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TRABALHO ESCRAVO NO CONTRATO DE EMPREGO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Trabalho Escravo No Contrato De Emprego E Os Direitos Fundamentais

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TRABALHO ESCRAVO NO

CONTRATO DE EMPREGO E OS

DIREITOS FUNDAMENTAIS

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TRABALHO ESCRAVO NO

CONTRATO DE EMPREGO E OS

DIREITOS FUNDAMENTAIS

JULPIANO CHAVES CORTEZ

Advogado

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Índice para catálogo sistemático:

EDITORA LTDA.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

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Todos os direitos reservados

Cortez, Julpiano ChavesTrabalho escravo no contrato de emprego e osdireitos fundamentais / Julpiano Chaves Cortez.— São Paulo : LTr, 2013.Bibliografia.

1. Contratos de trabalho 2. Dano moral 3.Direito do trabalho 4. Direitos fundamentais 5.Direitos humanos 6. Responsabilidade (Direito) 7.Trabalho escravo I. Título.

13-03057 CDU-34:331(81)

1. Trabalho escravo no contrato de emprego e osdireitos fundamentais : Direito do trabalho34:331(81)

Versão impressa - LTr 4826.0 - ISBN 978-85-361-2577-0

Versão digital - LTr 7584.3 - ISBN 978-85-361-2604-3

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ÍNDICE

CAPÍTULO I

Inexistência de direitos — Direitos de liberdade e igualdade —Direitos de fraternidade ou de solidariedade

1. Inexistência de direitos ............................................................................................. 11

2. Direitos de liberdade e igualdade .............................................................................. 14

3. Direitos de fraternidade e solidariedade .................................................................... 15

CAPÍTULO II

Trabalho escravo — Legislação — Definição legal —Conceito — Características — Classificação — Exemplos —

Posicionamento administrativo — Jurisprudência

1. Trabalho escravo ...................................................................................................... 17

2. Legislação ................................................................................................................ 18

2.1. Declaração Universal dos Direitos Humanos ....................................................... 18

2.2. Organização Internacional do Trabalho — Convenções 29 e 105 ....................... 19

2.2.1. Convenção n. 29 ..................................................................................... 19

2.2.2. Convenção n. 105 ................................................................................... 20

2.3. Convenção Americana sobre Direitos Humanos .................................................. 20

2.4. Constituição Federal .......................................................................................... 21

2.5. Código Penal ..................................................................................................... 22

3. Definição legal .......................................................................................................... 23

4. Conceito .................................................................................................................. 23

5. Características .......................................................................................................... 27

5.1. Trabalho forçado................................................................................................ 28

5.2. Jornada exaustiva ............................................................................................... 28

5.3. Condições degradantes de trabalho ................................................................... 29

5.4. Restrições de locomoção por dívida ................................................................... 34

5.5. Situações equiparadas ........................................................................................ 34

5.5.1. Cerceamento do uso de transporte ........................................................... 34

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5.5.2. Vigilância ostensiva ................................................................................. 34

5.5.3. Apropriação de documentos e objetos ..................................................... 35

6. Classificação ............................................................................................................. 35

7. Exemplos .................................................................................................................. 35

8. Posicionamento administrativo ................................................................................. 37

9. Jurisprudência .......................................................................................................... 38

CAPÍTULO III

Aplicação e eficácia dos direitos fundamentais no contrato de emprego

1. Aplicação dos direitos fundamentais ......................................................................... 43

2. Direitos fundamentais ............................................................................................... 44

3. Princípios jurídicos — Princípio da dignidade da pessoa humana............................... 45

3.1. Princípios jurídicos ............................................................................................. 45

3.2. Princípio da dignidade da pessoa humana ......................................................... 48

4. Formas de eficácia dos direitos fundamentais ........................................................... 50

4.1. Eficácia vertical dos direitos fundamentais ......................................................... 51

4.2. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais ..................................................... 52

5. Posicionamento doutrinário ...................................................................................... 54

6. Posicionamento jurisprudencial ................................................................................. 58

CAPÍTULO IV

Dano moral — Considerações — Conceito — Efeitos —Classificação — Pessoa jurídica — Jurisprudência

1. Considerações .......................................................................................................... 66

2. Conceito .................................................................................................................. 67

3. Efeitos e banalização ................................................................................................ 68

4. Classificação ............................................................................................................. 69

5. Pessoa jurídica .......................................................................................................... 70

5.1. Legislação .......................................................................................................... 70

5.2. Doutrina ............................................................................................................ 70

6. Jurisprudência .......................................................................................................... 73

CAPÍTULO V

Dano moral — Indenização — Jurisprudência

1. Indenização — Considerações — Natureza jurídica — Formas de reparação — Valor porarbitramento — Dano por ricochete — Valor tarifado — Projeto de lei — Recomendações .... 101

1.1. Considerações ................................................................................................... 101

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1.2. Natureza jurídica ................................................................................................ 102

1.3. Formas de reparação .......................................................................................... 103

1.4. Valor por arbitramento ...................................................................................... 105

1.5. Dano por ricochete ............................................................................................ 107

1.6. Valor tarifado ..................................................................................................... 108

1.7. Projeto de lei ..................................................................................................... 109

1.8. Recomendações ................................................................................................. 109

2. Jurisprudência .......................................................................................................... 110

CAPÍTULO VI

Dano moral — Competência da Justiça do Trabalho —Sucessão — Jurisprudência

1. Competência da Justiça do Trabalho ......................................................................... 132

2. Sucessores, herdeiros ou dependentes ...................................................................... 133

3. Jurisprudência .......................................................................................................... 135

CAPÍTULO VII

Dano moral — Prova — Culpa presumida — Jurisprudência

1. Prova ........................................................................................................................ 139

2. Culpa presumida — Inversão do ônus da prova......................................................... 142

3. Jurisprudência .......................................................................................................... 144

CAPÍTULO VIII

Dano moral coletivo — Jurisprudência

1. Dano moral coletivo — Considerações — Conceito — Direitos metaindividuais — Legislação— Legitimidade — Competência — Responsabilidade — Reparação — Encontros — Enun-ciados ....................................................................................................................... 151

1.1. Considerações preliminares ................................................................................ 151

1.2. Conceito ............................................................................................................ 152

1.3. Direitos metaindividuais — Exemplificação — Hipóteses ...................................... 155

1.3.1. Direitos metaindividuais ou transindividuais — Definição legal Conceitua-ção — Distinções ...................................................................................... 155

1.3.1.1. Definição legal — Características ................................................. 157

1.3.1.2. Conceituação .............................................................................. 159

1.3.1.3. Distinções ................................................................................... 160

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1.3.2. Exemplificação ......................................................................................... 162

1.3.3. Hipóteses ................................................................................................. 164

1.4. Legislação — Reconhecimento ........................................................................... 165

1.5. Legitimidade para agir ....................................................................................... 166

1.6. Competência ..................................................................................................... 168

1.7. Responsabilidade ............................................................................................... 169

1.8. Reparação — Forma — Valor — Acumulação ....................................................... 171

1.8.1. Forma ...................................................................................................... 171

1.8.2. Valor ........................................................................................................ 173

1.8.3. Acumulação ............................................................................................. 173

1.9. Encontros .......................................................................................................... 174

1.10. Enunciados ...................................................................................................... 175

2. Jurisprudência .......................................................................................................... 177

CAPÍTULO IX

Responsabilidade civil — Fundamentação legal — Enunciados Jurisprudência

1. Responsabilidade civil — Histórico — Conceituação — Subjetiva — Objetiva — Reflexos

materiais ................................................................................................................... 212

1.1. Breve histórico ................................................................................................... 212

1.2. Conceituação ..................................................................................................... 213

1.3. Responsabilidade subjetiva — Excludentes .......................................................... 214

1.3.1. Responsabilidade subjetiva ....................................................................... 214

1.3.2. Responsabilidade — Excludentes .............................................................. 216

1.4. Responsabilidade objetiva — Dano moral individual — Dano moral coletivo ....... 216

1.4.1. Dano moral individual .............................................................................. 216

1.4.2. Dano moral coletivo ................................................................................. 217

1.5. Dano moral com reflexos materiais ..................................................................... 218

2. Fundamentação legal ................................................................................................ 219

3. Enunciados ............................................................................................................... 221

4. Jurisprudência .......................................................................................................... 221

CAPÍTULO X

Responsabilidade trabalhista — Resolução do contrato — Trabalho escravo

1. Responsabilidade trabalhista ..................................................................................... 236

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2. Resolução do contrato de emprego — Culpa do empregador — Jurisprudência ......... 237

2.1. Resolução do contrato de emprego ................................................................... 237

2.2. Culpa do empregador ........................................................................................ 238

2.3 Jurisprudência ..................................................................................................... 238

3. Trabalho em condição análoga à de escravo — Jurisprudência .................................. 241

3.1. Trabalho em condição análoga à de escravo ...................................................... 241

3.2. Jurisprudência .................................................................................................... 244

CAPÍTULO XI

Responsabilidade penal — Jurisprudência

1. Responsabilidade penal — Trabalho escravo — Competência — Tipificações penais ... 246

1.1. Responsabilidade penal ...................................................................................... 246

1.2. Trabalho escravo — Ilícito penal ......................................................................... 248

1.3. Competência ..................................................................................................... 250

1.4. Tipificações penais — Código Penal (Lei n. 2.848/40) ........................................ 251

2. Jurisprudência .......................................................................................................... 251

CAPÍTULO XII

Responsabilidade administrativa — Fiscalização do trabalho —Convencional — Especial — Cadastro de Empregadores —

PEC do Trabalho Escravo — Jurisprudência

1. Responsabilidade administrativa ............................................................................... 263

2. Fiscalização trabalhista convencional ........................................................................ 264

3. Fiscalização Trabalhista especial — Grupo Móvel ...................................................... 268

4. Cadastro de Empregadores — Legalidade e competência ........................................... 270

4.1. Cadastro de Empregadores (lista suja) ................................................................ 270

4.2. Legalidade das Portarias e competência da Justiça do Trabalho .......................... 272

5. PEC do Trabalho Escravo .......................................................................................... 274

6. Jurisprudência .......................................................................................................... 275

Referências Bibliográficas ......................................................................................... 285

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INEXISTÊNCIA DE DIREITOS — DIREITOS DELIBERDADE E IGUALDADE — DIREITOS

DE FRATERNIDADE OU DE SOLIDARIEDADE

1. INEXISTÊNCIA DE DIREITOS

O trabalho escravo, em suas variadas formas, sempre fez parte da história dahumanidade, distinguindo-se na antiguidade por seu aviltamento e pela ausênciatotal de liberdade da pessoa escravizada.

A palavra escravo serve para que tenhamos uma visão mais ampla do problemada escravidão, muitas vezes situada apenas em termos da escravidão negra. Faz--se necessário entender que a escravidão era uma prática plenamente aceita, assimcomo a guerra e o saque, em tempos bem mais cruéis que os atuais. A escravidãoprimordial, que se estendeu por toda a Antiguidade, era basicamente umaescravidão de homens brancos, o que é cabalmente demonstrado pelo fato de apalavra escravo ser oriunda de sclavu(m), que por sua vez provém de slavu(m),que significa eslavo, um povo que vivia nas fronteiras do Império Romano e erafrequentemente capturado para servir de escravo, daí a evolução do significado dapalavra para o significado que permanece até hoje. (Sítio <filologia.org.br>).(1)

Bem antes da era cristã, Shlomo Sand relata que, no século XIII a.C., épocada suposta “saída do Egito”, Canaã estava sob o controle dos faraós, ainda todo--poderosos. Moisés teria então conduzido os escravos libertos do Egito.(2)

A Bíblia faz menção à escravidão na Epístola de Paulo aos Gálatas, no NovoTestamento, Capítulo 5, Versículo 1: “para a liberdade foi que Cristo nos libertou.Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão”.(3)

De um modo geral, segundo Odilon de Araújo Grellet, citado por SoutoMaior (2011:50), mesmo considerando-se o caso de Atenas e de outras cidades,em que os trabalhadores livres conseguiram alcançar importância política, em todaa história da Grécia, não houve leis especiais que protegessem o trabalho. Isso sedeu porque, durante todo o desenrolar da história grega, a maior parte do trabalhoera realizado por braço escravo.

(1) Apud SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho. Teoria geral do direito do trabalho.São Paulo: LTr, 2011, v. I, parte I, p. 44, nota de rodapé n. 9.(2) SAND, Shlomo. A invenção do povo judeu. São Paulo: Benvirá, 2011. p. 212.(3) MARTINS, Sérgio Martins. Trabalho análogo ao de escravo. IOB — OT — SLJD — 1/2005, p. 3.

Capítulo I

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A antiga Roma tinha a guerra e a escravidão, como base de sua organizaçãosocial e econômica, como observa Hendrick Van Loon, mencionado por SoutoMaior (2011:52), a guerra para os romanos representava um verdadeiro negócio,já que, nessa época, o vencedor de uma guerra fazia seus escravos os perdedores,que perdiam para sempre sua liberdade.

A condição de escravo derivava do fato de nascer de mãe escrava, de serprisioneiro de guerra, de condenação penal, de descumprimento de obrigaçõestributárias, de deserção do exército, entre outras razões.(4)

No estudo realizado por Kevin Bales, citado por Vito Palo Neto, foramlevantadas três formas básicas de escravatura: a escravatura da posse, a escravidãopor dívida e a escravidão por contrato.

Conforme explica o referido pesquisador, a “escravatura da posse” é a maispróxima da antiga escravatura. Nesse caso, a pessoa normalmente é capturada,nasce ou é vendida em servidão permanente, sendo que a posse é muitas vezesdeclarada em documentos; os filhos do escravo são normalmente tratados tambémcomo propriedade e podem ser vendidos pelo escravocrata. Essa forma éencontrada com mais frequência na África Ocidental e do Norte e em alguns paísesárabes, mas representa apenas uma pequena proporção dos escravos no mundoatual. Um exemplo desse tipo de escravidão foi constatado por Kevin Bales naMauritânia, no final dos anos 1990, embora nesse país a escravidão tenha sidooficialmente abolida em 1980.

A servidão por dívida é a forma mais comum no mundo. Nessa forma deexploração, a pessoa dá-se a si própria como penhor de um empréstimo de dinheiro,mas a duração e a natureza do serviço não são definidas e o trabalho, normalmente,não reduz a dívida original, fazendo com que permaneça um vínculo de dependênciapor longo período. Uma doença do trabalhador que o deixe impossibilitado parao trabalho mesmo por período curto, ou a necessidade de comprar remédio, podeser o suficiente para perpetuar a dívida que pode, também, ser passada paragerações posteriores, escravizando também seus descendentes; além disso, a faltade pagamento pode ser punida com a apreensão ou a venda de filhos em novaservidão por dívida. Nesses casos, a posse não é normalmente declarada, mas háum controle físico completo do trabalhador escravizado. Esse tipo de exploração émais comum na região da índia e do Paquistão.

A terceira modalidade de escravidão moderna descrita por Bales é a escravidãopor contrato que, segundo o autor, mostra como as modernas relações de trabalhosão usadas para ocultar a nova escravatura. O autor explica que nesses casos sãooferecidos contratos que garantem trabalho, por exemplo, em uma fazenda, oficina

ou mesmo fábricas, mas quando os trabalhadores são levados ao local de trabalho

acham-se escravizados. Trata-se de uma situação em que o contrato, que pode até

(4) BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 50.

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ter uma aparência legal por cumprir determinadas formalidades, é usado como

um engodo para enganar o indivíduo, atraindo-o para a escravidão. Nesses casos,

ao se levantar questões legais, o contrato pode ser apresentado, mas a realidadeé que o trabalhador contratado é um escravo, ameaçado de violência, sem qualquerliberdade de movimento e sem qualquer remuneração.

Essa modalidade, ainda segundo Bales, é a que cresce mais rapidamente e jáé considerada a segunda maior forma de escravidão, sendo encontrada com maisfrequência no sudeste da Ásia, no Brasil, em alguns Estados árabes e em algumaspartes da Índia.(5)

Segundo destaca Nick Fischer, a suprema ansiedade que podia afetar todosos grupos de homens livres, donos da sua própria terra ou de seu próprio negócioera a de serem rotulados como escravos. Não ser dono de si, ser forçado a trabalharsob as ordens de outra pessoa, e para ganho de outrem, era uma humilhação eenvolvia a perda vital da liberdade.(6)

Com a institucionalização generalizada da escravidão, em meado do séculoXVI, John Knox, padre católico em sua terra natal, a Escócia, e mais tarde pastorprotestante, teve o infortúnio de ser capturado perto de Saint Andrews eembarcado para a França, onde se tornou escravo nas galés, no rio Loire.(7)

Por milhares de anos, lembra Geoffrey Blainey (2012:282), a escravidão foiaceita pelos moralistas. Para os primeiros cristãos, a escravidão fazia parte dacondição humana e, pelo que sabiam, sempre havia existido. O Império Romanomantinha milhões de escravos. Santo Agostinho de Hipona afirmou que aquelesescravos tinham vida mais confortável do que muitos pobres. A maior parte dasregiões do mundo em algum momento adotou a escravidão. Em 1800, porém, aescravidão branca já não era comum.

No regime da escravidão, o escravo era considerado como um objeto oucoisa, sobre ele incidia uma relação de direito material ou patrimonial.

O trabalhador escravo não era considerado sujeito de direito, o seu proprietário

podia vender, alugar, doar e até sacrificá-lo.

Russomano lembra que, no Direito Romano, reina silêncio profundo a respeitoda regulamentação do trabalho: o trabalhador braçal era escravo e o escravo nãoera homem, era objeto do direito de propriedade e tratado, pelas leis e peloscidadãos, como as coisas de que dispomos.(8)

(5) PALO NETO, Vito. Conceito jurídico e combate ao trabalho escravo contemporâneo. São Paulo:LTr, 2008. p. 82/83.(6) FISCHER, Nick. Trabalho e lazer. In: Grécia Antiga. Organizador Paul Cartledge. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002. p. 301.(7) Blainey, Geoffrey. Uma breve história do cristianismo. São Paulo: Fundamento, 2012. p. 198/199.(8) RUSSOMANO, Mozart Victor. O empregado e o empregador no direito brasileiro. 7. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1984. p. 2.

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No Brasil, o escravo era tido como mercadoria, o tráfico de escravos era umnegócio gigantesco, que movimentava centenas de navios e milhares de pessoasdos dois lados do Atlântico. Incluía agentes na costa da África, exportadores,armadores, transportadores, seguradores, importadores e atacadistas querevendiam no Rio de Janeiro, para centenas de pequenos traficantes regionais,que, por sua vez, se encarregavam de redistribuir as mercadorias para as cidades,fazendas e minas do interior do país.(9)

Em nosso país, imperou o regime da escravidão até 1888, ano em que foiabolida a escravidão pela Lei Áurea (Lei n. 3.353, de 13 de maio).

Apesar da abolição da escravatura, entre nós ainda medra o trabalho emcondição análoga à de escravo, com total desrespeito aos direitos da personalidade,como será visto mais adiante.

Na análise de João Carlos Alexim, citado por Luís Antônio Camargo de Melo,in verbis:

Como a escravidão, tal como é entendida regularmente, está proibidaem basicamente todos os países, surgem formas de dissimulação quecausam efeitos talvez menos escandalosos ou ostensivos, mas resultamna prática em formas muito semelhantes. Existem muitas maneiras deimpedir que um trabalhador exerça seu direito de escolher um trabalholivremente ou, ainda, que abandone seu emprego quando julgarnecessário ou conveniente.(10)

2. DIREITOS DE LIBERDADE E IGUALDADE

O trabalho escravo é a forma mais grave de exploração do trabalho humano.Ela não somente atenta contra os princípios mais elementares da proteção dotrabalho, mas contra a condição humana do trabalhador vitimado. Outroraconsiderado como prática comum entre vencedores e vencidos em guerras, aescravidão veio sendo paulatinamente combatida na história da civilização humana,principalmente nos séculos XIX e XX. Mais ainda não foi derrotada.(11)

Superada a fase da inexistência de direitos humanos e da decadência doEstado Absolutista, nos períodos históricos seguintes, apesar das divergências,deu-se o início do reconhecimento dos direitos fundamentais assegurados pelas

(9) GOMES, Laurentino. 1822. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. p. 255.(10) MELO, Luís Antônio Camargo de. As atribuições do Ministério Público do Trabalho na prevenção eno enfrentamento ao trabalho escravo. Revista LTr, v. 68, n. 04, p. 425, 2004.(11) LIMA, Firmino Alves. A jurisprudência sobre a caracterização do trabalho em condições análogasà de escravo no Brasil. In: NOCCHI, Andrea Saint Pastous; VELLOSO, Gabriel Napoleão; FAVA, MarcosNeves (coordenadores). Trabalho escravo contemporâneo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 198.