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37º Encontro Anual da ANPOCS
OS DESDOBRAMENTOS DA TRADIÇÃO DURKHEIMIANA EM PIERRE
BOURDIEU E RANDALL COLLINS: TEORIAS DO PODER E DOS RITUAIS
INTERACIONAIS.
Autor: Marcílio Jerônimo Júnior
SPG02 – Teoria social no limite:Novas frentes/fronteiras na teoria social
contemporânea
1. Apresentação.
O objetivo desse trabalho é contrapor duas visões dentro da mesma tradição da
teoria social (a tradição Durkheimiana). Essas visões são a teoria do poder simbólico e
das práticas sociais em Bourdieu e a teoria dos rituais interacionais. Diversos conceitos
podem ser discutidos nessa bifurcação da tradição Durkheimiana abrangendo aspectos
como agência humana, conflito simbólico, poder, oposições entra as noções macro e
micro-social, e síntese entre as teorias/tradições da teoria sociológica. Em um de seus
trabalhos mais importantes, "As quatro tradições sociológicas" Randall Collins
estabelece algumas divisões acerca das possibilidades teóricas e metodológicas no campo
da teoria social.
No que concerne ao campo da "tradição durkheimiana" (nome que ele estabelece
a uma corrente específica muito embora reconheça que autores de períodos anteriores ao
de Durkheim façam parte dela) Collins admite duas divisões; uma que possui
características mais holísticas e fiéis a concepções funcionalistas que se consolidou na
tradição americana da sociologia em especial, nas obras de Parsons e Merton. Uma outra
corrente possui uma característica nos desdobramentos a respeito das reflexões de
estruturas simbólicas. Essa possui maior parte de sua produção na antropologia clássica
de autores como Levi-Strauss e Marcel Mauss, bem como nos trabalhos de Goffman e
também com Pierre Bourdieu. No campo dos estudos das estruturas simbólicas podemos
colocar duas posições que se contrapõem dentro da tradição estrutural ou Durkheimiana:
Uma primeira encontramos exatamente no trabalho de Bourdieu que consiste na
teorização do poder simbólico e da formação dos habitus e das práticas sociais. A
segunda na obra do próprio Randall Collins no que consiste na cadeia dos rituais
interacionais. Abordaremos no aspecto da teoria de Bourdieu a crítica feita por Michel de
Certeau a nível teórico e metodológico, no que concerne ao recorte feito por Bourdieu,
para descrever o campo das práticas sociais mediados pelo hábitus e pelo poder
simbólico.
Certeau realiza a sua crítica da análise de Bourdieu sobre o poder, sobre as
estratégias do poder, e da imposição simbólica a partir do entendimento de alguns fatores
básicos de uma tradição epistemológica que podemos encontrar na obra de Bourdieu, que
é o estruturalismo e o positivismo Frances dentro da sociologia. Dentro desse quadro,
podemos dizer que uma das ressalvas feitas por Certeau no que diz respeito às estratégias
e as práticas na etnologia da Kabilla consiste exatamente na idéia da perda de foco em
uma seqüência de práticas que não podemos atribuir como características de um tipo
específico de práticas regulares, em uma cultura específica. Certeau se mostra mais
disposto a perceber os espaços aonde algumas tradições não são reproduzidas e onde a
violência simbólica não é tanto um postulado a ser colocado como central na análise das
práticas. Ele chama a atenção para uma lógica prática que atua igualmente sobre o
contexto, mas independente do lugar que lhe controlava o funcionamento nas sociedades
tradicionais. Para Certeau a problemática do lugar se sobrepõe a problemática das
práticas.
Dito isto, trataremos em seguida de encontrar em uma outra ponta dessa
bifurcação da tradição da teoria social, um outro modo de concepção teórica a respeito
das práticas sociais que vemos em Randall Collins. Nossa análise vai nos permitir
localizar esse esforço de Collins dentro de um conjunto de possibilidades possíveis; não
apenas como uma alternativa de teoria das práticas sociais e das estruturas simbólicas
em Bourdieu mas como também dentro de uma possibilidade de síntese entre tradições
da teoria social. A importância da abordagem das tradições sociológicas, segundo a ótica
de Collins consiste, além dos aspectos citados acima, em captarmos a origem da
construção de sua teoria da ação social no cotidiano.
Esse é o principal resultado desse processo, os participantes sentem que são
membros de um grupo, com moral obrigações para com o outro. O Objetivo desse
trabalho é portanto, dentro dessas duas concepções de uma mesma tradição sociológica
(tradição Durkheimiana que tem como foco fundamental a busca da analise das estruturas
simbólicas) buscar uma alternativa na obra de Collins a respeito da relação entre práticas
e estruturas simbólicas, que escape de uma noção de poder como revelada por Bourdieu,
e que reconheça possibilidades de práticas sociais que possam ser analisadas fora do
"recorte" teórico que é identificado na crítica de Michel de Certeau ao trabalho teórico de
Bourdieu.
2. As quatro tradições sociológicas: um mapa do desenvolvimento da teoria
social.
O campo do pensamento que consiste no esforço de teorização acerca das sociedades
humanas, ao qual chamamos de pensamento/teoria social, data de épocas anteriores ao
surgimento da própria sociologia. Essa afirmação nos permite adiantar dois pontos
fundamentais para esse trabalho; o primeiro consiste, desde já em estabelecermos uma
diferenciação entre teoria social e teoria sociológica. A primeira consiste na teorização
acerca dos elementos essenciais da formação das sociedades humanas. Não está inserida
necessariamente dentro do campo da sociologia. Teoria sociológica por sua vez consiste
nesse mesmo esforço teórico, porém dentro de bases teóricas e epistemológicas
estabelecidas da sociologia, enquanto um campo do saber inserido no período da
revolução industrial e científica (dois dos mais importantes alicerces da modernidade) O
segundo ponto consiste na idéia de que os autores que compõem determinadas tradições
não necessariamente surgem no período em que já temos a teoria sociológica enquanto
um campo formado e consolidado. Veremos isso mais adiante tendo como exemplo
essencial a própria tradição Durkheimiana, destaque principal para nosso trabalho.
A sociologia enquanto um campo científico consolidado, desenvolveu desde o seu
advento, um corpo teórico bastante rico. Desde os autores considerados clássicos até a
teoria contemporânea, diversas propostas teóricas/metodológicas foram lançadas,
fazendo da sociologia um leque bastante diversificado de abordagens epistemológicas.
Uma das formas de vermos um mapa seguro acerca das grandes tradições da teoria social
ou da teoria sociológica está na obra de Randall Collins (2009). Encontramos em seu
trabalho a oportunidade de vermos um recorte original, uma vez que com essa nova
perspectiva, uma espécie de visão binária (sendo esta oficializada ou não) das concepções
sociológicas perde espaço; se anteriormente o dilema da agência e da estrutura conduzia
a um desenho da história da teoria social como dividida em correntes estruturalistas e
correntes da ação individual, encontramos aqui, na obra de Collins Quatro novas
possibilidades de refletirmos acerca dessas tradições. Essas tradições seriam: a tradição
do conflito (aonde temos Marx e Weber como expoentes principais); a tradição racional
utilitarista (que tem em autores da escolha racional a principal referência); a tradição
micro-interacionista (temos aqui a Escola de Chicago como ponto forte); e a tradição
Durkheimiana. Essa ultima será o ponto principal a ser discutido nesse trabalho. Antes de
qualquer comentário sobre esta se faz necessário um pequeno apanhado histórico acerca
desse campo do conhecimento ao qual chamamos de teoria social.
2.1. O surgimento do pensamento social e as suas condições básicas.
Randall Colins (2009) inicia a obra afirmando existirem três paradoxos fundamentais
inerentes as ciências sociais. A primeira delas consiste na contradição entre o mundo
objetivo e as condições que o determinam. Essa contradição consiste na noção de que
quando falamos sobre “ciência” estamos querendo buscar uma visão objetiva sobre
algum objeto, ou sobre o mundo em geral, e não a forma como as coisas deveriam ser, ou
como as vemos subjetivamente. O paradoxo existe no fato de que como agora possuímos
uma ciência social essa objetividade estaria comprometida uma vez que temos agora
bases sociais de uma ciência Social. O que leva a um outro dilema da sociedade que é o
das bases que determinam a relação ao construto dessas mesmas bases. Esse segundo
paradoxo é basicamente o da idéia de que mesmo essas bases são construtos sociais e que
se a ciência social obtiver sucesso alguém poderá escrever sobre essas bases sociais da
ciência.
Esses dois paradoxos vão permear a análise de Randall Colins (2009) acerca das
quatro tradições sociológicas que veremos mais adiante, uma vez que para ele cada uma
delas apresenta contribuições importantes para a teoria social ou teoria sociológica,
dentro de momentos históricos e contextos específicos em que eles surgem. Collins
(2009) nos mostra em uma obra que possui justamente o título de As quatro tradições
sociológicas que é preciso estar atento as bases sociais de cada uma dessas teorias sem
perdermos o que é possível de ser aproveitado para a tradição sociológica, como também
devemos ficar atentos aos desdobramentos de algumas dessas teorias que encontram
respostas, ou possibilidades de síntese em outras tradições a fim de que encontremos na
sociologia um objeto único. Ele irá detalhar ao longo da obra muito embora, ele aponte
origens mais antigas para o surgimento do pensamento social, e mesmo origens mais
anteriores aos fundamentos básicos de cada tradição sociológica específica.
Ainda no que diz respeito a essas condições sociais objetivas para o surgimento do
pensamento social, Collins (2009) nos mostra que existem duas condições fundamentais
para que seja propícia a construção de um conhecimento/pensamento social objetivo.
1. Uma cultura de racionalização no sentido que Max Weber apresenta, ou seja de
“desencantamento” .
2. O surgimento de uma classe/comunidade intelectual em um período específio
afim de que possam surgir intelectuais capazes de produzir nesse campo.
Os primeiros grandes esforços para se empreender uma forma de
conhecimento/pensamento social datam de 500 A.C na Grécia antiga. Nesse aspecto
podemos destacar a fase “antropológica” da filosofia grega em oposição as escolas
Eleática e de Mileto, que focavam em aspéctos da natureza para explicar o surgimento da
vida. Essa fase antropológica, inicia-se com Sócrates e os Sofistas As primeiras grandes
considerações no campo do pensamento social encontram-se em filósofos como Platão e
Aristóteles. Focavam em descrições valorativas acerca de qual deveria ser o melhor
modelo de sociedade. Esse momento para Collins (2009) teria sido uma das bases para o
desenvolvimento do pensamento social enquanto um conhecimento objetivo. Muito
embora ele não se detenha em algumas contribuições possíveis da filosofia medieval (a
qual ele afirma que representa um período de estagnação da filosofia), para o pensamento
social Collins reconhece que é nesse período que vemos o surgimento do intelectual
moderno, uma vez que é nesse momento que temos a formação das primeiras
universidades. Isso acarreta na noção de que se devemos ter em cada momento histórico
dotado de um saber sobre a sociedade, a formação de uma classe de intelectuais que
atuam nesse ramo, temos nesse momento a formação das instituições que irão pelos
séculos seguintes ser a casa de formação e que permite a atuação das classes intelectuais.
Do ponto de vista do surgimento da filosofia e da ciência moderna, podemos dizer
que o que ocorreu foi um deslocamento de objetivos, no sentido de que a universidade
deixou de ser um meio para ser um fim em si mesmo. Entre as grandes transformações no
campo do conhecimento, vemos que começa aqui uma tentativa de quebra do monopólio
do saber; inicia-se uma fase de tentativas de tirar da igreja, o controle das universidades e
dos centros de conhecimento. Com a renascença essa vida intelectual passa a ser mais
secularizada. A “racionalização” no sentido de desencantamento do mundo que permite a
Collins (2009) deixar de lado a filosofia daquele período como tendo qualquer
contribuição para o pensamento social, vai começar a ganhar cada vez mais força nesse
momento da história do conhecimento. E é aqui que passamos para mais um capítulo da
história do pensamento social no qual temos o surgimento da sociologia.
2.2.O pensamento social na modernidade e o surgimento da sociologia
Com o advento do iluminismo a noção de que a ciência pode conduzir as sociedades
humanas para o esclarecimento e por conseguinte, para a liberdade e para o domínio das
forças da natureza ganha força. É mais latente a percepção de um conhecimento voltado
para sociedade com uma natureza teleológica: Pode-se falar nesse momento do
surgimento de ciências sociais de fato, mesmo que a sociologia ainda não tenha surgido.
Aqui temos ciências que tratam de questões voltadas pra as relações sociais, mas com
uma natureza típica dos primeiros campos científicos desse momento: com foco no
progressismo, em uma visão teleológica, na noção de que é pelo desenvolvimento das
forças guiadas pela racionalidade e a ciência que é produzida a evolução das sociedades
humanas. Esse é o primeiro corpo de princípios que guiam as ciências humanas no final
do sec. XVIII e XIX.
Segundo Collins (2009) é a Economia que será vista como a primeira Ciência Social.
Tanto nas obras de Adam Smith em sua “riqueza das nações” como em Quesnay e a sua
Fisiocracia encontramos a possibilidade de refletirmos sobre formas de relações sociais –
ainda que não consideradas como categorias que estudamos hoje na sociologia- que
acarretam em conseqüências para além do campo da economia; Vemos também nesse
período a firmação da história enquanto ciência; as propostas de Hegel e de Marx de
filosofia da história, apontam de fato para uma cientificidade desse campo do
conhecimento, revelando que os processos sociais em contextos historicamente
localizados, são dotados de um tipo de dinâmica que exige um método científico de
investigação, muito embora, como sabemos esses dois autores possuem divergências
claras acerca de suas propostas de filosofia da história.
Vale ressaltar também o surgimento e conquistas da antropologia. No que concerne
especificamente a tradição durkheimiana da teoria social, devemos ficar bastante atentos
aos primeiros esforços de reflexão acerca dos processos rituais no campo da religião e em
outras culturas primitivas. É esse o primeiro diálogo da antropologia clássica com os
escritos de durkheim sobre religiões primitivas e que vai permitir o desenvolvimento em
uma das vertentes da tradição durkheimiana, de um grande conjunto de teorizações
acerca do simbolismo. Esse desdobramento é de grande importância para o nosso
trabalho. Por fim devemos destacar também a independência das ciências sociais da
psicologia. Com Durkheim, as ciências sociais, em especial a sociologia, surgida com
Augusto Comte, ganham autonomia da psicologia, uma vez que agora ela possui em seu
corpo teórico elementos que garantem essa conquista: a noção de que os fenômenos
sociais possuem uma natureza autônoma frente as consciências individuais e que tem
uma natureza suis generis. Nesse momento podemos não apenas falar da sociologia como
campo científico autônomo, mas também nos primeiros elementos que nos permitem o
desenvolvimento não apenas da tradição durkheimiana, como também das outras quatro
tradições sociológicas, que vamos analisar nesse momento.
2.3.Surgimento da sociologia: as primeiras grandes reflexões.
Tendo surgida a sociologia, vemos ao longo das primeiras décadas aonde
encontramos os primeiros grandes autores, as primeiras grandes obras e as primeiras
grandes divergências teóricas e metodológicas. Vemos por exemplo na obra de Max
Weber a possibilidade de uma primeira polaridade no que diz respeito a o campo teórico
da filosofia que vai opor a sociologia Weberiana e as concepções funcionalistas de
Durkheim. Algumas tradições do pensamento social vão alimentar o campo da teoria
sociológica fazendo com que a sociologia ganhe um corpo teórico mais robusto. Até os
primeiros anos do século XX, já temos dentro do campo da sociologia quatro campos,
teóricos distintos em suas características, e que vai permitir a Collins dizer que essas
serão 4 tradições da teoria social. São elas:
1. Tradição do Conflito
2. Teoria Racional utilitarista
3. Tradição durkheimiana
4. Tradição micro-interacionista
Como afirmamos mais de uma vez antes, vamos buscar entender os
desdobramentos da tradição durkheimiana acerca da teoria sociológica, buscando
contrapor dois campos específicos acerca do que diz respeito ao simbolismo que estão
presentes tanto na obra de Pierre Bourdieu, como na obra de Randall Collins. Assim uma
pequena análise da forma como este ultimo autor citado percebe essas outras tradições
sociológicas se faz necessária uma vez que temos nesses dois pólos citados, propostas de
sínteses teóricas, ou ao menos a abertura para diálogos com outras tradições.
A primeira grande tradição sociológica a ser analisada por Collins (2009) é a
tradição do conflito. Sobre essa tradição é interessante uma passagem D´As Quatro
Tradições... na qual Collins (2009) destaca algumas virtudes desse campo teórico:
A tradição do conflito também trouxe um impacto inovador. Ela começou
no submundo revolucionário e arrancou o véu que enconbre as ideologias.
O mundo revelado é dramático, conflituoso e pronto para eclodir. No
entanto, a verdade desse mundo é fria e desoladora As realidades
escondidas são economia, a mobilização recursos e as lutas políticas. Não é
o mundo cotidiano de nossas crenças comuns, mas uma realidade ainda mais duramente mundana (Collins, 2009).
Esta tradição não se baseia exclusivamente na idéia de que o conflito existe na
sociedade, mas sim o de que quando esse é explicito, ocorrem relações de dominação.
Não obstante o conflito para esses autores não é um elemento de crise de laços de
sociedade, mas o conflito é o próprio laço constitutivo das relações sociais, e está no
centro de sua dinâmica. Parte-se do princípio de que os homens buscam impor seus
princípios/interesses/regras aos outros criando assim, estruturas de dominação. Os
principais momentos dessa tradição teórica apontam também, para autores que estão
situados em períodos anteriores ao surgimento da sociologia. Como vamos ver, isso se
deve ao fato de que essas contribuições elementares são base dessas escolas sociológicas.
E essas contribuições podem ser vistas nos Economistas clássicos (Smith e Ricardo);
Hegel e a sua filosofia da história; Economia histórica alemã e realpolitik, Marx e Engels
e a luta de classes (que como veremos posteriormente terá uma tentativa de síntese com o
simbolismo na obra de Bourdieu); Nietszche e as suas noções de vontade de potência;
Materialismo Dialético de Engels (uma nova etapa da teoria marxista da história;
MaxWeber e a sociologia compreensiva, as noções de status e poder; Michels e as
Teorias marxistas no imperialismo; Georg Simmel com a filosofia do dinheiro e Karl
Mannheim; Luckacs/Gramsci dando início as primeiras reformulações teóricas internas
ao marxismo; A Escola de Frankfurt; Neomarxismo e neoweberianismo. Entre outras.
Em seguida vemos a tradição racional/utilitarista. Segundo Collins (2009) essa
possui as suas primeiras noções nos escritos políticos de John Locke. Essa tradição em
geral pressupõe a noção de racionalidade individual, admitindo ações motivadas pela
busca de maximização de ganhos (simbólicos e materiais) e redução de custos para esses
ganhos. Esse noção de racionalidade instrumental está presente em Weber e é essencial
nessa tradição da teoria social. A principio, o utilitarismo existia no campo da filosofia e
buscava focar em problemas públicos. A volta do individualismo na sociologia e nas
ciências humanas como um todo se dá pela década de 1950. De início ela também se
mostra como divergente da tradição durkheimiana; Durkheim critica o contrato social
teoria uma vez que essa pressupõe um tipo de noção de relação social contrário as
concepções de solidariedade que como veremos posteriormente são bastante caras, na
tradição durkheimiana. Além disso, podemos dizer também que essa tradição
racional/utilitarista tem em comum com a teoria do conflito alguns aspectos básicos,
como a relação com a elementos teóricos originados nas escolas da economia clássica, e
o fato de partirem de uma relação de conflito mesmo que no caso do utilitarismo essa se
dê em moldes mais pragmáticos. Essa concepção tem um bom potencial crítico de
instituições públicas como analise de das ações de agentes políticos enquanto atores
dispostos a maximizar ganhos, dentro das instituições nas quais eles atuam. Nesse
aspecto vemos bastantes esforços no campo da ciência política a respeito da
racionalidade das instituições. Os principais momentos da tradição racional utilitariata
nós encontramos nas obras de Mandeville: Vícios privados e virtudes públicas, com
David Hume; Hartley Associação das idéias; Adam Smith e seus trabalhos sobre
economia bem como as suas noções de simpatia moral. Jeremy Bentham quando falou
sobre reforma legal utilitarista; John Stuart Mill e a sua ética utilitarista; Bradley e Moore
sobre a ética anti-utilitarista;
Uma terceira tradição da sociologia que merece a nossa atenção é a tradição
micro-interacionista. Essa seria segundo Randall collins uma tradição sociológica
tipicamente americana. Mesmo não sendo a única tradição sociológica americana,
defende-se aqui que esta teria sido a sua contribuição mais decisiva. Essa vertente teórica
possui raízes no pragmatismo e na Escola de Chicago. Nesse momento vemos de fato
uma aproximação com a teoria sociológica, e no contexto específico, os autores que
faziam parte da Escola de Chicago traziam teorias que se colocavam como uma
importante alternativa frente ao domínio parsoniano na sociologia. É importante destacar
também o empreendimento de Alfred Schutz; a síntese teórica, que coloca a
fenomenologia Edmundo Hurssel, a Psicologia Henri Bergson e suas noções de
temporalidade, dentro do terreno teórico da sociologia compreensiva de Weber, foi de
grande sucesso na tentativa de se construir uma teoria sistematizada dos elementos
constitutivos da ação social, da construção do mundo da vida e de noções acerca da
subjetividade. Outros momentos importantes da teoria micro-interacionista estão na
Pragmatismo americano como dissemos anteriormente e no objetivismo Alemão; 1900-
1930; Em autores da Escola de Chicago e da Fenomenologia como Dewey, Colley,
Meed e Husserl; 1930-1960; No Interacionismo simbólico de Blumer, e na
Fenomenologia social de Alfred schutz; No Existencialismo de Heiddeger e de Sartre;
Nas Teorias do desvio e das ocupações de trabalho de Howard Becker; 1960-1990; Nas
Teoria dos papéis sociais; Na Etnometodologia de Garfinkel; Nas Analises de
Conversação e em correntes da sociologia cognitiva.
3. A tradição Durkheimiana: seus princípios e seus desdobramentos.
Vemos agora aquela que para Randall Collins (2009) é a maior de todas as tradições
sociológicas. A tradição Durkheimiana. Collins demonstra que possui em alguma medida
a noção da importância imensa de Durkheim para a sociologia, uma vez que ele dá o
nome a uma corrente teórica que possui elementos e origens bem anteriores aos trabalhos
desse sociólogo francês (Veja o caso de Montesquieu que faz parte desse grupo) o nome
de Émile Durkheim. A justificativa de Collins (2009) para isso pode ser visto em
algumas passagens na qual ele destaca algumas qualidades existentes nesse autor, que vai
inspirar tantas outras grandes obras da sociologia, como na passagem que em que ele diz
que “trata-se do conjunto de idéias mais original e incomum da sociologia” (COLLINS,
2009).
De fato as concepções que, segundo Collins (2009)atribuem a essa vertente da
tradição sociológica, um maior alargamento da nossa visão dos fenômenos rituais,
também nos permitem enxergar a teoria sociológica com um grau de complexidade
envolvendo estruturas e práticas sociais, relações entre elementos micro e macro-social, o
sagrado e o mundano, a criatividade e a reprodutividade de normas...o universo a ser
explorado na tradução durkheimiana abre possibilidades que diferente de tradições que
possuem divisões fixas e separadas como na tradição do conflito nos revela um contato
maior com elementos antagônicos:
“A tradição que veremos agora é, ao contrário, a tradição das excitações
genuínas. Aqui também há uma realidade mais superficial e uma outra mais
profunda. Mas, nesse caso, a superfície é constituída, pelos símbolos e
rituais, e bem no fundo estão a racionalidade e o subconsciente. Essa tradição intelectual enfoca temas como as forças irracionais, a moralidade,
o sagrado, o religioso – e declara que tudo isso constitui a essência de tudo
o que é social. Os durkheimianos conduzem-nos para uma selva; mas essa
selva somos nós mesmos, uma selva da qual, nunca conseguimos escapar.
Os tambores estão retumbando, as videiras se enredam em nosso redor, os
laços emotivos nos animam – e isso é mais do que esse mágico espetáculo
que chamamos de vida” (Collins, 2009).
Collins (2009) demonstra aparentemente, que possui uma predileção por alguns
dos aspectos específicos da tradição Durkheimiana. Como dito anteriormente, em
especial na introdução desse trabalho, podemos apontar uma bifurcação dentro da
tradição que recebe o nome de Durkheim: uma delas que terminou por se caracterizar por
uma sistematização bastante complexa do pensamento estrutural funcionalista, presente
especialmente na obra de pensadores norte-americanos como Talcott Parsons e Robert K.
Merton. A outra ponta dessa tradição revela uma preocupação maior dos autores para
com concepções como o sagrado, os processos rituais, a religiosidade, e práticas de
natureza micro-social. A princípio vemos que as principais contribuições nesse aspecto,
vem de autores vinculados a antropologia em geral a autores clássicos como Mauss.
Collins percebe que mais posteriormente pode-se falar em uma possibilidade de diálogo
entre a sociologia e essas perspectivas antropológicas acerca dos rituais. Contudo o autor
nos revela que essa separação entre esses dois campos do conhecimento nem sempre foi
tão rígida; Collins (2009) nos mostra que apesar das contribuições de Durkheim serem
oficialmente dadas no campo da sociologia o diálogo com a antropologia sempre foi
presente em seus escritos; “Se a visão de Durkheim acerca da vida social é exótica, isso
se deve ao fato de que ele não fez distinção entre Sociologia e Antropologia.
Institucionalmente, a separação entre essas duas áreas era menos rígida na universidade
francesa do que em outros países. Durkheim e seus seguidores utilizaram o termo
“Etnologia” para se referir a descrição empírica das sociedades tribais, enquanto
“sociologia” significava a análise teórica de qualquer sociedade, tribal o moderna”
(COLLINS, 2009).
De qualquer forma, todos os elementos, ou insights mais relevantes que serão
desenvolvidos, seja pelos durkheimianos da tradição da teoria social americana, como
pelas reflexões antropológica acerca dos rituais e do simbolismo se mostram presentes no
trabalho de Durkheim; aspectos como a densidade social, solidariedade orgânica, divisão
social do trabalho acabam sendo o ponto de partida inicial para noções das sociedades
modernas enquanto formas de sistemas, como podemos ver nos escritos acerca de
sistemas sociais em Parsons, bem como em reflexões sobre estruturas sociais em Merton.
Por outro lado, temos nos escritos sobre religiões primitivas em Durkheim o primeiro
passo que vai construir uma linha de autores que aprimoram as discussões acerca de
processos simbólicos e rituais. De ambos os lados é fundamental que nós destaquemos
uma palavra essencial para o funcionamento das sociedades, seja de natureza moderna ou
primitiva: essa palavra é coesão. Collins é claro ao afirmar o peso desse conceito na
reflexão durkheimiana: “A contribuição mais valiosa de Durkheim consistiu na
formulação da questão mais básica da sociologia: o que mantém uma sociedade unida?
Parsons posteriormente se referiu a essa questão como o problema de ordem social.
Como de costume, Durkheim afirmou que esta não era meramente uma questão
filosófica, mas uma questão que poderia ser resolvida empiricamente, com a utilização
do método de comparação sistemática. Nós não perguntamos simplesmente por que há
ordem em vez de caos, mas examinamos os diferentes tipos de graus de ordem social e
buscamos suas correlações” (COLLINS, 2009). Para Durkheim a busca de um
mecanismo que une a sociedade e permite seu funcionamento era a missão fundamental
da sociologia:
Trata-se de uma busca por um mecanismo básico ou, se preferirmos, pela
cola que mantem as coisas unidas. A questão abstrata pode ser desmontada
em diversas questões subsidiárias que se referem aos diferentes padrões
sociais existentes. Mas ela também unifica a Sociologia em torno de uma
saga em busca de uma teoria geral, uma vez que ela não deveria ser um mero conjunto de pesquisas de problemas particulares históricos. Todos os
mecanismos especiais encontrados deveriam ser correlacionados a um
mecanismo fundamental, em relação ao qual os mecanismos particulares
constituiriam simples variáções. Durkheim não apenas afirmou que a
Sociolgia deveria empenhar-se na busca por tal mecanismo, como
acreditava tê-lo encontrado (Collins, 2009).
No que concerne ao desenvolvimento da tradição durkheimiana que ocorre nos
Estados Unidos, algumas grandes conquistas não podem deixar de ser colocadas aqui,
mesmo por que, como veremos adiante algumas tentativas de diálogo entre essas
teorizações do estrutural-funcionalismo de Parsons e as teorizações acerca de estruturas
simbólicas vai ser apresentada por Bourdieu, em sua teoria do poder simbólico. Além
disso, não seria uma imprudência apontarmos Tallcot Parsons como sendo o primeiro
pensador de síntese da sociologia. Temos na obra dele pela primeira vez a teoria social
enquanto um campo autônomo dentro da sociologia em termos de relação entre teoria e
pesquisa empírica. Parsons reuniu alguns elementos essenciais da sociologia em seu
campo teórico mesmo os mais antagônicos com relação à ação individual; De Durkheim
que entendia uma ação “fora” dos deveres atribuídos pela vida moral como uma anomia,
e de Weber que reconhecia a ação utilitária e instrumental como fator constitutivo ou
mesmo construída pela cultura moderna. Esses não são os únicos pensadores que vão
aparecer na síntese realizada por Parsons. O dilema da ação e da ordem é resgatado de
correntes da filosofia, e aparece também em autores que estavam dedicados a área da
economia.
O aperfeiçoamento da relação entre ação e ordem que ele procura sintetizar na
Estrutura da ação social vai ganhar contornos mais detalhados no segundo momento da
obra de Parsons representado especialmente na obra The Social Systems. Mas esse novo
empreendimento de Parsons, mais detalhado e mais sofisticado, que o anterior terá
algumas conseqüências contrárias para as suas pretensões originais no inicio de sua obra;
o problema da ação e da ordem que Parsons tenta solucionar, e que era um problema
existente desde alguns clássicos da filosofia política como em Thomas Hobbes, e que na
primeira fase de sua obra possui uma conservação da noção de ação voluntária termina,
segundo seus críticos por se desviar de sua natureza original. A ação nesse momento
passa a possuir um vinculo com subsistemas que abrangem a cultura, as normas, e outros
aspectos relevantes, em oposição ao momento anterior aonde o encontro entre ação e
ordem tinha como ponto essencial a sua relação com as normas. Parsons irá receber mais
tarde críticas especialmente de autores vinculados etnometodologia como Garfinkel,
pelo fato de em “The Social systems” ele ter dado pouca ênfase na voluntariabilidade da
ação e de ter tornado o ator social um ser que apenas responde aos sistemas. Mas para
Collins os problemas não param nesse ponto. Collins (2009) diz que,
Embora sua concepção básica sobre a sociedade seja durkheimiana, seu
método é mais próximo ao daqueles que Durkheim criticou. Parsons não
apresenta as causas de nada, apenas faz um trabalho de mapear um
esquema conceitual. Com efeito, ele apresenta uma descrição da sociedade
somente em um nível muito abstrato, em vez de explicá-la, tal como o o
contemporâneo de Durkheim Albert Schaeffle, que apresentou um grande
numero de informações sobre as sociedades, nitidamente categorizadas de
acordo com a parte do “corpo” ela era análoga no grande organismo
social(Collins, 2009).
Quanto a comparação dele com outro grande autor desse campo da sociologia
americama Collins nos diz que,
Talcott Parsons produziu uma teoria mais macro do que o funcionalismo de
“médio-alcance” de Merton. Para Parsons, a entidade crucial era sempre o sistema social como um todo, e ele desenvolveu a análise extremamente
complexa ao categorizar seus vários setores e subsetores funcionais. Sua
obra é cheia de esquemas, com quadros que se dividem em células que se
interconectam para demonstrar as várias relações funcionais(Collins,
2009).
Robert K. Merton que podemos definir como uma espécie de “aluno” de Parsons
trabalha com a mesma linha teórica de Parsons que é o funcionalismo. Parsons não deu
uma grande atenção ao tema da ação que escapa das normas e dos objetivos culturais
compartilhados, em seus escritos, pelo menos naquilo que nós compreendemos como o
“essencial” de sua obra. Merton retoma de Durkheim o termo “anomia” para dar base a
sua teoria sobre o desvio e a criminalidade. Durkheim não deixa claro em sua análise da
Divisão social do trabalho, as conseqüências exatas, da ação desregrada e anômica, mas
deixa clara a possibilidade desta gerar alguma espécie de mudança social. Merton
estabelece tipos específicos de mudança possíveis a partir da transgressão, Segundo a
combinação entre a possível ausência de recursos possíveis para se atingir um objetivo, e
as normas estabelecidas. O aspecto da mudança é reconhecida por Merton, como
conseqüências latentes e não intencionais da ação, ou seja; a transgressão citada pode
possuir um valor em termos de condutor de uma mudanças das normas, ou de uma
morfologia das instituições, mas as consequências da mudança nunca são
necessariamente planejadas pelos agentes.
3.1. Desenvolvimento na antropolgia: Simbolismo e rituais
Se aquele primeiro conjunto de reflexões sociológicas do sec. XX que
aproveitavam a tradição Durkheimiana foram fundamentais no sentido de serem as
primeiras grandes noções de modernidade enquanto um tipo de sistema integrado, que irá
ter bastante semelhanças com concepções frankfurtianas, em especial com teorizações de
Habermas, um outro conjunto de aspéctos vai ser apresentado e desenvolvido mas no
campo da antropologia. a importancia de aspectos morais, em situações que não são de
natureza macro-social; elementos considerados de natureza não-racionais como a
religiosidade; a solidariedade produzida pelo campo do sagrado; a produção de rituais
fundamentais para a manutenção de hierarquias em sociedades primitivas; a produção de
significações em um nível não de consciencia individual, mas coletivo; ritos de passgem
como formadores da subjetividade e de práticas sociais; elementos essenciais presentes
na consciência coletiva compartilhada; criatividade na produção de rituais de interação. É
nessa linha que está separada do mainstream da sociologia, nesse momento, muito
embora andasse bastante unida com a ciência sociológica nos escritos de Durkheim é
mantida, desenvolvida, aperfeiçoada e sofisticada na antropologia. Antes de Durkheim
porém, devemos elencar alguns episódios importantes do desenvolvimento da filosoffia
do sec. XX, que abarca concepções conservadoras e anti-revolucionárias, as reflexões de
Comte, antes de vermos como foi apropriada pela sociologia de Durkheim todo esse
arsenal. Para Collins (2009), “os antropólogos forneceram uma poderosa munição para a
tradição sociológica nascente. A prioridade da sociedade em relação aos indivíduos toma
a forma de sentimentos morais: vínculos fortes e não racionais a religião, á família e a
própria sociedade. A ênfase na fé e na lealdade já pode ser encontrada na obra de Comte,
especialmente em sua última fase, quando sua “Filosofia Positiva (isto é científica)”
estava começando a se converter em um culto da humanidade, tendo o próprio Comte
como seu maior pastor. Esse também era o principal tema de Louis de Boland e Joseph
de Maistre, aristocratas reacionários que escreveram em 1820, e cujas polêmicas
antirevolucionárias tomaram a forma de uma violenta defesa de uma igreja oficial. O que
Durkheim fez foi converter essas afirmações ideológicas em uma teoria sobre como a
solidariedade pré-racional é gerada: o mecanismo do ritual, que é mais claramente
exemplificado na religião, mas que também se faz presente em outras áreas da vida
social” (COLLINS, 2009).
Não é possível esquecer também a grande contribuição de outro grande autor,
mas em um campo distinto: O historiador Fustel de Coulanges. Para Collins (2009) esse
seria um dos mais negligenciados predecessores de Durkheim. É de grande importância
para Durkheim, a forma como Coulanges em suas reflexões acerca das sociedades
antigas em especial Grécia e Roma, os rituais religiosos como base, não apenas da
formação das famílias aristocráticas, mas da sociedade como um todo. Para Collins
“Fustel não era um sociólogo no sentido estrito do termo, como o sociólogo que
Durkheim se tornou ao desenvolver os insights de Fustel até torná-los generalizações
abstratas, embora Fustel tenha declarado com convicção que a história é uma ciência, não
meramente uma arte. No que se refere ao seu modelo propriamente dito, Durkheim o
“virou de cabeça pra baixo”, explicando as idéias religiosas pela estrutura social e não ao
contrário”. Em seu último livro As formas elementares da vida religiosa de 1912,
Durkheim busca “secularizar” noções acerca do sagrado: Deus não seria uma realidade
transcendental, mas símbolo máximo de unificação da sociedade por meio de um tipo de
poder central. Reconhece, assim como pensadores conservadores como Joseph De
Maistre, porém que a religião é o fundamento moral da sociedade e que não podemos
viver sem o respeito ao cristianismo tradicional”.
Dois possíveis expoentes da tradição antropológica que podemos mencionar aqui,
que estão em pólos opostos caracterizados pelo sagrado de um lado e pelo individualismo
cotidiano em outro, sem sair dessa linha de reflexões acerca de símbolos e de rituais, são
Lloyd Warner e Erving Goffman. Warner, para Collins (2009), trouxe a perspectiva
durkheimiana para a moderna sociedade estratificada, ao apresentar seus rituais.
Tendemos a considerar a sociedade moderna como sendo racional e secular. O trabalho
de Warner nos mostra que podemos vislumbrar as sociedades, mesmo as modernas e
percebermos que os rituais estão por toda a parte. O cristianismo enquanto uma
comunidade religiosa deve ser submetido ao mesmo tipo de análise segundo Warner: a
análise dos rituais e das cerimônias que reúnem uma comunidade e lhe atribuem uma
identidade simbólica.
Por outro lado, encontramos Erving goffman, que trouxe a questão dos rituais
para um campo das relações/interações micro-sociais, em especial no livro “A invenção
do eu cotidiano”. Goffman nos trás a metáfora do teatro; o individuo no cotidiano usa de
“representações” teatrais em suas conversações, diálogos, escolhas, padrões de
comportamento no meio social. Como nos mostra Collins, “Os rituais, portanto são
performances. Eles não tem apenas conseqüências sociais – criando imagens, idéias sobre
o eu das pessoas, negociando laços sociais, controlando os outros -, mas eles também
requerem alguns recursos, tanto propriedades materiais quanto habilidades culturais. Eles
mantém uma sociedade unida, mas fazem isso de um modo mais estratificado. Rituais
são armas que sustentam e renegociam a estrutura de classe. Eles apenas criam o eu, mas
classificam os diferentes tipos de “eu” em diferentes classes sociais”. Essas
representações seriam o ponto de análise dos rituais dentro da obra de Goffman, uma vez
que, como nos mostra Collins, a análise dessas representações teatrais, constituem em
uma continuidade do argumento Durkheimiano. Em especial, vemos os rituais aqui,
mesmo que num outro campo de uma esfera não-sagrada, o elemento de coesão que une
agentes sociais. Nas suas concepções sobre representações cotidianas,
Goffman não está sendo cínico, embora muitas vezes ele tenha sido
equivocadamente interpretado desse modo. Ele está seguindo explicitamente o argumento de Durkheim, segundo o qual, na sociedade
moderna, os deuses dos grupos isolados deram lugar a adoração de único
“objeto sagrado” que todos temos em comum: o eu individual(Collins,
2009).
Dessa forma, podemos ver que nos processos rituais uma diferença entre as
sociedades modernas e sociedades mais primitivas, temos uma substituição do objeto de
culto. O “eu” é o ser pelo qual construímos os rituais de interação sociais; o que nos
permite uma multiplicidade de possibilidades e espaços pelos quais podemos pensar
sobre produção de rituais, para além do campo religioso; todos os espaços que reúnem
pessoas, interagindo, se comunicando, dotado de uma estrutura simbólico que é regida
por normas e regras, pode ser objeto de análise sociológica ou antropológica, uma vez
que são espaços que acarretam uma grande diversidade de “repersentações” e/ou de
rituais de interação. O foco fundamental de Goffman nesse sentido, consiste em
demonstrar que dentro da multiplicidade de ações sociais, podemos enxergar processos
rituais. Collins (2009) reforça a importância de Goffman:
As interações rituais são armas que as pessoas utilizam para marcar pontos:
fazer os contatos certos, causar embaraço ou até mesmo destruir os rivais, para afirmar a própria superioridade social. Crenças e objetos sagrados são
criados pelos rituais: nas sociedades tribais (ou em igrejas) é o ritual que
cria deus ou o espírito; nos encontros cotidianos, o ritual cria o eu. Para
durkheim, um ritual é um tipo de configuração de seres humanos que
voltam seus corpos, sua atenção e suas emoções para a mesma direção.
Goffman acrescenta uma observação ainda mais materialista; os rituais são
análogos ao teatro. Nós realizamos performances, mas elas exigem a
utilização de um figurino e de um cenário reais: roupas, o palco, uma
platéia e um lugar onde os atores podem guardar seus equipamentos
(Collins, 2009).
Temos aqui, dentro da tradição durkheimiana uma linha de autores, que possuem
de forma bastante desenvolvida uma teorização acerca dos processos de interação e de
organização de diversos espaços sociais por meio da construção de rituais e pelo uso de
estruturas simbólicas. É aqui que iremos iniciar a discussão central desse trabalho:
falaremos dos desdobramentos dessa segunda bifurcação dessa tradição teórica em dois
autores que não apenas, possuem um rico material de debate acerca do simbolismo nas
práticas sociais, como também abrem possibilidade para síntese teórica na teoria social.
Falo nesse momento de Pierre Bourdieu e de Randall Collins. O diálogo que venho
propor consiste em vermos duas possibilidades de refletirmos acerca da distribuição dos
símbolos em diferentes práticas sociais, uma enxergando as estruturas de poder enquanto
formas de poder simbólico, sobre as práticas; a outra vemos ações a nível micro-social,
enquanto formas de processos interacionais/rituais. Primeiramente iremos nos concentrar
no esforço de Pierre Bourdieu em termos de síntese teórica, e de reflexão acerca das
práticas sociais. Descrevermos as qualidades e limitações da teoria de Bourdieu será um
ponto fundamental na comparação das duas teorias citadas.
4. Bourdieu e o poder simbólico: símbolos, práticas e a crítica de Certeau
Ao lado de pensadores como Parsons, Giddens e Habermas um dos pontos mais
característicos da obra de Pierre Bourdieu consiste síntese teórica que este buscou. No
que concerne ao fato de que estamos trabalhando com Bourdieu no modo como Collins
concebe a sua obra – sendo parte da tradição durkheimiana – podemos apontar dois
pontos importantes: o primeiro é que Bourdieu, tendo a sua formação na área de
antropologia possui uma grande influência de Levi-Strauss e outros pensadores clássicos
da antropologia. Nesse sentido podemos apontar as verdadeiras fontes estruturalistas que
encontramos em Bourdieu (1974). Não obstante podemos encontrar nele um diálogo com
Goffman e outros pensadores na antropologia, aonde Bourdieu (1974) busca dar
continuidade acerca de noções de estruturas simbólicas. O segundo ponto a ser tratado
consiste exatamente na idéia de que assim como Parsons, Bourdieu é um dos teóricos de
síntese mais ambiciosos e complexos que podemos encontrar na sociologia.
O trabalho de Parsons, também não é ignorado por Bourdieu (1974); sua
compreensão de “campo”, possui algumas similaridades que podem nos permitir
comparações com as concepções de sistemas sociais de Parsons. Nesse sentido podemos
dizer que de alguma forma Bourdieu (1974) buscou trazer para o seu trabalho teórico o
principal daquilo que encontramos nas duas vertentes da tradição Durkheimiana: a busca
de compreender a realidade social enquanto forma de sistema integrado por meio da
articulação entre os campos simbólicos que vemos fortemente na sociologia estrutural-
funcionalista dos Estados Unidos, bem como o desenvolvimento teórico acerca dos
símbolos presentes nos campos e a forma como eles são inseridos nos corpos e nas
consciências individuais, enquanto forças controladores das práticas sociais. É nesse
aspecto que em Bourdieu (1974) constroe-se uma concepção de estruturas sociais
“estruturadas e estruturantes”. As estruturas são estruturadas no sentido de que é pela
composição dessa organização simbólica em cada um de seus campos, que percebemos a
estrutura de poder de modo mais complexo; por outro lado as estruturas são estruturantes,
uma vez que elas conduzem todo o conjunto de práticas sociais encontradas nas
sociedades.
Em Bourdieu (1994) encontramos o tema do poder observado sob outro angulo. A
explicação sobre a origem das estruturas de poder (estruturadas e estruturantes, por
possuírem uma relação dual com a ação individual em moldes próximos a analise
Giddens) O desenvolvimento de um tipo de economia que constitui a formação das
classes sociais nas sociedades capitalistas acompanhado do surgimento de uma nova
cultura que produz bens simbólicos seria constitutiva do Habitus, que seria um conjunto
ou um sistema de disposições inscritas corporalmente semelhante à noção de disciplina
corporal existente na teoria de Foucault. Os rituais que permitem a formação dos sujeitos
e seu posicionamento na sociedade são longos e violentos. Segundo Bourdieu (1994):
“O processo de transformação pelo qual alguém se torna mineiro,
camponês, padre, musico, professor, ou patrão, é prolongado, contínuo,
insensível e, mesmo quando sancionado por ritos de instituição (no caso
da nobreza escolar, a grande separação preparatória e a prova mágica do concurso), exclui, salvo alguma exceção, as conversas repentinas e
radicais: começa desde a infância, quiçá antes mesmo do nascimento (o que
se pode observar de modo privilegiado nisso que por vezes chamamos
“dinastias – de músicos, empresários, pesquisadores etc. -, mobilizando o
desejo – socialmente elaborado – do pai ou da mãe e até de toda a
linhagem); e prossegue, a maior parte do tempo sem crises nem conflitos –
o que não o torna isento de todo tipo de sofrimentos morais ou físicos os
quais, enquanto provas, fazem parte das condições de desenvolvimento da
Illusio; de todo modo, nunca é possível determinar quem faz a escolha a
rigor, se o agente ou a instituição; nunca se sabe quando o bom aluno
escolhe a escola, ou se essa ultima o escolhe, pois tudo em as conduta dócil evidencia o quanto ele a escolhe” (Bourdieu,1973: 201)
Essa análise é particularmente melhor detalhada em A Economia das Trocas
Simbólicas. Bourdieu prosseguiu em seu esforço teórico sobre O “Habitus” em outras
obras mas esse conceito ganha mais abrangência em Meditações Pascalianas, onde
observamos o poder em campos que se encontram para além da produção de bens
simbólicos e da arte. A complexidade das analises de Bourdieu (1994) aqui, é maior visto
que em um momento o poder parece se inscrever nos corpos dos indivíduos em outros o
poder parece exercer controle sobre as mentes e as emoções. O Habitus, de cada
indivíduo corresponde ao contato entre este e o campo simbólico que corresponde ao
contato com as instituições, os bens simbólicos que produzem e reproduzem padrões de
um “agir” específico. Em uma outra passagem de Meditações Pascalianas, Bourdieu
(1994) Prossegue:
“O poder simbólico só se exerce com a colaboração dos que lhe estão
sujeitos por que contribuem para construí-lo como tal. Contudo, seria bem
perigoso deter-se nessa constatação (com o construtivismo idealista,
etnometodológico ou qualquer outra abordagem): essa submissão tem
muito pouco a ver com uma relação de “servidão voluntaria” e essa
cumplicidade não é concedida por um ato consciente e deliberado; ela
própria é o efeito de um poder, que se inscreve duravelmente no corpo dos
dominados, sob a forma de esquemas de percepção e de disposições (para
respeitar, admirar, amar etc.), ou seja, de crenças que tornam sensível a certas manifestações simbólicas, tais como as representações públicas de
poder” (Bourdieu, 1973:208)
Nessa concepção pode-se observar uma natureza dupla das estruturas sociais que
seriam para Bourdieu (1974) estruturas “estruturadas e estruturantes”. Como ponto de
convergência nessa analise podemos apontar que o corpo onde o poder é inscrito e é
reproduzido. Em autores que possuem uma visão de poder sobre os corpos similares a de
Bourdieu, como Foucault por exemplo, o aparato institucional dotado de tecnologias e
dispositivos de poder inscreve o controle, a obediência e a disciplina; em Bourdieu, o
campo simbólico constrói o Habitus, sistemas de disposições que levam o individuo a
possuir uma atitude um modo de agir e de se comportar nesse campo específico, que
corresponde as regras do mesmo campo.
As noções de poder simbólico em Bourdieu (1974), receberam algumas críticas.
Julgo pertinente, destacar um diálogo particularmente interessante no que diz respeito a
um tipo de metodologia e de teoria de investigação das práticas sociais que vemos nos
trabalhos de Michel de Certeau (1981). A crítica não é dirigida apenas a Bourdieu:
Certeau demonstra que o erro metodológico que encontramos nos textos sociológicos de
Bourdieu, vemos também no modo como Foucault descreve a sua noção de poder, em
obras como Vigiar e Punir. Apesar de Certeau (1981) não fazer nenhuma espécie de
Síntese entre duas teorias, apresentada em seus interlocutores a fim de ter uma concepção
fechada do poder para iniciar sua teoria da ação cotidiana pelo indivíduo comum,
podemos dizer que a escolha desses dois autores como referencia não se dá a toa; Certeau
(1981) certamente encontra pontos em comum entre os dois autores, elementos que
permitem um diálogo entre ambos; não apenas naqueles aspectos que apontamos – como
a relação entre os métodos de inserção das estruturas normativas, e o corpo como o local
aonde essas estruturas se inserem, bem como a idéia de instituições que funcionam como
forma de complementaridade, como partes de um todo. Mas em todo caso é importante
destacar que um dos pontos em comum que permite Michel de Certeau (1973) começar a
esboçar uma teoria da transgressão, em oposição a esses dois autores é o reconhecimento
de que existe tanto em Michel Foucault como em Pierre Bourdieu o esboço de uma teoria
da prática.
É muito importante que tenhamos nesse momento a percepção da maneira como
Michel de Certeau (1981) buscará encontrar o ponto central nesse campo teórico para que
possamos ter o ponto de partida perfeito da descrição do cotidiano dada por ele. Isso faz
parte, como deixamos claro desde o primeiro capítulo da busca de uma linha coerente
que não apenas foi traçada pelo autor, desde seus primeiros escritos, que consiste na
formação de uma base teórica sólida que se inicia em sua formação na teologia, e na
busca da alteridade como elemento fundamental de suas pesquisas científicas, da crítica
da historiografia, da crítica das universidades e da cultura tradicional na França até
chegar nesse ponto fundamental que encontramos aqui: a teoria das práticas sociais. Esse
é um ponto que nos interessa muito por que consiste no desenvolvimento do método
descrito por Certeau (1981) para construir a sua teoria, que segundo ele pode-se resumir
na frase “destacar e por do avesso”. Nas palavras de Certeau (1981) o ponto de partida
para isso consiste em apreender dois aspectos da teoria do poder; o panóptico de Foucault
e nas “estratégias” de Bourdieu. Ele nos Diz,
“O primeiro gesto destaca certas práticas num tecido indefinido de maneira
a trata-las como uma população a parte, formando um todo coerente mas
estranho no lugar de onde se produz a teoria. Assim procedimentos
“panópticos” de Foucault, isolados em uma multidão, ou as “estratégias” de
Bourdieu, localizadas entre os bearnêses ou os Kabilinos. Deste modo
recebem uma forma etnológica. Além do mais, tanto num caso como no
outro, o gênero (Foucault) ou o lugar (Bourdieu) que foi isolado é considerado como metonímia do espaço integral: uma parte (observável
por ter sido circunscrita) é considerada como representativa da totalidade
(in-definível) das práticas. Certamente em Foucault, esse isolamento se
baseia na elucidação dinâmica própria de uma tecnologia: trata-se de um
corte produzido por um discurso historiográfico. Em Bourdieu, supõe-se
que seja fornecido pelo espaço organizado pela defesa de um patrimônio:
´recebido como um dado sócio econômico e geográfico. Mas o fato desse
destaque etnológico e metonímico é comum ás duas análises, mesmo que
as modalidades de sua determinação sejam heterogêneas tanto num caso
como no outro”(Certeau 1994 p.133).
O que vemos aqui, é que Certeau (1981), entre todos os conceitos relevantes das
duas teorias em Foucault e Bourdieu, dois que são utilizados como essenciais – e que em
alguma medida abrangem outros aspectos, da relação de estrutura com o corpo – para que
seja feito esse primeiro gesto de “destacar” são os conceitos de “estratégia” na etnologia
da Kabilla e o “Panóptico” da história da prisão. Na verdade como veremos antes esse
destaque não chega a ser um trabalho feito originalmente no momento da oposição de
Michel de Certeau; segundo ele, esse destaque dessas estruturas específicas – o gênero
em Foucault e o lugar em Bourdieu – é feito por ambos na busca de se compreender a
dinâmica específica dos elementos subjacentes e condutores das práticas sociais. O
recorte feito em ambos os casos, seja na dinâmica de uma tecnologia específica, ou de
estratégias de proteção de um patrimônio ambas as estruturas constituem como recortes
na estrutura da realidade e apresentadas nos textos de ambos os autores como sendo uma
descrição da totalidade. No caso de Bourdieu, podemos apostar na hipótese de que este
seria um caminho inevitável diante da tradição epistemológica da sociologia da qual ele
faz parte (no caso a tradição sociológica francesa com fortes tendências positivistas); no
caso de Foucault, pode-se defender que a tentativa de tirar do sujeito o papel se individuo
agente e constituinte da história termina por fazê-lo buscar sempre a natureza ou a
“alma” da constituição do próprio sujeito. Em todo o caso esse empreendimento termina
por apresentar a própria limitação de ambas às teorias como teorias da prática.
Michel de Certeau (1981) continua o seu empreendimento de construção de uma
teoria das práticas, fazendo exatamente um caminho oposto de seus interlocutores; se no
primeiro passo pode-se dizer que basicamente tivemos um reconhecimento do recorte
necessário para se captar o centro das teorias de Bourdieu e Foucault, nesse momento
busca-se “inverter” a lógica descrita como fundamental as práticas sociais a fim de se
recuperar o que anteriormente havia se pedido para que fosse possível a construção dos
modelos explicativos de Bourdieu e Foucault. Certeau (1981) prossegue na sua
explicação:
“O segundo gesto inverte ou põe do avesso a unidade assim posta em isolamento. De obscura, tácita e distante muda no elemento que esclarece a
teoria e sustenta o discurso Em Foucault, os procedimentos escondidos nos
detalhes da vigilância escolar, militar hospitalar, microdispositivos sem
legitimidade discursiva”, técnicas estranhas as luzes, tornam-se a razão por
onde se esclarece ao mesmo tempo o sistema de nossa sociedade e o das
ciências humanas. Por elas e nelas, nada escapa a Foucault. Permitem a seu
discurso ser ele mesmo e teoricamente panóptico, ver tudo. Em Bourdieu, o
lugar distante e opaco organizado por “estratégias” cheias de astúcia,
polimórficas e transgressoras quanto a ordem do discurso é igualmente
invertido para fornecer a evidência e sua articulação essencial á teoria que
reconhece em toda a parte a reprodução da mesma ordem”(Certeau, 1994
p.133).
Quando foi explicada anteriormente, no diálogo que construímos entre Michel de
Certeau (1981) e Pierre Bourdieu (1974) sobre a relação que esses autores traçam a
respeito da estrutura binária da cultura – popular e erudito – vimos que as críticas de
Certeau para com a intelectualidade que silencia a possibilidade de autonomia da
produção cultural em campos exteriores aquele das universidades e da intelectualidade na
França, podem ser atribuídas e reconhecidas dentro do trabalho de Bourdieu (1974) uma
vez que este termina por afirmar a não-autonomia da linguagem da cultura de massa.
Aqui quando ele põe frente-a-frente Bourdieu e Foucault segundo conceitos que Certeau
(1981) considera centrais na teoria e na metodologia de pesquisa de ambos, podemos ver
que o problema de se construir uma teoria que termina por não contemplar as práticas
que ficam de fora de regularidades previstas pela dinâmica das estruturas que eles
almejam descrever torna-se a conseqüência grave de uma teoria do poder encontrada
nesses trabalhos. É nesse momento, que a “inversão” de Certeau (1981), constitui-se na
verdade numa tarefa de por a realidade das práticas sociais em seu lugar de origem; o
lugar onde percebemos as práticas discursivas e as práticas “sem discurso” como
constitutivo da construção e da transformação do espaço, e como constitutivo da
possibilidade de resistência do indivíduo comum; é estabelecido aqui o cerne da
diferença de método entre os pensadores que ele dialoga, e que nos aponta para o ponto
de partida necessário para a compreensão das artes de fazer do indivíduo comum, na
produção da cultura no dia-dia; delimita-se aqui o espaço que separa a descrição de uma
relação rígida, complexa, porém limitada que nos explica como o poder se insere nos
corpos dos indivíduos e a etnologia da ação cotidiana. Como é mais uma vez detalhado
por ele,
Mesmo que Foucault se interesse pelo efeito dos seus procedimentos sobre
um sistema, e Bourdieu, pelo “princípio único que tem nas estratégias os
seus efeitos, ambos executam a mesma manobra quando transformam
práticas isoladas como afásicas e secretas na peça-mestra da teoria, quando
fazem dessa população noturna o espelho onde brilha o elemento decisivo
de seu discurso explicativo. Mediante essa manobra, a teoria pertence aos
procedimentos que aborda, embora, considerando uma só categoria da
espécie, supondo um valor metonímico a esse dado isolado e fazendo assim
o impasse das outras práticas, esquece aquelas que garantem a sua própria
fabricação. Que o discurso seja determinado por procedimentos, Foucault
já o analisa, no caso das ciências humanas. Mas também a sua análise,
confirma, pelo modo de produção que atesta, depende de um dispositivo análogo aqueles cujo o funcionamento descobre. Restaria saber que
diferença é introduzida com relação aos procedimentos panópticos cuja a
história é narrada por Foucault pelo duplo gesto de delimitar um corpo
estranho de práticas e inverter o seu obscuro conteúdo em luminosa
escritura” (Certeau, 1994 p.134).
É com base nessas considerações de Certeau (1981) acerca dos trabalhos de
Bourdieu, aonde mesmo admitindo a existência de estruturas de poder, que visam o
controle das práticas sociais, percebe-se que o recorte metodológico realizado por
Bourdieu, possui limitações. Uma outra contribuição da tradição durkheimiana que
vamos analisar agora, é a contribuição de Randall Collins (2003). Acreditamos, que a
nível tanto de possibilidade de teoria de síntese, de diálogo com outras correntes do
pensamento social, como de uma atualização dos elementos fundamentais dessa tradição
durkheimiana, Collins (2003) nos oferece uma possibilidade de pensarmos nas práticas
sociais, e nas estruturas simbólicas, dentro da dimensão das ações mais cotidianas, de
apreendermos as motivações mais imediatas no nível micro-social, e de vermos mais de
perto sem nos fecharmos em um recorte específico de práticas escolhidas, os elementos
ou características dos processos interacionais.
5. Randall Collins e os rituais interacionais: uma abordagem micro-interacionista
na tradição durkheimiana
Collins (2009) se coloca como um autor que está entre as ultimas contribuições da
tradição durkheimiana. Esta, se dá basicamente pela criação da teoria dos rituais
interacionais. Com ela Collins reaproveita a contribuição de Emile Durkheim, na
sociologia das religiões primitivas, bem como de Goffman, nas representações
cotidianas, e na formação do “eu”. A teoria dos rituais interacionais recupera ainda
algumas contribuições de Durkheim acerca do crime: Durkheim já falava da punição
social como formas de rituais sociais. Collins (2008) usa a cadeia de rituais interacionais
como modelo explicativo do crime e da violência. O que nos leva a pensar também que
nesse tema do crime podemos buscar o encontro entre as duas bifurcações da tradição
durkheimiana: uma vez que sabemos que os desdobramentos da teoria do crime de
Merton (que estaria próximo ao funcionalismo de Parsons) permitiram reflexões bastante
interessantes sobre subculturas delinqüentes, podemos encontrar em Randall Collins
(2008) um entendimento das ações e da linguagem de gangues e de subculturas
delinqüentes, dentro de uma visão que trabalhe essas condutas também como processos
rituais. Aspectos de natureza macro-social e micro-social se encontram nessa nova
abordagem.
É preciso lembrar aqui mais uma vez: Durkheim é bastante reconhecido pelo seu
trabalho que concebe as sociedades, em especial, as sociedades modernas, por meio de
uma visão holística. Mas é nos seus escritos sobre religião primitiva que começamos a
colher as fontes de sua influencia em Randall Collins (2003). Alguns aspectos como o da
Energia Emocional, ou a concepção de Ritual, remetem decididamente a sociologia
Durkheimiana; encontramos citações da obra de Durkheim, e o reaproveitamento de
alguns elementos desse momento final da obra dele – das formas elementares da vida
religiosa - na teoria dos rituais interacionais (IR). Por outro lado, a natureza micro-
sociológica dessa nova teoria, tem suas outros pontos de diálogo em outras tradições da
teoria social como a tradição micro-interacionista, já descrita nas primeiras sessões desse
trabalho, que tem como grandes expoentes autores da Escola de Chicago. O mesmo pode
ser afirmado acerca da Escola utilitarista, por focarem, em especial a aspectos micro-
sociológicos, da ação da consciência, da linguagem, e da racionalidade individual.
Saindo dessa primeira etapa da investigação da obra de Collins (2009), iremos partir
para uma descrição minuciosa da teoria da Interação Ritual em todas as suas
características, entre elas: a) um grupo de pelo menos duas pessoas estar fisicamente
montada; b) Esse grupo precisa concentrar a atenção sobre o mesmo objeto ou ação, e
cada um se tornar ciente de que o outro age pela manutenção desta foco; c) eles
compartilham de um estado de espírito comum ou emoção. À primeira vista, isso parece
perder o núcleo da definição usual de "Ritual" estereotipados ações como recitar
fórmulas verbais, cantando, fazendo gestos prescritos, e vestindo trajes tradicionais. Estes
são os aspectos superficiais de um ritual formal, que têm seu efeito social apenas para
garantir um foco de atenção mútua. O foco mesmo pode ocorrer de forma implícita em
casos que podemos chamar de rituais naturais. Na medida em que estes ingredientes são
sustentados, acumulam-se outros efeitos sociais (COLLINS, 2001). Esse efeitos sociais
que decorrem desses primeiros pontos apontados abrange o desenvolvimento de uma
linguagem corporal, de um aumento da solidariedade, e do sentimento de pertença dos
indivíduos ao grupo. Esse é o principal resultado desse processo, os participantes sentem
que são membros de um grupo, com moral obrigações para com o outro. Seu
relacionamento se torna simbolizado pelo que eles concentraram mutuamente durante sua
interação ritual. Subsequentemente, quando pessoas usarem estes símbolos nos campos
do discurso ou do pensamento, eles são tacitamente lembrados do seu grupo adesão. Os
símbolos são carregados de significado social, de experiência de rituais e símbolos de
interacção. Existe também uma flutuação na relevância diária de símbolos. Símbolos
lembram membros para remontar o grupo, seja por ter um outro serviço da igreja, outra
cerimônia tribal, outra festa de aniversário, uma outra conversa com um amigo, ou uma
outra conferência acadêmica. A sobrevivência de símbolos, e a criação de novos,
depende da extensão em que os grupos pode remontar a esses simbolos periodicamente.
Símbolos que são suficientemente carregados de sentimentos de pertença ajudam a
conduzir o indivíduo ao longo de certos cursos de ação, mesmo quando o grupo não está
presente. Símbolos bem carregados se tornam emblemas de ser defendidos contra
profanadores e estranhos, pois eles são os marcadores de limites do que é apropriado, e
bandeiras de batalha para a precedência de grupos (COLLINS, 2001).
Como goffman em suas análises sobre a representação do “eu”, Collins analisa os
rituais interacionais como sendo presentes por toda a parte. É nesse sentido que Collins,
realiza também a sua nova teorização acerca da ação violênta. Em sua obra mais recente
intitulada “Violence” Randall Collins (2008), busca, partindo da idéia de que o que deve
ser colocado no centro da análise são as características da situação violenta, uma ruptura
com alguns conceitos e elementos-chave já famosos a respeito do tema: ao partir de um
conjunto de materiais empíricos colhidos e de instrumentos novos, o autor termina por
desconstruir alguns mitos sobre a violência e propor um novo caminho para o
entendimento desse fenômeno. A reconstrução teórica feita nessa obra, passa
evidentemente por um longo diálogo que se iniciara a alguns anos anteriores, e em
diversos trabalhos nos quais Collins dialogou com outras tradições da teoria sociológica,
buscando encontrar seus pontos em comum, suas diferenças e continuidades.
Trata-se aqui de desenvolver uma análise micro-sociologica das interações de
violência, mas deixando um pouco em segundo plano – ou utilizando-os de maneira
diferenciada - elementos que eram postos como centrais em outras abordagens
(racionalidade individual, a base cultural e social por trás das ações violentas etc). A
originalidade desse tipo de empreendimento sociológico nos leva também a uma reflexão
a respeito dos passos tomados pelo autor, quanto aos aspectos metodológicos de seu
trabalho e o modo como algumas tradições da sociologia foram sintetizados/combinados
para esse trabalho. Notamos por meio da leitura de Violence que alguns casos apontados
pelo autor como práticas de violência, contém em si, os elementos típicos que se
encaixariam em tradições teóricas diferenciadas. Para cada caso específico citado ao
longo da obra, existe a margem para o uso de tradições sociológicas como a tradição do
conflito, a tradição racional/utilitarista, a tradição Durkheimiana, ou a tradição micro-
interacionista. Contudo o centro da abordagem de Collins consiste na violência enquanto
fruto de um processo situacional, aonde as características da situação de violência a nível
micro-sociológico vão determinar o curso dos acontecimentos. Não se afirma aqui que
aspectos de nível macro-sociológicos estejam plenamente descartados: ao contrário,
Collins (2008) demonstra a combinação entre esses níveis estruturais nos fenômenos da
violência. Além disso, o chamado campo de confrontação de tensão/medo, que ele
descreve na maioria dos capítulos do livro, nos permite encontrar um elemento condutor
da situação de violência que escapa de certos conceitos chave das tradições sociológicas
descritas: Ideologia, conflito, racionalidade, status, moral, cultura etc. Collins (2008)
chama a atenção para a limitação de alguns desses conceitos na abordagem tradicional da
violência.
Enquanto uma atualização da tradição Durkheimiana, mesmo reconhecendo outros
autores importantes que realizam um empreendimento sociológico semelhante ou como
um autor que busca uma teoria social ou sociológica, Collins (2009) enxerga com
otimismo as conquistas dessa tradição teórica. Segundo ele:
No fim das contas, essas teorias sobre o crime terão que ser integradas em
um quadro teórico consistente com o modelo da sociedade estratificada que
começou a emergir neste capítulo. Enquanto isso, essas teorias são
exemplos de quanta vitalidade existe na tradição durkheimiana. Em muitos sentidos, enquanto o conjunto de idéias mais profundas e menos óbvias da
sociologia, a tradição durkheimiana ainda se mantém relativamente secreta
entre os vários trabalhos teóricos e empíricos que estão em curso
atualmente. Seu potencial para unificar a sociologia em torno de um núcleo
comum, em minha opinião, continua mais poderoso do que nunca antes
(Collins, 2009).
6. Considerações finais
Buscamos ao longo desse trabalho, explicar os desdobramentos e continuidades da
tradição da teoria social da qual Collins atribui o nome do sociólogo francês Emile
Durkheim. Levamos em conta, o fato de que essas continuidades se deram por caminhos
que não se separavam originalmente: Durkheim, como Collins fala, não fazia distinção
entre os trabalho sociológico e o antropológico. Seu legado teve aproveitamentos
distintos nesses dois campos do saber por meio de pensadores que buscaram aperfeiçoá-
lo dentro de cada campo específico das ciências humanas. As conquistas de cada
empreendimento teórico sob influência do pensamento de Durkheim, seja na
antropologia ou na sociologia, não podem ser negadas. Mas diante dos trabalhos dos dois
autores principais que tentamos trabalhar nesse artigo – Bourdieu e Collins – é
importante apontarmos os méritos principais: encontramos aqui, o resgate para a
sociologia das contribuições durkheimianas que a sociologia – em especial a tradição
funcionalista norte-americana – negligenciou de alguma forma, aspectos que foram
desenvolvidos melhor na tradição antropológica. Além disso criou-se a possibilidade real
de um diálogo com outras tradições da sociologia, diálogo que era dificultoso, uma vez
que algumas incompatibilidades ontológicas e epistemológicas se mostravam visíveis, a
tirar como exemplo, as noções de conflito em Marx e Weber, e os conceitos de
solidariedade orgânica de Durkheim.
Em todo caso, julgamos importante reconhecermos algumas vantagens - em relação
ao estruturismo de Bourdieu - no que diz respeito ao aproveitamento recente da tradição
durkheimiana, que aceitamos em Randall Collins, a idéia de uma contribuição mais
incisiva e convincente. Como mostramos na crítica de Michel de certeau – que por sua
vez também buscava uma teorização acerca das práticas sociais/cotidianas – o tipo de
recorte metodológico de autores como Bourdieu, tem como ponto fraco o distanciamento
de um grande número de práticas sociais, de práticas criativas, de inventividade
cotidiana. Dentro de uma visão mais estrutural da sociedade, Bourdieu preocupa-se com
o elemento unificador, o elementar de um raciocínio durkheimiano. Uma forma de
enxergar as relações humanas que remete mais aos modelos explicativos de Parsons, que
como muitos críticos afirmam perde o contato com a voluntariabilidade de ação que era
foco de Parsons nos seus primeiros trabalhos.
Não apenas por olhar “mais de perto” as ações sociais, de nos possibilitar vermos os
seus recursos dentro do cotidiano, mas por nos permitir assim, como almejava Bourdieu,
um diálogo mais forte entre diversos campos teóricos tanto na antropologia, como na
sociologia, acreditamos que é importante verificarmos esse atual momento da tradição
durkheimiana, que no caso desse trabalho, abordamos Randall Collins, como expoente de
destaque. O potencial para guiar pesquisas empíricas acerca de problemas concretos da
realidade, como a violência, também podem ser aproveitados. O largo alcance de análise,
a possibilidade de verificarmos as relações sociais em diversos campos, por meio dos
conceitos desenvolvidos ao longo da tradição durkheimiana é notável. É difícil discordar
de Collins quanto as suas considerações positivas acerca dessa vertente do pensamento
social.
A afirmação deste autor de que o potencial da tradição durkheimiana “para unificar a
sociologia em torno de um núcleo comum, em minha opinião, continua mais poderoso do
que nunca antes” pode ser bem mais do que uma simples afirmação otimista sobre uma
ciência que pode ter caído num estado de confusão depois de tantas reformulações e
desconfianças sobre propostas epistemológicas ao longo de sua história.
7. Referências
BOURDIEU, Pierre (1974). A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva,.
361 p
BOURDIEU, Pierre (2003). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 311 p.
BOURDIEU, Pierre (1997). Meditações Pascalianas. Bertrand, Rio de Janeiro, .
CERTEAU, Michel de (1994). A invenção do cotidiano, Vol. 1. Nova ed. / estabelecida e
apresentada por Lote Gia: Vozes, . 351 p.
CERTEAU, Michel de (1994). A invenção do cotidiano, Vol.2. Nova ed. / estabelecida e
apresentada por Lote Gia: Vozes. 351 p.
COLLINS, Randall (2004). Interaction Ritual Chains. Princeton University Press.
COLLINS Randall(2009), Quatro Tradições Sociológicas. Tradução: Raquel Weiss. –
Petrópolis, RJ; Ed. Vozes.
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