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Estudo sobre Pedagogia Waldorf
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PEDAGOGIA LICENCIATURA PLENA
AS ESPECIFICIDADES DA PEDAGOGIA WALDORF: UM ESTUDO COM TRÊS
PROFESSORAS ENVOLVIDAS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO.
Ana Carolina Bottene
SÃO CARLOS
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PEDAGOGIA LICENCIATURA PLENA
AS ESPECIFICIDADES DA PEDAGOGIA WALDORF: UM ESTUDO COM TRÊS
PROFESSORAS ENVOLVIDAS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO.
Ana Carolina Bottene
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade
Federal de São Carlos, como requisito parcial para conclusão do
Curso de Pedagogia Licenciatura Plena, sob orientação da Profa.
Dra. Heloísa Chalmers Sisla Cinquetti do Departamento de Teorias
e Práticas Pedagógicas.
SÃO CARLOS
2011
Agradecimentos
Gostaria de agradecer primeiramente a Deus, por tudo que tenho e sou. Também
agradeço aos meus pais Eliana Ap. Bottene Pacífico e Luiz Antonio Pacífico, por toda a
dedicação à minha educação, pelo carinho e amor que me deram e pela transmissão de
valores importantes para minha vida. Agradeço meu irmão Matheus Bottene Pacífico
por me fazer compreender e sentir o amor fraterno.
Agradeço à minha avó Geraldina Bottene, segunda mãe, que nesse ano lutou
contra uma doença e se curou plenamente podendo estar ao meu lado durante a
conclusão dessa etapa tão importante para mim. Agradeço também aos demais membros
da minha família e aos pais e irmã do meu namorado Danylo que de alguma forma
colaboraram e torceram pelo meu sucesso. Especialmente à minha prima Amanda
Pacífico por me incentivar com seu exemplo.
Agradeço meu namorado Danylo Melloni pelo amor, apoio, companheirismo,
respeito, confiança e carinho.
Agradeço à Professora Doutora Heloísa C. S. Cinquetti, que aceitou o desafio de
me orientar nesse trabalho, cujo tema é tão complexo, possibilitando assim nosso
aprendizado conjunto sobre a PW. Agradeço sua dedicação e envolvimento.
Agradeço à Professora Mestre Eliana M. R. Cruz e Professora Doutora Márcia
Onofre por aceitarem prontamente fazer parte da banca examinadora desse trabalho.
A todas as colegas bolsistas do PIBID, e também às orientadoras e supervisoras,
por compartilharem momentos de sabedoria, reflexão, angústias e alegrias.
Aos demais colegas da turma de Pedagogia 2008 por todos os momentos que
passamos juntos nesses anos de muito aprendizado sobre a educação.
Agradeço à amiga Lisia Fer por seu companheirismo e amizade que vão além do
aspecto físico. À amiga Raquel, que não esteve efetivamente presente esse ano, mas se
fez presente em minhas lembranças. Agradeço a Talita Melo pela amizade confiada em
pouco tempo de relação. Também agradeço às moradoras, atuais e antigas, do bloco 24
por compartilharem o desafio do respeito ao próximo e da boa convivência.
Também gostaria de agradecer à Associação Pedagógica Novalis e Peter
Biekack pelo empréstimo dos livros utilizados como referenciais teóricos e outros
materiais.
Agradeço, especialmente, às professoras entrevistas, por todo o esclarecimento
das teorias e práticas alfabetizadoras na PW possibilitando assim a realização desse
trabalho.
Resumo
O presente trabalho foi pensado a partir da necessidade de entendimento sobre os
aspectos teóricos e práticos da alfabetização na Pedagogia Waldorf, que por sua vez tem
como ideal a educação pautada no desenvolvimento do ser humano e suas necessidades
nos aspectos físicos, espirituais e psicoemocionais, específicos de cada etapa da vida.
Para essa compreensão foi necessário o estudo das concepções teóricas e metodológicas
apresentadas por Rudolf Steiner criador da referida vertente pedagógica. Para a
efetivação do ensino da leitura e escrita é preciso levar em consideração a maturidade da
criança e esse ensino deve ocorrer a partir de imagens e histórias. O estudo dos métodos
sintéticos e analíticos apresentados por Carvalho (2005) possibilitou compreender que a
base da Pedagogia Waldorf é sintética que, por sua vez, tem como suas matrizes
metodológicas a soletração e os métodos fônicos. Para a análise da relação entre a teoria
e as práticas alfabetizadoras desenvolvidas pelas professoras na Pedagogia Waldorf,
foram realizadas entrevistas das quais emergiram categorias de análises importantes
presentes no capítulo 4. Nesta e também em outras propostas pedagógicas, faz-se
necessária a articulação entre a teoria estudada e prática alfabetizadora desenvolvida
para que se obtenha êxito na alfabetização. E essa sintonia, entre teoria e prática, marca
as práticas alfabetizadoras das professoras entrevistadas e para isso elas devem estudar
constantemente a Antroposofia e as concepções metodológicas sugeridas por Steiner.
Palavras-chave: Pedagogia Waldorf, Rudolf Steiner, Alfabetização e Práticas
Alfabetizadoras.
Sumário
Introdução ..................................................................................................................................... 1
Capítulo 1. A Pedagogia Waldorf ................................................................................................. 3
1.1. A Pedagogia Waldorf e seu idealizador Rudolf Steiner ................................................ 3
1.2. Contexto histórico da criação da Pedagogia Waldorf ................................................... 4
1.3. A Antroposofia .............................................................................................................. 6
1.4. Concepção de desenvolvimento do ser humano na Pedagogia Waldorf ....................... 8
1.4.1.1. Os setênios......................................................................................................... 9
1.4.1.2. O primeiro setênio ........................................................................................... 10
1.4.1.3. O segundo setênio ........................................................................................... 11
1.5. O ensino baseado na compreensão do ser humano ..................................................... 12
1.6. Relação entre o/a professor/a e o/a aluno/a ................................................................. 13
1.7. Funcionamento e gestão das Escolas Waldorf ............................................................ 13
1.7.1.1. O/A professor/a e o corpo docente .................................................................. 14
1.7.1.2. Participação dos Pais ....................................................................................... 16
1.7.1.3. Avaliação ......................................................................................................... 17
1.8. Formação de professores/as Waldorf .......................................................................... 17
1.9. Números e breve histórico da Pedagogia Waldorf no Brasil ...................................... 18
Capítulo 2. A alfabetização na Pedagogia Waldorf e nos métodos sintéticos ............................. 20
2.1. A Alfabetização na Pedagogia Waldorf ...................................................................... 20
Capitulo 3. Procedimentos Metodológicos ................................................................................ 26
Capítulo 4. A prática das professoras na Pedagogia Waldorf ..................................................... 30
4.1. Aproximação com a Pedagogia Waldorf ..................................................................... 30
4.2. Ciclo de vida profissional e visão sobre a docência .................................................... 31
4.3. Formação para alfabetizar na Pedagogia Waldorf ...................................................... 33
4.4. Maturidade dos/as alunos/as para alfabetização .......................................................... 34
4.4.1.1. A influência da troca dos dentes para alfabetização ........................................ 35
4.5. A importância do uso de imagens ............................................................................... 36
4.6. Ordem de apresentação das letras ............................................................................... 37
4.7. A influência do ensino de línguas estrangeiras durante a alfabetização...................... 37
4.8. A importância do uso da flauta ................................................................................... 39
4.9. Criatividade da professora: característica indissociável .............................................. 40
4.10. O envolvimento e anseios dos pais no processo de alfabetização ........................... 41
4.10.1.1. Tempo necessário para a alfabetização na Pedagogia Waldorf ....................... 42
4.11. Trabalho com alunos/as já alfabetizados ................................................................. 42
4.12. Uso de materiais de apoio no preparo e execução das aulas e atividades ............... 42
Considerações Finais ................................................................................................................... 46
Referências .................................................................................................................................. 49
Anexos......................................................................................................................................... 51
1
Introdução
O presente trabalho visa suprir lacunas de formação, pois durante os quatro anos
de estudo não tivemos nenhum momento formal de reflexão sobre a Pedagogia Waldorf
(PW). Também por isso, percebi nesse trabalho a oportunidade de aprofundar os meus
conhecimentos a cerca do tema e assim também possibilitar aos meus colegas da
Pedagogia e demais leitores a apresentação de alguns elementos da PW, enfocando as
práticas pedagógicas voltadas para alfabetização e o letramento de professoras de
escolas que se apóiam na PW para compreender como essas práticas se relacionam com
a teoria proposta por Rudolf Steiner.
A escolha do tema se deu a partir das vivências enquanto membro de uma
família inserida em Escola Waldorf, (meu irmão estudou numa escola Waldorf)
proximidade que me influenciou na opção pela graduação em Pedagogia.
No decorrer do trabalho, primeiramente, farei breve apresentação do idealizador
da PW, Rudolf Steiner, e explicarei alguns aspectos fundamentais de sua teoria e
concepções baseadas na Antroposofia, bem como o contexto histórico em que foi
criada. Também trarei alguns dados sobre sua difusão no Brasil.
Em seguida abordarei os aspectos relativos à concepção de ensino e
aprendizagem da leitura e escrita na PW apresentando suas principais características,
assim como as características dos métodos sintéticos e a concepção alfabetização e
letramento relacionando-as ao método proposto por Steiner e outros/as educadores/as
que desenvolveram estudos sobre a PW.
Para analisar as práticas alfabetizadoras de professoras na PW optamos por
entrevistar três professoras que já aturam como alfabetizadoras em escolas Waldorf das
cidades de Campinas e Piracicaba, ambas situadas no Estado de São Paulo. Assim o
2
capítulo 4 apresenta as categorias que emergiram das entrevistas, buscando analisá-las
com os referenciais teóricos organizados nas seções um e dois.
3
Capítulo 1. A Pedagogia Waldorf
Nesse capitulo farei breve apresentação do idealizador da PW, Rudolf Steiner. Também
explicarei alguns aspectos fundamentais da Pedagogia Waldorf, suas concepções baseadas na
Antroposofia, e o contexto histórico em que foi criada, suas características mais marcantes e
apontarei alguns dados sobre sua difusão no Brasil.
1.1. A Pedagogia Waldorf e seu idealizador Rudolf Steiner
A Pedagogia Waldorf foi criada em 1919, em Stuttgart na Alemanha, por Rudolf
Steiner. Segundo Biekarck1 (s/d) Rudolf Steiner nasceu em 1861 em Kraljevec na
Áustria em 27 de fevereiro de 1861 e faleceu em Dornach na Suíça aos 64 anos em 30
de março de 1925. Seu pai trabalhava em uma estrada de ferro, por isso ele viveu entre a
estação e a natureza, já que tinha que andar longos percursos para chegar à escola,
quando criança teve experiências ocultas, via e sentia realidades supra sensoriais. Foi
muito penoso para ele ainda criança descobrir que sobre certos assuntos não podia
compartilhar, pois percebia que as pessoas a sua volta não percebiam o que ele sentia,
mas ficou essa angustia, esse incomodo de tentar reverter esse processo. Posteriormente
ele começa a se questionar sobre uma instância onde os seres humanos falam de
realidades espirituais com clareza de raciocínio e presença de si próprio na construção
desse conhecimento, e para ele se essa realidade fosse encontrada ele saberia de onde
partir. Conforme relatam Abreu e Sâmara (1999):
Steiner desenvolveu estudos epistêmicos cuja intenção foi chegar ao
conhecimento dos aspectos não materiais da realidade, do mesmo modo
1Biekarck, Peter. É o roteirista e locutor do filme produzido por Paulo Aspis da Atta Mídia e Educação
sobre Rudolf Steiner. Biekarck é pedagogo com especialização em Pedagogia Waldof no Emerson College – Inglaterra. Foi professor da escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo por 25 anos. Atua na coordenação de cursos de fundamentação e formação de professores/as no Brasil, palestrante e conferencista internacional. Colaborador da Federação das Escolas Waldorf no Brasil e membro da Sociedade Antroposófica no Brasil.
4
como as ciências em geral desenvolvem conhecimentos do mundo físico
(p.29) Apesar de seu interesse humanístico despertado, ainda na infância e uma
sensibilidade para assuntos espirituais cumpriu em Viena estudos superiores de Ciências
Exatas. Por seu desempenho acadêmico a partir de 1883, tornou-se responsável pela
edição dos escritos científicos de Goethe poeta, escritor e cientista. Após alguns anos
como redator literário, passou a dedicar-se a conferencista e escritor com o objetivo de
expôr os resultados de suas pesquisas cientifico espirituais, de início no âmbito de
sociedade teosófica e mais tarde da Sociedade Antroposófica por ele fundada.
1.2. Contexto histórico da criação da Pedagogia Waldorf
O contexto histórico é muito importante para entendermos as circunstâncias em
que Steiner desenvolvia e baseava sua obra com a finalidade de achar uma solução para
uma situação pedagógica concreta. A Primeira Guerra Mundial estava próxima do seu
fim e os sinais de um colapso iminente eram indiscutíveis.
Quando chega o final da Primeira Guerra Mundial vem a grande pergunta,
qual é a proposta de erguimento social uma vez que a guerra termine, como é
que vai se promover um reerguimento social da Europa? E a gente encontra
Steiner profundamente envolvido em trazer a ideia da trimembração do
organismo social. (Biekarck, s/d)
Lanz (1990) escreve que a trimembração do Organismo Social não é algo
simples de se explicar diante de sua complexidade, mas basicamente trata-se de
considerar a sociedade dividida em três setores: o setor econômico, cuja finalidade é a
satisfação da necessidade do homem através da distribuição, produção e consumo de
mercadorias e só a cooperação fraternal dos indivíduos pode conduzir a uma vida
econômica sadia; o setor político-jurídico, que fixa e aplica regras reguladoras do
convívio humano, elaboração e aplicação de leis, buscando a democracia com a
participação de todos; o setor cultural que inclui as atividades que o ser humano realiza
como um individuo anímico-espiritual como: arte, ciência, religião, educação, etc. Esses
5
princípios propostos por Steiner partiram da revalorização dos impulsos da Revolução
Francesa: Fraternidade, Igualdade e Liberdade (equivalem respectivamente à ordem
apresentada acima). Biekarck (s/d) afirma que esse plano foi bastante considerado,
quase até o fim, porém não efetivou-se, mas deixou a ideia por uma pedagogia
fundamentada nessa cosmovisão.
Segundo Lanz (1990) Rudolf Steiner foi convidado por Emil Molt, proprietário
da indústria Waldorf-Astoria para uma série de palestras para as trabalhadoras de sua
fábrica.
Quando termina a primeira guerra mundial e essa fábrica volta a trabalhar a
dificuldade de obter matéria prima é grande então havia um tempo ocioso
dos empregados e a maioria eram mulheres então surgiu a ideia de que elas
nesse tempo ocioso tivessem aulas, um alimento para vida cultural delas
Steiner então designa um professor para fazer essa tarefa e a partir desse
trabalho feito com essas funcionárias elas chegam a esse diretor e pedem
algo, que isso é bom pra elas, mas elas gostariam muito disso para os filhos.
E esse foi o ponto de partida. (Biekarck, s/d)
Emil Molt apoiava e financiava a concretização da ideia, sabia que Steiner tinha
sido encarregado de educar uma criança excepcional portadora de hidrocefalia,
considerada incurável. O ensino dado revelara seus dons de pedagogo, pois o menino
terminou a escola e se formou em medicina, graças ao talento pedagógico de Steiner.
O educador aceitou a proposta, mas colocou algumas condições, dentre as quais
se destacavam a abertura da escola indistintamente, para todas as crianças buscou a
legislação e constatou que o Estado de Württemberg era extremamente liberal quanto ao
ensino e após várias conversas com as autoridades, propôs os ideais da pedagogia
materializados em um projeto que defendia a liberdade na escolha das matérias,
elaboração do currículo e sua unificação em 12 anos e, que os/as professores/as2 da
escola fossem livremente escolhidos independentemente de diploma e para estes ele deu
2 Como forma de evitar o sexismo na linguagem usaremos os termos no masculino e feminino como
usado nesta palavra (os/as).
6
uma formação através de conferências. Queria que a Escola Waldorf tivesse o mínimo
de interferência governamental e que não se preocupasse com objetivos lucrativos. Emil
Molt concordou e em 7 de setembro de 1919, foi aberta a Die Freie Waldorfschule (A
Escola Waldorf Livre).
Pouco a pouco outras escolas foram fundadas na Inglaterra, Holanda, Suíça e
outros países. Palmer (2005) escreve sobre tal crescimento e o lugar da PW junto as
demais vertentes da Pedagogia Renovada na primeira metade do século XX:
Depois da Primeira Guerra Mundial as Escolas Waldorf se tornaram uma das
alternativas mais atraentes à escolaridade oficial compulsória. Na Alemanha
do pós-guerra, elas formavam parte integral dos movimentos reformistas
educacionais, em que eram aceitas como importante contribuição à “nova
educação” (...) Durante os anos de 1920 e 1930, as Escolas Steiner foram
criadas por toda a Europa, assentando as bases para o império de hoje. (p.
229)
Conforme explica Lanz (1990) os nacional-socialistas fecharam as escolas
Waldorf na Alemanha e a Segunda Guerra Mundial interrompeu as comunicações entre
as escolas em outros países. Mas em 1945 as escolas alemãs recomeçaram a funcionar e
desde então o número de escolas e estudantes tem crescido.
1.3. A Antroposofia
A principal característica da Pedagogia Waldorf é o seu embasamento na
concepção de desenvolvimento do ser humano introduzida por Rudolf Steiner, orientada
a partir de elementos antropológicos, pedagógicos, curriculares e administrativos
fundamentados na Antroposofia.
A Antroposofia, do grego "conhecimento do ser humano", desenvolvida pelo
próprio Rudolf Steiner, vê o homem como centro de seu estudo, “o entendimento da
dimensão do ser humano na Antroposofia e na PW não está limitada ao nascimento e
morte, ou entre concepção e morte” (Biekarck, s/d), pois o ser humano tem algo que
transcende essa transitoriedade física:
7
Quando nós morremos, deixamos essa vivência terrestre, mas continuamos a
existir em outra e obviamente quando se concebe o ser humano nessa
dimensão a proposta pedagógica tem que atender a essa amplitude e não
simplesmente preparar o ser para aquilo que ele vai ter que fazer na vida
naquele dia. Nós temos que preparar o ser para ele mesmo e a Antroposofia e
fundamentalmente Rudolf Steiner tem essa preocupação. (Biekarck, s/d)
De acordo com Lanz (1990) a Antroposofia busca respostas às necessidades do
ser humano com base científica, cultural, artística e religiosa para se viver na prática.
Pode ser caracterizada como um método de conhecimento da natureza do ser humano e
do universo, que amplia o conhecimento obtido pelo método científico convencional e
que pode ser aplicado a praticamente todas as áreas da vida humana. A Antroposofia
procura responder às perguntas mais profundas do homem por meio da razão, porém
sem negar-lhes anseios espirituais; também possibilita novas perspectivas ao ser
humano na ampliação de suas faculdades mentais, elevando sua percepção e seu pensar
a outras dimensões. Abreu e Sâmara (1999) explicam que o homem se diferencia dos
demais seres (animal, vegetal e mineral) por seus aspectos psíquicos e espirituais.
Segundo a Antroposofia, o homem não é só físico, biológico e espírito, mas sim, a união
destas dimensões, sendo assim, o desenvolvimento do ser humano trimembrado, pois
articula as dimensões biológica, psicológica e espiritual, como se pode perceber nas
palavras de Steiner (2000):
A pesquisa Antroposófica visa, de antemão, a captar o ser humano em seu
todo, conforme sua essência corpórea, anímica e espiritual. Ela visa, por
assim dizer, a compreender o homem não por meio de observação interna,
abstrata e morta, mas sim mediante uma observação que seja viva, que
também possa, por meio de conceitos vivos, acompanhar o homem e
compreendê-lo em sua entidade formada de espírito, alma e corpo e em
plena vitalidade (p.34)
Antroposofia não é uma religião e tampouco é propagada nas escolas Wardorf, o
que possibilita aos/as alunos/as a livre escolha de suas religiões. Conforme explicitam
Abreu e Sâmara (1999):
A Antroposofia possui, citando Marcelo Greuel, uma característica
essencialmente holística e universal, mas não compactua com práticas que
8
ameaçam a soberania do indivíduo pensante. Dada a sua metodologia
específica e epistemologicamente fundamentada, ela descarta o uso
dogmático de mitologias, religiões, ensinamentos exotéricos do passado,
sejam estes de origem oriental ou ocidental. A Antroposofia compartilha,
pois, do intuito geral que une todos os enfoques holísticos, mas insiste na
busca pelo nexo espiritual, fundamentando o mesmo no processo cognitivo
original e livre de pressupostos. (p. 29)
Os resultados das pesquisas Antroposóficas de Rudolf Steiner também serviram
de fundamento para outras iniciativas sociais, não só para a Pedagogia Waldorf, mas
também para a medicina, a farmacologia e o desenvolvimento de medicamentos, a
agricultura biodinâmica, a pedagogia terapêutica e a pedagogia social.
1.4. Concepção de desenvolvimento do ser humano na Pedagogia Waldorf
Outra principal característica da Pedagogia Waldorf e da Antroposofia é o
embasamento na concepção de desenvolvimento do ser humano e para atingir a
formação do mesmo, a pedagogia atua no desenvolvimento físico, anímico e espiritual
(e estes por sua vez estão entrelaçados) do aluno, incentivando o querer, o sentir e o
pensar. O desenvolvimento físico diz respeito ao corpo, biologicamente e
fisiologicamente falando, o anímico à alma, que é natural do ser humano e também se
faz presente nos animais e o espiritual está ligado ao espírito e só o ser humano
apresenta esse espírito, que é sobrenatural, é a “força” superior que age em nós. Nesse
sentido Lanz (1990) esclarece que:
Assim como existem, abaixo do homem, três reinos menos completos do que
ele, existem, acima dele, seres mais complexos, possuidores de qualidades e
estados de consciência que lhe são desconhecidos. Por não possuírem um
corpo físico, esse seres não são perceptíveis aos sentidos físicos comuns,
mas podem ser vivenciados por quem possui os sentidos superiores
despertos. Esses seres, cuja existência, embora não-física, é tão real como a
dos reinos terrestres, eram os deuses, espíritos e outras entidades superiores
de todos os antigos mitos e religiões, inclusive as religiões monoteístas.
(p.24)
9
Com o intuito de esclarecer essa questão perguntei à uma das professoras
entrevistadas (entretanto esta questão não fazia parte do roteiro) qual é a diferença entre
alma e espírito. Ela explicou de maneira bastante interessante e clara, por isso destaco
sua fala, haja visto que esses dois conceitos podem causar ao leitor a impressão de que
eles são equivalentes e como vemos a seguir não são, pois de acordo com ela:
Steiner diferencia a alma como sendo parte da nossa corporeidade onde
“vivem” os sentimentos, as sensações, as percepções do mundo, os desejos e
isso a gente tem em comum com os animais, assim, bem rasamente falando,
isso os animais também tem. Agora a gente tem uma parte que os animais
não tem, que é o que a gente chama de espirito, é a centelha divina no
homem, é a parte com que faz com que o homem seja único,
individualizado. É isso que a gente chama de Eu que faz com que o homem
se reconheça e se perceba único enquanto indivíduo, isso é muito forte hoje
em dia na nossa sociedade, todo mundo quer ter seu espaço próprio com
autonomia e um caminho que diga respeito a si mesmo sem referência de
fora, então é o que diz respeito a minha vida. E isso a gente só tem, bem
diferentemente dos animais, porque tem uma centelha do espírito que a gente
chama de Eu. (Professora Eliana3)
Nessa concepção de ser humano há uma divisão de sua biografia em setênios, ou
seja, de sete em sete anos sendo que em cada fase há a ênfase do querer que está
relacionado com o corpo, do pensar que está relacionado com o espirito e do sentir que
está relacionado com a alma. Farei a seguir uma breve apresentação dos setênios
envolvidos na fase de alfabetização e das orientações de conteúdo e metodologia
indicadas para cada um deles segundo a PW necessárias para que o leitor compreenda
alguns de seus componentes característicos.
1.4.1.1. Os setênios
De acordo com Biekarck (s/d) a dimensão física do ser humano leva 21 anos
para chegar as suas proporções definitivas. Então a primeira grande fase da biografia
humana está toda dependendo do corpo físico dar espaço para que a alma e o espírito
possam se fazer mais presentes. A PW faz uma distinção bastante clara entre esses três
3 Nome fictício.
10
primeiros setênios. O primeiro setênio (0-7 anos) vai do nascimento até a troca dos
dentes. O segundo setênio (7-14 anos) da troca dos dentes até a puberdade e o terceiro
setênio (14-21 anos) da puberdade até a maturidade sexual, e assim por diante.
Conforme Abreu e Sâmara (1999) descrevem:
Para a Antroposofia o desenvolvimento humano é setenial, ou seja, cada fase
possui características próprias que se modificam, metamorfoseiam,
aproximadamente a cada sete anos, quando o homem passa a ter uma
percepção nova de si e do mundo. (p. 23)
Vale ressaltar que, como lembra Biekack (s/d), o primeiro setênio é mais
fortemente vinculado com o querer, o segundo setênio mais com o sentir e o terceiro
setênio mais com o pensar. Absolutamente não se pode compreender o querer o sentir e
o pensar de maneira compartimentalizadas, pois estão sempre presentes, mas em cada
faixa etária existe a ênfase de uma sobre as outras. Falarei brevemente sobre os dois
setênios envolvidos na faixa etária estudada nesse trabalho.
1.4.1.2. O primeiro setênio
A ação da PW diante da criança no primeiro setênio é propiciar a ela um rico
mundo a ser imitado. Tanto nas “ações internas” quanto as externas, como, por
exemplo, postura gestos, forma de falar, ela está absorvendo tudo e isso rapidamente se
incorpora a sua constituição orgânica, ou seja, está aberta ao mundo. Nesse sentido é
que o professor e/ou os adultos que a acompanham devem ser modelos a serem imitado,
pois é nessa imitação que está se formando sua moralidade futura. Emanuel (2002)
destaca que nessa a fase a criança não elabora julgamento e tem confiança ilimitada nos
adultos, além de que é a principal fase do desenvolvimento motor.
Steiner (2000) faz a seguinte recomendação sobre o ambiente necessário ao
desenvolvimento da criança nesse primeiro setênio:
Ao considerarmos que a criança é essencialmente um ser imitativo, que ela
é, de certa forma, um órgão anímico do sentido e se entrega a seu ambiente
11
de um modo corpóreo-religioso, teremos de cuidar, nesse período da vida até
a troca dos dentes, para que tudo no ambiente da criança atue realmente de
forma que ela possa captá-lo em todo seu significado e depois digeri-lo. E,
acima de tudo, devemos cuidar para que a criança sempre assimile o
anímico-espiritual, o moral de tudo o que tem significado em seu ambiente;
de modo que, para criança, já tenhamos realmente tudo preparado no que diz
respeito aos impulsos mais importantes da vida. (p.70)
Biekarck (s/d) afirma que o jardim de infância Waldorf deve ser muito tranquilo,
muito calmo e ritmado, ou seja, diariamente deve haver uma sequência de atividades na
qual o ambiente de classe vá se adequando às estações do ano, tudo é uma forma de
contextualizar a criança dentro de uma formatação que ela possa tranquilamente ser ela
mesma. O maior efeito disso é ela estar confiante em sua própria corporeidade. Também
é necessário que o jardim de infância disponha de um tanque de areia, uma árvore para a
criança trepar e exercitar o movimento, e assim sentir seu corpo. O desenvolvimento é o
bem estar que a criança sente no seu próprio corpo e esse é um dos objetivos da
educação no primeiro setênio.
1.4.1.3. O segundo setênio
De acordo com Biekarck (s/d) a criança, passando o sétimo ano de vida, a partir
da troca dos dentes, dispõe de novas faculdades: ela lida agora de uma forma mais direta
com as representações mentais. A tarefa da educação no 2º setênio, corresponde ao
período do ensino fundamental, é o que traz-se como patrimônio para essa criança que
agora tem relação mais direta com representações. Para a PW no ensino fundamental a
base é sempre desenvolver as matérias de forma que elas produzam vivências na alma
da criança, pois com uma atividade vivenciada ela consegue se relacionar com uma
atividade intelectual ela só consegue pensar. Ela não vincula o seu ser com aquilo que
ela pensa, mas com o que ela vivencia.
Segundo o mesmo autor é uma recomendação da PW que as crianças nessa fase
tenham acesso desde a 1ª série a uma ou de preferência duas línguas estrangeiras e a
12
aulas de trabalhos manuais, e esses se desenvolvem através de fio. Meninas como
meninos aprendem a fazer tricô, crochê , ponto cruz e tecelagem. Envolvem-se também
em aulas de música, educação física e canto. Aprendem a tocar um instrumento, e
iniciando pela flauta doce, pintam e esculpem. Outra atividade muito presente nessa fase
é a dramatização através de peças de teatro. Tudo isso faz parte do ensino fundamental
da Escola Waldorf para suprir as necessidades do segundo setênio. Biekarck (s/d)
afirma ainda que “A vivência acontece de forma mais saudável quando ela tem um teor
artístico compatível.”
1.5. O ensino baseado na compreensão do ser humano
Segundo Emanuel (2002) o currículo da Pedagogia Waldorf, de acordo com a
Antroposofia, tem como base as fases do desenvolvimento da criança, e cabe a escola
prover estas necessidades. O ensino teórico é sempre acompanhado pelo prático e de
acordo com os setênios, com grande enfoque nas atividades corpóreas e no sentir, que se
desenvolve através de atividades artísticas e artesanais. O pensar inicia-se com o
exercício da imaginação através dos contos, lendas e mitos até gradativamente atingir-se
o desenvolvimento do pensamento mais abstrato teórico, que ocorre principalmente no
ensino médio. O fato de não se exigir ou cultivar um pensar abstrato, intelectual, muito
cedo é uma das características marcantes da Pedagogia Waldorf em relação a outras
tendências pedagógicas. Nessa concepção predomina o exercício e desenvolvimento de
habilidades e não o mero acúmulo de informações, com foco no cultivo da ciência, a
arte e os valores morais e espirituais necessários ao ser humano. A Pedagogia Waldorf
busca dar a cada criança o seu tempo necessário de desenvolvimento, bem como
oferecer o ensino e formação correspondentes para que suas capacidades corporais,
anímicas, espirituais e sociais possam desabrochar da maneira mais ampla possível.
Visa formar adultos livres, com pensamento individual e criativo, sensibilidade artística,
13
social e para a natureza, bem como com energia para buscar livremente seus objetivos e
cumprir os seus impulsos de realização em sua vida futura.
1.6. Relação entre o/a professor/a e o/a aluno/a
No que se refere à relação entre professor/a-aluno/a, esta é essencial para a
formação dos alunos/as e deve ter como base o amor e principalmente o respeito mútuo
entre os mesmos. Conforme explica Steiner (2000):
“...entre a troca dos dentes e a maturidade sexual, precisa desenvolver-se
uma autoridade natural entre o professor e educador e a criança. Com essa
autoridade natural, cresce a virtude: o amor” (p.113)
Os/as professores/as devem conhecer seus/as alunos/as profundamente para
assim desenvolver o aprendizado da melhor maneira possível. Idealmente durante os
oito anos do ensino fundamental cada classe tem um único professor, que dá todas as
disciplinas, s exceto artes, trabalhos manuais, educação física e línguas estrangeiras, que
no caso das escolas brasileiras, costumam ser inglês e alemão. No ensino médio há um
professor que assume o papel de tutor da classe no decorrer dos anos.
1.7. Funcionamento e gestão das Escolas Waldorf
Há, nas escolas Waldorf, uma associação pedagógica ou mantenedora que
agrupa pais de alunos/as, professores/as e pessoas engajadas com a PW que dedicam-se
aos assuntos jurídicos, econômicos, financeiro e administrativos da escola, como
orçamentos, caixa, contabilidade, balanço anual, relação com as autoridades de ensino,
etc. Este tipo de associação, conforme explica Lanz (1990):
é a entidade que possui a personalidade jurídica; pode, portanto, ser
proprietária de bens imóveis e moveis, “empregadora” dos professores e
colaboradores, devedora de impostos e sujeito de direito para as autoridades
(p.167).
14
Quanto aos recursos necessários para seu funcionamento, o ideal é que seja
sustentada por aqueles que recorrem a seus “serviços” e por aqueles que se identificam
com seu ideal, com cada um contribuindo conforme as suas possibilidades. Os pais com
maiores condições financeiras pagam mais, enquanto aqueles que têm menos condições
gozam de redução ou isenção completa das mensalidades. De acordo com Lanz (1990) a
remuneração dos/as professores/as deve permitir-lhes uma existência tranquila, são eles
que julgam o quanto precisam e na maioria das escolas existem tabelas que preveem,
além do ordenado básico, acréscimos por tempo de trabalho, idade e número de
dependentes. Não há diferença salarial relacionada à formação de/a professor/a ou ao
tipo de trabalho. No entanto, os/as professores/as devem trabalhar em regime de
dedicação exclusiva, para que tenham tempo de participar de reuniões e conferências
periódicas, formar-se e participar de vida cultural da escola, preparar as aulas, corrigir
tarefas etc.
1.7.1.1. O/A professor/a e o corpo docente
Segundo Lanz (1990) o/a professor/a é o/a realizador/a da PW, “representa” a
pedagogia praticando-a e deve ser consciente de sua atuação e responsabilidade para a
evolução do indivíduo. O mesmo autor ressalta que:
O professor deve saber quais as causas mais íntimas que atuam na natureza
humana; e isso não de forma geral e abstrata, pois são as forças que atuam
em nossa civilização que deve conhecer; e a meta do seu trabalho deve ser a
de integrar o ser humano na vida social, não de uma forma qualquer, mas
corretamente. (p.68/69)
Segundo Abreu e Sâmara (1999) o autoconhecimento e a autoeducação incluem-
se entre as obrigações básicas do/a professor/a e isso exige uma “luta” energética com
parte do seu ser como as emoções, os instintos e o temperamento. O/a professor/a é
chamado/a a conhecer essas forças, dominá-las e transformá-las em capacidade
criativas.
15
Uma das grandes tarefas do/a professor/a Waldorf é a meditação, desligada da
realidade que o circunda, pois é complexa sua responsabilidade e meta pedagógica.
Segundo Emanuel (2002) as características do processo evolutivo da aprendizagem e
transmissão do conhecimento requerem um grande conhecimento por parte do/a
professor/a Waldorf, e a ação pedagógica deve ser o agente facilitador deste processo,
pois quando as respostas às expectativas dos/as estudantes são atendidas a
aprendizagem tem caráter significativo.
O engajamento dos/as professores/as para com seus/as alunos/as, pais e com o
ideal da PW e da Antroposofia deve ser efetivo, o mínimo que se pode exigir do/a
professor/a é a aceitação, dos princípios pedagógicos. Não se admite que manifeste
ideias contrárias à imagem do homem como ser espiritual e do mundo como é visto pela
Antroposofia, respeitam-se as ideias de cada um, mas diante dos/as alunos/as o/a
professor/a tem de integrar a si e ao ensino uma visão comum.
O corpo docente é entendido como peça fundamental da escola, segundo Lanz
(1990) “o corpo docente é a cabeça e o coração da escola. (...) os/as professores/as não
têm apenas por função ministrar aulas”(p.165). Devem ter consciência de que cada um
deve contribuir para o perfeito funcionamento da escola e para isso devem se organizar
realizando assim reuniões semanais, denominadas de Conferência Pedagógica, a fim de
conversarem sobre os problemas de administração escolar interna, discutir a situação
pedagógica da sala de aula e a relação com os/as alunos/as, compartilhar experiências.
Essa conferência constitui para o/a professor/a o principal recurso para o aprimoramento
constante de suas capacidades profissionais e também para sua integração no organismo
escolar. Em todas as reuniões busca-se obter o consenso geral para as decisões
necessárias.
16
Também é de responsabilidade dos/as professores/as a participação do que
denomina-se em muitas escolas de Conferência Interna (em determinadas escolas esta
pode ter outro nome). Lanz (1990) explica que nesta conferência devem participar os/as
professores/as com mais experiência e aqueles/as que se sentem realmente engajados/as
com a escola e dispostos/as a arcar com as responsabilidades que esta lhes impõe. É o
órgão de consciência e vontade da escola, ele deve estar a par de tudo que acontece e
tomar as devidas decisões como, por exemplo, a contratação e demissão de
professores/as, a distribuição de classes e dos cargos pedagógicos a fixação de metas.
Convém destacar que a contratação e demissão de professores, assim como a
fixação de seus encargos pedagógicos, cabem exclusivamente à Conferência
Interna, enquanto que a formalização das relações jurídico-financeiras com a
personalidade jurídica “empregadora” compete, evidentemente, à associação
mantenedora. (p.167)
1.7.1.2. Participação dos Pais
O contato entre pais e escola ocorre nas conversas particulares com os/as professores/as
e nas reuniões de pais de cada classe realizadas, no mínimo, uma vez por semestre. Existe
também, de acordo com a situação de cada escola, outras formas de agregação dos pais.
Conforme explica Lanz (1990), em muitas escolas os pais são membros da associação
mantenedora, em outras são parte de um conselho que canaliza seus anseios e reivindicações por
meio dos representantes de classe, cuja agremiação em um conselho de pais possibilita deliberar
de forma organizada e sistêmica assuntos de interesse da comunidade. Além disso, esse grupo
de pais ajuda o corpo docente a criar melhores condições para o bom resultado do seu empenho
pedagógico, contribui valiosamente participando de atividades extracurriculares como por
exemplo, excursões, encontros sociais, festividades, bazares entre outras. Esta estrutura
funcional busca a integração de objetivos, já que todo o organismo escolar visa à plena
realização da Pedagogia Waldorf. Os pais devem procurar conhecer a pedagogia, buscando a
integração lar-escola, imprescindível à educação harmoniosa dos/as alunos/as.
17
1.7.1.3. Avaliação
Nas escolas Waldorf não se atribui notas, mas sim conceitos. De acordo com
Abreu e Sâmara (1999) os/as professores/as julgam os fatores que permitem avaliar a
personalidade do aluno como a riqueza de pensamentos, a ortografia, a estrutura lógica
e obviamente os conhecimentos reais, mas para o julgamento geral sobre o/a aluno/a o/a
professor/a levará em conta o esforço real que ele fez ou não para alcançar tal resultado,
seu comportamento físico e espiritual. Lanz (1990) explica que o/a professor/a deve
fazer um boletim anual onde faz um relato sobre o aluno durante o ano, de base
qualitativa, mas obviamente quando esse boletim é exigido pelas autoridades a escola
tem de fazer uma avaliação quantitativa. O intuito de não se atribuir uma nota ao/a
aluno/a é poupá-lo/a do julgamento de uma parte de sua individualidade expressa em
cifras.
1.8. Formação de professores/as Waldorf
Lanz (1990) explica que seminários para a formação de professores/as foram
fundados em vários países como Alemanha, Suíça, Inglaterra, Brasil, Estados Unidos,
etc. e sua validade é evidente, embora ressalte que:
Ninguém se torna professor Waldorf apenas por ter frequentado um desses
seminários, o ensino que ali se ministra constitui um preparo, pois
familiariza o participante com os princípios da Antroposofia, com a
metodologia e didática da pedagogia Waldorf e com todos os problemas
inerentes à sua realização prática (p.170).
Os/as professores/as devem adquirir sua formação especifica de professores/as
Waldorf em adição a sua formação profissional exigida pela legislação de ensino, o
ensino que se ministra constitui um preparo, pois familiariza o/a participante com os
princípios da Antroposofia e com a metodologia e didática da pedagogia Waldorf. Os/as
participantes recebem também um treino artístico e artesanal e são chamados/as a fazer
estágios realizando trabalhos práticos. Abreu e Sâmara (1999) observam que os/as
18
profissionais que participam desses seminários aprendem tudo o que deve ser ensinado
aos seus/as alunos/as de forma conceitual e prática, entendendo o porquê de cada
atividade e destacam ainda que é impossível adotar a PW se o/a professor/a não passar
por um treinamento, vivenciando-a e se transformando diante dela. Reitero tais
observações, pois já participei de uma primeira etapa do seminário e logo no início e
durante todo o curso de formação os/as alunos/as e futuros/as professores/as têm contato
com trabalhos manuais, corpóreos, musicais e artístico como por exemplo, canto e
danças circulares, pinturas com aquarela, esculturas em argila, entre outras atividades,
mas principalmente o aprendizado da flauta doce que é muito importante e presente em
qualquer nível de ensino em que o/a professor/a vai atuar.
Há atualmente, segundo o site da Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 15
seminários de formação de professores/as no país, localizados em cidades do interior e
nas capitais dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa
Catarina, Minas Gerais e Pernambuco.
1.9. Números e breve histórico da Pedagogia Waldorf no Brasil
Segundo Emanuel (2002) a primeira Escola Waldorf no Brasil foi fundada em
27 de fevereiro de 1956, na cidade de São Paulo, integrada à realidade brasileira e
mantendo os fundamentos de seu idealizador. Os fundadores, Schimidt, Mahle,
Berkhout e Bromberg, convidaram o casal Karl e Ida Ulrich da Escola Waldorf de
Pforzheim (Alemanha) para lecionar e preparar os/as professores/as. A escola começou
com um grupo de 28 alunos/as no jardim de infância e após ser reconhecida como
escola experimental, foram implementadas as primeiras quatro séries iniciais. Devido a
realização de um bom trabalho, em 1979 o ensino fundamental foi autorizado a
funcionar com a duração de nove anos, e na sequência implementou-se o ensino médio.
Com um número crescente de estabelecimentos de ensino Waldorf, em abril de 1998 foi
19
fundada a Federação das Escolas Waldorf no Brasil, que tem como um dos objetivos,
consolidar a Pedagogia Waldorf na sociedade brasileira.
Atualmente, segundo a página da Federação das Escolas Waldorf no Brasil na
internet há 73 escolas Waldorf em todo território brasileiro contabilizadas as escolas de
ensino fundamental e médio e os jardins de infância, que não são necessariamente a
mesma instituição, pois em determinadas cidades há o jardim de infância, mas não há
escola de ensino fundamental.
São Paulo é o estado que mais concentra escolas totalizando 40, na Bahia são 4,
no Ceará 1, em Goiás 1, Goiânia 1, Brasília 2, Minas Gerais 8, Mato Grosso 4, Rio de
Janeiro 5, Pernambuco 1, Paraná 2, Rio Grande do Sul 1, Santa Catarina 3.
Ainda segundo a Federação tem-se atualmente aproximadamente 2.500
alunos/as na educação infantil, 4.180 alunos/as no ensino fundamental, 580 alunos/as no
ensino médio e ainda 105 alunos/as de educação especial matriculados nas Escolas
Waldorf. São 2.050 professores/as Waldorf e outros/as 450 em formação.
20
Capítulo 2. A alfabetização na Pedagogia Waldorf e nos métodos sintéticos
Nesse capítulo abordarei os aspectos relativos à concepção de ensino e
aprendizagem da leitura e de escrita na PW apresentando suas principais características.
Explicitarei, brevemente, os principais métodos de alfabetização denominados de
sintéticos e globais e o conceito de letramento relacionando-os com o método proposto
por Steiner e outros/as educadores/as que desenvolveram estudos sobre a PW.
2.1. A Alfabetização na Pedagogia Waldorf
Na PW o ensino da leitura e da escrita começa antes dos/as alunos/as serem
apresentados às letras do alfabeto. As crianças ainda no jardim de infância começam a
aprender a ler, não nos aspectos técnicos, mas a partir do contato com os aspectos
interiores da leitura, que são as histórias. Também devemos levar em consideração que
as crianças que vivem em um ambiente urbano estão em contato com a leitura e escrita
através das rótulos e embalagens de produtos, outdoors, letreiro de lojas, entre outros,
por isso elas, geralmente, não chegam à escola sem ter qualquer contato com a escrita.
Abreu e Sâmara (1999) lembram que o processo de alfabetização pressupõe
certo grau de maturidade e é por isso que nas escolas Waldorf o aprendizado da leitura e
escrita se dá a partir dos sete anos de idade. A alfabetização antes dos sete anos pode ser
considerada um ensino artificial, no qual não acontece a verdadeira compreensão, mas
apenas um adestramento. A abstração e a intelectualização prematuras tiram da criança
as forças que ela deveria empregar no desenvolvimento da sua imaginação, motricidade
e fantasia cuja vivência intensa a PW considera importante.
Mas antes da decodificação das palavras é preciso que a criança vivencie a
história e forme cenas imaginárias anteriores às palavras. Conforme explica Lameirão
no livro de Bertalot (1995) “É contando e recontando histórias que se trabalha a
21
estrutura linguística pensante, pois cada história, assim como todo pensamento
estruturado, consta sempre de um começo, meio e fim”(p.13).
Primeiramente, cultiva-se o sentido da linguagem e de suas capacidades em
formar imagens mentais, depois disso as crianças são apresentadas as letras, uma a uma
por meio da arte, que para Steiner (1992) é o desenho:
Uma absoluta exigência de um ensino fundamentado em bases corretas é que
o aprendizado da escrita seja precedido de uma certa incursão no desenho, de
modo que a escrita seja buscada, de certa maneira, a partir dele (p.58).
Sobre o ensino e aprendizado da grafia e significado das letras o mesmo autor
orienta que:
É sempre das imagens que tiramos as letras abstratas. Não é necessário
recuarmos até a origem histórica das imagens das quais resulta a escrita
atual. Não precisamos praticar pedagogia histórico-cultural. Temos, apenas,
de penetrar na origem das imagens levados um pouco pela fantasia; vamos
então encontrar essa possibilidade em todas as línguas, a partir de palavras
características que possamos transformar em imagens e das quais,
posteriormente, possamos tirar a letra. (p.78)
Para que o aprendizado da escrita se efetive através do desenho o/a professor/a
deve trabalhar anteriormente com formas curvilíneas e retilíneas, de modo que elas
permitam expressar criatividade, originalidade além de concentração e habilidade. As
formas, conforme sua aplicação significam ritmo, harmonia, pontualidade, perfeição,
bom comportamento, senso de dever e aprimoramento. Conforme Zoriki explicita no
livro de Bertalot (1995)
Sabemos que o desenho de formas constitui um preparo indispensável para o
processo de alfabetização, embora este não seja sua única meta. O cultivo
das aulas de formas possibilitará desenvolver mobilidade e flexibilidade no
pensar, de tal modo que o pensar se torne móvel, criativo, imaginativo.
(p.15)
As formas referidas são retas e curvas que os/as alunos/as devem desenhar a
partir da orientação da professora, que busca representar formas da natureza e dos
ambientes em que as crianças estão inseridas, como por exemplo, o arco do arco-íris, a
22
direção vertical quer caem às gotas de chuva, entre outros. Depois que os/as alunos/as
tenham dominado o desenvolvimento dessas formas necessárias para escrever e tenham
vivenciado tais formas com o corpo estarão prontas para ir da imagem, da vivência para
a abstração, pois a letra em si é uma abstração. Steiner (2005) indica que:
Pode-se, de fato, obter as vogais a partir de gestos e dos movimentos das
mãos e dos braços. Assim se trabalha o elemento plástico, a partir da
fantasia. Será possível, então, que as crianças, pouco a pouco, obtenham os
fonemas e as letras a partir das coisas. Temos de partir da imagem. A letra
pronta, tal qual existe atualmente na civilização, tem realmente uma história
atrás de si. Ela é algo simplificado que partiu de uma imagem; seus símbolos
mágicos e sua imagem primordial não são mais reconhecidos. (p.27)
Para exemplificar Abreu e Sâmara (1999) explicitam como se dá o envolvimento
da história e do desenho na grafia das letras.
O professor conta uma história, um conto de fadas sobre um rei, sobre um
lugar onde há um rei, ele sabe desenhar na lousa, pois existem cursos
especiais para isso, ele faz um desenho maravilhoso onde aparece um rei,
com um manto de púrpura, silhueta de rei, com coroa, etc. As crianças vão
querer fazer a mesma coisa em seus cadernos, vão desenhar o rei como
imagem da história. No dia seguinte, o professor conta a mesma história, só
que desta vez ele vai, ao fazer o desenho, dar um pouco mais de ênfase ao
contorno e, depois de 3 ou 4 dias, ele chegará a isso-“R”- à letra do rei. Ao
mesmo tempo, ela vai, procurar versos com os fonemas, onde prepondera o
“R” e a criança, então, falando, cantando, pintando chegará a vivência do
“R”. (P.71)
Alfabetização é a ação de ensinar/aprender a ler e a escrever. No entanto
aprender a ler e a escrever não basta, pois é preciso que os indivíduos alfabetizados
incorporem a prática da leitura e da escrita com envolvimento com as práticas sociais de
leitura e escrita, adquirindo o hábito de ler livros, jornais, revistas. É aí então que se dá
o letramento. Segundo Soares (2003) o conceito de letramento foi enunciado, em
meados dos anos 80, a partir da necessidade de nomear e também reconhecer práticas
sociais de leitura e de escrita mais complexas e avançadas do que as práticas do ler e
escrever resultantes da aprendizagem do sistema de escrita. No entanto os conceitos de
alfabetização e letramento estão ligados e são dependentes, nesse sentido Soares (2003)
afirma que:
23
Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das
atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e
escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da
escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do
sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento
de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas
práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento. Não são
processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a
alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de
leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua
vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das
relações fonema–grafema, isto é, em dependência da alfabetização.
Não encontrei durante os meus estudos sobre alfabetização na PW, textos que
indicassem a relação direta entre esta e a concepção de letramento citada acima, no
entanto é possível perceber algumas características da PW que se aproximam do
conceito de letramento, uma vez que há, na PW, a previsão de práticas sociais de leitura
e escrita constantes durante as aulas e também fora delas antes, durante e depois, do
processo de alfabetização, como a contação, leitura e escrita de histórias, cantigas,
versos, poemas, leitura de livros de diversos tipos. Como indicam Abreu e Sâmara
(1999), em seu estudo sobre a PW,
Em todas as aulas, o professor contará certos textos, independente do estudo
de gramática ou sintaxe. Ouvir e levar para casa certos conteúdos é de suma
importância, dá ensejo a versos, dramatizações, etc. (p.78)
Quanto ao método empregado na alfabetização na PW, podemos assumir, pelas
suas características, que sua base é sintética, Para entender o que são os métodos
sintéticos, Carvalho (2005) apresenta os embates entre eles e os métodos analíticos
quanto a quais seriam os métodos mais eficientes de alfabetização:
Se os sintéticos (que partem da letra, da relação letra-som, ou da sílaba, para
chegar à palavra), ou analíticos, também chamados globais (que tem como
ponto de partida unidades maiores da língua, como o conto, a oração ou a
frase). (...) São chamados métodos analíticos-sintéticos, que tentam
combinar aspectos de ambas as abordagens teóricas, ou seja, enfatizar a
compreensão do texto desde a alfabetização inicial, como é próprio dos
métodos analíticos ou globais, e paralelamente identificar os fonemas e
explicar sistematicamente as relações entre letras e sons, como ocorre nos
métodos fônicos. Em síntese, as matrizes metodológicas sintáticas são
24
soletração, silabação e métodos fônicos. Palavração, sentenciação, e métodos
de contos permanecem à categoria dos métodos analíticos. (p.18)
Embora a PW se apóie fortemente, mesmo antes da alfabetização, como já
indicamos acima, em histórias, o que a aproximaria dos métodos analíticos, no
momento do ensino do código escrito prevalece a aproximação com dois subtipos de
métodos sintéticos, a soletração e o fônico (ou fonético). A soletração é um método que
tem por base a apresentação, uma a uma, de cada letra do alfabeto e Carvalho (2005)
associa tal vertente à cisão entre compreensão e decodificação:
O objetivo maior da soletração é ensinar a combinatória de letras e sons. A
leitura propriamente dita fica para segunda etapa. Partindo de unidades
simples, as letras, o professor tenta mostrar que essas quando se juntam
representam sons, as sílabas, que por sua vez formam palavras. (p.22)
Entretanto, Steiner (200), que não se deixou convencer pelas críticas à
soletração, já existentes à época, e defendia um outro sentido a ela, como se depreende
dos trechos que seguem:
Tem-se um grande orgulho de que, no decorrer do século XIX, porém já
tendo sido preparado no século XVIII, o antigo método de soletração passou
para o método fonético (silabação) e depois para o método de aprender a ler
a palavra inteira (palavração). E, como hoje as pessoas têm vergonha de
respeitar de algum modo o que é antigo, dificilmente encontraremos alguém
que se entusiasme pelo antigo método da soletração. Do ponto de vista atual,
ele seria um tolo, pois isso não se usa mais. Portanto, ele não pode
entusiasmar-se pelo método de soletrar. Os métodos usados são o da
silabação ou o da palavração. As pessoas se orgulham do método fonético,
em que se ensina às crianças o caráter do fonema. A criança não aprende
mais que isso é um P, ou um N, ou um R, mas aprende a pronunciar tudo tal
como soa dentro da palavra. Pois bem, isso até que é bom, e o método da
palavração também, nele, partimos às vezes de frases inteiras – damos à
criança a frase toda e só depois analisamos as palavras, chegando ao fonema.
Mas é muito ruim quando essas coisas se tornam extravagantes. As razões de
todos esses três métodos, até para o antigo método da soletração, são razões
boas e engenhosas. Não podemos negar que todas são engenhosas. (p.81)
Hoje este último método (soletração) ainda é obviamente uma idiotice, mas,
sem dúvida, é mais anímico; só que não é possível aplicá-lo de imediato. Ele
deve ser levado à criança com certa habilidade e prática pedagógica, com
uma pedagogia artística, de modo que a criança não seja adestrada a
pronunciar as letras, como é convencional, e sim vivencie o surgimento da
letra, fato presente em suas forças formadoras. É isso que importa. (p.85)
25
Apesar das críticas à soletração no primeiro trecho, Steiner defendia que este
tipo de método, assim como o fonético seriam os mais indicados para se aproximar da
dimensão anímica: “Com o método de alfabetizar pela palavra, abrangemos apenas o
físico-corpóreo; com o método fonético ou da silabação já chegamos mais perto do
anímico, é horrível dizer que com o método da soletração, entramos inteiramente na
alma” (p.84). Propõe, no segundo trecho, que a soletração aliada à arte e fantasia
poderia render melhores frutos, pois no seu método a criança vivenciaria o surgimento
da letra, como já apresentamos anteriormente nesta seção.
26
Capitulo 3. Procedimentos Metodológicos
Para esse trabalho foi utilizada abordagem qualitativa de pesquisa e este termo
por sua vez ganha novo significado, passando a ser concebido como uma trajetória
circular em torno do que se deseja compreender, não se preocupando única e/ou
exclusivamente com princípios, leis e generalizações, mas voltando o olhar à qualidade,
aos elementos que sejam significativos para o pesquisador/a. A abordagem qualitativa
realça os valores, as crenças, as representações, as opiniões, atitudes e usualmente é
empregada para que o pesquisador/a compreenda os fenômenos caracterizados por um
alto grau de complexidade interna do fenômeno pesquisado; neste tipo de pesquisa não
há conclusões, mas uma construção de resultados. Ludke e André (2005), citando
Bogdan e Biklen (1982), dão as características básicas de uma pesquisa qualitativa:
1. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de
dados e o pesquisador como seu principal instrumento. (...) 2. Os dados
coletados são predominantemente descritivos. (...) 3. A preocupação com o
processo é muito maior do que com o produto. (...) 4. O “significado” que as
pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de atenção especial pelo
pesquisador. (...) 5. A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo.
(p.11-13)
Neste tipo de estudo, e mais especificamente neste trabalho, foram utilizadas,
para a coleta de dados, entrevistas e análise de documentos. A entrevista, segundo as
mesmas pesquisadoras “permite um maior aprofundamento das informações obtidas; e a
análise documental, que completa os dados obtidos através da entrevista e aponta novos
aspectos da realidade pesquisada” (p.9). E a análise documental, segundo elas “pode se
constituir numa técnica valiosa de abordagens de dados qualitativos, seja
complementando as informação obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos
novos de um tema” (p.38), refere-se a quaisquer materiais escritos que possam ser
utilizados como fonte de informação como livros, autobiografias, cartas, discursos,
roteiros de programas de rádio e televisão, arquivos escolares entre outros. Assim como
27
explicam as autoras os documentos nesse trabalho foram muito importantes para a
comprovação e complementação dos aspectos apresentados nas entrevistas com as
professoras. Os documentos utilizados foram os livros, artigos e textos extraídos de
páginas na internet4, e um documentário sobre Rudolf Steiner e a PW.
Primeiramente foi feita uma pesquisa de caráter bibliográfico por meio da leitura
e estudo dos referenciais teóricos sobre a PW utilizando fontes primárias (Rudolf
Steiner) e fontes secundárias (escritas por outros autores como, por exemplo, Rudolf
Lanz). Essa busca bibliográfica foi norteada pelos conceitos básicos da teoria que serviu
para compreender, explicar e dar significados aos fatos que foram estudados. É
importante ressaltar que os livros de Rudolf Steiner utilizados nesse trabalho são
transcrições de suas palestras. A busca por materiais diversos, que não os livros, como
artigos, textos e outras publicações, foi bastante trabalhosa, pois a PW, apesar de grande
avanço, é pouco difundida no Brasil e também ainda pouco estudada pela academia,
havendo, portanto, pouca produção em Português. As informações encontradas sobre a
PW na internet, em revistas, jornais entre outros, são quase sempre extraídas dos
mesmos livros e isso faz com que elas se tornem repetitivas.
Foram realizadas entrevistas com três professoras para analisar as suas
interpretações e práticas sobre a teoria estudada, possibilitando assim uma comparação e
interpretação das respostas dadas em diferentes momentos e situações. Para a
elaboração das questões a serem feitas nas entrevistas busquei as dúvidas que tinha
sobre a relação entre a teoria e a prática da alfabetização na PW a fim de esclarecê-las,
além de tentar tornar mais fácil a compreensão da teoria através de relatos da prática e
exemplos das professoras, como aconteceu em diversas questões. Parti de alguns
conhecimentos prévios a respeito do assunto. No questionário, em anexo, havia 16
4 http://www.ewrs.com.br/index.html. Site da Escola Waldorf Rudolf Steiner.
http://www.federacaoescolaswaldorf.org.br/. Site da Federação das Escolas Waldorf no Brasil.
28
perguntas de caráter mais geral, como tempo de trabalho, aproximação com a PW,
sentimento em relação a sua prática pedagógica e também questões mais especificas
sobre a alfabetização. As entrevistas foram realizadas em momentos distintos: uma na
Escola Waldorf em Piracicaba, outra foi realizada em minha própria residência, pois a
professora achou que seria melhor para ela, e a última por telefone, visto que a
professora é de Campinas e não foi possível viajar. As três entrevistas foram gravadas e
posteriormente transcritas.
Elas proporcionaram uma aproximação das informações desejadas e muitas
vezes as professoras responderam além das perguntas propostas inicialmente. Conforme
recomendam Ludke e André (2005) “há uma série de cuidados requeridos por qualquer
tipo de entrevista. Em primeiro lugar um respeito muito grande pelo entrevistado”
(p.35). Destacam ainda que esse respeito inclui local e horário marcados e cumpridos de
acordo com a conveniência do entrevistado até a garantia de sigilo e anonimato em
relação ao informante, recomendações que acatei. As professoras assinaram um termo
de consentimento livre e esclarecido, do qual constavam os objetivos e possíveis riscos
da pesquisa. Como ressaltam as referidas autoras “é importante lembrar que, como
atividade humana e social, a pesquisa traz consigo, inevitavelmente, carga de valores,
preferências, interesses e princípios que orientam o pesquisador”. Não me foi fácil a
tarefa de analisar certos aspectos da PW de forma mais objetiva, dada a aproximação
que tenho com ela, através da vivência do meu irmão e pais numa escola Waldorf.
Ludke e André (2005) esclarecem, a este respeito, que os valores e preferências da
pesquisadora estão sempre no jogo:
Os fatos, os dados não se revelam gratuita e diretamente aos olhos do
pesquisador. Nem este os enfrenta desarmado de todos os seus princípios e
pressuposições. Ao contrário, é a partir da interrogação que ele faz dos
dados, baseada em tudo o que ele conhece do assunto – portanto, em toda a
teoria acumulada a respeito – que vai se construir o conhecimento sobre o
fato pesquisado. (p.4)
29
Sobre a análise dos dados as mesmas autoras explicam que analisar os dados
qualitativos significa “trabalhar” todo material obtido durante a pesquisa como as
entrevistas, os documentos e as demais informações disponíveis. Segundo elas essa fase
se dá quando a coleta de dados está praticamente encerrada e o pesquisador/a já deve ter
uma ideia das possíveis direções teóricas do estudo. De fato, quando as entrevistas já
estavam em processo de transcrição foi possível articular e entender melhor os aspectos
lidos e estudados até então. Esse momento de análise dos dados foi o mais significativo,
pois é possível entender melhor a teoria estudada. As referidas autoras orientam que:
O primeiro passo nessa análise é a construção de um conjunto de categorias
descritivas. O referencial teórico do estudo fornece geralmente a base inicial
de conceitos a partir dos quais é feita a primeira classificação dos dados(...)
É possível que, ao fazer essas leituras sucessivas, o pesquisador utilize
alguma forma de codificação, isto é, uma classificação dos dados de acordo
com as categorias teóricas iniciais ou segundo conceitos emergentes. Nessa
tarefa ele pode usar números, letras ou outras formas de anotações que
permitam reunir, numa mesma etapa, componentes similares. (p.48)
Durante a análise das entrevistas separamos em categorias os aspectos,
conteúdos e falas mais importantes para o desenvolvimento do trabalho e essa
classificação foi feita através do uso de lápis-de-cor, que permitiram fácil visualização
dos temas. De inicio emergiram diversas categorias coloridas, mas depois elas foram
agrupada à medida em que se relacionavam, a fim de facilitar a compreensão do leitor e
desenvolvimento da escrita para a pesquisadora. Tais categorias serão apresentadas no
próximo capítulo.
30
Capítulo 4. A prática das professoras na Pedagogia Waldorf
Neste capítulo apresentarei as categorias que emergiram das entrevistas com as
professoras, buscando analisá-las com os referenciais teóricos organizados nas seções
um e dois. Para o estudo, como já indicado nos procedimentos metodológicos, foram
entrevistadas três professoras que atuam na PW, cujas idades variam entre 30 e 40 anos
e que atuam nas cidades de Piracicaba e Campinas, ambas situadas no interior do Estado
de São Paulo. Já tinha contato, por motivos pessoais, com uma das professoras de
Piracicaba e esta recomendou que entrevistasse sua colega e com a professora de
Campinas o primeiro contato foi através de e-mail.
Com o intuito de deixar mais visível e facilitar o entendimento e compreensão
do leitor ao longo dessa seção as categorias utilizadas para a análise das entrevistas
serão divididas, destacadas e apresentadas em itens e subitens.
4.1. Aproximação com a Pedagogia Waldorf
Foram bem diferentes as formas de aproximação com cada uma das três
professoras com a PW. A Professora Raquel5 é formada em magistério e já havia
lecionado em escolas tradicionais, sua aproximação com a PW deu-se através de um
convite feito por uma amiga que lecionava em uma escola Waldorf e sua especialização
para trabalhar nessa pedagogia deu-se simultaneamente à docência nesse tipo de escola.
Recebi um convite de uma amiga que já trabalhava na escola Waldorf, fazia
seminário. Antes disso eu trabalhei dois anos com educação infantil em uma
escola convencional que tinha um método, meio que construtivista aí eu saí e
recebi esse convite pra ir para a escola Waldorf. Fui aprendendo e gostando
cada dia mais e cada ano foi uma conquista. Aí eu procurei me especializar,
conhecer mais, participava de cursos e fiz o seminário de formação.
(Professora Raquel)
5 Nome fictício, bem como o das outras professoras citadas no trabalho.
31
A Professora Eliana é formada em Biologia e fez mestrado nessa área, a partir de
questões não respondidas sobre o conhecimento do mundo e do ser humano buscou os
estudos da Antroposofia e então conheceu, se aproximou da PW e fez o curso de
formação de professores/as Waldorf em Brasília – DF (diferente das outras duas
professoras que fizeram o curso em Jaguariúna – SP)
Meu caminho de aproximação com a PW foi através da Antroposofia, na
verdade, que respondia pra mim questões relativas ao conhecimento do
mundo. Eu tenho uma formação cientifica, eu sou bióloga fiz um trabalho de
pós-graduação e aí quando eu me confrontei com a conclusão desse trabalho
eu percebi que os recursos que eu tinha eram insuficientes para explicar
certos fenômenos e a Antroposofia apontava para um caminho de
conhecimento mais amplo do homem, do mundo, de mim mesma e do
desenvolvimento da criança que me interessava. (Professora Eliana)
Já a Professora Claudia também fez magistério e lecionou em outras escolas e se
aproximou da PW, pois foi empregada em um jardim de infância Waldorf como auxiliar
de professora e assim se interessou muito pela pedagogia e a partir disso fez o curso de
formação de professores/as e assim como a Professora Raquel fez o seminário
concomitantemente com o exercício da profissão docente na Escola Waldorf, conforme
relata:
Eu sou professora, tenho magistério. Eu já estive em outras metodologias de
ensino e nunca tinha atuado na PW, aliás eu nem sabia de sua existência,
depois que eu me mudei para Piracicaba eu fui admitida pelo jardim de
infância Waldorf e aí passei a estudar, fui para Jaguariúna fazer o curso e
estudo até hoje. (Professora Claudia)
4.2. Ciclo de vida profissional e visão sobre a docência
A Professora Raquel trabalha com a PW há 11 anos, a Professora Eliana há 7
anos e a Professora Claudia há 6 anos. Segundo Huberman (2007) que estudou o ciclo
de vida profissional de professores/as do ensino secundário na Suíça esse período, em
que as professoras estão inseridas, da carreira docente está situado após uma fase inicial,
que dura três anos, de entrada na carreira, quando as incertezas são grandes quanto a
32
permanência na profissão e a professora vive, simultaneamente, estágios de
sobrevivência e descoberta, ora precisando se deparar com a superação do choque da
realidade, ora vivendo o entusiasmo e as experimentações das novidades da carreira.
Após esses três anos a professora está mais confiante, conquista seu estilo
próprio e é mais flexível na gestão da turma;, também se sente mais competente e
possui autoridade natural além de consolidar o compromisso com a profissão, o que
marca a fase de estabilização (HUBERMAN,2007). Nesta fase aparecem as sensações
de libertação, segurança, descontração e também o domínio da situação pedagógica em
consonância com autoridade e espontaneidade:
Na quase totalidade dos estudos empíricos, a estabilização procede ligeiramente ou acompanha um sentimento de “competência” pedagógica crescente. Os estudos de Fuller (1969) e de Durden (1971), por exemplo, evocam um sentimento de confiança e de “conforto”, associado a uma maior descentração: as pessoas preocupam-se menos consigo próprias e mais com os objetivos didáticos. Situando melhor os objetivos a médio prazo e sentindo mais à vontade para enfrentar situações complexas ou inesperadas, o professor logra consolidar e aperfeiçoar o seu repertório de base no seio da turma. (p.40)
É nessa fase que se situam as professoras entrevistadas. Notaremos, nas falas
que seguem, que algumas das marcas da fase de estabilização se fizeram presentes. A
Professora Raquel considera sua prática pedagógica muito prazerosa e gratificante, pois
segundo ela há “um retorno gostoso das crianças, você percebe que aquilo que precisa
ser aprendido passa pelo sentir deles, então se torna mais vivo, dá uma realização
grande”. Ressaltou que seu trabalho com a alfabetização tem sido bom, pois tem tido
bons resultados. A Professora Claudia também apresenta uma visão positiva da
docência, ao afirmar que “a prática pedagógica de alfabetização na Pedagogia Waldorf é
extremamente completa e eu acredito muito nela”, indicando que enquanto professores
nós devemos acreditar na prática pedagógica que desenvolvemos, pois quando tal
sintonia ocorre nós conseguimos melhores resultados na prática educativa. A Professora
33
Eliana ao se referir a sua prática pedagógica, destacou que acontece uma espécie de
reconhecimento da maturidade das crianças e analisando sua fala pode-se dizer que há
humildade de sua parte ao relatar que: “a sensação que eu tive é que na verdade a gente
não ensina a ler, eles é que aprendem a fazer e com o entusiasmo vão “acordando” para
a aprendizagem”. A partir disso nota-se também a importância, na PW, de que o ensino
da leitura e da escrita aconteça conforme a maturidade da criança e que, em sua
concepção, não adianta ensinar conteúdos para os quais muitas vezes ela pode não estar
pronta. No entanto isso não quer dizer que se deve deixar as crianças fazendo o que
querem até chegar a maturidade, tanto é que a Professora Eliana destaca que “tem
criança que não “acorda nunca” aí você tem que falar “olha, aqui é B, aqui é A, faz BA
viu?”.
Estamos, portanto, diante de três professoras que, tomando por base as
considerações do referido autor, demonstram o prazer, a flexibilidade e a confiança
emergindo de sua prática pedagógica.
4.3. Formação para alfabetizar na Pedagogia Waldorf
Perguntadas sobre a formação para trabalhar com a alfabetização na PW, as
professoras relataram que não existe uma formação específica, mas ressaltaram que
durante o curso de formação de professores, já mencionado na primeira seção, há
módulos dedicados ao Ensino Fundamental e durante o estudo deste ciclo da educação
básica foca-se em algumas etapas a questão da alfabetização.
A Professora Raquel já alfabetizou três turmas, Eliana duas turmas e Claudia
uma turma. Esse número é pequeno considerarmos o tempo que elas atuam. No entanto,
devemos levar em consideração que na PW recomenda-se que a professora acompanhe
a mesma turma, desde o primeiro ano até, no mínimo, o nono ano. O ideal seria que ela
acompanhasse a turma até o Ensino Médio, quando ela passaria a ser uma tutora. Por
34
isso as professoras ficam cerca de oito anos com a mesma turma, a próxima turma de
alfabetização virá depois de muitos anos, quando voltam a estudar os processos de
alfabetização.
4.4. Maturidade dos/as alunos/as para alfabetização
Conforme relataram as professoras e também as indicações de Steiner a criança
até os sete anos estará empregando suas forças no desenvolvimento e estruturação dos
seus órgãos como coração, rins, pulmão e seu corpo físico como um todo, se um esforço
intelectual muito grande for exigido ela desviará suas forças e o seu corpo físico não se
desenvolverá completa e corretamente. Segundo Biekarck (s/d) quando uma criança tem
que atender a um adulto que quer que ela aprenda determinado conteúdo, isso faz com
que ela deixe de fazer aquilo que ela precisa fazer no momento para atender uma
solicitação externa ainda não amadurecida. Enquanto está fazendo esse atendimento ela
deixa de desenvolver a tarefa necessária no primeiro setênio que é constituir um
organismo próprio para si, um corpo próprio para si: na PW “a criança só recebe o
conteúdo quando o corpo dela está preparado para recebê-lo, daí que todo o conteúdo é
construído dentro do físico que a criança apresenta” (Professora Claudia).
Também há que se considerar que, como destacou a Professora Eliana,
Quando ocorre a alfabetização reduz-se algo muito complexo em um
símbolo muito pequeno diante da compreensão da linguagem e aí a gente
pode dizer que escrever é “matar” a linguagem, não matar no sentido de
acabar com ela, mas de minimizar muito sua complexidade em um símbolo.
A criança vai olhar a letra e entender que ela representa um som de P e que
juntando com A faz PA e isso é um pedaço da palavra pato. Então tudo isso
exige forças de pensamento que são as mesmas forças que formam o corpo,
as forças do que a gente chama de corpo etérico, então quando a gente pensa
muito e faz um esforço intelectual muito grande a gente perde força vital.
De acordo com Biekarck (s/d) o que a criança recebe do mundo rapidamente se
incorpora à constituição orgânica dela, então nos primeiros sete anos a criança está
realmente configurando o seu organismo, e esse período de configuração do seu
35
organismo próprio, lemos que ele termina com a troca dos dentes, a partir daí a criança
estaria pronta para escolarização e não antes. A troca dos dentes, que acontece, ou
deveria acontecer, por volta dos sete anos caracteriza a externalização das forças, é um
sinal que o corpo etérico está se desvinculando da formação em curso para
representação mental. Ele afirma ainda que a criança após a troca dos dentes consegue
permanecer de um forma mais constante diante de representações mentais e estas se
relacionam com imagens, não exclusivamente, mas fundamentalmente, essas
representações mentais vão começar a constituir o fundamento da memória da criança.
Então é a partir desse momento, da troca dos dentes, que a criança pode entrar na
escola, pois ela já tem idade e forças disponíveis para dedicar ao pensamento.
4.4.1.1. A influência da troca dos dentes para alfabetização
Sobre isso as professoras relataram situações diferentes que esse acontecimento
causou. Segundo a professora Raquel houve e há influência “na questão anímica da
criança, ela fica mais pronta parece que dá um “up” dá uma acordada, nesse sentido
acontece sim.” A professora Claudia destaca que é “exatamente por isso que as crianças
são alfabetizadas com sete anos que é quando essa troca de dentes acontece e isso
significa que as crianças estão maduras para receber um novo momento que vai ser a
chegada das letras.” Já a professora Eliana entende que
Não tem uma influência exatamente, mas são finalizadores. Agora tem
crianças que caem os dentes, trocam os dentes e não aprendem a ler não tem
uma relação a ver uma com a outra e tem outras que sabem ler e que não
trocam os dentes também, mas é um indicador de como essas forças de
vitalidade estão trabalhando no corpo.
Biekarck (s/d) comenta que quando a criança começa a trabalhar de uma forma
mais direta e mais autônoma com a questão da memória aparece a pergunta sobre como
levar para ela assuntos e conhecimentos que se instalem em sua memória da forma mais
saudável possível, mais prazerosa, mais plena, o que na PW se dá através de vivências.
36
Assim é que no ensino fundamental tem-se como base sempre desenvolver as matérias
de forma que elas produzam vivências na alma da criança. Com um conteúdo
vivenciado ela consegue se relacionar, ao passo que com um conteúdo meramente
intelectual ela só consegue pensar, e não vincula o seu ser com aquilo que ela pensa.
Sobre esse aspecto a Professora Claudia explicou que “através da vivência e da imagem
chega a letra para a criança e conforme a letra, uma história e uma vivência. A criança
vivencia o A no corpo com o movimento pra depois esse A aparecer como um desenho
na lousa e no caderno”. Desta forma, mesmo que a criança tenha alcançado maturidade
e a partir da troca dos dentes tenha mais forças para empregar no pensar, é necessário o
uso de imagens para o processo de aquisição de leitura e escrita assim como para tudo o
que o professor precisa ensinar. Segundo Steiner (2000)
O pensar da criança ainda não alcança o intelectual, da troca dos dentes até a
maturidade sexual, esse pensar realmente só tem relação com tudo que atua
na criança sob forma de imagens. Imagens atuam sobre os sentidos. (...)
Então com a troca dos dentes, a criança também começa a assimilar o que é
imagético. E, antes de mais nada, temos de inserir nesse imagético aquilo
que deve ser levado à criança justamente da melhor maneira, ou seja, por
meio da linguagem. (p.58)
4.5. A importância do uso de imagens
As professoras relataram, em consonância com Steiner, a importância da
utilização de imagens principalmente quando elas fazem a introdução de determinada
letra que, como já explicitado anteriormente, chega até as crianças por meio de um
desenho, ou seja, uma imagem. O conceito de imagem na PW não é apenas aquela que
os olhos veem, mas também uma representação mental, pois quando as professoras
contam uma história, por exemplo, as crianças imaginam a história e isso é uma
imagem, como afirmam duas professoras:
Trazemos ao mesmo tempo o som e a imagem e a imagem ela é tanto
pictórica, que é o desenho da letra quanto é a imagem enquanto história. Na
história você traz uma situação que representa várias palavras com o som da
letra que você vai apresentar. A história tem um sentido e chega para criança
37
a partir do sentimento, a primeira coisa que a gente faz é associar o som ao
sentimento. E depois disso a gente ilustra pictoricamente a história e dali sai
a forma da letra, então a gente faz a relação de concretizar em uma forma
aquele som que você vinha falando e aquela história que você contou.
(Professora Eliana).
Se eu vou trazer o F, você traz o artístico na lousa que é o desenho e através
do desenho e da história os elementos que trazem o som do fonema F. E aí
quando você conta a história e muitas palavras com esse som, que já estão
presente nas crianças através de versos, você faz uma fada de maneira que
dessa fada você faça surgir um F. (Professora Raquel)
4.6. Ordem de apresentação das letras
É importante ressaltar que as histórias, bem como a ordem em que as letras são
apresentadas são determinadas pela professora. É ela quem decide qual história é mais
adequada para sua turma e também deve sentir e perceber quais letras serão
apresentadas primeiro, conforme a ansiedade dos/das alunos/as e para tanto também
pode utilizar as iniciais do nome das crianças, não há um roteiro estabelecido somente
as orientações recebidas nos cursos de formação e aprofundamento e também nas
leituras feitas pelas professoras sobre a teoria Antroposófica indicadas por Steiner.
Biekarck (s/d) afirma que na PW o ensino é criado pelo/a professor/a para os/as seus/as
alunos/as, também ressalta que o professor ou professora no Ensino Fundamental
acompanha a classe durante as oito séries e por isso ele/a torna-se um referencial muito
forte para a criança. O que é apresentado na escola para os/as alunos/as chega até eles
somente através da professora, não há livros didáticos ou apostilas utilizadas em sala,
todo o material dos/as alunos/as, como os livros e cadernos eles mesmos confeccionam,
o que deve ser feito anteriormente o que será trabalhado.
4.7. A influência do ensino de línguas estrangeiras durante a alfabetização
No inicio do ensino fundamental das Escolas Waldorf os/as alunos/as já têm
contato com pelo menos duas línguas estrangeiras, mas até o terceiro ano do Ensino
Fundamental é só trabalho oral, as crianças não escrevem na língua estrangeira.
38
Conforme orienta Steiner: “(...) no primeiro ano, a criança imediatamente começa a
aprender, além da língua materna, duas línguas estrangeiras.” (2005, p.100). Ressalta
ainda que a escolha das línguas a serem ensinadas deverá ser guiada pela necessidade,
mas é fundamental que sejam ensinadas outras línguas.
A Professora Eliana lembra que antes de entrar no Ensino Fundamental a criança
vivencia a linguagem oral com bastante ênfase, os/as professores/as de educação infantil
trabalham muito com a oralidade, cantam, fazem frases rimadas e acompanhadas de
melodia e de linguagem elaborada, por isso até os sete anos a criança tem um repertório
de linguagem oral bem desenvolvido na língua materna, em geral, as línguas
estrangeiras não competem com isso, pois elas só começam a ser trabalhadas quando a
criança já tem isso muito bem estabelecido. Sobre a influência desse ensino durante o
processo de alfabetização, a Professora Eliana afirma que:
Não atrapalha e necessariamente nem ajuda na aquisição da língua materna.
Esse trabalho com as línguas estrangeiras é bem importante para ampliar seu
repertório anímico com outra linguagem, pois a linguagem é a expressão de
um povo, como esse povo se relaciona com o mundo está muito sutilmente
agregado à linguagem.
Outro motivo interessante que ela apresenta para a importância do ensino de
línguas estrangeiras nas primeiras séries do ensino fundamental é,
(...) porque a linguagem vai ganhando uma certa elasticidade e isso é muito
legal, pois as crianças têm uma boa abertura para aprender a língua
estrangeira e em geral elas gostam muito, as aulas são muito agradáveis, elas
imitam com muita facilidade porque vão ouvindo e saem falando mesmo. E
isso já abre a criança para língua estrangeira e ela não fica assim “Ai, será
que está certo? Será que não está?” Não! Elas “vão embora”, saem falando
sabe? E aí depois fica mais fácil para aprender a gramática por exemplo.
Já a Professora Claudia acredita que tem influência, pois como relata “essas duas
línguas auxiliam o aprendizado da língua materna. Essa questão da oralidade, do ritmo,
de ter uma ciranda, uma roda, eu acredito que isso faz com que a língua materna fique
mais gostosa de aprender, assim como as estrangeiras”.
Sobre o ensino das línguas estrangeiras Steiner (2005) orienta que:
39
Tentamos ministrar a aula de língua estrangeira de forma a não abordarmos a
relação entre uma língua e outra. Nós ignoramos, digamos assim, que mesa
em alemão seja tisch e em inglês table que comer em alemão seja essen e em
inglês seja aet. Ligamos cada língua não à palavra de outras línguas, mas
diretamente a objetos a criança aprende a nomear, seja em francês ou inglês,
o teto, a lâmpada, a cadeira. Portanto, de certa forma ainda não se dá valor à
tradução, isto é, à transposição de uma palavra, de uma língua para outra; a
criança aprende sim, a simplesmente falar na língua estrangeira ou pensar
que, ao falar table em inglês, isto se chama tisch, e assim por diante. Isso não
existe para criança, ela não chega a cogitá-lo durante a aula, pois até ali não
foi feita uma comparação linguística ou algo dessa natureza. Através disso, a
criança tem a possibilidade de aprender a língua a partir de sua característica
essencial, e cada língua a partir de seu elemento essencial do qual provém:
do elemento do sentir. (p.100)
4.8. A importância do uso da flauta
O uso da flauta na PW é constante dia-a-dia desde o primeiro ano do ensino
fundamental até o último ano do ensino médio. Diante do exemplo pessoal que tinha
perguntei às professoras qual era e se havia influência o uso da flauta no processo de
alfabetização. Para a Professora Raquel a flauta trabalha um acordar antes da aula, pois
essa parte rítmica com a flauta doce ajuda muito a criança a despertar, esse momento
rítmico que acontece meia hora antes do início da aula da manhã faz com que a criança
“chegue” para o conteúdo, como explica:
Se ela teve um trânsito caótico, acordou em cima da hora ou teve um sonho
ruim, enfim um monte de possibilidades que pode ter do caminho de casa até
a escola, a gente faz esse acordar, acordar o anímico para aula. (...)
A Professora Claudia também destacou a importância da flauta e do exercício de
respiração que ela promove para a preparação dos/as alunos/as e sua prontidão para
receber os conteúdos a serem ensinados ou revisados naquele dia. De acordo com ela, a
flauta desenvolve toda parte de respiração e atua diretamente no sentir, “há um contrair,
expandir, contrair e expandir e depois desse toque de flauta a criança tem como receber
o conteúdo de maneira mais “aberta”, pois tocando flauta as crianças se preparam para a
aula”.
40
A Professora Eliana ressaltou aspectos positivos quanto ao uso da flauta, não só
durante o processo de alfabetização, mas dos anos do Ensino Fundamental e Médio. No
âmbito da ajuda na alfabetização ela explicou sobre sua importância especialmente para
a motricidade fina, “os dedinhos que abrem e fecham os buraquinhos da flauta para que
a criança consiga tocá-la é muito importante para que ela consiga escrever”.
Duas professoras, Raquel e Eliana, comentaram que a flauta proporciona aos/as
alunos/as momentos de união em grupo, pois “fazer música em conjunto traz muita
alegria e autoconfiança para as crianças”, conforme ela explica a seguir:
Tocar flauta é respirar junto. Quando a gente toca junto a gente força o grupo
e no primeiro ano a formação do grupo é uma coisa muito importante porque
é um grupo coeso que vai conduzir as diferenças, um grupo coeso admite as
crianças que estão mais na frente e que dão uma “rezinha” por causa do
grupo, ou crianças que estão lá trás e o grupo espera e essas correm um
pouco. Esse respirar junto, inspira, expira e toca com pouca consciência,
porque isso é diferente de falar: “inspira, expira” a gente esta fazendo música
e aí isso dá uma coesão interessante o grupo que aprende até respirar
junto.(Professora Eliana)
... quando você trabalha a questão musical com a flauta você consegue
desenvolver um grupo na sala, pois quando você usa a música ou flauta você
faz com que os alunos se unam em um grande grupo. Se você quer trabalhar
mais a individualidade na sala então você usa os versos, tem esse relação
também. (Professora Raquel)
Steiner (2005) justifica a aprendizagem de um instrumento de sopro como forma
da criança usar o ar, inspirando e expirando:
Aprender a tocar um instrumento qualquer de sopro, e aos poucos, entender
a música é muito proveitoso para as crianças. Certamente será possível ter as
piores surpresas quando as crianças começam a soprar, mas por outro lado,
manter, no interior de seu corpo, ao longo dos feixes de nervos, toda a
configuração do ar que normalmente circunda, e continuar a impeli-lo para
frente, para dentro do instrumento, será uma vivência maravilhosa. (p.98)
4.9. Criatividade da professora: característica indissociável
A criatividade é uma marca da PW e as professoras entrevistadas ressaltaram
isso como uma característica indissociável da prática pedagógica de uma professora
Waldorf. Como não se trata de um sistema rígido, um/uma professor/a não pode imitar
41
o/a outro/a e nem repetir a si mesmo monotonamente, como ressaltam Abreu e Sâmara
(1999):
Cada professor precisa desabrochar, de modo artístico, seu próprio ser e
entregá-lo com espontaneidade, de acordo com seu esforço para alcançar o
equilíbrio interior. A força criativa recém conquistada se manifestará em
idêntica medida na formação consciente de suas palavras, no tom da sua voz,
atuando de forma impulsora e ativa as forças da alma. (p. 95)
Na PW o/a professor/a tem completa liberdade para desenvolver artisticamente
seus dons pedagógicos, as mesmas autoras ao citarem Steiner observam que “cada aula
do professor deveria ser uma verdadeira obra de arte” (p. 95) e o espírito e a atitude
anímica do/a artista devem então preenchê-lo. Lanz (1990) explica que não se trata da
realização prática, da capacidade do pintor, músico ou poeta, mas sim da maleabilidade,
da fantasia e criatividade que marcam o/a artista.
4.10. O envolvimento e anseios dos pais no processo de alfabetização
As professoras devem saber como explicar para os pais esse processo de
alfabetização na PW, que é lento e muitas vezes eles não entendem isso. Pressupomos
que os pais que matriculam seus filhos em Escolas Waldorf conheçam minimamente
suas propostas pedagógicas, mas mesmo assim as professoras comentaram que os pais
ficam ansiosos para que seus/suas filhos/as aprendam a ler e escrever rapidamente, pois
esta é uma exigência de muitas outras escolas e da sociedade, sendo portanto
compreensível tal ansiedade.
Como na PW a participação dos pais é solicitada constantemente, como já
explicado no primeiro capítulo, e é também um dos princípios que compõe sua
concepção pedagógica, as professoras têm um contato muito frequente com os pais, o
que possibilita constantes esclarecimentos sobre a alfabetização. Apesar da ansiedade
os pais costumam compreender esse processo. Como relata a Professora Raquel, “ocorre
42
um anseio e uma certa insegurança, porque é algo novo para eles, pois a gente vê
crianças com cinco anos que sabem ler e escrever”. Por isso, explica que:
o que a gente tenta trazer para os pais é essa consciência do que a
Antroposofia fala, do que nós acreditamos também enquanto mostrando esse
processo que é tão mágico, tão vivo dentro da criança e que se torna
prazeroso (...) Quando você traz isso para os pais de uma forma bem clara,
bem tranquila isso dá mais segurança a ansiedade vai se contendo
paulatinamente conforme eles vão acompanhando o progresso do filho e o
processo do currículo.
4.10.1.1. Tempo necessário para a alfabetização na Pedagogia Waldorf
Segundo as professoras, as turmas que elas alfabetizaram levaram
aproximadamente 3 anos para aprenderem a ler e escrever efetivamente.
4.11. Trabalho com alunos/as já alfabetizados
Quando acontece da professora receber alunos/as já alfabetizados em suas
turmas, conforme relataram as professoras, o trabalho acontece da mesma maneira que
com os/as demais alunos/as, pois o processo na PW é tão diferente que é como se ela
nem conhecesse. Como a PW traz a questão da alfabetização pela imagem, pela história
e pelo sentir, a criança se abre para ouvir uma história e nem imagina a princípio que
tem uma letra envolvida nesse processo, se envolvendo com entusiasmo e fantasia.
Conforme explica a Professora Eliana “se ela tem a abertura para a fantasia, pode ser
que a fantasia esteja um pouco desinteressante, mas em geral as crianças de 7 e 8 anos
têm muita abertura para imagens, então eles se envolvem com o mesmo vigor,
entusiasmo e fazem os exercícios com o mesmo querer”. A Professora Claudia explicou
que “o trabalho é o mesmo, não tem diferença a criança já vem com uma bagagem
grande, mas aí ela consegue se adequar ao conteúdo da PW e caminha junto com os
outros”.
4.12. Uso de materiais de apoio no preparo e execução das aulas e atividades
43
Perguntei para as professoras sobre o uso de outros materiais didáticos, que não
os indicados pela PW e Antroposofia, para o preparo de suas aulas ou até mesmo para
utilização direta com os/as alunos/as, tais como cartilhas, livros didáticos, jogos, livros
de literatura, revistas entre outros. Por conta da autonomia que a PW proporciona ao/a
seu/sua professor/a, não estabelece exatamente os materiais que ele/a deve usar, mas
existem livros escritos por estudiosos/as da PW e da Antroposofia, e pelo próprio
Rudolf Steiner, que indicam como devem ser desenvolvidas e preparadas algumas
atividades, como a confecção de brinquedos, canções e histórias, e também o conteúdo e
metodologias a serem utilizadas nas aulas para cada ano escolar e cada faixa etária
dos/as alunos/as.
A Professora Eliana explica que a PW tem uma linha metodológica que, no caso
da alfabetização, é bastante delimitada, mas que não encerra uma metodologia, o que
guia a professora é o entendimento de criança que se tem e a partir desse entendimento
abre-se um leque de possiblidades muito grande em termos de materiais e ferramentas
metodológicas “desde que a gente não esteja aviltando essa criança pequena, exigindo
demais do intelecto, sobrecarregando o treino da ortografia ou na caligrafia. Todo modo
como a gente conduz é principalmente baseado nessa compreensão de criança”.
Conforme exemplifica:
Eu posso sim, fazer o uso de jogos com letra, bingo com letras, exercícios do
tipo troca-letras, caça-palavras, por exemplo, eu faço e as crianças gostam
muito. Pesquiso, principalmente materiais, entre colegas da Escola Waldorf,
materiais que são úteis e que deram certo, enfim, eu acho que em relação a
isso não tem uma proibição, mas requer atenção de saber que material é esse,
que metodologia é essa o que está exigindo da criança pra ver se não é muito
diferente daquilo que agente já tem enquanto metodologia estabelecida.
Explicou ainda que nas Escolas Waldof os/as alunos/as não utilizam cartilhas e
nem livros didáticos, pois todo o conteúdo que será transmitido vem através do/a
professor/a e esse é, principalmente, o elemento artístico da PW. Ela afirma que “o/a
44
professor/a se apropria do conteúdo e do “mundo”, o transforma e traz para a criança
como arte”.
No primeiro ano na verdade o que a gente precisa fazer constantemente é
olhar o mundo, “se debruçar sobre ele” no que acontece no nosso redor, na
natureza, nos seres da natureza, nas atividades cotidianas, nas atividades de
trabalho artesanal. Esse é, principalmente, o nosso “alimento” para criar as
histórias para alfabetização e encontrar elementos pictóricos no mundo que
possam servir como material para alfabetização.
Sobre outros apoios e o uso de livros didáticos ela faz a seguinte consideração:
Se eu preciso elaborar e mexer um pouco mais com essa linguagem eu
preciso de recursos que são cursos, tutorias, conversas com os professores e
livros didáticos que trazem exercícios com linguagem que podem ser
interessantes e aí eu adapto esses exercícios pra minha classe, escolho e faço
as modificações necessárias.
As Professoras Claudia e Raquel também fazem uso de outros materiais e livros
didáticos, seja para desenvolver outros exercícios, ou usar diretamente com as/os
estudantes. Na consideração da Professora Claudia, que usa os materiais para criar
outros, na PW tudo se cria, para ela “não dá pra criar tudo da cabeça, então você olha
no livro tem a ideia e transforma naquilo que cabe dentro daquele conteúdo”. Já a
justificativa da Professora Raquel, que recorre a outros materiais tanto para adaptar,
quanto para o uso com seus/suas estudantes, é de que “tem criança que você não
consegue atingir através da PW e por isso precisa de algo a mais”. Ela acredita nas
Escolas Waldorf está sendo “bem vista” essa atitude de atender as necessidades
individuais de cada criança. “Eu recorro sim, a outros materiais, quando necessário.
Posso confeccionar uns jogos de tabuada como eu já fiz, um bingo de tabuada para que
a criança consiga aprender brincando”. Sobre o uso de cartilhas e livros didáticos ela
afirma, assim como as demais professoras, que recorre para elaborar exercícios, mas
também para estudar melhor e mais “a fundo” o conteúdo que vai desenvolver a fim de
relembrá-lo, isso é muito importante e ocorre principalmente quando os/as alunos/as
estão nos anos finais do Ensino Fundamental, pois os conteúdos são mais complexos e
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o/a professor/a precisa ter segurança ao lecioná-los, além de que como ela coloca “não
pode destoar muito do que eles vão ver lá fora”.
4.13. A diferença entre a Pedagogia Waldorf e as demais propostas pedagógicas
Em relação a essa diferença as professoras trazem considerações importantes,
objetivas e diferentes que, de certa forma, facilitam a compreensão. Foi interessante
observar que cada uma ressaltou aspectos diferentes na comparação com a PW e outras
propostas metodológicas e nenhuma delas referiu-se as demais vertentes como pior ou
inferior à PW apenas as diferenciaram.
A PW se diferencia das outras não só na questão da leitura e da escrita, mas
na visão de homem e de mundo que ela tem, que é uma visão espiritualista.
A PW considera como sendo realidade não só o corpo, como também a alma
e o espírito e esses são os elementos com os quais a gente trabalha na prática
pedagógica. Então isso faz bastante diferença em termos da PW comparada
com as outras, eu acho que é um ponto de partida bem distinto. (Professora
Eliana)
Há uma ligação artística no aprender, na instância do pensar, sentir e querer.
Você traz pra criança essa relação do sentir do eu gosto eu simpatizo e aí eu
quero fazer e vou pensar sobre isso. Então é diferente nesse sentido.
(Professora Raquel)
Eu acho que nas outras metodologias as crianças não vivenciam de fato essa
leitura e escrita, pois ela acontece de fora para dentro. Na PW a leitura e a
escrita acontecem de dentro para fora, a criança precisa estra preparada pra
receber e estando na idade certa para aprender esse conteúdo ela o
interioriza. O que acontece nas outras pedagogias é que as crianças estão
sendo antecipadas à alfabetização, elas não vivenciam a aprendizagem.
Através das entrevistas percebi que a teoria estudada é muito presente nas
práticas das professoras, elas são comprometidas com as orientações de Steiner, mas
também têm muita autonomia na execução e preparo de suas aulas. São estudiosas, pois
todas relataram que o trabalho principalmente com a alfabetização é muito intenso e
exige dedicação, estudo e acima de tudo criatividade.
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Considerações Finais
Esse trabalho teve como principal objetivo a análise da relação entre a teoria e as
práticas alfabetizadoras desenvolvidas pelas professoras na PW. Para tanto buscou-se o
aprofundamento nas teorias propostas por Rudolf Steiner, que foi o idealizador da PW,
assim como de estudiosos desta Pedagogia. Esta por sua vez tem como ideal a educação
pautada no desenvolvimento do ser humano e suas necessidades nos aspectos físicos,
espirituais e psicoemocionais, específicos de cada etapa da vida.
O aprofundamento sobre a concepção de alfabetização na PW possibilitou o
entendimento que o ensino da leitura deve ocorrer somente a partir dos sete anos, pois é
preciso levar em consideração a maturidade da criança, principalmente em relação aos
seus aspectos físicos, para que as forças necessárias para o desenvolvimento do
organismo não sejam desviadas para o esforço que o aprendizado requer. Também
foram apontados outros aspectos que envolvem a alfabetização, como o ensino a partir
de imagens e histórias, a troca dos dentes, o processo de desenvolvimento do corpo
físico e também da alma e espírito da criança.
Para entender as bases de alfabetização na PW foi preciso estudo dos métodos
sintéticos e analíticos apresentados por Carvalho (2005), a fim de entender como e em
que aspectos eles se aproximavam concepções de Steiner. Desta forma podemos afirmar
que, apesar de algumas concepções analíticas como a contação de histórias e contos
para a alfabetização, a base da PW é sintética, partindo de unidades menores para o
texto, sendo as suas matrizes metodológicas a soletração (unidade é a letra, ou grafema)
e os métodos fônicos (unidade é o fonema).
O procedimento de coleta de dados realizou-se através de entrevistas, que
colaboraram muito para o entendimento de conceitos que são difíceis de entender se não
forem exemplificados e explicados verbalmente.
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Das entrevistas emergiram categorias de análises importantes, discutidas no
Capítulo 4. Quanto à formação para alfabetizar, verificamos que se realiza em módulos
dos cursos que preparam os professores para atuar com a PW.
Destacou-se no estudo a percepção de que a as professoras vivenciam uma
articulação entre a teoria estudada e suas práticas, que, sabemos, é uma marca rara nas
práticas da grande maioria de professores. As três professoras entrevistadas se
encontravam na fase de estabilização do ciclo profissional e as características desta fase
se fizeram presentes em seus relatos, de prazer com a profissão, segurança e
flexibilidade na docência, de acordo com Huberman.
A sintonia entre teoria e prática marcou as práticas alfabetizadoras, em opções
metodológicas, tais como o percurso da letra ao texto, a utilização de imagens para o
ensino das letras e a contação de histórias, dentre outros aspectos.
Um aspecto que tem sido objeto de discussão na mídia nos últimos dias sobre a
PW diz respeito à idade para começar o processo de alfabetização. Com a implantação
da nova legislação (Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9394/1996) , que
antecipa o primeiro ano do Ensino Fundamental em um ano, as crianças podem
ingressar no primeiro ano com 5 anos. Entretanto, os educadores das escolas Waldorf,
pautados nos princípios que pudemos verificar nas proposições teóricas e nas práticas
das professoras, discordam desta antecipação e recorreram ao Conselho Estadual de
Educação de São Paulo para impedir tal possibilidade.
As professoras demonstraram flexibilidade quanto a certas orientações teóricas,
relativas, por exemplo, ao ensino mais diretivo para crianças com mais dificuldades
(“tem criança que não acorda nunca aí você tem que falar “olha, aqui é B, aqui é A, faz
BA viu?”, como exemplificou uma das professoras) e ao uso de alguns materiais
didáticos para uso com as crianças ou para adaptar para atividades criadas por elas
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O estudo permitiu constatar que a alfabetização na PW requer das professoras
estudo e aperfeiçoamento constantes sobre a Antroposofia e a proposta pedagógica das
Escolas Waldorf. Entretanto a maior sintonia entre as propostas teóricas e as práticas
nunca está plenamente garantida, demandando esforços delas. A este respeito, Biekarck
(s/d) ressalta, não só em relação à PW, que a PW tem muitos encantos e isso exige
atenção:
Eu diria também para cada um que vai se acertando com a PW ela pode
mostrar vários encantos, encantos da eventual felicidade que as crianças
possam ter, o encanto das riquezas do trabalho que eles produzem, a PW
pode ser bastante encantadora, mas ela não é perfeita, depende muito
também de quem a faz.
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Anexos
Roteiro para entrevista
1. Há quanto tempo você trabalha com a Pedagogia Waldorf?
2. Por que você escolheu trabalhar com a Pedagogia Waldorf?
3. Quantas turmas você já alfabetizou?
4. Você teve alguma formação específica para trabalhar com a alfabetização na Pedagogia
Waldorf?
5. Como você caracteriza a sua prática quanto à alfabetização na PW?
6. No que basicamente se diferencia a Pedagogia Waldorf de outras propostas pedagógicas
no que diz respeito ao ensino da leitura e escrita?
7. Por que na Pedagogia Waldorf não se alfabetiza antes dos sete anos?
8. Já aconteceu de você receber crianças já alfabetizadas na turma? Se sim, como foi
desenvolvido o trabalho com elas?
9. A aquisição da leitura e escrita na Pedagogia Waldorf se dá de maneira lenta e gradua.
Como os pais encaram isso? Há muita cobrança da parte deles?
10. Qual a importância, na sua prática, do uso da flauta na alfabetização?
11. Você percebeu, nas turmas que já alfabetizou, alguma influência da troca dos dentes
durante a alfabetização?
12. Você recorre a outros princípios, procedimentos metodológicos ou materiais que não
são os da PW? Por que?
13. Você usa cartilhas para preparar suas aulas?
14. No primeiro ano ao se iniciar o processo de alfabetização também se inicia o estudo de
outras línguas como, por exemplo, o alemão e o inglês. Por quê? Você acha que isso
teve influência na alfabetização da/s sua/s turma/s?
15. As histórias que são contadas e a ordem em que as letras são apresentadas aos alunos, é
escolhida por você, ou há um “roteiro” pré-estabelecido?
16. Em média em quanto tempo, as crianças da/s sua/s turma/s foi/foram alfabetizadas?
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