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8/4/2019 Steven Pinker - Tese de Mestrado
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LEANDRO GORSKI
A LINGUAGEM COMO INSTINTO PARA STEVEN PINKER
CURITIBA
8/4/2019 Steven Pinker - Tese de Mestrado
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2007
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO PARAN
CENTRO DE TEOLOGIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO: MESTRADO EM FILOSOFIA
A LINGUAGEM COMO INSTINTO PARA STEVEN PINKER
Trabalho apresentado ao programa de Mestrado
em Filosofia da Pontifcia Universidade Catlica
do Paran, sob orientao do Prof. Dr. Bortolo
Valle, como requisito parcial para a obteno do
ttulo de Mestre em Filosofia.
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CURITIBA
2007
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Agradecimentos
Ao Prof.Bortolo Valle, pela aposta, dedicao e
incentivo.
Ao Prof. Cleverson Leite Bastos, pela forte gesto de
conhecimento.
Aos companheiros de montanha, Cleverson,Edmlson,
KlebereDaniel, pelo aprendizado informal e tantas risadas.
Ao amigoFelipe (Sadol) Millani, pelas trocas
intelectuais.
E principalmente a minha esposaElaine, pela pacincia,
compreenso e amor.
O meu sincero agradecimento e gratido.
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Alguns cognitivistas descreveram a
linguagem como uma faculdade
psicolgica, um rgo mental, um
sistema neural ou um mdulo
computacional. Mas prefiro o simples e
banal termo instinto. Ele transmite a
idia de que as pessoas sabem falar
mais ou menos da mesma maneira que
as aranhas sabem tecer teias.
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Steven Pinker
RESUMO
A linguagem se tornou, no sculo XX, a questo central da filosofia, existindo vrios
tipos de abordagem, como por exemplo, a Hermenutica, a Fenomenologia, a Filosofia
Analtica, o Estruturalismo entre outras. Outro modo de analis-la por meio da relao que se
estabelece entre as estruturas biolgicas e a linguagem levada a termo por pesquisas das reas
de teorias da mente: neurocincias, gentica comportamental e psicologia evolucionista.
Entre vrios autores que trabalham com esta concepo, destaca-se Steven Pinker. Entre
as vrias obras produzidas como Tbula Rasa (2004) e Como a Mente Funciona (2004),
destaca-se O Instinto de Linguagem (2002), onde o autor defende a tese em favor dodesenvolvimento da lngua como adaptao evolutiva, existindo uma vinculao profunda entre
aquilo que chamado de mente e o crebro.
Para Pinker a linguagem no um artefato cultural que aprendemos da maneira como
aprendemos informar as horas ou como o governo funciona. Ao contrrio, nitidamente uma
pea da constituio biolgica de nosso crebro. A linguagem uma habilidade complexa e
especializada, que se desenvolve na criana sem nenhum esforo consciente ou instruo
formal, manifestando-se sem que se perceba sua lgica subjacente, que qualitativamente a
mesma em todo o indivduo.Por essas razes, alguns cognitivistas descreveram a linguagem como uma faculdade
psicolgica, um rgo mental, um sistema neural ou um mdulo computacional. Pinker prefere
utilizar o termo instinto. Ele transmite a idia de que as pessoas sabem falar mais ou menos da
mesma maneira que as aranhas sabem tecer teias. As aranhas sabem tecer teias no porque uma
aranha genial inventou ou aprendeu o processo. Elas o fazem porque tm crebro de aranha, o
que as impele a tecer e lhes d competncia para faz-lo com sucesso. Pensar a linguagem como
instinto inverte o senso comum, especialmente como vista pelas cincias humanas e sociais.
Para Pinker a linguagem no uma inveno da cultura, assim como tampouco a postura ereta o.
O trabalho de Pinker foi profundamente influenciado por Noam Chomsky, um dos
primeiros lingistas a revelar a complexidade do sistema e talvez o maior responsvel pela
moderna revoluo na cincia cognitiva e na cincia da linguagem. Mas Chomsky um pouco
ctico em relao a possibilidade da seleo natural darwiniana poder explicar as origens do
rgo da linguagem que ele prope. Pinker afirma que se o olho humano produto da adaptao
ou seja, se se trata de algo eficaz, do ponto de vista funcional que se desenvolveu por
intermdio da seleo natural , ento a mente humana, em essncia, tambm o . Pinker
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emprega esse darwinismo na expanso das teorias de Chomsky rumo a um territrio
adaptacionista.
Fica explcito nesta tese que o autor defende a existncia de um vnculo entre aquilo que
chamado de instinto e mente, uma vez que seu trabalho procura refletir sobre o modo de
como a mente cria a linguagem.
Neste texto procuramos refletir sobre a realidade da linguagem fundada na noo de
instinto conforme apresentada por Steven Pinker.
ABSTRACT
The language became philosophys main concern in the XX century, existing different
types of approach such as, hermeneutics, phenomenology, analytic philosophy, structuralism
among others. Another way to study it is by the relation with biological structures, and the
researches in the fields of mind theory: neuroscience, behavioral genetics and evolutionist
psychology.
Among many others authors that work with this conception, one name is detachedSteven Pinker. Among his many works, The Blank Slate (2004) and How the Mind Works
(2004), detaches The Language Instinct (2002), where the author defends the theory in favor
of the development of the language as a evolutional adaptation, exhibiting a profound link
between that what is called mind and the brain.
To Steven Pinker language is not a cultural artifact which we learn in the way that we
learn to tell the hours or how the government works. On the contrary, it is clearly a tool of the
biological structure of our brain. The language is a complex and specialized ability, that
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develops in a child without conscious effort or formal instruction, revealing itself without the
knowledge of its internal logic, which is qualitatively the same in every individual.
For this reasons, cognovits described language as a psychological tool, a mental organ,
a neural system or a computer module. Pinker prefers to use the term instinct. It gives the idea
that people know more or less to speak in the same way that spiders know how to produce a
web. The spiders know how to make produce a web not because a genius spider invented it or
because they learned the process. They do because they have a spider brain, what drives and
enable them to produce it. Think about language as an instinct changes the common sense,
specially how it is seen in human and social sciences. To Pinker language isnt a cultural
invention, as walking stand isnt.
Pinkers work was profoundly influenced by Noam Chomsky, one of the first linguistics
to reveal the complexity of the system and maybe the biggest responsible for the modern
revolution in cognitive science and in language science. But Chomsky is a bit skeptic about the
possibility that natural selection can explain the origins of the language organ that he proposes.
Pinker affirms that if the human eye is a product of adaptation which means, it is a functional
tool, that developed by the means of natural selection -, so the human mind, in essence, also is.
Pinker uses this Darwinism expanding Chomskys theory in an adaptationist territory.
It is clear in this work that the author defends the existence of a bound between that
what is called instincts and mind once his book try to reflects about the way that the mind
creates language.
In this text we tried to reflect about the reality of the language structured in the notion of
instinct as presented by Steven Pinker.
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SUMRIO
RESUMO_______________________________________________________05
ABSTRACT____________________________________________________ 06
INTRODUO__________________________________________________09
CAPTULO I
1. O NASCIMENTO DAS CINCIAS COGNITIVAS___________________13
1.1. NOAM CHOMSKY_____________________________________ 16
1.2. BIOLOGIA NA BERLINDA______________________________ 21
1.3. O RETORNO DA BIOLOGIA_____________________________ 29
1.4. ARQUITETURA DA MENTE_____________________________31
CAPTULO II
2. CREBRO E LINGUAGEM_____________________________________ 41
2.1. DISTRBIOS DA FALA E COMPREENSO________________42
2.2. A CONTRIBUIO DE MONOD: A LINGUAGEM E A
EVOLUO NO HOMEM___________________________________46
2.3. OS PERODOS CRTICOS DE KONRAD LORENZ___________49
2.4. ASPECTOS BIOLGICOS DA LINGUAGEM PARA ERIC H.
LENNEBERG______________________________________________502.5. SOBRE O CONCEITO DE INSTINTO DE KONRAD LORENZ_ 52
CAPTULO III
3. STEVEN PINKER______________________________________________54
3.1. HISTRICO___________________________________________ 54
3.2. O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM EM CRIANAS__ 57
3.3. MEIO INTERNO DE COMPUTAO: MENTALS__________ 62
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3.4. DIVERSIDADE LINGSTICA___________________________ 64
3.5. FISIOLOGIA DA FALA_________________________________ 66
3.6. DESENVOLVIMENTO DO ASPECTO FISIOLGICO DA
FALA____________________________________________________ 673.7. LNGUA-ME_________________________________________ 69
3.8. GENES DA GRAMTICA________________________________72
3.9. EVOLUO DA LINGUAGEM E TEORIA EVOLUTIVA_____ 75
3.10. GENEALOGIA DA ESPCIE____________________________ 82
3.11. SINGULARIDADE DA LINGUAGEM_____________________89
3.12. CONTRIBUIO PINKERIANA: MODELOS______________ 90
CONSIDERAES FINAIS_______________________________________ 99
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS_______________________________ 103
BIBLIOGRAFIA DE CONSULTA_________________________________ 104
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INTRODUO
A presente dissertao busca analisar como o neurolingista canadenseSteven Pinker estabelece as bases biolgicas para a linguagem. O autor prope a
linguagem como um instinto, o qual produzido pela evoluo, mais
precisamente pela seleo natural. Analisando a linguagem a partir desta
perspectiva, veremos que a linguagem produzida pela mente, e a mente
produzida pelo crebro. A obra que ser utilizada como referncia O instinto da
Linguagem de Steven Pinker, produzido originalmente em 1998, e a primeira
traduo em 2002. Alm desta obra, sero utilizados outros textos,
principalmente da psicologia evolutiva, apoiando a idia do autor sobre o tema.
O problema da pesquisa em questo reside em que tal posio defendida
pelo autor se ope s posies clssicas denominadas culturalistas,
fundamentadas nos trs principais dogmas da filosofia moderna, que seriam o
dogma da tbula rasa, o dogma do bom selvagem e o dogma do fantasma na
mquina. Na obra que servir como base para o nosso trabalho o autor focaliza o
tema da linguagem, mas em sua obra mais recente, publicada em 2004, intitulada
de Tbula Rasa A negao contempornea da natureza humana, o autor
trabalha diferentes temas vinculados a aspectos biolgicos, buscando estabelecer
uma nova forma de interpretao dos processos comportamentais humanos
baseado na teoria sinttica da evoluo, que seria a teoria da seleo natural do
naturalista ingls Charles Darwin unida aos enunciados e descobertas da gentica
feitos por diversos pesquisadores.A relevncia desta abordagem estar fundamentada no aporte do incio da
dcada de 1980, principalmente na contribuio de Edward O. Wilson com a
teoria da sociobiologia exposta em seu livro Sociobiologia: A nova sntese,
lanado em 1975. Sociobiologia seria um ramo da biologia que estuda o
comportamento social dos animais, usando conceitos da etologia, evoluo,
sociologia e gentica de populaes. Essa disciplina cientfica prope que
comportamentos e sentimentos animais, tambm existente nos seres humanos,
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como o altrusmo e a agressividade, por exemplo, so em parte derivados da
gentica, e no so apenas culturais ou socialmente adquiridos. Esse tipo de
afirmao causou grande controvrsia no cenrio intelectual, e ainda hoje divide
os pesquisadores. Entretanto, boa parte das crticas so interpretaes errneas dateoria, muito confundida com o darwinismo social. Alm da contribuio de
Wilson, os temas desenvolvidos por Richard Dawkins sobre a evoluo e a
gentica tambm so de grande relevncia. Dawkins conhecido principalmente
pela sua viso evolucionista centrada no gene, exposta em seu livro O Gene
Egosta, publicado em 1976. O livro introduz o termo meme, o que ajudou na
criao da memtica (o estudo formal dos memes). Em 1982, ele realizou uma
grande contribuio cincia da evoluo com a teoria, apresentada em seu livro
O Fentipo Estendido, de que o efeito fenotpico no se limita ao corpo de um
organismo, mas sim de que o efeito influncia no ambiente em que vive este
organismo. Desde ento escreveu outros livros sobre evoluo e apareceu em
vrios programas de televiso e rdio para falar de temas como biologia
evolutiva, criacionismo e religio. Posteriormente, no incio dos anos 1990, um
novo campo de pesquisa formado, denominado de psicologia evolutiva que visa
desvendar os comportamentos e funcionamento da mente humana alicerados nas
cincias biolgicas e suas descobertas. A psicologia evolutiva influenciada de
forma significativa pelos textos de Wilson e Dawkins. Atualmente, o autor
Steven Pinker um dos poentes desse campo.
O que pretendemos com esse trabalho demonstrar que o fundamento
ltimo da linguagem de carter gentico-evolutivo.
No primeiro captulo tentaremos localizar historicamente o surgimento dasCincias Cognitivas, uma cincia formada pela juno de vrios campos como
matemtica, filosofia, neurocincia, psicologia, cincia da computao e
lingstica. Um dos fundadores desse campo o lingista Noam Chomsky, com
sua contribuio no estudo da linguagem. Chomsky faz um aporte novo no
estudo da linguagem, indicando que a gramtica inata na espcie humana, e no
algo formado somente pelo aspecto do meio onde a linguagem se desenvolve, ou
seja, na cultura. Esse posicionamento mantido por Chomsky vai contra a doutrina
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behaviorista, que assume um papel basicamente exclusivo do meio para a
formao dos comportamentos humanos, inclusive a aquisio da linguagem. Se
Chomsky sugere que a linguagem possui uma caracterstica inata, ento de
cunho biolgico. Depois da abordagem das contribuies de Chomsky,tentaremos estabelecer o retorno da biologia para discusses sobre as
humanidades, depois de passar um perodo vista de forma negativa,
principalmente pelas prticas realizadas de eugenia. Como veremos a eugenia
ser responsvel pela viso obscura da biologia. O retorno se dar pelas
influncias dos trabalhos de Wilson e Dawkins, respectivamente pela
sociobiologia e pela viso da evoluo centrada no gene. A partir dessas
contribuies, ocorreram vrias tentativas de arquitetar a mente humana em
modelos, que sero comentados como mente-esponja, mente-computador e
mente-canivete suo.
No segundo captulo abordaremos a relao existente entre crebro e
linguagem, possibilitada pelas descobertas da neurocincia, principalmente pela
neuroanatomia e neurofisiologia. Neste captulo trataremos das reas cerebrais
relacionadas linguagem, dos distrbios da fala e da compreenso, alm das
contribuies realizadas pelo geneticista francs Jacques Monod sobre a relao
entre linguagem e evoluo, pelo etlogo alemo Konrad Lorenz sobre os
perodos crticos e sobre o conceito de instinto e pelo psiclogo Eric Lenneberg
sobre a relao entre crebro e linguagem.
E no terceiro captulo trataremos de como o autor Steven Pinker aborda a
questo do instinto da linguagem. No incio deste captulo trataremos de um
breve histrico do autor e de como Pinker concebe a idia de um substratoinstintivo para a aquisio da linguagem a partir do desenvolvimento da mesma
pelas crianas. Em seguida abordaremos como o autor prope um quadro
interessante da linguagem como meio interno de computao, idia concebida
primordialmente pelo filsofo Jerry Fodor. Tentaremos descrever ainda como o
autor trata da questo da diversidade lingstica, da fisiologia da fala, da busca
por uma lngua-me, da busca por genes da gramtica, da evoluo da
linguagem, da genealogia da espcie e da seleo natural como um princpio para
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a fixao da linguagem na espcie humana. Por fim, abordaremos os modelos
propostos pelo autor sobre as implicaes de um instinto da linguagem,
principalmente para as humanidades.
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CAPTULO I
1. O NASCIMENTO DAS CINCIAS COGNITIVAS
Em 1948, o campus do Instituto Tecnolgico da Califrnia sediou um
congresso que reunia eminentes cientistas de diferentes disciplinas, cujo tema de
apresentao era: A forma pela qual o sistema nervoso controla o
comportamento. Este congresso ficou conhecido como Simpsio de Hixon, por
ser patrocinado pelo Fundo Hixon.
As discusses se estenderam alm do tpico oficial. O primeiro
palestrante, John Von Neumann, estabeleceu uma comparao entre computador
eletrnico e o crebro. O segundo palestrante, Warren McCulloch, lanou uma
discusso intitulada Porque a mente est na cabea, explorando alguns
paralelos entre neurnios e mquinas lgicas fazendo uma comparao como
Von Neumann, de como o crebro processa informao.
Com menos ligao com as inovaes tecnolgicas da poca, mas
relacionando com o tema para explicar os problemas do comportamento humano,
o terceiro palestrante, o psiclogo Karl Lashley desafia a doutrina ou dogma
vigente na psicologia e estabelece um programa de pesquisa novo.
A doutrina que Lashley desafia o behaviorismo. Os behavioristas haviam
derrubado o clima cientfico preferido pelos pesquisadores da poca: a
introspeco. A introspeco uma auto-reflexo por parte de um observadortreinado sobre a natureza e sobre os padres do prprio pensamento. Os
behavioristas apresentam duas propostas relacionadas entre si.
Em primeiro lugar, aqueles pesquisadores interessados em uma
cincia do comportamento deveriam limitar-se estritamente a mtodos
pblicos de observao, que qualquer cientista pudesse aplicar e
quantificar. Nada de reflexo subjetiva ou introspeco particular:para que uma disciplina fosse cincia, seus elementos deveriam ser to
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observveis quanto a cmara de nvoa do fsico ou o frasco do
qumico. Em segundo lugar, os interessados em uma cincia do
comportamento deveriam concentrar-se exclusivamente no
comportamento: os pesquisadores deveriam constantemente evitar
tpicos como mente, pensamento ou imaginao, e conceitos como
planos, desejos ou intenes. Tampouco deveriam eles tolerar
construtos mentais hipotticos como smbolos, idias, esquemas, ou
outras formas possveis de representao mental. Tais constructos,
nunca esclarecidos adequadamente por filsofos anteriores, haviam
colocado o introspeccionista em maus lenis. De acordo com os
behavioristas, toda atividade psicolgica pode ser adequadamente
explicada sem que se recorra a estas misteriosas entidades mentalistas.
(GARDNER, 1985, p.26)
Lashley percebeu que se quisesse aplicar os novos conhecimentos sobre o
crebro ou sobre computadores nas cincias psicolgicas, seria necessrio um
confronto direto com o pensamento behaviorista da poca. Por conseguinte, nas
suas observaes iniciais, Lashley expressou sua convico de que qualquer
teoria da atividade humana teria de dar conta de comportamentos complexamente
organizados, como jogar tnis, tocar um instrumento musical, e acima de tudo
falar. (GARDNER, 1985, p.27)
Alm do behaviorismo, que havia atrasado a fundao propriamente dita
de uma cincia da cognio, porque segundo Lashley e seus compartilhadores, as
respostas behavioristas questes referentes mente humana, no eram na
verdade nenhuma resposta. (GARDNER, 1985, p.30)
Enquanto os behavioristas utilizaram os modelos mecanicistas baseados
no arco reflexo (estmulo-resposta), Lashley afirma que existem evidncias que
indicam um sistema nervoso dinmico e ativo, no esttico como os adeptos do
behaviorismo julgam.
Outros fatores atrasariam a fundao da cincia cognitiva.
Algumas escolas filosficas o positivismo, o fisicalismo e overificacionismo que evitavam entidades (como conceitos ou idias)
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que no podiam ser observadas ou medidas com segurana,
ajustavam-se muito bem ao behaviorismo. Havia tambm a
intoxicao com a psicanlise. Embora muitos estudiosos estivessem
intrigados com as intuies de Freud, eles julgavam que nenhuma
disciplina cientfica poderia ser edificada com base em entrevistas
clnicas e histrias pessoais construdas retrospectivamente; alm
disto, eles ressentiam-se profundamente da pretenso de um campo
que no se mostrava suscetvel de refutao. Entre o credo linha-
dura dos behavioristas do Sistema e as conjeturas desenfreadas dos
freudianos, ficava difcil enfocar de uma forma cientificamente
respeitvel o territrio dos processos humanos de pensamento.
(GARDNER, 1985, p.30)
Ao final da dcada de 1940, comea a surgir a sensao observvel no
simpsio Hixon de que talvez fosse o momento de uma nova investida
cientfica, focalizando agora a mente humana.
O psiclogo George A. Miller prope que o incio oficial da cincia
cognitiva deu-se por volta de 1956. Por que esta data? Miller focaliza as datas de
10 a 12/09/1956, quando ocorre o simpsio sobre teoria da informao no MIT,
ao qual comparecem figuras proeminentes das cincias humanas. O segundo dia
do simpsio destacado por Miller por causa de dois artigos.
O primeiro apresentado por Allen Newell e Herbert Simon, descrevia
a Mquina de Teoria Lgica (Logic Theory Machine), a primeira
prova completa de um teorema executada em uma mquina
computadora. O segundo artigo do jovem lingista Noam Chomsky,
descrevia Trs modelos de Linguagem. Chomsky mostrou que um
modelo de produo de linguagem derivado da viso da teoria da
informao de Claude Shannon no poderia de forma alguma ser
aplicada com xito linguagem natural, e em seguida exps a sua
prpria viso da gramtica, baseada em transformaes lingsticas.
(GARDNER, 1985, p.43)
Com a iniciativa da Fundao Sloan, que no incio dos anos de 1970
financiaram um programa particular nas neurocincias: um conjunto de
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disciplinas que exploram o sistema nervoso indo da neuropsicologia e da
neurofisiologia neuroanatomia e neuroqumica. Pesquisadores provenientes
de campos diversos foram incentivados por este financiamento a explorar
conceitos comuns e estruturas organizacionais comuns. Agora a Sloan estava procura de um campo anlogo de preferncia dentro das cincias, no qual
pudesse investir uma quantia semelhante. (GARDNER, 1985, p.50)
Em 1975, um programa particular injetou financiamento da fundao
Sloan na Cincia Cognitiva. Com a declarao do nascimento de um campo, com
patrocnio, o efeito tonificante sobre aqueles que descobriram que faziam parte
dele, foi considervel, mas de forma alguma assegurou consenso.
O relatrio feito, em 1978 (abreviado de SOAP), apresentado por uma
equipe de estudiosos do campo, apresentava uma relao entre seis campos
constituintes: filosofia, psicologia, lingstica, inteligncia artificial, antropologia
e neurocincias.
Este relatrio gerou uma recepo negativa, provavelmente porque
pesquisadores destas reas no chegam a nenhum consenso, achando que o
trabalho individual de cada uma dessas reas era menosprezado pelo trabalho das
outras reas.
Seria interessante um consenso na rea, mas a tentativa de uma magnitude
da Fundao Sloan e uma esperana de um Newton ou Darwin moderno
colocando ordem no campo, no foram suficientes. Porm, na ausncia destes
dois acontecimentos miraculosos, s resta queles de ns que desejam entender a
cincia cognitiva criar a sua prpria tentativa de formulao do campo
(GARDNER, 1985, p.53)De acordo com o nosso propsito, cabe uma anlise mais profunda da
contribuio de Noam Chomsky.
1.1. NOAM CHOMSKY
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Avram Noam Chomsky nasceu em 7 de dezembro de 1928, e professor
de Lingstica no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (M.I.T., das iniciais
em ingls). Entre suas obras destaca-se:
- Three Models for the Description of Language, 1956
- Syntactic Structures, 1957
- Aspects of the Theory of Syntax, 1965
- Language and Mind, 1972
- Rules and Representations, 1980
- Lectures on Government and Binding,1981
- Knowledge of Language. Its Nature, Origin and Use, 1986
- Language and Thought, 1993
- The Minimalist Program, 1995
- New Horizons in the Study of Language and Mind, 2000
Noam Chomsky conseguiu no seu artigo (monografia Syntatic
Structures) chamar a ateno para certas propriedades das sentenas que todos
os falantes e ouvintes normais conhecem intuitivamente, mas que derivam de
uma compreenso mais profunda da lngua, cujo conhecimento apenas do
lingista.
Em vez de simplesmente observar os dados da lngua, e tentar
discernir regularidades de expresses empiricamente observadas,
como seus predecessores haviam feito tipicamente, Chomsky insistia
que os princpios nunca emergiriam de um estudo das expresses em
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http://pt.wikipedia.org/wiki/1965http://pt.wikipedia.org/wiki/1972http://pt.wikipedia.org/wiki/1980http://pt.wikipedia.org/wiki/1981http://pt.wikipedia.org/wiki/1981http://pt.wikipedia.org/wiki/1986http://pt.wikipedia.org/wiki/1993http://pt.wikipedia.org/wiki/1995http://pt.wikipedia.org/wiki/1972http://pt.wikipedia.org/wiki/1980http://pt.wikipedia.org/wiki/1981http://pt.wikipedia.org/wiki/1986http://pt.wikipedia.org/wiki/1993http://pt.wikipedia.org/wiki/1995http://pt.wikipedia.org/wiki/19658/4/2019 Steven Pinker - Tese de Mestrado
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si. Ao contrrio, era necessrio trabalhar dedutivamente. Deve-se
tentar entender que tipo de sistema a linguagem, assim como se
procura entender como um ramo particular da matemtica; e deve-se
expor as concluses em termos de um sistema formal. Tal anlise
deveria levar postulao de regras que possam explicar a produo
de qualquer sentena gramatical concebvel (e h, claro, um nmero
infinito de tais sentenas), mas ao mesmo tempo as regras no
deveriam gerar nenhuma sentena incorreta ou agramatical. Uma
vez que o sistema tenha sido estabelecido, dever-se-ia ento examinar
expresses particulares para determinar se podem, de fato, ser
adequadamente geradas atravs da adeso s regras do sistema
lingstico. (GARDNER, 1985, p.199)
A adoo de Chomsky de uma anlise formal da linguagem, aos poucos
foi se revelando como oposio ao conjunto completo de pressupostos empiristas
da maioria dos cientistas e de quase todos os lingistas da poca. A crtica de
Chomsky atinge diretamente B. F. Skinner, o arquibehaviorista da metade do
sculo. Skinner tentara explicar o comportamento lingstico com nfase no
comportamento em geral em termos das mesmas cadeias de estmulos-
respostas e leis de reforo que ele invocara para explicar o comportamento de
organismos inferiores as bicadas dos pombos ou a corrida de ratos em
labirintos.
Skinner ignorava, na maioria dos casos as intricadas propriedades
estruturais da linguagem que fascinavam Chomsky (e outros lingistas) e outros
crticos do behaviorismo como Karl Lashley (GARDNER, 1985, p.207).Chomsky mostrou que as tentativas de Skinner de explicar a linguagem
seguindo a linha do estmulo-resposta estariam fundamentalmente equivocadas.
Chomsky faz ainda uma crtica a Skinner em relao ao caminho
epistemologicamente escolhido. Como outros empiristas do perodo, Skinner
recomendava aos investigadores que se ativessem aos dados e rejeitassem a
teoria abstrata. Chomsky, pelo contrrio, julgava que os dados nunca falariam
por si s, que era necessrio assumir uma posio terica e explorar as
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conseqncias dessa teoria. Alm disto, revelou a sua suspeita de que os tipos
de teoria necessrios para explicar a linguagem, e outros aspectos do pensamento
e comportamento humanos, teriam de ser abstratos e, na verdade, francamente
mentalistas. (GARDNER, 1985, p.207)Ainda na mesma crtica, Chomsky revela tambm sua impacincia com a
maioria das abordagens psicolgicas. Um dos psiclogos a quem Chomsky
elogiou por trazer uma abordagem diferenciada foi Karl Lashley.
Em seus estudos sobre comportamento ordenado serialmente, Lashley
conclura que uma expresso
no produzida simplesmente pelo encadeamento de uma
seqncia de respostas sobre o controle de estimulao externa e
associao interverbal, e que a organizao sinttica de uma expresso
no algo representado diretamente na estrutura fsica da expresso.
(GARDNER, 1985, p.208)
Baseando-se em Lashley, Chomsky concluiu que deve haver vrios
processos integrativos, que s podem ser inferidos dos resultados finais de suaatividade.
Nos anos que seguiram, Chomsky sugere que o indivduo nasce com uma
forte inclinao para aprender uma lngua, e que as formas possveis da lngua
que se pode aprender so rigidamente limitadas pela espcie a que se pertence.
Chomsky estaria impressionado com o carter abstrato da tarefa que toda a
criana que deve aprender uma lngua enfrenta, e com a rapidez com que a lngua
aprendida, apesar da ausncia de um mentor especfico. Chomsky afirma que
o indivduo nasce com uma forte inclinao para aprender uma lngua, e que as
formas possveis da lngua que se pode aprender so rigidamente limitadas pela
espcie a que se pertence, com sua herana gentica peculiar (GARDNER,
1985, p.208)
A gramtica transformacional de Chomsky foi desenvolvida para
proporcionar precisa descrio matemtica de alguns dos mais notveis traos da
linguagem. De particular importncia a esse propsito, a capacidade que tm as
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crianas de derivar regularidades estruturais de sua lngua materna as regras de
gramtica dessa lngua a partir da fala de seus pais e das pessoas que as
rodeiam, fazendo uso dessas mesmas regularidades na construo de expresses
orais nunca antes ouvidas. (LYONS, 1970, p.13)A mensagem fundamental era que o aprendizado terico ou o
associacionismo, extremamente difundido por Skinner no poderia explicar como
a linguagem era presa a regras.
Como Gazzaniga menciona A complexidade da linguagem era prpria do
crebro e seguia regras e princpios que transcendiam todos os povos e todos os
idiomas. Era universal (GAZZANIGA, 2006, p.36)
A crtica feita por Chomsky ao behaviorismo, quando afirmou que:
a impressionante massa de terminologia cientfica e de estatsticas
empregadas pelos behavioristas no passava de camuflagem a
esconder a incapacidade que tinham de explicar o fato de a linguagem
no ser simplesmente um conjunto de hbitos e diferir radicalmente
da comunicao entre animais (LYONS, 1970, p.16)
A marcao biolgica da linguagem, quando Chomsky assume que deve
haver uma programao cientificamente determinada uma hiptese produtiva
e interessante, especialmente quando se investiga a estrutura biolgica dos rgos
vocais.
Afirma-se, muitas vezes, que nenhum dos rgos vocais tem como
funo nica ou principal o papel que desempenha na produo da fala que ospulmes atendem respirao, os dentes mastigao e assim por diante e que
esses rgos vocais no constituem um sistema fisiolgico, no sentido normal
dessa expresso. No deve ser esquecido, entretanto, que a faculdade de falar
to caracterstica dos seres humanos e to natural e importante para ele quanto
andar com dois ps e mesmo comer. Qualquer que possa ter sido sua causa em
algum remoto perodo do desenvolvimento evolutivo do homem, cabe sublinhar
o fato de que todos os seres humanos utilizam o mesmo aparelho fisiolgico
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para falar. pelo menos, admissvel que os homens sejam geneticamente
programados para assim agirem. (LYONS, 1970, p.21)
Chomsky ainda adota uma postura contrria aos estruturalistas que
defendiam uma acentuada diversidade das lnguas humanas, afirmando suassimilaridades.
Se todas as lnguas humanas so similares, natural questionar por que
deve ser assim. natural responder a essa questo invocando fatos obviamente
relevantes como: todas as lnguas humanas fazem referncia s propriedades dos
objetos do mundo fsico que presumivelmente, percebido de maneira
essencialmente semelhante por todos os seres humanos, fisiolgica e
psicologicamente normais; todas as lnguas, qualquer que seja a cultura dentro da
qual operam, so chamadas a desempenhar uma gama semelhante de funes
(fazer enunciados, formular perguntas, emitir ordens, etc.); todas as lnguas
recorrem ao mesmo aparelho fisiolgico e psicolgico, e a prpria maneira
como este opera pode ser considerada responsvel por algumas das propriedades
formais da lngua. (LYONS, 1970, p.104)
Mas nem todos os traos universais da linguagem se explicam facilmente
por esta tica. Chomsky diz que a nica explicao concebvel, pelo menos at
onde achava, a de que os seres humanos so geneticamente dotados de uma
faculdade de linguagem altamente especfica e que essa faculdade que
determina traos universais.
Ora, todos esses fatos so, como Chomsky acentua, relevantes e,
muito possivelmente, exerceram influncia sobre a estrutura da lngua.Contudo, muito dos traos universais da linguagem, sejam
substantivos ou formais, no se explicam facilmente por esse prisma.
A nica explicao concebvel, diz Chomsky, pelo menos em termos
de nossos atuais conhecimentos, a de que os seres humanos so
geneticamente dotados de uma faculdade de linguagem altamente
especifica e que essa faculdade que determina traes universais,
tais como a dependncia da estrutura ou o princpio. (LYONS, 1970,
p.104)
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J que Chomsky afirma uma marcao biolgica, uma determinao
gentica para a faculdade da linguagem, ento a Biologia, e principalmente, a
Gentica deveria ter algumas respostas. Mas onde a Gentica estava nesseperodo?
1.2. BIOLOGIA NA BERLINDA
A Gentica o ramo das Cincias Biolgicas que se preocupa com o estudo
da hereditariedade e da variao. Considerado o pai da Gentica, Gregor
Mendel (1822-1884) publicou seu estudo sobre a hereditariedade, em 1866, queno foi reconhecido pela comunidade cientifica por mais de 34 anos. Os
problemas da hereditariedade so bastante simples, como qualquer criador de
ces sabe. Mas Mendel demonstrou que so um pouco mais complexos. Por
exemplo: os resultados de Mendel indicaram que coisas - objetos materiais
eram transmitidas de gerao a gerao. Qual seria a natureza dessas coisas?
Por volta da poca da morte de Mendel, em 1884, os cientistas, usando
recursos pticos cada vez melhores para estudar a arquitetura diminuta das
clulas, cunharam o termo cromossomo para descrever os corpos compridos
existentes no ncleo celular. Mas somente em 1902 algum associaria Mendel
aos cromossomos. Um estudante de medicina da Universidade Columbia, Walter
Sutton, percebeu que os cromossomos tinham muito em comum com os
misteriosos atores de Mendel. Ao estudar os cromossomos de gafanhotos,
percebeu que quase todos eram duplos como os fatores emparelhados deMendel. Mas Sutton tambm identificou um tipo de clula em que os
cromossomos no apareciam aos pares: as clulas sexuais.
O espermatozide do gafanhoto possui apenas um conjunto de cromossomos,
no dois. Isso era idntico ao que Mendel observava nas clulas espermticas das
ervilhas, que tambm s portavam uma cpia de cada um dos fatores. Estava
claro que os fatores de Mendel, agora denominados genes, tinham de estar nos
cromossomos. (WATSON, 2005, p.24)
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A redescoberta do trabalho de Mendel e os avanos cientficos decorrentes
suscitaram um grande interesse nas implicaes sociais da gentica. Enquanto os
cientistas se deparavam com os mecanismos precisos da hereditariedade durante
os sculos XVIII e XIX, a preocupao pblica aumentou sobre o fardo dasociedade ou seja, os moradores de abrigos, asilos e hospcios conhecidos
como classes degeneradas.
O que fazer com essa gente?
Esta permaneceu uma questo controvertida. Ser que deveriam ser
tratados de maneira caridosa? (No, respondiam aqueles de ndole
menos caridosa, pois isso s serviria para assegurar que tal gentenunca iria agir por conta prpria e, por conseguinte, permaneceria para
sempre dependente das benesses do Estado ou de instituies
privadas). Ou ser que deveriam simplesmente ser ignorados? (No,
respondiam aqueles de ndole caridosa, pois isso apenas perpetuaria a
incapacidade desses infelizes de se libertar das circunstncias
desventuradas em que se encontravam). (WATSON,2005, p.28)
Um embasamento biolgico para a explicao de comportamentos
humanos j no era novidade. Em 1859, a publicao da Origem das Espcies de
Darwin, tornou mais acaloradas a viso dessas questes. Embora Darwin tivesse
muito cuidado, no fazendo qualquer meno a espcie humana temendo que isso
s inflamaria uma controvrsia j bastante quente (qual a natureza do ser
humano?). Mas no seria preciso muita imaginao para aplicar sua idia de
seleo natural aos seres humano.
A seleo natural a fora que determina o destino de todas as variaes
genticas na natureza desde mutaes no gene da cor dos olhos da mosca-da-
fruta at diferenas na capacidade dos indivduos de sobreviver.
As populaes naturais apresentam um enorme potencial bitico, isto ,
um enorme potencial reprodutivo. As espcies no se proliferam infinitamente
por causa da resistncia ambiental, como suprimento de gua e comida. Existecompetio entre indivduos de mesma espcie por tais recursos.
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A variao gentica possibilita que alguns indivduos apresentem
vantagens nessa competio. Como resultado, a seleo natural enriquece a
gerao seguinte com a mutao benfica, at que, no final de um longo nmero
suficiente de geraes, toda a espcie acabe por apresentar esta caracterstica.Os homens da era vitoriana (sculo XIX) aplicaram a mesma lgica aos
seres humanos.
Olharam ao seu redor e ficaram alarmados com o que viram. A taxa de
reproduo da classe mdia decente, moral, trabalhadora estava muito aqum
da reproduo desmedida da classe baixa suja, imoral, indolente. Os vitorianos
supuseram que as virtudes da decncia, moralidade e labor eram transmitidas em
famlia tanto quanto os vcios da imundcie, licenciosidade e preguia. Logo, tais
caractersticas deviam ser hereditrias. Portanto, para os vitorianos, moralidade e
imoralidade eram apenas duas dentre as variantes gnicas de Darwin. E, se a ral
se reproduzia mais do que as classes respeitveis, ento a proporo de genes
ruins estaria aumentando na populao humana. A espcie estava condenada!
Pouco a pouco, medida que o gene da imoralidade se disseminasse, os seres
humanos iriam se tornando mais depravados. (WATSON, 2005, p.30)
Francis Galton tinha bons motivos para dar uma ateno obra de Darwin.
Darwin fora seu conselheiro durante a temporada um tanto tortuosa que passou
na faculdade. Mas foi a Origem das Espcies que inspirou Galton a iniciar a
cruzada social e gentica cujas conseqncias acabariam sendo desastrosas. Um
ano aps a morte de Darwin, em 1883, Galton daria um nome ao movimento:
eugenia.
Galton nasceu em 1822, filho de famlia rica. Depois de passar 6 anoscomo bom-vivant, resolveu se estabelecer como um membro produtivo da
sociedade vitoriana.
No relato de suas exploraes, mostra sua grande paixo: contar e medir
tudo.
Ficou conhecido ao chefiar, em 1850-52, uma expedio at uma regio
pouco conhecida no sudoeste da frica. no relato e suas exploraes que
encontramos a primeira manifestao do fio que une todos os seus mltiplos
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interesses: sua paixo por contar e medir tudo. Galton s se sentia feliz quando
podia reduzir um fenmeno a uma srie de nmeros. (WATSON, 2005, p,30)
A paixo de Galton pela quantificao levou-o a fundamentar muitos dos
princpios da estatstica moderna. Mas a sua forma, de certa maneira era um meiode explicar o porqu de certas linhagens gerarem um nmero
desproporcionalmente grande de pessoas bem-sucedidas.
Em 1869, publicou o que se tornaria o esteio de todas as suas idias
sobre eugenia, um tratado intitulado Hereditary genius: an inquiry in
laws and consequences, no qual pretendeu mostrar que o talento,
maneira de qualquer outro trao gentico simples como o lbio dos
Habsburgo, tambm se transmite em famlia, mencionando algumas
famlias que haviam produzido gerao aps gerao de juzes. No
geral, suas anlises no chegam a considerar o efeito do meio
ambiente: afinal, o filho de um juiz proeminente tem uma maior
tendncia de tornar-se juiz (se no for por nenhum outro motivo, ao
menos em virtude das ligaes profissionais de seu pai) do que o filho
de um fazendeiro sem terra. (WATSON, 2005, p,32)
Galton argumentava que o ambiente exerce papel pouco influente no
individuo e este basicamente aquilo que herda geneticamente. Deste ponto de
vista seria possvel melhorar a espcie humana mediante a procriao
preferencial dos indivduos dotados e impedindo aos menos dotados de se
reproduzir.
Galton introduziu o termo eugenia que significa de boa origem paradescrever a aplicao a seres humanos do princpio bsico utilizado na
propagao agrcola. Com o tempo, eugenia passou a denotar evoluo humana
controlada: os eugenistas acreditavam que, tomando decises conscientes sobre
quem deve ou no ter filhos, eles seriam capazes de impedir a erupo da crise
eugnica, precipitada na imaginao vitoriana pela alta taxa de reproduo da
ral inferior associada s famlias caracteristicamente menores das classes mdias
superiores. (WATSON, 2005, p.33)
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No presente, eugenia uma palavra mal-vista, associada a racistas e
nazistas, e lembra-nos de uma fase da histria da gentica que talvez fosse
melhor esquecer. Mas no final do sculo XIX e no incio do XX, eugenia no era
tido como infame, muito pelo contrrio, muitos viam a eugenia como umapossibilidade genuna para melhorar no apenas a sociedade como um todo mas
tambm a sorte dos indivduos dentro da sociedade. A eugenia foi aclamada com
entusiasmo especial por aqueles que hoje designaramos como esquerda-liberal
(WATSON, 2005, p.33).
Se Galton pregava o que mais tarde viria a ser conhecido como eugenia
positiva, incentivando pessoas com genes superiores a terem filhos, o
movimento eugnico americano preferiu voltar-se para a eugenia negativa, isto
, impossibilitar a proliferao de pessoas geneticamente inferiores. O objetivo
de ambos os programas era o mesmo melhorar a linhagem gentica humana
mas as duas abordagens se mostraram bastante diferentes.
O enfoque americano de eliminar os genes ruins, em oposio a aumentar
a freqncia dos genes bons, decorrem de alguns estudos que influenciaram a
opresso do pas com a deteriorao gentica. Estes estudos buscavam os
degenerados (degeneration) e os de mente fraca (feeblimin dedness).
Novos e rigorosos mtodos para testar o desempenho mental os
primeiros testes do Q. I. levados da Europa para os Estados Unidos pareciam
confirmar a primeira impresso de que a espcie humana estava deslizando
rapidamente ladeira gentica abaixo.
Naqueles primeiros momentos dos testes de inteligncia, acreditava-se que
inteligncia aguada e mente alerta inevitavelmente implicavam uma capacidadede absorver grande quantidade de informaes. Desse modo, o tanto de
informaes acumulada por uma pessoa se tornava uma espcie de ndice do seu
QI. Seguindo essa linha de raciocnio, os primeiros testes de QI incluam muitas
perguntas de conhecimentos gerais. (WATSON, 2005, p.35)
Os cientistas perceberam que uma poltica eugnica exigia certo
entendimento da cincia gentica no que diz respeito a caractersticas como
mente fraca. Com a redescoberta dos trabalhos de Mendel, tudo indicava que
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isso seria possvel.
Nos Estados Unidos, esse empreendimento foi levado adiante por Charles
Davenport.
Em 1910, financiado por uma herdeira dos magnatas das ferrovias,
Davenport fundou a Agncia de Registros Eugnicos (Eugnica Record
Office), cuja misso era coletar informaes genticas bsicas sobre
diversos traos, desde epilepsia at criminalidade. Tornou-se o centro
nervoso do movimento eugnico dos Estados Unidos. (WATSON,
2005, p.36)
Davenport como Galton, sups sem nenhum fundamento razovel que a
herana triunfa sobre o ambiente individualmente, que os traos inatos superam
sempre os adquiridos. Enquanto os traos que Davenport estudara como
albinismo e doena de Huntington apresentam uma base gentica simples
mutao especfica num gene especfico nas caractersticas comportamentais as
bases genticas por acaso existente so muito complexas. Tais caractersticas
podem ser determinadas por um grande nmero de genes diferentes, cada um
contribuindo com uma pequenina parcela para o resultado final. Uma situao
dessas torna quase impossvel interpretar dados genealgicos como os
compilados por Davenport. E no s isso: as causas genticas de caractersticas
mal definidas como mente fraca podem variar muito de individuo para
individuo, de modo que qualquer tentativa de achar um princpio gentico geral
subjacente ser incuo. (WATSON, 2005, p.39)
Sem prestar muita ateno ao sucesso ou fracasso do programa cientficode Davenport, o movimento eugnico j adquiria mpeto prprio. Exposies que
antes exibiam vacas, touros e ovelhas premiadas incluam agora concursos de os
bebs mais primorosos e as famlias mais aptas em seus programas.
Para todos os efeitos, eram tentativas de promover a eugenia positiva,
incentivando as pessoas certas a ter filhos. A eugenia tambm era
presena obrigatria no incipiente movimento feminista. As paladinasdo controle da natalidade Marie Stopes na Gr Bretanha e, nos
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Estados Unidos, Margaret Sanger, fundadora da Planned Parenthood
concebiam o controle da natalidade como uma forma de eugenia.
Sanger resumiu sucintamente sua posio em 1919: mais filhos dos
aptos, menos dos inaptos esse o cerne do controle da natalidade.
(WATSON, 2005, pp.39-40)
Muito mais sinistro foi o desenvolvimento da eugenia negativa, que
pretendia impedir que as pessoas erradas tivessem filhos. Um mdico
penitencirio chamado Harry Sharp, realizou vasectomia em um jovem chamado
Clawson, para resolver seu problema de masturbao compulsiva. Sharp
anunciou ter curado a compulso do jovem, mas deu incio a sua: realizar
vasectomias. Sharp divulgou o seu sucesso nesse tratamento (do qual, por sinal,
s temos o relato do prprio Sharp para confirmar) como prova da eficcia desse
tipo de interveno no tratamento de todos aqueles identificados como
pertencentes ao tipo de Clawson, ou seja, todos os degenerados. A esterilizao
tinha duas coisas a seu favor. Primeiro, era capaz de prevenir comportamentos
degenerados como acontecer com Clawson, de acordo com Sharp. S isso j
faria com que a sociedade poupasse muitos recursos, pois todos os indivduosque precisariam ser encarcerados, em prises ou em hospcios, poderiam agora
ser considerados seguros e soltos. Segundo, impediria que tipos como Clawson
transmitissem seus genes inferiores, ou degenerados, s geraes subseqentes.
Sharp acreditava que a esterilizao oferecia uma soluo perfeita para a crise
eugnica. (WATSON, 2005, p.40)
A esterilizao tambm foi adotada com convico fora dos Estados
Unidos e no apenas na Alemanha nazista, a Sua e os pases escandinavos
promulgaram leis semelhantes.
Racismo no algo implcito em eugenia genes bons, aqueles que os
eugenistas buscam promover, podem, em princpio, pertencer a pessoas de
qualquer raa. Mas comeando por Galton, com seus relatos de suas exploraes,
mencionando os povos africanos como de raas inferiores, os praticantes mais
proeminentes da eugenia tendiam a ser racistas que usariam a teoria eugnica
para dar uma justificativa cientfica para seus pontos de vista racistas.
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Embora o termo supremacista branco ainda no tivesse sido cunhado, os
Estados Unidos j tinham um bom nmero deles no incio do sculo XX.
Esses cientistas tinham seus fs entre os nazistas, que moldaram algumas
de suas leis na legislao por eles elaboradas. O mais influente defensor doracismo cientfico da poca foi o brao direito de Davenport, Harry Laughlin que
em 1936:
Aceitou com grande entusiasmo um diploma honorrio da
Universidade de Heidelnerg, que decidira homenage-lo como o
representante visionrio da poltica racial nos Estados Unidos. Com o
passar do tempo, porm, uma forma de epilepsia tardia acabou
transformando seus ltimos anos em algo particularmente irnico e
pattico: durante toda a sua vida, ele defendera a esterilizao de
epilpticos, afirmando que eram geneticamente degenerados.
(WATSON, 2005, p.44)
O livro de Hitler Mein Kampf cheio de suposies racistas
pseudocientficas derivadas de antigas pretenses alems de superioridade racial
e de alguns dos piores aspectos do movimento eugnico americano.
Hitler dizia que o estado deve declarar imprprio para reproduo todos
aqueles que apresentarem doena ou que tenham herdado alguma doena e
tambm aqueles que forem fisicamente e mentalmente doentes e indignos no
devem perpetuar seu sofrimento no corpo dos filhos. (WATSON, 2005, p.44)
Pouco depois de assumirem o poder em 1933, os nazistas aprovaram uma
abrangente lei de esterilizao. A lei para a preveno de prognie comdefeitos hereditrios, explicitamente baseada no modelo americano. (Laughlin,
cheio de orgulho, publicou uma traduo da lei). Em trs anos, 225 mil pessoas
foram esterilizadas. (WATSON, 2005, p.44)
A eugenia positiva, o incentivo para que pessoas certas tenham filhos,
tambm se proliferou na Alemanha nazista, onde certo significaria ariano. Em
1936 existiam lares maternais especiais para as esposas dos militares do corpo de
elite nazista a fim de assegurar que recebessem os melhores cuidados durante a
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gravidez. Tambm foram promulgadas leis para evitar a mistura do sangue
alemo e da honra alem com outros tipos, principalmente judeus.
Em 1939, j em plena guerra os nazistas introduziram a eutansia.
Esterilizar mostrou-se complicado demais. E por que desperdiar alimentos? Osinternos dos hospcios foram declarados comensais inteis. Os manicmios
receberam questionrios com instrues para que comisses de especialistas
indicassem com um x os pacientes cujas vidas, no seu parecer, no valiam a
pena ser vividas. Esses questionrios foram desenvolvidos com 75mil xx e a
tecnologia do extermnio em massa a cmara de gs foi ento desenvolvida.
Subseqentemente, os nazistas expandiram a definio de vida que no vale a
pena ser vivida para incluir grupos tnicos inteiros entre eles os ciganos e, em
particular, os judeus. O que viria a ser conhecido como Holocausto foi o pice
da eugenia nazista. (WATSON, 2005, p.45)
A eugenia acabou revelando-se uma tragdia para a humanidade. Tambm
mostrou ser um desastre para a incipiente cincia da gentica, que no conseguiu
escapar da contaminao. Na verdade, alguns cientistas tinham criticado o
movimento e se dissociado dele. Alfred Russel Wallace, co-descobridor da
seleo natural com Darwin, condena a eugenia, em 1912, como uma
interferncia intrometida de uma viso sacerdotal cientfica arrogante. Thomas
Hunt Morgan, famoso por suas pesquisas com moscas-das-frutas, que lanou os
alicerces dos mapeamentos genticos, demitiu-se por razes cientficas da
diretoria cientfica do Registro Oficial da Eugenia (Eugnica Record Office).
A eugenia perdera a credibilidade na comunidade cientfica muito antes de
os nazistas se apropriarem dela para seus fins repulsivos. A cincia que aescorava era fictcia e os programas sociais desenvolvidos a partir dela foram
absolutamente repreensveis. No obstante, em meados do sculo XX, a
gentica (a gentica humana, em particular), uma cincia perfeitamente legtima,
deparava-se com um grave problema de relaes pblicas. (WATSON, 2005,
p.46)
Percebendo que as metas da eugenia no eram cientificamente exeqveis,
os geneticistas tinham abandonado havia muito tempo a grandiosa busca dos
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padres hereditrios das caractersticas comportamentais humanos fosse a
mente fraca de Davenport ou o gnio de Galton e agora a concentrao
ficaria diretamente no gene e na sua atuao nas clulas. Nas dcadas de 1930-
40, com o surgimento de novas tcnicas mais eficazes, o investimento foi diretopara a natureza qumica do gene e no mais a implicao da hereditariedade nos
comportamentos da espcie humana. Pelo menos durante um bom tempo.
1.3. O RETORNO DA BIOLOGIA
No incio dos anos de 1970, Edward O. Wilson procurou reformular os
fundamentos das cincias sociais e biologiz-las e, basicamente, unificou
zoologia e biologia das populaes atravs de uma teoria. Ele invocou a teoria
evolutiva para explicar os fenmenos sociais e, em 1975, fundou um novo
campo, a sociobiologia, que definiu como estudo sistemtico da base biolgica
de todos os comportamentos sociais. A sociobiologia possibilitou uma explicao
lgica do comportamento animal que, em uma primeira estncia, parecia
contrria seleo natural. Por exemplo:
Insetos sociais, como as formigas, realizam o cuidado da prole de
forma cooperativa e uma diviso reprodutiva do trabalho, com muitos
indivduos estreis trabalhando em favor dos ninhos fertilizados. A
ausncia de reproduo por todos os indivduos de uma colnia parece
estranha, considerando o que conhecemos sobre evoluo e seleo
natural. Entretanto, tem sido descrito o benefcio reprodutivo da vida
colonial ao ser examinada a ligao de parentesco dos indivduos emuma colnia e a grande contribuio resultante para sua aptido
reprodutiva que tais estilos de vida permitem (ou seja, a propagao
de seus genes nas geraes futuras). (GAZZANIZA, 2006, p.598)
Wilson ainda observou que o tempo evolutivo para um nico organismo
quase nada. Sob o ponto de vista darwinista, o organismo no vive por si s. Sua
funo bsica no nem mesmo reproduzir outros organismos ele reproduz
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genes, os quais servem como seu transportador temporrio.
Essa idia representou uma mudana significativa no paradigma vigente
da psicologia, da sociologia e da etologia tradicionais e constituiu-se em uma
revoluo em perspectiva.Em 1976, o livro bastante popular, O gene egosta de Richard Dawkins
chamou a ateno para esse campo e colocou o gene como tendo central
importncia. O argumento principal de Dawkins que a vida serve simplesmente
para obter a replicao dos genes e a propagao dos genes bons no futuro.
Desde que teve incio, a sociobiologia tem sofrido uma renovao e tem
sido adotada pela Psicologia e pela Sociologia, com ressalvas, por causa da
histrica influncia da eugenia.
Os patrocinadores atuais dessa rea recm-estabelecida so Steven Pinker,
Leda Cosmides e John Tooby, os quais utilizaram uma estrutura evolutiva para
explicar o comportamento cognitivo.
Os psiclogos evolutivos tm esboado uma viso um pouco diferente
daquela exposta inicialmente pelos sociobilogos. Eles no acreditam que todos
os comportamentos sejam determinados por mecanismos gnicos. Ao invs
disso, acreditam que o crebro foi incorporando adaptaes que so de natureza
mais geral.
Essas adaptaes so um conjunto de regras que controlam o
comportamento. Contudo, uma vez, que existe uma quantidade infinita de
ambientes, as regras podem ser aplicadas diferentemente, resultando em uma
quantidade infinita de comportamentos. Essa viso muito diferente daquela
tradicional dos sociobilogos, pois permite uma viso mais objetiva ebiologicamente compatvel do comportamento humano quando comparada com
as interpretaes psicolgicas tradicionais. (GAZZANIZA, 2006, p.599)
1.4. ARQUITETURA DA MENTE
A arquitetura da mente um dos assuntos mais pesquisados por
psiclogos. A viso da mente como uma esponja que absorve os prprios
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processos de pensamento, como uma esponja vazia pronta para ser embebida,
est presente tanto no pensamento comum, quanto de grande parte do mundo
acadmico.
O processo de adquirir conhecimento diz respeito a embeber a esponja, eesprem-la tem a ver com lembrar-se de uma informao. O teste que mede o
Quociente de Inteligncia (QI) baseia-se na noo de que algumas esponjas so
melhores que outras quanto absoro e espremida. A evoluo da mente
humana parece ser no mais que um aumento gradativo da esponja dentro das
nossas cabeas. (MITHEN, 1998, p.57)
Mas essa analogia no nos ajuda a resolver a dificuldade de saber como a
mente resolve problemas, como aprende. Isto mais do que acumular fatos e
depois lembr-los, mas sim de comparar e combinar pedaos de informao. De
acordo com este ponto de vista, surge a concepo de mente-computador. Esta
teoria possibilita enxergar a mente como uma estrutura adquirindo dados,
processando, resolvendo problemas e fazendo com que nossos corpos executem o
resultado. Ainda nesta perspectiva, a mente roda um nico e poderoso programa:
o do aprendizado.
uma criana que comea a absorver conhecimento tambm ir rodar
o programa geral de aprendizado. Num certo dia ela comea a captar
dados sobre os sons que houve saindo da boca das pessoas e sobre as
aes que os sucedem o programa roda e a criana aprender o
significado das palavras. Em outro dia, os dados de entrada sero as
formas de marcas que ela v no papel e as imagens dos objetos
adjacentes e ento ela aprender a ler. Em outra ocasio, os dados deentrada sero sobre nmeros numa pgina, ou sobre equilibrar-se num
objeto com duas rodas, e esse extraordinrio programa geral que
chamamos aprendizado permitir que a criana entenda matemtica
ou guie uma bicicleta. O mesmo programa simplesmente continuar
rodando, at na fase adulta. (MITHEN, 1998, pp.57-58)
A viso de mente-computador foi adotada enfaticamente pelo psiclogo
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infantil Jean Piaget. Segundo suas teorias, ela roda um conjunto de programas de
utilidade geral que controlam a entrada de informaes novas e tambm
reestruturam a mente para que esta possa passar por uma srie de fases de
desenvolvimento.As idias de Piaget tm sido criticadas por muitos psiclogos que afirmam
que a mente no opera programas de utilidade geral, tampouco um tipo de
esponja que absorve indiscriminadamente qualquer informao que esteja
disponvel. Os psiclogos introduziram uma nova analogia: a de que a mente
como um canivete suo. Cada elemento do canivete foi projetado para
solucionar um tipo de problema bem especfico. Quando o canivete est fechado,
no se v a quantidade de lminas especiais do canivete. Ao invs de lminas do
canivete, psiclogo adotaram termos como mdulos, domnios cognitivos e
inteligncias para descrever cada um dos dispositivos especializados.
H muita discordncia sobre o nmero e a natureza desses dispositivos,
mas ao analisarmos a literatura veremos que esses psiclogos conseguem expor
melhor a arquitetura da mente do que ns quando meditamos em vo a seu
respeito ao brincar com crianas. Essa arquitetura parece fundamentalmente
diferente da sugerida por Piaget. (MITHEN, 1998, p.61)
Uma das vises de mente modular foi proposta por Jerry Fodor (discpulo
de Chomsky), um psicolingsta com idias claras a respeito da mente. Uma das
propostas de Fodor a de que a mente deveria ser dividida em duas grandes
partes, que chamamos percepo (ou sistemas de entrada) e cognio (ou
sistemas centrais). As arquiteturas dessas partes so bastante diferentes. Para
Fodor os sistemas de entrada parecem os dispositivos de um canivete suo, umasrie de mdulos discretos e independentes, como a audio, viso e o tato.
Fodor ainda inclui a linguagem entre os sistemas de entrada. Em contrapartida,
os sistemas centrais no possuem uma arquitetura definida, e para Fodor, talvez
esta arquitetura sempre permanea fora do nosso alcance. Ali ocorrem o
pensamento resoluo de problemas e imaginao. ali que reside a
inteligncia.
Fodor argumenta que cada sistema de entrada se baseia em processos
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cerebrais independentes. Por exemplo, os usados para a audio so totalmente
diferentes dos usados para a viso ou a linguagem, so como dispositivos
diferentes do canivete suo, que simplesmente se encontram contidos num
mesmo estojo. Essa modularidade dos sistemas de entrada atestada pornumerosas evidncias, que incluem uma aparente associao com partes
especficas do crebro, os tpicos padres de desenvolvimento na criana, e
tambm uma tendncia a exibir padres especficos de interrupo. Fodor
tambm enfatiza o fato de os sistemas de entrada operarem muito rapidamente e
serem obrigatrios: no podemos deixar de ouvir, ou ver, em face de estmulos
apropriados. (MITHEN, 1998, p.62)
A idia de que a cognio influencia pouco a percepo (sistema central x
sistema de entrada) vai contra as idias relativistas das cincias sociais. Na viso
de mente-esponja, a criana absorvia conhecimento da sua cultura. Para a maioria
dos cientistas sociais, esse conhecimento tambm inclua a maneira de perceber o
mundo, ou seja, a percepo influenciada pela cultura. Fodor diz que isso
incorreto: a natureza da percepo j est embutida na mente ao nascermos.
Segundo Fodor, sistemas de entrada so encapsulados, obrigatrios,
operam com rapidez e j vm embutidos no crebro.
Em suma, Fodor acredita que a mente possui uma arquitetura de dois
nves; o inferior (sistema de entrada) como um canivete suo e o superior
(sistema central) Fodor diz que no podemos nem imaginar como .
Fodor argumenta ainda que a arquitetura da mente moderna o processo
da evoluo humana de fato concebeu um projeto funcional, engenhoso. A
percepo foi gerada para detectar o que est certo nesse mundo: em situaes deperigo ou oportunidade, uma pessoa precisa reagir rapidamente e sem pensar. Em
outros momentos, no entanto, sobrevivemos contemplando a natureza do mundo
de forma mais lenta e reflexiva, integrando muitos tipos e fontes diferentes de
informao. Somente dessa forma podemos chegar a reconhecer as regularidades
e a estrutura do mundo.
Para Fodor Sem dvida importante prestar ateno no eternamente belo
e verdadeiro. Mas mais importante ainda no sermos devorados. A natureza fez
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fora para manter as duas coisas, extrair o melhor do sistema rpido e estpido,
recusando-se a escolher entre um e outro. (MITHEN, 1998, p.64)
Uma outra idia de Fodor a de que deve haver uma linguagem do
pensamentoSe os sistemas cognitivos envolvem representaes, se as operaes
cognitivas envolvem a manipulao de representaes do tipo smbolo, ento
estas representaes devem existir em algum lugar e ser manipuladas de alguma
maneira.
Por conseguinte, Fodor pensa que o compromisso de atribuir um sistema
representacional a organismos deve exigir uma caracterizao deste sistema
mentalista. (GARDNER, 2003, p.95)
Segundo Fodor, o reconhecimento de algum tipo de meio, de alguma
forma, ou linguagem, no qual o pensamento ocorre uma parte importante de
quase toda teoria cognitiva contempornea. Fodor afirma que a linguagem do
pensamento deve ser um veculo muito rico para poder executar os muitos
processos cognitivos percepo, raciocnio, aprendizagem da linguagem e
coisas semelhantes dos quais a espcie humana capaz. Alm disto, Fodor
expe a sua opinio de que a linguagem do pensamento deve ser inata: de que as
pessoas nascem com um conjunto j formado de representaes, sobre as quais
pode ser mapeado qualquer informao que venha de suas experincias do
mundo.
Alm do mais, a linguagem do pensamento pode ser muito parecida com
uma linguagem natural. possvel que os recursos do cdigo interno sejam
representados de forma bastante direta nos recursos dos cdigos que ns usamos para a comunicao[ por isto] que to fcil aprender as linguagens
naturais. (GARDNER, 2003, p.96)
A afirmao de Fodor de que os seres humanos nascem com
conhecimento de uma linguagem uma linguagem inata semelhante linguagem
natural desafiadora. Neste sentido, se firma a crtica que Fodor faz a teoria da
aquisio de conceitos de Jean Piaget, segundo a qual a criana passar a possuir
conceitos novos e mais poderosos a cada estgio seguinte do desenvolvimento.
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Fodor afirma sua dificuldade em compreender como algum pode aprender um
novo conceito a no ser que j tenha alguma capacidade de hipotetizar este
conceito e neste caso, ele j possui, j nasce com:
O fato de as operaes que os indivduos podem executar, mesmo
muito cedo na vida, serem altamente abstratas d um peso maior s
afirmaes de Fodor (e de Chomsky) de que o aparato intelectual
inicial com o qual os indivduos esto equipados deve ser nitidamente
especificado, construdo de forma a esperar determinadas experincias
e informaes. Embora as afirmaes exatas apresentadas por Fodor
no tenham conseguido convencer a maioria de seus colegas, as
questes que ele levanta sobre a necessidade de algum tipo dementals, e os tipos de restries que este mentals pode ter de
exibir, revelaram-se difceis de minar. Assim, sua posio passou em
um dos testes mais crticos para qualquer afirmao filosfica.
(GARDNER, 2003, p.97)
Fodor acredita ainda que qualquer tentativa de elucidar a cognio deve
envolver a adoo de um ponto de vista mentalista. Ele cr que os estadosmentais realmente existem, e eles podem interagir uns com os outros, e que
possvel estud-los. Os mtodos de estudos incluem os mtodos empricos da
psicologia, da lingstica e de outras cincias cognitivas; e as chances de se obter
avanos nestas questes esto intimamente vinculadas a uma colaborao bem
informada entre especialistas destas diferentes reas. (GARDNER, 2003, p.97)
Na viso de Fodor, essas operaes mentais que ocorrem de um modo
relativamente rpido e automtico como a anlise sinttica de uma sentena
(linguagem) ou a deteco de formas no mundo visual (viso) tm chance
maior de serem descobertas pelos mtodos cognitivistas em prtica. J para a
descoberta das capacidades que envolvam julgamento e raciocnio sustentados
tais como o desenvolvimento de teorias da cincia ou a tomada de decises no
dia-a-dia Fodor acredita que esses mtodos so falhos ou ainda insuficientes.
A viso de mente modular introduzida por Jerry Fodor foi desenvolvida
pelo antroplogo John Tooby e pela psicloga Leda Cosmides na dcada de
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1990. Tooby e Cosmides estavam atacando a disseminada crena de que o
crebro um dispositivo de aprendizagem de propsito geral. Em vez disso:
a mente como um canivete suo. Quando s lminas, chaves defenda e coisas que ajudam os escoteiros a tirar pedras de cascos de
cavalos, leiam-se mdulos de viso, mdulos de linguagem e mdulos
de empatia. Como as ferramentas de um canivete, estes mdulos so
ricos em propsitos teleolgico: faz sentido no s descrever de que
so feitos e como fazem seu trabalho, mas para que servem. Assim
como o estmago est para a digesto, o sistema visual do crebro est
para a viso. Ambos so funcionais, e o projeto funcional implica
evoluo por seleo natural, que implica pelo menos em parte umaontologia gentica. A mente, portanto, consiste em uma coleo de
mdulos de contedo especfico e processamento de informao
adaptada para ultrapassar ambiente. (RIDLEY, 2005, p.86)
A adoo dessa abordagem evolucionria, o trabalho de Tooby e
Cosmides tm desafiado muitas das noes convencionais sobre a mente a
mente-esponja, a mente do tipo programa de computador de uso geral.
Tooby e Cosmides desfilam sob a bandeira da psicologia evolucionista
sustentados pelo argumento de que podemos compreender a natureza da mente
humana moderna apenas se a considerarmos um produto da evoluo humana.
O ponto de partida da argumentao a mente ser uma estrutura funcional
complexa que no poderia ter surgido pelo acaso. Se estamos dispostos a ignorar
a possibilidade de uma interveno divina, o nico processo conhecido que pode ter dado origem a tamanha complexidade a evoluo pela seleo
natural. (MITHEN, 1998, p.68)
Como conseqncia, Tooby e Cosmides sustentam a hiptese de que a
mente um canivete suo com um grande nmero de lminas altamente
especializadas, ou seja, composto de mltiplos mdulos mentais. Cada uma
dessa lminas/mdulos foi projetada pela seleo natural para lidar com um
determinado problema adaptativo enfrentando pelos caadores-coletores durante
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nosso passado (MITHEN, 1998, p.68)
Esses mdulos so embutidos na mente ao nascer, como os sistemas de
entrada de Fodor e so universais entre as pessoas.
Ainda, esses mdulos, para Tooby e Cosmides, no apenas fornecemconjuntos de regras para resolver problemas, como tambm fornecem
informaes necessrias para tal. A informao sobre estrutura do mundo real
juntamente com as regras para resoluo de problemas cada uma contida em
mdulo mental prprio, j se encontra na mente da criana ao nascer. Alguns
mdulos so ativados imediatamente os relacionados ao contato visual com a
me outros precisam de um pouco mais de tempo antes de estarem em
atividade, como os mdulos para aquisio de linguagem.
Tooby e Cosmides apiam essa hiptese de mente modular em vez de
mente-esponja ou mente-computador, apoiados em trs argumentos.
Primeiro, Tooby e Cosmides sugerem que, como cada tipo de problema
enfrentado pelos nossos ancestrais caadores-coletores era singular, tentar
resolver todos utilizando um nico esquema de raciocnio teria levado a inmeros
erros. Conseqentemente, qualquer humano que tivesse mdulos mentais
especializados e dedicados a tipos especficos de problemas teria evitado erros e
encontrado solues com sucesso. Essa pessoa teria possudo uma vantagem
seletiva e seus genes teriam se espalhado na populao, codificando a feitura de
canivetes suos nas mentes dos seus descendentes. (MITHEN, 1998, p.69)
O segundo argumento que Tooby e Cosmides utilizam para fundamentar a
noo de mdulos ricos em contedo o fato de as crianas aprenderem tantas
coisas a respeito de tantos assuntos complexos que se torna simplesmenteimpossvel aceitar que isso acontea, a no ser que suas mentes tenham sido pr-
programadas para faz-lo (MITHEN, 1998, p.70)
Esse argumento foi primeiramente conhecido como pobreza de
estmulo, e utilizado por Noam Chomsky em relao linguagem. Chomsky
defende que a mente contm um dispositivo para aquisio da linguagem
geneticamente fixo e prprio para o aprendizado da lngua, j equipado com um
plano geral para regras gramaticais. Fodor concorda com esse ponto de vista,
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razo pela qual considera a linguagem uma caracterstica especializada da mente.
Tooby e Cosmides generalizam o argumento da pobreza de estmulo
para todos os domnios da vida Como pode uma criana aprender o significado
de expresses faciais ou o comportamento de objetos fsicos, ou mesmo atribuircrenas e intenes a outras pessoas, a no ser que ela seja ajudada por mdulos
mentais ricos em contedos e dedicados a essa tarefa? (MITHEN, 1998, p.70)
O terceiro argumento utilizado por Tobby e Cosmides para defender a
idia de mente-canivete-suio conhecido como problema do contexto, e lida
com a dificuldade de tomar decises o mesmo que Fodor utilizou ao explicar
porque existem os sistemas de entrada estpidos:
Imaginem que um caador pr-histrico que de repente depara com
um leo. O que ele deveria fazer? Se tivesse apenas um programa
geral de aprendizado, o tempo necessrio para avaliar as intenes do
leo e pesar os prs e contras de correr ou no se mexer poderia muito
bem ser excessivamente longos (MITHEN, 1998, pp.70-71)
Conforme Fodor notou, o caador provavelmente teria sido devorado.
O grande problema com regras gerais de aprendizado, segundo Tooby e
Cosmides, que no existem limites quanto a que informao excluir durante
uma tomada de deciso e quais aes alternativas ignorar. Toda e qualquer
possibilidade deveria ser examinada. Nossos ancestrais pr-histricos teriam
certamente morrido de fome enquanto tentavam decidir onde e o que caar. Mas
se um deles possusse um mdulo mental especializado pra tomar decises sobrecaar, que indicasse os tipos de informao a considerar e como process-los, ele
teria prosperado. Isso sem dvida teria aumentado seu sucesso reprodutivo, e a
comunidade logo estaria povoada de seus descendentes, cada qual com um
mdulo mental especializado para tomar decises sobre a caa. (MITHEN,
1998, p.71)
Esses argumentos so favorveis a hiptese de mente programada. Se
legtimo pensar na mente como um produto da seleo natural e sexual (evoluo
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da mente humana), a defesa do projeto do tipo mente canivete suo parece
arrasadora. Tooby e Cosmides ainda sugerem que seramos capazes de prever
quais dispositivos deveriam existir no canivete. Pelo menos, segundo Tooby e
Cosmides, podemos prever as lminas (mdulos mentais) se soubermos os tiposde problemas que os nossos caadores-coletores pr-histricos normalmente
tinham que enfrentar e resolver.
Tooby e Cosmides sugerem que a mente est cheia de um grande nmero
de mdulos. Eles incluem
Um para o reconhecimento do rosto, um para as relaes espaciais,
uma para a mecnica de objetos rgidos, um para uso de ferramentas,um para o medo, um para as trocas sociais, um para a emoo-
percepo, um para motivao associada ao parentesco, um para a
distribuio do esforo e recalibrao, um para o cuidado das crianas,
um para as inferncias sociais, um para a amizade, um para a
aquisio da gramtica, um para a comunicao e pragmtica, um para
a teoria da mente, e assim por diante! (TOOBY & COSMIDES, 1992,
p.113 APUD MITHEN, 1998, p.71)
Ainda Tooby e Cosmides afirmam que a linguagem uma capacidade
cognitiva modularizada, que depende de processos neurais nicos e dedicados.
Em contrapartida, a manipulao de objetos e as vocalizaes das crianas antes
do desenvolvimento da linguagem derivam ou, podem derivar de uma
inteligncia geral e no de mdulos lingsticos.
Quando observamos uma criana construindo um objeto
hierarquicamente estruturado, podemos inferir que ela tambm produz
vocalizaes hierarquicamente estruturadas, embora possamos
observar apenas objetos. Mas uma linguagem totalmente desenvolvida
depende de mdulos mentais de linguagem-especfica. (MITHEN,
1998, p.169)
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Os processos neurais responsveis pela capacidade lingstica parecem
estar concentrados em reas especficas do crebro, especialmente no hemisfrio
esquerdo. Ali, duas regies so consideradas importantes: a rea de Broca e a
rea de Wernicke. Pessoas que sofreram danos cerebrais em uma dessas duasregies perderam algumas de suas capacidades lingsticas.
Traumatismos na rea de Broca parecem afetar especialmente o uso da
gramtica, enquanto os que ocorrem na rea de Wernicke influenciam a
compreenso. Danos no tecido conjuntivo entre essas duas reas, ou no tecido
que as conecta com o resto do crebro, tambm podem causar srias dificuldades
lingsticas. (MITHEN, 1998, p.169)
Entretanto, as relaes entre partes especficas do crebro e caractersticas
da linguagem so complexas e pouco compreendidas; a afirmao que pode ser
feita sem cometer erros que existem certas reas do crebro que so
importantes para a linguagem.
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CAPTULO II
2. CREBRO E LINGUAGEM
Todos os animais se comunicam, mas s o homem fala e escreve. A
linguagem humana apresenta uma base neurobiolgica que pode ser estudada
com tcnicas de imagem funcional, mtodos eletrofisiolgicos e observaes de
pacientes neurolgicos e indivduos normais.
Os pacientes em hospitais com distrbios da fala e da compreenso
fornecem importantes dados para a construo de modelos para os mecanismos
cerebrais da linguagem falada. Alguns no conseguem falar, outros apresentam
dificuldade em compreender, e outros apresentam, ainda, mais distrbios que
lhes provocam erros de expresso e de compreenso. Essas leses, bem
analisada, mostram uma rede de reas conectadas que compem o sistema
lingstico humano: reas conceitualizadoras, que realizam o planejamento do
contedo da fala e a compreenso do que ouvido; reas formuladoras, que se
encarregam do planejamento e compreenso da forma das palavras e das frases; ereas articuladoras, que efetivamente comandam os movimentos necessrios
fala. Alm delas, inmeras regies corticais esto envolvidas: as reas auditivas
que primeiro percebem os sons verbais, as reas que percebem os signos da
escrita; as regies de processamento emocional, de onde se originam as nuances
afetivas da fala, e assim por diante. (LENT, 2001, p.620)
A linguagem a mais lateralizada das funes, j que a maior parte de
seus mecanismos operada, pelo hemisfrio esquerdo na maioria dos seres
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humanos. Mas h vrias funes lateralizadas, cada uma delas revelando as
especialidades de cada hemisfrio cerebral. Assim:
o clculo matemtico, a identificao precisa de pessoas e objetos, aavaliao mtrica do espao extrapessoal, alm da linguagem e outras
funes, so especialidades do hemisfrio esquerdo. A percepo
musical, a identificao genrica de pessoas e objetos, a identificao
de relaes espaciais entre os objetos, e outras funes, so
caractersticas do hemisfrio direito. (LENT, 2001, p.620)
2.1. DISTRBIOS DA FALA E DA COMPREENSO
Desde o passado remoto, mdicos tm observado a ocorrncia de
distrbios da fala e da compreenso verbal em indivduos com leses do sistema
nervoso. No sculo XIX, o neurologista francs Paul Broca (1824-1880)
anunciou em uma reunio acadmica baseado no estudo de vrios de seuspacientes, que apresentavam leses no lobo temporal esquerdo e todos eles com
distrbios da linguagem que a linguagem era uma especializao do lado
esquerdo (hemisfrio esquerdo).
Broca chamou o distrbio que descobriu de afemia, mas o termo que
ficou consagrado na literatura mdica foi afasia, criado por Sigmund Freud (1856
1939)
Recebem o nome de afasia alguns dos distrbios da linguagem falada. So bastante comuns, causados por quase a metade dos acidentes vasculares
cerebrais. Neurologistas, entretanto, distinguem as afasias propriamente ditas de
outros distrbios que interferem na linguagem.
Entendem como afasias os distrbios da linguagem devidos a leses
nas regies realmente envolvidas com processamento lingstico.
Outras alteraes da linguagem, entretanto, podem derivar de lesesque atingem o sistema motor, o sistema intencional etc., coadjuvantes,
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mas no determinantes da linguagem. Neste caso, no so
consideradas afasias. Por exemplo: um doente com paralisia do nervo
facial pode apresentar distrbios da fala porque no consegue mover
adequadamente os msculos da face. Ao contrrio, os portadores de
afasias podem perder a capacidade de falar sem apresentar qualquer
deficincia no funcionamento da musculatura facial. (LENT, 2001,
p.635)
Mas h diferentes afasias classificadas. Quando a leso incide sobre a
regio lateral inferior do lobo frontal esquerdo, o indivduo apresenta uma afasia
de expresso ou afasia de Broca. Sem dficits motores propriamente ditos,torna-se incapaz de falar, ou apresenta uma fala no-fluente, restrita a poucas
slabas ou palavras curtas sem verbos (fala telegrfica). O paciente se esfora
muito para encontrar as palavras, sem sucesso. (LENT, 2001, p.635)
Quando a leso atinge uma regio cortical posterior em torno da ponta do
sulco lateral de Sylvius do lado esquerdo, o quadro clnico do individuo um
pouco diferente, apresentando afasia de compreenso ou afasia de Wernicke.
Quando um interlocutor lhe fala, o indivduo no parece compreender bem
o que lhes dito. No s emite respostas verbais em sentido, como tambm falha
em indicar com gestos que possa ter compreendido o que lhe foi dito. Sua fala
espontnea fluente, mas usa palavras e frases desconexas porque no
compreende o que ele prprio est dizendo. (LENT, 2001, p.635)
As reas atingidas por leses estudadas por Broca e Wernicke receberam
nomes que os homenageiam (rea de Broca, rea de Wernicke), mas a sua
delimitao anatmica permaneceu vaga em virtude da variabilidade das leses,
que dependem quase sempre dos territrios de irrigao sangunea atingidos em
cada caso.
O estudo cuidadoso das afasias realizado no sculo XIX pelo neurologista
alemo Karl Wernicke (1848-1904), levou-o a elaborar um pequeno modelo de
processamento neural da linguagem, e a prever a existncia de outros tipos
possveis de afasias, ainda desconhecidas na ocasio e relatadas posteriormente.
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Wernicke raciocinou que se a expresso da fala funo da rea de
Broca, e se a compreenso funo da rea que levou seu nome, ento
ambas devem estar conectadas para que os indivduos possam
compreender o que eles mesmos falam e responder ao que os outros
lhe falam. (LENT, 2001, p.363)
O modelo neurolingstico de Wernicke considera que a rea de Broca
conteria os programas motores da fala, ou seja, as memrias dos movimentos
necessrios para expressar os fonemas, coloc-las em palavras e estas em frases.
A rea de Wernicke por outro lado, conteria as memrias dos sons que compe a
palavras, possibilitando a compreenso. Bastaria que a rea de Wernicke fosse
conectada rea de Broca para que o indivduo pudesse associar a compreenso
das palavras ouvidas com a sua prpria fala.
Mais recentemente, o modelo de Wernicke, que fez bastante sentido
durante dcadas, tem sido atualizado, levando em considerao as observaes
dos psicolinguistas, as evidncias coletadas de pacientes portadores de leses
restritas e as imagens funcionais obtidas de indivduos executando tarefas
lingsticas. Desse modo, possvel estabelecer um modelo neuroanatmico
conexionista da linguagem falada. Para isso, dois aspectos devem ser
considerados.
Primeiro, as leses mais comuns que causam afasias derivam de acidentes
vasculares enceflicos, ou seja, uma sbita interrupo do fluxo sanguneo de
extensos territrios cerebrais que raramente se circunscrevem a uma nica regiofuncional. Os sintomas, ento, representam uma mistura de alteraes derivadas
das reas cerebrais diversas. Em segundo lugar, no trivial concluir sobre a
funo de uma rea a partir dos sintomas provenientes de leses. Pense como
seria difcil interpretar o sbito desaparecimento da imagem de uma televiso. Se
voc a abrisse e encontrasse uma resistncia queimada, poderia concluir que ela
a responsvel pelo mecanismo de formao da imagem?
Os neurologistas tiveram que analisar cuidadosamente pacie
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