (designativo xavante) e habitava matas fechadas s beiras dos rios maiores, na

    regio do mdio Paranapanema e o Pardo. Foi cognominado 'Coroado' pelo branco, em

    causa do corte de cabelo. Seria 'primo' do Xavante, com certa semelhana de fala, por

    isso do grupo 'Macro-J' para os especialistas.

    De origem controvertida, os grupos que se apresentaram no planalto ocidental

    paulista seriam oriundos das margens do rio Uruguai (Jorge Junior, 12/03/1969), com

  • Celso e Junko Sato Prado

    14

    presena no anterior ao ano de 1800, extremante resistentes aos brancos e belicosos com

    outras etnias.

    Nos ltimos anos do sculo XIX j no havia ndios selvagens no Planalto Oci-

    dental Paulista seno o Caingangue, e contra eles os brancos investiram em disputa de

    vasto territrio de 35 mil quilmetros quadrados, sendo 15 mil do Vale do Peixe e 12 do

    Feio/Aguape ainda ocupado por tribos daquela nao. Os outros oito mil quilmetros

    quadrados, no Vale do Batalha e Baixo Tiet aps a Serra de Agudos, nas denominadas

    Terras de Lenis at o Avanhandava e Itapura, tambm eram territrios Caingangue

    em disputa com os brancos.

    Entre 1907/1912 os Caingangue j no se apresentavam mais como unidade tribal,

    posto fracionado em grupos nmades independentes, ainda num imenso espao territo-

    rial. Aparentemente a fragmentao foi decorrente de estratgia dos brancos em isolar

    grupos e assim enfraquec-los, com resultado desastroso, pois que os Caingangues se

    tornaram muito mais perigosos, agindo cada grupo isoladamente, com extrema mobili-

    dade e grande capacidade de atacar de surpresa em diversas frentes contra os inimigos

    regularmente ordenados.

    De 1908 a 1911 as frentes de ocupao no mais conseguiam progredir dentro do

    territrio Caingangue, os trilhos da estrada de ferro no avanavam, os ataques indge-

    nas se tornaram cada vez mais frequentes e eficientes.

    Diante as dificuldades os empreendedores optaram negociar, tambm em aten-

    o s insistentes presses de grupos intelectuais, polticos e militares, alm de organis-

    mos internacionais, a culminar com a criao do Servio de Proteo ao ndio (SPI), sob

    direo do ento Coronel Candido Rondon, com a misso de evitar mais chacinas e apa-

    ziguar os Caingangue (Castelo Branco, 2004: 16/07), e ainda assim dizimados outros qui-

    nhentos ndios da etnia (Cruz, 2006: v. 6, n. 1/2/3, p. 39-45, texto por referncia ao traba-

    lho de Silvia Helena Simes Borelli, 1984: 70).

    Para maior eficcia de ao o SPI buscou grupos Caingangue pacificados da bacia

    do Tibagi e lnguas -linguars ou intrpretes, para ajudar nos contatos em 1912, desta-

    cada a clebre ndia Vanuire, a maior colaboradora na pacificao dos Caingangues pau-

    listas, dirigindo-se diretamente aos grupos indgenas espalhados, ou, da copa de gran-

    des rvores gritando-lhes pedidos de paz (Vanuire: Lenda da ndia, Museu ndia Vanu-

    ire, Tup - SP).

    Logo aps os primeiros contatos (1912/1913), metade dos Caingangue no Estado

    de So Paulo morreu de epidemia de gripal (KAINGANG: Enciclopdia Povos Indge-

    nas do Brasil, Histrico do Contato, 2001: 7, ref. Horta Barbozza), sobrevivendo "do con-

    tingente estimado em 4 mil (...) apenas 700" (Castelo Branco, 2004: 16/07).

    Os sobreviventes foram ento reduzidos em Icatu, hoje regio pertencente ao mu-

    nicpio de Brana, prximo de Araatuba, e depois o ndia Vanure [1917] em Arco ris,

    vizinhanas de Tup (SP). Os ndios aldeados em ndia Vanure no foram apenas os

    sobreviventes de grupos paulistas, e nem puramente Caingangue (Cruz, 2006: v. 6, n.

    1/2/3, p. 39-45), agora atacados por outros inimigos no menos impiedosos: doenas,

    como gripe espanhola e sarampo, contra as quais no tinham imunidade. "Em 1916 es-

    tavam reduzidos a 173" (Castelo Branco, 2004: 16/07).

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

    15

    Um absurdo: "Os ndios Kaingang paulistas chegam ao sculo XXI reduzidos a

    menos de duas centenas de indivduos confinados em espaos bem restritos" (Cruz,

    2006: v. 6, n. 1/2/3, p. 39-45).

    A estratgia que garantiu a eficcia da conquista final do territrio Caingangue,

    sem dvidas foi a de treinar e transformar grupos aldeados em intermedirios a servio

    dos conquistadores, e dos Caingangues, em torno de 4% sobreviveram a carnificina.

    4. Magotes ou os destroos tribais

    Desde a quebra da resistncia Caiu (1850/1858) com extermnio quase total, de-

    pois a dos Xavante (1870/1880) tambm com supresso, restos tribais transformados em

    grupos vagantes, incorporando pelos caminhos outros bandos afugentados, do Paran

    e Mato Grosso do Sul, para formar forte resistncia adiante do Capivara e em direo,

    ao Vale do Santo Anastcio, gradativamente medida da progresso sertaneja.

    Tais contados foram denominados Magotes ndios de diferentes etnias ou sem

    elas, como resduos populacionais unidos e propositados em conter o avano dos colo-

    nizadores, adotando regras de ataques preventivos com incurses s regies do Pari-

    Veado ou mesmo So Jos do Rio Novo Campos Novos Paulista.

    Quando os brancos chegaram para as ocupaes das terras paulistas, entre o Pa-

    ran e o Paranapanema, l encontraram "os indios pretos denominados Chavantes, os

    (Ouats), que moram nos campos, os Lainos, Camacosos, Quiniquinau, Coroados, Char-

    raos, e Botocudos, os quaes se escondem para que a civilizao no lhes penetre em seus

    territrios." (Domingos Jos Nogueira Jaguaribe Filho [Dr. Jaguaribe Filho], 'O Sul Pau-

    lista' Cartas II, 1885, apud Correio Paulistano Correio Paulistano, 13/12/1885: 1).

    Sobreviventes e at os Caingangues uniram-se aos destroos tribais no Santo

    Anastcio, como a ltima resistncia indgena supremacia branca.

    5. Dos autodenominados Tupi

    Tidos por especialistas como subgrupo Guarani os Nhandva, hoje aldeados em

    Ararib (referncia 2014), auto intitulam-se descendentes Tupi, j rejeitando as identifi-

    caes Tupi-guarani ou Caiu-guarani.

    Concordam Denise Monteiro de Castro e Marcos Garcia Neira, em 'Cultura Cor-

    poral e educao escolar indgena um estudo de caso': "e os Nhandva, que se autode-

    nominam 'Tupi-guarani' ou simplesmente Tupi'-." (Revista HISTEDBR On-line 2009:

    236), na verdade o vocbulo tem o significado de "-'todos ns' (todos ns ndios)" (Ro-

    drigues de Almeida, 2013: 6).

    Para Nimuendaju no h traos Tupi entre os Guarani primitivos no territrio

    paulista. Outrossim, exceto aos reconhecidamente miscigenados, errada a classificao

    Tupi-guarani, ou alguma lngua denominada tal, consoante em algumas literaturas, o

    que evidentemente no impede algum ndio bilngue.

    No entanto os Tupi passaram por tantos aldeamentos que no se pode mais,

    desde o final do sculo XIX, determinar algum representante seu de pura origem no ter-

    ritrio paulista, posto fruto de miscigenaes de brancos, negros, pardos, alm de outras

    etnias indgenas, exceo Caingangue. Os ndios, vistos no interior paulista no ltimo

    quartel do sculo XIX, quase no possuam pureza ou no representavam etnia confi-

    vel.

    Desde os tempos da Fazenda Jesutica Botucatu os padres incentivavam as mis-

    cigenaes entre brancos, negros e ndios, para a pretensa formao do homem brasileiro

  • Celso e Junko Sato Prado

    16

    ideal, como se pensava na poca, com a inteligncia do branco, a robustez de negro e

    indolncia do ndio.

    Depois, no sculo XIX viriam os aldeamentos institudos oficialmente na Provn-

    cia de So Paulo, e quase de imediato surgiram os primeiros ncleos de proteo ao n-

    dio, inicialmente em regies litorneas e prximos capital, depois, a pedido de Joo da

    Silva Machado Baro de Antonina, tambm no sudoeste paulista, sendo o primeiro

    deles na localidade de So Joo Batista do Rio Verde [futura Itaporanga], fundado com

    o mesmo nome em 1845, para o qual designado diretor o frei capuchinho italiano, Pac-

    fico de Montefalco, auxiliado por outros dois freis italianos, Galdncio [Gaudncio] de

    Gnova e Ponciano de Montaldo.

    Outros aldeamentos conhecidos, So Sebastio do Tijuco Preto, nas proximida-

    des da atual Piraju, em 1854; So Pedro de Alcntara, na localidade de Jataizinho - PR,

    em 1855; Aldeamento Pirap, tambm conhecido por Nossa Senhora do Loreto, ainda

    em 1855; o de So Jernimo da Serra em lugar de igual nome, no ano de 1859, situado s

    margens do rio Tigre um afluente do Tibagi; e o de Santo Incio, em 1862, e tambm, no

    mesmo ano, o aldeamento Itacor, em Salto Grande.

    Os Tupi primitivos eram caadores, inclusive de inimigos tribais, para os sacrif-

    cios ritualsticos onde a ocorrncia antropofgica. No opositores ao entradismo branco

    e at colaboracionistas, viram suas mulheres gerando mamalucos - das unies com bran-

    cos, e logo privados da essncia canibalesca de sua cultura. O canibalismo foi combatido

    exausto pelo clero e reinis, e os Tupi tornaram-se caadores de ndios para a escra-

    vizao requerida pelos colonizadores.

    Para Schaden (1954: 391) "Com toda razo aponta Charles Wagley (1951: 117) o

    fato que a eliminao da guerra e do sacrifcio dos prisioneiros, atravs da proibio

    rigorosa pelos portugueses, removia uma das motivaes centrais da cultura Tupi."

    Recentemente parte do grupo indgena do aldeamento Ararib, em Ava - SP,

    antes conhecido como Caiu-guarani, depois Nhandeva-guarani, agora autodenomi-

    nam-se Tupi, deslocou-se de Ararib rumo a Baro de Antonina e Itaporanga para reto-

    marem as terras entendidas suas, desde os tempos do aldeamento, e da qual entendiam

    expulsos pelos fazendeiros, na primeira dcada do sculo XX.

    Reconheceu-lhe os direitos a Constituio Federal de 1988, em seu artigo 231,

    para "(...) sua organizao social, costumes, lnguas, crenas e tradies, e os direitos ori-

    ginrios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo a Unio demarca-las,

    proteger e fazer respeitar todos os seus bens."

    Parte dos Nhandeva permaneceu em Ararib, confinada entre os Terena, con-

    forme reclamaes, e requer terras na antiga localidade de So Domingos, consideradas

    devolutas e de seus antepassados que l habitaram.

    Os autores foram procurados por representantes Nhandeva, de Ararib, para ob-

    tenes de documentos que possam atestar-lhes passagens pelas regies de Santa Cruz

    do Rio Pardo e Domlia - Distrito de Agudos, inclusa a extinguida So Domingos.

    Os Nhandeva fundamentam-se numa lenda contada pela matriarca, que em 1808

    os antepassados deixaram Baro de Antonia e Itaporanga, rumo ao Batalha na regio de

    Bauru. Parte chegou e parte teria ficado pelos caminhos, em So Domingos. Dos que

    chegaram, logo convencidos por Nimuendaju, aldearam-se em Ararib, criado em 1910

    e ativo a partir de 1912.

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

    17

    1808 Reconhecimentos historiogrficos

    1. O capitalismo contido no alto da Serra Botucatu

    Aonde viria ser Botucatu havia um povoado ou arranchamento conhecido por

    Nossa Senhora das Dores no Cimo [ou em Cima] da Serra, coisa pouca, habitado famlias

    de pequenos posseiros. O lugar, consta, fundado por Simo Barbosa Franco, e citado em

    1779 contando "apenas 7 fogos ou casas, com 48 moradores, incluindo-se os chefes de

    famlia, suas mulheres, filhos, agregados e escravos" (Almeida Pinto, 1994: 23)

    Em 1808 o Capito Jos Gomes Pinheiro [Vellozo] teria chegado regio dimen-

    sionando terras e, em 1816 j adquirido a antiga sesmaria do Capito Joo Pires de Lara

    (nome modificado para Joo Pires de Almeida Taques), e a seguir anotado demandador

    contra pequenos posseiros instalados na propriedade. Se no Cimo da Serra os arrancha-

    dos davam-se bem com os ndios, o mesmo no acontecia com os intrusos que o Capito

    pretendia instalar, e nem com os demais fazendeiros divisos.

    Poltico liberal em Itapetininga, o Capito Gomes Pinheiro reivindicava apoio do

    governo paulista para conter os perigos indgenas que ameaavam os fazendeiros e fa-

    mlias trabalhadoras na serra. O atendimento, caso ocorresse, significaria a autorizao

    para o avano armado, como medida preventiva, sobre tribos indgenas; e no o conce-

    der seria expor os brancos sanha dos selvagens.

    A tenso sobrecarregou-se com a edio da Lei Imperial de 27 de outubro de 1831,

    revogando as disposies das antigas Cartas Rgias nas partes que permitiam declarar

    guerra aos ndios, ainda que preventiva, at o extermnio se necessrio, e a servido dos

    capturados.

    Com a poltica indigenista ento afeta ao poder central, o governo paulista no

    demonstrava qualquer interesse com fundaes de povoados ou expanses territoriais

    civilizadas na regio e adiante dela, menos ainda nos investimentos em infraestruturas

    de sobrevivncia ou na colonizao exploratria.

    A ateno provincial mantinha-se para os lados da Mantiqueira e Vale do Paraba

    onde prsperas a cafeicultura para exportao, enquanto para interior propriamente dito

    os investimentos maiores destinavam-se s regies de Araraquara e Ribeiro Preto, onde

    a importncia da criao de gado e as primeiras lavouras de caf.

    O avano entre os rios Tiet e Paranapanema, portanto, preocupava to somente

    aos fazendeiros da serra, e isto deveria ocorrer sem a presena ordenadora do governo

    paulista que no possua condies ou vontade em manter medidas de segurana para

    evitar o chamado perigo indgena, no avalizava a retirada dos ndios e nem se prestaria

    para mediar conflitos.

    Pesava que o extermnio indgena, ou sua escravizao, no estava bem visto in-

    ternacionalmente, e sobre o Brasil pesavam presses e sanes econmicas nada interes-

    santes para o comrcio exportador, principalmente do caf. Oficialmente, pela citada Lei

    de 1831, os ndios estavam declarados rfos e tutelados pelo Imprio, que deveria ento

    protege-los em aldeamentos, ou de qualquer maneira evitar massacres.

    Para os fazendeiros, no entanto, o sistema de aldeamento precisava ser repen-

    sado, pois o aldear os naturais sem retribuies ou obrigaes de prestaes de servios

    compulsrios gratuitos, seria o mesmo que acometimento pacfico por forar os propri-

    etrios e a populao contriburem com a manuteno indgena.

  • Celso e Junko Sato Prado

    18

    Os selvagens no apenas incomodavam como tocaiavam e matavam os brancos

    com extrema crueldade, empalando, crucificando, degolando e esquartejando corpos de

    maneira a causar terror entre as famlias desbravadoras. Adotaram tambm mtodos de

    luta dos brancos, transmitindo tticas de combate, como no se defrontarem com o ini-

    migo em campo aberto, preferindo as matas onde mais facilmente se abrigavam dos ti-

    ros, alm da facilidade por ataques surpresas ou combates corpo a corpo, cientes que

    suas flechas eram quase sem efeito contra as protees que os brancos usavam sobre o

    corpo, os escupis e couras, ou pelas corridas ziguezagues que praticamente lhes impe-

    diam fixar o alvo.

    Outro eficiente sistema indgena era chegar, pelas matas, em grupos diversos, at

    onde estavam os brancos e ali atac-los de surpresa para assim impedir-lhes os avanos

    at as aldeias. Apesar das tantas tentativas, os brancos no conseguiam avanar serto

    dada a feroz resistncia indgena encarnada nos Caiu, pelos lados de Itatinga e Avar;

    os brancos, quando no trucidados, fugiam.

    Apenas cinco fazendeiros conhecidos insistiam permanecer no alto da serra: o

    Capito Apia Igncio Dias Baptista, o Capito Joaquim Gabriel de Oliveira Lima, o

    Jos Inocncio da Rocha, o Capito Jos Gomes Pinheiro Vellozo, e um tal Marques cuja

    propriedade assumida, por volta de 1832, pelo tropeiro Joaquim da Costa Abreu, mi-

    neiro de Silvianpolis, com interesses em Araraquara, no Bairro do Jacar.

    Praticamente desconhecido na histria, Joaquim da Costa Abreu era casado com

    Floriana Maria Marques, filha natural de Antonia Maria de Jesus, sendo certo herdeira

    de Joo Marques, sesmeiro agrupado a outros na regio botucatuense, e dono de posses

    tambm para os lados de Araraquara, no Bairro do Jacar. As terras do Marques, conhe-

    cidas por Costa Abreu, atingiam o Rio Claro, afluente do Pardo.

    Costa Abreu sabia dos vos entre as sesmarias e as terras devolutas que podiam

    ser apossadas na serra, sem comprometimentos maiores, a partir das divisas do Capito

    Gomes Pinheiro, e ento o notvel acordo entre eles para as ocupaes, as matas para

    Costa Abreu e os campos para o Capito, que enxergara em Costa Abreu o homem certo

    para a arredar ou, se preciso, exterminar o selvagem, da de melhor agrado consentir-lhe

    a ocupao das matas.

    Com o acordo selado Costa Abreu de imediato trouxe dezenas de famlias minei-

    ras interessadas em povoar o serto e trabalhar a terra, instalando-as nos arredores do

    povoado Nossa Senhora das Dores no Cimo da Serra, para cujo patrimnio doara, infor-

    malmente, poro maior de terras para melhor acomodar a populao chegante.

    Costa Abreu apossou as terras que lhe cabiam no acordo, doou informalmente

    poro ao patrimnio de Nossa Senhora das Dores no Cimo da Serra, e em 1839 trouxe

    famlias diretamente do sul-mineiro e aquelas por ele j interiorizadas no territrio pau-

    lista, para trabalhar a terra, "a mineirada dos Costas" (Almeida Pinto, 1994: 29), e Euzebio

    era o representante do irmo (Donato, 1985: 55).

    O sucesso de Costa Abreu em expulsar os ndios e garantir fortaleza atraiu outros

    fazendeiros. O agricultor Pedro Nardes Ribeiro ou Pedro Ribeiro Nardes deixou Itapeti-

    ninga, em 1834, para estabelecer-se com a famlia e agregados s margens do Ribeiro

    Grande, nas cercanias de Aimors, atual municpio de Bauru. Depois Nardes desceria

    para o Rio Grande do Sul para l crescer a sua famlia.

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

    19

    Os sorocabanos Procpio Jos de Mattos e Domingos Palmeira, em 1835, avana-

    ram adiante da Boa Vista - antiga Fazenda Jesutica - e apossaram terras das quais des-

    tacada a Fazenda Palmeira.

    Tambm Igncio Dias Baptista - o Capito Apia, mesma poca senhoreou-se

    de terras, campos e matas, desde as nascentes e vertentes dos Ribeires So Domingos e

    Forquilha aos respectivos despejos no Turvo, e nos lugares estabeleceu os arranchamen-

    tos Forquilha e So Domingos, depois bairros rurais, e So Domingos tornou-se fortaleza

    e sentinela sertaneja antes de ser elevada condio de parquia eclesistica e freguesia.

    O Capito Gomes Pinheiro igualmente avanou conquistas adiante da Serra de

    Botucatu, e em seu nome registradas terras na regio de Bauru confinantes ao Nardes

    (IBGE/EMB Vol. XXVIII, Bauru, 1965: 132-133).

    A despeito das exitosas campanhas de Costa Abreu, no se exclui violentas rea-

    es indgenas. O Capito Apia [Igncio Dias Baptista] foi capturado, morto e crucifi-

    cado em 1838, e outros fazendeiros j haviam experimentado as agruras nas mos do

    inimigo que, habilmente subia a serra para os ataques impiedosos, e regressava para as

    fraldas onde se faziam imbatveis.

    De outra maneira, no tardou o desentendimento entre Costa Abreu e Gomes

    Pinheiro, este acusando aquele de investir sobre suas terras, mudando divisas e a can-

    cela, e entre eles a clebre 'contenda da porteira' que os zelosos de Costa Abreu defende-

    ram a bala impingindo derrota ao bando do Capito.

    Insatisfeito o Gomes Pinheiro entrou em juzo para reaver pressupostos direitos,

    mas Joaquim da Costa Abreu morreu antes da deciso, no ano de 1840, e em seu lugar

    assumiu o irmo Euzebio da Costa Luz, poltico conservador.

    A ideao poltica do Capito Gomes Pinheiro levou-o partcipe na Revoluo

    Liberal de 1842, em Sorocaba, e l encontrava-se o adversrio conservador Euzebio da

    Costa Luz, e neste incidente histrico, o mineiro Jos Theodoro de Souza, futuro con-

    quistador do serto, reagiu fora e libertou Costa Luz.

    Fracassada a Revoluo, Gomes Pinheiro refugiou-se numa de suas fazendas, em

    Botucatu, ao alcance de Costa Luz e ver-se forado renunciar a ao judicial e celebrar

    acordo, no qual doaria uma poro de terras para criao do patrimnio e futura fregue-

    sia, onde o bairro Nossa Senhora das Dores de Cima da Serra, com mudana do nome

    da padroeira para Santa Anna de Cima da Serra [de Botucatu], para uns, singela home-

    nagem do Capito esposa Anna, embora a mulher de Euzebio tambm se chamasse

    Anna.

    A histria ratifica o poder de Costa Luz, quando o conservador Dionizio Pereira

    da Silva, assassino do Senador Padre Jos Bento Ferreira de Mello, entre Pouso Alegre e

    Ouro Fino MG, deixara a provncia mineira para colocar-se sob a proteo do manda-

    trio em Botucatu. Dionizio at fora preso, porm resgatado numa ao ordenada e a

    seguir orientado refugiar-se para os lados Itarar/Paranapanema, onde viveu em segu-

    rana por trs dcadas at ser recapturado (Correio Paulistano, 06/11/1887: 2), aparente-

    mente denunciado por sua concubina no serto.

    Com a anistia imperial de 1844 e a formao de um Ministrio Liberal, Gomes

    Pinheiro ergueu-se contra Costa Luz intentando como novos mandatrios em Botucatu,

    o Joo da Cruz Pereira e o Felisberto Machado, representantes liberais e encabeadores

  • Celso e Junko Sato Prado

    20

    de abaixo assinado pleiteando que lugar fosse elevado condio de freguesia. O pr-

    prio Gomes Pinheiro, Vereador em Itapetininga pelo Partido Liberal, no ano de 1845

    assumiu a subscrio e requereu criao da freguesia em sucessivas reivindicaes con-

    forme atas daquele Legislativo, e aos 19 de fevereiro de 1846, o Presidente da Provncia

    de So Paulo, Manoel da Fonseca Lima e Silva, enfim sancionou a lei n 283, elevando a

    freguesia o Distrito de Cima da Serra de Botucatu, sob a invocao de Santa Anna, lugar

    depois denominado Botucatu.

    Mas, Costa Luz ainda se sustentaria mandatrio por alguns anos, aparentemente

    mais interessado em povoar o serto, trazendo famlias inteiras de Minas Gerais com os

    principais bugreiros: Bicudo, Cardoso, Chaves, Cunha, Dultra, Dutra, Dutra Pereira, Fer-

    reira, Leite, Leme, Lima, Machado, Moraes, Moreira, Moreira Silva, Nunes, Oliveira, Or-

    tiz de Oliveira, Pereira, Pontes, Reis, Santos, Silva, Soares, Soares Monteiro e a Souza, na

    qual inclusos Antonio e o irmo, pioneiro-mor, Jos Theodoro de Souza.

    Documentos eclesisticos, a partir de 1847, confirmam algumas daquelas famlias residentes

    na ento Provncia de So Paulo, em aguardo nas principais cidades, vilas ou freguesias ditas

    civilizadas como Araraquara, Botucatu, Brotas, Dois Crregos, Ja e So Domingos.

    Apenas em 1849 Costa Luz deixou o poder em Botucatu, ou dele apeado, e o

    Capito Tito Correa de Mello assumiu o mando, tambm como herdeiro do sogro Gomes

    Pinheiro, morto no ano anterior.

    Ao ensejar a conquista do ltimo rinco inculto da provncia paulista, Costa Luz

    ou s suas ordens teria feito esquadrinhar o serto, das dimenses de Holanda, para

    saber onde localizadas as aldeias, os nmeros de seus guerreiros, os acidentes geogrfi-

    cos, os caminhos e, at, os usos e costumes do povo a sofrer as ofensivas, apresentando

    assim a possibilidade de ataques relmpagos, quase simultneos, em toda a regio a ser

    ocupada, conforme viria acontecer.

    Considere-se nisto o uso de ndios mansos para levantamentos, aliados ao costume do selva-

    gem no atacar passantes, situaes de valia para os observadores.

    2. Das verdades sobre a conquista sertaneja

    A oficialidade botucatuense, em 1889, quando j mortos ou decrpitos os princi-

    pais nomes da conquista sertaneja, determinou verso histrica do lugar centrada nas

    figuras do Capito Jos Gomes Pinheiro Vellozo e do seu genro, o tambm Capito Tito

    Correa de Mello, que em maior parte foi o responsvel pela variante imposta.

    Depreende-se das tradies que o Capito Jos Gomes Pinheiro Vellozo foi o fun-

    dador de Botucatu, enquanto o Capito Tito Correa de Mello o nome principal do des-

    bravamento do serto adiante, variantes que no mais se sustentam.

    Historiadores afirmam que Gomes Pinheiro desejava desde antes povoar o serto

    e, em 1842, quando de seu esconderijo na Fazenda Monte Alegre, escrevera ao 'amigo'

    Jos Theodoro de Souza "Que viesse ver as terras da serra. Garantia que no ia se arre-

    pender" (Marins, 1985: 25). Mas no existe registro que o bandeirante tenha recebido

    qualquer carta ou atendido convite do Capito, menos ainda que fossem amigos.

    Tito, por sua vez, quando feito mandatrio em 1849, coincidentemente teria en-

    viado carta ao 'compadre' Jos Theodoro de Souza, convocando-o reunir bando, deixar

    Minas Gerais e vir urgente ao serto para dar combate aos ndios. A verso trata-se de

    lenda duplicada.

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

    21

    Tenor afirma que o Capito Tito, naquele ano "decidiu-se chamar seu irmo de

    forja, Jos Teodoro de Souza, que morava em um pequeno stio na cidade de Pouso Ale-

    gre, na Provncia de Minas Gerais, atravs de uma carta com muitas promessas de ri-

    queza." (Memoriais - Tito Correa de Mello, 05/06/2002).

    Para Donato, Theodoro "foi dos primeiros a atender o chamado de Tito Correia

    de Mello que, acenava com posses em terras riqussimas 'sem dono '-" (1985: 110).

    Marins, no romance historiogrfico Claro na Serra, descrevendo personagens,

    no titubeou apontar que o Capito, representando os fazendeiros, convocara por carta,

    em 1849, o mineiro Jos Theodoro de Souza para vir ao serto combater ndios, garan-

    tindo-lhe o remetente por recompensa torn-lo "dono de meio mundo naquele serto,

    que comeava na serra" (1985: 45).

    Todavia, mesma maneira acontecido com a carta do Capito Gomes Pinheiro,

    ainda no localizada nenhuma prova deste novo chamamento, seno o testemunho do

    prprio Capito Tito, em seus relatos de 1889, ao avocar para si a convocao do "com-

    padre Jos Teodoro de Souza, que vinha Botucatu a meu chamado" (Moreira da Silva,

    in IBGE/EMB Volume XXVIII Avar 1965: 99-100), porm no a datou.

    Ora, no ano de 1849 o Jos Theodoro de Souza e sua mulher dona Francisca Leite

    da Silva j residiam em Botucatu, declarados fregueses aos 02 de julho daquele ano, pre-

    sentes num batizado da famlia Nolasco (Botucatu, Livro 1849/1856, 02/07/1849: 26).

    Mencionado livro o primeiro conhecido para assentos eclesiais exclusivamente botucatuen-

    ses, sendo os registros anteriores, pelos padres visitadores, levados para suas respectivas pa-

    rquias, principalmente a de Itapetininga, cabea da vigararia regional.

    Desta maneira desde quando morador em Botucatu, Theodoro teve oportunida-

    des de encontros e acertos com o Capito Tito, sem necessidades de cartas convocatrias

    para combinaes de planos como faz crer Moreira da Silva (Op.cit. 1965: 99-100).

    De outra forma, tratando-se de Tito como mandatrio at improvvel que Theo-

    doro no o consultasse, ou, a considerar o interesse do Capito, frente dos fazendeiros,

    pela empreitada de Theodoro, igualmente difcil que Tito melhor no se informasse com

    o pioneiro-mor.

    3. A Guerra ao ndio

    Theodoro iniciou a incurso sertaneja antecipando-se Lei [Imperial] de Terras,

    n 601, de 18 de setembro de 1850, num momento que o governo 'cedia' aos conclamos

    dos fazendeiros, com ato permissivo de represso aos ndios vagantes e hordas selva-

    gens.

    Numa brecha legal ou regra de interpretao, o Decreto Imperial n 426, de 24 de

    julho de 1845 'Regulamento das Misses', reconhecia o direito de posse ou usufruio

    de terras aos ndios aldeados, dentro dos limites da Misso, mas no aos ndios selva-

    gens e aqueles recalcitrantes ao aldeamento, e, ento, o avano do branco podia ser jus-

    tificado, pois tais hordas impediam o progresso e colocavam em risco as famlias traba-

    lhadoras.

    De outra forma, no havia aldeamento indgena adiante de Botucatu, e o de So

    Sebastio do Tijuco Preto Piraju, apenas seria implantado em 1854.

    O bandeirante apresentou-se frente de verdadeiro exrcito, com cerca de mil

    homens, conforme inferido num documento de junho de 1851 (DAESP/BT, 22/02/1851:

    1, Caixa 40, Pasta 1), com o duplo propsito em fazer a extirpao tnica e a imediata

    ocupao das terras.

  • Celso e Junko Sato Prado

    22

    Theodoro dividira sua tropa em frentes ou colunas fortemente armadas, com l-

    deres postos e instrudos para as aes predatrias. Os comandos receberiam suas pagas

    em pores de terras e as fracionariam para os comandados, alm das partes que seriam

    postas a vendas e os lotes destinados aos povoados.

    Moreira da Silva (1965: 99-100) descreveu o incio do etnocdio a partir de Avar,

    onde exterminados ou expulsos os Caius e Botocudos, numa guerra sangrenta "que

    preparou o terreno para a chegada dos histricos fundadores da cidade de Avar, o ma-

    jor Vitoriano de Souza Rocha e o alferes Jos Domiciano Santana." (Franzolin e Silva Ju-

    nior, Jornal Sudoeste do Estado, Avar-SP).

    No entanto o Capito Tito, em 1889, colocando-se lder da empreitada minimiza-

    ria a tarefa:

    "De volta de sua excurso nas terras dos ndios Caiu e Botocudos, Jos Teodoro de

    Souza, que chefiava o bando de 'posseiros' consultou-me se devia conservar o nome

    dado pelos selvagens aos rios e morros encontrados, bem como aos campos, ao que

    retorqui ser melhor dar-lhes nomes novos, de acordo com a nossa linguagem. E en-

    to ficou combinado o registro das posses efetuadas." (Moreira da Silva, op.cit. 1965:

    99-100).

    Francisco Marins, a seu tempo, anunciava a consequncia do acontecimento: "Os

    pioneiros, pondo p de apoio na serra, invadiam o serto e iam fazendo nascer os povo-

    ados de Avar, Lenis, Santa Brbara do Rio Pardo, Timburi, So Manuel." (1985: 46).

    Das razias e dadas cometidas contra os ndios, em 1861, contaram horrores pra-

    ticados:

    "(...) pellos bugreiros, e de maneira que foi totalmente destruido, sendo os ho-

    mens balla, e as mulheres e crianas a faca, com o nico fim de apropriarem os

    optimos terrenos, que desgraados occupavo, os quaes com a mania de novas

    posses os seos conquistadores vendero por pouco mais de nada, para levarem

    mais longe a devastao." (DAESP/BT, Caixa 39, Doc. 41-B, Pasta 2: 0225-0226).

    Mas, no h de se falar em conquista territorial sem a presuno da resistncia

    indgena. O memorialista Dantas confirma que "Houve lutas ferozes dos ndios contra

    os exploradores e colonizadores, (...) e com violentos massacres e represlias recprocas"

    (1960: 40).

    O objetivo dos conquistadores "era tornarem-se realmente senhores da rea que

    o registro lhes attribuiu, consentissem ou no os donos primitivos (...) encarniada a

    lucta e s teve fim depois que os selvagens foram completamente exterminados." (No-

    gueira Cobra, 1923: 48).

    Fragmentos histricos mostram o lado cruel dessa atividade exercida pelo pio-

    neirismo, avocado ao processo da dizimao indgena para ocupao territorial e de pro-

    duo, conforme exigncias do capital e interesses do estado.

    Por onde passava, Theodoro, frente do grupo, era visto como "matador de n-

    dios (...) armado de trabucos e enormes faces, foices e outras armas (...). Os silvcolas

    fugiam em debandada, deixando tudo a merc dos invasores, inclusive cadveres"

    (Chitto, 1972: 23). Donato qualificou-o de "impiedoso conquistador, feroz perseguidor

    de ndios." (1985: 110).

    No Turvo o avano dos bugreiros foi traumtico, com as aes de Francisco [de]

    Pontes "que fez barbaridades com os ndios de So Pedro do Turvo?" (Marques Padre,

    2009: 26).

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

    23

    No Vale do Pardo santacruzense as atrocidades no foram menores. Relatos

    ainda do sculo XIX no deixam dvidas que Manoel Francisco Soares, posseiro primi-

    tivo, muito combateu "a horda de indgenas ferozes, que infestaram estas paragens" (Al-

    manach da Provincia de So Paulo, 1887: 541).

    A empreitada ocorreu num curto espao de tempo, a contar de 1850, quando tri-

    bos inteiras exterminadas e os ndios sobreviventes arredados, e entre maio e junho de

    1851 j se discutia a elevao da primeira Capela sertaneja, aonde a atual Lenis Paulista

    (DAESP/BT, Caixa 40, Pasta 1, 22/07/1851: 1), porm a escolha poltica e eclesistica re-

    cairia sobre So Domingos, localidade mais antiga e melhor centralizada.

    Com a concluso que nenhuma posse foi mansa e pacfica, e nem poderia ser,

    porque impossvel imaginar a retirada indgena sem reaes, compreende-se que a mis-

    so de Jos Theodoro de Souza no foi apenas 'povoar o serto do Paranapanema', mas

    exterminar os ndios, tomar-lhes as terras e entreg-las 'limpas' civilizao.

  • Celso e Junko Sato Prado

    24

    1849 Jos Theodoro de Souza o ltimo bandeirante

    1. A famlia

    Jos Theodoro de Souza, filho de Joo de Souza Barboza e de Maria Theodora do

    Esprito Santo, nascido em Juruoca [Aiuruoca] MG, batizado na Capela do Senhor do

    Porto do Turvo, aos 27 de maio de 1804, teve por padrinhos Manoel Joaquim da Silva e

    Margarida de Souza. Com a idade de dezenove anos casou-se com Francisca Leite da

    Silva, aos 07 de fevereiro de 1823, em Camanducaia, MG, sendo ela nascida em Campa-

    nha, MG, batizada a 1 de dezembro de 1801, filha de Joo Tavares da Cunha e Anna

    Maria do Nascimento.

    O casal teve filhos e filhas relacionados no inventrio do pioneiro (1875) e assen-

    tos eclesiais:

    -Francisco Sabino de Souza: nascido em 07 e batizado aos 21 de agosto de 1825 (Ecle-

    sial, Capela do Alambari, Camanducaia MG, Livro 1823/1831: 45), casado com Ma-

    ria Francisca do Carmo.

    -Flausina [Frazinda] Maria de Souza, nascida aos 02 e batizada em 20 de julho de

    1828, em Cambu MG (Eclesial, Batismos, Camanducaia, MG. Livro 1823/1831:

    117), casada com Josu [ou Jos] Antonio Diniz.

    -Maria: nascida aos 26 de dezembro de 1829 e batizada aos 03 de janeiro de 1830, em

    Capivari, MG (Eclesial, Batismos, Camanducaia, MG, Livro 1823/1831: 148), possi-

    velmente tratar-se de Maria Theodora de Souza, tambm conhecida por Maria The-

    odora do Esprito Santo, casada com Francisco de Paula Moraes.

    -Jos Theodoro de Souza Junior, nascido aos 22 e batizado aos 30 de abril de 1836

    (Eclesial, Batismos Consolao, MG, Livro 1836/1855: 9), casado com a prima Mari-

    anna de Souza Pontes.

    -Agostinha Maria [Teodora] de Souza: casada com Jos Igncio Pinto (I/JTS, 1875: 7).

    Theodoro e Dona Francisca tiveram, ainda as filhas, Leopoldina, nascida aos 09

    e batizada aos 20 de novembro de 1831 (Batismos, Capivari/Camanducaia, MG,

    1823/1831: 190); Balbina, nascida aos 25 de maro e batizada em 08 de abril de 1833 (Ba-

    tismos, Consolao, MG, Livro 1833/1866: 9); e Anna nascida aos 21 de maio e batizada

    aos 29 de maio de 1835 (Eclesial, Batismos, Consolao, MG, Livro 1833/1866: 26). Ne-

    nhuma delas teve histria registrada no serto e nem descendentes citados no inventrio

    do pioneiro.

    Dona Francisca faleceu aos 16 de dezembro de 1868, e o sertanista, enviuvado,

    casou-se em 1871 com Anna Luiza de Jesus (DOSP, 20/10/1939: 34), nascida aos 20 de

    janeiro de 1857 (Eclesial, Batismos/Botucatu, L 1856/1859: 21), filha de Manoel Jos de

    Jesus e dona Maria Luiza da Conceio (Nogueira Cobra, 1923: 64). De Jos Theodoro de

    Souza e Anna Luiza de Jesus nasceu Jos Luiz de Souza, aos 23 de junho de 1875.

    So conhecidos os irmos e irms de Jos Theodoro de Souza, todos com histria

    no serto, assim como outros aparentados seus e familiares de Dona Francisca Leite da

    Silva e de Dona Anna Luiza de Jesus, as duas mulheres do pioneiro.

    2. As posses

    Jos Theodoro de Souza estabeleceu-se no serto em junho de 1851, imediata-

    mente aps a Guerra ao ndio (1850/1851), assentando seus principais homens no Turvo,

    Pardo e Paranapanema, estrategicamente, como chefes bugreiros para garantias e cuida-

    dos iniciais do serto, e tambm repassou partes combinadas aos envolvidos na con-

    quista sertaneja, conforme graus de participaes, para ento dimensionar as terras, con-

    ferir divisas e reconhecer os rios, tributrios paulistas do Paranapanema.

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

    25

    Ardilosamente Theodoro promovera quatro registros paroquiais de suas terras,

    sob os nmeros 516, 518, 519 e 520, sendo o primeiro conhecido como 'a grande posse'.

    Com a propositada diviso o declarante indicava outros posseiros na regio, como arti-

    fcio para adequaes Lei das Terras, demonstrando o serto j habitado, e cada con-

    frontante, no seu respectivo assento, declararia as mesmas e outras vizinhanas como

    provas de moradia habitual. No sem razes os divisantes iniciais eram todos parentes,

    bugreiros e aqueles vinculados pelo compadrio.

    Foram os seguintes registros em nome de Jos Theodoro de Souza:

    -Registro Paroquial de Terras n 516: "Principiando esta divisa no barranco do Rio

    Turvo, barra do Correguinho da Porteira, divisando com os herdeiros e meeira de

    Jos Alves de Lima, e cercando as vertentes com quem direito for at encontrar terras

    de Jos da Cunha de tal at atravessar o rio Pardo, por outro lado at o espigo fra

    com quem direito for at cahir no mesmo barranco do Paranapanema, por este

    abaixo at frontear a barra do rio Tibagy, e daqui cercando as vertentes desta agua

    que se acha dentro deste crculo at encontrar-se com terras de Francisco de Souza

    Ramos, daqui descendo at o barranco do So Joo, por elle abaixo at sua barra no

    Turvo, por este acima at encontrar com a barra do Correguinho da Porteira donde

    foi o princpio e finda esta divisa." (RPT/BT n 516: 168-v).

    -Registro Paroquial de Terras n 518: "Principiando no lado de cima divisando com

    Messias Jos de Andrade, e pelo alto, com quem direito for at encontrar com terras

    de Manoel Alves dos Reis, e pelo espigo abaixo com o mesmo Alves at o rio, e pelo

    veio do rio acima at encontrar o princpio desta divisa." (RPT/BT 518: 170-v).

    -Registro Paroquial de Terras n 519: "Principiando na barranca do rio So Joo e

    seguindo por um espigo divisando com Matheus Leite de Moraes e rodeando as

    vertentes de um brao do So Joo at encontrar com terras de Francisco de Souza

    Ramos, at o veio do rio So Joo e por este acima at onde principia e finda esta

    divisa." (RPT/BT 519: 170-v).

    -Registro Paroquial de Terras n 520: "Principiando esta divisa no barranco do rio

    So Joo defronte de um pau de cabina aonde faz ponto de divisa com Francisco

    de Souza Ramos at encontrar com terras de Joo Vicente de Souza daqui seguindo

    por um espigo dividindo com o mesmo Souza at encontrar com terras de Manoel

    Joaquim da Cunha at a barranca do rio So Joo e por este acima at encontrar com

    terras de Anastcio Jos Feliciano, divisando com Jos Antonio Diniz at encontrar

    com terras de Francisco de Souza Ramos onde fez princpio e finda esta divisa."

    (RPT/BT 520: 171-a).

    O Registro de n 517 foi emitido a favor do posseiro Jos Joaquim de Faria, no

    Ribeiro de So Joo afluente do Turvo.

    Consta naquele mesmo 31 de maio de 1856, que:

    "Jos Theodoro de Souza obtm semelhante registro paroquial [de terras] junto ao

    vigrio Modesto Marques Teixeira, de Botucatu (ento, uma vila), para a vastssima

    rea entre a cidade de Bauru e as margens do rio Paran. O registro denomina a rea

    Fazenda Rio do Peixe, ou Fazenda Boa Esperana do Aguape" (Silva, 2008: 34).

    Os historiadores, quase todos, nada sabem ou pouco mencionam Jos Theodoro

    de Souza nesta transao, ou que ele fosse titular de terras em regies de Bauru, todavia

    documentos oficiais confirmam Theodoro na regio do Rio Batalha, dando combate aos

    ndios.

    Documento do Juzo Municipal de Botucatu ao Presidente da Provncia de So

    Paulo, datado de 23 de agosto de 1861, denunciava que em Bauru, "esta imensa rea na

  • Celso e Junko Sato Prado

    26

    sua quase totalidade tem sido apropriada e vendida por Jos Theodoro de Souza e pelos

    irmos Francisco e Antonio de Campos" (Carta de 03/09/1861, do Juiz Municipal de Bo-

    tucatu, Filippe Correa Pacheco, Presidncia da Provncia se So Paulo, DAESP/BTCT,

    Doc. 41-B, Pasta 2: 0225-0226).

    As posses de Theodoro eram todas livres de ocupaes primrias e nelas no ha-

    via sinais de entradas e assentamentos de explorao, a no restar dvida ser ele o pri-

    meiro branco a entrar nelas e apropriar-se, sendo o fundador das atuais localidades de

    So Pedro do Turvo, Campos Novos Paulista Estncia Climtica, e Conceio de Monte

    Alegre no atual municpio de Paraguau Paulista. Consta ainda reconhecido desbrava-

    dor, porm no o instituidor das paragens de guas de Santa Brbara Estncia Hidro-

    mineral, Agudos, Avar, Bauru, Cerqueira Cesar, Lenis Paulista e Salto Grande e Santa

    Cruz do Rio Pardo, nas quais sem apossamentos reconhecidos, s excees de partes em

    Bauru e Santa Cruz do Rio Pardo.

    Desconhecendo a geografia regional e as antigas denominaes contidas no de-

    claratrio, por cento e cinquenta anos os estudiosos entenderam que a grande posse de

    Jos Theodoro de Souza, partia do Rio Turvo e Ribeiro das Antas, tributrio do Alam-

    bari, pelo divisor Peixe/Paranapanema, at gua Boa, pouco abaixo da barra do afluente

    paranaense Tibagi, no Paranapanema, posse estendida at o Ribeiro das Anhumas, to-

    talizando algo em torno de 60 quilmetros de testada por 150 de fundos, ou seja, quase

    nove mil quilmetros quadrados de terras, muito acima dos limites legais de posses per-

    mitidos ou tolerados pelo Imprio.

    Para os pesquisadores, cujas obras consultadas, Theodoro no assumiu terras no

    Pardo santacruzense, contraditando o Registro Paroquial de Terras n 516 que marcava

    o incio da grande posse no Turvo, onde a barra do Crrego da Porteira posteriormente

    denominado Ribeiro de Santa Clara, da seguindo e cercando as vertentes, descendo,

    de tal a despassar o Rio Pardo e, depois do espigo, chegar ao Paranapanema, para se-

    guir curso at o Ribeiro das Anhumas, inexistindo qualquer outra maneira em conciliar

    a travessia do Pardo com aquele declaratrio de posse (Prado e Costa, 2006).

    Documentos outros de transaes e regularizaes de terras corroboram que pro-

    priedades transacionadas, aqum do Turvo e de partes do Pardo santacruzense, s duas

    margens, situavam-se dentro da grande posse de Jos Theodoro de Souza, a exemplos

    entre outros, as fazendas Jacu, Furnas, Paredo e Chumbeada, em atuais municpios de

    Ipaussu, Chavantes e Ourinhos (DOSP, 03/08/1909: 23-24); a fazenda Santa Tereza, desde

    a barra do Pardo e partes do rio acima, em Salto Grande DOSP, 17/06/1908: 1869); terras

    margem esquerda do Pardo, quinho onde a Fazenda gua do Pires, em Santa Cruz

    do Rio Pardo (DOSP, 18/06/1909: 4310-4311); e pores s margens direita e esquerda do

    mesmo Pardo identificadas na Fazenda So Jos do Rio Pardo (DOSP, 16/02/1908: 451).

    3. A morte do pioneiro

    O inventrio de Jos Theodoro de Souza revela-o falecido na localidade de So

    Jos do Rio Novo (Campos Novos Paulista), aos 24 de julho de 1875, e no em So Pedro

    do Turvo, no ms de abril daquele ano, conforme se pensava.

    A data da morte foi informada em expediente de 23 de setembro de 1875: "Dona

    Anna Luiza de Jess, passou a mesma a fazer perante o Juiz suas primeiras declaraes

    pela maneira e frma seguinte: que seu finado marido Jos Theodoro de Souza, no dia

    vinte quatro deste, fazem dois meses que faleceu (...)." (I/JTS, 1875: 5-7), ou seja, aos 24

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

    27

    de julho de 1875, um ms aps o nascimento do filho Jos Luis que, ento, no lhe seria

    pstumo.

    Tambm, Theodoro no foi morto por nenhum indgena, e sim por doena "em

    estado paralytico", de acordo com o testemunho do Padre Francisco Jos Serdio, pres-

    tado aos 10 de setembro de 1877 (I/JTS: 111).

    Aos 22 de junho de 1875 Theodoro, doente e paraltico, teria feito testamento, em

    So Jos dos Campos Novos, perante Juventino de Oliveira Padilha, Escrivo do Juzo

    de Paz e Tabelio de Notas da Freguesia de Santa Brbara do Rio Pardo, sem testemu-

    nhos, exceto Antonio Alves Nantes que assinou a rogo do testador.

    O testamento sugere falcatruas pelas excluses de fazendas que Theodoro sabia

    ainda existir.

    Para a Procuradoria de Terras, face o testamento, Jos Theodoro de Souza morreu

    pobre, endividado e sem a menor referncia a qualquer poro de terras, limitando-se

    pedir aos filhos do primeiro matrimnio para reporem a quantia que lhe faltava para

    inteirar o pagamento da sua tera deixada segunda mulher, Anna Luiza de Jesus, que

    ento renunciaram os direitos em favor da viva inventariante e do filho Jos Luiz, de

    trs meses, aquinhoado com o que restara, ou seja, "uma morada de casa assoalhada e

    coberta de telha na capella de S. Jos dos Campos Novos, no valor de seiscentos mil reis."

    (DOSP, 16/03/1938: 36).

    A inventariante no arrolou fazenda alguma, que informou existir, mas no sabia

    onde, assim como desconhecia a localizao das matrculas de escravos. Anna at reco-

    nhecera, num primeiro momento, parte das dvidas contradas pelo marido, e de outras

    nunca ouvira dizer, para mais adiante contest-las, quase todas, e requerer embargos,

    entendendo ela que o seu procurador, Joo da Silva e Oliveira apresentara dbitos ine-

    xistentes e informaes fraudadas.

    Comprovaram-se as forjicaes por parte de Oliveira e Silva, conluiado com ou-

    tros interessados nas dissipaes dos bens do falecido, e Theodoro de Camargo Prado,

    Juiz Comissrio residente em Santa Cruz do Rio Pardo, requereu em nome da viva

    Anna Luiza de Jesus, nova anlise do processo, e o Juiz de Direito da Comarca de Lenis

    Paulista, Dr. Joaquim Antonio do Amaral Gurgel, deferiu pedido de embargo e determi-

    nou novas providncias, para declarar irregularidades e m f praticadas pelo procura-

    dor Joo da Silva e Oliveira.

    Diante dos recursos apresentados e as juntadas de novos documentos, o processo

    de inventrio do pioneiro foi encaminhado de Santa Cruz do Rio Pardo ao Tribunal de

    Relaes da Provncia de So Paulo, aos 16 de agosto de 1882, e quase trs anos depois a

    sentena homologatria obteve a veneranda sentena:

    "Accordo em Relao, vistos, relatados e discutidos estes autos, despreso a preli-

    minar de se no conhecer da appellao, bem como o aggravo do processo de fls.

    146, e dando provimento a mesma appellao interposta a fls. 211, reformo a sen-

    tena appellada de fls. 108, por no se fundar em prova legitima e mandar em con-

    sequencia, que subsista a sentena de fls. 79-v que homologou a respectiva partilha

    e rateio; indo, porm, a praa para ser arrematada a escrava Honorata, separada para

    pagamento do appellante credor; a quem no se admitte ser ella adjudicada contra

    direito expresso em inventario de rfos. Pagas as custas pela appellada. S. Paulo,

    17 de julho de 1885. Villaa, P. Ucha, A. Brito Melo Matos." (DOSP, 16/03/1938: 2).

  • Celso e Junko Sato Prado

    28

    A deciso no teve o final satisfatrio s partes conflitantes, e ainda hoje herdei-

    ros, legtimos ou no, sustentam que os registros de propriedades advindas de Jos The-

    odoro de Souza padeceram de vcios, considerando que as transmisses de domnios

    teriam ocorrido de forma fraudulenta aps a morte do sertanejo.

    Os insinuados e os comprovados invasores de terras, no uso de artifcios crimi-

    nosos, das violncias fsicas e mortes, ou de imposturas de ttulos primitivos de posses,

    escudavam-se que Jos Theodoro vendera muitos de seus bens, a totalidade deles, e os

    ttulos seriam legtimos.

    Quanto a essa dissipao dos bens preciso compreender que Jos Theodoro

    adentrara no serto para desbrav-lo e povo-lo, vendendo terras e, mesmo assim, "No

    esplio do mineiro, sobre tudo, sabemos que existiam muitas guas que reunidas s ou-

    tras, irregularmente alienadas, por falta de registro, formavam bloco, assaz consider-

    vel" (Nogueira Cobra, 1923: 99).

    Entre 1896/1897 o herdeiro Jos Luiz "Attingindo a maioridade, induziram-no a

    tomar conta da herana que desconhecia e, em seguida, alienou dando origem esse acto

    a uma contenda." Nogueira Cobra, 1923: 57).

    O herdeiro pressuposto apresentara e requerera, informam as fontes, 'direitos he-

    reditrios' (DOSP, 16/03/1938: 36), de propriedades que entendera suas, em partes no

    inventariadas nem postas em testamento de seu pai, contraditado inclusive pela Procu-

    radoria de Terras, todavia obteve pronunciamento favorvel da justia, e depois vendeu

    as terras para residir em Botucatu e l falecer.

    O fazendeiro Manoel Pereira Goulart e sua mulher eram ou se pronunciavam

    "cessionrios de Jos Luiz Souza e sua mulher, no inventrio de Jos Theodoro de Souza

    e sua mulher Dona Anna Luiza de Jesus. O immovel constituido de toda a vertente do

    Santo Ignacio, excluindo as verten-tes directas cabeceira do Ribeiro Bonito, e divi-

    dindo com o Rio Novo Rio do Peixe e vertentes s cabeceiras do S. Joo e Anhumas ..."

    (O Contemporaneo, 15/05/1920: 2, edital de citao de her-deiros).

    O Coronel Francisco Sanches de Figueiredo que se dizia dono daquela propriedade, j havia

    con-testado judicialmente ao Manoel Pereira Goulart como cessionrio de Jos Luiz de Souza,

    e a Jus-tia lhe fora desfavorvel, inclusive em recurso apresentado: "Recurso Crime n 1367

    - Campos Novos do Paranapanema Recorrente, o promotor pblico da comarca e o coronel

    Francisco Sanches de Figueiredo, recorrido, Manoel Pereira Goulart; relator, o sr. C. Canto.

    (...). Negaram provimento, com a advertencia ao escrivo e recommendao ao juiz quanto

    calligraphia daquele" (DOSP, 11/05/1901: 4).

    4. Theodoro sob o ponto de vista histrico

    A histria no destaca maior importncia ao bandeirismo de Jos Theodoro de

    Souza que, frente de bugreiros, invadiu o serto centro sudoeste e oeste paulista, mais

    especialmente o Vale do Paranapanema, para exterminar tribos indgenas inteiras, atra-

    vs das razias e dadas, no mais cruento etnocdio paulista do sculo XIX.

    Documentos oficiais recentemente 'resgatados' comprovam o pioneiro como fi-

    gura controversa, porm sua sagacidade e fora na promoo de certos modos, aplicados

    no tratamento aos ndios, tornavam-no benquisto pelos fazendeiros e simptico maio-

    ria das autoridades provinciais, apresentando-se hbil negociador em situaes confli-

    tantes, sem, no entanto, abrir mo de seus objetivos em ocupar terras e vende-las sob

    garantias de segurana relativa.

  • Santa Cruz do Rio Pardo Memrias, documentos e referncias

    29

    No ano de 1862, quando denunciados alguns sangrentos combates entre brancos

    e ndios, Theodoro, acompanhado de uns tantos selvagens j pacificados, apresentou-se

    ao governo paulista para entrega das principais reivindicaes dos sertanejos, num

    abaixo assinado que dizia das hostilidades indgenas e a sugesto de aldeamento, em

    Salto Grande, maneira sugerida pelo mensageiro.

    Os documentos oferecidos foram firmados pela Cmara Municipal de Lenis

    Paulista, pela Subdelegacia de Polcia e Guarda Nacional de So Domingos, inclusive

    declarao de idoneidade de Theodoro assinada pelo padre Andr Barra, que serviram

    de instruo, processual burocrtica, na criao do Aldeamento para Salto Grande

    (ALESP, 64.22.1 e seguintes).

    A viagem foi bem-sucedida tanto que impressionou positivamente a quase todos

    que conheceram o pioneiro. Dr. Joaquim Antonio Pinto Junior, Advogado dos ndios,

    poltico e historiador, autor da obra 'Memoria sobre a Cathechese e a civilisao dos in-

    digenas da Provncia de S. Paulo' (1862), descreveu Theodoro como:

    "(...) um homem de corao bem formado, que se tem constitudo protetor dos n-

    dios, que lhe do at o nome de pai; ele, as expensas suas, os conduziu a esta capital,

    para apresent-los ao Governo; ele que os auxilia em suas necessidades mais ur-

    gentes; em sua fazenda que encontram todos os socorros; de uma modstia a toda

    prova, no faz ostentao de seus servios" (Apud Giovannetti, 1943: 129).

    Esta apresentao do pioneiro igualmente influenciaria Joo Mendes Junior, em

    'Os Indgenas do Brasil', como "um dos maiores posseiros das regies do Paranapanema,

    foi o sertanejo Jos Theodoro de Souza" (Giovannetti, 1943: 129).

    A proposta do aldeamento para Salto Grande, ao gosto do governo, dos polticos

    e dos organismos indigenistas do Brasil e internacionais, tinha por objetivo evitar ma-

    tana e integrar o ndio sociedade, tornando-o til, atravs da prestao compulsria

    de servios gratuitos.

    Isto escondia a realidade e todos sabiam. As frentes de ocupaes precisavam de

    mo-de-obra escrava para trabalhar o serto, e o aldeamento a isto se prestaria, como

    conjunto de solues, para se burlar a legislao a respeito da escravizao indgena, e

    os bugreiros e preadores se transformaram em elementos de convencimento ao ndio

    aldear-se, cabendo ao administrador repass-lo aos interessados em 'colaborar na edu-

    cao e profissionalizao do brbaro', com isso a evitar extermnios ou guerras desi-

    guais entre ndios e fazendeiros, mascarando o escravizao nativa, proibida por lei.

    O parecer favorvel das autoridades ao Aldeamento em Salto Grande satisfez as

    necessidades dos fazendeiros apressados em cuidar de suas terras e livr-las de vez do

    perigo indgena solta nas matas, sem problemas com polticos e imprensa. Theodoro

    guindado ao cargo de Diretor do Aldeamento teve a indignao do Diretor Geral dos

    ndios, Jos Machado d'Oliveira:

    "Augmentou-se a minha repulsa criao do projetado aldeamento, ao constar-me

    que seria nomeado como diretor um homem que, na primeira entrada que fez no

    serto de Botucatu, cometeu contra os selvagens as mais horrveis e nunca vistas