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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PLANO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES RAIMUNDO GONÇALVES DA SILVA ENTRE O TAMBOR EAAPARELHAGEM: MUDANÇAS SONORAS NA FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO DE JOÃO GRANDE EM VISEU NA (DÉCADA DE 80) BRAGANÇA-PARÁ 2014

Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PLANO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

RAIMUNDO GONÇALVES DA SILVA

ENTRE O TAMBOR EAAPARELHAGEM: MUDANÇAS SONORAS

NA FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO DE JOÃO GRANDE

EM VISEU NA (DÉCADA DE 80)

BRAGANÇA-PARÁ

2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

PLANO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

RAIMUNDO GONÇALVES DA SILVA

ENTRE O TAMBOR E A APARELHAGEM: MUDANÇAS SONORAS

NA FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO DE JOÃO GRANDE

EM VISEU NA (DÉCADA DE 80)

Trabalho de Conclusão de Curso– TCC, apresentado à Faculdade de História da Universidade Federal do Pará- UFPA, como requisito para obtenção do Grau de Licenciatura Plena em História, sob orientação do professor Dr. Cleodir Moraes.

BRAGANÇA-PARÁ

2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

PLANO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

RAIMUNDO GONÇALVES DA SILVA

ENTRE O TAMBOR E A APARELHAGEM: MUDANÇAS SONORAS

NA FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO DE JOÃO GRANDE

EM VISEU NA (DÉCADA DE 80)

Trabalho de Conclusão de Curso - TCC apresentado à Faculdade de História da Universidade Federal do Pará– UFPA, como requisito para obtenção do Grau de Licenciatura Plena em História sob orientação do professor Dr. Cleodir Moraes.

Aprovada em: _______ de _______________ 2014

BANCA EXIMINADORA

Professor Dr. Cleodir Moraes – Orientador. Universidade Federal do Pará

___________________________________________________________________ Universidade Federal do Pará

___________________________________________________________________ Universidade Federal do Pará

___________________________________________________________________ Universidade Federal do Pará

Nota:_______________

BRAGANÇA- PARÁ

2014

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Dedico este trabalho a minha mãe, Raimunda Gonçalves

da Silva, in memoriam, ao meu padrasto, Raimundo

Fernandes Braga, a minha esposa, Daiana Alves,

companheira de todas as horas, e aos meus filhos

amados, Ártemis Karol e Apollo, cuja força de suas

existências sempre me motivou na busca deste sonho.

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AGRADECIMENTO

Agradeço Deus por ter operado em mim o milagre do conhecimento

através do meu estudo sendo algo importante em minha vida.

Agradeço aos moradores da comunidade de João Grande, por terem me

recebido de braços abertos e se mostrarem dispostos em me ajudar no momento da

pesquisa de campo, prestando informações importantes para a construção deste

trabalho. Em especial, Manoel Lopes, João Cardoso, Adelmo Pereira, Creusa

Pereira, Tereza Lopes, seu Zacarias, Luiz Martins, conhecido como Luiz Preto

(morador em Viseu) e o senhor Antônio Gonçalves dos Anjos, que muito

contribuíram para a produção das fontes orais aqui estudadas.

Agradeço ainda aos meus professores, que com seus ensinamentos me

ajudaram incutindo em mim a vontade de vencer pela força do conhecimento, em

particular ao meu orientador o professor Dr. Cleodir Moraes, pelos bons

ensinamentos, incentivos e paciência nas horas difíceis do trabalho.

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Aquele todo complexo que compreende o saber, a crença, a arte, a moral, o direito, o costume e quaisquer outras qualidades e hábitos adquiridos pelo homem em sociedade é cultura (Tylor).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 08

CAPITILO I: Festividade de São Benedito em João Grande ................................ 12

1. A festividade .......................................................................................................... 12

1.1. A entrega da bandeira ....................................................................................... 13

1.2. A esmolação ....................................................................................................... 14

1.3. A procura da árvore e enfeite ............................................................................. 15

1.5. O momento da ladainha ..................................................................................... 17

1.6. A matança .......................................................................................................... 17

1.7. A ceia ................................................................................................................. 18

1.8. A derrubada do mastro ....................................................................................... 19

1.9. Mordomos de promessa e juízes ....................................................................... 20

CAPITULO II: A importância dos anfitriões: As rezadeiras e tamboreiros ......... 24

2.1. O tambor e sua importância nas celebrações .................................................... 24

2. 2. A ladainha ........................................................................................................ 28

2.3. As rezadeiras ..................................................................................................... 30

CAPITULO III: A presença da aparelhagem e seus impactos na festividade ..... 33

3.1. Os primeiros sinais de mudanças ...................................................................... 33

3.2. Ao som da vitrola e eletrola ................................................................................ 34

3.3. Os motivos da inclusão dos aspectos eletrônicos .............................................. 36

3.4. Mudanças Sonoras: Conflitos e tensões no interior da festa .............................. 37

3.5. A inclusão das aparelhagens de grande porte e suas relevâncias ..................... 40

Considerações Finais ............................................................................................. 45

Fontes orais ............................................................................................................... 48

Fontes escritas consultadas ...................................................................................... 48

Fontes iconográficas ................................................................................................. 48

Local de pesquisa ..................................................................................................... 48

Referência Bibliográfica ......................................................................................... 49

Anexos ..................................................................................................................... 50

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RESUMO

A pesquisa focaliza a festividade de São Benedito na comunidade de João Grande. Nela, analiso mais precisamente as mudanças sonoras evidenciadas nesse evento, motivadas pela introdução da música eletrônica de aparelhagem. O trabalho se pautou em observações e em entrevistas com os moradores e participantes da festa, que fundamentaram as hipóteses e reflexões apresentadas aqui. Busquei mostrar as rupturas e mudanças no contexto religioso que homenageia o santo padroeiro. Desse modo esta investigação. Se propõe a contribuir para uma melhor compreensão dos rituais, a presença de instrumentos, como o tambor, e seus diferentes ritmos, que comentam os vários momentos da celebração, como a entrega da bandeira, a esmolação, a procura da árvore, o levantamento, a ladainha, a matança, a ceia e a derruba, e das possíveis tensões, conflitos e negociações processadas no interior da festa com a presença das aparelhagens, a partir da década de 1980. O objetivo foi demonstrar que tradição e modernidade sonora, concorrem, cada um a seu modo, para garantir a permanência à festa e reforçar a sua importância para a comunidade.

Palavras-Chaves: Festividade. Tambor. Música. Tradição.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo analisar algumas transformações

ocorridas na festividade de São Benedito em João Grande, no município de Viseu

nos anos 80, especialmente no aspecto musical da festa do barracão, buscando

compreender suas formas, expressões, representações e significados.

Como observador-participante da festividade, percebo que o tambor

continua sendo importante símbolo tradicional da festa. Instrumento usado desde os

primeiros bailes organizados pelos antigos moradores de João Grande, ele vem

dividindo cada vez mais espaço com a música eletrônica, introduzida pelas

aparelhagens nos últimos anos. Essas transformações, como não poderiam deixar

de ser, têm provocado opiniões diversas, na medida em que os sujeitos envolvidos

reafirmam ou atribuem formas, funções e características diferentes à festa.

Para embasar o este estudo. O método usado foi à pesquisa de campo,

fazendo uso de entrevistas junto aos moradores do lugar, de faixas etárias

diferentes, a quem expresso meus agradecimentos pelas informações a mim

conferidas, entre eles o senhor Manoel Lopes, D. Tereza Lopes, Adelmo Pereira,

João Cardoso, Socorro Lopes, Iracilda Pereira, Creusa Pereira.

A investigação também se pautou em fontes impressas, como os jornais

Folha do Gurupi, Tribuna do Caeté e o Informativo da Prefeitura Municipal e revista

Ver- o- Pará. Nele, lancei mão ainda de fotos, CD e DVD coletados dos arquivos

pessoais dos participantes.

Foram feitas visitas em locais públicos para coletar informações em

relação ao objeto estudado. Como o Arquivo da Câmara Municipal, o Arquivo

Público Municipal de Viseu, a Biblioteca “Professora Odete Ferreira”,Rádio

Comunitária Santa Terezinha FM situada na sede do município e o Arquivo da

Assessoria Municipal de Comunicação da prefeitura de Viseu.

Para reforçar minha análise, as fontes teóricas usadas foram: Dedival da

Silva Brandão, Benedita Celeste de Moraes Pinto, Joaquin Justino Moura dos

Santos, Janaina Amado e Marieta de Moraes Ferreira, Maria Cecilia Amaral de Rosa

e Eric Hobsbawn. Esses autores serviram de suporte teórico, ajudando-me a

compreender e dialogar sobre as práticas rituais celebradas em homenagem a São

Benedito na comunidade de João Grande em Viseu.

Dedival fala sobre aspectos da festa de São Benedito em Bragança

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quem e permitiram, a partir da comparação, compreender os rituais da festividade

realizada em João Grande. Janaina Amado e Marieta Ferreira contribuíram para o

debate em torno do uso da história oral como método de pesquisa importante na

busca dos sentidos e significados que os sujeitos entrevistados atribuem as suas

experiências e as mudanças sonoras da festividade. As reflexões apresentadas por

elas me possibilitaram perceber a riqueza e as dificuldades da construção e análise

das fontes orais.

Benedita Celeste fala sobre a festa do Bambaê que homenageia Nossa

Senhora do Rosário na região do Tocantins no antigo quilombo do Mola, o que me

ajudou a refletir sobre as semelhanças e diferenças estabelecidas em relação à

festa do “glorioso” São Benedito, em João grande, no que diz respeito a sua forma

de organização e devoção.

Joaquim dos Santos, referindo-se a historia do lugar no subúrbio do Rio

de Janeiro. Discute sobre os valores culturais, das experiências vividas pelos idosos

e das transformações sofridas a partir da introdução da tecnologia, como processo

histórico, ajudaram-me a entender melhor as mudanças ocorridas em João grande

com inclusão da aparelhagem na festa.

Maria Cecilia Amaral de Rosa destaca o símbolo como representação e

dinâmica de comunicação, crenças religiosas das muitas culturas existentes, como o

elo que liga o homem a um ser superior. A leitura foi importante para eu entender os

elementos simbólicos presentes nos rituais da festividade, por meio dos quais os

devotos buscam estabelecer contato com o santo celebrado.

Eric Hobsbawn ajuda pensar a tradição como um processo que pode ser

mutável e adequado de acordo com novas condições e funções estabelecidas.

Trata-se de uma construção social que diz muito sobre o presente dos indivíduos

envolvidos.

Tanto os documentos escritos como os locais visitados foram de

fundamental importância para que eu pudesse refletir sobre a minha temática, meu

objeto de estudo e minha problemática.

Para que o leitor tenha melhor compreensão do objeto aqui abordado.

Esta narrativa está dividida didaticamente em três capítulos, nos quais serão

trabalhados os significados da festa, a importância dos tamboreiros e o lugar por

eles ocupado na hierarquia das celebrações, a relevância do tambor, a introdução

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da música eletrônica, seus impactos e o papel das rezadeiras.1

Tenho com esse propósito a preocupação de colocar em movimento

aspecto dos conflitos, das tensões, das negociações estabelecidas, consciente ou

inconscientemente entre os diferentes sujeitos envolvidos, como organizadores e

participantes que compartilham o mesmo espaço sociocultural.

No primeiro capitulo faço uma descrição da festividade, destacando

diversos momentos dos rituais que a envolvem, como a entrega da bandeira, a

esmolação 2 ,a procura, o enfeite, o levantamento e a derrubada do mastro, a

ladainha, a matança e a ceia. Enfatizo, aqui, o uso do tambor como componente

fundamental no conjunto ritual ou na festa propriamente dita, já que o ponto de

abordagem é o toque de aparelhagem que vai implantar transformações dentro da

festividade. O objetivo é proporcionar ao leitor uma melhor compreensão das

mudanças ocorridas dentro do evento diante das renovações sofridas com a

introdução de um e a permanência do outro, ou seja, a música eletrônica e o toque

do tambor.

No segundo capitulo, analiso a reza da ladainha que é outro aspecto de

grande relevância na celebração, destacando a figura de D. Tereza Lopes que

desempenha papel extraordinário como rezadeira. Também ressalto os tamboreiros,

principalmente a posição que ocupam ou função que desempenham como tocadores

em outras comunidades próximas ou mais distantes que celebram a festividade de

São Benedito na região de Viseu. O objetivo de estudar esses sujeitos é demonstrar

que apesar das mudanças ocorridas, eles continuam a serem personagens

importantes, mantendo a ligação com aspectos vistos como tradicionais da festa.

No terceiro capitulo, abordo o impacto causado pela introdução das

aparelhagens de grande porte e shows de música ao vivo na festa a partir da

década de 80, mais precisamente em 1985. Discuto, aqui, os motivos que levaram a

incorporação de um novo aparato sonoro que, desde então, figura como parte

integrante da festividade em homenagem ao “glorioso” santo preto 3 ,procurando

analisar as implicações econômicas, sociais e políticas dessa inovação.

Trabalhar esse tema é destacar sua importância, tendo em vista que ele

1 Rezadeira: mulher integrante da festividade com grande destaque que tem a responsabilidade de

conduzir a reza da ladainha nas celebrações. 2 Esmolação: ato de esmolar.

3Glorioso: forma respeitosa com que os devotos tratam o Santo São Benedito relacionando esse

sentimento as graças e bênçãos alcançadas.

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apresenta seus aspectos peculiares, como tocar tambor entoando em louvor a São

Benedito de maneira simples, mas diversa de outros locais que festejam o santo.

Cito aqui a festividade de Bragança que tem maior expressividade no cenário

regional devido sua organização política, econômica e social.

A proposta é despertar o gosto e o interesse pela cultura local. Estimular

a comunidade em geral a valorizar práticas culturais, costumes e hábitos que

compõem o processo histórico do lugar onde vivem, mesmo que essas práticas

sofram alterações pela inclusão de outros elementos, mas que certamente não

destroem o sentido histórico da festa.

Apresentar aos leitores ritos que compõem a festividade e personagens

organizadores entre eles juízes, tamboreiros e rezadeiras que desempenham

destacadas funções na festa e na comunidade. Quero ainda através da temática

demostrar que a festa de São Benedito de João Grande é um exemplo da presença

de negros na região de Viseu.

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CAPITILO I: FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO EM JOÃO GRANDE.

1. A FESTIVIDADE.

Neste capítulo enfatizarei os ritos e sua organização e a importância que

representam como atos que celebram e homenageiam São Benedito, além de

destacar os personagens que atuam como referência no processo de

desenvolvimento da festividade.

A pesar do destaque dos indivíduos mais velhos, crianças e jovens

também contribuem para a realização do evento, visto que direta ou indiretamente

estão presentes nos diversos momentos rituais que o envolvem. É minha

preocupação compreender as variadas formas de experiências vivenciadas pelos

devotos do santo preto.

A vila de João Grande é composta de 65 famílias e está localizada

aproximadamente 2 km da BR 308 pelo lado direito e a 6 km da sede do município

de Viseu situado à margem do Rio Gurupi fazendo fronteira com o Estado do

Maranhão, onde todos os anos, no mês de dezembro, os moradores da comunidade

promovem a festividade de São Benedito, despertando atenção de pessoas de

lugares vizinhos e dos mais distantes.

Não se sabe ao certo quando esta festividade se iniciou, mas de acordo

com depoimento de moradores antigos, ela tem mais de dois séculos. Não há

registros escritos sobre a festa, porém existem pessoas no lugar com mais de 80

anos que recordam que, quando crianças, viram seus pais participarem das

celebrações, praticando os rituais que ainda hoje são celebrados:

Tio Paulo Preto como era chamado, contava que viu meu avô ainda velhinho dizer que a festa aqui é muito antiga do tempo dos escravos do bisavô de Mercedes, que foi dono dessas terras. Aqui tinha muito negro que gostava de dançar e faz muito tempo que faz festa por aqui. Eu tô nessa idade de 82 anos e quando era criança eu via fazer essa festa.4

A entrevistada narra sobre os primeiros organizadores da festa, fazendo

uma referência aos negros escravos que existiam por aqui e que já manifestavam

suas homenagens a São Benedito nos primórdios da vila de João Grande.

É provável que durante o período de existência a festa tenha passado por

4 LOPES, Tereza. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 11 Nov. 2013.

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um conjunto de mudanças estruturais, mas, irei descrever alguns aspectos que me

parecem mais duradouros. Será feito neste capitulo a descrição dos rituais da

festa,visando proporcionar ao leitor uma melhor compreensão de sua

organização.Entre eles estão, a entrega da bandeira, a esmolação, a procura da

árvore,o enfeite, o erguimento e a derrubada do mastro, a ladainha, a matança e a

ceia. Como se verá cada um deles possui função específica integrada aos festejos a

São Benedito.

Também serão abordados certos personagens que se destacam nesse

processo, como os juízes, os mordomos, procurando explicar a importância de cada

um dentro da celebração e o papel que exercem na estruturação da festa,

conferindo a ela significados e sentidos próprios.

1.1. A entrega da bandeira.

Este rito inicia a celebração de São Benedito. A cada ano um juiz

diferente fica encarregado da organização da festa. Por esse motivo, a entrega

desse símbolo representa a retomada de um novo ciclo festivo, que se renova no

final de cada festividade. É quando tudo recomeça com a perspectiva de se

melhorar o que foi entendido como negativo, principalmente no que diz respeito ao

baile dançante no barracão.

Essa prática se assemelha ao que ocorre em outras festas religiosas no estado,

como o círio de Nazaré, em que os organizadores já se debruçam em rever o que

não deu certo para melhorar no ano próximo, logo ao final das celebrações.

O novo juiz encarregado da festividade começa a pensar sobre o novo

ciclo com a responsabilidade de avaliar a última festa e projetar a do ano seguinte

com melhorias. O objetivo é organizar os eventos religiosos, fazendo distribuição

dos atos celebrativos entre os devotos participantes das homenagens. A procura e

enfeite da árvore, erguimento do mastro, matança, coleta da esmola e louvação feita

por grupos de outras comunidades.

Esses compromissos não se resumem apenas à dimensão religiosa. Ele

o juiz, também é encarregado de cuidar da parte “econômica e social” da festa,

mantendo contato para a contratação de um novo aparelho que seja mais atrativo

pesquisando preços e qualidade sonora, organiza piquenique, torneio de futebol,

divulgação por meio da rádio comunitária localizada na sede do município, elabora

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convites às comunidades mais distantes.

A escolha do juiz e a entrega da bandeira são garantias da execução do

calendário festivo, começando assim todo o processo do evento como o rito de

esmolar onde é feito a arrecadação de bens durante o ano que servirá de ajuda em

prol da realização da festa.

1.2. A esmolação.

Este rito é o primeiro compromisso de cada devoto. Por meio dele são

apresentados os bens doados a São Benedito durante o ano. Os moradores

expressam sua devoção ao santo realizando a criação de animais, pato, galinha,

porco, a produção de farinha, a colheita de bananas e outros frutos, e a arrecadação

de dinheiro para serem doados à festa.

Não existe um dia certo para a entrega da esmola. Ela é feita de acordo

com a condição do promesseiro. Este faz de tudo para honrar seu compromisso,

pois há, no entanto, a exigência de que a sua entrega deve ser feita antes do início

da festa, no dia 20 de dezembro.

Quem recebe as esmolas é o organizador do evento em sua residência

que, em nome do “santo”, compra os acessórios da celebração, como velas, fitas e

bandeiras, para enfeitar o barracão onde é realizado o baile dançante e o jantar dos

mordomos.

Não existe um valor estipulado a ser entregue, mas, de acordo com as

entrevistas as ofertas, as doações geram um bom resultado financeiro para o

evento. Este valor é muito variável, ficando em torno de R$2.000,00 a R$3.000,00

ou até mais, segundo Dona Socorro moradora há trinta anos na comunidade, devota

e também rezadeira.5

Esses recursos também servem para ajudar nas despesas da festa

dançante, como o pagamento da aparelhagem, da equipe de segurança, da licença

junto aos órgãos competentes, da compra do porco, do boi, do arroz, e tudo mais

que será consumido no almoço dos mordomos.

De acordo com Dedival Brandão, pesquisador da festividade de São

Benedito em Bragança, a esmolação se expande por todo interior da região

5 Dona Socorro. Entrevista Concedida ao autor. João Grande. Viseu, 11 Out. 2014.

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bragantina, arrecadando donativos em preparação ao grande momento festivo em

homenagem ao santo glorioso, encerrando com a tradicional marujada de Bragança.

No período que antecede a festa a imagem de São Benedito é conduzida

por todo percurso de visitações, seja nas cidades, nas praias ou nas colônias e

existe ainda a preocupação do promesseiro em alimentar os foliões6.Na comunidade

de João Grande, verifica-se uma prática diferente daquela descrita por Dedival

Brandão.

No ato de esmolar, a imagem não circula de casa em casa e nem sai do

lugar, permanecendo no altar dentro da capela do santo, onde acontecem as

celebrações, localizada em frente o barracão, na sede da comunidade. O devoto é

quem se compromete em levar sua ajuda à casa do juiz da festa quando dispuser da

esmola e agindo assim, ele fica isento em dar conta de alimentação aos foliões. É,

pois, um ato voluntário que se estende durante esse período.

1.3. A procura da árvore e enfeite.

Passado o período de esmolação e ao chegar os dias que antecedem a

festa, os moradores se preparam ansiosos para prestarem sua homenagem a São

Benedito. Um dos grandes momentos festivos é a procura, enfeite e erguimento do

mastro. É designado um responsável para isso, que se ocupa em procurar a árvore

que vai ser enfeitada e servir de anunciante da folia na comunidade, iniciando-se

assim o primeiro passo do rito do enfeite desencadeando outros atos que se

desenvolvem nas celebrações.

No dia 20 de Dezembro, a comunidade de João Grande dá início aos

acontecimentos que celebram e exaltam o “glorioso”, com uma alvorada com fogos e

cânticos de louvação, à base do toque de tambores. Nesse dia, moradores, homens,

mulheres e crianças, se deslocam para o mato para o corte da árvore, escolhida

cerca de um mês antes.

Ao chegar ao local, o grupo avisa a comunidade com estouro de fogos de

artifício, quando, então, o chefe de cantoria, acompanhado pelos tamboreiros, vai

até a floresta para trazer a árvore que servirá de mastro, a ser erguido no terreiro da

6 BRANDÃO, Dedival da Silva. Os tambores da esperança: um estudo sobre cultura, religião,

simbolismo e ritual na festa de São Benedito da cidade de Bragança. Belém: Falangola, 1997, p. 38, 62,78.

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igreja em frente o salão de festa.

A ida para o mato é sempre um momento de euforia, embalado pelo

toque frenético do tambor e toadas animadas, que cessam somente à noite, no

momento da realização da ladainha dentro da capela. A árvore derrubada é

enfeitada com ramos e cipós. Ela tem a função de anunciar que a celebração já

começou. Depois, ela é conduzida em procissão pelos moradores. Algumas crianças

participam sentadas nesse tronco, simbolizando o menino Deus que aparece no

braço do santo.

Nesse momento, percebe-se o destaque dos tocadores que alternam de

posição na frente ou atrás do cortejo, mostrando, pelos sons que emitem que cada

seguidor deve estar em comunhão com o santo negro. A chegada do mastro é

recebida com fogos por um números o grupo de pessoas, que o espera com

variados frutos regionais cultivados no lugar para concluir o enfeite em frente da

igreja.

Os frutos pendurados simbolizam uma forma de agradecimento dos

moradores pelas boas colheitas ou representam pedidos de uns para que próximo o

ano seja melhor. Tudo se relaciona a fé, graças alcançadas e a devoção.

Após o enfeite, o mastro é erguido com euforia. Os cânticos, as palmas,

os fogos e as batidas de tambor animam os participantes. Assim, a festa em si vai se

materializando. Como diz uma das canções entoadas por eles, “São Benedito é

santo, ninguém queira duvidar, ô ôô!!! O mastro já tá de pé pra louvar São Benedito,

ô ôô!!! Aê cantador!”.7

Entendo que essa prática é significativa, pois expressa exaltação, a

glorificação do santo. As palavras impressionam pela força de profundidade,

mostrando total confiança ao santo padroeiro objeto de devoção e fé.

Nesse ritual, o mastro é erguido, levando na extremidade superior uma

bandeira com a imagem de São Benedito. Em seguida, o organizador do evento faz

a distribuição de doces ao redor de uma mesa disposta no terreiro, onde o juiz

chama nominalmente os mordomos para que eles possam renovar seus

compromissos com o santo padroeiro.

O restante é entregue aos demais participantes, devotos ou não,

7 PREIRA, Adelmo. CARDOSO, João. LOPES, Manoel. Entrevista concedida ao autor. João Grande.

Viseu. 10 jun. 2013.

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completando-se assim a prática de “levantação”8 do mastro para começar outro rito,

que descreverei a seguir.

1.5. O momento da ladainha.

Ao terminar o rito anterior, os devotos se dirigem para o interior da capela,

fazendo reverência à imagem do santo quê se encontra no altar. Os tamboreiros

primeiro fazem louvação com um toque suave do tambor, depois silenciam para que

a rezadeira, posicionada em um ponto de destaque, possa iniciar a ladainha, que

representa momento de intima relação com São Benedito.

A emoção é contagiante. Todos rezam e agradecem ao santo. Esse ato

religioso leva aproximadamente duas horas. Terminada a reza, novamente os

percussionistas entram em ação, louvando ao som do tambor que soa de maneira

calma fazendo com que todos os presentes entrem em concentração, estabelecendo

diálogo profundo com seu protetor. Após o louvor, os participantes vão deixando a

igreja e os tocadores aos poucos vão silenciando o som e a cantoria, pondo fim aos

atos rituais do primeiro dia da festividade.

1.6. A matança.

Ao amanhecer do novo dia, faça sol ou chuva, tem inicio outro momento

ritual. Ele é praticado como símbolo de bonança, de fartura e também de sacrifício,

quando animais são abatidos para serem degustados como forma de agradecimento

ao santo pelas graças alcançadas e a proteção das oferendas.

O rito da matança acontece na manhã dos dias 24 e 25. Representa mais

uma ocasião marcada pela alegria, que se inicia com o soar do tambor, em ritmo

acelerado, com presença de bebidas alcoólicas, como vinho, na casa do juiz da

festa. Ele tem a responsabilidade de fornecer o almoço e o jantar aos visitantes, que

prestigiam a festividade de São Benedito.

Não há um local específico destinado a essa refeição, podendo ser

realizada em qualquer lugar dentro da comunidade – debaixo de uma árvore, por

8 LEVANTAÇÂO. Mesmo que erguimento do mastro

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exemplo – e a qualquer hora, basta querer comer que será atendido. As toadas

também são em geral, pedidos de bênçãos e proteção, como se evidencia nesses

versos: “Quem não me conhece chora/quem dirá quem me quer bem/aê cantador/

meu senhor São Benedito, padroeiro protetor, abençoa São Benedito, na hora da

matança. Aê cantador!”.9

As palavras expressas na cantoria demonstram respeito e súplica de

benção na hora do sacrifício do animal. Percebo, assim, que a prática da matança

não está desatrelada de uma preparação espiritual da comunidade embora, à

primeira vista, sua performance possa se manifestar em atos “pecaminosos”que

resultarão em jantar abençoado e especial. Práticas como essa, que podem ser

vistas como “profanas”, não são desvios ou externas à festa. Como diz Heraldo

Maués:

O “sagrado” e o “profano”, se bem que separados na mentalidade popular, não estão em oposição, durante a festa religiosa, mas são complementares, embora entre eles possa haver uma hierarquia que valorize o primeiro. Não obstante, elementos que seriam viste os como profanos guardam também alguma coisa de “sagrado” no momento em que se integram no contexto da festa de santo. Um jogo de futebol como parte das comemorações da festa de Santo Antônio não é, certamente, um jogo comum. E o mesmo se pode dizer das brincadeiras de arraial, das comidas, dos leilões, da bebida e da própria festa dançante.10.

O jantar do dia 25 passa a ser um momento especial, de vida mente

integrado à festa. Ele é servido inicialmente somente aos mordomos, promesseiros

definitivos para honrar seus compromissos, tendo em troca a bonança simbolizado

pelo jantar, que acontece no interior do barracão. Este local de festa dançante

passa a ser neste momento um espaço sagrado de reza, degustação, canto e

louvor, eles são acompanhados de perto pela presença do tambor e da rezadeira,

além dos participantes que compartilham esta experiência religiosa. Esse rito

mantém estreita relação com o que vem a seguir.

1.7. A ceia.

A ceia é uma das ocasiões mais esperadas pela maioria dos participantes

9 PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 10 jun. 2013

10MAUÉS, Raymundo Heraldo. Outra Amazônia: os santos e o catolicismo popular. Norte Ciência, v.

2, n. 1, Belém, 2011. Disponível em <http://aparaciencias.org/vol-2.1/01_artigoHeraldo.pdf>. Acessado em 15 jan. 2015.

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19

da festividade, que se aglomeram com intuito de terem lugar no jantar dos

mordomos. Ela se inicia às três horas e encerra às cinco horas da tarde do dia 25.

Apesar de parecer estranho esse horário, é costume tradicional do evento. Nesse

dia alguns mordomos não costumam almoçar esperando a janta, como forma de

aproveitar a degustação na hora da ceia.

A mesa é posta com 10 ou 15 pratos, os mordomos são chamados para

sentarem à mesa, enquanto a rezadeira evoca a oração do Bendito, agradecendo a

aquela alimentação. Nesse instante, o tambor silencia e ela dá inicio a oração

cantada com o acompanhamento de todos. “Bendito é louvado o santíssimo

sacramento do altar, seja puríssima conceição da virgem Maria mãe, senhora nossa,

concebida sem pecado original para sempre amém.”11

No final do Bendito há o grito de louvor: “viva são Benedito!”. A partir daí,

o tambor entra em ação, em ritmo acelerado e breve, enquanto os mordomos

degustam a comida servida. Toda vez que acontece uma rodada, como é chamado

o momento em que a comida é servida, isso se repete até que a última mesa seja

posta. Em seguida, depois dos promesseiros, chega à vez do povo que os assistia

também degustara alimentação, sendo finalizada essa etapa da celebração com a

ladainha ao toque do tambor.

1.8. A derrubada do mastro.

A derrubada do mastro inicia-se na manhã do dia 27, com os moradores e

convidados reunidos no terreiro, sob o rufar dos tambores. O juiz da festa chama

alguém do meio do povo, sendo criança, jovem ou adulto, para subir no mastro com

um paneiro12 amarrado em uma corda para a retirada dos frutos e para desprender a

bandeira.

Ela será entregue ao organizador que a conduz para dentro da igreja,

onde o novo juiz da festividade a recebe no altar em frente à imagem de São

Benedito. Esse ato simboliza a renovação da devoção e o reinício do ciclo de

eventos e ações religiosas, políticas, sociais e econômicas referentes às

homenagens a São Benedito, acabando com a curiosidade daqueles que desejavam

11

Esta reza foi extraída do caderno pessoal de anotações de orações da senhora Tereza Lopes, rezadeira oficial da comunidade. 12

Paneiro: Produto artesanal usado como utensílio no cotidiano dos trabalhadores rurais, moradores da comunidade.

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20

conhecer o organizador da celebração do ano seguinte.

Depois todos voltam para derrubar o mastro ao corte de machado e fazer

a distribuição dos frutos entre os mordomos que se encontram presentes, sendo que

assim como o tambor símbolo marcante que dá ritmos do começo ao fim do ritual a

bandeira também estar presente para dar continuidade à festividade.

1.9. Mordomos de promessa e juízes.

Os mordomos de promessa são aqueles que cumprem o acordo feito com

São Benedito e depois de realizado o ato podem escolher com liberdade sua saída

ou não por tempo indeterminado das celebrações, mas podem fazer suas doações

quando quiserem.

Juiz da festa é aquele que se compromete em realizar o evento, que pode

ser um mordomo definitivo ou não. Se vitalício, ele não pode desfazer o elo criado

entre santo e promesseiro, compromisso que carrega até a morte para não correr o

risco de ser castigado segundo a crença.

A ausência da responsabilidade ou realização da promessa feita pelo

mordomo, em pagamento de alguma graça alcançada por intermédio de São

Benedito, pode causar, de acordo com a crença, sérios problemas ao devoto, como

atrasos em seus negócios ou outros contratempos em sua vida cotidiana.

Isso porque o santo parece ser exigente com os seus seguidores quando

estes não cumprem o que prometeram, sendo esse um dos motivos que levam o

mordomo definitivo a não abandonar suas atividades na festividade. O santo que

realiza milagres é, assim, o mesmo que castiga que gera sofrimento a quem lhe

jurou fidelidade e deixou de cumprir com promessas feitas em nome de curas

realizadas.

Essa crença relaciona-se com outros cultos praticados no Brasil em que

homenageiam a diversos santos católicos, que fortalecem o sincretismo religioso

arraigado no catolicismo popular desde o período colonial. Como diz Ronaldo

Vainfas (2014 p.37-38).

Na prática, as misturas foram extraordinárias. Um dos primeiros a enxergar o sincretismo afro-brasileiro foi Nina Rodrigues. Sugeriu, no início do século XX que os africanos cultuavam seus deuses tradicionais misturados aos santos católicos. [...] Na colônia, foi invenção construída por africanos de várias origens, para lidar com o

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21

sobrenatural em uma situação de diáspora. 13

Vainfas aborda o sincretismo afro-brasileiro em suas variadas formas,

mostrando que os negros descendentes atribuíram valores e crenças aos seus

deuses protetores relacionando-os aos muitos santos venerados no catolicismo. É

importante observar que essas misturas da qual fala o autor é heterogênea com

fortes indícios também da cultura indígena.

João José Reis também notou esse caráter sincrético do catolicismo

popular, em especial o praticado pelas irmandades religiosas de negros até, pelo

menos, o século XIX. Elas eram organizadas em torno da devoção a um

determinado santo ou santa, que, em troca de proteção, recebiam homenagem com

festas. Segundo esse autor, era “conhecida à relação de barganha, de troca

simbólica, embutida na prática da ‘promessa ao santo’, que Laura de Mello e Souza

chamou ‘economia do toma-lá-dá-cá’”14, tanto na religião católica como naquelas de

matrizes africanas.

No caso dos devotos que festejam são Benedito em João Grande, eles

acreditam que o compromisso firmado entre o promesseiro e o santo é aliança que

consolida a reciprocidade entre ambos. De um lado,está aquele que exalta,

agradece e glorifica do outro lado, a santidade que abençoa e protege. Pode-se

perceber essa confiança nas palavras proferidas pelos tocadores: “São Benedito é

santo e ninguém queira duvidar”.

Muitas vezes o “Glorioso” é evocado nas horas de aflições, tratando-se de

perigo ou doenças, para que este interceda junto a Deus pelo seu protegido. Nesse

caso, São Benedito ocupa lugar de destaque na vida daquele que lhe prestou votos

de devoção. Nesse particular, a festividade do “Glorioso” em João Grande tem muita

semelhança com a festa do Banbaê na região do Tocantins. Sobre ela, Benedita

Celeste Pinto (2007, p.102) afirma que:

Nossa Senhora do Rosário é festejada com danças e músicas que compõe a ritualização do Banbaê quando dançam e cantam ao pé da santa prestando-lhe reverências e homenagens, onde ela, a santa passa a ser o centro de tudo para os componentes da festa, que cantam, dançam e choram diante da imagem extasiados de emoção e fé, os rito é a expressão da cultura africana vivida pelos escravos

13

Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 9. ed. nº 100. Jan. 2014. VAINFAS, Ronaldo. Sincretismo nosso de cada dia. 14

Cf. REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX.

São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 59.

Page 23: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

22

desde o período colonial.15

De acordo com a autora, as celebrações que homenageiam os santos

católicos, realizadas por descendentes de escravos, mostram como os negros

associaram os cultos a eles como forma de resistir à discriminação, proibição de

suas práticas religiosas. Por meio delas, eles procuravam manter vivos fragmentos

de sua cultura, costumes e crenças, que receberam de seus ancestrais.

Penso, porém, que assim como encontramos semelhanças entre práticas

culturais afros, encontra-se também diferenças, visto que os escravos que chegaram

ao Brasil no período colonial não trouxeram uma cultura homogênea, pois partiram

de vários pontos da África.

Neste aspecto a festa do Banbaê que homenageia nossa senhora do

Rosário em Tocantins e a de São Benedito em João Grande apresentam estreita

semelhança entre si quando tocam, dançam ou rezam emocionados ao pé da

imagem. Por outro lado, aparecem certas diferenças entre as duas manifestações,

visto que na festividade em João Grande o santo é homenageado com o

levantamento e derrubada do mastro, matança e ladainha.

Na região do Tocantins, precisamente na Vila de Juaba, em Cametá, a

santa é festejada com cantos e danças, procissões atingindo o ápice da festa com a

coroação do rei e rainha, seguido de um cortejo. No entanto, no que diz respeito ao

seu conjunto de práticas religiosas esses devotos expressam fervorosa crença em

seus santos protetores e, para reforçá-la, o rito de tambor e as rezas ganham

destaque especial.

Verifica-seque na festividade de João Grande os ritos seguem

organizados pelos próprios moradores que dividem entre si diversas funções como

visto linhas a cima, isso porque é diferente de que ocorre, por exemplo, na festa de

São Benedito em Bragança, na qual a organização das celebrações fica a cargo da

irmandade ligada “a paróquia” Nossa senhora do Rosário, na comunidade que tem o

nome do santo, onde acontece o evento com intensa participação de autoridades

eclesiásticas, observa-se que estas são ausentes em João grande. Como diz a

Senhora Zenir Lopes:

Os padres vinham celebrar aqui na época da festa, mais deixaram de vir por conta das bebidas e da festa do barracão que atrapalhava com muito barulho então eles nunca mais vieram e mesmo assim a

15

PINTO, Benedita Celeste Moraes. Memória, oralidade, danças, rituais e cantorias em um povoado amazônico. Cametá: BCPM, 2007, p.102.

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23

comunidade se organiza e faz a tudo sozinha sem a presença da igreja.16

Esse fato vem de muitos anos. Segundo os moradores do lugar o ultimo

padre designado para ministrar a liturgia da festa foi o Pe. Luís Guerinny em 2000.

No entanto esse clérigo diocesano entrou em choque com os tradicionais

organizadores das homenagens ao santo preto ao não aceitar praticas como futebol

e festa no barracão de danças e bebidas vistas por ele como “profana”. Desde então

nenhum outro padre veio substituir.

O importante é compreender que mesmo sem a presença da autoridade

religiosa na festividade, os tamboreiros e rezadeiras são os que mantêm os traços

tradicionais da comunidade e a força da religiosidade da festa, mostrando liderança

e destaque entre os mais novos. Como será abordado no próximo capitulo.

16

LOPES, Zenir. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 15 Out. 2014.

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24

CAPITULO II: A IMPORTANCIA DOS ANFITRIÕES: AS REZADEIRAS E

TAMBOREIROS.

Neste capítulo serão destacados os anfitriões da festividade de São

Benedito em João Grande: tamboreiros e rezadeiras. Mostrarei suas importantes

funções na organização do evento, enfatizando a figura de D. Tereza Lopes. Esses

sujeitos atuam como lideranças comunitárias e peças fundamentais nas

celebrações, porque além de assumirem posições hierárquicas na reza e na cantoria

estão presentes direcionando nos ritos, de forma a serem vistos com respeito e

admiração por todos que participam das homenagens prestadas ao santo.

São esses homens e mulheres devotos convictos do “Glorioso” que, por

meio de suas tarefas nas celebrações, garantem a permanência dos aspectos

tradicionais na festividade em um tempo marcado pela presença da aparelhagem e

shows ao vivo.

2.1. O tambor e sua importância nas celebrações.

Como se viu, o toque do tambor é um recurso sonoro de louvação

indispensável na festa em homenagem a São Benedito, em João Grande. Por isso,

nesta seção, abordo a importância do tambor nas celebrações referentes à

festividade de são Benedito, buscando compreender o porquê de sua presença na

maioria dos ritos e o significado que tem este instrumento para os participantes e

devotos do santo.

Segundo informações de moradores do lugar, a parte musical do evento

ficava a cargo de uma orquestra composta por um clarinetista, um violonista, um

tocador de banjo, um rabequeiro, um pandeirista e um tamboreiro. Pessoas simples

da roça ou da pesca que compõem o grupo de percussionistas são conhecidos

como homens do tambor, sem fazer distinção entre eles, num raro momento em que

a hierarquia se oculta no grupo.

Esses personagens da festividade dedicam a maior parte do seu tempo

em prestar homenagem a São Benedito, cantando e tocando para louvar ao

padroeiro, que muito fez por seus devotos agraciando-os com boas colheitas, boas

pescarias e boas criações.

É o momento de agradecer não só com a voz, mas, sobretudo com as

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25

mãos que fazem soar variados sons de tambor para dar sentido aos diversos rituais

que celebram o homenageado. Esses homens se sentem honrados em praticar

cantoria e toque em louvor a este que serve de intermediário entre devoto e Deus.

Tocar, cantar, entoar pode ser um privilégio, mas acima de tudo

responsabilidade, comprometimento que muito significa na vida desses indivíduos

que no período festivo deixam em segundo plano as tarefas do dia a dia e se

dedicam quase que exclusivamente às celebrações, disponibilizando grande parte

do tempo possível ao “glorioso”.

Todos podem tocar e entoar desde que saibam manusear o instrumento,

uma prática repassada de geração a geração. Portanto, o envolvimento que se tem

com o tambor é voluntário e mesmo quando existe incentivo dos tocadores mais

experientes, o ingresso dos interessados a comporem o grupo dos tamboreiros é

livre.

O que se observa, no entanto, é que esse grupo acaba sendo formado

predominantemente por pessoas com uma média de idade de sessenta anos. É

provável que a ausência dos mais jovens se dê pelo fato de não se sentirem

preparados para assumirem um papel de grande relevância na comunidade e

principalmente nas celebrações. Como diz um jovem entrevistado.

Às vezes não somos entendidos pelos mais velhos. Dizem que agente não quer nada. Não vejo assim! Só não tocamos tambor, mais ajudamos, participando de outros momentos, ajudamos a levantar o mastro, ir buscar no mato e até mesmo matar os animais. Tem muito jovem que é promesseiro. Acho que vamos tocar quando eles não puderem. Vejo dizer que quando tinham outros tocadores eles também não tocavam. Eles são da frente, são sempre procurados na comunidade e nós não, mas gostamos da festa assim como todos aqui17.

Observa-se que os “homens do tambor.” Se destacam, assumindo papel

decisivo no que diz respeito aos interesses do lugar, logo os mais jovens não se

vêem tão maduros o suficiente para desempenhar a função de tocador, mas também

não é descartada a possibilidade deles se tornarem tocadores como diz o

entrevistado. O que se nota ainda é o fato dos mais velhos serem uma referência na

comunidade, o que talvez impossibilite a presença dos mais jovens no grupo.

Por outro lado, existe certa hierarquia de funções dentro do grupo dos

tamboreiros, no que diz respeito, por exemplo, às mudanças de batidas. Quem puxa

17

PEREIRA, Roozevel. Entrevista concedida ao autor. João Grande, Viseu, 08 Set. 2013.

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26

as toadas, quem faz tal mudança é o instrumento principal, o tambor, e quem o

conduz ou toca é o chefe de cantoria, mesmo que a orquestra seja formada por

outros instrumentos ou apareçam aí vários tambores. Assim, segue-se uma

hierarquia interna de acordo com o instrumento tocado nas celebrações, como a

onça, o pandeiro o reco-reco, na qual o tambor é o que mais se destaca, porque dá

ritmos diferenciados às toadas que são cantadas e entoadas pelos componentes da

banda.

É importante frisar que esse recurso percussivo está presente do começo

ao fim das homenagens a São Benedito. Mostrando seu valor, seu significado de

integração atribuindo companheirismo aos participantes dos momentos celebrativos,

entre os quais, crianças, jovens, idosos de ambos os sexos que comungam do

sentimento de amor e fé na hora que louvam o santo de sua devoção.

Suas batidas, seus sons, também ensejam concentração, momento de

louvor, conversa intima do devoto com o santo, que se faz presente por meio da

imagem que o representa. O tambor é ainda responsável por este encontro, muitas

vezes acompanhado de choro, expressando a emoção de alguém que se prostrou

ao pé do glorioso São Benedito.

Um exemplo da presença do tambor é o momento da procura da arvore,

da levantação do mastro, da ladainha e da derrubada. Ele estar ali percutindo de

forma acelerada ou mais cadenciada como é na hora da ladainha. Sua musicalidade

contagia, faz vibrar, emociona e consola.

As palavras usadas na cantoria também traduzem significados que

podem ser entendidos como agradecimento, esperança de uma graça ou a

renovação de compromisso, quando os tocadores as entoam: “ô meu São Benedito,

eu quero te agradecer aêêêêôô!/ Pelas graças alcançadas e pra sempre te louvar aê

cantador!!!/ Vou renovar minha fé o meu São Benedito aôôôô.”18

O canto, as palavras e o som do tambor são símbolo de força capaz de

produzir sentimento de amor pelo santo que protege e abençoa, fortalecendo a fé e

a crença do seu devoto. O tambor atribui sentido ao processo religioso da festa, pois

além de incluir religião apresenta ainda um sinal de respeito e moral para os mais

velhos, por mais que estes muitas vezes reclamem dos mais novos por não tocarem

algum instrumento no grupo dos tamboreiros.

18

PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 6 jun.2013.

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27

Para os integrantes da comunidade, o instrumento usado nas celebrações

é concebido, em geral, como elemento de identidade do grupo. Serve como forma

de compreensão de suas origens culturais e objeto de comunicação com um ser

superior, como afirma Maria Cecilia Amaral de Rosa (2009, p.06).

O homem só pode se comunicar por meio dos símbolos, seja moral, filosófica, cientifica, artística ou espiritualmente Eles servem para representar ideias, sentimentos, emoções ou descrição de fenômenos da natureza ou das coisas que os circunda.19

Portanto, o tambor é visto como o elemento da tradição que garante a

coesão social, espiritual e cultural do grupo. Representa veneração a São Benedito

expressando as variadas formas de informações, troca de experiências e

pensamentos que os conduzem em profunda comunhão para junto do sobrenatural,

mantendo crença e tradição.

Meu pai me ensinou a ser devoto e tocador, porque ele foi ensinado pelo meu avo, que foi ensinado pelo pai dele, assim eu pretendo ensinar aos meus filhos e netos para manter viva a nossa cultura que recebemos como herança de nossos familiares que já morreram.20

As palavras externadas pelo tamboreiro são envolvidas por um

sentimento que de mostra não só compromisso e fidelidade ao seu protetor, mas

também com a continuidade de suas práticas culturais, representado pela intenção

de passar aos filhos sua experiência e ensinamentos recebidos de seus

antepassados.

Embora os jovens participem das celebrações, percebo que há muitas

reclamações dos mais idosos, considerando que deveriam rezar cantar e tocar

tambor como eles, para manter viva essa prática em homenagem ao santo negro.

Eles se queixam que os novos estão agora envolvidos por outras

manifestações inovadoras da festividade, mas, o importante é perceber que a

história se faz com mudanças e que cada um vive o seu tempo. Dessa maneira a

festa de São Benedito em João Grande jamais será igual toda vez a que esta vier

acontecer. Existe um processo tenso de renovação e consequentemente de seleção

de elementos do passado, pois, como afirma Reymond Williams:

A tradição não é a sobrevivência do passado. É a expressão mais evidente das pressões e elementos dominantes e hegemônicos. É o meio prático de incorporação mais poderoso. A tradição é seletiva, uma versão intencionalmente de um passado modelador e de um

19

ROSA, Maria Cecilia Amaral de. Dicionário de Símbolos: o alfabeto da linguagem interior. São Paulo: Ed. Escala 2009,p. 6. 20

PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande, Viseu. 14. Ago. 2013.

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28

presente pré-modelado, que se torna poderosamente operativa na pressão de definição e identificação social e cultural.21

Para o autor, a noção de tradição processa uma seletividade de

elementos que estão ligados aos interesses do grupo de maneira intencional

mantendo a permanência do passado no presente.

É importante frisar que essa seletividade se dá por meio de negociações

entre os membros participantes da festa e que a homogeneidade não representa a

aceitação do todo, mas, de alguma maneira se sobrepõe fazendo com que as

decisões tomadas sejam aceitas como parte da tradição.

Pode-se analisar que os elementos que passaram a fazer parte dos ritos

ou da festa podem representar a seleção feita pelos participantes organizadores das

homenagens, revelando as transformações no contexto festivo no decorrer dos anos

80 onde as mudanças passaram a ser constante atingindo os anos seguintes.

Os documentos analisados, como CD’s e DVD’s dos anos 1990 revelam

momentos da matança coordenada pelo juiz com presença de mulheres e crianças

tomando parte do rito, ajudando os homens que cortam o animal sacrificado, prática

que acontecia somente com a presença masculina e de maior idade. Também as

fotos dos anos 98 e 99 indicam os organizadores da festa no barracão fazendo

distribuição de presentes entre as crianças, essa ação iniciou-se em 90, tornando-

se mais um elemento característico que diferenciou as festas recentes dos anos 80.

Como se observa as mudanças se constrói aos poucos e vão se firmando

como particularidade sem perder a relação com o passado, porque continuam

fazendo parte das homenagens os principais elementos da festividade, o tambor, o

pandeiro e a onça, ainda que para alguns a presença destes aspectos tradicionais

estejam ameaçados pela aparelhagem e shows de música ao vivo, porém, resistem

como força de atração que une passado e presente.

2.2. A Ladainha.

Kyrie eleison Christeeleisom Pater de coelis Deus Mizere Depois do agnus Dei. Sobre tão presente- nos Conforgimos santa Dei genitrix mostrai de precacione e de necessitali

21

WILLIAMS, Reymond. (p.118)

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29

nostro é de um espiritiliberal nos sempre virgem glorioso É de Benedito, Amem. Ora por nobis santa Dei genitrix. Oremos utdigni, elficio mus pro missone bus christe. Oremos damos mente filho carmacione comovimos É de prepacione de rececione. Cruz gloria perante em carmo, perante um Cristo. E damos nostro, Amem.

22

A ladainha além de oração de agradecimento é suplica a São Benedito

para interceder por seus fieis junto a cristo. É a força motriz que move a crença

exaltando o grande santo, rezada em latim pela rezadeira, acompanhada por outros

devotos diante da imagem que prostrados fazem intima comunhão, às vezes

emocionados, porém, confortados pelas graças e proteção do glorioso.

Essa aproximação entre devoto e santo, a imagem propriamente dita

indica o contato com Deus. Logo a imagem usada como símbolo nos rituais é

significativa para os participantes porque demonstram a relação reciproca entre o

real e o invisível mediante a fé exposta pelas palavras do grupo na hora da reza.

As palavras expressam amor e respeito. Esse momento representa a

integração dos sujeitos, buscando manter vivos seus valores espirituais na

perspectiva de superar ou amenizar os seus problemas cotidianos, sejam eles

sociais, emocionais ou materiais.

Quero destacar que D.Tereza Lopes, como visto anteriormente é a principal

rezadeira do lugar, porém, nunca estudou latim e nem reza outras orações

igualmente a que é feita a São Benedito. Ela apresenta várias palavras em

português. Penso, portanto, que o latim usado pela rezadeira, mesmo tendo uma

musicalidade gregoriana (canto mariano oficializado pelo papa Gregório VIII no

século XVI), que se caracterizou por um latim popular ganhando forma nos ritos

praticados por descendentes de escravos desde o período colonial.

Ao verificar a ladainha de nossa senhora encontram-se palavras como:

Senhor piedade; Cristo piedade; Cristo ouviu-nos; Deus pai celeste; Santa Maria;

Santa mãe de Deus; Santa virgem das virgens; Mãe do belo amor; Árvore da vida;

santuário de Deus; Porta do céu; Espelho sem mancha; Estrela da manhã.

Ao analisar esta ladainha, conclui-se que a atribuição de sentimentos

dedicados a virgem santa, foram igualmente dedicadas a São Benedito. Como se

ver,as palavras usadas como demonstração de carinho, alegria e amor por nossa

22

Esta reza foi extraída do caderno pessoal de anotações de orações da senhora Tereza Lopes, rezadeira oficial da comunidade.

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30

senhora, guardam semelhanças com as que são dedicadas ao santo negro pelos

seus devotos, isto porque as saudações são pronunciadas da mesma forma ou

sentido. Pois segundo Pasquale Macchi, arcebispo de Loreto. “A ladainha no

decorrer do tempo evoluiu e produziu varias inovações como tentativa de

universalizá-la. E por sua intrínseca beleza em vista da fonte bíblica.”23

Percebo que a oração rezada por D. Tereza Lopes, como suplica ou

saudação a são Benedito e também como preparação das homenagens ao

padroeiro tem origem na ladainha de Nossa Senhora. Podemos analisar que além

deste santo foi sendo incluído o nome de outros, no qual Maria Mãe de Deus é

referência, visto que ela é a principal figura que aparece na ladainha mesmo sendo

atribuída a outros santos católicos.

Vale ressaltar que o nome do santo festejado na maioria das vezes é

pouco citado na reza, em alguns momentos aparece no início e no fim da oração

cedendo espaço ao nome de Nossa senhora.

A ladainha consolida a intimidade dos participantes com São Benedito ou

um ser superior que intervém diretamente na vida dos fiéis. Essa prática

experimentada através da oração é a permanência dos ensinamentos deixados por

seus antepassados.

Assim como o tambor a ladainha é rezada sempre do mesmo jeito na

maioria dos ritos como, por exemplo, na entrega da bandeira, levantação do mastro

e nas noites de louvação que seguem as homenagens ao padroeiro do lugar sem

mudança nas palavras ou no ritmo de voz.

2.3. As Rezadeiras.

O grupo de rezadeiras na comunidade é formado por seis (06) mulheres:

Tereza Lopes, Maria da Conceição Souza, Raimunda do Socorro Oliveira, Iracilda

Pereira, Alzira da Luz e Tacila dos Santos. Assim como os tocadores, elas

desempenham papel importante nas celebrações, responsáveis pelas orações. No

geral, dentro do grupo se destaca a figura de dona Tereza Lopes, não só pela sua

idade, mas, sobretudo, pela dedicação que tem com a ladainha, cuja reza aprendeu

ainda criança com seus pais.

D. Tereza Lopes é fervorosa devota de são Benedito. Nasceu e

23

MACCHI, Pasquale. Ladainha de nossa Senhora. P. 9, 23, 24, 25.

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31

criou-se em João grande, desempenhou função de professora desde adolescente, coordenadora de comunidade, catequista e, sobretudo, rezadeira. Convidada muitas vezes para rezar aos enfermos ou recomendar um defunto na hora de seu sepultamento, foi madrinha de vários casais. Ela também é chamada de “padroeira”.24 Ela não era a única que rezava. Ocupou essa função depois da morte de D. Alta que morreu bem velinha.25

Vejo que D. Tereza Lopes construiu seu espaço de destaque ao longo de

muitos anos organizando eventos na comunidade voltados para os cultos na igreja.

Ela é tratada com respeito e admiração por muitos dos participantes. Aos seus 83

anos de idade e rezando a mais de 70 anos, ela continua sendo referência no seu

lugar de origem e em outros vilarejos próximos da cidade de Viseu.

É provável que esta mulher tenha desenvolvido tarefas com dedicação

tanto no seu aspecto religioso como no sociopolítico diante de interesses coletivos

ou individuais, mas o que observo é que seus trabalhos renderam-lhe respeito,

liderança comunitária, política e social. Procurou ensinar outras mulheres a rezarem

em latim para dar continuidade ou manter viva a prática tradicional nas celebrações

realizadas para homenagear o santo glorioso como ela própria afirma.

Em primeiro lugar sou devota de São Benedito. Como rezadeira, me sinto honrada, realizada em saber que estou fazendo um papel que me trará muitos benefícios. Sempre fui preocupada em ensinar esta reza para outras mulheres. Já estou nessa idade alguém tem que continuar o que aprendi e da mesma maneira quero repassar é uma herança que vem desde nossas bisavós meu pai dizia então acho que é importante.26

D. Tereza Lopes demonstra tamanha satisfação em realizar sua função

de rezadeira. Segundo ela daí resulta benefícios que vai de graças alcançadas a

destaque na vida social, pois ela é sempre convidada a fazer parte de celebrações

em outras localidades onde é recebida com carinho e admiração.

Suas ações fazem de D. Tereza pessoa destacada e exemplo de vida

para muitos, principalmente para as rezadeiras que seguem os passos desta

simples mulher que não mede esforços ao demonstrar empenho com os rituais que

compõem a festividade em João Grande.

De alguma forma, mesmo com os conflitos que giram em torno da festa

devido à inclusão da aparelhagem, essa personagem mantém a preocupação em

revitalizar, em articular os ritos, mesmo que, para alguns, estes tenham tomado

24

PADROEIRA, forma respeitosa, carinhosa e admiradora de tratamento com D. Tereza. 25

LOPES, Benedita. Entrevista concedida ao autor. Viseu 10. Out. 2014. 26

LOPES, Tereza. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 26. Set. 2014.

Page 33: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

32

outras direções, que, a meu ver, modificaram o comportamento de muitos

participantes das comemorações religiosas. Uns preocupados com o lucro, outros

com os ritos, muitos ainda com diversão e assim a festa segue viva, ganha

vitalidade.

Atualmente as parceiras de reza, como também são chamadas entre si,

orgulham-se do papel que desempenham, agradecem por aprender com D. Tereza a

rezar em latim dando continuidade a esta herança, tornando visíveis aspectos

identitários afro-brasileiros em festas religiosas organizadas por descendentes de

escravos. Como diz D. Socorro.

Me sinto muito feliz em ser uma aprendiz de D. Tereza. Sempre incentivadora ela sempre fala que temos que preservar essa reza. Nossa responsabilidade também é ensinar a outros que virão e assim manter o que pra nós é uma tradição. Essa reza posso dizer que é uma reverencia que os devotos fazem para São Benedito, aqueles que ainda não rezam acompanham mesmo assim é uma reza bonita.27

A narrativa reforça a importância da figura que concentra minha

observação e o compromisso em dá seguimento a reza da ladainha, um dos mais

importantes ritos desde as primeiras festividades, como processo unificador,

relaciona-se com novos elementos que foram inseridos nas homenagens prestadas

a São Benedito de João grande.

Ressalto que as marcas da cultura africana não se resume a festividade

de São Benedito, se estende a outras manifestações, festas de congo, congados,

Folias de Reis, festas de Boi, Maracatus, sambas de roda, tambor de crioulo e

homenagens a outros santos católicos, que foram associados aos orixás, como

forma de manter viva ou recriar suas origens culturais( Martha Abreu, 2014, p.48)28

Podemos perceber que o processo de transformação entendido hoje,

como moderno não fez desaparecer as características da cultura africana que na

minha concepção se reinventou agregando outros valores culturais indígenas e

europeus.

Talvez por esse motivo se reforce assegurando conquistas evidenciadas

com o exercício da cidadania no campo político, artístico, religioso ou educacional,

desconstruindo termos preconceituosos e pejorativos. Essas conquistas marcam a

presença da cultura afro em muitos movimentos sociais e religiosos nos dias atuais

27

SOCORRO, Raimunda do. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 11. Out. 2014. 28

Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 9. Ed. n° 100. 2014. ABREU, Martha. A festa é dos negros.

Page 34: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

33

sendo reconhecida como aspectos importantes na formação da sociedade brasileira.

CAPITULO III: A PRESENÇA DA APARELHAGEM E SEUS IMPACTOS NA

FESTIVIDADE.

Neste capítulo serão destacados e analisados os aspectos de renovação

da festa, entre eles estão os discursos que vêem a aparelhagem e shows como

ameaças do fim da tradição, as questões econômicas e sociais que fazem parte do

contexto festivo e suas adaptações, aparelhagem e shows ao vivo.

Abordarei ainda o impacto causado por estes relevantes aspectos de

renovação, principalmente a aparelhagem de grande porte e shows de músicas ao

vivo na festividade a partir da década de 1980. O objetivo é refletir sobre os motivos

que levaram a introdução dessas novidades sonoras na festa de são Benedito, mas

que agora são aspectos integrantes das celebrações que homenageiam o santo

padroeiro, procurando destacar os aspectos econômicos, políticos e sociais.

As abordagens deste capítulo ajudarão a compreender que as mudanças

produzidas pela introdução desses novos aparatos musicais no baile, geraram

polemicas e críticas dos mais velhos. E, contrariando as previsões pessimistas

desse grupo, eles têm contribuído para a continuidade e o aumento de participantes

na festa, não afetando por completo o prestígio dos integrantes tradicionais nas

celebrações: os tamboreiros e rezadeiras, visto que cantoria, a reza e tambor

continuam presentes nas homenagens.

3.1. Os Primeiros sinais de Mudanças.

Neste tópico tratarei dos primeiros sinais de mudanças que irão marcar o

início das transições históricas na festa do barracão.

Antes da presença da aparelhagem, foram introduzidos outros aspectos

que fizeram parte do evento e que hoje já não existem, mas que talvez tenham

causado incômodos semelhantes aos mais antigos organizadores da festa. Para se

ter uma ideia, no que se refere ao instrumental da festa, o violino, o banjo, o

clarinete, cederam lugar para a onça e o reco-reco. Dos instrumentos mais

tradicionais, somente o pandeiro, a onça e o tambor permanecem até hoje.

Page 35: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

34

Com base nas informações colhidas de moradores antigos, só existia o

tambor tocado tanto nos ritos como no baile. Aos poucos, passaram a ser utilizados

instrumentos de corda e de sopro, representando os primeiros sinais de mudança na

sonoridade da festa. É possível que tenha havido discussão entre os tocadores a

respeito dessas novidades, mas isso é difícil avaliar pela total falta de informações

históricas. É provável, também, que eles tenham sido deixados de suprir os anseios

do grupo e, por isso, cederam espaço a outros aspectos que passaram a compor o

baile.

Esses elementos não mais usados por tocadores e cantadores da

comunidade, tiveram também seus momentos de gloria, pois foi no embalo de seus

sons que muitas vezes os integrantes da festividade se divertiram dançando no

barracão.

Entendo que a presença desses instrumentos representa a memória que

ajuda a contar a história do lugar para quem vive e celebra a festividade, de acordo

com o seu tempo, suas necessidades, ou expectativas, como forma de obterem

resultados que atendam seus interesses, coletivos ou individuais, associados às

celebrações religiosas e a festa dançante.

A memória é a propriedade de conservar certas informações, propriedade que se refere a um conjunto de funções psíquicas que permite ao individuo atualizar impressões ou informações passadas, ou reinterpretadas como passadas.29

De acordo com Jaques Le Goff, os elementos que integram a vivencia de

um determinado grupo social, seja qual e onde for, podem ser reinterpretados com

novas reflexões sobre o passado, atualizando as informações ou os conceitos já

formulados, sem excluir a memória histórica coletiva ou não.

Sendo assim os aspectos do passado entre eles os instrumentos de corda

ou de sopro inseridos na festividade de São Benedito em João Grande. Hoje já não

existem, mas, foram elementos importantes que ajudam a compreender o início das

mudanças ocorridas na festa que seguido como processo dinâmico com novos

sentidos, outros interesses e que não abandonou os traços identificadores da

tradição. Eles continuaram presente como veremos a seguir.

3.2. Ao som da vitrola e eletrola.

29

LE GOFF apud SILVA, Kalina e SILVA, Maciel. In: Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto. 2006.

Page 36: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

35

As mudanças acontecem de forma processual e lenta até mesmo com os

novos elementos que vão chegando e fazendo parte da festa propriamente dita,

como conta um morador da comunidade.

Eu nasci em 1926, mas aos seis anos eu já via minha família organizar a festa do santo. Muito toque de tambor, não tinha nada de aparelhagem e meu pai contava que o negócio era manter o tambor, pois dizia que meu avô era grande tocador, sabia repinicar, dava gosto. Muito depois foi chegando os instrumentos de corda e depois o de sopro e a festa foi mudando, mais o tambor estava lá, ninguém tirou. Casei em 1946 e ainda não tinha aparelhagem. Não sei dizer em que ano tocou a primeira aparelhagem, quer dizer a eletrola, mas acho que foi em 50. Quem poderia dizer direitinho era Valica, mas tá no fundo da rede muito doente e com 92 anos de idade, mas posso dizer que a primeira eletrola era a pilha. Me lembro que tinha gente que reclamava e queria que tudo voltasse como no tempo que agente dançava só no tambor.30

Perceber-se que junto com as mudanças surgiram insatisfações quando o

entrevistado relata que alguns reclamavam da presença da música eletrônica e que

gostariam de voltar aos tempos passados. Porém, os aspectos do passado podem

ser reinventados. O importante é compreender como essas mudanças foram se

estruturando, remodelando o comportamento dos integrantes da festividade, sem

excluir o símbolo mais importante em todo o evento: o tambor.

Os conflitos de ideias são inevitáveis, pois os pensamentos são diversos,

os interesses também, até mesmo dos primeiros tocadores de vitrolas que, segundo

as fontes, tocavam voluntariamente para experimentarem o aparelho musical ou

ajudar na divulgação da festividade, sendo, porém, a primeira intenção dos donos de

vitrolas ou eletrolas.

A fala do senhor Manoel Lopes remete a um tempo em que os moradores

mais antigos ainda se viam ligados ao baile realizado ao batuque do tambor, por

isso, reclamavam da presença da música eletrônica. Mas também me permite

pensar que nem todos faziam tal reclamação, visto que o público que participava da

festa não era homogêneo, pois ali estavam presentes, pelo menos, dois grupos com

comportamentos e ideias distintas.

Ao consultar outra fonte obtive informação importante para o ponto que

discuto neste tópico, porque antes da eletrola apareceu a vitrola, que apresenta

certa diferença em relação aquele aparelho, de acordo com o senhor Laudegário

30

LOPES, Manoel. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 08 Set.2013.

Page 37: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

36

Pereira de Sousa.

A festa do João Grande já foi muito diferente do que é hoje. Muita coisa tá diferente, olha! Depois que a festa deixou de ser só no tambor, veio os instrumentos de corda e de sopro aí o negócio seguiu, eu era ainda criança, mas me lembro de quando meu irmão tocou naquela festa, as coisas estavam mudando. Ele tinha uma vitrola. Foi o primeiro aparelho que chegou por aqui. Não que ele tenha sido o primeiro ater um desse. Mesmo porque ele não foi o primeiro a tocar lá. Depois foi que veio a eletrola. A vitrola não tinha pilha, era na corda que funcionava. Um cordão era enrolado num pino e puxado pra puder o disco tocar e tinha uma manivela que o tocador rolava pra dar mais força no giro do disco. Me lembro que quando o povo estava dançando a música parava, porque a corda rebentava e levava horas pra concertar. Às vezes, acabava a festa, havia alguma reclamação, só via gente dizer: ah o tambor! Isso era os mais velhos que falava, aí depois foi que veio a eletrola.31

A análise que faço é que a sucessão de instrumentos vai remodelando a

festa do barracão não de forma rápida e nem isenta de conflitos, mas trouxe

novidades como o disco de vinil que foi aceito por alguns e rejeitados por outros. A

música eletrônica, a partir dessas inovações, passou a fazer parte dos momentos

festivos da comunidade.

Pois é essa sequência de inclusão de novos aspectos que mostra os

impactos sofridos por um determinado grupo que a integra, em geral os mais velhos,

que gostariam de manter a tradicional forma de festejar o santo ou até mesmo

dançar no salão de festa.

É importante perceber que a tradição não se estagna no tempo,

renovando-se constantemente. O que desperta atenção são os idosos de hoje, que

resistem em aceitar a presença da aparelhagem e shows de músicas ao vivo, vistos

como deturpação ou anúncio do fim da tradição.

O dinamismo de toda essa desconfiança ou desconforto. É ver em sua

maioria que eram os jovens de ontem que curtiam, desfrutavam as novidades

sonoras do momento, mesmo tendo ocorrido censuras e críticas dos pais ou avós

contra eles, usando argumentos semelhantes aos que são utilizados atualmente em

relação aos jovens de hoje.

3.3. Os motivos da inclusão dos aspectos eletrônicos.

Pode ser que a introdução de novos objetos na festividade está associada

31

SOUSA, Laudegário Pereira de. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 13. Ago. 2014.

Page 38: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

37

à divulgação e inovação do evento, pois não havia ali um interesse econômico, por

que mesmo com o elemento sonoro no barracão a estrutura da festa continuava

rústica. As corridas de café e de bolo permaneceram por muito tempo de forma

gratuita, sem a preocupação comercial, e sim com o objetivo de agradar o

participante.

Veja o que diz o senhor Antônio Gonçalves dos Anjos.

A bebida era distribuída e geralmente cachaça e vinho, pois aquele que quisesse beber para se embriagar, trazia de casa e bebia bem longe do lugar da festa. Era assim a festa, as pessoas que vinha de outras comunidades já sabia como era. O dono dos aparelhos ficava satisfeito em tocar na festa, mas despois isso mudou, mas de primeiro era só pra se divertir mesmo, o povo vinha ver. Era bom mesmo.32

Nota-se que a introdução da música eletrônica da festa, não mostra que o

dono do aparelho ou o organizador da festividade visassem, necessariamente,

retorno financeiro. Ao que parece, eles queriam promover a sua divulgação, fazer

mais conhecida à festa que tinha como objetivo maior homenagear o santo.

Mas na fala do senhor Antônio aparecem os primeiros indícios que essa

falta de vantagens financeiras será superada, quando diz que isso mudou com o

tempo. Penso que a mudança referenciada aqui, seja a acentuação de interesses

econômicos, que irão intensificar os conflitos e tensões sociais entre os participantes

da festividade, ou seja, entre os mais velhos e os mais jovens.

Quero ressaltar que as insatisfações surgem não somente por causado

fator econômico, mas a partir da presença dos primeiros aspetos sonoros como a

vitrola e eletrola, que substituíram os instrumentos de corda e de sopro passando a

ocupar certo espaço dentro da festa. Digo certo espaço por que sua presença não

foi o suficiente para banir o tambor do salão onde acontecia o baile.

3.4. Mudanças sonoras: conflitos e tensões no interior da festa.

Neste tópico discutirei os impasses entre os mais velhos e os mais jovens

como participantes da festa em homenagem a São Benedito, onde uns não queriam

o eletrônico e outros aceitaram sem muitos problemas, isso ajuda a entender que

nem todos os anciãos resistem às mudanças e que ao mesmo tempo pode existir

jovens tão conservadores quanto os mais velhos, logo as opiniões dos grupos são

32

ANJOS, Antônio Gonçalves dos. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 05. Mar. 2014

Page 39: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

38

muito diversas em relação à festividade.

A pesquisa me levou a perceber que os primeiros conflitos gerados entre

velhos e novos giram em torno de manter o baile com o toque do tambor ou dos

aparelhos eletrônicos.

O argumento usado pelos anciãos é que a presença da aparelhagem

acabaria com a tradição, valores e costumes, além de trazer outros pontos

negativos, como a desorganização e a perda do sentido original da festa, que

conferiria identidade ao grupo, colocando em jogo o fim das práticas ensinadas

pelos seus ancestrais.

Para os mais jovens era momento de inovar, incorporar novos elementos,

pois o tambor era do tempo de seus bisavôs, muito antigo, estava na hora de fazer a

festa de outro jeito, cedendo espaço para o toque do aparelho eletrônico.

Entendo o conflito por parte de alguns participantes com certa

preocupação não de somente manter o costume, a tradição, mas o de não poder

acompanhar o ritmo dos jovens, que procuravam uma nova forma de diversão

através do toque do vinil que atraia rapazes e moças, ou até mesmo o medo dos

mais velhos perderem seus lugares de destaque não só na festa, mas também na

comunidade.Veja o que diz Marizete Cardoso.

A festa foi mudando aos pouco, pois me recordo que quando chegava os dias da festa, muita gente ia só para dançar, outros iam por causa da comida que era distribuída. Tinha mandicueira,33 bolo de macaxeira, carne de porco e de boi. Mas quando chegou o aparelho eu ainda era jovem e me lembro que os velhos não gostaram da musica do aparelho, não sabiam dançar, quer dizer sabiam com o tambor. Não gostavam, dizendo que era barulhento, queriam o tambor, mais os jovens queriam a festa sem tambor, era aquela coisa um queria tambor e outro queria aparelho uma confusão danada, os jovens não ia quando a festa era no tambor, já os velho ia isso foi uma luta.34

De acordo com a narrativa, os conflitos se estenderam e não foi resolvido

de uma hora para outra. Os antigos se sentiram incomodados com a presença dos

aparelhos eletrônicos, porque representavam barulho e lhes tirava o espaço dentro

do baile, pois, como disse a fonte, não sabiam dançar. Isso nos leva a refletir que,

ao selecionado do passado aspectos tidos como tradicionais esses sujeitos estavam

expressando um conjunto de pressões no tempo presente em relação à festa.

Mesmo porque, a festividade não deixou de existir, e, de alguma forma,

33

MANDICUEIRA, Mingau feito com arroz ou milho. 34

LOPES, Marizete Cardoso. Entrevista concedida ao autor. João Grande, Viseu, 14 Ago. 2014.

Page 40: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

39

eles buscaram garantir um momento no qual continuassem como anfitriões do

barracão. A luta comentada e relacionada ao evento refere-se às muitas festas nas

quais foram alternados os sons do tambor e da aparelhagem.

Para reforçar minha análise, cito a fala de um dono de aparelho, o senhor

Laudegário Pereira de Sousa, já citado em outro ponto desta narrativa:

A chegada da aparelhagem provocou conflitos e mudanças. Não acabou com o toque do tambor que tem ainda hoje. Os mais jovens já não frequentavam as noites de tambor com entusiasmo como nas noites da festa ao toque do vinil. Começou a chegar mais gente, apesar do difícil acesso a vila de João grande. Vinham pelo caminho. Não tinha estrada. Os velhos reclamavam muito, os novos queriam acabar com o tambor e pra acalmar o negócio, foi criado o primeiro dia de festa dançante com o tambor aí foram se organizando de novo.35

A fala do senhor Laudegário é de grande importância porque mostra os

primeiros sinais de aceitação do novo e certo relacionamento compreensivo entre as

partes quando acordam em fazer o baile com o toque do aparelho eletrônico, porém

mantendo o tambor como símbolo tradicional marcante da festa.

Percebo que as mudanças associam-se a vinda de visitantes de outras

localidades vizinhas ou mais distantes provocada pela presença desse novo objeto

incorporado a festividade do santo glorioso em João grande. Ela se reorganiza de

acordo com as transformações sociais ou culturais e às necessidades do momento

vivenciadas pelo grupo.

Segundo Eric Robsbawn, mesmo os “complexos simbólicos e rituais”36

mais antigos e associados a uma tradição não podem ser vistos como rígidos ou

rapidamente obsoletos. Eles se adaptam toda vez que for necessário garantir a

conservação de “velhos costumes em condições novas ou usar velhos modelos para

novos fins. Instituições antigas, com funções estabelecidas, referência são passado

e linguagem e práticas rituais podem sentir necessidade de fazer adaptação”.37

Para esse autor, as mudanças decorrem das necessidades estabelecidas

por novos contextos históricos sociais, culturais, econômicos, políticos, tecnológicos

etc. As tradições não são, portanto, imutáveis, visto que estas podem ser adaptadas

sem perder o elo estabelecido com o passado. É possível, então, dizer que a

inclusão da eletrola como novo elemento da festa de São Benedito em João grande

35

SOUSA, Laudegário Pereira de. Entrevista concedida ao autor. João Grande, Viseu, 5 ago. 2014. 36

ROBSBAWM, Eric e RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p.12. 37

Idem, ibidem, p.13

Page 41: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

40

cedeu às pressões do tempo, de forma mais evidente às inovações tecnológicas e

aos grupos sociais que a defendiam.

Nesse sentido os costumes e práticas da festividade não desapareceram,

mas foram reorganizadas para atender novos anseios dos participantes. Anseios

estes que se associaram aos aspectos políticos, sociais e econômicos. Vejo que

foram incluídos novos elementos como a aparelhagem e mantidos outros entre os

quais a reza e o tambor, elementos que tornam visíveis às praticas tradicionais no

momento presente.

Com esse novo olhar, a festa ganha mais ludicidade, tornando-se

atraente principalmente para os mais jovens, mas que não eliminou a participação

dos mais velhos que continuam inseridos no evento. Que segundo seu Antônio

Gonçalves dos Anjos, já citado anteriormente diz que nos primeiros bailes ao toque

de aparelhos sonoro, era bom e todos se divertiam.

O entrevistado não faz relatos sobre faixa etária, portanto acredito que ali

estava um público de idade bem variada. “Veja a fala:” O dono dos aparelhos ficava

satisfeito em tocar na festa, mas, despois isso mudou, mas de primeiro ere só pra se

divertir mesmo o povo vinha ver, era bom mesmo. ”38

A fonte ajuda a esclarecer que a inclusão dos recursos sonoros na festa

não atraiu somente os mais jovens, mas, os mais velhos também conviveram com o

novo, mesmo não sendo a maioria, alguns se divertiam ao som do eletrônico.

Observa-se que as homenagens ao santo preto contem aspectos do

passado no presente de forma remodelada, com a experimentação de novos

elementos que pode ter outro sentido, econômico ou social. Porém, com a mesma

importância a outras festas anteriores que não apresentavam tais interesses, nas

quais dançavam e bebiam se divertindo, convivendo com o sagrado e o religioso

assim como nos anos 80. Nota-se que a festa se modificou porque foram

incorporados novos elementos, mas, não perdeu os aspectos da tradição como será

observado no tópico seguinte.

3.5. A inclusão das aparelhagens de grande porte e suas relevâncias.

Neste tópico discutirei a presença das grandes aparelhagens na festa

38

ANJOS, Antônio Gonçalves dos. Entrevista concedida ao autor. Viseu. 05 Mar. 2014.

Page 42: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

41

enfatizando os pontos que motivaram sua inclusão e como esta foi recebida pelos

integrantes das celebrações que festejam São Benedito.

Apesar dos primeiros experimentos dos aparelhos eletrônicos na festa

como a vitrola, eletrola na década de 50, passando por inúmeros conflitos. Somente

nos anos 80 em constante renovação apareceram sons motorizados com o uso de

geradores, como foi o “O Sonoro São Sebastião, o Clássico peumex e Eletroluz

Tupi”.

Mas foi na década de 1980 que surgiram as primeiras aparelhagens de

grande porte com tecnologias renovadas que na época atraíram a atenção pela

enorme parafernália e pela potência do som, causando certo impacto entre os

moradores de João Grande. O primeiro grande aparelho na festividade foi o “Clube

do Remo”, da cidade de Bragança, levado em 1985 pelos juízes da festa, os

senhores Almir Pinheiro Lopes (Tibuço) e José Ribamar dos Santo Sousa (Zé

Gurupi).

Com a integração dos grandes aparelhos, houve uma maior participação

na festa do barracão, aumentando o número de frequentadores independentemente

de classe social, de cor e de idade. Por outro lado, os conflitos voltam a ser mais

acirrados, visto que o barulho era intenso, a ponto de incomodar o sono dos muitos

moradores, que já não frequentavam o baile por essa razão.

Muitos participantes passaram a se sentir mais interessados em especial

os mais jovens se sentindo mais envolvidos com as novidades da tecnologia. As

músicas, com seus variados ritmos, tornaram-se um atrativo a mais. Porém, vale

ressaltar, os novos sempre estiveram presentes na festividade do santo, ainda que

para os idosos não seja visto de tal forma, como narra um morador da comunidade.

A introdução dos grandes aparelhos não acabou com a tradição, mais quebrou o seu verdadeiro sentido, porque a festa dançante hoje passou a ser uma forma de ganhar dinheiro, o que antes era dado, hoje é vendido, bebida de todo tipo, virou comercio e a fé ficou de lado, pouco é os jovens que frequenta os ritos na igreja agora só querem festa, antes desses aparelhos o povo aqui era mais unido, a festa dá dinheiro então todo mundo quer fazer.39

O relato feito pelo senhor Adelmo recorre à lembrança de um passado no

que teria predominado o sentido religioso da festa para criticar o deslocamento

desse sentido em direção às preocupações econômicas trazidas com a introdução

das aparelhagens. Essa novidade teria desencadeado um interesse maior pela

39

PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu. 08 Set. 2013.

Page 43: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

42

organização da festividade, impulsionado pelo lucro resultante do comercio de

bebidas, leilões, bingos e vendas de bancas ou bilheteria.

As evidencias colhidas neste estudo. Levam-me a concordar com a

presença mais acentuada desse interesse econômico, já que com evolução das

aparelhagens e os gastos com o custeio da festa, os organizadores deixaram de

oferecer bebida gratuita, os tocadores que antes tocavam voluntariamente passaram

a cobrar pelo serviço prestado, as regras mudaram, os lucros apareceram e estes

despertaram um interesse maior nos organizadores.

Como diz o senhor João Cardoso.

A festa ao toque da aparelhagem ficou assim mais ou menos se o aparelho é de grande porte representa valorização do evento e a força de quem organiza, se o aparelho for pequeno falta de organização e enfraquecimento da festa.40

Com base na fonte parece ficar claro que a organização também passou

a representar status social para o juiz da festa, sendo muitas vezes procurado por

políticos municipais como vereadores na busca de uma aproximação eleitoral por

conta da referência e liderança que exercem na comunidade.

A festa, porém, fica oscilante dando a entender que quanto maior for o

aparelho eletrônico, maior a participação popular, mais vendas e maiores os

recursos financeiros a serem arrecadados, acirrando ainda mais o controle da

festividade, já que, nesse caso, todo o lucro fica com o organizador.

Junto com as aparelhagens vieram também os shows de música ao vivo,

com bandas e cantores paraenses que fizeram sucesso no interior do Pará como foi

o caso do cantor de brega Juca Medalha. Ele foi o primeiro a cantar acompanhado

pelo Arte Som de Belém do Pará. Outro cantor a se fazer presente na festa de São

Benedito foi Marlon do Brasil, acompanhado de sua banda.

Ainda com base na fonte, não há um número exato de quantas pessoas

frequentavam a festa por falta de documentos, mas estima-se que antes da

aparelhagem a quantidade de frequentadores era bem menor oscilando entre 600 ou

700.

Porém a partir dos anos 80 esse número cresceu chegando atingir

aproximadamente 5.000 (cinco mil) participantes dependendo na maioria das vezes

da organização ou da novidade sonora. Podemos considerar que nesse aspecto a

40

CARDOSO, João. Entrevista concedida ao autor. Viseu. 08 Nov. 2013.

Page 44: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

43

festa sofreu extrema mudança resultante da inclusão dos grandes aparelhos como

novo modelo de organização da festa.

Os grandes aparelhos e bandas ao vivo levaram os jovens se

preocuparem em adquirirem boas vestimentas e a trabalharem para terem o que

gastarem nos dias de festa. Isso porque não pretendiam se sentirem inferiores aos

demais participantes atraídos de outros lugares vizinhos ou distantes, como os

piqueniques organizados por famílias do lugar que residem em outros estados do

Brasil, entre eles Amapá, Amazonas e Rio de Janeiro.

Esses investimentos aparecem como resultados das transformações

ocorridas na festa que homenageia o glorioso São Benedito padroeiro de João

Grande e quanto é importante para quem organiza as celebrações na comunidade,

visto que o lucro da festa era variável. Já atingiu em uma só noite R$ 19.000

(dezenove mil reais) o que culminou em uma listagem de nomes até 2020, essa

listagem serve como garantia do controle e organização da festa, acirrando a disputa

entre os juízes organizadores, de acordo com João Cardoso.41

Observo, no entanto, que, mesmo com todas essas mudanças nas quais

a aparelhagem e os shows se transformaram em atrativos modernos de renovação

da festa, elas não substituíram a importância da reza e outros ritos praticados ali,

principalmente o tambor, que ainda marcam o sentido de identificação do grupo.

Ressalto que outros elementos incorporados contribuíram, a seu modo, para garantir

a continuidade da tradição, pois ela não é imutável, podendo sofrer readaptações.

Sendo assim, entendo que os motivos que incluíram as grandes

aparelhagens estão sim relacionados à divulgação, inovação, interesse econômico,

status social, atração ao público, mas também como seguimento às homenagens a

São Benedito.

Isso porque os organizadores da festividade de São Benedito em João

Grande são pessoas simples. Mas, aparecem como sujeitos destacados na

comunidade desenvolvendo funções relevantes nas celebrações, sejam as

rezadeiras, ou os tamboreiros, cujas práticas culturais reúnem experiências e

ensinamentos aos mais jovens, neste cenário de convivência social. Nesse sentido,

jovens e anciãos vão interagindo no espaço de mudanças e permanências,

garantindo a sobrevivência da tradição, mesmo com os conflitos entre eles.

41

CARDOSO, João. Entrevista Concedida ao autor. João Grande. Viseu. 15 Set.2013.

Page 45: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

44

Para Joaquim Justino Moura dos Santos, a história está inserida em um

processo de intensa relação vivida cotidianamente por seus habitantes sejam nos

aspectos políticos ou culturais independentemente do espaço onde vivem. Todos

têm uma história, uma identidade. Como afirma o autor.

A reconstrução histórica de um lugar seja quando, qual e onde for integra-se historicamente a espaços e contextos mais amplos a partir dos papeis e condições econômicas, políticas, sociais e culturais vividas no dia a dia com seus habitantes e por eles próprios, seja no município, no país e no mundo.42

Ressalto que os moradores da comunidade estudada são sujeitos que

ajudam a contar parte da história de João Grande, porque estão envolvidos nesse

processo histórico de maneira individual ou coletiva, contribuindo com a construção

da história do lugar onde vivem dando continuidade as práticas e costumes

vivenciados pelos moradores da comunidade. Pelo destaque desses homens e

mulheres, também pela grandiosidade da festa é curioso pensar a falta de apoio a

essa manifestação cultural que tem relevância na região viseuense.

Ao concluir a pesquisa sobre a festividade de São Benedito nota-se a sua

importância para a comunidade, como aspecto que sustenta os traços das praticas

religiosas organizadas por descendentes de escravos, o valor que os tradicionais

têm para os mais novos como lideres comunitários mesmo apesar dos conflitos. A

pesquisa revelou ainda a total falta de apoio e incentivo por parte das autoridades

constituídas, que não conseguem ver nenhum valor histórico na festividade.

42

SANTOS, Justino Moura dos. História do lugar: Um método de ensino e pesquisa para as escolas de nível médio e fundamental. (2002. p.110).

Page 46: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

45

CONSIDERAÇÔES FINAIS

Neste trabalho foram apresentados aspectos tradicionais, rezadeiras e

tamboreiros, elementos renovadores, aparelhagem e shows de música ao vivo, que

convivem na festa de São Benedito em João Grande, desde a década de 1980.

Nesse contexto, esses aspectos contribuíram para a sua revitalização a cada ano,

mesmo que o convívio entre eles suscite conflitos e tensões entre os participantes

das celebrações. Com eles a festa se reatualiza, ganha novos significados, mas

mantém o seu caráter de garantir a coesão social e a identidade da comunidade.

Esses aspectos têm importante papel nesse embate sociocultural no

interior da festa, criando condições para sustentar as práticas comuns e tradicionais

do evento: tambor, reza, cantoria e festa dançante. Tamboreiros e rezadeiras são

sujeitos que no desenrolar das negociações conflitantes asseguraram seus espaços,

estabelecendo seus privilégios de liderança, compartilhando sentimentos religiosos

ou não, uma vez que se concebem integrantes de um evento que se realiza entre o

“religioso” e o “profano”.

A pesquisa teve como objetivo observar as mudanças sonoras na

festividade nos anos 80, tendo o tambor como elemento de ligação entre passado e

o presente. O estudo trouxe resultados significativos porque revelou em

consideração a importância dos aspectos tradicionais para a comunidade local e

outras que reconhecem seus valores históricos para a região de Viseu.

Percebe-se, no entanto, que, apesar de sua relevância cultural, a

festividade acaba não sendo devidamente considerada como tal nos meios

institucionais e de divulgação do município. A dificuldade de encontrar fontes

documentais em arquivo sobre a festa na década de 80 evidencia esse descaso.

Mesmo mais recentemente, ele se mantém, quando se observa que os documentos

informativos oficiais do município, dos anos de 2011 e 2012, não foram encontrados

nem uma referência ao evento, foto ou comentário.

Apesar de o informativo apresentar várias obras executadas pela gestão

municipal, este não mostra informações sobre a festividade de São Benedito. Penso

que a divulgação desse evento valoriza o patrimônio cultural que compõem a historia

de Viseu. Para se ter uma melhor compreensão, no informativo do ano de 2014 na

sua quarta edição aparece uma foto referente ao Círio de Nossa Senhora de Nazaré

do ano 2013, e nada sobre a festividade de João Grande, em um caderno com 28

Page 47: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

46

folhas.43

Outra fonte consultada, que mantém estreita relação com a assessoria de

comunicação do município, foi o Jornal Tribuna do Caeté. Na edição número 285 de

2014 encontra-se em destaque, além das autoridades, fotos que divulgam

principalmente os eventos esportivos do município, como o futsal.44

Pesquisei em arquivos, jornais e revistas usados como meios

divulgadores da cultura regional paraense. Como foi o caso da revista Ver o Para

que em sua edição número12, de Setembro de 1998, indicando 52 municípios do

interior do estado como rotas de destaque no setor de turismo, não faz nenhuma

relação às festas tradicionais e nem cita quais são estes municípios. Somente no

ano de 2001 em sua ed. nº01, ela faz um breve comentário sobre a Marujada de

Bragança.45

Não há interesse institucional em divulgá-la ou reconhecê-la como

elemento importante que compõem o patrimônio cultural do município, muito menos

tornar presente no currículo escolar municipal essa festa.

É preciso valorizar devidamente a cultura local criando espaços de

reconhecimento a sua identidade e de seus direitos, portanto estudar sobre o tema

que tange a cultura afro-brasileira é um compromisso que diz respeito a todos os

brasileiros, uma vez que devem educar-se e conviver enquanto cidadãos em uma

sociedade multicultural no sentido de construir uma sociedade democrática e

conhecedora de suas raízes históricas.

Nessa perspectiva, é dever das autoridades instituídas municipais e

direito dos sujeitos interessados, em cobrarem a inclusão dessa face da história

local no currículo escolar, propondo, a partir daí atividades que despertam nos

alunos reflexões sobre as contribuições que esses sujeitos remanescentes de

escravos têm na história municipal e brasileira.

As autoridades devem no mínimo reconhecer o valor histórico desses

sujeitos e da comunidade onde se encontram, para compreender suas relações

sociais, seus hábitos, costumes e práticas religiosas. Deve ser responsabilidade das

autoridades muitas vezes detentoras dos meios de comunicação, divulgar e dar

apoio a praticas culturais do município seja elas afros ou não.

43

Informativo da prefeitura municipal de Viseu. ed. nº. 2. Nov. 2011; ed. nº.3. Jan. 2012; ed. nº. 4. Jan. 2014. 44

Jornal Tribuna do Caeté. ed. nº. 285. Mai. 2014. 45

Revista ver o Pará. ed. nº. 12. Jun. 1998, p.66; ed. nº. 01. Set. 2001. p.60.

Page 48: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

47

Quero reforçar que os elementos tradicionais da festa analisado no

decorrer da pesquisa são relevantes, mas, passam despercebidos pelas

autoridades municipais e pela grande maioria da população, em especial os alunos.

Mas apesar dessa falta de conhecimento e reconhecimento oficial, os tamboreiros e

rezadeiras, verdadeiros anfitriões das celebrações são respeitados e admirados por

populares que reconhecem o valor de suas praticas para garantir a continuidade da

tradição indenitária da comunidade de João Grande.

Os tamboreiros e rezadeiras são importantes também nas comunidades

vizinhas, convidados por organizadores de festas de santo para rezarem e tocar

tambor, de qual quer forma, estão contribuindo com a permanência tradicional da

cultura local.

É muito importante tomar conhecimento sobre os costumes que compõe o

processo que envolve a construção da identidade negra no município de Viseu. Pois

a falta de interesse e apoio aos eventos organizados por descendentes de escravos

pode estar associada à discriminação e ao preconceito em relação ao lugar e seus

organizadores e participantes.

Quero ressaltar que a minha perspectiva não foi caracterizar esses

aspectos históricos tradicionais, tamboreiros e rezadeiras como centro das

atenções, mas, destacar seus valores como sujeitos atuantes nesse processo de

mudanças e permanências da identidade afro descendente no interior da festividade

de são Benedito em João Grande, nos dias atuais.

Por fim, é bom que se diga que os conhecimentos adquiridos por meio da

pesquisa podem ajudar no processo de ensino-aprendizagem da história, na pratica

pedagógica do ensino de história. Trata-se de um estudo que, longe de ser

conclusivo, contribui para a história e para a cultura afro-brasileira local, suas formas

de manifestação, os sentidos e significados a ela atribuídos pelos sujeitos sociais

envolvidos.

Fontes orais

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48

CARDOSO, João. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 08 Nov.2013.

DE SOUSA, Laudegário Pereira. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 13 Ago.2014.

DOS ANJOS, Antônio Gonçalves. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 05 Mar.2014.

LISBOA, Zenir. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 03 Out. 2013.

LOPES, Manoel. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 08 Set.2013.

LOPES, Marizete Cardoso. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 14 Ago.2014.

LOPES, Tereza. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 17 Set.2013.

PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande - Viseu, 10 Jun.2013.

PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande-Viseu, 14 Ago.2013.

Tamboreiros. Entrevista concedida ao autor. João Grande-Viseu, 10 JUN.2013.

Jornais/Revistas

Informativo da prefeitura Municipal de Viseu. ed. nº. 2.Nov. 2011; ed. nº.3 Jan. 2012;

ed. nº.4 Jan. 2014.

Informativo da Região bragantina Tribuna do Caeté. ed. 285. Maio. 2014

Revista Ver o Pará. Ed. nº. 2. Ano 1993.

Revista Ver o Pará. ed. nº. 27. Maio/Jun.2004; ed. nº. 1. Set. 2001; ed. nº. 12.

Jun.1998.

Imagens

Fotos, DVD e CD dos arquivos pessoais dos integrantes da festividade de são

Benedito de João Grande.

Locais de pesquisa.

Biblioteca Municipal de Viseu. Professora Odete Ferreira. 03 Nov. 2014.

Arquivo da Câmara Municipal Dr. Albino Junior. 03/05 Nov. 2014

Arquivo Público municipal de Viseu. 05 Nov. 2014.

Secretaria Municipal de Cultura Desporto e Lazer. 05 Nov.2014.

Referências Bibliográficas.

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49

ABREU, Martha. A festa é dos negros. In: Nós, o povo: Cem páginas sob uma

perspectiva incomum da formação nacional. Revista de História da Biblioteca

Nacional. Ano 9. Ed. n° 100. Jan. 2014.

AMADO, Janaina e FERREIRA, Marieta de Moraes: Uso e abusos da história oral.Rio de Janeiro: FGV, 2005.

BRANDÃO, Dedival da Silva. Os tambores da esperança: um estudo sobre cultura, religião, simbolismo e ritual na festa de São Benedito da cidade de Bragança. Belém: Falangola, (jul.- 1997, P.66-116).

Cf. REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

LEGOFF apud SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Manoel Henrique In: Dicionário de

conceitos históricos. Ed. Contexto-São Paulo. 2006.

MAUÉS, Raymundo Heraldo. Outra Amazônia: os santos e o catolicismo popular. Norte Ciência, v. 2, n. 1, Belém, 2011. Disponível em <http://aparaciencias.org/vol-2.1/01_artigoHeraldo.pdf>. Acesso em 15 jan. 2015.

PINTO, Benedita Celeste de Moraes. Memória, cantorias, danças e ritual em um povoado Amazônico. BCMP, Cametá. 2007.

ROBSBAWN, Eric. A invenção Das Tradições. Rio de janeiro: Paz e Terra. 1997.

ROSA, Maria Cecilia Amaral de. Dicionário de símbolos: O alfabeto da linguagem interior. São Paulo: Escala 2009.

SANTOS, Joaquim Justino Moura dos. História do lugar: Um método de ensino e pesquisa para as escolas de ensino médio e fundamental. História, ciência e saúde, Rio de Janeiro, v.9, n. 1, jan.-abr. 2002.

VAINFAS, Ronaldo. Sincretismo nosso de cada dia. In. Nós, o povo: cem páginas sob uma perspectiva em comum da formação nacional. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 9. ed. nº 100. Jan. 2014

WILLIAMS, Raymond. Marxismo e leitura. Rio de janeiro: Zahar Editora, 1979.

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50

ANEXO

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51

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PARA A COMUNIDADE

PESQUISADA E MUNICÍPIO.

TEMA: ENTRE O TAMBOR E A APARELHAGEM: MUDANÇAS

SONORAS NA FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO EM JOÃO

GRANDE VISEU NA (DÉCADA DE 80).

Debate Teórico

“Celebrações herdadas do cativeiro sobreviveram à abolição, atravessaram o século e ainda hoje fortalecem a identidade afro descendente. Festas de jongo, congado, folias de reis, festas de boi, maracatus, cocos, tambores de crioula e sambas de roda- criadas e recriadas pelos africanos e seus descendentes ao longo do século XIX, a presença dessas festas no século XXI desafia folcloristas e intelectuais. A previsão era de desaparecimento em função das irresistíveis pressões da miscigenação e da modernidade.” ( Martha Abreu, 2014).46

Entende-se que mesmo depois da abolição e ao longo do século XIX e

XX, passando por difíceis condições de sobrevivência dos ex-escravos e também

das políticas quase oficiais de exclusão por parte não só do clero, mas de grande

parte da sociedade branca, essas festas impuseram-se culturalmente no novo

contexto republicano.

Estas festas procuram enfatizar as ações de luta e resistência contra as

perseguições de manifestações negras que hoje representam a força de um

patrimônio histórico construído nos dias de cativeiro, festas religiosas ou outras

manifestações que compõem a formação da cultura brasileira.

É de suma importância compreender o valor que as festas religiosas

organizadas por descendentes de africanos têm para o povo brasileiro como é a

festa de São Benedito em João Grande que tem relevante importância para a

comunidade e historicidade do Município.

É relevante observar que as manifestações religiosas ou não, mas de

origem afro ganharam destaque e reconhecimento oficial do Instituto do Patrimônio

46

ABREU, Martha. Revista de Historia da Biblioteca Nacional. 2014.ir

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52

Histórico e Artístico Nacional. Onde a lei 10.639/2003, por sua vez tornou obrigatório

o ensino de história e cultura afro- brasileira nas escolas.

Esses mecanismos de interpretação sobre as festas de santos

organizados por negros devem ser trabalhados em sala de aula pelos profissionais

de história podendo-se fazer várias reflexões sobre períodos históricos. É preciso

reconhecer a importância das manifestações culturais de matrizes africanas para a

história e aculturas brasileiras que está referendado no reconhecimento oficial (IPH)

na lei 10.639/2003.

A lei em si representa a valorização da cultura negra, porém sua

aprovação representa um caráter histórico de luta e conquista do movimento negro

no Brasil a partir da década de 80, na luta contra o preconceito e a noção de

democracia racial.

A valorização dos praticas religiosas negras articula-se com novos

rumos, significados, representações e sentidos diferentes, embora tenha de

enfrentar inúmeros conflitos, muitas vezes impostos pelo crescimento dos

movimentos religiosos de outras vertentes. Ressalta-se que conflitos e mudanças

fazem parte de todas as festas em qualquer tempo ou espaço.

Discutir com os alunos sobre o tema é uma boa estratégia para contar a

história da festa de São Benedito organizada na comunidade, primeiros

organizadores, relatando seus nomes, organização dos ritos e seus significados, que

relação ela tem com a igreja local, seus personagens participantes.

Refletir sobre os elementos tradicionais, tamboreiros e rezadeiras, tambor,

danças, versos ou emboladas e outros aspectos renovadores, aparelhagem e

musica ao vivo. O professor de história deverá historicisar esses elementos

componentes da festa apontando as mudanças, conflitos que envolvem a

festividade.

A festa de São Benedito de João grande se realiza todos os anos de 20 a

27 de Dezembro. Seus organizadores são descendentes de escravos de

propriedade de senhores que exploravam os recursos minerais e agrícolas na região

de Viseu, como foi o caso do senhor Francisco Aureliano de Sousa, dono de

escravos e de terras no município incluindo a localidade de João Grande.

Mesmo que o evento de São Benedito seja desconhecido pelos

estudiosos e vivendo no anonimato representa um riquíssimo universo social,

Page 54: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

53

cultural e político construído por descendente de escravos no pós-abolição e ao

longo do século XX e de grande relevância para a história do município de Viseu.

A partir dos argumentos apresentados pretendo apontar uma sugestão de

trabalho. Com intuito de fomentar e enfatizar a necessidades de conhecer a história

de nosso próprio Município e do Estado do Pará a fim de valorizar o espaço cultural

em que se vive podendo assim respeitá-lo e preservar sua memória coletiva,

individual e histórica.

Essas e outras manifestações negras tornaram-se objeto de pesquisa de

historiadores sendo utilizada como material didático com certa frequência nas aulas

de História. Entre os “tipos” que atraem tanto pesquisadores brasileiros como

professores, destaca-se: festa do boi, samba de roda, maracatus, festa de santos,

congado e tambor de crioula entre outros.

As praticas e ritos muitas vezes expressam todo um processo histórico

vigente instalado no Brasil, no período colonial e escravocrata. Essas manifestações

representam a luta por parte de um povo pobre e marginalizado que se manifestava

através de danças ou rituais para mostrar toda a sua indignação e resistência contra

as variadas formas de exploração. Nesse sentido é importante levar para a sala de

aula e problematizar junto com os alunos esses aspectos como forma de valorizar e

compreender a história da qual fazemos parte.

A festividade de São Benedito além de outras festas religiosas que são

praticadas na região de Viseu é um recurso rico em conteúdo, nelas pode-se notar

toda uma cultura popular que vem se propagando desde o início da formação da

sociedade brasileira. Sem contar que nos dias atuais ela é uma entre várias culturas

de massa, que se pode ter acesso, independente de qualquer classe social, fator de

grande valor podendo ser utilizado pelo profissional de história em seu exercício,

seja de pesquisador ou de professor, dependendo da situação que ocorra. Para

fazer ou refletir o momento ocorrido.

Os cantos, versos, ritos ou outros elementos instrumentais como o

tambor, a onça, o pandeiro e outros instrumentos usados pelos participantes das

celebrações, podem ser trabalhados em sala de aula pelo professor, com o objetivo

de fazer uma abordagem historiográfica e histórica com o conteúdo a ser explorado.

A música, o teatro e a poesia também podem ser utilizados no mesmo

modo que os cantos tais como: O uso de produção por parte do profissional da área

de história sempre esclarecendo importância e significado, para que os alunos

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54

entendam o sentido dos acontecimentos históricos local, para fazer que ocorra uma

reflexão e interpretação do aluno na prática aplicada em sala de aula.

Sendo assim, ritos, musicas e os versos praticados na festa do santo

serão de grande relevância para compreender os sentidos e representações da

religiosidade negra na história do município de Viseu, como também para o auxilio

ao profissional da área se utilizar em sala de aula com o alunado.

Segundo a autora Yeda Pessoa de Castro (2013)47enfatiza que: “Esse

repertório litúrgico transmitido por tradição oral popularizou-se por meio da mídia e

compositores da MPB, de blocos afros e afoxés, samba-enredo e telenovelas”.Nesse

sentido podemos perceber que a musicalidade religiosa é de grande destaque para

a absorção de conhecimento sobre cultos e ritos afro descendentes e como eles se

manifestam no interior da cultura brasileira.

Dessa forma busca-se estimular o valor e uma melhor compreensão a

respeito de práticas religiosas de origem africana através da pratica pedagógica no

ensino aprendizagem possibilitando aos alunos um aprendizado natural e

desprovido de termos preconceituosos e estereotipado.

Baseado nessas informações o profissional de história pode se utilizar de

diversas maneiras em sala de aula. A temática pode ainda assumir o papel de

destaque para uma classe participativa sendo ainda o ponto de partida para o

professor de história desenvolver uma aula produtiva e reflexiva.

47

CASTRO, Yeda Pessoa de. Revista de História da Biblioteca Nacional. ( 2013.P.38).

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55

DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES

TEMA: ENTRE O TAMBOR E A APARELHAGEM: MUDANÇAS

SONORAS NA FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO EM JOÃO

GRANDE VISEU NA (DÉCADA DE 80).

Objetivos:

Conhecer as manifestações da religiosidade negra no Município de Viseu.

Refletir sobre a importância e as contribuições para a formação da cultura

local.

Discutir sobre o valor histórico e significados da cultura afrodescendente.

Problematizar sobre suas relações sócias e políticas no Município.

Analisar sobre os aspectos tradicionais da festividade.

Descrição da Atividade:

Ouvir os cantos, música coletivamente, parando e enfatizando aspectos

importantes, sempre refletindo seu significado.

Fazer junto ao alunado indagações referentes aos ritos praticados nas

celebrações.

O professor deverá fazer comentários que ressaltem a necessidade do

conhecimento da história da comunidade ou do Município para que o ensino

se torne significativo.

Pedir para os alunos realizarem um trabalho de pesquisa referente a

temática.

Fazer visitas monitoradas com os alunos na comunidade para manter contato

com os participantes da festa.

Tempo Sugerido:

2 Aulas, uma aula para analise do rito, canto, poesia ou musica e outra para

indagações sobre a temática abordada.

Resultado Esperado:

Page 57: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

56

Conhecer um pouco da história local sua cultura e sua importância para a

comunidade e município.

Reconhecimento sobre a dinâmica cultural e histórica do município de Viseu.

Compreender o significado dos símbolos e outros aspectos tradicionais da

festividade.

Dicas para Professor:

Convidar um morador da comunidade, para falar sobre a festa religiosa,

importância e das mudanças ocorridas no decorrer do tempo.

O professor deverá produzir texto didático adequando à linguagem ao nível

do aluno.

Organizar cenas teatrais que represente as atividades litúrgicas da

festividade.

O professor pode ainda solicitar aos alunos uma produção textual, individual

ou coletiva em seguida fazer a exposição das ideias.

Sugiro para que seja implantada a festa de São Benedito como metodologia

de ensino de história nos estabelecimentos escolares da rede pública municipal; se

fazendo necessária a realização de uma política educacional que vise fortalecer e

valorizar a prática cultural sócio religioso manifestado no município e seus arredores

estando respaldado pela lei n° 10.639/2003, que trás a obrigatoriedade do ensino de

história e cultura afro-brasileira nas escolas em todos os níveis de ensino.

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57

Figura 01: Tamboreiros em frente à capela.

Fonte: Raimundo Gonçalves. (Viseu-Pa, João Grande. 20 de Dez. 2013).

Figura 02: Preparação do erguimento do mastro.

Fonte: Raimundo Gonçalves. (Viseu-Pa, João Grande. 20 de Dez. 2013).

Page 59: Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva   2015

58

Figura 03: Erguimento.

Fonte: Raimundo Gonçalves. (Viseu-Pa, João Grande. 20 de Dez. 2013).

Figura 04: Tambor antes e na hora da ladainha.

Fonte: Raimundo Gonçalves. (Viseu-Pa, João Grande. 20 de Dez. 2013).

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59

Figura 05: Barracão comunitário.

Fonte: Raimundo Gonçalves. (Viseu-Pa, João Grande. 20 de Dez. 2013).

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60

Referências:

ABREU, Martha. A festa é dos negros. In: Nós, o povo: Cem páginas sob uma perspectiva incomum da formação nacional. Revista de história da biblioteca Nacional. Ano 9. ed.n°100. Jan. 2014.

ARAÚJO, Emanoel. A mão Afro-brasileira. Significado da contribuição artística histórica. São Paulo: Técnica Nacional de Engenharia S.A. 1988.

BRANDÃO, Dedival da Silva. Tambores da esperança. Um estudo sobre cultura, religião; simbolismo e ritual na festa de São Benedito da cidade de Bragança. Belém: Falangola. 1997.

CASTRO, Yeda Pessoa de. Camões com dendê. In: Africanos muito além da escravidão. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 7. Ed.n° 78. Mar.2012.

VAINFAS, Ronaldo. Sincretismo nosso de cada dia. In: Nós, o povo: Cem páginas sob uma perspectiva incomum da formação nacional. Ano 9. Ed.n°100. Jan. 2014.