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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE PEDAGOGIA LICENCIATURA PLENA AS ESPECIFICIDADES DA PEDAGOGIA WALDORF: UM ESTUDO COM TRÊS PROFESSORAS ENVOLVIDAS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO. Ana Carolina Bottene SÃO CARLOS 2011

Estudo Pedagogia Waldorf

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Estudo sobre Pedagogia Waldorf

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Page 1: Estudo Pedagogia Waldorf

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE PEDAGOGIA LICENCIATURA PLENA

AS ESPECIFICIDADES DA PEDAGOGIA WALDORF: UM ESTUDO COM TRÊS

PROFESSORAS ENVOLVIDAS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO.

Ana Carolina Bottene

SÃO CARLOS

2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE PEDAGOGIA LICENCIATURA PLENA

AS ESPECIFICIDADES DA PEDAGOGIA WALDORF: UM ESTUDO COM TRÊS

PROFESSORAS ENVOLVIDAS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO.

Ana Carolina Bottene

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade

Federal de São Carlos, como requisito parcial para conclusão do

Curso de Pedagogia Licenciatura Plena, sob orientação da Profa.

Dra. Heloísa Chalmers Sisla Cinquetti do Departamento de Teorias

e Práticas Pedagógicas.

SÃO CARLOS

2011

Page 3: Estudo Pedagogia Waldorf

Agradecimentos

Gostaria de agradecer primeiramente a Deus, por tudo que tenho e sou. Também

agradeço aos meus pais Eliana Ap. Bottene Pacífico e Luiz Antonio Pacífico, por toda a

dedicação à minha educação, pelo carinho e amor que me deram e pela transmissão de

valores importantes para minha vida. Agradeço meu irmão Matheus Bottene Pacífico

por me fazer compreender e sentir o amor fraterno.

Agradeço à minha avó Geraldina Bottene, segunda mãe, que nesse ano lutou

contra uma doença e se curou plenamente podendo estar ao meu lado durante a

conclusão dessa etapa tão importante para mim. Agradeço também aos demais membros

da minha família e aos pais e irmã do meu namorado Danylo que de alguma forma

colaboraram e torceram pelo meu sucesso. Especialmente à minha prima Amanda

Pacífico por me incentivar com seu exemplo.

Agradeço meu namorado Danylo Melloni pelo amor, apoio, companheirismo,

respeito, confiança e carinho.

Agradeço à Professora Doutora Heloísa C. S. Cinquetti, que aceitou o desafio de

me orientar nesse trabalho, cujo tema é tão complexo, possibilitando assim nosso

aprendizado conjunto sobre a PW. Agradeço sua dedicação e envolvimento.

Agradeço à Professora Mestre Eliana M. R. Cruz e Professora Doutora Márcia

Onofre por aceitarem prontamente fazer parte da banca examinadora desse trabalho.

A todas as colegas bolsistas do PIBID, e também às orientadoras e supervisoras,

por compartilharem momentos de sabedoria, reflexão, angústias e alegrias.

Aos demais colegas da turma de Pedagogia 2008 por todos os momentos que

passamos juntos nesses anos de muito aprendizado sobre a educação.

Page 4: Estudo Pedagogia Waldorf

Agradeço à amiga Lisia Fer por seu companheirismo e amizade que vão além do

aspecto físico. À amiga Raquel, que não esteve efetivamente presente esse ano, mas se

fez presente em minhas lembranças. Agradeço a Talita Melo pela amizade confiada em

pouco tempo de relação. Também agradeço às moradoras, atuais e antigas, do bloco 24

por compartilharem o desafio do respeito ao próximo e da boa convivência.

Também gostaria de agradecer à Associação Pedagógica Novalis e Peter

Biekack pelo empréstimo dos livros utilizados como referenciais teóricos e outros

materiais.

Agradeço, especialmente, às professoras entrevistas, por todo o esclarecimento

das teorias e práticas alfabetizadoras na PW possibilitando assim a realização desse

trabalho.

Page 5: Estudo Pedagogia Waldorf

Resumo

O presente trabalho foi pensado a partir da necessidade de entendimento sobre os

aspectos teóricos e práticos da alfabetização na Pedagogia Waldorf, que por sua vez tem

como ideal a educação pautada no desenvolvimento do ser humano e suas necessidades

nos aspectos físicos, espirituais e psicoemocionais, específicos de cada etapa da vida.

Para essa compreensão foi necessário o estudo das concepções teóricas e metodológicas

apresentadas por Rudolf Steiner criador da referida vertente pedagógica. Para a

efetivação do ensino da leitura e escrita é preciso levar em consideração a maturidade da

criança e esse ensino deve ocorrer a partir de imagens e histórias. O estudo dos métodos

sintéticos e analíticos apresentados por Carvalho (2005) possibilitou compreender que a

base da Pedagogia Waldorf é sintética que, por sua vez, tem como suas matrizes

metodológicas a soletração e os métodos fônicos. Para a análise da relação entre a teoria

e as práticas alfabetizadoras desenvolvidas pelas professoras na Pedagogia Waldorf,

foram realizadas entrevistas das quais emergiram categorias de análises importantes

presentes no capítulo 4. Nesta e também em outras propostas pedagógicas, faz-se

necessária a articulação entre a teoria estudada e prática alfabetizadora desenvolvida

para que se obtenha êxito na alfabetização. E essa sintonia, entre teoria e prática, marca

as práticas alfabetizadoras das professoras entrevistadas e para isso elas devem estudar

constantemente a Antroposofia e as concepções metodológicas sugeridas por Steiner.

Palavras-chave: Pedagogia Waldorf, Rudolf Steiner, Alfabetização e Práticas

Alfabetizadoras.

Page 6: Estudo Pedagogia Waldorf

Sumário

Introdução ..................................................................................................................................... 1

Capítulo 1. A Pedagogia Waldorf ................................................................................................. 3

1.1. A Pedagogia Waldorf e seu idealizador Rudolf Steiner ................................................ 3

1.2. Contexto histórico da criação da Pedagogia Waldorf ................................................... 4

1.3. A Antroposofia .............................................................................................................. 6

1.4. Concepção de desenvolvimento do ser humano na Pedagogia Waldorf ....................... 8

1.4.1.1. Os setênios......................................................................................................... 9

1.4.1.2. O primeiro setênio ........................................................................................... 10

1.4.1.3. O segundo setênio ........................................................................................... 11

1.5. O ensino baseado na compreensão do ser humano ..................................................... 12

1.6. Relação entre o/a professor/a e o/a aluno/a ................................................................. 13

1.7. Funcionamento e gestão das Escolas Waldorf ............................................................ 13

1.7.1.1. O/A professor/a e o corpo docente .................................................................. 14

1.7.1.2. Participação dos Pais ....................................................................................... 16

1.7.1.3. Avaliação ......................................................................................................... 17

1.8. Formação de professores/as Waldorf .......................................................................... 17

1.9. Números e breve histórico da Pedagogia Waldorf no Brasil ...................................... 18

Capítulo 2. A alfabetização na Pedagogia Waldorf e nos métodos sintéticos ............................. 20

2.1. A Alfabetização na Pedagogia Waldorf ...................................................................... 20

Capitulo 3. Procedimentos Metodológicos ................................................................................ 26

Capítulo 4. A prática das professoras na Pedagogia Waldorf ..................................................... 30

4.1. Aproximação com a Pedagogia Waldorf ..................................................................... 30

4.2. Ciclo de vida profissional e visão sobre a docência .................................................... 31

4.3. Formação para alfabetizar na Pedagogia Waldorf ...................................................... 33

4.4. Maturidade dos/as alunos/as para alfabetização .......................................................... 34

4.4.1.1. A influência da troca dos dentes para alfabetização ........................................ 35

4.5. A importância do uso de imagens ............................................................................... 36

4.6. Ordem de apresentação das letras ............................................................................... 37

4.7. A influência do ensino de línguas estrangeiras durante a alfabetização...................... 37

4.8. A importância do uso da flauta ................................................................................... 39

4.9. Criatividade da professora: característica indissociável .............................................. 40

4.10. O envolvimento e anseios dos pais no processo de alfabetização ........................... 41

4.10.1.1. Tempo necessário para a alfabetização na Pedagogia Waldorf ....................... 42

Page 7: Estudo Pedagogia Waldorf

4.11. Trabalho com alunos/as já alfabetizados ................................................................. 42

4.12. Uso de materiais de apoio no preparo e execução das aulas e atividades ............... 42

Considerações Finais ................................................................................................................... 46

Referências .................................................................................................................................. 49

Anexos......................................................................................................................................... 51

Page 8: Estudo Pedagogia Waldorf

1

Introdução

O presente trabalho visa suprir lacunas de formação, pois durante os quatro anos

de estudo não tivemos nenhum momento formal de reflexão sobre a Pedagogia Waldorf

(PW). Também por isso, percebi nesse trabalho a oportunidade de aprofundar os meus

conhecimentos a cerca do tema e assim também possibilitar aos meus colegas da

Pedagogia e demais leitores a apresentação de alguns elementos da PW, enfocando as

práticas pedagógicas voltadas para alfabetização e o letramento de professoras de

escolas que se apóiam na PW para compreender como essas práticas se relacionam com

a teoria proposta por Rudolf Steiner.

A escolha do tema se deu a partir das vivências enquanto membro de uma

família inserida em Escola Waldorf, (meu irmão estudou numa escola Waldorf)

proximidade que me influenciou na opção pela graduação em Pedagogia.

No decorrer do trabalho, primeiramente, farei breve apresentação do idealizador

da PW, Rudolf Steiner, e explicarei alguns aspectos fundamentais de sua teoria e

concepções baseadas na Antroposofia, bem como o contexto histórico em que foi

criada. Também trarei alguns dados sobre sua difusão no Brasil.

Em seguida abordarei os aspectos relativos à concepção de ensino e

aprendizagem da leitura e escrita na PW apresentando suas principais características,

assim como as características dos métodos sintéticos e a concepção alfabetização e

letramento relacionando-as ao método proposto por Steiner e outros/as educadores/as

que desenvolveram estudos sobre a PW.

Para analisar as práticas alfabetizadoras de professoras na PW optamos por

entrevistar três professoras que já aturam como alfabetizadoras em escolas Waldorf das

cidades de Campinas e Piracicaba, ambas situadas no Estado de São Paulo. Assim o

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2

capítulo 4 apresenta as categorias que emergiram das entrevistas, buscando analisá-las

com os referenciais teóricos organizados nas seções um e dois.

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Capítulo 1. A Pedagogia Waldorf

Nesse capitulo farei breve apresentação do idealizador da PW, Rudolf Steiner. Também

explicarei alguns aspectos fundamentais da Pedagogia Waldorf, suas concepções baseadas na

Antroposofia, e o contexto histórico em que foi criada, suas características mais marcantes e

apontarei alguns dados sobre sua difusão no Brasil.

1.1. A Pedagogia Waldorf e seu idealizador Rudolf Steiner

A Pedagogia Waldorf foi criada em 1919, em Stuttgart na Alemanha, por Rudolf

Steiner. Segundo Biekarck1 (s/d) Rudolf Steiner nasceu em 1861 em Kraljevec na

Áustria em 27 de fevereiro de 1861 e faleceu em Dornach na Suíça aos 64 anos em 30

de março de 1925. Seu pai trabalhava em uma estrada de ferro, por isso ele viveu entre a

estação e a natureza, já que tinha que andar longos percursos para chegar à escola,

quando criança teve experiências ocultas, via e sentia realidades supra sensoriais. Foi

muito penoso para ele ainda criança descobrir que sobre certos assuntos não podia

compartilhar, pois percebia que as pessoas a sua volta não percebiam o que ele sentia,

mas ficou essa angustia, esse incomodo de tentar reverter esse processo. Posteriormente

ele começa a se questionar sobre uma instância onde os seres humanos falam de

realidades espirituais com clareza de raciocínio e presença de si próprio na construção

desse conhecimento, e para ele se essa realidade fosse encontrada ele saberia de onde

partir. Conforme relatam Abreu e Sâmara (1999):

Steiner desenvolveu estudos epistêmicos cuja intenção foi chegar ao

conhecimento dos aspectos não materiais da realidade, do mesmo modo

1Biekarck, Peter. É o roteirista e locutor do filme produzido por Paulo Aspis da Atta Mídia e Educação

sobre Rudolf Steiner. Biekarck é pedagogo com especialização em Pedagogia Waldof no Emerson College – Inglaterra. Foi professor da escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo por 25 anos. Atua na coordenação de cursos de fundamentação e formação de professores/as no Brasil, palestrante e conferencista internacional. Colaborador da Federação das Escolas Waldorf no Brasil e membro da Sociedade Antroposófica no Brasil.

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4

como as ciências em geral desenvolvem conhecimentos do mundo físico

(p.29) Apesar de seu interesse humanístico despertado, ainda na infância e uma

sensibilidade para assuntos espirituais cumpriu em Viena estudos superiores de Ciências

Exatas. Por seu desempenho acadêmico a partir de 1883, tornou-se responsável pela

edição dos escritos científicos de Goethe poeta, escritor e cientista. Após alguns anos

como redator literário, passou a dedicar-se a conferencista e escritor com o objetivo de

expôr os resultados de suas pesquisas cientifico espirituais, de início no âmbito de

sociedade teosófica e mais tarde da Sociedade Antroposófica por ele fundada.

1.2. Contexto histórico da criação da Pedagogia Waldorf

O contexto histórico é muito importante para entendermos as circunstâncias em

que Steiner desenvolvia e baseava sua obra com a finalidade de achar uma solução para

uma situação pedagógica concreta. A Primeira Guerra Mundial estava próxima do seu

fim e os sinais de um colapso iminente eram indiscutíveis.

Quando chega o final da Primeira Guerra Mundial vem a grande pergunta,

qual é a proposta de erguimento social uma vez que a guerra termine, como é

que vai se promover um reerguimento social da Europa? E a gente encontra

Steiner profundamente envolvido em trazer a ideia da trimembração do

organismo social. (Biekarck, s/d)

Lanz (1990) escreve que a trimembração do Organismo Social não é algo

simples de se explicar diante de sua complexidade, mas basicamente trata-se de

considerar a sociedade dividida em três setores: o setor econômico, cuja finalidade é a

satisfação da necessidade do homem através da distribuição, produção e consumo de

mercadorias e só a cooperação fraternal dos indivíduos pode conduzir a uma vida

econômica sadia; o setor político-jurídico, que fixa e aplica regras reguladoras do

convívio humano, elaboração e aplicação de leis, buscando a democracia com a

participação de todos; o setor cultural que inclui as atividades que o ser humano realiza

como um individuo anímico-espiritual como: arte, ciência, religião, educação, etc. Esses

Page 12: Estudo Pedagogia Waldorf

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princípios propostos por Steiner partiram da revalorização dos impulsos da Revolução

Francesa: Fraternidade, Igualdade e Liberdade (equivalem respectivamente à ordem

apresentada acima). Biekarck (s/d) afirma que esse plano foi bastante considerado,

quase até o fim, porém não efetivou-se, mas deixou a ideia por uma pedagogia

fundamentada nessa cosmovisão.

Segundo Lanz (1990) Rudolf Steiner foi convidado por Emil Molt, proprietário

da indústria Waldorf-Astoria para uma série de palestras para as trabalhadoras de sua

fábrica.

Quando termina a primeira guerra mundial e essa fábrica volta a trabalhar a

dificuldade de obter matéria prima é grande então havia um tempo ocioso

dos empregados e a maioria eram mulheres então surgiu a ideia de que elas

nesse tempo ocioso tivessem aulas, um alimento para vida cultural delas

Steiner então designa um professor para fazer essa tarefa e a partir desse

trabalho feito com essas funcionárias elas chegam a esse diretor e pedem

algo, que isso é bom pra elas, mas elas gostariam muito disso para os filhos.

E esse foi o ponto de partida. (Biekarck, s/d)

Emil Molt apoiava e financiava a concretização da ideia, sabia que Steiner tinha

sido encarregado de educar uma criança excepcional portadora de hidrocefalia,

considerada incurável. O ensino dado revelara seus dons de pedagogo, pois o menino

terminou a escola e se formou em medicina, graças ao talento pedagógico de Steiner.

O educador aceitou a proposta, mas colocou algumas condições, dentre as quais

se destacavam a abertura da escola indistintamente, para todas as crianças buscou a

legislação e constatou que o Estado de Württemberg era extremamente liberal quanto ao

ensino e após várias conversas com as autoridades, propôs os ideais da pedagogia

materializados em um projeto que defendia a liberdade na escolha das matérias,

elaboração do currículo e sua unificação em 12 anos e, que os/as professores/as2 da

escola fossem livremente escolhidos independentemente de diploma e para estes ele deu

2 Como forma de evitar o sexismo na linguagem usaremos os termos no masculino e feminino como

usado nesta palavra (os/as).

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uma formação através de conferências. Queria que a Escola Waldorf tivesse o mínimo

de interferência governamental e que não se preocupasse com objetivos lucrativos. Emil

Molt concordou e em 7 de setembro de 1919, foi aberta a Die Freie Waldorfschule (A

Escola Waldorf Livre).

Pouco a pouco outras escolas foram fundadas na Inglaterra, Holanda, Suíça e

outros países. Palmer (2005) escreve sobre tal crescimento e o lugar da PW junto as

demais vertentes da Pedagogia Renovada na primeira metade do século XX:

Depois da Primeira Guerra Mundial as Escolas Waldorf se tornaram uma das

alternativas mais atraentes à escolaridade oficial compulsória. Na Alemanha

do pós-guerra, elas formavam parte integral dos movimentos reformistas

educacionais, em que eram aceitas como importante contribuição à “nova

educação” (...) Durante os anos de 1920 e 1930, as Escolas Steiner foram

criadas por toda a Europa, assentando as bases para o império de hoje. (p.

229)

Conforme explica Lanz (1990) os nacional-socialistas fecharam as escolas

Waldorf na Alemanha e a Segunda Guerra Mundial interrompeu as comunicações entre

as escolas em outros países. Mas em 1945 as escolas alemãs recomeçaram a funcionar e

desde então o número de escolas e estudantes tem crescido.

1.3. A Antroposofia

A principal característica da Pedagogia Waldorf é o seu embasamento na

concepção de desenvolvimento do ser humano introduzida por Rudolf Steiner, orientada

a partir de elementos antropológicos, pedagógicos, curriculares e administrativos

fundamentados na Antroposofia.

A Antroposofia, do grego "conhecimento do ser humano", desenvolvida pelo

próprio Rudolf Steiner, vê o homem como centro de seu estudo, “o entendimento da

dimensão do ser humano na Antroposofia e na PW não está limitada ao nascimento e

morte, ou entre concepção e morte” (Biekarck, s/d), pois o ser humano tem algo que

transcende essa transitoriedade física:

Page 14: Estudo Pedagogia Waldorf

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Quando nós morremos, deixamos essa vivência terrestre, mas continuamos a

existir em outra e obviamente quando se concebe o ser humano nessa

dimensão a proposta pedagógica tem que atender a essa amplitude e não

simplesmente preparar o ser para aquilo que ele vai ter que fazer na vida

naquele dia. Nós temos que preparar o ser para ele mesmo e a Antroposofia e

fundamentalmente Rudolf Steiner tem essa preocupação. (Biekarck, s/d)

De acordo com Lanz (1990) a Antroposofia busca respostas às necessidades do

ser humano com base científica, cultural, artística e religiosa para se viver na prática.

Pode ser caracterizada como um método de conhecimento da natureza do ser humano e

do universo, que amplia o conhecimento obtido pelo método científico convencional e

que pode ser aplicado a praticamente todas as áreas da vida humana. A Antroposofia

procura responder às perguntas mais profundas do homem por meio da razão, porém

sem negar-lhes anseios espirituais; também possibilita novas perspectivas ao ser

humano na ampliação de suas faculdades mentais, elevando sua percepção e seu pensar

a outras dimensões. Abreu e Sâmara (1999) explicam que o homem se diferencia dos

demais seres (animal, vegetal e mineral) por seus aspectos psíquicos e espirituais.

Segundo a Antroposofia, o homem não é só físico, biológico e espírito, mas sim, a união

destas dimensões, sendo assim, o desenvolvimento do ser humano trimembrado, pois

articula as dimensões biológica, psicológica e espiritual, como se pode perceber nas

palavras de Steiner (2000):

A pesquisa Antroposófica visa, de antemão, a captar o ser humano em seu

todo, conforme sua essência corpórea, anímica e espiritual. Ela visa, por

assim dizer, a compreender o homem não por meio de observação interna,

abstrata e morta, mas sim mediante uma observação que seja viva, que

também possa, por meio de conceitos vivos, acompanhar o homem e

compreendê-lo em sua entidade formada de espírito, alma e corpo e em

plena vitalidade (p.34)

Antroposofia não é uma religião e tampouco é propagada nas escolas Wardorf, o

que possibilita aos/as alunos/as a livre escolha de suas religiões. Conforme explicitam

Abreu e Sâmara (1999):

A Antroposofia possui, citando Marcelo Greuel, uma característica

essencialmente holística e universal, mas não compactua com práticas que

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ameaçam a soberania do indivíduo pensante. Dada a sua metodologia

específica e epistemologicamente fundamentada, ela descarta o uso

dogmático de mitologias, religiões, ensinamentos exotéricos do passado,

sejam estes de origem oriental ou ocidental. A Antroposofia compartilha,

pois, do intuito geral que une todos os enfoques holísticos, mas insiste na

busca pelo nexo espiritual, fundamentando o mesmo no processo cognitivo

original e livre de pressupostos. (p. 29)

Os resultados das pesquisas Antroposóficas de Rudolf Steiner também serviram

de fundamento para outras iniciativas sociais, não só para a Pedagogia Waldorf, mas

também para a medicina, a farmacologia e o desenvolvimento de medicamentos, a

agricultura biodinâmica, a pedagogia terapêutica e a pedagogia social.

1.4. Concepção de desenvolvimento do ser humano na Pedagogia Waldorf

Outra principal característica da Pedagogia Waldorf e da Antroposofia é o

embasamento na concepção de desenvolvimento do ser humano e para atingir a

formação do mesmo, a pedagogia atua no desenvolvimento físico, anímico e espiritual

(e estes por sua vez estão entrelaçados) do aluno, incentivando o querer, o sentir e o

pensar. O desenvolvimento físico diz respeito ao corpo, biologicamente e

fisiologicamente falando, o anímico à alma, que é natural do ser humano e também se

faz presente nos animais e o espiritual está ligado ao espírito e só o ser humano

apresenta esse espírito, que é sobrenatural, é a “força” superior que age em nós. Nesse

sentido Lanz (1990) esclarece que:

Assim como existem, abaixo do homem, três reinos menos completos do que

ele, existem, acima dele, seres mais complexos, possuidores de qualidades e

estados de consciência que lhe são desconhecidos. Por não possuírem um

corpo físico, esse seres não são perceptíveis aos sentidos físicos comuns,

mas podem ser vivenciados por quem possui os sentidos superiores

despertos. Esses seres, cuja existência, embora não-física, é tão real como a

dos reinos terrestres, eram os deuses, espíritos e outras entidades superiores

de todos os antigos mitos e religiões, inclusive as religiões monoteístas.

(p.24)

Page 16: Estudo Pedagogia Waldorf

9

Com o intuito de esclarecer essa questão perguntei à uma das professoras

entrevistadas (entretanto esta questão não fazia parte do roteiro) qual é a diferença entre

alma e espírito. Ela explicou de maneira bastante interessante e clara, por isso destaco

sua fala, haja visto que esses dois conceitos podem causar ao leitor a impressão de que

eles são equivalentes e como vemos a seguir não são, pois de acordo com ela:

Steiner diferencia a alma como sendo parte da nossa corporeidade onde

“vivem” os sentimentos, as sensações, as percepções do mundo, os desejos e

isso a gente tem em comum com os animais, assim, bem rasamente falando,

isso os animais também tem. Agora a gente tem uma parte que os animais

não tem, que é o que a gente chama de espirito, é a centelha divina no

homem, é a parte com que faz com que o homem seja único,

individualizado. É isso que a gente chama de Eu que faz com que o homem

se reconheça e se perceba único enquanto indivíduo, isso é muito forte hoje

em dia na nossa sociedade, todo mundo quer ter seu espaço próprio com

autonomia e um caminho que diga respeito a si mesmo sem referência de

fora, então é o que diz respeito a minha vida. E isso a gente só tem, bem

diferentemente dos animais, porque tem uma centelha do espírito que a gente

chama de Eu. (Professora Eliana3)

Nessa concepção de ser humano há uma divisão de sua biografia em setênios, ou

seja, de sete em sete anos sendo que em cada fase há a ênfase do querer que está

relacionado com o corpo, do pensar que está relacionado com o espirito e do sentir que

está relacionado com a alma. Farei a seguir uma breve apresentação dos setênios

envolvidos na fase de alfabetização e das orientações de conteúdo e metodologia

indicadas para cada um deles segundo a PW necessárias para que o leitor compreenda

alguns de seus componentes característicos.

1.4.1.1. Os setênios

De acordo com Biekarck (s/d) a dimensão física do ser humano leva 21 anos

para chegar as suas proporções definitivas. Então a primeira grande fase da biografia

humana está toda dependendo do corpo físico dar espaço para que a alma e o espírito

possam se fazer mais presentes. A PW faz uma distinção bastante clara entre esses três

3 Nome fictício.

Page 17: Estudo Pedagogia Waldorf

10

primeiros setênios. O primeiro setênio (0-7 anos) vai do nascimento até a troca dos

dentes. O segundo setênio (7-14 anos) da troca dos dentes até a puberdade e o terceiro

setênio (14-21 anos) da puberdade até a maturidade sexual, e assim por diante.

Conforme Abreu e Sâmara (1999) descrevem:

Para a Antroposofia o desenvolvimento humano é setenial, ou seja, cada fase

possui características próprias que se modificam, metamorfoseiam,

aproximadamente a cada sete anos, quando o homem passa a ter uma

percepção nova de si e do mundo. (p. 23)

Vale ressaltar que, como lembra Biekack (s/d), o primeiro setênio é mais

fortemente vinculado com o querer, o segundo setênio mais com o sentir e o terceiro

setênio mais com o pensar. Absolutamente não se pode compreender o querer o sentir e

o pensar de maneira compartimentalizadas, pois estão sempre presentes, mas em cada

faixa etária existe a ênfase de uma sobre as outras. Falarei brevemente sobre os dois

setênios envolvidos na faixa etária estudada nesse trabalho.

1.4.1.2. O primeiro setênio

A ação da PW diante da criança no primeiro setênio é propiciar a ela um rico

mundo a ser imitado. Tanto nas “ações internas” quanto as externas, como, por

exemplo, postura gestos, forma de falar, ela está absorvendo tudo e isso rapidamente se

incorpora a sua constituição orgânica, ou seja, está aberta ao mundo. Nesse sentido é

que o professor e/ou os adultos que a acompanham devem ser modelos a serem imitado,

pois é nessa imitação que está se formando sua moralidade futura. Emanuel (2002)

destaca que nessa a fase a criança não elabora julgamento e tem confiança ilimitada nos

adultos, além de que é a principal fase do desenvolvimento motor.

Steiner (2000) faz a seguinte recomendação sobre o ambiente necessário ao

desenvolvimento da criança nesse primeiro setênio:

Ao considerarmos que a criança é essencialmente um ser imitativo, que ela

é, de certa forma, um órgão anímico do sentido e se entrega a seu ambiente

Page 18: Estudo Pedagogia Waldorf

11

de um modo corpóreo-religioso, teremos de cuidar, nesse período da vida até

a troca dos dentes, para que tudo no ambiente da criança atue realmente de

forma que ela possa captá-lo em todo seu significado e depois digeri-lo. E,

acima de tudo, devemos cuidar para que a criança sempre assimile o

anímico-espiritual, o moral de tudo o que tem significado em seu ambiente;

de modo que, para criança, já tenhamos realmente tudo preparado no que diz

respeito aos impulsos mais importantes da vida. (p.70)

Biekarck (s/d) afirma que o jardim de infância Waldorf deve ser muito tranquilo,

muito calmo e ritmado, ou seja, diariamente deve haver uma sequência de atividades na

qual o ambiente de classe vá se adequando às estações do ano, tudo é uma forma de

contextualizar a criança dentro de uma formatação que ela possa tranquilamente ser ela

mesma. O maior efeito disso é ela estar confiante em sua própria corporeidade. Também

é necessário que o jardim de infância disponha de um tanque de areia, uma árvore para a

criança trepar e exercitar o movimento, e assim sentir seu corpo. O desenvolvimento é o

bem estar que a criança sente no seu próprio corpo e esse é um dos objetivos da

educação no primeiro setênio.

1.4.1.3. O segundo setênio

De acordo com Biekarck (s/d) a criança, passando o sétimo ano de vida, a partir

da troca dos dentes, dispõe de novas faculdades: ela lida agora de uma forma mais direta

com as representações mentais. A tarefa da educação no 2º setênio, corresponde ao

período do ensino fundamental, é o que traz-se como patrimônio para essa criança que

agora tem relação mais direta com representações. Para a PW no ensino fundamental a

base é sempre desenvolver as matérias de forma que elas produzam vivências na alma

da criança, pois com uma atividade vivenciada ela consegue se relacionar com uma

atividade intelectual ela só consegue pensar. Ela não vincula o seu ser com aquilo que

ela pensa, mas com o que ela vivencia.

Segundo o mesmo autor é uma recomendação da PW que as crianças nessa fase

tenham acesso desde a 1ª série a uma ou de preferência duas línguas estrangeiras e a

Page 19: Estudo Pedagogia Waldorf

12

aulas de trabalhos manuais, e esses se desenvolvem através de fio. Meninas como

meninos aprendem a fazer tricô, crochê , ponto cruz e tecelagem. Envolvem-se também

em aulas de música, educação física e canto. Aprendem a tocar um instrumento, e

iniciando pela flauta doce, pintam e esculpem. Outra atividade muito presente nessa fase

é a dramatização através de peças de teatro. Tudo isso faz parte do ensino fundamental

da Escola Waldorf para suprir as necessidades do segundo setênio. Biekarck (s/d)

afirma ainda que “A vivência acontece de forma mais saudável quando ela tem um teor

artístico compatível.”

1.5. O ensino baseado na compreensão do ser humano

Segundo Emanuel (2002) o currículo da Pedagogia Waldorf, de acordo com a

Antroposofia, tem como base as fases do desenvolvimento da criança, e cabe a escola

prover estas necessidades. O ensino teórico é sempre acompanhado pelo prático e de

acordo com os setênios, com grande enfoque nas atividades corpóreas e no sentir, que se

desenvolve através de atividades artísticas e artesanais. O pensar inicia-se com o

exercício da imaginação através dos contos, lendas e mitos até gradativamente atingir-se

o desenvolvimento do pensamento mais abstrato teórico, que ocorre principalmente no

ensino médio. O fato de não se exigir ou cultivar um pensar abstrato, intelectual, muito

cedo é uma das características marcantes da Pedagogia Waldorf em relação a outras

tendências pedagógicas. Nessa concepção predomina o exercício e desenvolvimento de

habilidades e não o mero acúmulo de informações, com foco no cultivo da ciência, a

arte e os valores morais e espirituais necessários ao ser humano. A Pedagogia Waldorf

busca dar a cada criança o seu tempo necessário de desenvolvimento, bem como

oferecer o ensino e formação correspondentes para que suas capacidades corporais,

anímicas, espirituais e sociais possam desabrochar da maneira mais ampla possível.

Visa formar adultos livres, com pensamento individual e criativo, sensibilidade artística,

Page 20: Estudo Pedagogia Waldorf

13

social e para a natureza, bem como com energia para buscar livremente seus objetivos e

cumprir os seus impulsos de realização em sua vida futura.

1.6. Relação entre o/a professor/a e o/a aluno/a

No que se refere à relação entre professor/a-aluno/a, esta é essencial para a

formação dos alunos/as e deve ter como base o amor e principalmente o respeito mútuo

entre os mesmos. Conforme explica Steiner (2000):

“...entre a troca dos dentes e a maturidade sexual, precisa desenvolver-se

uma autoridade natural entre o professor e educador e a criança. Com essa

autoridade natural, cresce a virtude: o amor” (p.113)

Os/as professores/as devem conhecer seus/as alunos/as profundamente para

assim desenvolver o aprendizado da melhor maneira possível. Idealmente durante os

oito anos do ensino fundamental cada classe tem um único professor, que dá todas as

disciplinas, s exceto artes, trabalhos manuais, educação física e línguas estrangeiras, que

no caso das escolas brasileiras, costumam ser inglês e alemão. No ensino médio há um

professor que assume o papel de tutor da classe no decorrer dos anos.

1.7. Funcionamento e gestão das Escolas Waldorf

Há, nas escolas Waldorf, uma associação pedagógica ou mantenedora que

agrupa pais de alunos/as, professores/as e pessoas engajadas com a PW que dedicam-se

aos assuntos jurídicos, econômicos, financeiro e administrativos da escola, como

orçamentos, caixa, contabilidade, balanço anual, relação com as autoridades de ensino,

etc. Este tipo de associação, conforme explica Lanz (1990):

é a entidade que possui a personalidade jurídica; pode, portanto, ser

proprietária de bens imóveis e moveis, “empregadora” dos professores e

colaboradores, devedora de impostos e sujeito de direito para as autoridades

(p.167).

Page 21: Estudo Pedagogia Waldorf

14

Quanto aos recursos necessários para seu funcionamento, o ideal é que seja

sustentada por aqueles que recorrem a seus “serviços” e por aqueles que se identificam

com seu ideal, com cada um contribuindo conforme as suas possibilidades. Os pais com

maiores condições financeiras pagam mais, enquanto aqueles que têm menos condições

gozam de redução ou isenção completa das mensalidades. De acordo com Lanz (1990) a

remuneração dos/as professores/as deve permitir-lhes uma existência tranquila, são eles

que julgam o quanto precisam e na maioria das escolas existem tabelas que preveem,

além do ordenado básico, acréscimos por tempo de trabalho, idade e número de

dependentes. Não há diferença salarial relacionada à formação de/a professor/a ou ao

tipo de trabalho. No entanto, os/as professores/as devem trabalhar em regime de

dedicação exclusiva, para que tenham tempo de participar de reuniões e conferências

periódicas, formar-se e participar de vida cultural da escola, preparar as aulas, corrigir

tarefas etc.

1.7.1.1. O/A professor/a e o corpo docente

Segundo Lanz (1990) o/a professor/a é o/a realizador/a da PW, “representa” a

pedagogia praticando-a e deve ser consciente de sua atuação e responsabilidade para a

evolução do indivíduo. O mesmo autor ressalta que:

O professor deve saber quais as causas mais íntimas que atuam na natureza

humana; e isso não de forma geral e abstrata, pois são as forças que atuam

em nossa civilização que deve conhecer; e a meta do seu trabalho deve ser a

de integrar o ser humano na vida social, não de uma forma qualquer, mas

corretamente. (p.68/69)

Segundo Abreu e Sâmara (1999) o autoconhecimento e a autoeducação incluem-

se entre as obrigações básicas do/a professor/a e isso exige uma “luta” energética com

parte do seu ser como as emoções, os instintos e o temperamento. O/a professor/a é

chamado/a a conhecer essas forças, dominá-las e transformá-las em capacidade

criativas.

Page 22: Estudo Pedagogia Waldorf

15

Uma das grandes tarefas do/a professor/a Waldorf é a meditação, desligada da

realidade que o circunda, pois é complexa sua responsabilidade e meta pedagógica.

Segundo Emanuel (2002) as características do processo evolutivo da aprendizagem e

transmissão do conhecimento requerem um grande conhecimento por parte do/a

professor/a Waldorf, e a ação pedagógica deve ser o agente facilitador deste processo,

pois quando as respostas às expectativas dos/as estudantes são atendidas a

aprendizagem tem caráter significativo.

O engajamento dos/as professores/as para com seus/as alunos/as, pais e com o

ideal da PW e da Antroposofia deve ser efetivo, o mínimo que se pode exigir do/a

professor/a é a aceitação, dos princípios pedagógicos. Não se admite que manifeste

ideias contrárias à imagem do homem como ser espiritual e do mundo como é visto pela

Antroposofia, respeitam-se as ideias de cada um, mas diante dos/as alunos/as o/a

professor/a tem de integrar a si e ao ensino uma visão comum.

O corpo docente é entendido como peça fundamental da escola, segundo Lanz

(1990) “o corpo docente é a cabeça e o coração da escola. (...) os/as professores/as não

têm apenas por função ministrar aulas”(p.165). Devem ter consciência de que cada um

deve contribuir para o perfeito funcionamento da escola e para isso devem se organizar

realizando assim reuniões semanais, denominadas de Conferência Pedagógica, a fim de

conversarem sobre os problemas de administração escolar interna, discutir a situação

pedagógica da sala de aula e a relação com os/as alunos/as, compartilhar experiências.

Essa conferência constitui para o/a professor/a o principal recurso para o aprimoramento

constante de suas capacidades profissionais e também para sua integração no organismo

escolar. Em todas as reuniões busca-se obter o consenso geral para as decisões

necessárias.

Page 23: Estudo Pedagogia Waldorf

16

Também é de responsabilidade dos/as professores/as a participação do que

denomina-se em muitas escolas de Conferência Interna (em determinadas escolas esta

pode ter outro nome). Lanz (1990) explica que nesta conferência devem participar os/as

professores/as com mais experiência e aqueles/as que se sentem realmente engajados/as

com a escola e dispostos/as a arcar com as responsabilidades que esta lhes impõe. É o

órgão de consciência e vontade da escola, ele deve estar a par de tudo que acontece e

tomar as devidas decisões como, por exemplo, a contratação e demissão de

professores/as, a distribuição de classes e dos cargos pedagógicos a fixação de metas.

Convém destacar que a contratação e demissão de professores, assim como a

fixação de seus encargos pedagógicos, cabem exclusivamente à Conferência

Interna, enquanto que a formalização das relações jurídico-financeiras com a

personalidade jurídica “empregadora” compete, evidentemente, à associação

mantenedora. (p.167)

1.7.1.2. Participação dos Pais

O contato entre pais e escola ocorre nas conversas particulares com os/as professores/as

e nas reuniões de pais de cada classe realizadas, no mínimo, uma vez por semestre. Existe

também, de acordo com a situação de cada escola, outras formas de agregação dos pais.

Conforme explica Lanz (1990), em muitas escolas os pais são membros da associação

mantenedora, em outras são parte de um conselho que canaliza seus anseios e reivindicações por

meio dos representantes de classe, cuja agremiação em um conselho de pais possibilita deliberar

de forma organizada e sistêmica assuntos de interesse da comunidade. Além disso, esse grupo

de pais ajuda o corpo docente a criar melhores condições para o bom resultado do seu empenho

pedagógico, contribui valiosamente participando de atividades extracurriculares como por

exemplo, excursões, encontros sociais, festividades, bazares entre outras. Esta estrutura

funcional busca a integração de objetivos, já que todo o organismo escolar visa à plena

realização da Pedagogia Waldorf. Os pais devem procurar conhecer a pedagogia, buscando a

integração lar-escola, imprescindível à educação harmoniosa dos/as alunos/as.

Page 24: Estudo Pedagogia Waldorf

17

1.7.1.3. Avaliação

Nas escolas Waldorf não se atribui notas, mas sim conceitos. De acordo com

Abreu e Sâmara (1999) os/as professores/as julgam os fatores que permitem avaliar a

personalidade do aluno como a riqueza de pensamentos, a ortografia, a estrutura lógica

e obviamente os conhecimentos reais, mas para o julgamento geral sobre o/a aluno/a o/a

professor/a levará em conta o esforço real que ele fez ou não para alcançar tal resultado,

seu comportamento físico e espiritual. Lanz (1990) explica que o/a professor/a deve

fazer um boletim anual onde faz um relato sobre o aluno durante o ano, de base

qualitativa, mas obviamente quando esse boletim é exigido pelas autoridades a escola

tem de fazer uma avaliação quantitativa. O intuito de não se atribuir uma nota ao/a

aluno/a é poupá-lo/a do julgamento de uma parte de sua individualidade expressa em

cifras.

1.8. Formação de professores/as Waldorf

Lanz (1990) explica que seminários para a formação de professores/as foram

fundados em vários países como Alemanha, Suíça, Inglaterra, Brasil, Estados Unidos,

etc. e sua validade é evidente, embora ressalte que:

Ninguém se torna professor Waldorf apenas por ter frequentado um desses

seminários, o ensino que ali se ministra constitui um preparo, pois

familiariza o participante com os princípios da Antroposofia, com a

metodologia e didática da pedagogia Waldorf e com todos os problemas

inerentes à sua realização prática (p.170).

Os/as professores/as devem adquirir sua formação especifica de professores/as

Waldorf em adição a sua formação profissional exigida pela legislação de ensino, o

ensino que se ministra constitui um preparo, pois familiariza o/a participante com os

princípios da Antroposofia e com a metodologia e didática da pedagogia Waldorf. Os/as

participantes recebem também um treino artístico e artesanal e são chamados/as a fazer

estágios realizando trabalhos práticos. Abreu e Sâmara (1999) observam que os/as

Page 25: Estudo Pedagogia Waldorf

18

profissionais que participam desses seminários aprendem tudo o que deve ser ensinado

aos seus/as alunos/as de forma conceitual e prática, entendendo o porquê de cada

atividade e destacam ainda que é impossível adotar a PW se o/a professor/a não passar

por um treinamento, vivenciando-a e se transformando diante dela. Reitero tais

observações, pois já participei de uma primeira etapa do seminário e logo no início e

durante todo o curso de formação os/as alunos/as e futuros/as professores/as têm contato

com trabalhos manuais, corpóreos, musicais e artístico como por exemplo, canto e

danças circulares, pinturas com aquarela, esculturas em argila, entre outras atividades,

mas principalmente o aprendizado da flauta doce que é muito importante e presente em

qualquer nível de ensino em que o/a professor/a vai atuar.

Há atualmente, segundo o site da Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 15

seminários de formação de professores/as no país, localizados em cidades do interior e

nas capitais dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa

Catarina, Minas Gerais e Pernambuco.

1.9. Números e breve histórico da Pedagogia Waldorf no Brasil

Segundo Emanuel (2002) a primeira Escola Waldorf no Brasil foi fundada em

27 de fevereiro de 1956, na cidade de São Paulo, integrada à realidade brasileira e

mantendo os fundamentos de seu idealizador. Os fundadores, Schimidt, Mahle,

Berkhout e Bromberg, convidaram o casal Karl e Ida Ulrich da Escola Waldorf de

Pforzheim (Alemanha) para lecionar e preparar os/as professores/as. A escola começou

com um grupo de 28 alunos/as no jardim de infância e após ser reconhecida como

escola experimental, foram implementadas as primeiras quatro séries iniciais. Devido a

realização de um bom trabalho, em 1979 o ensino fundamental foi autorizado a

funcionar com a duração de nove anos, e na sequência implementou-se o ensino médio.

Com um número crescente de estabelecimentos de ensino Waldorf, em abril de 1998 foi

Page 26: Estudo Pedagogia Waldorf

19

fundada a Federação das Escolas Waldorf no Brasil, que tem como um dos objetivos,

consolidar a Pedagogia Waldorf na sociedade brasileira.

Atualmente, segundo a página da Federação das Escolas Waldorf no Brasil na

internet há 73 escolas Waldorf em todo território brasileiro contabilizadas as escolas de

ensino fundamental e médio e os jardins de infância, que não são necessariamente a

mesma instituição, pois em determinadas cidades há o jardim de infância, mas não há

escola de ensino fundamental.

São Paulo é o estado que mais concentra escolas totalizando 40, na Bahia são 4,

no Ceará 1, em Goiás 1, Goiânia 1, Brasília 2, Minas Gerais 8, Mato Grosso 4, Rio de

Janeiro 5, Pernambuco 1, Paraná 2, Rio Grande do Sul 1, Santa Catarina 3.

Ainda segundo a Federação tem-se atualmente aproximadamente 2.500

alunos/as na educação infantil, 4.180 alunos/as no ensino fundamental, 580 alunos/as no

ensino médio e ainda 105 alunos/as de educação especial matriculados nas Escolas

Waldorf. São 2.050 professores/as Waldorf e outros/as 450 em formação.

Page 27: Estudo Pedagogia Waldorf

20

Capítulo 2. A alfabetização na Pedagogia Waldorf e nos métodos sintéticos

Nesse capítulo abordarei os aspectos relativos à concepção de ensino e

aprendizagem da leitura e de escrita na PW apresentando suas principais características.

Explicitarei, brevemente, os principais métodos de alfabetização denominados de

sintéticos e globais e o conceito de letramento relacionando-os com o método proposto

por Steiner e outros/as educadores/as que desenvolveram estudos sobre a PW.

2.1. A Alfabetização na Pedagogia Waldorf

Na PW o ensino da leitura e da escrita começa antes dos/as alunos/as serem

apresentados às letras do alfabeto. As crianças ainda no jardim de infância começam a

aprender a ler, não nos aspectos técnicos, mas a partir do contato com os aspectos

interiores da leitura, que são as histórias. Também devemos levar em consideração que

as crianças que vivem em um ambiente urbano estão em contato com a leitura e escrita

através das rótulos e embalagens de produtos, outdoors, letreiro de lojas, entre outros,

por isso elas, geralmente, não chegam à escola sem ter qualquer contato com a escrita.

Abreu e Sâmara (1999) lembram que o processo de alfabetização pressupõe

certo grau de maturidade e é por isso que nas escolas Waldorf o aprendizado da leitura e

escrita se dá a partir dos sete anos de idade. A alfabetização antes dos sete anos pode ser

considerada um ensino artificial, no qual não acontece a verdadeira compreensão, mas

apenas um adestramento. A abstração e a intelectualização prematuras tiram da criança

as forças que ela deveria empregar no desenvolvimento da sua imaginação, motricidade

e fantasia cuja vivência intensa a PW considera importante.

Mas antes da decodificação das palavras é preciso que a criança vivencie a

história e forme cenas imaginárias anteriores às palavras. Conforme explica Lameirão

no livro de Bertalot (1995) “É contando e recontando histórias que se trabalha a

Page 28: Estudo Pedagogia Waldorf

21

estrutura linguística pensante, pois cada história, assim como todo pensamento

estruturado, consta sempre de um começo, meio e fim”(p.13).

Primeiramente, cultiva-se o sentido da linguagem e de suas capacidades em

formar imagens mentais, depois disso as crianças são apresentadas as letras, uma a uma

por meio da arte, que para Steiner (1992) é o desenho:

Uma absoluta exigência de um ensino fundamentado em bases corretas é que

o aprendizado da escrita seja precedido de uma certa incursão no desenho, de

modo que a escrita seja buscada, de certa maneira, a partir dele (p.58).

Sobre o ensino e aprendizado da grafia e significado das letras o mesmo autor

orienta que:

É sempre das imagens que tiramos as letras abstratas. Não é necessário

recuarmos até a origem histórica das imagens das quais resulta a escrita

atual. Não precisamos praticar pedagogia histórico-cultural. Temos, apenas,

de penetrar na origem das imagens levados um pouco pela fantasia; vamos

então encontrar essa possibilidade em todas as línguas, a partir de palavras

características que possamos transformar em imagens e das quais,

posteriormente, possamos tirar a letra. (p.78)

Para que o aprendizado da escrita se efetive através do desenho o/a professor/a

deve trabalhar anteriormente com formas curvilíneas e retilíneas, de modo que elas

permitam expressar criatividade, originalidade além de concentração e habilidade. As

formas, conforme sua aplicação significam ritmo, harmonia, pontualidade, perfeição,

bom comportamento, senso de dever e aprimoramento. Conforme Zoriki explicita no

livro de Bertalot (1995)

Sabemos que o desenho de formas constitui um preparo indispensável para o

processo de alfabetização, embora este não seja sua única meta. O cultivo

das aulas de formas possibilitará desenvolver mobilidade e flexibilidade no

pensar, de tal modo que o pensar se torne móvel, criativo, imaginativo.

(p.15)

As formas referidas são retas e curvas que os/as alunos/as devem desenhar a

partir da orientação da professora, que busca representar formas da natureza e dos

ambientes em que as crianças estão inseridas, como por exemplo, o arco do arco-íris, a

Page 29: Estudo Pedagogia Waldorf

22

direção vertical quer caem às gotas de chuva, entre outros. Depois que os/as alunos/as

tenham dominado o desenvolvimento dessas formas necessárias para escrever e tenham

vivenciado tais formas com o corpo estarão prontas para ir da imagem, da vivência para

a abstração, pois a letra em si é uma abstração. Steiner (2005) indica que:

Pode-se, de fato, obter as vogais a partir de gestos e dos movimentos das

mãos e dos braços. Assim se trabalha o elemento plástico, a partir da

fantasia. Será possível, então, que as crianças, pouco a pouco, obtenham os

fonemas e as letras a partir das coisas. Temos de partir da imagem. A letra

pronta, tal qual existe atualmente na civilização, tem realmente uma história

atrás de si. Ela é algo simplificado que partiu de uma imagem; seus símbolos

mágicos e sua imagem primordial não são mais reconhecidos. (p.27)

Para exemplificar Abreu e Sâmara (1999) explicitam como se dá o envolvimento

da história e do desenho na grafia das letras.

O professor conta uma história, um conto de fadas sobre um rei, sobre um

lugar onde há um rei, ele sabe desenhar na lousa, pois existem cursos

especiais para isso, ele faz um desenho maravilhoso onde aparece um rei,

com um manto de púrpura, silhueta de rei, com coroa, etc. As crianças vão

querer fazer a mesma coisa em seus cadernos, vão desenhar o rei como

imagem da história. No dia seguinte, o professor conta a mesma história, só

que desta vez ele vai, ao fazer o desenho, dar um pouco mais de ênfase ao

contorno e, depois de 3 ou 4 dias, ele chegará a isso-“R”- à letra do rei. Ao

mesmo tempo, ela vai, procurar versos com os fonemas, onde prepondera o

“R” e a criança, então, falando, cantando, pintando chegará a vivência do

“R”. (P.71)

Alfabetização é a ação de ensinar/aprender a ler e a escrever. No entanto

aprender a ler e a escrever não basta, pois é preciso que os indivíduos alfabetizados

incorporem a prática da leitura e da escrita com envolvimento com as práticas sociais de

leitura e escrita, adquirindo o hábito de ler livros, jornais, revistas. É aí então que se dá

o letramento. Segundo Soares (2003) o conceito de letramento foi enunciado, em

meados dos anos 80, a partir da necessidade de nomear e também reconhecer práticas

sociais de leitura e de escrita mais complexas e avançadas do que as práticas do ler e

escrever resultantes da aprendizagem do sistema de escrita. No entanto os conceitos de

alfabetização e letramento estão ligados e são dependentes, nesse sentido Soares (2003)

afirma que:

Page 30: Estudo Pedagogia Waldorf

23

Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das

atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e

escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da

escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do

sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento

de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas

práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento. Não são

processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a

alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de

leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua

vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das

relações fonema–grafema, isto é, em dependência da alfabetização.

Não encontrei durante os meus estudos sobre alfabetização na PW, textos que

indicassem a relação direta entre esta e a concepção de letramento citada acima, no

entanto é possível perceber algumas características da PW que se aproximam do

conceito de letramento, uma vez que há, na PW, a previsão de práticas sociais de leitura

e escrita constantes durante as aulas e também fora delas antes, durante e depois, do

processo de alfabetização, como a contação, leitura e escrita de histórias, cantigas,

versos, poemas, leitura de livros de diversos tipos. Como indicam Abreu e Sâmara

(1999), em seu estudo sobre a PW,

Em todas as aulas, o professor contará certos textos, independente do estudo

de gramática ou sintaxe. Ouvir e levar para casa certos conteúdos é de suma

importância, dá ensejo a versos, dramatizações, etc. (p.78)

Quanto ao método empregado na alfabetização na PW, podemos assumir, pelas

suas características, que sua base é sintética, Para entender o que são os métodos

sintéticos, Carvalho (2005) apresenta os embates entre eles e os métodos analíticos

quanto a quais seriam os métodos mais eficientes de alfabetização:

Se os sintéticos (que partem da letra, da relação letra-som, ou da sílaba, para

chegar à palavra), ou analíticos, também chamados globais (que tem como

ponto de partida unidades maiores da língua, como o conto, a oração ou a

frase). (...) São chamados métodos analíticos-sintéticos, que tentam

combinar aspectos de ambas as abordagens teóricas, ou seja, enfatizar a

compreensão do texto desde a alfabetização inicial, como é próprio dos

métodos analíticos ou globais, e paralelamente identificar os fonemas e

explicar sistematicamente as relações entre letras e sons, como ocorre nos

métodos fônicos. Em síntese, as matrizes metodológicas sintáticas são

Page 31: Estudo Pedagogia Waldorf

24

soletração, silabação e métodos fônicos. Palavração, sentenciação, e métodos

de contos permanecem à categoria dos métodos analíticos. (p.18)

Embora a PW se apóie fortemente, mesmo antes da alfabetização, como já

indicamos acima, em histórias, o que a aproximaria dos métodos analíticos, no

momento do ensino do código escrito prevalece a aproximação com dois subtipos de

métodos sintéticos, a soletração e o fônico (ou fonético). A soletração é um método que

tem por base a apresentação, uma a uma, de cada letra do alfabeto e Carvalho (2005)

associa tal vertente à cisão entre compreensão e decodificação:

O objetivo maior da soletração é ensinar a combinatória de letras e sons. A

leitura propriamente dita fica para segunda etapa. Partindo de unidades

simples, as letras, o professor tenta mostrar que essas quando se juntam

representam sons, as sílabas, que por sua vez formam palavras. (p.22)

Entretanto, Steiner (200), que não se deixou convencer pelas críticas à

soletração, já existentes à época, e defendia um outro sentido a ela, como se depreende

dos trechos que seguem:

Tem-se um grande orgulho de que, no decorrer do século XIX, porém já

tendo sido preparado no século XVIII, o antigo método de soletração passou

para o método fonético (silabação) e depois para o método de aprender a ler

a palavra inteira (palavração). E, como hoje as pessoas têm vergonha de

respeitar de algum modo o que é antigo, dificilmente encontraremos alguém

que se entusiasme pelo antigo método da soletração. Do ponto de vista atual,

ele seria um tolo, pois isso não se usa mais. Portanto, ele não pode

entusiasmar-se pelo método de soletrar. Os métodos usados são o da

silabação ou o da palavração. As pessoas se orgulham do método fonético,

em que se ensina às crianças o caráter do fonema. A criança não aprende

mais que isso é um P, ou um N, ou um R, mas aprende a pronunciar tudo tal

como soa dentro da palavra. Pois bem, isso até que é bom, e o método da

palavração também, nele, partimos às vezes de frases inteiras – damos à

criança a frase toda e só depois analisamos as palavras, chegando ao fonema.

Mas é muito ruim quando essas coisas se tornam extravagantes. As razões de

todos esses três métodos, até para o antigo método da soletração, são razões

boas e engenhosas. Não podemos negar que todas são engenhosas. (p.81)

Hoje este último método (soletração) ainda é obviamente uma idiotice, mas,

sem dúvida, é mais anímico; só que não é possível aplicá-lo de imediato. Ele

deve ser levado à criança com certa habilidade e prática pedagógica, com

uma pedagogia artística, de modo que a criança não seja adestrada a

pronunciar as letras, como é convencional, e sim vivencie o surgimento da

letra, fato presente em suas forças formadoras. É isso que importa. (p.85)

Page 32: Estudo Pedagogia Waldorf

25

Apesar das críticas à soletração no primeiro trecho, Steiner defendia que este

tipo de método, assim como o fonético seriam os mais indicados para se aproximar da

dimensão anímica: “Com o método de alfabetizar pela palavra, abrangemos apenas o

físico-corpóreo; com o método fonético ou da silabação já chegamos mais perto do

anímico, é horrível dizer que com o método da soletração, entramos inteiramente na

alma” (p.84). Propõe, no segundo trecho, que a soletração aliada à arte e fantasia

poderia render melhores frutos, pois no seu método a criança vivenciaria o surgimento

da letra, como já apresentamos anteriormente nesta seção.

Page 33: Estudo Pedagogia Waldorf

26

Capitulo 3. Procedimentos Metodológicos

Para esse trabalho foi utilizada abordagem qualitativa de pesquisa e este termo

por sua vez ganha novo significado, passando a ser concebido como uma trajetória

circular em torno do que se deseja compreender, não se preocupando única e/ou

exclusivamente com princípios, leis e generalizações, mas voltando o olhar à qualidade,

aos elementos que sejam significativos para o pesquisador/a. A abordagem qualitativa

realça os valores, as crenças, as representações, as opiniões, atitudes e usualmente é

empregada para que o pesquisador/a compreenda os fenômenos caracterizados por um

alto grau de complexidade interna do fenômeno pesquisado; neste tipo de pesquisa não

há conclusões, mas uma construção de resultados. Ludke e André (2005), citando

Bogdan e Biklen (1982), dão as características básicas de uma pesquisa qualitativa:

1. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de

dados e o pesquisador como seu principal instrumento. (...) 2. Os dados

coletados são predominantemente descritivos. (...) 3. A preocupação com o

processo é muito maior do que com o produto. (...) 4. O “significado” que as

pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de atenção especial pelo

pesquisador. (...) 5. A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo.

(p.11-13)

Neste tipo de estudo, e mais especificamente neste trabalho, foram utilizadas,

para a coleta de dados, entrevistas e análise de documentos. A entrevista, segundo as

mesmas pesquisadoras “permite um maior aprofundamento das informações obtidas; e a

análise documental, que completa os dados obtidos através da entrevista e aponta novos

aspectos da realidade pesquisada” (p.9). E a análise documental, segundo elas “pode se

constituir numa técnica valiosa de abordagens de dados qualitativos, seja

complementando as informação obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos

novos de um tema” (p.38), refere-se a quaisquer materiais escritos que possam ser

utilizados como fonte de informação como livros, autobiografias, cartas, discursos,

roteiros de programas de rádio e televisão, arquivos escolares entre outros. Assim como

Page 34: Estudo Pedagogia Waldorf

27

explicam as autoras os documentos nesse trabalho foram muito importantes para a

comprovação e complementação dos aspectos apresentados nas entrevistas com as

professoras. Os documentos utilizados foram os livros, artigos e textos extraídos de

páginas na internet4, e um documentário sobre Rudolf Steiner e a PW.

Primeiramente foi feita uma pesquisa de caráter bibliográfico por meio da leitura

e estudo dos referenciais teóricos sobre a PW utilizando fontes primárias (Rudolf

Steiner) e fontes secundárias (escritas por outros autores como, por exemplo, Rudolf

Lanz). Essa busca bibliográfica foi norteada pelos conceitos básicos da teoria que serviu

para compreender, explicar e dar significados aos fatos que foram estudados. É

importante ressaltar que os livros de Rudolf Steiner utilizados nesse trabalho são

transcrições de suas palestras. A busca por materiais diversos, que não os livros, como

artigos, textos e outras publicações, foi bastante trabalhosa, pois a PW, apesar de grande

avanço, é pouco difundida no Brasil e também ainda pouco estudada pela academia,

havendo, portanto, pouca produção em Português. As informações encontradas sobre a

PW na internet, em revistas, jornais entre outros, são quase sempre extraídas dos

mesmos livros e isso faz com que elas se tornem repetitivas.

Foram realizadas entrevistas com três professoras para analisar as suas

interpretações e práticas sobre a teoria estudada, possibilitando assim uma comparação e

interpretação das respostas dadas em diferentes momentos e situações. Para a

elaboração das questões a serem feitas nas entrevistas busquei as dúvidas que tinha

sobre a relação entre a teoria e a prática da alfabetização na PW a fim de esclarecê-las,

além de tentar tornar mais fácil a compreensão da teoria através de relatos da prática e

exemplos das professoras, como aconteceu em diversas questões. Parti de alguns

conhecimentos prévios a respeito do assunto. No questionário, em anexo, havia 16

4 http://www.ewrs.com.br/index.html. Site da Escola Waldorf Rudolf Steiner.

http://www.federacaoescolaswaldorf.org.br/. Site da Federação das Escolas Waldorf no Brasil.

Page 35: Estudo Pedagogia Waldorf

28

perguntas de caráter mais geral, como tempo de trabalho, aproximação com a PW,

sentimento em relação a sua prática pedagógica e também questões mais especificas

sobre a alfabetização. As entrevistas foram realizadas em momentos distintos: uma na

Escola Waldorf em Piracicaba, outra foi realizada em minha própria residência, pois a

professora achou que seria melhor para ela, e a última por telefone, visto que a

professora é de Campinas e não foi possível viajar. As três entrevistas foram gravadas e

posteriormente transcritas.

Elas proporcionaram uma aproximação das informações desejadas e muitas

vezes as professoras responderam além das perguntas propostas inicialmente. Conforme

recomendam Ludke e André (2005) “há uma série de cuidados requeridos por qualquer

tipo de entrevista. Em primeiro lugar um respeito muito grande pelo entrevistado”

(p.35). Destacam ainda que esse respeito inclui local e horário marcados e cumpridos de

acordo com a conveniência do entrevistado até a garantia de sigilo e anonimato em

relação ao informante, recomendações que acatei. As professoras assinaram um termo

de consentimento livre e esclarecido, do qual constavam os objetivos e possíveis riscos

da pesquisa. Como ressaltam as referidas autoras “é importante lembrar que, como

atividade humana e social, a pesquisa traz consigo, inevitavelmente, carga de valores,

preferências, interesses e princípios que orientam o pesquisador”. Não me foi fácil a

tarefa de analisar certos aspectos da PW de forma mais objetiva, dada a aproximação

que tenho com ela, através da vivência do meu irmão e pais numa escola Waldorf.

Ludke e André (2005) esclarecem, a este respeito, que os valores e preferências da

pesquisadora estão sempre no jogo:

Os fatos, os dados não se revelam gratuita e diretamente aos olhos do

pesquisador. Nem este os enfrenta desarmado de todos os seus princípios e

pressuposições. Ao contrário, é a partir da interrogação que ele faz dos

dados, baseada em tudo o que ele conhece do assunto – portanto, em toda a

teoria acumulada a respeito – que vai se construir o conhecimento sobre o

fato pesquisado. (p.4)

Page 36: Estudo Pedagogia Waldorf

29

Sobre a análise dos dados as mesmas autoras explicam que analisar os dados

qualitativos significa “trabalhar” todo material obtido durante a pesquisa como as

entrevistas, os documentos e as demais informações disponíveis. Segundo elas essa fase

se dá quando a coleta de dados está praticamente encerrada e o pesquisador/a já deve ter

uma ideia das possíveis direções teóricas do estudo. De fato, quando as entrevistas já

estavam em processo de transcrição foi possível articular e entender melhor os aspectos

lidos e estudados até então. Esse momento de análise dos dados foi o mais significativo,

pois é possível entender melhor a teoria estudada. As referidas autoras orientam que:

O primeiro passo nessa análise é a construção de um conjunto de categorias

descritivas. O referencial teórico do estudo fornece geralmente a base inicial

de conceitos a partir dos quais é feita a primeira classificação dos dados(...)

É possível que, ao fazer essas leituras sucessivas, o pesquisador utilize

alguma forma de codificação, isto é, uma classificação dos dados de acordo

com as categorias teóricas iniciais ou segundo conceitos emergentes. Nessa

tarefa ele pode usar números, letras ou outras formas de anotações que

permitam reunir, numa mesma etapa, componentes similares. (p.48)

Durante a análise das entrevistas separamos em categorias os aspectos,

conteúdos e falas mais importantes para o desenvolvimento do trabalho e essa

classificação foi feita através do uso de lápis-de-cor, que permitiram fácil visualização

dos temas. De inicio emergiram diversas categorias coloridas, mas depois elas foram

agrupada à medida em que se relacionavam, a fim de facilitar a compreensão do leitor e

desenvolvimento da escrita para a pesquisadora. Tais categorias serão apresentadas no

próximo capítulo.

Page 37: Estudo Pedagogia Waldorf

30

Capítulo 4. A prática das professoras na Pedagogia Waldorf

Neste capítulo apresentarei as categorias que emergiram das entrevistas com as

professoras, buscando analisá-las com os referenciais teóricos organizados nas seções

um e dois. Para o estudo, como já indicado nos procedimentos metodológicos, foram

entrevistadas três professoras que atuam na PW, cujas idades variam entre 30 e 40 anos

e que atuam nas cidades de Piracicaba e Campinas, ambas situadas no interior do Estado

de São Paulo. Já tinha contato, por motivos pessoais, com uma das professoras de

Piracicaba e esta recomendou que entrevistasse sua colega e com a professora de

Campinas o primeiro contato foi através de e-mail.

Com o intuito de deixar mais visível e facilitar o entendimento e compreensão

do leitor ao longo dessa seção as categorias utilizadas para a análise das entrevistas

serão divididas, destacadas e apresentadas em itens e subitens.

4.1. Aproximação com a Pedagogia Waldorf

Foram bem diferentes as formas de aproximação com cada uma das três

professoras com a PW. A Professora Raquel5 é formada em magistério e já havia

lecionado em escolas tradicionais, sua aproximação com a PW deu-se através de um

convite feito por uma amiga que lecionava em uma escola Waldorf e sua especialização

para trabalhar nessa pedagogia deu-se simultaneamente à docência nesse tipo de escola.

Recebi um convite de uma amiga que já trabalhava na escola Waldorf, fazia

seminário. Antes disso eu trabalhei dois anos com educação infantil em uma

escola convencional que tinha um método, meio que construtivista aí eu saí e

recebi esse convite pra ir para a escola Waldorf. Fui aprendendo e gostando

cada dia mais e cada ano foi uma conquista. Aí eu procurei me especializar,

conhecer mais, participava de cursos e fiz o seminário de formação.

(Professora Raquel)

5 Nome fictício, bem como o das outras professoras citadas no trabalho.

Page 38: Estudo Pedagogia Waldorf

31

A Professora Eliana é formada em Biologia e fez mestrado nessa área, a partir de

questões não respondidas sobre o conhecimento do mundo e do ser humano buscou os

estudos da Antroposofia e então conheceu, se aproximou da PW e fez o curso de

formação de professores/as Waldorf em Brasília – DF (diferente das outras duas

professoras que fizeram o curso em Jaguariúna – SP)

Meu caminho de aproximação com a PW foi através da Antroposofia, na

verdade, que respondia pra mim questões relativas ao conhecimento do

mundo. Eu tenho uma formação cientifica, eu sou bióloga fiz um trabalho de

pós-graduação e aí quando eu me confrontei com a conclusão desse trabalho

eu percebi que os recursos que eu tinha eram insuficientes para explicar

certos fenômenos e a Antroposofia apontava para um caminho de

conhecimento mais amplo do homem, do mundo, de mim mesma e do

desenvolvimento da criança que me interessava. (Professora Eliana)

Já a Professora Claudia também fez magistério e lecionou em outras escolas e se

aproximou da PW, pois foi empregada em um jardim de infância Waldorf como auxiliar

de professora e assim se interessou muito pela pedagogia e a partir disso fez o curso de

formação de professores/as e assim como a Professora Raquel fez o seminário

concomitantemente com o exercício da profissão docente na Escola Waldorf, conforme

relata:

Eu sou professora, tenho magistério. Eu já estive em outras metodologias de

ensino e nunca tinha atuado na PW, aliás eu nem sabia de sua existência,

depois que eu me mudei para Piracicaba eu fui admitida pelo jardim de

infância Waldorf e aí passei a estudar, fui para Jaguariúna fazer o curso e

estudo até hoje. (Professora Claudia)

4.2. Ciclo de vida profissional e visão sobre a docência

A Professora Raquel trabalha com a PW há 11 anos, a Professora Eliana há 7

anos e a Professora Claudia há 6 anos. Segundo Huberman (2007) que estudou o ciclo

de vida profissional de professores/as do ensino secundário na Suíça esse período, em

que as professoras estão inseridas, da carreira docente está situado após uma fase inicial,

que dura três anos, de entrada na carreira, quando as incertezas são grandes quanto a

Page 39: Estudo Pedagogia Waldorf

32

permanência na profissão e a professora vive, simultaneamente, estágios de

sobrevivência e descoberta, ora precisando se deparar com a superação do choque da

realidade, ora vivendo o entusiasmo e as experimentações das novidades da carreira.

Após esses três anos a professora está mais confiante, conquista seu estilo

próprio e é mais flexível na gestão da turma;, também se sente mais competente e

possui autoridade natural além de consolidar o compromisso com a profissão, o que

marca a fase de estabilização (HUBERMAN,2007). Nesta fase aparecem as sensações

de libertação, segurança, descontração e também o domínio da situação pedagógica em

consonância com autoridade e espontaneidade:

Na quase totalidade dos estudos empíricos, a estabilização procede ligeiramente ou acompanha um sentimento de “competência” pedagógica crescente. Os estudos de Fuller (1969) e de Durden (1971), por exemplo, evocam um sentimento de confiança e de “conforto”, associado a uma maior descentração: as pessoas preocupam-se menos consigo próprias e mais com os objetivos didáticos. Situando melhor os objetivos a médio prazo e sentindo mais à vontade para enfrentar situações complexas ou inesperadas, o professor logra consolidar e aperfeiçoar o seu repertório de base no seio da turma. (p.40)

É nessa fase que se situam as professoras entrevistadas. Notaremos, nas falas

que seguem, que algumas das marcas da fase de estabilização se fizeram presentes. A

Professora Raquel considera sua prática pedagógica muito prazerosa e gratificante, pois

segundo ela há “um retorno gostoso das crianças, você percebe que aquilo que precisa

ser aprendido passa pelo sentir deles, então se torna mais vivo, dá uma realização

grande”. Ressaltou que seu trabalho com a alfabetização tem sido bom, pois tem tido

bons resultados. A Professora Claudia também apresenta uma visão positiva da

docência, ao afirmar que “a prática pedagógica de alfabetização na Pedagogia Waldorf é

extremamente completa e eu acredito muito nela”, indicando que enquanto professores

nós devemos acreditar na prática pedagógica que desenvolvemos, pois quando tal

sintonia ocorre nós conseguimos melhores resultados na prática educativa. A Professora

Page 40: Estudo Pedagogia Waldorf

33

Eliana ao se referir a sua prática pedagógica, destacou que acontece uma espécie de

reconhecimento da maturidade das crianças e analisando sua fala pode-se dizer que há

humildade de sua parte ao relatar que: “a sensação que eu tive é que na verdade a gente

não ensina a ler, eles é que aprendem a fazer e com o entusiasmo vão “acordando” para

a aprendizagem”. A partir disso nota-se também a importância, na PW, de que o ensino

da leitura e da escrita aconteça conforme a maturidade da criança e que, em sua

concepção, não adianta ensinar conteúdos para os quais muitas vezes ela pode não estar

pronta. No entanto isso não quer dizer que se deve deixar as crianças fazendo o que

querem até chegar a maturidade, tanto é que a Professora Eliana destaca que “tem

criança que não “acorda nunca” aí você tem que falar “olha, aqui é B, aqui é A, faz BA

viu?”.

Estamos, portanto, diante de três professoras que, tomando por base as

considerações do referido autor, demonstram o prazer, a flexibilidade e a confiança

emergindo de sua prática pedagógica.

4.3. Formação para alfabetizar na Pedagogia Waldorf

Perguntadas sobre a formação para trabalhar com a alfabetização na PW, as

professoras relataram que não existe uma formação específica, mas ressaltaram que

durante o curso de formação de professores, já mencionado na primeira seção, há

módulos dedicados ao Ensino Fundamental e durante o estudo deste ciclo da educação

básica foca-se em algumas etapas a questão da alfabetização.

A Professora Raquel já alfabetizou três turmas, Eliana duas turmas e Claudia

uma turma. Esse número é pequeno considerarmos o tempo que elas atuam. No entanto,

devemos levar em consideração que na PW recomenda-se que a professora acompanhe

a mesma turma, desde o primeiro ano até, no mínimo, o nono ano. O ideal seria que ela

acompanhasse a turma até o Ensino Médio, quando ela passaria a ser uma tutora. Por

Page 41: Estudo Pedagogia Waldorf

34

isso as professoras ficam cerca de oito anos com a mesma turma, a próxima turma de

alfabetização virá depois de muitos anos, quando voltam a estudar os processos de

alfabetização.

4.4. Maturidade dos/as alunos/as para alfabetização

Conforme relataram as professoras e também as indicações de Steiner a criança

até os sete anos estará empregando suas forças no desenvolvimento e estruturação dos

seus órgãos como coração, rins, pulmão e seu corpo físico como um todo, se um esforço

intelectual muito grande for exigido ela desviará suas forças e o seu corpo físico não se

desenvolverá completa e corretamente. Segundo Biekarck (s/d) quando uma criança tem

que atender a um adulto que quer que ela aprenda determinado conteúdo, isso faz com

que ela deixe de fazer aquilo que ela precisa fazer no momento para atender uma

solicitação externa ainda não amadurecida. Enquanto está fazendo esse atendimento ela

deixa de desenvolver a tarefa necessária no primeiro setênio que é constituir um

organismo próprio para si, um corpo próprio para si: na PW “a criança só recebe o

conteúdo quando o corpo dela está preparado para recebê-lo, daí que todo o conteúdo é

construído dentro do físico que a criança apresenta” (Professora Claudia).

Também há que se considerar que, como destacou a Professora Eliana,

Quando ocorre a alfabetização reduz-se algo muito complexo em um

símbolo muito pequeno diante da compreensão da linguagem e aí a gente

pode dizer que escrever é “matar” a linguagem, não matar no sentido de

acabar com ela, mas de minimizar muito sua complexidade em um símbolo.

A criança vai olhar a letra e entender que ela representa um som de P e que

juntando com A faz PA e isso é um pedaço da palavra pato. Então tudo isso

exige forças de pensamento que são as mesmas forças que formam o corpo,

as forças do que a gente chama de corpo etérico, então quando a gente pensa

muito e faz um esforço intelectual muito grande a gente perde força vital.

De acordo com Biekarck (s/d) o que a criança recebe do mundo rapidamente se

incorpora à constituição orgânica dela, então nos primeiros sete anos a criança está

realmente configurando o seu organismo, e esse período de configuração do seu

Page 42: Estudo Pedagogia Waldorf

35

organismo próprio, lemos que ele termina com a troca dos dentes, a partir daí a criança

estaria pronta para escolarização e não antes. A troca dos dentes, que acontece, ou

deveria acontecer, por volta dos sete anos caracteriza a externalização das forças, é um

sinal que o corpo etérico está se desvinculando da formação em curso para

representação mental. Ele afirma ainda que a criança após a troca dos dentes consegue

permanecer de um forma mais constante diante de representações mentais e estas se

relacionam com imagens, não exclusivamente, mas fundamentalmente, essas

representações mentais vão começar a constituir o fundamento da memória da criança.

Então é a partir desse momento, da troca dos dentes, que a criança pode entrar na

escola, pois ela já tem idade e forças disponíveis para dedicar ao pensamento.

4.4.1.1. A influência da troca dos dentes para alfabetização

Sobre isso as professoras relataram situações diferentes que esse acontecimento

causou. Segundo a professora Raquel houve e há influência “na questão anímica da

criança, ela fica mais pronta parece que dá um “up” dá uma acordada, nesse sentido

acontece sim.” A professora Claudia destaca que é “exatamente por isso que as crianças

são alfabetizadas com sete anos que é quando essa troca de dentes acontece e isso

significa que as crianças estão maduras para receber um novo momento que vai ser a

chegada das letras.” Já a professora Eliana entende que

Não tem uma influência exatamente, mas são finalizadores. Agora tem

crianças que caem os dentes, trocam os dentes e não aprendem a ler não tem

uma relação a ver uma com a outra e tem outras que sabem ler e que não

trocam os dentes também, mas é um indicador de como essas forças de

vitalidade estão trabalhando no corpo.

Biekarck (s/d) comenta que quando a criança começa a trabalhar de uma forma

mais direta e mais autônoma com a questão da memória aparece a pergunta sobre como

levar para ela assuntos e conhecimentos que se instalem em sua memória da forma mais

saudável possível, mais prazerosa, mais plena, o que na PW se dá através de vivências.

Page 43: Estudo Pedagogia Waldorf

36

Assim é que no ensino fundamental tem-se como base sempre desenvolver as matérias

de forma que elas produzam vivências na alma da criança. Com um conteúdo

vivenciado ela consegue se relacionar, ao passo que com um conteúdo meramente

intelectual ela só consegue pensar, e não vincula o seu ser com aquilo que ela pensa.

Sobre esse aspecto a Professora Claudia explicou que “através da vivência e da imagem

chega a letra para a criança e conforme a letra, uma história e uma vivência. A criança

vivencia o A no corpo com o movimento pra depois esse A aparecer como um desenho

na lousa e no caderno”. Desta forma, mesmo que a criança tenha alcançado maturidade

e a partir da troca dos dentes tenha mais forças para empregar no pensar, é necessário o

uso de imagens para o processo de aquisição de leitura e escrita assim como para tudo o

que o professor precisa ensinar. Segundo Steiner (2000)

O pensar da criança ainda não alcança o intelectual, da troca dos dentes até a

maturidade sexual, esse pensar realmente só tem relação com tudo que atua

na criança sob forma de imagens. Imagens atuam sobre os sentidos. (...)

Então com a troca dos dentes, a criança também começa a assimilar o que é

imagético. E, antes de mais nada, temos de inserir nesse imagético aquilo

que deve ser levado à criança justamente da melhor maneira, ou seja, por

meio da linguagem. (p.58)

4.5. A importância do uso de imagens

As professoras relataram, em consonância com Steiner, a importância da

utilização de imagens principalmente quando elas fazem a introdução de determinada

letra que, como já explicitado anteriormente, chega até as crianças por meio de um

desenho, ou seja, uma imagem. O conceito de imagem na PW não é apenas aquela que

os olhos veem, mas também uma representação mental, pois quando as professoras

contam uma história, por exemplo, as crianças imaginam a história e isso é uma

imagem, como afirmam duas professoras:

Trazemos ao mesmo tempo o som e a imagem e a imagem ela é tanto

pictórica, que é o desenho da letra quanto é a imagem enquanto história. Na

história você traz uma situação que representa várias palavras com o som da

letra que você vai apresentar. A história tem um sentido e chega para criança

Page 44: Estudo Pedagogia Waldorf

37

a partir do sentimento, a primeira coisa que a gente faz é associar o som ao

sentimento. E depois disso a gente ilustra pictoricamente a história e dali sai

a forma da letra, então a gente faz a relação de concretizar em uma forma

aquele som que você vinha falando e aquela história que você contou.

(Professora Eliana).

Se eu vou trazer o F, você traz o artístico na lousa que é o desenho e através

do desenho e da história os elementos que trazem o som do fonema F. E aí

quando você conta a história e muitas palavras com esse som, que já estão

presente nas crianças através de versos, você faz uma fada de maneira que

dessa fada você faça surgir um F. (Professora Raquel)

4.6. Ordem de apresentação das letras

É importante ressaltar que as histórias, bem como a ordem em que as letras são

apresentadas são determinadas pela professora. É ela quem decide qual história é mais

adequada para sua turma e também deve sentir e perceber quais letras serão

apresentadas primeiro, conforme a ansiedade dos/das alunos/as e para tanto também

pode utilizar as iniciais do nome das crianças, não há um roteiro estabelecido somente

as orientações recebidas nos cursos de formação e aprofundamento e também nas

leituras feitas pelas professoras sobre a teoria Antroposófica indicadas por Steiner.

Biekarck (s/d) afirma que na PW o ensino é criado pelo/a professor/a para os/as seus/as

alunos/as, também ressalta que o professor ou professora no Ensino Fundamental

acompanha a classe durante as oito séries e por isso ele/a torna-se um referencial muito

forte para a criança. O que é apresentado na escola para os/as alunos/as chega até eles

somente através da professora, não há livros didáticos ou apostilas utilizadas em sala,

todo o material dos/as alunos/as, como os livros e cadernos eles mesmos confeccionam,

o que deve ser feito anteriormente o que será trabalhado.

4.7. A influência do ensino de línguas estrangeiras durante a alfabetização

No inicio do ensino fundamental das Escolas Waldorf os/as alunos/as já têm

contato com pelo menos duas línguas estrangeiras, mas até o terceiro ano do Ensino

Fundamental é só trabalho oral, as crianças não escrevem na língua estrangeira.

Page 45: Estudo Pedagogia Waldorf

38

Conforme orienta Steiner: “(...) no primeiro ano, a criança imediatamente começa a

aprender, além da língua materna, duas línguas estrangeiras.” (2005, p.100). Ressalta

ainda que a escolha das línguas a serem ensinadas deverá ser guiada pela necessidade,

mas é fundamental que sejam ensinadas outras línguas.

A Professora Eliana lembra que antes de entrar no Ensino Fundamental a criança

vivencia a linguagem oral com bastante ênfase, os/as professores/as de educação infantil

trabalham muito com a oralidade, cantam, fazem frases rimadas e acompanhadas de

melodia e de linguagem elaborada, por isso até os sete anos a criança tem um repertório

de linguagem oral bem desenvolvido na língua materna, em geral, as línguas

estrangeiras não competem com isso, pois elas só começam a ser trabalhadas quando a

criança já tem isso muito bem estabelecido. Sobre a influência desse ensino durante o

processo de alfabetização, a Professora Eliana afirma que:

Não atrapalha e necessariamente nem ajuda na aquisição da língua materna.

Esse trabalho com as línguas estrangeiras é bem importante para ampliar seu

repertório anímico com outra linguagem, pois a linguagem é a expressão de

um povo, como esse povo se relaciona com o mundo está muito sutilmente

agregado à linguagem.

Outro motivo interessante que ela apresenta para a importância do ensino de

línguas estrangeiras nas primeiras séries do ensino fundamental é,

(...) porque a linguagem vai ganhando uma certa elasticidade e isso é muito

legal, pois as crianças têm uma boa abertura para aprender a língua

estrangeira e em geral elas gostam muito, as aulas são muito agradáveis, elas

imitam com muita facilidade porque vão ouvindo e saem falando mesmo. E

isso já abre a criança para língua estrangeira e ela não fica assim “Ai, será

que está certo? Será que não está?” Não! Elas “vão embora”, saem falando

sabe? E aí depois fica mais fácil para aprender a gramática por exemplo.

Já a Professora Claudia acredita que tem influência, pois como relata “essas duas

línguas auxiliam o aprendizado da língua materna. Essa questão da oralidade, do ritmo,

de ter uma ciranda, uma roda, eu acredito que isso faz com que a língua materna fique

mais gostosa de aprender, assim como as estrangeiras”.

Sobre o ensino das línguas estrangeiras Steiner (2005) orienta que:

Page 46: Estudo Pedagogia Waldorf

39

Tentamos ministrar a aula de língua estrangeira de forma a não abordarmos a

relação entre uma língua e outra. Nós ignoramos, digamos assim, que mesa

em alemão seja tisch e em inglês table que comer em alemão seja essen e em

inglês seja aet. Ligamos cada língua não à palavra de outras línguas, mas

diretamente a objetos a criança aprende a nomear, seja em francês ou inglês,

o teto, a lâmpada, a cadeira. Portanto, de certa forma ainda não se dá valor à

tradução, isto é, à transposição de uma palavra, de uma língua para outra; a

criança aprende sim, a simplesmente falar na língua estrangeira ou pensar

que, ao falar table em inglês, isto se chama tisch, e assim por diante. Isso não

existe para criança, ela não chega a cogitá-lo durante a aula, pois até ali não

foi feita uma comparação linguística ou algo dessa natureza. Através disso, a

criança tem a possibilidade de aprender a língua a partir de sua característica

essencial, e cada língua a partir de seu elemento essencial do qual provém:

do elemento do sentir. (p.100)

4.8. A importância do uso da flauta

O uso da flauta na PW é constante dia-a-dia desde o primeiro ano do ensino

fundamental até o último ano do ensino médio. Diante do exemplo pessoal que tinha

perguntei às professoras qual era e se havia influência o uso da flauta no processo de

alfabetização. Para a Professora Raquel a flauta trabalha um acordar antes da aula, pois

essa parte rítmica com a flauta doce ajuda muito a criança a despertar, esse momento

rítmico que acontece meia hora antes do início da aula da manhã faz com que a criança

“chegue” para o conteúdo, como explica:

Se ela teve um trânsito caótico, acordou em cima da hora ou teve um sonho

ruim, enfim um monte de possibilidades que pode ter do caminho de casa até

a escola, a gente faz esse acordar, acordar o anímico para aula. (...)

A Professora Claudia também destacou a importância da flauta e do exercício de

respiração que ela promove para a preparação dos/as alunos/as e sua prontidão para

receber os conteúdos a serem ensinados ou revisados naquele dia. De acordo com ela, a

flauta desenvolve toda parte de respiração e atua diretamente no sentir, “há um contrair,

expandir, contrair e expandir e depois desse toque de flauta a criança tem como receber

o conteúdo de maneira mais “aberta”, pois tocando flauta as crianças se preparam para a

aula”.

Page 47: Estudo Pedagogia Waldorf

40

A Professora Eliana ressaltou aspectos positivos quanto ao uso da flauta, não só

durante o processo de alfabetização, mas dos anos do Ensino Fundamental e Médio. No

âmbito da ajuda na alfabetização ela explicou sobre sua importância especialmente para

a motricidade fina, “os dedinhos que abrem e fecham os buraquinhos da flauta para que

a criança consiga tocá-la é muito importante para que ela consiga escrever”.

Duas professoras, Raquel e Eliana, comentaram que a flauta proporciona aos/as

alunos/as momentos de união em grupo, pois “fazer música em conjunto traz muita

alegria e autoconfiança para as crianças”, conforme ela explica a seguir:

Tocar flauta é respirar junto. Quando a gente toca junto a gente força o grupo

e no primeiro ano a formação do grupo é uma coisa muito importante porque

é um grupo coeso que vai conduzir as diferenças, um grupo coeso admite as

crianças que estão mais na frente e que dão uma “rezinha” por causa do

grupo, ou crianças que estão lá trás e o grupo espera e essas correm um

pouco. Esse respirar junto, inspira, expira e toca com pouca consciência,

porque isso é diferente de falar: “inspira, expira” a gente esta fazendo música

e aí isso dá uma coesão interessante o grupo que aprende até respirar

junto.(Professora Eliana)

... quando você trabalha a questão musical com a flauta você consegue

desenvolver um grupo na sala, pois quando você usa a música ou flauta você

faz com que os alunos se unam em um grande grupo. Se você quer trabalhar

mais a individualidade na sala então você usa os versos, tem esse relação

também. (Professora Raquel)

Steiner (2005) justifica a aprendizagem de um instrumento de sopro como forma

da criança usar o ar, inspirando e expirando:

Aprender a tocar um instrumento qualquer de sopro, e aos poucos, entender

a música é muito proveitoso para as crianças. Certamente será possível ter as

piores surpresas quando as crianças começam a soprar, mas por outro lado,

manter, no interior de seu corpo, ao longo dos feixes de nervos, toda a

configuração do ar que normalmente circunda, e continuar a impeli-lo para

frente, para dentro do instrumento, será uma vivência maravilhosa. (p.98)

4.9. Criatividade da professora: característica indissociável

A criatividade é uma marca da PW e as professoras entrevistadas ressaltaram

isso como uma característica indissociável da prática pedagógica de uma professora

Waldorf. Como não se trata de um sistema rígido, um/uma professor/a não pode imitar

Page 48: Estudo Pedagogia Waldorf

41

o/a outro/a e nem repetir a si mesmo monotonamente, como ressaltam Abreu e Sâmara

(1999):

Cada professor precisa desabrochar, de modo artístico, seu próprio ser e

entregá-lo com espontaneidade, de acordo com seu esforço para alcançar o

equilíbrio interior. A força criativa recém conquistada se manifestará em

idêntica medida na formação consciente de suas palavras, no tom da sua voz,

atuando de forma impulsora e ativa as forças da alma. (p. 95)

Na PW o/a professor/a tem completa liberdade para desenvolver artisticamente

seus dons pedagógicos, as mesmas autoras ao citarem Steiner observam que “cada aula

do professor deveria ser uma verdadeira obra de arte” (p. 95) e o espírito e a atitude

anímica do/a artista devem então preenchê-lo. Lanz (1990) explica que não se trata da

realização prática, da capacidade do pintor, músico ou poeta, mas sim da maleabilidade,

da fantasia e criatividade que marcam o/a artista.

4.10. O envolvimento e anseios dos pais no processo de alfabetização

As professoras devem saber como explicar para os pais esse processo de

alfabetização na PW, que é lento e muitas vezes eles não entendem isso. Pressupomos

que os pais que matriculam seus filhos em Escolas Waldorf conheçam minimamente

suas propostas pedagógicas, mas mesmo assim as professoras comentaram que os pais

ficam ansiosos para que seus/suas filhos/as aprendam a ler e escrever rapidamente, pois

esta é uma exigência de muitas outras escolas e da sociedade, sendo portanto

compreensível tal ansiedade.

Como na PW a participação dos pais é solicitada constantemente, como já

explicado no primeiro capítulo, e é também um dos princípios que compõe sua

concepção pedagógica, as professoras têm um contato muito frequente com os pais, o

que possibilita constantes esclarecimentos sobre a alfabetização. Apesar da ansiedade

os pais costumam compreender esse processo. Como relata a Professora Raquel, “ocorre

Page 49: Estudo Pedagogia Waldorf

42

um anseio e uma certa insegurança, porque é algo novo para eles, pois a gente vê

crianças com cinco anos que sabem ler e escrever”. Por isso, explica que:

o que a gente tenta trazer para os pais é essa consciência do que a

Antroposofia fala, do que nós acreditamos também enquanto mostrando esse

processo que é tão mágico, tão vivo dentro da criança e que se torna

prazeroso (...) Quando você traz isso para os pais de uma forma bem clara,

bem tranquila isso dá mais segurança a ansiedade vai se contendo

paulatinamente conforme eles vão acompanhando o progresso do filho e o

processo do currículo.

4.10.1.1. Tempo necessário para a alfabetização na Pedagogia Waldorf

Segundo as professoras, as turmas que elas alfabetizaram levaram

aproximadamente 3 anos para aprenderem a ler e escrever efetivamente.

4.11. Trabalho com alunos/as já alfabetizados

Quando acontece da professora receber alunos/as já alfabetizados em suas

turmas, conforme relataram as professoras, o trabalho acontece da mesma maneira que

com os/as demais alunos/as, pois o processo na PW é tão diferente que é como se ela

nem conhecesse. Como a PW traz a questão da alfabetização pela imagem, pela história

e pelo sentir, a criança se abre para ouvir uma história e nem imagina a princípio que

tem uma letra envolvida nesse processo, se envolvendo com entusiasmo e fantasia.

Conforme explica a Professora Eliana “se ela tem a abertura para a fantasia, pode ser

que a fantasia esteja um pouco desinteressante, mas em geral as crianças de 7 e 8 anos

têm muita abertura para imagens, então eles se envolvem com o mesmo vigor,

entusiasmo e fazem os exercícios com o mesmo querer”. A Professora Claudia explicou

que “o trabalho é o mesmo, não tem diferença a criança já vem com uma bagagem

grande, mas aí ela consegue se adequar ao conteúdo da PW e caminha junto com os

outros”.

4.12. Uso de materiais de apoio no preparo e execução das aulas e atividades

Page 50: Estudo Pedagogia Waldorf

43

Perguntei para as professoras sobre o uso de outros materiais didáticos, que não

os indicados pela PW e Antroposofia, para o preparo de suas aulas ou até mesmo para

utilização direta com os/as alunos/as, tais como cartilhas, livros didáticos, jogos, livros

de literatura, revistas entre outros. Por conta da autonomia que a PW proporciona ao/a

seu/sua professor/a, não estabelece exatamente os materiais que ele/a deve usar, mas

existem livros escritos por estudiosos/as da PW e da Antroposofia, e pelo próprio

Rudolf Steiner, que indicam como devem ser desenvolvidas e preparadas algumas

atividades, como a confecção de brinquedos, canções e histórias, e também o conteúdo e

metodologias a serem utilizadas nas aulas para cada ano escolar e cada faixa etária

dos/as alunos/as.

A Professora Eliana explica que a PW tem uma linha metodológica que, no caso

da alfabetização, é bastante delimitada, mas que não encerra uma metodologia, o que

guia a professora é o entendimento de criança que se tem e a partir desse entendimento

abre-se um leque de possiblidades muito grande em termos de materiais e ferramentas

metodológicas “desde que a gente não esteja aviltando essa criança pequena, exigindo

demais do intelecto, sobrecarregando o treino da ortografia ou na caligrafia. Todo modo

como a gente conduz é principalmente baseado nessa compreensão de criança”.

Conforme exemplifica:

Eu posso sim, fazer o uso de jogos com letra, bingo com letras, exercícios do

tipo troca-letras, caça-palavras, por exemplo, eu faço e as crianças gostam

muito. Pesquiso, principalmente materiais, entre colegas da Escola Waldorf,

materiais que são úteis e que deram certo, enfim, eu acho que em relação a

isso não tem uma proibição, mas requer atenção de saber que material é esse,

que metodologia é essa o que está exigindo da criança pra ver se não é muito

diferente daquilo que agente já tem enquanto metodologia estabelecida.

Explicou ainda que nas Escolas Waldof os/as alunos/as não utilizam cartilhas e

nem livros didáticos, pois todo o conteúdo que será transmitido vem através do/a

professor/a e esse é, principalmente, o elemento artístico da PW. Ela afirma que “o/a

Page 51: Estudo Pedagogia Waldorf

44

professor/a se apropria do conteúdo e do “mundo”, o transforma e traz para a criança

como arte”.

No primeiro ano na verdade o que a gente precisa fazer constantemente é

olhar o mundo, “se debruçar sobre ele” no que acontece no nosso redor, na

natureza, nos seres da natureza, nas atividades cotidianas, nas atividades de

trabalho artesanal. Esse é, principalmente, o nosso “alimento” para criar as

histórias para alfabetização e encontrar elementos pictóricos no mundo que

possam servir como material para alfabetização.

Sobre outros apoios e o uso de livros didáticos ela faz a seguinte consideração:

Se eu preciso elaborar e mexer um pouco mais com essa linguagem eu

preciso de recursos que são cursos, tutorias, conversas com os professores e

livros didáticos que trazem exercícios com linguagem que podem ser

interessantes e aí eu adapto esses exercícios pra minha classe, escolho e faço

as modificações necessárias.

As Professoras Claudia e Raquel também fazem uso de outros materiais e livros

didáticos, seja para desenvolver outros exercícios, ou usar diretamente com as/os

estudantes. Na consideração da Professora Claudia, que usa os materiais para criar

outros, na PW tudo se cria, para ela “não dá pra criar tudo da cabeça, então você olha

no livro tem a ideia e transforma naquilo que cabe dentro daquele conteúdo”. Já a

justificativa da Professora Raquel, que recorre a outros materiais tanto para adaptar,

quanto para o uso com seus/suas estudantes, é de que “tem criança que você não

consegue atingir através da PW e por isso precisa de algo a mais”. Ela acredita nas

Escolas Waldorf está sendo “bem vista” essa atitude de atender as necessidades

individuais de cada criança. “Eu recorro sim, a outros materiais, quando necessário.

Posso confeccionar uns jogos de tabuada como eu já fiz, um bingo de tabuada para que

a criança consiga aprender brincando”. Sobre o uso de cartilhas e livros didáticos ela

afirma, assim como as demais professoras, que recorre para elaborar exercícios, mas

também para estudar melhor e mais “a fundo” o conteúdo que vai desenvolver a fim de

relembrá-lo, isso é muito importante e ocorre principalmente quando os/as alunos/as

estão nos anos finais do Ensino Fundamental, pois os conteúdos são mais complexos e

Page 52: Estudo Pedagogia Waldorf

45

o/a professor/a precisa ter segurança ao lecioná-los, além de que como ela coloca “não

pode destoar muito do que eles vão ver lá fora”.

4.13. A diferença entre a Pedagogia Waldorf e as demais propostas pedagógicas

Em relação a essa diferença as professoras trazem considerações importantes,

objetivas e diferentes que, de certa forma, facilitam a compreensão. Foi interessante

observar que cada uma ressaltou aspectos diferentes na comparação com a PW e outras

propostas metodológicas e nenhuma delas referiu-se as demais vertentes como pior ou

inferior à PW apenas as diferenciaram.

A PW se diferencia das outras não só na questão da leitura e da escrita, mas

na visão de homem e de mundo que ela tem, que é uma visão espiritualista.

A PW considera como sendo realidade não só o corpo, como também a alma

e o espírito e esses são os elementos com os quais a gente trabalha na prática

pedagógica. Então isso faz bastante diferença em termos da PW comparada

com as outras, eu acho que é um ponto de partida bem distinto. (Professora

Eliana)

Há uma ligação artística no aprender, na instância do pensar, sentir e querer.

Você traz pra criança essa relação do sentir do eu gosto eu simpatizo e aí eu

quero fazer e vou pensar sobre isso. Então é diferente nesse sentido.

(Professora Raquel)

Eu acho que nas outras metodologias as crianças não vivenciam de fato essa

leitura e escrita, pois ela acontece de fora para dentro. Na PW a leitura e a

escrita acontecem de dentro para fora, a criança precisa estra preparada pra

receber e estando na idade certa para aprender esse conteúdo ela o

interioriza. O que acontece nas outras pedagogias é que as crianças estão

sendo antecipadas à alfabetização, elas não vivenciam a aprendizagem.

Através das entrevistas percebi que a teoria estudada é muito presente nas

práticas das professoras, elas são comprometidas com as orientações de Steiner, mas

também têm muita autonomia na execução e preparo de suas aulas. São estudiosas, pois

todas relataram que o trabalho principalmente com a alfabetização é muito intenso e

exige dedicação, estudo e acima de tudo criatividade.

Page 53: Estudo Pedagogia Waldorf

46

Considerações Finais

Esse trabalho teve como principal objetivo a análise da relação entre a teoria e as

práticas alfabetizadoras desenvolvidas pelas professoras na PW. Para tanto buscou-se o

aprofundamento nas teorias propostas por Rudolf Steiner, que foi o idealizador da PW,

assim como de estudiosos desta Pedagogia. Esta por sua vez tem como ideal a educação

pautada no desenvolvimento do ser humano e suas necessidades nos aspectos físicos,

espirituais e psicoemocionais, específicos de cada etapa da vida.

O aprofundamento sobre a concepção de alfabetização na PW possibilitou o

entendimento que o ensino da leitura deve ocorrer somente a partir dos sete anos, pois é

preciso levar em consideração a maturidade da criança, principalmente em relação aos

seus aspectos físicos, para que as forças necessárias para o desenvolvimento do

organismo não sejam desviadas para o esforço que o aprendizado requer. Também

foram apontados outros aspectos que envolvem a alfabetização, como o ensino a partir

de imagens e histórias, a troca dos dentes, o processo de desenvolvimento do corpo

físico e também da alma e espírito da criança.

Para entender as bases de alfabetização na PW foi preciso estudo dos métodos

sintéticos e analíticos apresentados por Carvalho (2005), a fim de entender como e em

que aspectos eles se aproximavam concepções de Steiner. Desta forma podemos afirmar

que, apesar de algumas concepções analíticas como a contação de histórias e contos

para a alfabetização, a base da PW é sintética, partindo de unidades menores para o

texto, sendo as suas matrizes metodológicas a soletração (unidade é a letra, ou grafema)

e os métodos fônicos (unidade é o fonema).

O procedimento de coleta de dados realizou-se através de entrevistas, que

colaboraram muito para o entendimento de conceitos que são difíceis de entender se não

forem exemplificados e explicados verbalmente.

Page 54: Estudo Pedagogia Waldorf

47

Das entrevistas emergiram categorias de análises importantes, discutidas no

Capítulo 4. Quanto à formação para alfabetizar, verificamos que se realiza em módulos

dos cursos que preparam os professores para atuar com a PW.

Destacou-se no estudo a percepção de que a as professoras vivenciam uma

articulação entre a teoria estudada e suas práticas, que, sabemos, é uma marca rara nas

práticas da grande maioria de professores. As três professoras entrevistadas se

encontravam na fase de estabilização do ciclo profissional e as características desta fase

se fizeram presentes em seus relatos, de prazer com a profissão, segurança e

flexibilidade na docência, de acordo com Huberman.

A sintonia entre teoria e prática marcou as práticas alfabetizadoras, em opções

metodológicas, tais como o percurso da letra ao texto, a utilização de imagens para o

ensino das letras e a contação de histórias, dentre outros aspectos.

Um aspecto que tem sido objeto de discussão na mídia nos últimos dias sobre a

PW diz respeito à idade para começar o processo de alfabetização. Com a implantação

da nova legislação (Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9394/1996) , que

antecipa o primeiro ano do Ensino Fundamental em um ano, as crianças podem

ingressar no primeiro ano com 5 anos. Entretanto, os educadores das escolas Waldorf,

pautados nos princípios que pudemos verificar nas proposições teóricas e nas práticas

das professoras, discordam desta antecipação e recorreram ao Conselho Estadual de

Educação de São Paulo para impedir tal possibilidade.

As professoras demonstraram flexibilidade quanto a certas orientações teóricas,

relativas, por exemplo, ao ensino mais diretivo para crianças com mais dificuldades

(“tem criança que não acorda nunca aí você tem que falar “olha, aqui é B, aqui é A, faz

BA viu?”, como exemplificou uma das professoras) e ao uso de alguns materiais

didáticos para uso com as crianças ou para adaptar para atividades criadas por elas

Page 55: Estudo Pedagogia Waldorf

48

O estudo permitiu constatar que a alfabetização na PW requer das professoras

estudo e aperfeiçoamento constantes sobre a Antroposofia e a proposta pedagógica das

Escolas Waldorf. Entretanto a maior sintonia entre as propostas teóricas e as práticas

nunca está plenamente garantida, demandando esforços delas. A este respeito, Biekarck

(s/d) ressalta, não só em relação à PW, que a PW tem muitos encantos e isso exige

atenção:

Eu diria também para cada um que vai se acertando com a PW ela pode

mostrar vários encantos, encantos da eventual felicidade que as crianças

possam ter, o encanto das riquezas do trabalho que eles produzem, a PW

pode ser bastante encantadora, mas ela não é perfeita, depende muito

também de quem a faz.

Page 56: Estudo Pedagogia Waldorf

49

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Page 58: Estudo Pedagogia Waldorf

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Anexos

Roteiro para entrevista

1. Há quanto tempo você trabalha com a Pedagogia Waldorf?

2. Por que você escolheu trabalhar com a Pedagogia Waldorf?

3. Quantas turmas você já alfabetizou?

4. Você teve alguma formação específica para trabalhar com a alfabetização na Pedagogia

Waldorf?

5. Como você caracteriza a sua prática quanto à alfabetização na PW?

6. No que basicamente se diferencia a Pedagogia Waldorf de outras propostas pedagógicas

no que diz respeito ao ensino da leitura e escrita?

7. Por que na Pedagogia Waldorf não se alfabetiza antes dos sete anos?

8. Já aconteceu de você receber crianças já alfabetizadas na turma? Se sim, como foi

desenvolvido o trabalho com elas?

9. A aquisição da leitura e escrita na Pedagogia Waldorf se dá de maneira lenta e gradua.

Como os pais encaram isso? Há muita cobrança da parte deles?

10. Qual a importância, na sua prática, do uso da flauta na alfabetização?

11. Você percebeu, nas turmas que já alfabetizou, alguma influência da troca dos dentes

durante a alfabetização?

12. Você recorre a outros princípios, procedimentos metodológicos ou materiais que não

são os da PW? Por que?

13. Você usa cartilhas para preparar suas aulas?

14. No primeiro ano ao se iniciar o processo de alfabetização também se inicia o estudo de

outras línguas como, por exemplo, o alemão e o inglês. Por quê? Você acha que isso

teve influência na alfabetização da/s sua/s turma/s?

15. As histórias que são contadas e a ordem em que as letras são apresentadas aos alunos, é

escolhida por você, ou há um “roteiro” pré-estabelecido?

16. Em média em quanto tempo, as crianças da/s sua/s turma/s foi/foram alfabetizadas?