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Artigo do Dr. Wander de Lara Proença
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Detalhes Publicado: 19 Agosto 2014
Leia: "Do Coreto e a Funerária ao Templo deSalomão" artigo do Dr. Wander
Artigo do professor Wander, publicado no jornal o Estado de São Paulo, faz uma reflexão sobre o Templo de
Salomão.
O Coordenador de Graduação Presencial da FTSA,
Doutor em História, Wander de Lara Proença, fez
uma reflexão sobre o Templo de Salomão, em artigo
publicado no jornal o Estado de São Paulo e no
portal da UNESP. Leia o artigo abaixo que trata da
trajetória da Igreja Universal do Reino de Deus.
DO CORETO E A FUNERÁRIA AO TEM PLO DE
SALOM ÃO
Wander de Lara Proença
A combinação de um conjunto de práticas, aparentemente conflitivas, além da capacidade de ousar e inovar,
sempre, têm sido características marcantes deste que pode ser considerado um dos principais fenômenos
do campo religioso brasileiro: a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Já no início de suas atividades,
demonstrava ruptura e inovação quanto aos lugares de culto. Começando pela pregação solitária de Edir
Macedo, em um coreto, na cidade do Rio de Janeiro, em 1977, passando logo depois pela ocupação do
espaço de uma antiga funerária, estrategicamente a IURD buscava romper com os modelos convencionais de
templos evangélicos, avançando inclusive para espaços antes considerados profanos pelo tradicional
pentecostalismo, como cinemas, casas de shows e praças esportivas. O aluguel de grandes espaços
outrora ocupados por lojas e supermercados – nas ruas e avenidas de maior movimentação das médias e
grandes cidades brasileiras – era mais um sinal de que buscava atingir essencialmente as massas, em suas
necessidades mais prementes em um contexto urbano marcado por instabilidade, crise e violência. A partir
da segunda década, uma nova estratégia: a construção de suntuosos templos, com capacidade para abrigar
confortavelmente milhares de pessoas, chamados de catedrais. A significativa presença de adeptos oriundos
das classes econômicas mais elevadas, exigindo um espaço de maior conforto e acomodação, pode ter sido
um dos motivos. Porém, mais do que isso, para a IURD era o momento de tornar visível a eficácia de sua
mensagem ancorada na chamada “teologia da prosperidade” - que apregoa o sucesso econômico mediado
pela fé cristã. A ostentação e o poderio econômico do capital acumulado - transfigurado em bênção divina por
uma economia de oferenda, como assinala o sociólogo Pierre Bourdieu – buscavam demonstrar aos fiéis
uma coerência entre o discurso e a prática. Também correspondem a esse propósito, o montante de R$ 680
milhões investidos na recém edificação do templo de Salomão, em São Paulo.
Esse templo recém inaugurado simbolicamente apresenta apropriações e ressignificações de práticas
vinculadas a outros segmentos religiosos, sobretudo, judaísmo, catolicismo e protestantismo. Em relação ao
judaísmo, há tempos que a IURD promove, por exemplo, inscursões à Terra Santa, levando petições e
oferendas dos fiéis por meio de um rito denominado “fogueira santa de Israel”. Nesse procedimento, ao invés
de sacrifícios de animais como pressupunham os escritos bíblicos na antiguidade, são oferecidos bens
materiais, tais como casa, carro e outros valores econômicos. Esse rito de oferendas passa a ser, agora,
redirecionado para o Templo de Salomão, visto que no imaginário religioso uma pequena porção da Terra
Santa foi transplantada para a capital paulista. Além do que, uma significativa quantidade de símbolos e
objetos foi inserida na ornamentação do referido templo, possibilitando aos fiéis um contato mais direto com
o corolário descrito nas escrituras bíblicas. Desse modo, reedita-se uma prática com significativa
representação para a fé monoteísta: se o muçulmano deve ir ao menos uma vez na vida a Meca, o judeu a
Jerusalém, o cristão iurdiano agora deverá fazer o mesmo, em São Paulo.
Em relação ao catolicismo, o Templo de Salomão passa a ser mais uma eficaz estratégia na disputa pela
conquista do capital simbólico do campo religioso brasileiro. Desde seu surgimento, o movimento iurdiano
nunca escondeu suas três maiores ambições: ser detentora do maior meio de comunicação de massas no
Brasil, eleger um presidente da República pertencente à IURD e, finalmente, tornar-se a maior igreja no
Brasil, substituindo, para isso, o catolicismo. O novo templo é mais um passo intencionado na busca dessa
grandeza, pois, como noticiado, constitui-se no maior espaço religioso do País, quatro vezes maior do que o
Santuário Nacional de Aparecida. Além disso, ao construir um centro de adoração com tal suntuosidade
ornamental, o movimento iurdiano reaproxima seu discurso de grande parcela do catolicismo, afeita às
romarias e peregrinações a locais sagrados.
Em relação ao protestantismo, o novo templo representa uma ressignificação de temporalidade histórica.
Práticas de indulgências – oferta de perdão e milagres em troca de valores financeiros – combatidas pelo
movimento que deu origem ao protestantismo no século XVI, são agora repaginadas em uma moderna versão
“protestante” de indulgências, tornando imprescindível o pagamento pela bênção divina ali ofertada. Outro
aspecto, é a riqueza simbólica que ornamenta o templo. Naquele ambiente, o imaginário católico de
veneração às imagens é mantido por meio da devoção aos objetos dispostos como ícones no ato de
devoção. Desse modo, ali é possível vivenciar a fé evangélica sem deixar de ser católico; agregar novos
elementos culturais, sem que se perca a identidade de origem.
Por tais aspectos - numa trajetória iniciada em um coreto, passando pelo espaço de uma funerária, para
finalmente chegar ao requinte do Templo de Salomão - a IURD parece promover simultaneamente duas
reconversões históricas da fé protestante-evangélica: ao judaísmo e ao catolicismo. Nessa alquimia do
inusitado e da inovação, talvez resida um dos segredos do fenômeno iurdiano.
Wander de Lara Proença é Doutor em História pela Unesp de Assis, com tese em história
cultural sobre Igreja Universal do Reino de Deus.
Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite de 5 de agosto de 2014.
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