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CRIME NAS AREIAS BRANCAS

Crime Nas Areias Brancas

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CRIME NAS

AREIAS BRANCAS

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POR MARCOAURELIO GOMES VEADO ®

Publicado de 09/Maio a 17/Out/2003Jornal Nova Imprensa: http://www.novaimprensa.inf.br

Formiga On Line: http://www.formigaonline.com.br1

Sexta-feira à noite. O Clube Centenário estava repleto. Acontecia ali, a final do Campeonato de Futebol de Botão Regional. O jogo decisivo estava por terminar. O placar marcava Holanda 1 a 0 contra a França. Momentos cruciais. De repente, a França empatou. Vibração geral da torcida “francesa”. Os dois disputantes, que regiam seus times, faziam parte da equipe da Polícia Técnico-Científica de Formiga: Evandro, o “técnico holandês” e Júlio, o “técnico francês”. Falta perigosa nos arredores da área “francesa”. O “timer” marcava quase 10 minutos, o que indicava que o sino ia tocar, dando por encerrado o jogo que, se ficasse empatado, teria uma prorrogação de 5 minutos corridos. Nervoso, como sempre, Evandro pegou sua melhor lente e postou-a antes da bola, pronta para o chute. Pediu Júlio para colocar o seu goleiro. Tensão geral. Chute. É gol! Nesse mesmo instante, o “timer” trilou e o jogo terminou. Holanda acabava de se sagrar Campeã Regional de Futebol de Botão. Ovação geral para o novo campeão! Cumprimentos e, para terminar, houve a entrega da Taça ao vitorioso. Júlio sentou-se em uma cadeira e foi consolado pelos outros dois colegas de trabalho.

- Não fique assim não, companheiro. O Evandro vai ter mais piedade de você da próxima vez! – disse Ted, acompanhado pela gargalhada de seu outro colega, Marcelo. Júlio baixou a cabeça.

-Não fica assim, cara! Que tal comemorarmos meu título com uma bela pescaria na lagoa? – indagou Evandro, agora mais descontraído, enquanto alisava sua taça conquistada.

- É uma boa pedida! – concordou Júlio, reanimado. Tenho que admitir que você merece esta homenagem nossa! E vocês dois, o que acham? – olhou para Marcelo e Ted que, imediatamente concordaram com a proposta. Antes de se despedirem, combinaram o local de encontro.

- Então amanhã cedo, por volta de 9 horas, encontramos na pracinha, perto da Matriz!

Júlio era o médico legista-chefe da P.T.C. Por sua vez, Evandro era aquele que fazia as investigações “in loco”. Era o detetive técnico-científico. Ted era o agente de campo que se encarregava do trabalho mais pesado. Por ser esportista, tinha um porte mais avantajado, o que lhe permitia realizar a parte mais perigosa, quando necessário. Por outro lado, Marcelo era o pesquisador. Sabia da vida de cada cidadão, através de um complexo banco de dados que montara. Enfim, os quatro amigos faziam parte de uma equipe de renome. Eram famosos sobretudo por causa de espetaculares resoluções de intricados crimes que aconteciam em Formiga e região.

O sábado amanheceu com o sol quente despontando no leste. Pouco antes das nove horas, os quatro amigos e colegas de trabalho, se encontraram no local combinado.

- Preparados para um dia de muito peixe e muita descontração? – Ted saudou os amigos, em cima de sua imponente motocicleta – Cada um trouxe o que foi tratado?

- Sem problema, o Evandro leva os CDs, o Júlio, o seu kit de iscas, coquetéis e bebidas, você, que vai de moto, leva as varas e eu me encarreguei das cadeiras e outro material pesado necessário, pois meu carro é o maior – respondeu Marcelo, o mais animado de todos.

E partiram rumo à lagoa. Cada um no seu próprio veículo, pois era uma exigência da Polícia Técnico-Científica de Formiga, em caso de uma emergência que necessitasse dos préstimos de cada um deles separadamente. Ficavam, portanto, em permanente “estado de plantão”. Ossos do ofício.

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Na lagoa, pouco tempo depois, arrumaram tudo e, sem demora, começaram a pescar. Como sempre acontecera em vezes anteriores, quem pescasse mais, ficaria isento de arcar com as despesas. Ao final do dia, teriam que fazer a contagem de peixes. Era a parte mais emocionante da farra.

Pouco antes do sol se por, juntaram suas cestas e começaram a contar o que fora pescado.

- Um, dois, três... Engraçado. Este piau é do mesmo tamanho deste outro..., mas está bem mais pesado! Comparem e vejam se não estou certo! – observou Evandro, meio ressabiado.

Assim o fizeram. A diferença de peso de um peixe para o outro, mesmo sendo de uma mesma espécie e tamanho, causou estranheza nos quatro que se entreolharam com curiosidade.

- É fácil descobrir o motivo – sugeriu Júlio, o legista – vamos abrí-lo agora mesmo para ver se engoliu alguma coisa. Este inchaço não sugere “gravidez”, pois é uma protuberância ventral pouco habitual neste tipo de peixe...

Para a surpresa geral, ao cortarem o pequeno peixe, encontraram um globo ocular humano, praticamente intacto e, portanto, conservado, no interior de sua barriga.

- Olha só! Tudo indica que temos um cego na região ou um corpo no fundo desta lagoa! – disse Marcelo – Ted, isto é trabalho para você, meu amigo!

- Sei disso. Diligências iniciais é a minha função. O equipamento de mergulho está na moto. Vamos verificar o que jaz nesta lagoa neste momento! Será que temos presunto no pedaço?

Enquanto Ted mergulhava na lagoa para verificar se ali estava o corpo do “dono do olho”, Júlio, por ser legista, pegou o peixe com cuidado e o colocou numa tigela cheia de gelo. Teria que preservá-lo por causa do globo ocular humano que não fora retirado de sua barriga, pois caso o fizesse sem assepsia, temia por sua deterioração, o que poderia atrapalhar as investigações iniciais.

- Vejam só. Tem mais coisa aqui. Mas, são gravetos, plantas e algumas pedrinhas, o que não é novidade, pois um olho simplesmente, não alteraria tanto o peso de um peixe. Foi pura sorte abrirmos este com cuidado redobrado. Bem, lá na Sede da PTC, o examinaremos com a devida técnica.

Rapidamente, Marcelo pegou seu computador portátil e acessou o banco de dados da Sede, a fim de verificar se este já fora alimentado com alguma listagem recente de desaparecidos na região, ou mesmo alguém que dera entrada em hospitais ou na medicina-legal. Evandro, por sua vez, que era perito em muitas áreas forenses, pegou sua inseparável lanterna de luz ultra-violeta que deixava visível fluidos, digitais ou fibras de tecido e, imediatamente, começou uma investigação minuciosa do local. Examinou bem a terra batida que margeava a lagoa; depois tirou fotos. Com a régua de escalas, mediu tudo. Em seguida, anotou num caderno próprio para posterior análises. Mas, ficou frustrado...

- Presumo que o Ted não vá achar nada... Nenhuma anomalia por aqui. Sem rastros, ou impressões, a não ser as nossas próprias... Enfim, este olho não foi tirado de alguém que estivesse por perto... - disse, coçando a cabeça com os poucos cabelos que tinha.

Como ele previra, em pouco tempo, Ted voltava após a meticulosa pesquisa no fundo da lagoa. Molhado e um pouco ofegante, fitou seu colega.

- E aí, campeão, descobriu alguma coisa? Mesmo sendo este lugar de águas profundas e estar escurecendo, nada achei. Com certeza, não há corpo algum lá no fundo. Este olho veio de longe...

- Como se não bastasse, também não encontrei nenhuma registro de pessoa desaparecida, morta ou mutilada, nessas últimas vinte e quatro horas! – complementou Marcelo.

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- Pois então, todos chegamos à mesma conclusão... Ou melhor, ninguém chegou à conclusão alguma, pois as primeiras investigações foram, de certo modo, infrutíferas – finalizou Júlio.

- Acho que a nossa festa acabou, minha gente! Vamos dar uma passada na PTC para fazermos as análises preliminares. Quem sabe, ainda hoje, teremos novidades ou alguma notícia acerca de algum desaparecimento?! – recomendou Evandro, enquanto arrumava seu equipamento técnico-científico que ficava numa bojuda maleta de metal inoxidável, que sempre carregava consigo.

Em pouco tempo, estavam todos de volta ao ambiente de trabalho. Mesmo em pleno sábado, a responsabilidade de um investigador científico sobrepunha ao divertimento.

O primeiro passo, foi retirar cuidadosamente o olho humano do interior do ventre do peixe. Depois, com o auxílio de um microscópio eletrônico, Júlio começou a examinar o diminuto órgão ocular. Como era de praxe, os demais colegas acompanhavam seu relato através de imagens tridimensionais projetadas numa grande tela. Assim, todos poderiam opinar.

- Como podem reparar, temos aqui minúsculas partículas esverdeadas que, pelas características, são gramíneas, talvez de plantas aquáticas. O enrugamento do olho está discreto, o que indica que ele não deve ter ficado muito tempo no interior do peixe antes deste ser pescado por nós.

- Estou notando um certo pigmento preto perto da íris, podem ver? – observou Ted.

- Tem razão. É uma película muito fina. E ainda há um folículo advindo de uma planta ressecada... Evandro, por favor, analise a consistência destes resíduos.

Sem perder tempo, Evandro já tinha o resultado do exame requisitado por Júlio.

- O pigmento é fuligem. Talvez proveniente de monóxido de carbono... Não dá para ser mais preciso, pois a quantidade é mínima. Há partículas de metano também. Isto pode ser um indicativo que o dono deste olho poderia ter estado em local próximo, quem sabe, à uma fábrica, ou qualquer outro ambiente poluído. O certo é que não se trata de pólvora, o que tira a possibilidade de que ela tem tomado algum tiro próximo à sua face...

- E quanto à planta seca? Algum outro indício? – perguntou Marcelo.

- Trata-se de palha de milho. Fica difícil de saber porquê há este tipo de resíduo no olho...

- Procedidas as primeiras análises – complementou Júlio – concluímos que o olho veio de um indivíduo que, antes de perdê-lo, estava próximo a um lugar poluído...]

- De fato, o que está pegando é o motivo desta palha ter ficado também impregnada no olho... – disse Ted, fazendo-se entender que ainda estavam na estaca zero do misterioso caso do olho perdido...

Os quatro agentes da Polícia Técnico-Científica de Formiga decidiram dar por encerradas as análises preliminares, por enquanto. Estavam, de certo modo, extenuados, pois o dia, apesar de ter se iniciado de maneira descontraída, havia terminado cheio de surpresas e muitas dúvidas pela frente.

No dia seguinte, domingo, a rotina não fora diferente da tarde-noite anterior, pois cada um, à sua maneira, ficou trabalhando no caso. Muitos questionamentos e nenhuma resposta conclusiva que pudesse direcioná-los à uma linha de conduta definitiva.

- Por que um olho intacto foi justamente parar no estômago de um peixe? Como teria ido parar lá, se não foi encontrado nenhum corpo nas proximidades? Sei não. Deve ter algo mais que nos passou despercebido. Como estava escurecendo, as investigações ficaram prejudicadas... – matutava Ted.

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- Será que o ‘dono’ do olho trabalhava em alguma fábrica ou foi morto nas suas proximidades? Seria de um lavrador? Afinal, nele havia fuligem, e filetes de palha! Além do mais, não vi nenhum rastro, ou qualquer outro vestígio nas imediações da lagoa! O que indica que o mutilado certamente não o perdeu ali... Necessitamos de mais uma varredura...- pensava Evandro insatisfeito.

- Ninguém, sem olho, deu entrada nos hospitais da redondeza, sequer no IML ou nos necrotérios! Já que ninguém tem notícia, pode ser que o olho seja de um mendigo qualquer que morreu perto da lagoa, ou que perdeu seu olho depois de morto..., porém... como teria sido arrancado?

O que me resta, será verificar as fábricas ou indústrias das imediações para ver se existe algum registro de desaparecimento de funcionários. Isto eu deixo para amanhã, pois só mesmo investigando no próprio local. Como se não bastasse, nem a imprensa, nem a Polícia têm notícias de desaparecimentos recentes! – vaticinava consigo mesmo, o agente Marcelo, outro que não estava satisfeito.

Do outro lado da cidade, Júlio, também em casa, regravava seu relatório, enquanto revia os slides que mostrava o olho através do microscópio eletrônico de alta resolução.

- Pelas características da base, este olho foi mesmo puxado com força. O nervo ótico está rompido. Estranho... vejo um ínfimo ponto na mácula. De que será sua origem? Isto me passou despercebido ontem... Parece uma picada de agulha, ou de qualquer outro objeto pontiagudo. Teria sido de uma injeção? Difícil, pois teríamos detectado alguma substância estranha na análise química... O sinal está próximo da pupila. Bem, amanhã, devo verificar melhor as possíveis causas deste micro dilaceramento. Às vezes, poderemos ter novidades, o que não era sem tempo...

Na segunda-feira, bem cedo, Ted pegou sua motocicleta e, já sabendo que Evandro também não estava satisfeito com os exames, combinou com ele de voltarem à lagoa para novas análises..

As pesquisas duraram mais de uma hora. Após o trabalho, comentaram os resultados.

- Não há mesmo nenhum sinal neste perímetro que margeia a lagoa. Nenhuma fibra de tecido que sugerisse ser da roupa do pretenso ‘sem-olho’ Sequer achei marca de sangue, tal como vimos anteontem. Há poucas possibilidades até mesmo de o corpo ter sido arremessado por um barco, pois não há resquícios de óleo na água. É sabido que tal elemento fica impregnado numa água parada durante algum tempo e, como não houve chuva, estou certo disso. Portanto, nada adicional digno de nota. Acho que voltamos aqui à toa, disse Evandro, demonstrando sua frustração ao colega.

- Novamente, nada foi achado no fundo da lagoa... Mas, não se frustre totalmente! Por acaso, achei isto aqui na beirada da lagoa! Estava escondido debaixo de uns ramos de plantas aquáticas! – disse Ted, mostrando uma pena enegrecida e ainda encharcada pela água.

- Arre! Finalmente, uma novidade! Vamos à Sede. Lá poderemos examinar melhor esta plumagem. Desconfio que vamos ter novidades.... – com ânimo novo, disse Evandro.

Na Sede da PTC, os quatro reencontraram-se. Estavam prontos para retomarem os trabalhos..Antes, tomaram um café, acompanhado de pão, quentinho, vindo diretamente da Panificação

São Vicente. Era uma tradição que jamais deixavam de lado.

Sentaram-se todos em volta de uma grande mesa redonda. Júlio e Marcelo se abstiveram de falar, pois não tinham descoberto nada de extraordinário. Todavia, Evandro e Ted tinham novidades.

- Voltamos à lagoa nesta manhã – disse Evandro, apontando para Ted. Com a luz ultra-violeta, fiz uma nova varredura. Bem mais extensa no local e, infelizmente, não detectei nenhum vestígio, tal como aconteceu no sábado. Nosso colega aqui, apesar de nada ter achado também no fundo da lagoa, descobriu algo interessante que poderá nos levar à origem do olho.

- Vejam – disse Ted, mostrando a pena. Isto aqui pode nos fornecer novos indícios...

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- Vamos analisá-la agora mesmo! – exclamou Júlio, cheio de esperança.

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Satisfeito, Evandro segurava a pena, ainda úmida e a mostrava aos colegas, contendo a emoção. Todos sentiam que o caso teria agora um fio para que pudesse ser conduzido à solução. Pelo menos, o ponto de partida parecia estar próximo. A esperança era sintomática, portanto. Um forte indício para, primeiramente, descobrir a origem do olho achado dentro de um peixe.

- Com certeza, me perguntarão como esta pena, em particular, me chamou a atenção, já que havia muitas penas na beirada da lagoa. O motivo foi pelo seu tamanho e pela sua cor escura. Nosso dileto Evandro, terá nova incumbência agora que é examiná-la para ver se obtemos alguma pista em direção ao primeiríssimo passo da nossa investigação. – disse Ted.

Num curto espaço de tempo, como era de seu feitio e graças à sua experiência, Evandro examinou a plumagem, chegando a algumas conclusões interessantes.

- Pelas suas características, esta pena pertence a uma ave robusta com envergadura de quase dois metros. Para ser mais exato: é de um urubu-rei que, por sinal, é muito comum nesta região. É uma ave forte, como todos sabem e, por isso teve força para arrancar o olho de algum cadáver, já que um ser humano vivo não permitiria que isso acontecesse, o que é óbvio. Os banquetes repugnantes dos urubus-reis acontecem geralmente em lugares onde há lixo abundante. A diferença é que os urubus comuns, menos exigentes, encontram carcaças em qualquer lugar, pois os reis só preferem locais onde há fartura. Portanto, meus amigos, o nosso morto deve estar, ou já foi consumido pela putrefação, num lixão! E aqui em Formiga só temos um depósito de lixo!

- Como dizem os americanos: “bingo”! Primeira etapa vencida! De fato, já reparei no lixão daqui da cidade o quão os urubus-reis são sinistros. Antes de violar a vítima eles obedecem a um ritual peculiar: primeiramente, voam em círculos de acordo com a corrente de ar, a mesma que, antes, lhes envia o cheiro nauseabundo da carniça. Depois, grasnam com vigor. É uma dança macabra antes de abocanhar o alimento, ora para eles próprios, ou para os filhotes. Em seguida, vendo que não há concorrente por perto, pousam e circundam a vítima e, aos pulos começam a bicar a vítima. Os orifícios são os primeiros a serem atacados. É uma espécie de ‘couvert’, antes do prato principal. É por isso que os olhos sempre são os primeiros a serem atacados. Pelo visto, o nosso emplumado e nobre urubu queria alimentar sua prole.... – observou didaticamente o legista Júlio.

- Por isso, pegou o olho e o manteve intacto! – concluiu Marcelo.

- Claro! Mas, com certeza, no seu trajeto, surgiu uma corrente contrária e fez com que a ave deixasse o precioso alimento cair. – emendou Ted.

- Em suma, companheiros: um peixe da lagoa deglutiu o globo ocular e, por sorte... - ou azar (ainda o saberemos) - o pescamos! – disse Evandro com um sorriso irônico.

- Então, já temos uma certeza: a fuligem detectada no olho, não é de fábrica, mas de lixo, e a palha vem do ninho do urubu-rei, ou rainha, quem sabe... – gracejou Marcelo.

- Próxima parada: lixão formiguense! Espero por mais surpresas! – ultimou Ted.

Não perderam tempo. Os quatro técnicos entraram no veículo oficial da PTC e partiram diretamente para o local onde era jogado o lixo da cidade.

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Bem próximo ao lixão, cada um tapou seu nariz. O odor não era nada agradável. Mas era tarefa da equipe: conviver com os dissabores da profissão, em busca da solução de mais um intricado e misterioso caso.

Vestidos com roupões anti-contágio, além de luvas e máscaras, começaram a busca.Cada um ficou num perímetro do lixão. O trabalho teria que ser meticuloso. Evandro usava a

lanterna LUV (fonte de luz ultra-violeta), para detectar fluidos ou fibras de tecidos e, até mesmo fios de cabelo. Marcelo colhia qualquer material estranho. O “luminol” estava com Júlio. Era o teste para deixar reação de luminescência evidenciada através das moléculas de ferro deixadas pelo sangue. Ted dirigia um mini-trator, para o trabalho mais pesado: como cavar mais fundo ou remoção de objetos mais pesados. A árdua tarefa durou mais de uma hora.

De repente, todos viram Marcelo acenando. Sem perda de tempo, correram em sua direção.

- Vejam o que acabo de achar: presunto podre! E está cego de um olho!- disse com sarcasmo.

- É o dono do olho, sem dúvida! Falta-lhe o globo ocular esquerdo! – observou Ted.

- Vamos recolher o decujo imediatamente para levá-lo à PTC. Agora sim. Temos muito trabalho pela frente! E frutífero – ordenou Júlio.

Meia hora depois, a equipe técnica da Polícia Técnico-Científica de Formiga já estava em volta do cadáver estirado na maca fria do salão de autópsias.

Os detetives cientistas da Polícia Técnico-Científica de Formiga, integrantes da chamada “Equipe Laboratorial Forense”, postavam-se em volta do corpo do desconhecido achado no meio do lixão. O detalhe, era que ele estava sem um olho: o mesmo que lhe fora arrancado por uma ave de rapina, como já fora descoberto há pouco através dos exames. A necropsia, então, tivera início.

- O cadáver está bastante decomposto... – observou o legista Júlio. Nem tanto pela putrefação, mas por ter sido jogado num lugar tão tóxico como o depósito de lixo daqui da cidade. Não fosse isso, poderíamos examiná-lo com mais precisão e descobrir com certeza a sua causa-mortis, uma vez que não apresenta nenhuma perfuração aparente, seja proveniente de objeto contundente, seja por tiros. Para piorar, suas mãos estão despeladas e, por isso, ficamos sem suas digitais, tampouco sua impressão palmar. Também não há indícios de fibras de tecido. Deve ter sido desovado sem roupas, exatamente para que sua identificação fosse dificultada. Apesar da deterioração adiantada, algumas vísceras ainda estão preservadas, como o pulmão e o estômago. Outra coisa: a morte parece ter acontecido na semana que passou...

- E o nosso urubu-rei deve ter arrancado o olho pouco tempo depois, deixando-o cair na lagoa para que o achássemos na barriga do peixe – completou Evandro.

- A pressão exercida pelo bico da ave, pareceu-me, em princípio, com pontada de agulha. Mais um detalhe esclarecido! Vejam, os sucos gástricos do estômago preservaram também um pedaço de carne – completou Júlio. Quando Marcelo comentou:- Pela consistência, só pode ser presunto.

- É por aí que as nossas investigações começarão! – interrompeu Ted. Vamos analisar este naco e verificar se há algum outro alimento nele impregnado.

- Com certeza! Se detectarmos trigo, por exemplo, o presunto foi ingerido com pão. Algum tipo de condimento, poderia ser de uma pizza... E por aí vai! – opinou Evandro.

- Show de bola, campeão! Como em Formiga não há muitas pizzarias, ou mesmo restaurantes, poderemos começar as investigações por esse caminho! – comemorou Ted.

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Aos poucos, a equipe ia tendo a confiança de volta. Os indícios surgiam, à medida que analisavam o corpo da vítima. A tarde de segunda-feira passa rapidamente.

- Realmente há resíduos de trigo, mas nada de legumes ou qualquer vegetal. A lactose está alta, o que deduzimos que ele ingeriu leite... ou, queijo. Sim. Foi queijo. Não há dúvida. O nosso decujo ingeriu misto-quente sem molho, pouco antes de passar para o Outro Lado! – disse Júlio.

Outros exames de rotina foram feitos ao longo de todo o dia. Examinaram fios de cabelo. Confrontaram-nos com os fios achados no lixão. Quando verificaram o pulmão, notaram que este tinha fibrose, dando a nítida impressão de que o homem, apesar de não fumar, sofria de alguma doença respiratória crônica. E, como fora verificado à primeira vista, o corpo não tinha nenhuma outra perfuração, a não ser o próprio orifício ocular., onde um dia havia um olho. Esta rotina preliminar era de praxe e antecedia sempre as investigações em campo.

Ao final da segunda-feira, Júlio traçou para os colegas os próximos passos da investigação.

- Ted, você é quem dá o pontapé inicial, como sempre. Pode começar com as diligências! O Evandro, como de hábito também, o acompanhará com a sua inseparável maleta. Temos em Formiga restaurantes, bares ou lanchonetes que vendem misto-quente. È bom atentar para os que têm câmaras, o que poderá facilitar o serviço para nós, caso tenha sido detectada alguma pessoa com as medidas deste nosso falecido aqui.

- De minha parte – emendou Marcelo -, continuarei com minha averiguação, via banco de

dados. Sem as digitais do morto, só mesmo pelas características físicas, poderemos captar algo de novo. Se não foi dada nenhuma queixa até agora, duvido que aconteça. Mesmo assim, continuarei na pesquisa. Já fotografei o elemento e vou distribuir a foto pela cidade e redondeza. Uma coisa já ficou clara: este elemento não é de Formiga... mas foi morto aqui!

E assim foi feito. No dia seguinte, terça-feira, Ted e Evandro partiram ao encalço de novos indícios, com vistas

à descoberta, não somente da identidade da vítima, mas de como ocorrera seu assassinato, ou até mesmo morte natural, uma hipótese também aventada pelos quatro policiais técnico-científicos.

Procuraram em vários estabelecimentos. Num deles, porém, ouviram um dado importante.

- Este senhor da foto esteve aqui na quinta-feira à noite – disse o dono da lanchonete -, mas não comeu nenhum misto-quente. Notei-o porque ele estava arfante. Parecia estar com falta de ar...

- É mesmo o nosso homem, Evandro! Não só pelo rosto, mas pela doença respiratória!

- Calma Ted. Vamos devagar com o andor. O fato de estar ofegante não pode nos fazer deduzir que é de fato o homem que procuramos a identidade. O indício é forte, é verdade, mas sua respiração difícil pode ter sido decorrente de cansaço também., ou dos problemas pulmonares que detectamos durante a necropsia.

O perito Evandro falava com seu colega mas, ao mesmo tempo, observava os maneirismos do dono da lanchonete, chamado Mauro, pessoa muito conhecida, pois era famoso por “vender o misto mais gostoso da cidade”.

- O que aconteceu com aquele homem? Ele adorava nosso sanduíche! - Mauro indagou com a voz meio embargada.

- Não sabemos com precisão qual foi a causa mortis ainda, pois o corpo estava muito deteriorado por causa das toxinas do lixão, onde foi achado. Bem, se foi realmente o indivíduo que

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perdeu o olho que esteve aqui, uma coisa é certa: ele morreu na última quinta-feira, pouco tempo depois de comer seu misto-quente... - disse Evandro

- Precisamos também saber o motivo da ingestão do sanduíche em momento tão crucial: fome, ou realização de um último desejo... O estranho é que ele estava ofegante... – insinuou Ted.

Mauro baixou os ombros. Reação típica de alguém que sabia demais.

Ted fitou o companheiro, sendo imediatamente correspondido. Era a postura que adotavam quando desconfiavam de uma postura suspeita.

- O senhor há de convir que pode ter havido outros motivos pelo qual a nossa vítima veio aqui antes de sua passagem para o outro lado.... – insistiu Evandro.

- O que estão querendo dizer? Não tenho nada com isso! – despistou o dono da lanchonete.

- Não dissemos nada e não precisa ficar nervoso... Estamos apenas investigando. Mas é fato que não faz qualquer sentido alguém vir aqui só e somente só para lanchar, mesmo sabendo que está sendo perseguido, ou que está prestes a perder a vida. Além disso, é sabido que a maioria dos que têm problemas respiratórios, passa a respirar com dificuldade quando está nervoso...

- E pede ajuda quando está vendo a avó pela greta... – emendou Ted.

- Alto lá! – interrompeu Mauro. Não admito insinuações! Vou acioná-los por calúnia e difamação! Não tenho obrigação de dar satisfações à peritos! – reagiu Mauro.

- Seus ânimos alterados nos dá plena convicção de que o senhor sabe mais do que imaginamos. Seria de bom alvitre nos contar a verdade... Caso contrário, vamos levá-lo à juízo para responder melhor nossas questões! – Evandro, ameaçou com veemência.

Súbito silêncio dominou o ambiente.

- Pois bem. Minha culpa no cartório é pouca e, por isso mesmo, não tenho nada a esconder... Esse senhor, sempre que vinha à nossa cidade, passava aqui para saborear o nosso misto-quente. Depois não o vi mais.

- E, por acaso, descobriu o motivo dessas vindas dele à Formiga?

- Negativo. Ele era muito fechado...

- O senhor disse ‘era’. Por quê? E se o homem estiver vivo? – falou com desconfiança, Ted.

- Não insinue mais! Isto foi força de expressão. Pediram-me para dizer a verdade e eu estou dizendo tudo que sei. Fiquei amigo dele, mas ele comparecia à minha lanchonete de quando em quando. Passou a vir à cidade com freqüência e não sei a razão como já disse.

- Como ele se chamava... ou chama, quem sabe...

- Quando vinha aqui, disse para chamar-lhe por Nathan. Não posso afirmar se este nome era – ou é, como queiram - verdadeiro, mas foi o que ele me disse.

Evandro e Ted perceberam que Mauro não falava totalmente a verdade. A experiência lhes fazia notar os trejeitos típicos de quem falava mentira, ou meias-verdades, pois puderam verificar que suas pupilas estavam dilatadas.

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- Senhor Mauro, uma vez mais o aconselhamos que nos diga tudo, sem subterfúgios. Se não tem culpa no cartório, como afirma, faça-o agora, ou entrará na nossa lista de suspeitos... – ameaçou Evandro, demonstrando impaciência.

- Nathan estava mesmo nervoso. Nunca o vira assim antes. Mesmo respirando difícil, ele me pediu um misto-quente e disse que tinha pressa... Perguntei-lhe por quê e ele não quis dizer mais nada.

- Muito bem. Mas ele lhe disse alguma coisa antes de ir embora. O que foi?

- Falou-me que a sexta-feira seria o ‘dia d’ para ele, pois sua vida iria modificar finalmente...

Os peritos Evandro e Ted nada mais perguntaram ao dono da lanchonete. Oportunamente, voltariam ali, pois sentiam que aquele não era o momento propício, uma vez que Mauro estava ficando nervoso e podia por tudo a perder, se fugisse. A praxe mandava que deveriam averiguar em outros estabelecimentos que vendiam sanduíche, para se certificarem que a desconfiança era fundamentada.

- Uma coisa é certa, - opinou Evandro, já dentro do carro – o nosso morto passou naquela

lanchonete e vamos saber o motivo...

- É isso aí, campeão. Progredimos bem com esta visita. Já temos o nosso primeiro suspeito. Vamos passar o resto do dia com novas investigações. Com a foto que temos dele, tirada do corpo, poderemos, quem sabe, identificar outros trajetos do Nathan...

Assim aconteceu. Os peritos ainda foram em alguns restaurantes, mas não tiveram sucesso. Ninguém reconhecia a pessoa. Uma coisa era certa: ele não era de Formiga, o que aumentava ainda mais o mistério em torno daquele caso. O que queria na cidade? Por quê a sexta-feira seria o “dia D”?

Enquanto faziam as diligências, Evandro resolveu ligar para o legista Júlio. Queria saber se ele havia descoberto algo novo na autopsia.

- E aí, Júlio. Mais pistas? Estamos no trabalho árduo. Temos um suspeito que é o Mauro, daquela lanchonete, perto da pracinha. Ele conhecia o decujo que, por sinal, se chamava Nathan.

- Poucos progressos. Todavia, verifiquei resíduos de um composto químico, ainda desconhecido, impregnados nas vias aéreas do cadáver. Pode ser um indicativo de que ele foi envenenado. Resta saber como, e se foi isto mesmo, a sua causa-mortis. Por isso, acho que vocês precisam mudar o roteiro e voltar ao lixão e verificar melhor o terreno, já que a esta altura, deve haver menos lixo no local onde achamos o corpo.

- Faremos isto. Ademais, Nathan deve ter ido direto à lanchonete do Mauro, porque até agora, ninguém mais o viu naquela noite de quinta-feira passada. E o Marcelo, obteve alguma pista?

- Ainda na estaca zero. Ninguém deu queixa. Não há pessoa semelhante nos registros nacionais de identificação, tampouco nos arquivos da Interpol.

No depósito de lixo, Evandro abriu sua maleta científica e pegou a lanterna de luz ultra-violeta, a chamada “luv”, e passou perscrutar o local onde o cadáver fora achado no início da semana. Por estar ciente do que procurar, o sucesso da busca foi mais rápido.

- Ted, repare. Há marcas de pneus por aqui! E não parecem ser do trator que você dirigia, nem de qualquer caminhão de lixo. Vamos ver que tipo de pneu, para sabermos que marca de carro...

Rapidamente, Evandro pegou na maleta o levantador de borracha, um esquadro para delimitar o espaço e gesso: tudo para medir o tamanho do pneu. Assim, obteve um molde perfeito para, posteriormente, descobrir o tipo de veículo que por ali passara.

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- Voltemos à Sede! Esta nossa volta ao lixão foi até benéfica, pois descobrimos fortes pistas que, ao que tudo indica, é do nosso caso.– observou Ted, contendo o entusiasmo.

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Ao final da tarde, os quatro peritos estavam novamente reunidos na sede da PTC formiguense.

Após discussões técnicas e dentro da praxe, Júlio fez um retrospecto das investigações.

- Estamos progredindo bem. Já sabemos que nosso falecido se chama Nathan; que ele passou na lanchonete do Mauro pouco tempo antes de morrer, ou ser morto; que ele sofria de doença respiratória e agora, para culminar, vestígios de um elemento tóxico foram achados próximos às vias nasais. Não é droga. Precisamos da contra-prova para a identificação do elemento. Amanhã, quarta-feira, prosseguiremos com nossos trabalhos. O primeiro passo, será descobrir de que veículo pertencem as marcas de pneus achadas no lixão.

Os quatro se despediram, mas o caso não lhes saía da mente. O mistério os envolvia. Recolheram-se, finalmente, em suas casas. No dia seguinte, voltaram à sede da Polícia Técnico-Científica de Formiga. Primeiramente, a tradição matinal, ou seja, tomaram um café bem quente, e comeram pão também, diretamente da Padaria do Lack.. Planejavam, então as próximas etapas da investigação. Ao final do lanche, retomaram às atividades.

Evandro retirou o molde de gesso do pneu. Em seguida, passou-o a Marcelo para “escaneá-lo” e verificar no computador as similitudes com aqueles existentes no banco de dados.

- Bateu! Este pneu é usado por carros tipo picape. Aro 16. Agora verifico quantos desses veículos existem na cidade, depois na região. Ora, vejam! É carro da cidade mesmo! Ted e Evandro, preparem-se para novas diligências! O dono do carro vai ter que nos dar explicações convincentes!

As investigações, certamente, tomariam um novo rumo...

Enquanto os peritos Marcelo e Júlio - como sempre - permaneceram na sede da PTC, Evandro e Ted partiram novamente a campo. Pela identificação obtida através da placa da camionete, encontraram rapidamente o endereço do suspeito, dono do carro.

Era numa rua distante do centro de Formiga. Naquela hora, por volta de dez da manhã, estava deserta. No número indicado, pararam o carro e desceram. Antes de entrar portão adentro, repararam que não havia nenhuma campainha. Como rezava o costume, bateram palmas para ver se havia alguém. Não demorou muito e vislumbraram uma silhueta se aproximando. Era de um homem de estatura acima da média, meio gordo, de ventre avolumado, caminhando lentamente rumo à porta.

Ainda com o pega-ladrão travado, abriu-a parcialmente.

- Pois não. O que desejam nesta hora da matina? Algum problema?

- O senhor é o proprietário do carro desta placa? – indagou Ted, mostrando a foto colhida diretamente do banco de dados do perito Marcelo.

- Sou eu mesmo... – respondeu , demonstrando uma certa apreensão e, ao mesmo tempo, tirando a corrente da trava.

- Marden Konstancinov é o seu nome. Russo de nascimento, criado em Formiga; profissão: exportador de produtos esotéricos... Estou certo? – completou Ted.

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- Afirmativo, senhores. Mas o que desejam deste humilde trabalhador formiguense?

- Gostaríamos de examinar a sua camionete.

- Posso saber o motivo? Algum problema com ela? Não entendo...

Evandro, sempre muito observador, notou que a testa do suspeito começara a ficar úmida, pois filetes de suor dela surgiam. Olhou para Ted e viu que ele também reparara aquele detalhe, que poderia ser algo sintomático, como também poderia ser decorrente do calor daquela hora do dia.

- Precisamos verificar seu veículo, pois na última quinta-feira à noite, ele foi visto em local pouco habitual...

Nervoso, Marden os conduziu à garagem onde estava sua camionete. Enquanto caminhavam, Ted quebrou o silêncio.

- À propósito, cidadão, o que o senhor fazia no lixão daqui da nossa cidade, em plena quinta-feira à noite?

- Jamais fui naquele fétido e impuro lixão! Este interrogatório me ofende! – disse Marden, demonstrando inquietação.

- Calma. Naquela noite e hora, seu carro foi visto exatamente no lixão. Não adianta ficar irado, pois temos provas materiais do fato! – alegou Ted, com veemência.

- O que não quer dizer nada! – gritou. – Que provas são estas?

- As marcas dos pneus de sua camionete batem exatamente com as marcas encontradas no lixão! Portanto, insistimos: o que fazia no lixão na véspera de sexta-feira? – ironizou Evandro

Marden tirou um lenço todo amassado de seu bolso e enxugou a fronte. Não estava trêmulo como Mauro ficara, mas tampouco estava controlado.

- Eu estava na reunião semanal do Rotary! E tenho muitas testemunhas. Meu carro estava estacionado em frente ao Clube Centenário. E não saiu de lá enquanto durou a reunião!

- Como pode ter certeza?

- O manobrista poderá confirmar o que digo...

- Conhece a pessoa desta foto?

- Nunca vi mais gordo! O que houve, afinal? - desta vez a voz saíra mais firme.

- Como vê, é uma foto de um cadáver que foi achado no lixão. Por sinal, bem perto do local onde as marcas de seu carro estava...

- Se duvidam de mim, confiram vocês mesmos! O carro está aqui! – disse Marden, com raiva.

Na garagem, viram a picape. Inicialmente, examinaram os pneus e confirmaram que batiam com o molde, como já era de se esperar. Era mesmo aquele carro que estivera no lixão, próximo ao corpo ali achado. Evandro abriu sua maleta que tinha os apetrechos necessários e habituais e, então, teve início à mais uma minuciosa investigação. Não demorou muito para que evidências começassem a ser encontradas.

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- Ted, achei um tôco de cigarro. Vou acondicioná-lo no envelope...

- Com o luminol, detectei no porta-malas uma reação de luminescência deixada por moléculas de ferro. Indício óbvio de que há vestígios de sangue por aqui. O cara está enrascado!

Ted e Evandro, descobriram duas provas consistentes e que poderiam comprometer o comerciante Marden que, por sua vez, via e ouvia tudo com apreensão. Aguardava ansiosamente pelo desenrolar das perícias técnico-científicas feitas em seu carro suspeito.

- Senhor Konstancinov. Por acaso, o senhor fuma? – indagou Evandro.

- Não... bem, já fumei, mas estou parado. Por quê?

- Disse a verdade, pois o cinzeiro de seu carro está limpinho. Porém, achamos esta guimba bem debaixo do tapete. Conhece alguém que poderia ter fumado aqui ultimamente?

Marden suspirou fundo. Não parecia apreciar a situação.

- Que eu saiba, meu filho não fuma. Mas poderia ser sua namorada, ou amigos. Não posso adivinhar quem teria fumado na minha picape! – exaltou-se.

- O exame de DNA certamente nos fornecerá as respostas! Como se não bastasse, encontramos vestígios de sangue no porta-malas! O senhor nos deve uma explicação muito convincente!– advertiu Evandro.

O comerciante emudeceu-se. Não havia argumentos contra evidências tão claras. A camisa entreaberta, deixava o ventre avantajado à mostra e o suor a encharcava aos poucos. Ted fitou-o e, em tom sarcástico, falou: - Aí, campeão..., vai precisar de um álibi muito bom!

Marden engoliu em seco, pigarreando em seguida. Recostou-se na parede da garagem, procurando apoio por causa do abalo. Teria que reforçar sua justificativa.

- Já disse! Meus companheiros rotarianos poderão provar que passei quase toda a noite no clube. Portanto, sem andar de carro! De oito até onze para ser mais exato! Além do mais, uma ponta de cigarro e marca de sangue, não querem dizer nada!

- Em parte, o senhor pode até ter razão, mas é certo que seu carro estava no local quando Nathan foi morto... E, se o automóvel é seu, nos deve explicações de como ele foi parar no lixão!

- Asseguro-lhes que eu não estava no carro! Se estão tão certos disso, que provas têm para ter tanta certeza de que houve um assassinato exatamente na hora em que lá estava?

- Aí entram as tecnicalidades que o senhor ignora... – intercedeu Evandro – Primeiro: para descobrir que tiraram a vida de Nathan na noite de quinta-feira, posso lhe explicar, em breves palavras, como chegamos a tal conclusão. É sabido que um corpo com vida, tem aproximadamente 36 graus centígrados. Quando acontece sua morte, libera por volta de 2 graus por hora. Assim, foi possível saber qual o dia e a hora de seu óbito exatamente. Segundo: os pneus do seu carro batem!

- Mas, repito: eu estava na reunião! Não podem me acusar de algo que não fiz! Alguém deve ter roubado minha camionete! Quero meu advogado! – gritou o suspeito.

- É o que deve fazer. Porém, trate de não se ausentar de Formiga durante o curso das investigações! Se assim o fizer, estará assumindo sua culpa! – advertiu Ted, ao mesmo tempo que arrumava as coisas para ir embora com seu colega.

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Os dois peritos, então, foram almoçar. Depois, voltaram à sede da PTC.

De posse do material coletado, o legista Júlio começou a analisar o toco de cigarro, além da amostra de sangue coletada. Em pouco tempo, já estava com os resultados em mãos.

- Presumo que temos dados significativos para prosseguirmos nossa investigação. Dessa vez, porém, parece que vamos saber como a nossa vítima perdeu a vida. O cigarro que pegaram, foi mesmo fumado pelo morto! A saliva nele impregnada tem o mesmo DNA do mencionado decujo!

- Como? Pelo que constatamos, Nathan sofria de asma! E seu pulmão, apesar da fibrose, estava limpo. Portanto, ele sequer fumava! – deduziu Marcelo

- É o indício de que ele foi forçado a fazê-lo! Por causa disso, me perguntei por qual motivo ele fora obrigado a dar um último trago. Voltei à geladeira, retirei o corpo de Nathan e examinei melhor suas vias aéreas. Encontrei uma dosagem anormal de sal que me fez desconfiar.

- Não seria proveniente do misto quente que ele havia ingerido na lanchonete do Mauro?

- Negativo. Nenhum sanduíche desse tipo é tão salgado. Então, analisei o sal para verificar sua composição química. Conclusão: carbonato de bário!

- E daí? Essa substância não seria inofensiva? – questionou Evandro.

- Depende, caro colega! O carbonato de bário torna-se tóxico no organismo, porque se mistura ao ácido clorídrico do estômago, tornando-se letal. O sangue encontrado no porta-malas seria o resultado da hemorragia gerada pelo envenenamento. E é também de Nathan! Para coroar: havia desta mesma substância no toco de cigarro, por onde ele foi envenenado! – comemorou Júlio.

Os quatro peritos da Polícia Técnico-Científica de Formiga comemoraram após a difícil determinação da “causa-mortis” de Nathan. O legista Júlio, apesar de estar também eufórico com os resultados, ficou mais contido.

- Demos sorte de achar outros vestígios, pois o morto tinhas as impressões digitais raspadas. Mas, o mais estranho disso tudo, conforme foi detectado – ou melhor, não foi detectado - é que não havia nenhuma outra impressão digital, sequer palmar no interior do veículo!

- Certamente – completou Evandro – o assassino teve o trabalho de limpar tudo. O problema é que limpou até demais! Não se deu ao trabalho de deixar uma marca para despistar. Tolice sem igual!

- Pois é. O matador supunha estar cometendo um crime perfeito... Erro imperdoável. Da ciência não escapam os detalhes. Ela não se deixa enganar! – disse Marcelo.

- Mas quase conseguiu.! Primeiro, obrigou Nathan a fumar um cigarro meticulosamente envenenado. Por sorte, achamos o toco no carro. Além do mais, desconfiamos, porque Nathan não fumava e sofria de asma. Depois, jogou seu corpo no lixão, esperando que este fosse consumido pelas toxinas ali existentes. – corrigiu Evandro, ao que Júlio observou.

- Esqueceu-se, enfim, que a mãe-natureza se encarregasse de enviar uma sorrateira ave de rapina faminta que, por sua vez, arrancaria um dos olhos da pobre vítima...

- ...e, que logo nós, eminentes cientistas da Polícia Técnico-Científica de Formiga, coincidentemente, o acharíamos! O cara teve uma falta de sorte danada! – finalizou Ted, arrancando o riso de todos.

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- Corrija aí, Ted. Coincidências não existem! O que existe é sincronicidade! – completou Evandro, com seu misticismo habitual.

- Só nos resta agora, descobrirmos o autor desta quase perfeita proeza criminal...

- Não nos esqueçamos, em suma que, segundo o Mauro, da lanchonete, Nathan disse que a sexta-feira seria um dia muito especial para ele!

Esta lembrança fez com que os quatro retomassem às deduções sobre o crime. Como ninguém havia reclamado o corpo até aquela hora, Nathan era certamente um forasteiro, apesar de ser conhecido por Mauro, sendo assíduo freqüentador de sua lanchonete.

Novas diligências estavam programadas para o dia seguinte: uma semana após o assassinato. Em pauta, o filho do comerciante Marden e sua namorada, pretensos usuários do carro.

Naquela noite de quarta-feira, o pesquisador Marcelo ficou encarregado de fazer o comunicado do assassinato ao jornal da cidade. Júlio entendia que a população teria que saber do que estava acontecendo, uma vez que eles já tinham certeza que houve um assassinato.

Formiga sempre fora uma cidade pacata em proporção ao seu tamanho. Crimes aconteciam muito esporadicamente. Padre Magnus, o então líder religioso da cidade, era muito austero e, com suas pregações ininterruptas e sermões exemplares, conseguia unir o povo de forma ecumênica e ordeira. Esse, por sinal, era, até então, um método eficaz, pois o índice de criminalidade sempre fora muito baixo em Formiga.

Por esse motivo, Marcelo começou a relutar em divulgar a notícia sobre o assassinato. As conseqüências poderiam ser contraproducentes, pois poderia gerar pânico, além de eventualmente “espantar” o assassino que, naquela altura devia estar certo de que seu crime era perfeito, visto nada ter acontecido uma semana depois.

Assim, antes de consumar a atribuição que lhe fora dada, Marcelo decidiu argumentar com seu chefe, o legista Júlio, que compreendeu a justificativa.

- Presumo que tenha razão, caro colega. Vamos colocar panos quentes no caso, por enquanto. Como já avisamos ao Mauro, da lanchonete e ao comerciante rotariano, Marden, para que mantivessem sigilo sobre o assunto, acho que é compreensível a sua alegação.

- Imagine o alarde que o nosso Padre iria fazer com os seus fiéis! A cidade ficaria em polvorosa com a notícia! Dessa vez, ao invés de ajudar, ele alteraria os ânimos da comunidade formiguense...

- E nossas investigações ficariam prejudicadas. – asseverou Júlio, finalmente.

Isto combinado, todos voltaram às suas casas após terem suas tarefas devidamente traçadas para a quinta-feira.

Novos rumos seriam tomados a partir de então, uma vez que os suspeitos aumentavam e as diretrizes eram, portanto, ainda mais consistentes. O morto tinha “rosto”...

Quinta-feira. O dia amanheceu nublado, contrastando com o clima dos últimos dias. Isto, porque o inverno se aproximava. Um vento mais frio já se fazia sentir pelos pedestres da cidade, principalmente, quando passavam pela ponte sobre o rio Formiga.

Graças à evolução da perícia técnico-científica, foi possível descobrir como Nathan morrera. A ciência e a tecnologia, portanto, “driblaram” as artimanhas de um assassino que pensara subestimá-

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la ao cometer um delito “quase” perfeito. O próximo passo seria, evidentemente, descobrir o autor do crime. O sigilo sobre o caso tinha que ser mantido, a fim de preservar a integridade das investigações.

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- Caros colegas. Cumprimos nosso cronograma. Em uma semana fizemos excelentes progressos. O fato deste crime ter sido engendrado aqui mesmo na cidade, facilitou nossa locomoção e nossas diligências, não obstante ter sido um assassinato com contornos de astúcia e audácia. Cumprimos nosso dever e, modéstia à parte, logramos êxito. Só nos falta achar o matador para darmos o caso por encerrado. – disse Júlio, sob os aplausos efusivos dos colegas orgulhosos.

- Concordo contigo, campeão, – arrematou Ted – o passo subseqüente é, pois, entrevistarmos o filho do comerciante e sua namorada. São mais dois novos suspeitos no caso!

- De minha parte, vou retornar à lanchonete do Mauro. Aquela história de que a sexta-feira, seria um dia especial para o Nathan, ficou mal contada... Vou insistir neste detalhe que deve ter outras nuances, segundo minha infalível intuição...– emendou Evandro

- Desta vez, fugindo à tradição, Marcelo e eu vamos fazer uma visita ao reverendíssimo Padre Magnus. Antes que a notícia lhe chegue aos ouvidos por outras fontes, precisamos alertá-lo a fim de evitar que ele a divulgue indiscriminadamente.

Assim foi feito. Cada um tomou seu rumo, previamente traçado na sede da Polícia Técnico-Científica de Formiga. Primeiramente, Ted voltou à casa do comerciante Marden, a fim de interrogar seu filho e namorada, a quem, supunha, teriam pego o seu carro na fatídica noite do assassinato.

Ao chegar à porta da casa, Ted notou que as janelas estavam fechadas, bem diferente da vez anterior em que lá estivera, juntamente com seu colega Evandro. Àquela hora da manhã, isto soava muito estranho, pensou.

- Esta turma vazou daqui. Isto é sintomático, quando alguém está enrascado...

Decidiu entrar de qualquer forma. Tocou a campainha para se certificar de que realmente ninguém estava no interior da casa. Nada. Gritou o nome do dono. Também sem respostas. Mesmo fechada, resolveu forçar uma das janelas com um pequeno canivete que carregava consigo. Não foi preciso muito esforço. A janela abriu naturalmente. Ted curvou o corpo, tomou impulso e entrou.

Como estava escuro, acendeu sua lanterna e conseguiu achar o interruptor. Mesmo com a iluminação suficiente, não apagou sua lanterna que era, afinal, uma legítima “luv”, ou lanterna de luz ultra-violeta, própria para detectar fluidos, digitais e outros vestígios suspeitos.

- Estou sentido um odor estranho. E o pior é que é cheiro ferruginoso... – balbuciou preocupado – Só pode ser! É cheiro de sangue!

Moveu a lanterna com maior rapidez, riscando as paredes com seu reflexo circular. Baixou-a e pôde vislumbrar uma silhueta. Era de dois pés apoiados ao chão! Aproximou-se um pouco mais...

Era um corpo estatelado!

Nesse meio-tempo, Evandro seguira até a lanchonete do Mauro. Parou seu carro, logo em frente. Antes de sair, fitou bem a placa para ver se estava no lugar certo pois reparou que o movimento em frente à loja estava inexplicavelmente baixo para aquele momento matinal, já que um bom número de fregueses ali comparecia impreterivelmente para o café.

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- Engraçado. O local está fechado! Mas, nesta altura, deveria estar aberto! Onde estará o dono desta lanchonete? Isto é sintomático, quando alguém está enrascado...

Saiu do veículo. Chegou perto do portão de ferro e bateu com força, tentando se fazer ouvir por quem estivesse no interior da loja.. Infrutífera tentativa. Um vento frio bateu-lhe na face e um arrepio percorreu sua espinha. Um pensamento negativo veio à tona.

- Bem que desconfiava, esta sensação é típica quando me deparo com situações nada alvissareiras. Tem coisa ruim aqui! Vou tentar entrar pelos fundos e ver o que se passa lá dentro...

Vendo que o portão ao lado da loja era baixo, Evandro conseguiu pular o muro sem fazer muito esforço. E seu receio se cumprira. Viu estirado ao chão do corredor, perto da cozinha, um corpo.

Júlio e Marcelo chegaram na paróquia da cidade e pediram audiência com Padre Magnus.

- Louvado sejam! Não precisam dizer o motivo da visita! Morreu algum formiguense?

Os peritos se entreolharam meio ressabiados. Estaria o Padre Magnus vaticinando, ou ele sabia demais? Com sua hospitalidade habitual, o Padre convidou-os a entrar e se sentarem numa confortável poltrona. A observação do religioso deixou Marcelo e Júlio intrigados.

- Por quê o senhor fez uma pergunta tão inusitada, Padre? Por acaso, nossa aparência, ou comportamento, revelou que houve um crime na cidade?

- É uma conclusão baseada em dedução fundamentada, meus prezados policiais científicos! Sei que não são muito afeiçoados à religião. Isto posto, o resultado de sua inesperada e rara visita, só pode ser por causa de algum delito grave. E como sua função é descobrir o autor de tal pecado, além de saber como foi o ato praticado, ambos só podem estar aqui porque morreu alguém. Além do mais, pelo fato de estarmos em Formiga, a nossa Cidade das Areias Brancas, depreendi que o finado só poderia ser nosso conterrâneo!

- Quase acertou na íntegra, digníssimo Padre. Só errou o berço natal do morto... – disse Marcelo, com um sorriso de soslaio, deixando transparecer suas enormes covas no rosto enrugado.

- Pois é... – complementou Júlio – Realmente, tivemos um assassinato em nossas terras! E este aconteceu há uma semana exatamente. Como acentuou meu colega, a pessoa morta é de fora. Todavia, ainda não descobrimos a sua origem, que pode ser até de outro país. E corroborando com o senhor, de fato nossa presença aqui não é em função da nossa pseudo-religiosidade, mas a trabalho.

- Se assim o é, por qual motivo me procuram, eminentes policiais cartesianos?

- Viemos solicitar ao senhor, que nos ajude a manter sigilo, caso a notícia vaze. Não acreditamos que uma ocorrência tão rara e tão grave consiga ficar tanto tempo em segredo. Por isso, rogamos-lhe, no caso de algum paroquiano lhe confidenciar, que o peça total reserva sobre o assunto, pois se o acontecido espalhar aos quatro cantos da cidade e redondeza, poderemos ficar prejudicados em nossas investigações...

Padre Magnus fitou os dois peritos atentamente e baixou a cabeça. Sua reação não era de frieza, pelo contrário, mostrava-se tenso. Mesmo assim, falou com ponderação.

- Sua intenção é válida e tudo farei para assegurar de meus paroquianos que, porventura souberem do fato, que mantenham plena discrição. É um ocorrido que denigre a imagem de nossa cidade e até que o pecador seja pego, devemos manter o fato em absoluto segredo!

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- Agradecemos a consideração. Se todos ficarem sabendo, não somente a própria sociedade ficará alarmada, mas até mesmo o assassino - que ainda deve estar imaginando ter praticado um crime perfeito - poderá fugir e dificultar nossa tarefa de localizá-lo. – finalizou Marcelo.

Enquanto falavam, o telefone celular de Júlio tocou. Enquanto o atendia, seu companheiro observara sua testa franzir e a cabeça mover de uma lado para outro. Em seguida, Júlio saiu da sala da Paróquia, o que aumentou ainda mais os maus pressentimentos de Marcelo. Padre Magnus, sentindo o repentino mal estar, não se fez de rogado.

- Nuvens espessas prosseguem encobrindo o sombrio cenário que paira sobre Formiga... Pressinto que um agouro pouco favorável se nos circunda. Perito Marcelo, o seu colega de trabalho faz-nos crer que a tempestade piora....

- É o que indica, Padre. E, pelo visto, ela vem acompanhada de raios e trovoadas!

Cabisbaixo, Júlio se aproximou e, no intuito de não ser ouvido por funcionários da Paróquia que transitavam pelos arredores, sussurrou ao Padre e ao colega, que estavam em suspense:

- Receio que já não temos um só crime para solucionar, mas dois mais! Simultaneamente, nossos peritos, Ted e Evandro, acabaram de achar dois corpos em situações idênticas à de Nathan: rígidos e ensangüentados. Mauro da lanchonete e o comerciante Marden foram barbaramente mortos!

- Exatamente dois de nossos suspeitos! – exclamou Marcelo, enquanto se levantava da poltrona. O mesmo fez o Padre, naquela altura, ainda mais nervoso e apreensivo.

- Nossa cidade enlouqueceu! Sempre foi pacata e agora os fiéis resolvem pecar desta maneira!

- Exatamente, Padre. A situação está pior agora. Contamos com sua colaboração. Agora teremos de ir aos locais dos crimes, pois nossos colegas nos esperam. Muito trabalho nos esperam!

Primeiramente, Júlio e Marcelo, foram até a casa do comerciante, onde Ted os esperava.

- O Evandro já me comunicou e está vindo para cá com sua valise. Primeiramente, examinarmos este corpo aqui. Depois seguiremos até a lanchonete para averigüarmos o outro de cujus. Tudo leva a crer que os dois morreram porque estavam começando a saber demais!

Com o auxílio do aparato técnico-científico, deram início aos procedimentos de praxe.

Evandro chegou afobado ao local do crime. O corpo de Marden estava estirado perto da sala, exatamente onde fora descoberto por Ted. O sangue, espalhado, já começara a coagular e o seu cheiro era forte. Aquela cena, denominada “local de crime”, era corriqueira para os técnico-científicos, apesar de macabra aos olhos do leigo. Aos poucos, aos curiosos iam se juntando do lado de fora da casa. Dessa vez, aquele crime não poderia ser encoberto, como gostariam os peritos. O rumo das investigações teria que ser alterado, mesmo a contragosto.

Enquanto Evandro e Ted colhiam os vestígios como mandava a praxe, Júlio e Marcelo resolveram olhar os outros cômodos da casa. Era esta outra etapa da tarefa: verificar o lugar na sua totalidade...

- Vamos dar uma olhada pela casa rapidamente para depois seguirmos até a lanchonete, onde outro corpo nos espera. Veja aquela porta. Parece que a luz do quarto está acesa...

Vagarosamente, entraram no quarto. O susto foi incontido.

- E como se não bastasse, – exclamou Marcelo – temos mais dois presuntos por aqui!

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Quando ambos gritaram, Evandro e Ted interromperam a coleta de evidências e correram até o quarto, temendo pelo pior.

- Incrível! O assassino não dá tréguas! Matou mais dois! – bradou Evandro.

- E é um casal! – gritou Ted – Os nossos suspeitos! É o filho do comerciante e sua namorada! O cerco está se fechando!

Dois corpos, de fato, jaziam inertes ao chão. O sangue se esvaía. E não estava coagulado.

- Estão baleados! Vejam! Não estão mortos! Rápido! Chamemos o Pronto Socorro! – ordenou o legista Júlio ao notar que ambos ainda respiravam.

Em pouco tempo, a ambulância chegou à porta da casa do comerciante Marden que, a seu turno, fora recolhido pela viatura da Polícia Técnico-Científica de Formiga, para a autópsia. O mesmo acontecera com o corpo de Mauro.

Ao final da tarde, o quatro foram até o hospital para saber notícias dos feridos.

- Lúcio e Aglaé, filho e nora do comerciante, levaram tiros pelas costas, mas sobreviveram. O criminoso errou o cálculo desta vez e não conseguiu matá-los. Talvez por pressa ou outro motivo qualquer. Agora, temos duas testemunhas-chave que nos levarão ao assassino. – disse Júlio.

- Ele esfaqueou Marden e Mauro e logrou êxito mas, ironicamente, quando atirou em outras duas pessoas, não conseguiu matá-las! – completou Evandro.

- O dado negativo que poderá nos atrapalhar, é o fato de a população estar alarmada e já ciente de tudo que está acontecendo. De nada adiantou termos ido avisar ao Padre Magnus para manter segredo da morte de Nathan. – acrescentou Marcelo, ao que Ted lembrou:

- Mas devemos manter em segredo a sobrevivência do casal. Assim, o assassino, pensando que deu cabo de todas as testemunhas, poderá permanecer na cidade, facilitando nosso trabalho de pegá-lo em flagrante. Nem tudo está perdido, caro colegas!

- Bem, o que nos resta é esperar pela recuperação dos dois baleados para interrogá-los. Tomara que tenham visto o assassino que pode estar contando vitória à esta altura, apesar de ser obrigado a matar mais gente...

Não havia novidades quanto às investigações nos corpos de Marden e Mauro, Portanto, a fase crucial da investigação, poderia ser a obtenção de informações preciosas dos sobreviventes.

Contudo, enquanto não houvesse suficiente recuperação, os quatro peritos estavam de mãos atadas para prosseguir com as investigações.

Todos os três corpos já haviam sido enterrados. O de Nathan, desconhecido, fora enterrado como indigente, pois ninguém reclamara por ele.

O mistério ainda permanecia.

- Estou impaciente. – reclamava Evandro – Nunca tivemos um crime tão estranho como este. Nosso trabalho está estagnado. O povo da cidade está preocupado e a mídia já está nos cobrando. Felizmente, hoje poderemos interrogar o casal, pois ambos recuperaram a consciência. Esta parte é sua, Ted. Faça um bom serviço. Leve esta foto de Nathan. É a mesma que mostramos ao Mauro e Marden. Quem sabe, poderá haver alguma conexão.

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- Apesar de mostrar um corpo em adiantada putrefação, talvez o casal nos dê mais dados importantes. Boa sorte! – finalizou Marcelo.

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Após uma semana de espera, finalmente, os peritos da Polícia Técnico-Científica de Formiga, puderam retomar às investigações do misterioso crime que, além de Nathan, agora contava com mais duas vítimas: Mauro, da lanchonete e Marden, o comerciante. Sem contar o casal Lúcio e Aglaé que, por pouco, não tiveram o mesmo destino.

O passo seguinte e, provavelmente, decisivo, seria interrogar os sobreviventes que se recuperavam no hospital. Ambos haviam sido baleados... O motivo de mais este crime, os peritos ainda ignoravam. Contra a sua vontade, a notícia dos últimos assassinatos se espalhara pela cidade. Mas, eles exigiram que a imprensa mantivesse rigoroso sigilo acerca da sobrevivência do filho de Marden e sua namorada. A estratégia era manter o criminoso ciente de que seu intento lograra êxito. Assim, poderia evitar de escapar e mostrar o motivo de tantas mortes. O mistério aumentara após a tentativa deste de tirar a vida de dois fortes suspeitos, não obstante que o próprio comerciante e o dono da lanchonete também haviam sido suspeitos, agora, porém, eliminados. Os peritos tinham ciência de que o caso retrocedera e sua solução estava longe de acontecer.

Mesmo assim, Evandro, Marcelo e Ted decidiram ir ao Hospital São Luiz para um interrogatório que poderia ser crucial.

- Temos de ter muita cautela. – recomendou Evandro. - Vamos obter da dupla um depoimento rápido e objetivo. Todavia, como foram baleados pelas costas, tenho lá minhas dúvidas se conseguiram ver o rosto do criminoso. De qualquer forma, quem sabe, obteremos alguma pista para pegar o matador! Vamos lá. Boa sorte para nós!

- A esperança é a última que morre. Espero ter elementos e dados cabais para montar um retrato falado consistente. Afinal, meu banco de dados é, ou não é, um dos mais completos do país? – vangloriou-se Marcelo.

Dois seguranças postavam-se em frente à porta do quarto. As credenciais foram-lhe apresentadas. Os três entraram com calma e silêncio. Viram que ali estava somente Lúcio. Sua namorada deveria estar em local separado. Combinaram interrogá-la mais tarde.

Lúcio estava acordado. Seu olhar fixava firmemente o teto. Não piscava. O peito estava enfaixado. O tiro varara-lhe pelas costas. Nenhum órgão importante fora atingido, não obstante, respirava com dificuldade. Mesmo ouvindo a porta se abrir, continuou fitando o teto. Impassível. Arfante, sussurrou-lhes:

- O velho me disse que vocês suspeitavam de nós! Como puderam ser tão levianos?...

- Nossas escusas. Os indícios contra vocês eram fortes... Pelo fato de terem pego o carro de seu pai naquela noite de quinta-feira e o mesmo ter vestígios de que este aqui – disse Evandro, mostrando-lhe a foto de Nathan - nele andou pouco antes de morrer, nos levou a acreditar que eram vocês os assassinos, sem antes suspeitarmos de seu próprio genitor!

Lúcio olhou a foto de esguelha que, apesar de mostrar um cadáver, ainda dava para notar perfeitamente os traços faciais, já que as pálpebras, fechadas, camuflavam a falta de um dos olhos.

- Como disse para meu pai, nunca vimos esta pessoa! No dia da sua morte, Aglaé e eu, chegamos em casa e o vimos caído no meio de uma poça de sangue. Corri até ele mas, antes, pedi à

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minha namorada que me esperasse do lado de fora da casa. Temia que o assassino estivesse esperando por mim, como realmente aconteceu. Ao abaixar-me para socorrê-lo, ouvi um estampido seco e depois uma queimação em minhas costas. Aglaé deve ter ouvido o barulho e quando veio ao meu encontro, ainda pude escutar outro som de tiro. Com dificuldade, virei de lado e a vi também caída. Depois, senti frio e sono. Nada mais... Acordei aqui nesta cama. É tudo que tenho a dizer-lhes. Agora, queiram se retirar... Achem esse criminoso! Ele precisa pagar pelo que fez! Tiveram o que queriam! Saiam daqui!

A médica, Dra. Maria Ruth, entrou no quarto ao ouvir a voz de Lúcio.

- Senhores policiais. Retirem-se, pois meu paciente não pode ficar nervoso. Seu estado ainda inspira cuidados. Por pouco a bala não atingiu uma das vértebras...

- Falando nisso, doutora, ainda não a recebemos para o exame de balística...

- Providenciarei para que recebam não somente a bala que atingiu Lúcio, mas a que atingiu Aglaé também. Por sinal, ela os espera no quarto ao lado.

Logo em seguida, os três ouviram a mesma versão de Aglaé. Na saída do hospital, Marcelo não se conteve.

- Este caso complicou-se ainda mais, meus companheiros! Nossos suspeitos viraram vítimas e, como se não bastasse, o criminoso virou “serial killer”! Desta vez, nos enrascamos!

Ted era um dos que estavam mais frustrados. Após a observação de seu colega, complementou seu pensamento nada otimista: - Receio que tenha razão, Marcelo. Retrocedemos. Resta-nos, agora, voltar à PTC para o exame de balística que, presumo, acrescentará pouca coisa ao caso...

- Antes, vamos esfriar nossos pensamentos num lugar propício. Que tal desanuviarmos lá na Igreja da Matriz? Não existe melhor ambiente para descarregar maus fluidos... – sugeriu Evandro.

Desolados e convictos de que a solução do crime estava mais longínqua de acontecer, Ted e Marcelo, atenderam ao colega. Na verdade, era o que sempre faziam quando a situação tomava rumos tortuosos. Cabisbaixos, chegaram à Igreja São Vicente Férrer. Respiraram profundamente e adentraram o sacro recinto. Tinham que recarregar as baterias do espírito. Fizeram o sinal da cruz e, ajoelhados, recolheram-se ao seu íntimo. De súbito, como que soubesse que ali estavam, Padre Magnus surgiu-lhes à frente. Evandro levantou a cabeça...

Reparou que o Padre acenava em sua direação. Notou, também que ele transparecia uma nervosia incomum para um homem tão sereno, como sempre fora. Deu uma cotovelada em Ted fazendo com que notasse os gestos do pároco. Este repetiu o movimento para com Marcelo. Os três levantaram e fizeram o que o Padre desejara: acompanharam-no. E entraram todos na sacristia.

- Filhos. Como havia lhes dito naquele dia, sabia que as mortes iriam acontecer!

- O que o senhor quer dizer com isso? Por acaso, sabia do desfecho deste caso? – indagou Ted.

- Antes de morrer, o filho de Marden, sempre muito religioso, me confessou algo que, após consultar meus superiores, vejo-me forçado a revelar a vocês o seu conteúdo. Ética à parte...

- Antes, estimado Padre, eticamente, rogamos-lhe para que nos permita chamar nosso superior também. É de bom alvitre, que compartilhemos as novidades com ele. – solicitou Evandro.

Em pouco tempo, o legista Júlio chegou à igreja. Seus colegas o aguardavam. Estavam prontos para ouvir o Padre, ciente de que o casal também havia sido assassinado. Isto, por causa da não permissão em divulgar que eles tinham escapado com vida do atentado. Padre Magnus prosseguiu...

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- Invariavelmente, os saudosos meninos ajudavam nossa Paróquia. Não, sem a anuência de Marden Konstacinov, esse rico imigrante russo que, há mais de vinte anos, se radicou em nossa cidade. Antes deste hediondo crime que, barbaramente, lhes tirou as inocentes vidas, Lúcio e sua namorada Aglaé, vieram à minha pessoa e pediram para confessar algo extremamente grave. Propus que falassem ali mesmo, mas insistiram em fazê-lo de acordo com os sacramentos da Santa Igreja, ou seja, no confessionário. Estranhei o rigor, mas respeitei o desejo. Disseram-me que um estrangeiro iria arruinar suas vidas. Por isso, brevemente, não mais poderiam colaborar. Tal forasteiro, segundo contaram, era também russo: ou seja, o filho bastardo de Marden, que reclamava por sua herança...

- Está ficando claro! – interrompeu Júlio – Esse forasteiro só pode ser Nathan! Veio à cidade para obter o que tinha de direito: a fortuna de Marden, seu pai legítimo!

- Continuando... Lúcio me disse que o filho bastardo tomaria toda a fortuna do pai, segunda as leis russas, não nos deixando nada de sobra, por sermos brasileiros. Ele assinaria um termo no cartório, tomando posse integralmente da herança dali a dois dias, isto é, numa sexta-feira...

- Nathan foi morto na véspera: quinta-feira! E ele dissera ao dono da lanchonete, que a sexta-feira seria seu dia ‘D’! – falou Marcelo, com a voz alterada - Por acaso, o senhor ficou sabendo se o pai de Lúcio estava ciente de tudo isso?

- Ignoro, caro perito. Finalmente, ao lado da namorada, que chorava muito naquela altura, ele me pediu proteção. Temia por suas vidas... Por isso, quando vocês, Júlio e Marcelo, vieram aqui naquele dia, logo desconfiei que alguém havia morrido! Receio que, infelizmente, isto aconteceu...

Outra reviravolta no caso. Animados, os quatro peritos despediram-se do Padre e voltaram à sede da PTC formiguense. Primeiro, teriam que ver os resultados da balística.

Em pouco tempo, como de costume, Evandro já tinha em mãos o relatório.

- As balas que transpuseram os corpos do casal, eram procedentes de uma mesma arma, o que não é novidade. Mas, suas estrias variam...

- O que quer dizer com isso, Evandro... – indagou ressabiado, Júlio.

- Estranho. Vamos ter que fazer um corpo delito mais sucinto, colegas de trabalho... Pelo exame, aqui diz que uma bala entrou por trás, como sabíamos..., mas a outra bala entrou pela frente... Resumindo: Aglaé levou de fato um tiro por trás que lhe varou a barriga. Porém, Lúcio tomou o tiro pela frente! E à curta distância!

- Nossa! Então, foi ele quem matou todos e quase o fez com sua namorada! – gritou Ted.

Os peritos da Polícia Técnico-Científica, passaram a recapitular e rever suas deduções iniciais sobre a onda de crimes, que teve início com a morte do estrangeiro Nathan, cujo corpo fora achado num lixão e sem um dos olhos. Depois, prosseguiu com o dono da lanchonete, Mauro e, por fim, com o comerciante, Marden, culminando com a tentativa de assassinato do casal Lúcio – este filho de Marden – e sua namorada, Aglaé.

- Calma, Ted! – advertiu Júlio. Não podemos nos precipitar só por causa de um exame de balística. Outras hipóteses podem – e devem – ser também ser aventadas. Por quê não termos o mesmo tipo de desconfiança com relação à própria namorada de Lúcio? E por quê o assassino não poderia ser uma outra pessoa, ainda desconhecida para nós? Nesse caso, ela poderia estar dentro da casa e, tendo visto o casal chegando, tentou fazer o mesmo que fizera com Marden.

- O que intriga, é que, pelas estrias da bala que transfixou Aglaé, ela levou o tiro pelas costas, na altura dos rins. O contrário, aconteceu com Lúcio, que levou o tiro na barriga, próximo ao baço, de

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uma distância mais curta. Ambas as balas não ficaram neles alojadas. Foram achadas no assoalho da sala. Tiveram uma sorte cinematográfica, já que não houve comprometimento de nenhum órgão vital. Será que tais disparos foram milimetricamente calculados?... – argüiu Evandro, completando a indagação de Júlio.

- Imaginemos que os tiros foram dados por um dos sobreviventes... Nesta alternativa, teremos que fazer um teste de pólvora nas mãos dos dois. Os resíduos, se for o caso, poderão ainda estar lá, pois demoram para ser removidos, ou ficam incrustados nas unhas dos dedos anular e polegar. – sugeriu Júlio, ciente de que novas diligências deveriam ser procedidas.

- Por sinal, isto não foi feito! Vacilamos... – culpou-se Marcelo.

- Não creio que tenha sido uma falha nossa, campeão! – justificou Ted. Afinal, as evidências nos convenceram que de fato houvera um atentado contra os garotos logo após o assassinato de Marden. Além do mais, foram levados ao hospital às pressas, quando sequer tivemos tempo de periciar-lhes. Mas, nunca é tarde.

Júlio coçou a cabeça, colocou a mão no queixo e suspirou profundamente.

- Analisemos melhor os suspeitos: O primeiro suspeito foi Mauro, o dono da lanchonete. Ao que tudo indicou, foi, como concluímos, um confidente de Nathan. Esteve com ele nos últimos momentos de sua vida.. Inicialmente, desconfiamos de que ele havia envenenado o misto quente antes de Nathan digerí-lo. Depois, ficou nervoso quando foi questionado sobre o teor da conversa que teve com ele pouco antes deste sair ofegante da lanchonete. Enfim, Mauro foi quem nos contou que o forasteiro lhe dissera que a sexta-feira seria um dia decisivo para ele. Pareceu-nos que sabia demais. Mas, como foi morto nos arredores de sua loja, saiu da lista de suspeito...

- Depois suspeitamos do comerciante Marden – continuou Evandro – cujo carro fora, comprovadamente, utilizado para transportar Nathan antes de sua morte. Como se não bastasse, soubemos que seu filho e a namorada, utilizaram o dito veículo. Através das investigações científicas, ficou comprovado que a camionete transportou o morto antes deste passar para o Outro Lado. Então, o comerciante poderia muito bem estar compactuando com o filho e sua namorada, pois poderia estar a par que seu filho bastardo estava na cidade para solapar-lhe a fortuna! Todavia, este saiu da lista também, ao tombar sem vida em sua casa!

- Sobrou o casal. Houve tentativa de assassinato contra eles?! Tramaram tudo? Salvaram-se realmente? – Júlio prosseguiu o questionamento. Agora, entra na história o Padre Magnus. Ele nos contou algo que não sabíamos: a herança que Nathan estava por conseguir; e as contribuições vultosas que Lúcio destinava à Igreja. Sem contar, a confissão que este lhe fizera! Temendo, quem sabe, ficar sem a herança, o garoto não teria decidido sumir com o irmão bastardo? Na seqüência, poderia ter feito o mesmo com o próprio pai e com o dono da lanchonete, provavelmente porque esses sabiam demais, ou alguma coisa a mais que não sabemos. Até contra a própria namorada ele poderia ter tentado matar! Queria acabar com as testemunhas, quem sabe?!

- Pois é. A vinda inesperada de Nathan, gerou toda esta tragédia. – anuiu Marcelo. No final das contas, Padre Magnus pode ter entrado na jogada, somente para servir de álibi para o assassino...

- E ninguém com melhor reputação para sê-lo... – remendou Evandro. Se foi Lúcio, ele poderá até alegar legítima defesa! Mas, contra a ciência ninguém pode competir. Vamos achar o facínora!

- Resta-nos prosseguir com as investigações! Destino: Hospital São Luiz agora mesmo para colocar os garotos contra a parede! – Sugeriu, enfim, Ted.

Assim, os quatro peritos da PTC, decidiram voltar imediatamente ao Hospital, a fim de que fossem efetuadas novas perícias no casal Lúcio e Aglaé. Queriam, ainda, certificar se os dois continuavam sendo, ou não, fortes suspeitos, uma vez que havia indícios que os incriminavam. Isto, apesar do atentado que ambos sofreram. Portanto, outras hipóteses não estavam afastadas.

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- Precisamos, de uma vez por todas, dirimir nossas dúvidas antes de qualquer conclusão precipitada. É o nosso dever. No Hospital São Luiz, efetuaremos os exames de corpo de delito e espectometria que, como sabem, foram inconclusivos. Vamos, assim, determinar, através de novo interrogatório, o motivo da entrada e saída dos projéteis, além de verificar se há resíduos de pólvora impregnados entre as unhas e os dedos.

- Estamos a postos, Júlio! – disse Ted, sob a anuência dos demais – Dar novos rumos às diligências será, sem dúvida, primordial para as nossas conclusões. O casal é o nosso suspeito natural, não obstante o atentado de que foram vítimas. E digo mais – com o perdão pela heresia – temos de desconfiar até do ilibado e incólume religioso de nossa Paróquia!

Em seu quarto, Aglaé, com extrema dificuldade, levantou-se da cama. A médica, Dra. Maria Ruth, que acabara de chegar, estranhou aquele repentino e inesperado ato.

- Alto lá! A menina ainda está sob observação. Sua cicatrização não tem sido rápida. Portanto, receio que tais movimentos bruscos devem ser evitados! É precipitada a sua atitude.

- Quero visitar meu namorado agora!

- Tudo a seu tempo. No momento adequado a liberaremos para realizar tal cortesia.

- Por favor, doutora, é importante. Tenho medo de piorar, por isso, preciso obter uma informação importante de meu namorado! – suplicou com veemência.

Tocada pela sinceridade da garota, a médica resolveu atender-lhe o pedido. Prezava, também, pelo bem-estar mental da paciente. Segurou-a pelo braço e foram até o quarto de Lúcio.

Ao chegar no quarto do namorado, Aglaé notou que este assistia a televisão. Demonstrava estar animado, contrário à atualidade, já que havia perdido o pai recentemente.

- Você me deve algumas explicações... – falou, demonstrando frieza.Lúcio assustou-se e, na mesma hora em que viu a namorada se aproximando, franziu a testa e

ficou sério.

- Que grata surpresa vê-la, Aglaé! – disse, um pouco constrangido. Bons ventos a trazem aqui! Estava preocupado com a sua saúde! Vejo que está restabelecida. Fico muito feliz...

- Tem certeza mesmo? Reparei que estava rindo. Atitude no mínimo estranha...

- Na entendo – falou, pigarreando. Pois, para esquecer que perdi meu pai, estava justamente tentando me distrair. Não vejo mal nesta ‘atitude no mínimo estranha’, como diz! O que está insinuando? Dra. Maria Ruth, por favor, a senhora, poderia nos dar licença?

- Naquele dia em que vimos seu pai morto, você me pediu para revistá-lo, Mas, quando o fiz, senti a fisgada nas costas e, depois acordei aqui no Hospital, assustada por saber que você também fora baleado. É bom dizer, que não revelei este detalhe aos peritos que me interrogaram, porque fiquei preocupada. Vim aqui, só para sanar esta dúvida: o que estava querendo de seu pai naquela hora?

- Fez você muito bem, em omitir. Eles desconfiam de tudo... Bem, eu queria que você pegasse com meu pai, que estava sem vida, a chave do carro. Estava muito nervoso para fazê-lo! Só isto...

- Estranho, pelo que eu saiba, você tinha uma chave sobressalente...

Lúcio pigarreou de novo e fingiu não compreender, ao que a médica entrou no quarto.

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- Senhores, os peritos da PTC voltaram aqui para que sejam concluídos dois exames, bem como outros procedimentos de praxe.

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O casal se entreolhou preocupado, mas não fizeram objeção. Porém, não estavam entendendo o motivo real daquele inesperado retorno.

- Não se preocupem! Seremos breves, disse o legista Júlio entrando no quarto e sendo acompanhado pelos colegas. Precisamos complementar nosso trabalho... Depois, estarão liberados.

- Por favor, queiram cooperar uma vez mais conosco. – emendou Evandro. Primeiramente, faremos a espectometria. Em seguida, examinaremos os seus ferimentos. Tudo levará pouco tempo...

Aglaé e Lúcio, sem esboçarem qualquer reação, a não ser no início, moveram a cabeça em tom afirmativo e se prepararam para os exames. Com uma espátula, Evandro retirou se seus dedos todos resíduos que ali estavam. Na seqüência, pediu que fossem retirados os curativos que cobriam os ferimentos em suas barrigas. Com uma lente de aumento, Júlio observava e relatava tudo a Marcelo...

De repente, Marcelo parou de anotar o relato de Júlio que examinava Lúcio que, abruptamente, se afastou. Mesmo sem o curativo que cobria seu ferimento, e pronto para o corpo de delito, ele resolveu tomar uma decisão drástica

- Basta! Já cedi muito! Não permitirei que me examinem mais, tampouco que o façam em minha namorada! Vou convocar a Dra. Kátia Freire, minha advogada. Este é um direito que nos assiste! Disse várias vezes que não sou o autor desses hediondos crimes que vêm acontecendo em Formiga. Não matei o estrangeiro, não matei o dono da lanchonete e sequer tirei a vida de meu próprio genitor! Sou filantropo de nossa paróquia e, por isso, tenho uma reputação a zelar!

- Tem razão! Vocês já nos examinaram antes e nos interrogaram cansativamente! Inconsistentemente, sempre suspeitaram de nós. Não vêem que somos as vítimas e não os assassinos? – gritou Aglaé, com raiva. – Saiam já do meu quarto. Estão aqui ilegalmente, seus abusados!

- Fizemos muito em permitir que fizessem raspagens em nossas mãos. Não tem sentido em procurar pólvora impregnada depois de tanto tempo! Sequer sabemos usar uma arma! Achem o assassino que esfaqueou meu pai e tentou nos matar! Cumpram seu dever!

Evandro, de temperamento mais explosivo, ficara irritado com a inesperada decisão de Lúcio. Cabisbaixo, recolheu seu material e pediu aos colegas que fizessem o mesmo. Mas não resistiu...

- Está claro não ser a área policial técnico-científica que ambos dominam. É mister que fiquem sabendo que resíduos de pólvora permanecem um bom tempo incrustados no epitélio humano. Por isso, através da espectometria, pode-se determinar se usaram, ou não, uma arma nos últimos dias. Não discutam o que ignoram. O outro exame fica para depois...

- Conseguiremos o mandado para efetuarmos o corpo de delito que por sinal, é uma praxe comum da polícia após qualquer crime! Portanto, aguarde-nos! – advertiu Marcelo.

Apesar de estar escurecendo, os quatro peritos não perderam tempo e voltaram à Sede da PTC. Tinham que tomar providências urgentes, uma vez que desconfiavam de novas artimanhas por parte do casal suspeito.

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- Certamente, a espectometria nos fornecerá um dado importante. Principalmente, se ficar comprovado que um dos dois usou algum revólver ultimamente. O que nos falta para completar o exame será acharmos a arma do crime. – lembrou Júlio, sentado à mesa de reuniões com os colegas.

- Isto mesmo. Se der positivo, vamos necessitar da arma. Havendo coincidências balísticas, poderemos deduzir que o tiro foi dado por um deles. Só nos intriga é porquê foram baleados. Não esqueçamos, finalmente, que ainda não achamos sequer o faca que matou o comerciante e o dono da lanchonete! – preveniu Evandro.

No São Luiz, antes de sair do quarto da namorada, Lúcio retomou a conversa de antes.

- Querida, não duvide de mim. Repito: pedi para pegar a chave do carro, porque tinha medo. O assassino de meu pai poderia estar de tocaia naquela hora. Estava em pânico, e queria protegê-la!

- Desculpe-me por duvidar de você. Estou muito confusa. È certo que fomos alvo daquele que esfaqueou seu pai! Uma última pergunta: por quê não permitiu o corpo de delito?

- Porque acho que não há necessidade. Estamos limpos! Sabe de uma coisa, Dra.Maria Ruth nos daria alta amanhã. Vamos antecipá-la! Está tudo planejado! Devemos sair deste Hospital agora mesmo. Está escurecendo e já tenho tudo esquematizado. Dra. Kátia está devidamente instruída. Brevemente, o motorista nos buscará! Antes, vamos dar uma passada na minha casa, pois quero pegar o resto de minhas coisas que estão lá!

Aglaé levou um susto com a súbita notícia, mas resolveu não mais questionar seu namorado, a quem depositava inteira confiança. Ela também queria ficar livre daquele pesadelo.

Na PTC de Formiga, Evandro finalmente surgiu à mesa de reuniões para divulgar o resultado.

- Senhores colegas. Deu negativo para a moça e positivo para o rapaz! Havia micro fragmentos de carvão, enxofre e salitre incrustados nas bordas de seu indicador direito, bem como nas unhas. O garoto Lúcio nos mentiu dizendo que não sabia mexer com arma. Falta-nos achar o revólver!

- Ted e Evandro, voltem à casa para nova busca. – decretou Júlio. Procurem também nas imediações. Não preciso ensinar, esta é uma tarefa que sabem muito bem. Ademais, é a nossa única alternativa para o momento. Quem sabe, com esta nova diligência, achemos até a faca?

Aquela era a última cartada. Sabiam que o caso estava nebuloso, mas novas aberturas suscitavam pistas adicionais. Por isso, necessitavam voltar ao local do crime: a casa de Marden, onde fora morto, bem como o atentado com seu filho e nora. O caso atingia o seu clímax!

Os quatro peritos ainda se questionavam se Lúcio ou Aglaé seriam realmente culpados ou co-autores do crime que abalara a cidade. Qual seria o motivo de terem sido alvejados? Haveria um terceiro envolvido? No final de tudo, a lista de suspeitos incluía até o Padre Magnus. Esta hipótese era, todavia, a mais remota, uma vez que a sua Paróquia já se beneficiava com as generosas contribuições de Lúcio e, por isso, não teria motivos para tirar a vida do comerciante além, claro, de ser um religioso de ilibada reputação. Outros dois suspeitos foram descartados pelo seu óbvio desaparecimento: Mauro e Marden. Suas mortes – a facadas - decretaram esta condição de isentos de culpabilidade. Por outro lado, se fosse Aglaé a culpada, sobreviria a questão: quem teria feito o disparo contra ela? A mesma indagação serviria para o próprio filho do morto, seu namorado. E as armas do crime? A faca ainda estava não fora achada e o mesmo, quanto ao revólver do atentado. Como diria Evandro, um hábil jogador de sinuca: “o caso estava numa autêntica sinuca de bico”!

A falta de provas mais contundentes, forçava-os voltar à casa de Marden para uma nova busca. Teriam que fazê-lo sem perda de tempo, uma vez que corriam o risco de serem impedidos pela justiça,

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assim como acontecera antes do corpo de delito. Evandro e Ted, por serem os investigadores de campo, estavam incumbidos de tal tarefa que aconteceria naquela noite ainda.

Então, eles se prepararam para a diligência. Além do material de coleta habitual, muniram-se de pás e enxadas. Dessa vez, a procura deveria ser mais extensa e minuciosa.

- Pelo fato de estar escurecendo, certamente a rua estará deserta e isto facilitará nosso trabalho de busca! – observou Evandro.

- Com certeza, campeão! Vamos revirar a morada dos Konstantinov! E quanto a lanchonete?- Por ora, não será necessário voltar à lanchonete do Mauro. Na verdade, ele foi mais uma

vítima, porque sabia demais. Além de tudo, sua morte ocorreu, comprovadamente, antes do assassinato do russo. – disse Júlio, ao se despedir dos colegas.

Nesse ínterim, Lúcio e Aglaé se preparavam para sair do Hospital, à revelia de Dra. Maria Ruth que deveria dar-lhes alta somente no dia seguinte. Conforme o trato, o casal se encontrou no corredor de entrada do São Luiz com a advogada, Dra. Kátia, que os recepcionou.

- Dr. Lúcio, conforme determinou, o motorista está instruído a levá-los primeiramente às suas casas, onde deverão recolher seus pertences para a viagem que está marcada para amanhã cedo.

- Minha mãe irá conosco. Ela está me esperando em casa. Tudo já está preparado! – disse Aglaé, alegre com a perspectiva de levar a genitora consigo.

- Fico feliz, por você, minha querida. D. Túlia será uma boa companhia. De minha parte, só necessitarei de alguns papéis que estão em casa. Antes, quero fazer uma ligação para o Padre.

Ao passar pela Praça São Vicente de Férrer, os peritos notaram que Padre Magnus estava sentado sozinho num banco. Parecia estar rezando, pois suas mãos estavam postas como tal. Ao mesmo tempo, dava gargalhadas. Acharam estranha aquela atitude em plena praça.

- Olha ali, Evandro. Nosso pároco parece estar em comunhão com os Céus. E ele está rindo também... Esquisito, não? Fiquei curioso, campeão...

Pararam o carro e Ted gritou: - À sua benção Padre! Vejo que o senhor está orando ao som da fonte luminosa! Parece estar muito feliz! Podemos participar de sua alegria?

O religioso virou-se repentinamente para os peritos, cujo carro estava parado no meio da rua, não importando com o trânsito intenso daquela noite de sexta-feira.

- Louvados sejam! Resolvi fazer minha prece das seis da tarde aqui no banco da pracinha, respirando o ar da natureza desta sagrada praça. Estou aqui em louvor a Deus, pois acabei de ficar sabendo que o menino Lúcio, nosso benemérito-mor, está vivo! As obras de caridade da Paróquia vão prosseguir com a graça do Divino! Por quê perguntam, meus filhos?

- Coincidentemente, estamos justamente indo à casa do filantropo. Realmente, o casal está vivo. À propósito, como ficou sabendo desta notícia que, por sinal, era sigilosa a fim de preservar nossas investigações?

- O próprio garoto acabou de me telefonar dando a boa-nova! Ele deve ter recebido alta agora à noite, pois está indo justamente à sua casa... – o Padre respondeu.

Evandro e Ted se entreolharam. Como estava de alta? Segundo lhes constava, a liberação do casal, somente aconteceria após autorização da justiça, pois ambos estavam sob sua guarda.

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- Por esta eu não esperava. Vamos logo à casa do menino!

- Falou, Ted. Bem que a intuição me dizia que teríamos novidades logo mais...

Os peritos convidaram o Padre Magnus a acompanhá-los. Alegaram que a sua presença seria benéfica. De bom grado, ele aceitou. Ao mesmo tempo que estava alegre por saber que seu protegido estava vivo, queria lhe dar uns conselhos. Evandro e Ted chegaram rapidamente ao destino: a casa dos Konstantinov. Ao chegar à rua, já deserta, viram que a picape de Lúcio estava estacionada em frente à sua casa, que tinha algumas luzes acesas. Dentro do carro, notaram, ainda, um homem ao volante e uma mulher no assento traseiro.

- Temos visitas... – balbuciou Evandro - Padre, é melhor o senhor nos esperar aqui dentro. Não podemos correr risco. Se houver segurança, voltamos para buscá-lo. Ao que indica, o senhor terá uma longa conversa com o filho do comerciante... – recomendou Ted.

Cuidadosamente, para não serem vistos, os dois saíram do carro. Pé ante pé, atravessaram a rua e chegaram perto da janela da casa, que dava para a sala. Depois, saltaram um pequeno muro e se aproximaram de outra janela, de onde ouviram...

Ted, precavido como sempre, ligou seu mini-gravador...

- ...não tenho culpa se ele descobriu tudo! Poderia ter evitado. Não houve outra alternativa! Tive de fazer o que foi feito... Olhe, movendo esta tábua, poderemos ver que o fundo é falso. Foi aqui que ficou este revólver e a faca. Por sinal, será aqui também a sua morada final! Você sabe muito e é um empecilho para mim e Kátia! Lamento...

- Não estou entendendo! Abaixe esta arma! O que significa isto? Então, vocês...

- Está quase adivinhando! Foi por isso que lhe pedi para pegar uma chave – imaginária, claro - no bolso de meu pai. Na verdade, fui muito caridoso, pois queria evitar que tivesse o dissabor de ver o autor da sua passagem para a eternidade!

- Bem que eu estava desconfiando..., você também eliminou o dono da lanchonete...além do seu pobre pai. Só que falhou ao tentar fazer a mesma coisa comigo...

- Exatamente. O Mauro teve que acompanhar o Nathan, meu irmão bastardo, pois, tal como você, sabia demais. Você me ajudou a envenenar o gringo, mas o fazedor de misto-quentes teve que ser esfaqueado. Não queria fazer barulho. Igual ao que aconteceu com meu pai traidor. Quanto a você, tive de alvejá-la. Já era parte do plano quando fiz o mesmo contra mim próprio. Calculei milimetricamente para que o tiro me saísse pelas costas. E deu certo, pois todos pensaram que alguém tentou nos matar. Ferido, ainda tive tempo de jogar a arma por debaixo desta abertura secreta no chão, onde desde criança escondia minhas coisas. De fato, a única falha foi você ter se safado. Receio que isto não acontecerá neste momento...

Boquiaberta, Aglaé não acreditava no que ouvia. E não parava por aí...

- Kátia sempre esteve por trás disso tudo. Ela me ajudou a bolar este plano perfeito. À propósito, ela me espera lá dentro do meu carro com o motorista, para quem devo mentir que você desistiu da viagem que faria comigo... A mesma história devo contar para a sua amada mãezinha... Quando a minha querida sogra, D. Túlia, der por sua falta, já estaremos no outro hemisfério! Chega de conversa. O tempo urge! Prepare-se para partir!

- Alto lá, garoto! Acabou a festa! Você está preso! – Evandro e Ted irromperam-se janela adentro e saltaram em cima de Lúcio, imobilizando-o.

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A tábua do assoalho estava entreaberta, por isso, havia uma abertura considerável no chão. Dentro dela, podia-se ver a faca dos dois crimes, suja de sangue ressecado.

- Crime quase perfeito, grande benfeitor formiguense! Eu disse, quase! O Padre Magnus vai gostar muito de ouvir a sua história! Ted, busque o nosso pároco e chame os nossos colegas que já devem estar ansiosos por novidades!

- Ninguém ouviu nada! – ironizou Lúcio – Como vão provar que disse alguma coisa? A conversa que tive com minha futura esposa se perdeu no éter! Além do mais, vou jurar ao Padre, para quem colaboro, que dizem mentira! É claro, que acreditará em mim!

- Outra falha infantil, menino assassino! Ted, teve o cuidado de gravar tudo. Além do mais, Aglaé certamente, deporá contra você, e poderá ter sua pena reduzida se colaborar. Afinal, você não é somente um assassino patricida, mas um traidor!

Nesse momento, ouviram um barulho de pneus rangendo contra o paralelepípedo.

- Provavelmente, a sua cúmplice fugiu. Deve ter desconfiado da sua demora e resolveu abandoná-lo, meu caro. Mas, não deve ir muito longe. A polícia vai ser acionada, uma vez que ela está na sua picape, aquela mesma em que o pobre Nathan andou pela última vez!

Dentro da picape, Kátia ordena ao motorista que pare o carro imediatamente.

- Diminua a marcha e pode parar ali adiante, próximo à esquina. Dentro de pouco tempo, o Lúcio e Aglaé chegarão para irmos embora. Na verdade, – Kátia mentiu ao motorista, justificando a possível ausência da garota – a namorada do meu cliente estava querendo desistir da viagem. Por isso, pressinto que ela não vai mais nos acompanhar

- Dra. Kátia, se mal lhe pergunte, por que, afinal de contas, me pediu para arrancar em disparada, cantando os pneus e parar tão perto..., quer dizer, a pouco mais de dez metros da casa?

- Sua função é dirigir... Mas, para lhe satisfazer a vontade, achei melhor pararmos mais distante da casa, pois notei um carro suspeito perto de nós. Receava que fosse algum assaltante... Só isso, mais nada... Atenha-se às suas atribuições, chofer.

A justificativa não convenceu o motorista, que achou por bem se contentar com a vaga resposta da advogada. Ele não sabia, na verdade, que seu objetivo era camuflar um eventual estampido, advindo da arma de Lúcio, seu cliente-amante.

Ted assustara-se com a abrupta saída da camionete. Rapidamente, acionou seus colegas que estavam à espera na PTC. Em seguida, foi buscar o Padre que certamente estaria impaciente dentro do carro.

- Alvíssaras! Finalmente, você chegou, meu filho! Viu aquele automóvel, há pouco estacionado, saindo numa velocidade acima do normal? O barulho foi ensurdecedor! Por um momento, tive a impressão de ter visto a advogada de Lúcio nele, mas acho que me enganei. Vamos logo, pois estou ansioso para rever meu benfeitor predileto! Tenho muito o que lhe dizer...

- E muito o que ouvir também... Antes, Padre, é de bom-tom que eu lhe conte uma breve história acerca do recente passado desse seu fiel benemérito.

O ambiente dentro da casa não era dos melhores. Evandro, assentado numa poltrona, aguardava os colegas. Lúcio, algemado e em pé, não tirava os olhos de Aglaé, que estava com a cabeça baixa e as mãos em cima do rosto. O desfecho inesperado da trama que montara ao lado do então namorado, a abalara. Vivia um misto de raiva e decepção por tudo que acabara de passar. Sabia, ainda, que sua situação também não era favorável, já que tivera co-participação no assassinato do

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estrangeiro Nathan. O que mais desejava, enfim, era poder encontrar sua mãe e sentir seu carinho, a fim de minimizar tanto infortúnio. Enquanto esperavam, um silêncio tumular dominava a sala. De vez em quando, um latido ao longe cortava o vazio e aumentava a tensão reinante.

Súbito, um rangido. A porta principal da casa abrira. Era o Padre, acompanhado do perito Ted.

EPÍLOGO

- Que tristeza, meu filho! Acabei de ouvir algo muito grave! É difícil de crer que um de nossos filantropos desviou seu caminho! A paróquia formiguense está de luto! – disse com a voz embargada e carregada de decepção.

- Perdoe-me, Padre Magnus! Estou arrependido de meus pecados. Quero me confessar para me livrar da culpa que carrego! O destino me passou uma rasteira...Envolvi minha namorada e fui envolvido pela minha advogada. Perdi tudo: meu pai, Aglaé e a minha liberdade! Sei que não adianta lamuriar... Vou contar toda a verdade... – disse Lúcio, envergonhado e cabisbaixo.

Fez-se novo silêncio. A amargura de Padre Magnus contagiou a todos. Ele baixou os olhos, juntou as mãos e começou a rezar. Sua expressão contrastava com alguns minutos antes, quando orava alegremente no banco da praça. Vivenciava um momento difícil, de profunda reflexão. Até que Evandro resolveu quebrar o clima.

- Então, somos todos ouvidos, menino. De fato, você não somente vai precisar dos conselhos do Padre, mas também de um bom advogado para dirimir sua pena...

- Só terá que contratar outro advogado, já que a sua representante perante a justiça, parece também ter desviado de conduta... – acrescentou Ted, de modo sarcástico.

Júlio e Marcelo surgiram à porta segurando pelo braço, a advogada Kátia , ao que Evandro ironizou ao vê-los entrando..

- Falando no capeta...

- Vimos a picape do garoto, estacionada na esquina de modo suspeito, – disse Júlio – e ao averiguarmos, notamos uma presença feminina no seu interior. De repente, o carro saiu velozmente, mas não foi muito longe... Mais um peixe fisgado...

- Parece que finalmente a nossa pescaria, iniciada naquela tarde de sábado na lagoa, terminou definitivamente... – disse Marcelo com ar de ironia e vitória.

Padre Magnus, triste e decepcionado se acomodou numa poltrona perto de Evandro, que já estava sentado desde que ele e Ted arrombaram a janela e entraram na casa, um pouco antes de Lúcio tentar contra a vida de sua ex-cúmplice. Todos estavam preparados para ouvir o criminoso que finalmente confessara a sua culpa, pois não tinha outra opção. Era o momento crucial de toda a investigação que se iniciara a partir do descobrimento de um assassinato bem planejado, que o acaso se encarregara de denunciar graças a uma pescaria e a um urubu faminto.

- Arre! Chegou a hora de sabermos o porquê do crime nas Areias Brancas! - falou Evandro, esboçando alívio e satisfação por mais um caso desvendado.

Calmamente, Lúcio sentou-se num banco, próximo ao abajur onde sua algema estava presa. Querendo impressionar ao Padre, fez o sinal da cruz com o polegar direito antes de começar relatar sua epopéia delituosa. Suspirou fundo e pigarreou. Seu tom de voz era baixo, bem diferente de momentos antes, quando ameaçara Aglaé.

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- Há dois anos, o meu meio-irmão Nathan, perdeu sua mãe que, no leito de morte lhe fez uma confissão bombástica. Seu pai estava vivo e morava no Brasil. Fizera fortuna com exportação de produtos esotéricos e, por isso, era justo que ele o procurasse, já que sua vida era muito dura na Ucrânia, onde era originário. Ela lhe contara, ainda, que Marden tinha um problema crônico pulmonar, não tendo muito tempo de vida. Portanto, deveria se revelar a fim de também poder usufruir da herança, segundo ela, um direito seu...

- Por causa disso, ele passou a vir à Formiga com freqüência... – interrompeu Marcelo.

- Sim. Nathan passou a vir aqui periodicamente para, não só conhecer nosso pai, como para ser reconhecido por ele como seu filho legítimo. Quando soube disso, comecei a ficar perturbado, mas no começo, não me importei. O incômodo, porém, voltou em pouco tempo.

- Chegou a conhecê-lo pessoalmente durante esse tempo em que vinha à cidade? – perguntou Júlio, enquanto acendia seu cachimbo.

- Vi o intruso estrangeiro uma vez na lanchonete do Mauro, onde secretamente encontrava com meu pai, que pensava que eu ignorava a situação. Nathan, por sinal, tinha verdadeira adoração pelo misto-quente feito naquele estabelecimento. Por isso, se tornou assíduo.

- Disse que descobriu sua existência. Com ficou sabendo disso?

- Kátia, digo, Dra. Kátia me contou. Como advogada de meu pai, ela se inteirou da situação antes de mim. Certamente, ao se aliar comigo, tinha segundas intenções... Foi ela que fustigou para levar a termo toda esta trama diabólica...

- Com a sua anuência, seu injusto! – Kátia interrompeu aos gritos e com muita raiva.

- Basta! Este não é o momento ideal para se entenderem. Na cadeia vocês o fazem, pois terão tempo suficiente... Vamos, continue! – ordenou Júlio -. Diga logo, como planejou os crimes...

- Ao saber que esse meu quase-irmão queria mesmo era depenar meu pai, que estava inclinado a dar-lhe suas economias, parti para o ataque. Convenci Aglaé que teríamos de evitar aquele desfalque que nos faria pobres e, por isso, não poderíamos nos casar. Então ela me apoiou, como eu imaginava, pois não passa de mais uma gananciosa!

Nesse momento, Aglaé se levantou bruscamente da cadeira avançando contra seu ex-namorado, sendo prontamente impedida por Ted, sentado ao seu lado.

- Não admito que me denigra mais! Não está satisfeito por ter arruinado minha vida?

- Já disse: chega de apartes! – Júlio exigiu novamente. - As senhoras queiram deixar o menino terminar! Se quiserem se defender, que o façam quando do julgamento. A noite avança rapidamente! Contenham-se, pois!

- Assim, de posse da preciosa informação de que alguém queria me arruinar, resolvi fazer uso de meu poder econômico. Tratei de subornar Mauro. Ofereci-lhe um bom montante para entrar na cozinha de sua lanchonete e envenenar o misto-quente que Nathan ia saborear naquela noite de quinta-feira, véspera do dia em que papai assinaria o aditivo que o incluiria no testamento...

- Por isso, ele estava ofegante ao comentar o assunto, segundo nos disse o finado Mauro...

- Ele ofegava porque sofria do pulmão tal qual meu pai. Outro motivo, claro, devia ser porque eu lhe dissera que, como seu irmão, gostaria de conhecê-lo pessoalmente, o que aconteceria pouco depois de ter comido o misto contaminado. Na verdade, eu queria ter certeza de que não passaria daquela noite, além de dar um sumiço em seu corpo após sua morte...

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- E o tiro de misericórdia, foi o cigarro que envenenou, não foi? – completou Evandro.

Lúcio olhou novamente para o Padre Magnus. Depois, baixou a cabeça e continuou a descrever o crime que cometera com a cumplicidade da namorada e da advogada.

- Como Aglaé é química, foi fácil injetarmos carbonato de bário no cigarro que, como você disse, seria a pá de cal, caso Nathan não morresse imediatamente por causa do veneno que ingeriu quando comeu o misto-quente. Vocês, que são peritos exímios, sabem muito bem que esse composto é fatal se misturado com o ácido clorídrico do estômago quando da digestão.

Nesse momento, Padre Magnus, ainda abatido por causa da decepção, interrompeu.

- Por quê, pelos Céus, você resolveu matá-lo de forma tão hedionda, meu filho? Não poderia admitir Nathan em sua família? Por quê optar pela pior alternativa!?

- Perdão, meu pastor! Esta ovelha desgarrada está se penitenciando! Estou arrependido por ter cometido tão medonho pecado! Abro meu coração e confesso meu erro maior... Em verdade, fiquei aturdido ao saber que um forasteiro aqui estava para tomar minha fortuna! Errei ao matá-lo!

- Realmente, errou sua estratégia. O fato de Nathan ser estrangeiro, jamais facilitaria seu serviço. Sua identidade seria sabida mais dia, menos dia.... - interveio Júlio.

- Supus que seu desaparecimento não seria notado pelas autoridades locais. Isto me deu forças para perpetrar este sinistro plano. Por favor, eu gostaria de descansar...

- A noite avança e o tempo urge, rapaz! – disse Evandro, impaciente, como sempre. – Conclua logo o seu relato. Já providenciamos um lanche... não-contaminado, claro. – ironizou.

- Pois bem. Todas as quintas-feiras, meu pai, invariavelmente, comparecia às reuniões do Rotary. Por isso, eu e Aglaé fomos ao Clube Centenário para pegar a picape, o único carro apropriado para carregar o corpo de uma pessoa avantajada como era o Nathan...

Nesse momento, a campainha quebrou o clima tenso que reinava na sala da casa dos Konstantinov. Era o entregador de pizza. Houve uma pausa de quinze minutos. Após esse tempo, o interrogatório prosseguiu. Ted aproveitou o gancho para fazer sua pergunta.

- Então, esclareça: como conseguiu pegar o carro de seu pai, se ele sequer desconfiou?

- O dinheiro compra tudo e todos. Molhei a mão do manobrista, que não pensou duas vezes e liberou o carro. Menti que ia para um motel e que ficasse de bico calado, pois meu pai não poderia ficar sabendo. Pegamos o carro e fomos parar perto da lanchonete. De lá, liguei para meu meio-irmão, dizendo que gostaria de conhecê-lo pessoalmente, antes dele assinar o aditivo do testamento...

- Soubemos que Nathan ficou nervoso com o convite antes de ir ao seu encontro. O que se passou na seqüência? – inquiriu Júlio.

- Não souberam de tudo não! – interrompeu Aglaé, em tom raivoso – Ele tem que contar que antes de fazer o convite ao Nathan, eu insisti para que não levasse sua idéia de matá-lo adiante! Eu não sabia que, naquela altura, o gringo já estava envenenado pelo misto que comeu. Disse-lhe, ainda, que era melhor entrar num acordo com ele. Infelizmente para nós todos, não consegui demovê-lo...

- Pelo visto, minha querida, você não teve poder de persuasão – provocou Lúcio. Continuando, para eu não perder o fio da meada por causa de apartes inconsistentes. Reparei que Nathan ficou muito emocionado ao me conhecer e, sinceramente, senti um aperto no coração... Mas era muito tarde, pois ele já havia comido o misto fatídico do Mauro. Não dava mais para recuar.

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Convidei-o a entrar no carro para podermos conversar melhor. Dentro da picape, ofereci-lhe o cigarro envenenado. Como era asmático, recusou. Acho que tinha um problema no pulmão, como papai...

- O efeito do veneno do sanduba demorou... – resmungou Ted.

- Pelo contrário. Reparei que ele estava um pouco pálido ao lhe oferecer o cigarro. Convencido, aceitou minha generosa oferta, pois pensava que estávamos selando nossa amizade!

- Estava selando era o seu próprio caixão... – Evandro ironizou novamente.

- Pois é. Não demorou muito e Nathan começou a vomitar no carro. Teve convulsões e desfaleceu. Naquela altura, já estávamos próximos à rua do Quinzinho, que estava deserta. Paramos o carro e, com muita dificuldade colocamos seu corpo no porta-malas para levá-lo ao depósito de lixo...

- Com certeza, Nathan ainda estava vivo quando o desovaram no lixão – concluiu Júlio

- Não posso afirmar, porque ele soltava muito sangue pelo nariz, tanto que sujou tudo!

- Foram as manchas que o luminol detectou quando examinamos o carro, – disse Evandro – como se não bastasse, ainda tiveram o trabalho de raspar as digitais do coitado...

- Como disse, queria me certificar de que ele não seria identificado de forma alguma...

- Pois é...e um urubu estragou a sua festa! – disse laconicamente Marcelo.

Todos os que estavam na sala da casa dos Konstantinov, sorriram ante o gracejo de Marcelo.

- De fato, companheiro. Não fosse um desastrado urubu faminto que fisgou o olho de Nathan no lixão, para depois deixá-lo cair na lagoa, com certeza, levaríamos mais tempo, para solucionar este tríplice homicídio! – Júlio corroborou . – Prossiga com a sua macabra história, rapaz!

- Fizemos a raspagem nos dedos de meu meio-irmão lá no depósito de lixo mesmo. Utilizamos uma lima para fazê-lo. Ignoro se ainda estava vivo naquela altura...

- Ao que tudo indica – interrompeu Ted – o nosso urubu-herói, pegou um dos olhos de Nathan no sábado cedo, ou seja, dois dias depois da desova, pois a distância da lagoa até o lixão é curta... Pelo menos, o azarado estrangeiro já estava morto e não sentiu nada.

- ... e fomos pescar justamente o peixe que engoliu o olho! – complementou Marcelo.

- Folgo-me em saber que Nathan não sofreu, pois não sentiu seu olho ser arrancado – falou Lúcio, ao que Aglaé voltou a se manifestar contra seu indisfarçável cinismo.

- Estamos encantados com seu senso de piedade, meu querido Lúcio!

- Não precisa ser sarcástica! Não se esqueça que você participou de tudo! – respondeu.

- Nada de discussões. Adiante, garoto! Já passa das dez da noite! – ordenou Júlio.

- Os desígnios divinos fizeram com que a ave deixasse cair na lagoa a principal evidência do crime, e que logo o peixe que seria pescado, o pegaria! É um milagre! – filosofou Padre Magnus.

- Após uma semana, comecei a acreditar que a morte de Nathan não seria notada. Por isso mesmo, resolvi que não poderia deixar nenhuma testemunha. O Mauro seria o próximo porque, além do mais, poderia contar meu plano para meu pai, que já estava desconfiado pelo sumiço repentino de

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seu filho russo. Mas, sei que resolvi dar cabo dele tardiamente, pois já havia contado tudo para meu pai. Com medo de ser deserdado, fiquei irado, não tendo outra opção, senão acabar com os dois...

Nesse momento, Aglaé levantou-se novamente e, com o dedo em riste apontou para Kátia.

- Com certeza, esta traidora fez jogo-duplo! Foi ela quem contou para seu pai! – vaticinou.Resignada, Kátia não esboçou nenhuma reação, o que fizera Lúcio confirmar que sua ex-

namorada falara a verdade. Fulo, avançou contra a advogada, mas foi impedido por estar algemado.

- Tudo está ficando claro agora! Por isso é que você insistiu na tese de que fora Mauro quem delatara meu plano ao meu pai! Como fui ingênuo de acreditar nesta balela!

- Mauro apenas confirmou o que disse – amenizou Kátia – seu pai foi à lanchonete e pressionou-o! Eu sabia que se lhe contasse, você daria cabo dos dois! Sua ingenuidade ultrapassou sua inteligência tão valorizada pela trama da morte de Nathan! – ironizou.

Uma vez mais, Júlio ordenou que controlassem os ânimos. Padre Magnus estava muito abatido. Assim, tiveram que interromper o relato a fim de dar-lhe um café forte. E Lúcio prosseguiu.

- Esperei a lanchonete fechar. Quando Mauro saía, parei-o com uma facada certeira. Cego de raiva, depois fiz o mesmo com meu pobre paizinho. Estava desesperado, pois vi que o cerco contra mim estava se fechando. Aí, tive de bolar outro plano: deveria atirar contra mim mesmo, o que por certo me isentaria da culpa que vocês estavam me impingindo com tanta veemência. Antes disso, deveria acabar com Aglaé, outro empecilho que surgira no meu caminho... Isto foi feito. Milimetricamente, calculei a trajetória do tiro e ainda tive tempo de jogar o revolver naquela fresta ali!

- Quase que seu plano deu certo, meu caro, mas não existe crime perfeito, quando a ciência investigativa está na parada! – disse Evandro, com ar de vitória.

- Como se não bastasse, ainda teve o despautério de me pedir para buscar uma chave que nem existia, no bolso de seu pai! – disse chorando, Aglaé, tomada por uma revolta incontida.

- Sinto muito, mas não tive outra alternativa. Era a única forma de você ficar de costas para mim. Queria também poupá-la de me ver agindo daquela forma torpe!

- Finjo que acredito. Atenha-se a contar aos policiais e deixe cair esta máscara, seu fingido!

- Não podia imaginar que Aglaé iria sobreviver ao tiro, e depois, ser salva novamente por vocês. A próxima da lista deveria ser a Kátia, por também saber demais, claro... Porém, precisava dela para me tirar do país. No exterior, iria usufruir de boa parte do dinheiro de meu pai que está depositado em contas da Suíça! Esta é a minha confissão. Padre, absolva-me agora!

Padre Magnus retirou-se da casa em silêncio. Os três criminosos foram então, conduzidos à Delegacia, onde ficariam até o julgamento. O “crime nas Areias Brancas” estava finalmente fechado.

FIM

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