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VI ENAPS - Tribuna de Debates - APS e a questão das Drogas

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A necessidade da quebra de paradigmas e dos preconceitos sobre a questão das drogas na Ação Popular Socialista.  Há um tempo o debate sobre Drogas entrou na agenda da Esquerda brasileira,

curiosamente sem o debate devido e uma linha de ação casada com nossas taticas

e obetivos em prol da construção de uma nova sociedade. Na última campanha

Presidencial, a candidata pelo PSOL, Luciana Genro, pautou tal questão, destarte até

hoje não temos deliberação acerca do tema. Nesse sentido construimos este texto não

para abrir um debate no seio da Corrente, mas propor uma linha de ação que case a

questão das drogas e nosso papel na construção da revolução brasileira.

A proibição de certas drogas constitui um instrumento fundamental da dominação do

capital. A ONU elaborou um estudo que comprova que a lavagem de dinheiro do

narcotráfico serviu para salvar muitos bancos da bancarrota, ao atuar como fonte de

capital líquido e rápido. De fato, não seria exagerado chamar o narcotráfico de grande

corporação multinacional (ou grandes corporações, já que não atua de maneira

homogênea ou hierarquizada). Neste sentido um dos principais interessados na

manutenção da atual conjuntura proibicionista é exatamente o narcotráfico, articulado

transnacionalmente dentro dos marcos das grandes empresas capitalistas (com seus

lucros concentrando-se nas mãos de muito poucos, obviamente).

Interessa também aos grandes bancos e ao sistema financeiro, responsável pela

lavagem do dinheiro proveniente do comércio ilegal de drogas, e aos Estados

burgueses, seja pela possibilidade de controle direto sobre setores de suas

populações seja por eximirem-se assim da responsabilidade no tratamento dos

problemas decorrentes do abuso no consumo de determinadas substâncias. Além

disso, com o fim do “socialismo real” é sob a justificativa do combate às drogas que os

EUA podem intervir sobre os territórios ambicionados por seu imperialismo.

As políticas proibicionistas fazem com que cerca de US$ 500 bilhões circulem pelo

mundo anualmente, um montante superior ao produzido pela indústria automotiva e

equivalente à metade do PIB brasileiro. Nos últimos congressos do PSOL apenas

poucas teses citam o problema. Enquanto isso amplia-se o genocídio da população

pobre, sobretudo a juventude negra, o imperialismo continua atacando a América

Latina e os Governos do PT não apresentaram qualquer resposta distinta da cartilha

de Washington. Tais fatos fazem com que até a direita já declare o fracasso da “guerra

às drogas” – apesar do seu sucesso enquanto repressora de levantes sociais e

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propulsora de guerras. E a esquerda, onde se situará? Seguiremos reproduzindo

preconceitos moralistas e deixando esse debate restrito aos (muitos) usuários de

drogas ou trataremos de debater o assunto com a seriedade que sua complexidade e

importância exigem? Não há dúvidas que o uso descontrolado de drogas pode ser

problemático e perigoso, assim como também o são o uso excessivo de televisão ou

açúcar, por exemplo, e não é por isso que a solução para esses problemas deva ser

estabelecida no âmbito da repressão/criminalização/militarização.

 

Origens da proibição

 

O termo droga tem origem na palavra “droog” (do holandês antigo), que significa folha

seca – isso porque antigamente a maioria dos medicamentos era feita à base de

folhas. A medicina define como droga “qualquer substância capaz de modificar a

função dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de

comportamento”. Ou seja, são drogas tanto medicamentos quanto o tabaco, o álcool e

drogas ilícitas como cocaína, maconha, heroína, etc. Segundo a ONU, cerca de 185

milhões de pessoas consomem drogas ilícitas no mundo, o que corresponde a 3 % da

população do planeta.

Na América do Sul, os primeiros indícios do uso de plantas alucinógenas datam de,

aproximadamente, 11 mil anos. Tanto no mundo greco-romano quanto nas civilizações

egípcias há também registros de vasto conhecimento farmacológico, incluídos aí não

apenas o uso freqüente do vinho e de ervas medicinais, mas também de ópio e

plantas alteradoras de consciência. É apenas com o crescimento do poder do

cristianismo (herdeiro direto do judaísmo na tradição da contenção dos prazeres da

carne) que se inicia a primeira onda de condenação do uso de drogas. Eram

condenados os analgésicos, os eutanásicos, os afrodisíacos e os alucinógenos.

Durante a colonização da América, as plantas sagradas indígenas foram duramente

atacadas, com o álcool destilado atuando como grande instrumento aculturador.

Com o tempo, o que era uma disputa entre deus e o diabo passou à esfera de

enfrentamento entre o legal e o ilegal. Interessada no aproveitamento máximo da força

de trabalho, a coerção industrial estabeleceu como principais alvos o sexo e as

drogas, inclusive o álcool. É daí que vêm as proibições estadunidenses contra a venda

e consumo de ópio (1909), cocaína e heroína (1914) e finalmente das bebidas

alcoólicas, com a famosa Lei Seca de 1919. Além da questão econômica, em tal onda

proibicionista havia explícita conotação racista, iniciada com o Decreto de Expulsão de

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Chineses em 1882, e a conseqüente estigmatização do ópio como agente agressor da

cultura e da moral estadunidense. O álcool era associado à população negra, e a

fusão dos dois (álcool + negros) também seria um grande risco a ser combatido.

Mesmo com o fracasso da Lei Seca, revogada em 1933 por sua completa

inexeqüibilidade, pouco depois a maconha foi proibida nos EUA. Após a 2ª Guerra, a

influência do vencedor EUA fez crescer a lista das substâncias proibidas

internacionalmente pela ONU. Os anos 1960 trazem consigo um aumento da demanda

de maconha, haxixe e cocaína nos Estados Unidos e na Europa, estimulando a

formação de cartéis mafiosos na Colômbia, no Peru e na Bolívia, o que deu início ao

ciclo contemporâneo da história da droga.

 

Imperialismo e proibição

 

Com o fim da União Soviética, o imperialismo estadunidense requisitou novas formas

de penetração e ingerência sobre os territórios ambicionados. Sem um inimigo

declarado para justificar as intervenções militares e econômicas, a guerra ao tráfico

vem bem a calhar como justificativa para a dilatação praticamente ilimitada do

perímetro defensivo do país. As ligações entre política externa estadunidense e

suposto combate às drogas são íntimas, e se analisadas com um mínimo de atenção

revelam os reais interesses de tais medidas, com enfoque primordialmente militar

sobre uma questão evidentemente sócio-cultural. Exemplos não faltam, desde a

atuação da CIA financiando o Mujaidin na fronteira Afeganistão-Paquistão (zona de

maior produção mundial de heroína) à intervenção direta no Panamá em 1989,

passando pelo apoio ao grupo narcotraficante Exército de Liberação do Kosovo ou a

articulação com os cartéis colombianos durante o escândalo “Irã- Contras” na década

de 1980.

Tanto nestes casos quanto nos atuais Plano Colômbia e Plano México (Iniciativa

Mérida) a estratégia é exatamente a mesma: sob a justificativa de combate às drogas,

o governo estadunidense se dá ao direito de intervir militarmente sobre territórios

importantes seja por localização geográfica, reservas naturais ou de combustíveis ou

por movimentações populares. Em todos os casos a produção e o consumo de drogas

nessas regiões não só não diminuiu como em diversos casos chegou a aumentar,

provando que mesmo que a intenção fosse combater as substâncias ilícitas essa tática

seria no mínimo equivocada.

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O Plano Colômbia (posteriormente ampliado a diversos outros países do continente

sob a alcunha de Iniciativa Andina) não afetou de maneira alguma o fornecimento de

drogas colombianas aos Estados Unidos, maior consumidor mundial de substâncias

ilícitas. Por outro lado, cerca de 3,8 milhões de colombianos foram desalojados de

suas casas, os grupos paramilitares hoje são responsáveis por 80% das violações a

direitos humanos no país atuando impunemente e a Colômbia é cada vez mais um

país militarizado e violento. Mesmo assim, a mesma estratégia foi estendida ao México

pelo governo Bush, numa evidente intenção de controle tanto das fronteiras quanto do

constante clima de insurgência entre setores indígenas e campesinos mexicanos,

protagonizado pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional.      

 

Racismo e criminalização da pobreza

 

No Brasil, a proibição das drogas ganha uma roupagem própria. A proibição da

maconha, por exemplo, é algo relativamente recente, datando do início do Século XX,

num contexto onde a cultura negra, dos agora ex-escravos, sem terra, teto ou direitos

básicos, deveria ser combatida para “limpar as ruas e os costumes” e embranquecer a

sociedade brasileira.

Com a desigualdade social e a exploração da classe trabalhadora, os pobres foram

obrigados a ocuparem, precariamente, novos espaços para moradia, conhecidos como

favelas. Atualmente o tráfico de drogas está diretamente relacionado com esses

espaços, já que uma pequena parte de seus moradores encontrou na comercialização

das drogas uma maneira de sobrevivência. A concentração do comércio nas áreas

pobres das cidades foi aproveitada de maneira eficiente pelo Estado, reprimindo a

população através de seu maior instrumento coercitivo: a polícia.

O tráfico de drogas não ocorre exclusivamente nas favelas, tampouco as drogas são

produzidas lá. Sendo assim, o combate ao tráfico é um artifício para reprimir,

criminalizar e exterminar a população pobre e excedente do país. Com isso, as

classes dominantes disseminam o discurso de “guerra” ao tráfico. A repetição dessa

idéia, sobretudo através dos oligopólios de Comunicação, torna o assassinato de

jovens negros e pobres como algo comum, já que em uma guerra é normal a morte do

inimigo. A disseminação da “guerra” ao tráfico e do combate às drogas traz outro fator

fundamental para discussão dentro da esquerda brasileira: a criminalização da

pobreza.

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Hoje qualquer pobre é um potencial bandido diante do Estado, da polícia e de algumas

camadas da sociedade. Esse processo é impulsionado pela proibição das drogas, mas

se dá também através de preconceitos, manipulação da mídia e, principalmente, como

uma política de repressão e extermínio. A questão da proibição das drogas não afeta

somente traficantes e usuários, mas toda a população pobre do Brasil. Por isso, deve

ser debatida seriamente pela esquerda, com propostas para lidar com a

regulamentação e prevenção dos efeitos causados por essas substâncias, algo que é

ausente da rede pública de saúde.

Além disso, aparecem cada vez mais iniciativas importantes de reação contra a

violência estatal e das quais a esquerda tradicional encontra-se distante, como é o

exemplo do levante de mães e pais cujos filhos foram afetados pela injustificável

violência policial. Engajar-se nestas movimentações espontâneas e contestadoras da

ordem vigente, seja nos morros cariocas ou nas periferias de outras grandes cidades,

é tarefa fundamental na busca de um projeto alternativo de sociedade.

Desta forma mais do que propor alternativas, que devem ser construídas

coletivamente de forma a minimizar os efeitos danosos das drogas sem que para isso

seus efeitos positivos (medicinais, criativos, sociais e mesmo industriais) sejam

anulados nem que milhares de pessoas tenham que morrer a cada dia, nossa intenção

com essa contribuição é fomentar um debate dentro da Corrente, enquanto propositiva

de um projeto alternativo de sociedade. Esperamos que Ação Popular Socialista possa

ser dar esse salto no processo de reflexão/conscientização, passo importante na

construção de um mundo mais livre, justo e sem opressões de qualquer espécie. 

Paulo Moraes Neto e Rafael Digal

Ação Popular Socialista/Bahia