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Ação popular stj prestigia instrumento de controle social de agentes públicos

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STJ - O Tribunal da Cidadania

Ação popular: STJ prestigia instrumento de controle social de agentes públicos

09/08/2009

A ação popular é uma das mais antigas formas de participação dos cidadãos nos negócios públicos, na defesada sociedade e de seus valores. Atualmente, conta com previsão constitucional (CF/88, artigo 5º, LXXIII) e éregulada pela Lei n. 4.717, de 1965. A ação materializa direito político fundamental, caracterizado comoinstrumento de garantia da oportunidade de qualquer cidadão fiscalizar atos praticados pelos governantes, demodo a poder impugnar qualquer medida tomada que cause danos à sociedade como um todo. Em seusjulgamentos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) prestigia esse relevante instrumento de exercício dacidadania. Conheça alguns aspectos dessa ação, ainda pouco presente no cotidiano da Corte.

Entre seus quase três milhões de processos, são apenas cerca de 500 os relacionados à ação popular emtramitação no STJ, muitas vezes tratando apenas de questões incidentais, como prescrição, legitimidade oucompetência. É o caso, por exemplo, do Conflito de Competência 47950, do qual se extraiu uma das frases deabertura deste texto. Na ação original, de 1992, o autor pretendia anular suposto ato ilegal do Senado Federalque teria efetivado servidores sem concurso público. Coube ao STJ decidir se a ação poderia ser proposta nodomicílio do autor – no Rio de Janeiro – ou se deveria ser julgada em Brasília, onde se teria consumado o atodanoso.

Mesmo essas decisões incidentais podem se mostrar de grande relevância. Para a ministra Denise Arruda,relatora do conflito citado, “o direito constitucional à propositura da ação popular, como exercício da cidadania,não pode sofrer restrições, ou seja, devem ser proporcionadas as condições necessárias ao exercício dessedireito, não se podendo admitir a criação de entraves que venham a inibir a atuação do cidadão na proteção deinteresses que dizem respeito a toda a coletividade”. Por isso, não seria razoável determinar como competenteo foro de Brasília, o que dificultaria a atuação do autor em caso de diligências.

A proteção ao cidadão autor da ação popular é um dos destaques dos posicionamentos do STJ. Em recursojulgado em 2004 (REsp 72065), o Tribunal entendeu ser incabível a reconvenção – ação incidental do réucontra o autor, motivada pela ação original e apresentada no mesmo processo e ao mesmo juiz – em açãopopular. O caso tratava de conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) quedemandavam danos morais em razão de ação popular tida por eles como temerária, por apontar ilegalidadesinexistentes com base apenas em notas jornalísticas.

Na ocasião, o ministro Castro Meira afirmou em seu voto: “Não se pode desconhecer que a formaçãoautoritária que nos foi legada levou a nossa gente a alhear-se dos negócios públicos, a abster-se de qualquerparticipação, até mesmo nas reuniões de seu interesse direto, como as assembléias de condomínios eassociações. Dentro dessa ótica, não se deve permitir que incidentes outros, como o pedido reconvencional,venha a representar um desestímulo à participação do autor popular.”

Outra garantia de cidadania em ação popular está na inexistência de adiantamento de custas, honoráriospericiais e outras despesas pelo autor, nem sua condenação, exceto em caso de comprovada má-fé, emhonorários advocatícios, custas e despesas processuais (REsp 858498). O cidadão – é exigida a apresentaçãode título de eleitor ou equivalente para comprovar a legitimidade do autor (REsp 538240) – também pode usaroutro instrumento constitucional, o mandado de segurança, para obter informações e documentos que sirvam àeventual proposição futura de ação popular.

Acesso a informações públicas

Para o STJ, há legitimidade e interesse do cidadão que requer documentos públicos com o objetivo de defendero patrimônio público contra atos ilegais. O exame desses documentos pode ser considerado necessário paraarticular a ação popular de forma segura e objetiva e não temerária, sem objetividade. O precedente (RMS13516) tratou de garantia de acesso a fotocópias das folhas de pagamentos e portarias de nomeação deservidores comissionados lotados em gabinetes de deputados estaduais de Rondônia.

O ministro Peçanha Martins citou parecer do Ministério Público (MP) estadual para afirmar que o princípioconstitucional da publicidade não deveria ser usado contra a população, sob o argumento de que os atos daAdministração estariam publicados na imprensa oficial, “pois este tipo de informação se restringe a poucaspessoas, quando não apenas ao interessado no ato publicado”.

O STJ também entende, desde 1991, que a autoridade requerida não pode fazer as vezes de juiz, avaliando alegitimidade ou interesse do requerente em obter os documentos solicitados. No Recurso Ordinário emMandado de Segurança 686, relatado pelo ministro Américo Luz, determinou-se que o presidente do Tribunalde Justiça de Santa Catarina (TJSC) fornecesse relação nominal de comissionados e contratados a qualquertítulo pelo órgão nos três anos anteriores, com indicação de pais e avós, situação à época e remunerações;inteiro teor de todos os contratos para construção de fórum; valores pagos pela obra, com empenhos erelatórios de cada etapa; valor pago à empresa Dumez S/A por reajuste do contrato de construção, com data

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do pagamento, responsável pela autorização e apontamento dos setores administrativos que opinaram a favorou contra o reajuste.

“O pedido, apesar de extenso, não tem caráter meramente emulativo contra membros daquele colegiado. Écerto, porém, tratar-se de uma devassa na administração do tribunal, com base não apenas no ‘ouviu falar’,pois os documentos acostados à inicial e os itens arrolados no pedido, que parecem atassalhar a imagem doPoder Judiciário, demandam que a verdade emerja altaneira, sob pena de a dúvida obnubilar o ideal dejustiça”, afirmou o ministro.

A ação popular não pode ser negada nem mesmo se o autor deixar de juntar na petição inicial documentosessenciais ao esclarecimento dos fatos. A lei prevê que, se solicitados e negados pelo órgão detentor dainformação, o autor pode, já em seu pedido, fazer referência aos documentos requeridos. E o juiz podesolicitar à entidade não só essas informações mencionadas como outras que considere, de ofício, necessáriaspara apreciar a causa. O entendimento foi expresso pelo Tribunal no voto do ministro Francisco Falcão aojulgar ação popular contra o município de São Paulo, o então prefeito Paulo Maluf e seu secretário de Finanças,Celso Pitta, que teriam lançado como gastos com educação despesas referentes, entre outras atividades, àguarda metropolitana (REsp 439180).

Na decisão o relator afirmou que a ação popular, em tese, “defende o patrimônio público, o erário, amoralidade administrativa e o meio ambiente, onde o autor está representando a sociedade como um todo, nointuito de salvaguardar o interesse público”. Por isso, completa, “está o juiz autorizado a requisitar provas àsentidades públicas, mesmo que de ofício”.

Defesa da sociedade

Essa prerrogativa do autor da ação popular é respaldada pela jurisprudência do STJ. Tanto que o reexamenecessário – a remessa obrigatória à instância superior de decisão contrária ao Poder Público – ocorre nessetipo de processo em caso de improcedência ou carência da ação. O Tribunal entende que o dispositivo incidemesmo em decisão de improcedência apenas parcial da ação, “pois, em verdade, os objetivos desta ação,diferenciando-a de outras, assoalham que não serve à defesa ou proteção de interesse próprio, mas, isto sim,ao patrimônio público. Tanto que está alçada no seio de previsão constitucional (artigo 5º, LXXIII, CF). Porisso, denota-se pressuroso cuidado quanto ao duplo grau de jurisdição como condição à determinação doprocesso e eficácia do julgado” (REsp 189328, relator ministro Milton Luiz Pereira).

Por esse mesmo motivo, o Tribunal também reconhece a possibilidade de liminar em ação popular, com ousem audiência prévia do Poder Público. No RMS 5621, o ministro Humberto Gomes de Barros já afirmava que avedação de liminar contra o Poder Público – à época contida na Lei n. 8.437/90 – não se aplicava a açõespopulares, porque nesses processos o autor não litiga contra o Estado, mas como seu substituto processual.

O preceito também se apresenta na possibilidade de o ente público atacado na ação popular poder optar por“mudar de lado”, passando a atuar junto ao autor e contra o particular que eventualmente tenha lesado aAdministração – mesmo que seja agente público. O entendimento foi aplicado em ação contra obras nocomplexo viário do Cebolinha/túnel Ayrton Senna, em São Paulo, quando o município pleiteou o ingresso nopolo ativo da ação após ter requerido contagem de prazo dobrado para contestar a inicial (REsp 973905).

O STJ admite até mesmo que o ente figure de forma simultânea como autor e réu da mesma ação popular.Conforme decisão do ministro Luiz Fux (REsp 791042), a singularidade das ações popular e civil pública emrelação à legitimação para agir “além de conjurar as soluções ortodoxas, implicam a decomposição dospedidos formulados, por isso que o poder público pode assumir a postura [ativa] em relação a um dos pedidoscumulados e manter-se no pólo passivo em relação aos demais”. No caso, exigia-se que a União fiscalizassedevidamente os prestadores de serviço do Sistema Único de Saúde (SUS) em Londrina e que o município e oestado paranaenses ressarcissem o erário federal em razão da cobrança indevida de procedimentos maisonerosos em lugar das consultas médicas simples efetivamente realizadas.

Essa substituição do Estado pelo autor popular surge em outro dispositivo legal. Nos casos de abandono oudesistência do autor original, o juiz tem a obrigação de, antes de julgar extinto o processo, fazer publicar por30 dias edital para que qualquer cidadão ou o MP manifestem, em até 90 dias, interesse em dar seguimento àcausa. Conforme explica o ministro Castro Meira (REsp 554532), “esse aparente privilégio decorre da especialnatureza da ação popular, meio processual de dignidade constitucional, instrumento de participação dacidadania, posto à disposição de todos para a defesa do interesse coletivo.”

A intimação do MP para essas situações deve ser, inclusive, pessoal (REsp 638011). E o procedimento – editale citação – deve ocorrer mesmo quando o MP, como fiscal da lei, tenha manifestado parecer pela extinção doprocesso (REsp 771859), já que essa atuação não se confunde com a de defesa da ordem jurídica. Noprecedente, após o parecer pela extinção e o julgamento do juiz nesse sentido, mas sem seguir osprocedimentos legais para oportunizar o seguimento da ação, o próprio MP recorreu. O estado do Rio deJaneiro alegava inexistência de prejuízo na medida adotada pelo juiz, o que não foi acatado pelo STJ.

Não se pode confundir, no entanto, o direito da sociedade, da coletividade com o de particulares, mesmo queum grupo deles. É o que explica o ministro Luiz Fux (REsp 801080), citando Hely Lopes Meirelles: “A açãopopular ‘é instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros, porisso que, através da mesma não se amparam direitos individuais próprios, mas antes interesses dacomunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo aogoverno honesto. O cidadão a promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que aConstituição da República lhe outorga’.”

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Em diversos casos, o instrumento é utilizado por políticos, o que é legítimo. Um exemplo é a ação do petistaJosé Eduardo Cardoso contra Paulo Maluf e TV Globo por contratação sem licitação para transmissão daMaratona de São Paulo (EREsp 426933, REsp 143686 e RE/574636 pendente no STF). A propositura de açãopopular em alguns casos pode ser protegida como desdobramento do exercício do mandato, como consiste, nocaso de parlamentares, a fiscalização dos atos do Executivo (HC 67587).

Mas não se deve confundir a legitimidade para propor a ação com a capacidade de atuar em juízo(postulatória), mesmo que em causa própria. O STJ tratou do assunto ao julgar a ação do deputado estadualAlceu Collares contra o Rio Grande do Sul (REsp 292985). Como deputado, ele não poderia advogar contra oPoder Público, mas poderia figurar como autor da ação, que questionava o uso de servidores e recursospúblicos em atos relacionados ao orçamento participativo.

Outro cuidado é quanto ao uso abusivo da ação popular. Não é inédito o reconhecimento de má-fé do autor. Éo que ocorreu em julgamento relacionado à montagem de arquibancadas no Autódromo Nelson Piquet para aFórmula Indy (REsp 648952). O STJ não pode analisar a questão de mérito por envolver análise de fatos,mantendo multa contra o autor de 20% do valor da causa, por ausência de provas e litigância de má-fé porembasar-se somente em matérias de jornais. A irregularidade estaria, segundo o autor, em que os serviçosteriam sido executados pela empresa vencedora da licitação antes mesmo de concluído o processo deconcorrência.

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Processos: CC47950; CC19686; CC29077; CC30756; CC31172; CC31306; EREsp14868; EREsp260821;EREsp426933; HC67587; REsp143686; REsp146756; REsp189328; REsp213659; REsp247285; REsp292985;REsp316160; REsp37275; REsp427140; REsp439180

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