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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS – GRADUAÇÃO “LATU SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
“VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES EM SUAS RELAÇÕES
AFETIVAS”
AUTORA: SANDRA MARIA DE FREITAS DA SILVA
ORIENTADORA: MARIA POPPE
Rio de Janeiro, 2004
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS – GRADUAÇÃO “LATU SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
“VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES EM SUAS RELAÇÕES
AFETIVAS”
Monografia apresentada como exigência de
conclusão do curso de pós graduação do curso de
Terapia de Família da Universidade Candido Mendes,
como parte dos requisitos para obtenção do título de
Terapeuta de Família.
3
AGRADECIMENTOS
É difícil agradecer a todos que participaram direta e indiretamente da minha
trajetória acadêmica, porém reconheço a importância de cada um.
Agradeço a Deus por ter me iluminado, pois certamente não teria chegado aqui
sem sua ajuda;
A minha mãe Elza, pela força ao ficar com meu filho, proporcionando a
realização deste trabalho;
Ao meu pai Antônio, pelo carinho e compreensão;
Ao meu filho Yuri, que impacientemente suportou minha ausência. Eu te amo!
À orientadora Maria Poppe, pelo profissionalismo e compreensão que
possibilitou a elaboração dessa monografia;
À todo o corpo docente da “Vez do Mestre” da Universidade Candido Mendes
Aos colegas do curso Terapia de Família , pelos bons e difíceis momentos... O
importante foi que passamos por eles juntos, uns aprendendo com os outros, conhecendo-
nos mutuamente e descobrindo os valores que possuímos;
Á todas as mulheres que realizam tratamento terapêutico no Hospital Nossa
Senhora da Glória e as mulheres que entrevistei na Clínica GAMEN.
4
EM ESPECIAL...
Agradeço a mim, por ter tido força em colocar neste trabalho, a violência que
vivi durante alguns anos.
Gostaria de explicitar, que a realização desta pesquisa só foi possível com a
contribuição e participação de um grupo de mulheres que conheci durante o tratamento
terapêutico, o qual participei. Agradeço a todas.
E por fim, gostaria de agradecer ao Psiquiatra, Dr. Augusto Nascimento, pelos
ensinamentos ao longo do processo terapêutico, pelo seu estímulo e amizade durante todo o
processo de elaboração do trabalho.
5
DEDICATÓRIA
Dedico esta pesquisa, à todas as mulheres que
foram vitimas de violência por seus parceiros e hoje estão em
busca de uma vida melhor.
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RESUMO
Este trabalho fundamenta-se numa pesquisa realizada, com um grupo de
mulheres que viveram situações de violência com seus companheiros, sendo humilhadas e
rotuladas por esses homens como seres incapazes de conduzirem suas próprias vida;
passando a aceitar as agressões como uma tarefa do cotidiano.
Através das entrevistas ilustraremos de forma profunda o sofrimento dessas
mulheres que começaram adoecer fisicamente e psicologicamente, e, para saírem dessa
situação muitas estão em tratamento com profissionais.
Mostraremos, que é necessário reconhecer e valorizar-la em seus direitos
enquanto cidadã, em busca de qualidade de vida e felicidade, visto que, muitas das vezes é
injustiçada, desmoralizada e agredida pelo homem.
7
METODOLOGIA
O presente projeto de pesquisa vincula-se à abordagem qualitativa, por
entender ser esta modalidade mais adequada para compreensão dos fenômenos sociais.
O caminho metodológico está pautado na observação participante e na entrevista
não estruturada, por se tratar de instrumentos que permitem o aprofundamento da
experiência de vida dos atores e possibilita, aos mesmos, externarem suas concepções
quanto a violência, seus anseios, frustrações e esperanças.
Para as entrevistas foi montado um roteiro utilizado como guia não limitando as
“falas” dos atores.
O nosso universo de pesquisa tem a seguinte configuração:
⇒ 06 (seis) mulheres com nível superior;
⇒ 07 (sete) mulheres com nível médio;
⇒ 02 (duas) mulheres com ensino fundamental incompleto.
Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas, visto que, a
gravação da entrevista permite contar com todo material fornecido pelo informante.
Desta forma, reproduzimos literalmente as falas dos entrevistados para
possibilitar um conhecimento mais profundo de sua realidade.
As perguntas sendo abertas, deram aos informantes a liberdade de expressão.
Cabe ressaltar que, todas as pessoas foram solícitas em colaborar com a pesquisa.
Os dados coletados foram analisados na perspectiva dialética, buscando a
compreensão das “falas” dos atores sociais. Ao analisar os dados da pesquisa, percebemos
8
o nível das informações obtidas do que é violência contra mulheres, e tudo que vivem
dentro das relações afetivas.
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 CAPÍTULO 1 12
UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO FENÔMENO 12
VIOLÊNCIA
CAPÍTULO 2 21
VIOLÊNCIA E SAÚDE COMO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO E
AÇÃO 21
CAPÍTULO 3 33
ANÁLISE COMPREENSIVA DO FENÔMENO VIOLÊNCIA 33
VIVIDO PELAS MULHERES
CONCLUSÃO 44 ANEXOS 46 BIBLIOGRAFIA 48 ÍNDICE 50
10
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, é resultado de uma pesquisa, realizada com mulheres que
realizam tratamento terapêutico no Hospital Nossa Senhora da Glória e mulheres atendidas
na clínica GAMEN (Grupo de Assistência Médica Nefrológica) no período de novembro à
fevereiro de 2004, que teve como objetivo analisar o fenômeno violência vivido por essas
mulheres.
O interesse pelo tema surgiu a partir da experiência do autor, onde conheceu
mulheres vítimas de violência dentro dos consultórios de análise. Sendo trazidas várias
situações angustiantes, por essas pessoas que se mostravam totalmente confusas quanto ao
seu estado geral.
Outro aspecto que despertou o interesse para tal investigação, foram os diálogos
mantidos com essas mulheres durante as entrevistas, onde utilizavam diferentes falas,
exteriorizando suas angústias, medo, referente as agressões sofridas.
Uma vez definido o objeto de pesquisa, nos deparamos com alguns problemas de
ordem operacional, cujo principal foi marcar as entrevistas num horário flexível, onde
muitas vezes foi preciso ir à casa das entrevistadas.
Através desta abordagem, procuramos elucidar a história de vida num âmbito
social dessa população que evidência uma dura trajetória iniciada com a violência, onde são
humilhadas pelos seus companheiros, vivendo às margens da sociedade.
Nossa proposta, ressalta a história de vida dos atores sociais envolvidos na
pesquisa, objetivando desta forma uma maior aproximação com o objeto de estudo que é a
violência contra mulheres em suas relações afetivas.
Os nomes utilizados para os atores são fictícios, preservando a identidade dos
que colaboraram com este trabalho.
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O título “violência contra mulheres em suas relações afetivas”, foi definido, a
partir da percepção de como essas mulheres se colocavam nas entrevistas e nos
acompanhamentos terapêuticos.
No primeiro capítulo, apresentaremos uma breve contextualização do fenômeno
violência, sua aceitação histórica e o seu contexto atual.
No segundo capítulo, discorremos sobre a violência e saúde como objeto de
investigação e ação, onde foram enfatizados o abuso emocional, o medo, o estresse e a
separação, interferindo na saúde da mulher.
No terceiro capítulo realizamos uma análise através de depoimentos feitos com
um grupo de mulheres, ressaltando suas histórias de vida.
Na conclusão, tentamos indicar que as mulheres vivem como alvo da violência e
que o princípio básico de cidadania se traduz em direitos de viver com liberdade e
dignidade.
Pretende-se, acima de tudo com este estudo, estimular outros pesquisadores a se
engajarem na busca pela compreensão dos vários objetos relacionados ao tema principal
deste trabalho, a fim de que juntos possamos influenciar na construção de saber sobre essa
questão que afeta um quantitativo importante da população.
12
CAPÍTULO 1 – UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO
FENÔMENO VIOLÊNCIA
Abordaremos neste capítulo uma reflexão da gravidade deste tema, onde
parece ampliar-se o fenômeno violência de maneira acelerada, tendo uma aceitação
histórica.
1.1 – A Aceitação Histórica da Violência
Qualquer reflexão teórico - metodológica sobre a violência pressupõe o
reconhecimento da complexidade, polissemia e controvérsia do objeto. Por isso mesmo
gera muitas teorias, todas parciais. A violência consiste em ações humanas que ocasionam
mortes ou afetam a integridade física, moral, mental ou espiritual. Na verdade violência é
uma realidade plural, diferenciada, cujas as especificidades necessitam ser conhecidas.
A agressividade é uma qualidade inata da natureza humana e, portanto, os
conflitos da vida social de um casal, seja qual for a etapa do desenvolvimento histórico, são
de caráter “eterno e natural”; visto que o homem quando apresenta reações violentas no
namoro, e sua parceira aceita como um ato natural dentro de uma relação afetiva, a leva a
um processo de desconstrução de um amor sublime e linear.
A violência é um fenômeno histórico, quantitativa e qualitativamente, e surge
como expressão de contradições entre os que querem manter o poder de dominação dentro
das relações. “É como a mais cruel das deusas que arrasta sua carroça triunfal sobre
montões de cadáveres”. (ENGELS,1972:27)
Não se pode deixar de reconhecer que os processos violentos inibem, modificam
e enfraquecem tanto a qualidade como a capacidade de vida das mulheres.
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A mulher ao ser integrada na atividade privada dentro do casamento, perde o
valor do seu trabalho. Perdendo o valor social mais amplo, ela vive dentro da família uma
relação de dominada, onde o homem determina tudo, dentro e fora de casa.
Estes séculos de opressão social, política e econômica, familiar e cultural que
recaí sobre a mulher, constitui um obstáculo a sua participação e organização. Mesmo
assim, ao longo da história a mulher lutou para romper as cadeias de dominação.
O início do século xx foi marcado pelas lutas grevistas. As operárias
participaram exigindo redução da jornada e proibição do trabalho noturno.
Em todos os momentos que foi necessário a participação atuante da mulher,
lutando pelos seus direitos ela esteve presente.
A reflexão em torno das conquistas femininas dos últimos 100 anos se faz
necessária, pois no inicio do século xx as mulheres não tinham liberdade. A família
patriarcal no Brasil era a base de um sistema mais amplo que estimulava a dependência e a
subordinação da mulher ao chefe da família e está caracterizada da seguinte forma: “Pai
taciturno, mulher submissa e filho aterrorizado”. (ALVES, apud: SANTOS, 2000:28)
Em 1916, o código civil igualou o status civil da mulher casada ao dos menores
silvícolas e alienados, tornando-a incapaz. Sendo assim ela não tinha as mínimas chances
de encontrar trabalho remunerado.
A educação e o trabalho foram conquistados de forma lenta e gradual, com muita
luta. Porém a consolidação de direitos se deu na Constituição Federal de 1988, se hoje as
conquistas são qualitativamente superiores aquelas da metade de século, entretanto não
podemos dizer que exista pleno exercício da cidadania.
Para muitos a mulher conseguiu sua independência diante do marido,
sustentando a casa em muitos casos, cumprindo dupla ou tripla jornada.
14
“Existem a fêmea e o macho, enquanto o homem e a mulher são
gêneros criados culturalmente. A posição submissa da mulher
perante o homem é estabelecida por ordem do inconsciente (...)
Essa posição é o ponto de partida para toda a desigualdade que
culmina na sociedade de classes”. (MURARO in KRAMERR e
SPRENGER, 1991:45).
Mesmo com conquistas, ainda está presente a submissão e obediência, esta
submissão e obediência são culturais, econômica e histórica; romper estas amarras é um
processo gradual.
Hoje as mulheres já têm consciência de seus direitos, querem igualdade de
condições, relações equitativas, querem amar e ser amadas. Querem ser respeitadas na sua
integridade física e emocional, no seu trabalho.
As mulheres contribuem no Brasil significativamente, embora não sejam
valorizadas. Estão ausentes das posições de poder e de decisões das esferas públicas. Elas
representam 50,7% da população brasileira (IBGE / 96 ), 49,2% do eleitorado (TSE / 98 ),
totalizando 40,1% da população economicamente ativa (PNAD/ 96- 97), 20,8% das
famílias são chefiadas por mulheres (IBGE/96). No entanto a representação das mulheres
no Congresso Nacional é de 6,1% e nas Assembléias Estaduais é de 10%.
A violência física, sexual e psicológica permeia a vida das mulheres. As
mulheres constituem 63% das vítimas de agressões físicas cometidas por parentes no
âmbito doméstico. (PNAD/88). Em 1996, companheiros ou ex- companheiros foram
responsáveis por 72,3% dos assassinados de mulheres. (HNDH)
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Por ano pelo menos 2.500 mulheres são mortas, vítimas de crimes passionais, e
cerca de 500 mil sofrem algum tipo de violência doméstica ou sexual. (Estimativa da
União Brasileira de Mulheres - SP/98). 52% das mulheres economicamente ativas, já foram
assediadas sexualmente (Estimativa da OIT/98). (dados CFMEA- março/99- Brasília DF).
Estes dados sobre a violência, é uma breve retrospectiva histórica, servem para
mostrar a luta e sofrimento a que são submetidas a grande maioria das mulheres.
A violência e todo abuso contra mulher foram perpetuados dentro da cultura
humana, quando foram impostas as regras de submissão para a mulher, em nome do poder
e de ideologias anti – feministas.
1.2- Violência Contra a Mulher no Contexto Atual
Contextualizando a violência, no momento atual, expressada nas mais variadas
formas, não importando a condição social, econômica nem faixa etária, buscamos
explicações e encontramos uma sociedade doente e carente de tudo, trabalho, saúde, bem
estar, que propiciam o exercício da cidadania.
São práticas individualistas que não asseguram direitos sociais. Estando assim
revestidos deste caráter, as políticas sociais não priorizam as questões importantes como
segurança, educação, saúde entre outras.
Neste contexto, refletindo a miséria, a violência se instala e atinge tudo e a todos.
Sendo assim, temos uma população composta de indivíduos amargos, revoltados e
frustrados, na sua busca de cidadania, reproduzindo a violência imposta pela sociedade
capitalista em que vive, sendo excluído do fruto do seu trabalho e do trabalho propriamente
dito. Segundo SAWAIA:
16
“A desigualdade social, econômica e política na sociedade
brasileira chegou a tal grau que se torna incompatível com a
democratização da sociedade. Pôr decorrência,tem se falado na
existência da apartação social. No Brasil a discriminação é
econômica, cultural e política, além de étnica”.(1999:20)
A tensão, os conflitos são elementos presentes na vida social, que podem
exacerba-se a qualquer momento, gerando a violência. As vítimas desta violência, são as
mulheres onde passam a sofrer as conseqüências deste tensionamento, é dentro dos lares,
das relações que ela se desenrola. É contínua e velada, sem registro e socialmente tolerada.
As formas como a violência se expressa são diversas e as causas múltiplas.
Porém existem cenários facilitadores, como a pobreza, fruto da exclusão, o patriarcalismo,
o sexismo, o alcoolismo, as drogas, a ausência de diálogo e a falta de solidariedade entre os
membros do núcleo familiar.
Mas, mesmo sendo a conjuntura atual um propiciador da violência, ela não é
privilégio só das classes menos favorecidas. Se faz presente entre todas as culturas e classes
sociais, em todos os níveis de educação e capacidade econômica.
A violência é um termo de múltiplos significados, e vem sendo utilizado para
nomear desde as formas mais cruéis de tortura até as formas mais sutis da violência que tem
lugar no cotidiano da vida social.
A partir da atuação do movimento de mulheres, comportamentos considerados
“naturais” passaram a ser classificados como violência - impedir a mulher de trabalhar fora
de casa, negar-lhe a possibilidade de sair só ou de ter amigas, impedi-la de escolher o tipo
de roupa que deseja usar, impedir sua participação em atividades sociais, agressões
domésticas de pequena monta ou desqualificação e humilhações privadas ou em público, as
relações sexuais forçadas dentro dos relacionamentos.
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A violência contra a mulher é uma expressão abrangente, incluindo diferentes
formas de agressão à integridade corporal, psicológica e sexual; ela ocorre –principalmente
no espaço doméstico, e é cometida por parceiros, ou outras pessoas com quem as vítimas
mantém relações afetivas. Está profundamente arraigada nos hábitos, costumes e
comportamentos sócio - culturais, de tal forma que, as próprias mulheres encontram
dificuldade de romper com situações de violência, e entre outras coisas, por acreditarem
que seus companheiros tem direito de puni-las, se acham que elas fizeram algo errado ou
infringiram as normas que eles determinam.
A violência afeta mulheres de todas as idades, raças e classes sociais e tem
graves repercussões sociais.
Há uma série de questões e uma série de respostas para explicar, na perspectiva
das mulheres, a permanência em relações onde o companheiro é violento.
⇒ A dependência econômica é uma das causas da tolerância feminina para com as
agressões. Nem mesmo os familiares oferecem ajuda, teto e comida, a essas mulheres e
seus filhos, vítimas da violência doméstica. Mas a dependência econômica não seria um
explicador conclusivo, pois existem mulheres que tem emprego, em oposição ao marido
que é desempregado e, no entanto, elas também são vítimas de violência.
⇒ Há a questão social. A violência doméstica se dá em todas as classes sociais, apesar de
ser mais visível nas camadas mais pobres da sociedade, à medida em que as pessoas
moram muito próximas, os vizinhos acabam se envolvendo, e as mulheres pobres talvez
denunciem mais essa violência.
⇒ Tanto nas classes mais ricas, quanto nas classes mais pobres, há o valor de que ter um
homem ao lado, mesmo que em termos puramente simbólicos, representa status. Na
realidade, há um padrão cultural que informa as mulheres a manter seus parceiros,
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mesmo que violentos, para não ficarem sozinhas, situação considerada altamente
desvantajosa para o sexo feminino.
⇒ Uma outra causa é a pressão familiar para a manutenção do casamento, para que a
mulher não denuncie o “pai de seus filhos”. E é em nome da proteção da família, que
muitas vezes, as mulheres acabam assassinadas. Ainda é muito forte o padrão de
moralidade familiar que se expressa por frases como, “casamento é assim mesmo”,
“vida de mulher é assim mesmo”, “ruim com ele pior sem ele”. Enfim, são expressões
que resumem uma espécie de resignação das mulheres para o padrão de relacionamento
familiar.
⇒ Em muitos casos, algumas dessas mulheres vítimas de violência e alguns homens
agressores assistiram durante sua infância, ou adolescência, pais e mães envolvidos
numa relação conjugal também de violência.
⇒ Muitas mulheres tentam compreender, ou tentam explicar, a violência de seus maridos
ou companheiros, pelo uso de bebida alcóolica, stress no trabalho ou problemas como
pobreza e desemprego. O homem bate porque bebe, porque se aborreceu no trabalho ou
porque está desempregado. Tratando a bebida, ou qualquer tipo de situação que pode
deixá-lo descontrolado, com uma espécie de entidade externa que “ataca” esse homem
que é bom, mas que o transforma em violento. Não se questiona por que aquele homem
que bebe, não bateu no vizinho? Se o problema ocorreu no trabalho, por que ele não
começou reagindo ao chefe ou a colega de trabalho?
⇒ Um dos fatores mais agravantes para a “aceitação” feminina de permanecer com
homens violentos é a complacência da sociedade e do Estado para com essa violência
nas relações conjugais; poucas mulheres sabem a respeito de seus direitos e dos canais
institucionais para cobrá-los. São poucos os locais onde elas podem obter ajuda e
também não têm muito a oferecer.
19
Com a criação das Delegacias de Mulheres, especializadas no atendimento a
mulheres vítimas de violência, criam-se expectativas de atendimento com solução para
tudo, que acabam induzindo quem as procura a decepções fortes. Principalmente com as
divulgações, feitas por artistas famosos nos meios de comunicação, incentivando a procura
as Delegacias.
Essas Delegacias não conseguiram realizar plenamente as propostas do
movimento de mulheres. Muitas dessas unidades policiais se ressentem na falta de recursos
humanos e materiais, de capacitação de seus funcionários para a complexidade da violência
contra as mulheres, particularmente quando essa violência é perpetrada por maridos ou
companheiros.
Segundo dados levantados pelo Instituto Superior de Estudos da Religião, ISER,
52% das mulheres que sofreram agressões anteriores preferiram não fazer registro. Ainda
assim, foram quase 220.000 os boletins de ocorrência registrados nas Delegacias da Mulher
em 2003. A procura mais intensa de ajuda ocorre as segundas- feiras, logo que acaba o fim
de semana de agressões em que a vítima tem poucas possibilidades de escape, pois o
agressor está dentro de casa. É nas manhãs de Segunda - feira, depois de encaminhar os
filhos para a escola e certificar-se de que o marido saiu para o trabalho, que a mulher
agredida se põe em marcha. Tem por exemplo, a que vai de celular na mão, a que leva uma
fitinha de Nosso Senhor do Bonfim amarrada na sacola de plástico. Refletindo uma idéia
mágica de quem sabe a sorte muda.
Há a que esconde a marca da brutalidade sofrida na véspera; outra estampa o
medo da violência que não deixa impressão digital, entretanto, todas parecem ter uma
mesma expressão no olhar. É um olhar vazio, perplexo e derrotado. Ele espelha o caminho
que cada uma percorreu até a delegacia, para expor as feridas mais íntimas de sua vida.
Muitas desistem à última hora e dão meia - volta antes de entrar, outras quase 30%
retornam no dias seguintes para retirar a queixa, algumas acompanhadas do marido ou do
companheiro agressor. No fundo, a mulher procura a delegacia nem tanto para denunciar
20
um crime, mas para ver se a polícia consegue modificar o temperamento violento do
parceiro.
A licença social dada ao homem para agredir sua mulher é muito ampla. É
importante mudar a mentalidade no que diz respeito à idéia de que dentro de casa a lei
quem faz é o “chefe”. Na violência doméstica está sempre presente a lógica da justiça
privada.
A pouca importância dada aos crimes cometidos no espaço doméstico pode levar
ao entendimento de que existe uma lei privada, uma lei interna às famílias que permite que
maridos e companheiros castiguem suas mulheres até a brutalidade porque elas não
corresponderam ao papel de esposas ou de mães na expectativa desse homem. Quando o
Estado não pune, ou trata a violência doméstica como uma violência menor, ou uma mera
violência, o Estado está incentivando toda a ideologia do justiçamento.
21
CAPÍTULO 2 – VIOLÊNCIA E SAÚDE COMO OBJETO DE
INVESTIGAÇÃO E AÇÃO.
Este capítulo apresenta a reflexão sobre a complexa relação entre violência e
saúde, visto que a violência é exercida, sobretudo, enquanto processo social, portanto, não é
objeto específico da área da saúde. Mas, além de atender às vítimas da violência social, a
área de saúde tem a função de elaborar estratégias de prevenção, de modo a promover a
saúde logo, a violência não é objeto restrito e específico da área da saúde, mas está
intrinsecamente ligado a esta, na medida em que o setor participa do conjunto das questões
e relações da sociedade.
A função tradicional da área de saúde tem sido cuidar dos agravos físicos e
emocionais gerados pelos conflitos sociais, e hoje busca ultrapassar seu papel apenas
curativo, definindo medidas preventivas destes agravos e de promoção a saúde, em seu
conceito ampliado de bem- estar individual e coletivo.
2.1- ABUSO EMOCIONAL: A VIOLÊNCIA INVISÍVEL
Atualmente temos dado ênfase à violência doméstica que atinge principalmente
as mulheres, na forma física. Acontece que, absolutamente mais comum e infinitamente
mais danosa é a violência psicológica, que não acontece apenas no ambiente doméstico
sendo que esta, por ser continuada no tempo, até mesmo sem ser identificada pela vítima, é
a forma de abuso mais difícil de ser identificada, porque não deixa marcas evidentes no
corpo e sim na alma. A agressão psicológica pode ficar camuflada em doenças alérgicas e
auto-imunes.
22
Ela é comumente camuflada pela sutileza das relações intra- familiares, mas
causa sofrimento e conduz a mulher à alterações de comportamento, postura corporal ou
reações psicossomáticas. Sobretudo pelo fato de mulher, diminuída em sua auto-estima,
repassar aos filhos, aos amigos, o amargor, mesmo que involuntária e inconscientemente
levando à perpetuação, igualmente perversa ao criar modelo deste tipo de violência para
com os outros.
O abuso psicológico também permeia todas as outras modalidades de abuso e
isto é o mais dramático, pois exacerba o nível de possibilidades de toda a família em
apresentar distúrbios de ordem psicológica adentrando nas suas relações afetivas,
dificultando-as. O acúmulo da vivência desse tipo de violência, faz elevar os índices de
freqüência aos hospitais psiquiátricos, elevar globalmente o nível de distúrbios mentais,
bem como elevar o índice das estatísticas dos suicidas.
Pode-se considerar que esta forma silenciosa de violência, vivida pela mulher
nas relações afetivas, nos mostra que o companheiro, agindo através do poder financeiro e
econômico, cultura do ciúme e mais atual, a evitação da independência da mulher no
imaginário que está em formação, da ascendência profissional vista como concorrência, do
outro lado está a própria mulher que, principalmente, se ama o companheiro, aceita a
posição de vítima como uma demonstração de amor.
Com certeza não é difícil vermos que o poder econômico e financeiro do
companheiro pode servir de avalanca da medida e do grau de dependência financeira da
mulher em relação ao parceiro. Esta mulher que ama o parceiro, quando vítima de
atrocidades psicológicas tende, quase sempre ao sentimento de culpada, invariavelmente.
Ou não consegue identificar a capacidade do companheiro em arquitetar e manietar. Sente-
se confusa pois não acredita na possibilidade de intenção e mesmo não acredita ser esta,
uma forma de violência. Não acredita que o parceiro a está fazendo sofrer deliberadamente
fazendo-a sentir o sabor do poder que ele detém.
23
A “confusão” sentida e vivida pela mulher vítima de atrocidades psicológicas
reside, na maioria das vezes, no equívoco de “confundir” os sentimentos, desvalia, ódio,
rejeição. Esta mesma mulher que pensa que ama, pode não amar o marido. Muitos outros
motivos podem estar contribuindo para que ela viva o sentimento de “confusão”. Medo de
encarar outra realidade que ela pensa ser mais difícil, que ela pensa que não vai conseguir
alcançar. O medo da separação, do divórcio, medo de ter fracassado no seu casamento e por
fim também a possibilidade de ela se confundir no sentimento de culpa e se perder no
desconhecido da auto-punição ou auto- destruição.
A falta de uma delimitação precisa do que sejam violência e saúde, não impede o
sofrimento psíquico das pessoas envolvidas em relações nas quais o amor se torna mais
sinônimo de permissividade do que de cuidado.
O abuso emocional ou psicológico, é considerado pior que o físico, pois atinge a
essência básica da mulher.
“A violência física em toda a sua enormidade e horror não é mais
um segredo. Entretanto a violência que não envolve dano físico ou
ferimentos corporais continua num canto escuro do armário, para
onde poucos querem olhar. O silêncio parece indicar, que
pesquisadores e escritores não enxergam as feridas que não deixam
cicatrizes no corpo, e que as mulheres agredidas não fisicamente,
tem medo de olhar para as feridas que deixam cicatrizes em sua
alma”. (MILLER.,1995:20)
Esta violência que atinge a mulher é pouco percebida, mas causa problemas
psicológicos com conseqüências sérias, que podem ter fins trágicos, se não tiverem
tratamento.
Buscando desvendar as vivências particularizadas, rompendo o silêncio,
revelando os desejos ocultos, é que se dá a emancipação da mulher que sofre abuso, a
24
interiorização da dominação sofrida pelas mulheres, deve ser decomposta, incentivando
sentimentos que supere diferenças, preconceitos e idéias arraigadas.
Esta procura de caminhos, dentro dos questionamentos inerentes a situação
vivenciada pela maioria das mulheres, amplia a luta pôr liberdade, por condições dignas,
respeito e tantos outros fatores que compõem a cidadania.
A violência tem diferentes significados, dependendo da cultura, do grupo e do
momento histórico na qual se insere. Como violência contra mulher entende-se hoje, todo
ato baseado no fato da pessoa pertencer ao sexo feminino, que tenha ou possa ter como
resultado um dano ou sofrimento físico, sexual e psicológico, consequentemente, a
violência de gênero é tudo que tira os direitos humanos numa perspectiva de manutenção de
desigualdades hierárquicas existentes para garantir obediência, subalternidade de um sexo a
outro. Trata-se de forma de dominação permanente e acontece em todas as classes sociais,
raças ou etnias.
A maioria das agressões a integridade física e psíquica, se dá dentro do ambiente
doméstico, esta inversão de expectativas provavelmente explica porque estudos
internacionais apontam a violência doméstica como fator determinante no crescimento de
doenças mentais, com acentuada maioria de mulheres entre suas vítimas.
O assassinato costuma ser o último grau da escala de violência conjugal, que
muitas vezes começa com o abuso psicológico, e gradativamente, vai tornando-as
vulneráveis e instáveis emocionalmente, levando-as muitas vezes a serem violentas com
seus próprios filhos, como forma de dividirem a dor.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como:
“O uso deliberado da força física ou o de poder, seja em grau de
ameaça ou afetivo, contra si mesmo, outra pessoa ou um grupo ou
comunidade, que cause ou tenha muitas probabilidades de causar
25
lesões, morte, danos psicológicos, transtornos de desenvolvimento
ou privações”.(2000: 18)
Na verdade a violência doméstica é a mais brutal e eloqüente metáfora da
exclusão das mulheres dos direitos humanos. Este desrespeito frontal a dignidade das
mulheres se alimenta da impunidade dos agressores, facilitadores, pôr sua vez, pelo silêncio
e conivência da sociedade. Esta impunidade só se explica pela persistência de um decreto
de fundo escravagista, que ainda liga homens e mulher.
Segundo o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher:
“Se quisermos reverter este quadro de violência contra a mulher
é preciso encarar de frente o núcleo da questão, ou seja, de que
este tipo de violência é decorrente, principalmente de uma postura
em que as diferenças entre homens e mulheres, naturais e
relevantes, são vistas sob uma ótica de hierarquia, e não como
contemplação natural e necessária para procriação e harmonia
do planeta”.(1995:30).
Esta questão social se alicerça na cultura da submissão, no medo, na dependência
econômica, no significado dos papeis sociais impostos a homens e mulheres reforçados por
culturas patriarcais, que estabelecem relações de violência entre os sexos.
Portanto, o abuso emocional começa com agressões verbais, ameaças e termina
com muitas lágrimas e sentimento de raiva, frustração, culpa e impotência, onde as
mulheres se entregam a uma relação de desrespeito, que interfere sua integridade física e
moral.
2.2- O Medo, o Estresse, a Confusão, a Renúncia, a Dúvida, a Separação
Interferindo na Saúde da Mulher
26
A mulher vítima de violência não percebe que está sendo manipulada, só quando
a violência se torna realmente manifesta é que o mistério é revelado, com a ajuda de
interferências externas. As relações iniciam-se com o charme e a sedução, e terminam com
comportamentos aterrorizantes de psicopatia. No entanto, os homens deixam indícios, que
só serão interpretados quando a vítima tiver saído parcialmente do enredamento inicial e
estiver compreendendo a manipulação.
A mulher vítima de violência passa por diversas fases emocionais, quando
consegue reconhecer que o seu relacionamento lhe faz mal, ficam frágeis, inseguras, sendo
exteriorizadas da seguinte forma:
2.2.1- O Medo
É um sentimento que as mulheres apresentam, devido a violência a qual é
submetida. Neste estágio, todas as vítimas descrevem este sentimento de uma forma muito
clara. Elas se sentem permanente em alerta, decifrando o olhar do outro, a rudeza nos
gestos, um tom glacial, tudo que pode mascarar uma agressividade não expressa. Temem a
reação do outro, sua tensão e frieza, os comentários ferinos, o sarcasmo, o desprezo, a
zombaria, se não se mostrarem de acordo com o que ele espera.
As mulheres apavoradas com a situação, se submetem a tudo que eles querem,
onde são desprezadas, humilhadas, sendo acusadas de serem responsáveis pelo fracasso do
relacionamento, e também por tudo que, em outros aspectos não deu certo.
Para fugir dessa violência, elas se mostram cada vez mais gentis, cada vez mais
conciliadoras. Têm a ilusão de que esse ódio poderia ser dissolvido com amor e
benevolência; visto que tem medo das atitudes do agressor.
2.2.2- O Estresse
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Ao aceitar a submissão a mulher fica descontente consigo mesma, pois tenta
acalmar o agressor quando está nervoso, esforça-se para não reagir. Esta tensão é geradora
de estresse.
“Os primeiros sinais de stress são, segundo a suscetibilidade do
indivíduo, palpitações, sensações de opressão, falta de ar, fadiga,
perturbações do sono, nervosismo, irritabilidade, dores de cabeça,
perturbações digestivas, dores abdominais, bem com
manifestações psíquicas, como
ansiedade”.(HIRIGOYEN,2000:173)
Sabe-se hoje que essa fragilidade pode ser adquirida progressivamente quando
um indivíduo se defronta com agressões crônicas. No entanto as pessoas de caráter
impulsivo são mais sensíveis ao estresse, ao passo que os homens agressores não o são em
absoluto, e defendem- se provocando o sofrimento do outro.
O agressor escapa ao stress ou ao sofrimento interno responsabilizando a mulher
por tudo que a perturba. No caso das vítimas não há escapatória, porque elas não
compreendem o processo em curso. Nada tem mais sentido tudo que é dito em um
momento é desmentido em outro, as evidências são negadas. Elas se esgotam em respostas
inadequadas, que agravam a violência, acarretam um desgaste.
Depois de uma longa série de insucessos, as vítimas se desencorajam e já
antecipam cada novo fracasso. O que agrava nelas o estresse é a inutilidade das tentativas
de defesa.
2.2.3- A Confusão
As vítimas vão se tornando cada vez mais confusas, sem saber ou ousar, queixar-
se. Ficam como que anestesiadas, queixa-se de ter um vazio na cabeça e dificuldade de
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pensar, descrevem o próprio empobrecimento, um aniquilamento parcial de suas
faculdades, uma amputação do que elas tinham de mais vivo e espontâneo.
Mesmo tendo, por vezes a sensação de estarem sendo injustiçadas, sua confusão
é tal que elas não encontram meios de reagir, e submetem-se a tudo. A confusão é geradora
de muitos problemas de ordem conjugal.
A dificuldade que existe em se descrever um fenômeno de enredamento é que
nele se dá primeiro uma atenuação de limites interiores entre os dois parceiros, depois uma
exploração desses limites, e não é fácil demarcar o momento em que se passa bruscamente
para violência.
Neste combate psíquico as mulheres vítimas são esvaziadas de sua substância e
renunciam à sua identidade. Perdem todo valor a seus próprios olhos e também aos olhos de
seu agressor, que não tem mais nada a fazer senão “joga-las fora”, pois nada mais tem a
tirar delas.
2.2.4- A Renúncia
As atitudes de tentar se esquivar servem para evitar a emergência do ato
violento, sem por isso mudar as condições que provocarão seu surgimento. A renúncia,
nesta fase, permite manter, custe o que custar, o relacionamento, em detrimento da própria
vítima. Há uma espécie de aliança tácita entre os dois protagonistas. As mulheres em um
ilusório movimento, resigna-se assim, a submeter-se aos abusos do outro. Embora se
queixem das atitudes negativas dos homens, continuam a idealizá-lo em outros aspectos:
“ele é inteligente, é um bom pai”.
Se a vítima aceita tal submissão, o relacionamento insta-se de forma definitiva
sobre este modelo, ficando um deles cada vez mais apagado ou deprimido, e o outro cada
vez mais dominador e seguro de seu poder.
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2.2.5- A Dúvida
Quando vem a surgir abertamente, a violência, mascarada inicialmente pelo
controle, vem arrombar o psiquismo, que não estava preparado para isso por estar
anestesiado pelo enredamento inicial. Trata-se de um processo impensável. As mulheres
não conseguem acreditar no que se passa diante dos seus olhos, uma violência se a menor
compaixão, permanecendo perplexa, negando a realidade do que ela está em condições de
ver: “isto não pode estar acontecendo comigo, isto não existe”.
Diante dessa rejeição violenta, sentida, mas verbalmente negada, as mulheres
tentam inutilmente compreender a explicar-se consigo mesmas os porquês da violência.
Buscam razões para o que lhes acontece e, não conseguindo encontrá-las, tornam-se
permanentemente irritadas. Perguntando a todo instante: “Que foi que eu fiz para que ele
me trata-se assim?”, “Será que ele tem alguma razão para isso?”. Buscam explicações
lógicas, porém ral processo é autônomo, nada tem a ver com elas. As mulheres dizem
muitas vezes aos agressores: “Diga o que é que você tem a me censurar, o que tenho que
fazer para que nossa relação melhore”
Mesmo quando as vítimas se dão conta de sua parcela de responsabilidade no
desencadeamento da violência, elas vêem também que não é pelo que elas são que o
processo destrutivo se desencadeia. Elas são as únicas a levar a culpa, os agressores são
sempre inocentados. É difícil desprender-se dessa relação, pois os primeiro golpes
desferidos deram lugar a uma culpa alienante. Uma vez na posição de culpadas, as vítimas
sentem-se responsáveis pelo que é a relação, sua culpa não leva em conta a realidade.
Interiorizam aquilo que as agride.
“Nossa sociedade tem uma visão negativa da culpa: é preciso não
se deixar levar pelo sentimento, é preciso mostrar-se mais forte,
etc. Assim como se diz que onde há fumaça há fogo, a sociedade
tende a dizer que não há culpa sem erro. Aos olhos dos
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observadores de fora, os perversos fazem com que o erro de sua
vítima seja por eles endossado”. (HIRIGOYEN,2000:172)
2.2.6- A Separação
Diante de uma ameaça que se mostra cada vez mais clara, as vítimas podem
reagir de dois modos:
⇒ Submeter-se e aceitar a dominação, podendo o agressor a partir daí prosseguir
tranqüilamente sua obra de destruição;
⇒ Revoltar-se e lutar para ir embora
Submetidas a um controle excessivo ou demasiado longo, certas mulheres não
são capazes nem de fingir nem de lutar. Vão às vezes consultar um psiquiatra ou
psicoterapeuta, mas anunciam de saída sua recusa em relação a todo e qualquer
questionamento fundamental. Querem apenas “poder agüentar a barra”, suportar sua
situação de servidão sem sintomas demasiados e manter-se de pé, parecendo firmes e
fortes.
Na maior parte das vezes, as vítimas reagem quando conseguem ver essa
violência atuando sobre uma outra pessoa, ou quando conseguiram encontrar um aliado ou
um apoio externo.
A separação quando chega a acontecer, é por iniciativa das vítimas, nunca dos
agressores. Esse processo de libertação se dá com dor e culpa, pois os homens , agressores
posam de vítimas abandonadas e nisso encontram um novo pretexto para a violência, onde
se consideram sempre lesados pelas companheiras.
No casal, a chantagem e a pressão se exercem através dos filhos, quando os há,
ou nos procedimentos relativos aos bens, que muitas vezes, são casas, quartos, barracos. No
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meio profissional, não é raro que um processo seja movido pela vítima, que será sempre
culpada por tudo. O agressor se queixa de estar sendo lesado, quando na realidade é a
vítima que está perdendo tudo.
As mulheres violentadas estão sujeitas há uma série de fatores de estresse, e
como resultado disso tem problemas psicológicos, sendo mais comum deles a depressão e
como reflexo, o suicídio, conforme nos mostra o diagrama:
Dúvida
Medo Estresse
SUÍCIDIO
Confusão Renúncia
Separação
O suicídio não é um ato em si ele acontece, quando as mulheres vítimas da
violência perdem o interesse pela vida e começam um processo de autodestruição. A partir
deste momento necessitam de atendimento médico para um bem estar em sua saúde.
Esta violência tem conseqüências para a saúde que vão além dos traumas óbvios,
das agressões físicas. A violência conjugal tem sido associada com o aumento de diversos
problemas de saúde, acarretando a mulher toda uma desestrutura para conduzir seus
conflitos e cuidarem desses maus tratos à que são submetidas por homens que não tem
respeito por uma mulher que um dia amou e hoje a trata como um objeto de suas
frustrações.
Em muitas culturas, a violência contra mulher é aceita; e normas sociais sugerem
que a mulher é a própria culpada da violência por ela sofrida apenas pelo fato de ser
32
mulher. Essas atitudes sociais podem ser exercidas também por profissionais da área de
saúde, resultando algumas vezes no tratamento inadequado ou impróprio quando se trata de
uma mulher vítima de violência que busca atendimento médico e psicológico.
Em geral, mulheres vítimas de agressão doméstica são assíduas nos serviços de
saúde e suas queixas quase nunca são expressas com exatidão. Por receio ou vergonha,
buscam sempre minimizar o fato ocorrido.
O caminho percorrido pelas mulheres vitimadas via de regra, passam pelo pronto
socorro, ambulatórios e hospitais das redes municipal ou estadual que por falta de preparo
não diagnosticam as ocorrências adequadamente, ou seja, classificando-as como violência
doméstica. Não sendo assim, a violência doméstica não é entendida como problema de
saúde, além do que a magnitude do problema sequer chega a ser identificada como uma
questão social. Da mesma forma, ou por isso mesmo, pode ser considerada uma omissão de
responsabilidade que devia caber às instituições da área de saúde, pela tal incapacidade do
poder público, este não habilita profissionais para atendimento qualificado e efetivo.
Violência contra mulheres, necessita de uma série de análises no que concerne
suas perdas, visto que, a mulher fica confusa nos seus direitos, e muitas acabam aceitando a
violência por muitos e muitos anos, outras conseguem sair dessa relação doentia através de
acompanhamentos médicos, psicólogos, psiquiatras e grupos de apoio. Mas é um processo
árduo, lento e extremamente doloroso, pois a mulher se encontra doente no corpo e na
alma.
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CAPÍTULO 3 – ANÁLISE COMPREENSIVA DO
FENÔMENO VIOLÊNCIA VIVIDO PELAS MULHERES.
A violência contra mulheres constitui uma violação dos direitos humanos e às
liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente a mulher o reconhecimento, gozo e
exercício de tais direitos e liberdades.
As mulheres vivem o binômino vida e morte, pois acreditam que se o
relacionamento fracassar, será culpada. Sendo assim se submetem a humilhações e
privações de suas próprias vidas. A violência se repete com freqüência, até que vira rotina,
visto que muitas tem medo de denunciar o companheiro. Nesse momento a mulher não vê
saída e “aceita” as agressões como uma tarefa do cotidiano.
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3.1- Análise da Fala dos Atores
Este item tem o objetivo de analisar os dados coletados nas entrevistas realizadas
no Hospital Nossa Senhora da Glória e na Clínica GAMEN, com um grupo de mulheres,
que vivenciaram um processo acirrado de violência por parte de seus parceiros.
Conforme proposta inicial, foram entrevistada 15 mulheres, em idade de 21 à 43
anos, sendo 06 (seis) com nível superior, sete (07) com nível médio completo e 2 (duas)
com ensino fundamental incompleto.
A violência contra a mulher diz respeito, pois, a sofrimento e agressões dirigidas
a elas, pelo fato de serem mulheres agredidas por conhecidos, próximos e de
relacionamento íntimo, com experiências de vidas usuais. Como nos monstra o depoimento
a seguir:
“Tenho 3 filhos, estudei até a 6ª série, vivi com este homem
durante 6 anos, durante 2 anos foi só amor, o restante só porrada,
chegava em casa bêbado, exigia sexo quando eu não aceitava me
dava todos os homens da rua, me chamava de vagabunda. Falava
que se eu o largasse me mataria. Até hoje vivo com muito medo,
pois sei que ele é um homem capaz de fazer tudo que disse, por
isso estou escondida na minha mãe em Macaé, ainda tenho receio
de encontrar esse monstro, que batia em mim e em meus filhos. O
amor que sentia por ele hoje se transformou em lágrimas, pois
ainda choro muito por tudo que passei”. (Carmem- 35 anos)
“Sou solteira, na época tinha 18 anos, parei de estudar na 8º
série primária, conheci um rapaz, o qual fui noiva durante 3 anos,
ele era muito ciumento, não deixava eu ter amigos, me deixava em
casa e depois ia beber com os amigos, no outro dia chegava cheio
35
de ignorância, me insultava, quando fiquei grávida exigiu que eu
tirasse o bebe. Ele bebia muito e quando isso acontecia me
insultava, me batia como se eu fosse uma cachorra. Só nos
separamos porque eu resolvi fugir de casa com a ajuda de minha
mãe que me levou para passar uns tempos na casa dos meus tios
em Minas Gerais. Hoje isso tem 5 anos e eu nunca mais vi este
homem, a única marca que tenho é uma costela quebrada por
ele”.( Marta 21 anos)
Através das diferentes “falas” supra citadas, observamos que estas mulheres
sofreram efeitos perversos de homens , que não tiveram dignidade em dialogar, sobre os
seus problemas, usando o álcool como causa para atingir seus objetivos de homem macho
com poder.
Basicamente em todos os casos, o homem possui uma forte relação de posse,
sobre a mulher. Seu relacionamento com a mulher desenvolve-se como se ela fosse uma
propriedade sua. Com uma forte tendência ao ciúme obsessivo. Como nos mostra tais
depoimentos:
“Sou solteira, vivi uma relação com este homem durante quase 4
anos, ele é muito mulherengo, na época eu estava no último
período de psicologia, ele sempre ia me buscar na faculdade, era
uma pessoa com comportamentos estranhos, vivia com crises de
ciúmes. Até que um dia vindo de uma festa começou a brigar
comigo dentro do carro me xingando de todos os nomes e em
seguida me colocou para fora do carro em uma rua deserta.
Fiquei desesperada para chegar até em casa foi um sufoco. No
outro dia me ligou pedindo desculpas e, no outro dia, voltamos até
que começou tudo novamente, a última foi uma surra num lugar
desconhecido. Desde então procurei ajuda, hoje faço análise e
fujo desse homem que infelizmente ainda amo, mais não quero
36
mais. É muito difícil pedir ajuda, ou prestar queixas, os
profissionais não dão muita importância para nossas dores”.
(Suzana, 36 anos).
“Sou formada em técnica de contabilidade, me envolvi com um
homem que se mostrava extremamente carinhoso, fomos morar
juntos tivemos duas filhas. Logo depois voltei a estudar, e aí
começou a grande guerra, me ofendia, não queria que eu
estudasse, me prejudicou no trabalho, até que me mandaram
embora. Começou a ameaçar de morte, quando eu falei que
queria a separação. Até que numa bela noite chegou em casa e
começou a me bater, falando que eu estaria com outro homem,
aliás que eu dava para todos que se aproximavam de mim. Nesse
dia eu fui até a delegacia, mas tive medo e retornei para casa, no
dia seguinte fui embora. Até hoje ele me persegue com insultos,
mas estou me cuidando para aprender a lidar com essa
situação”.(Bruna, 31 anos).
Muitas mulheres vítimas de violência não denunciam o marido por medo do que
possa acontecer, visto que, não confiam nos serviços oferecidos e acreditam que não terão
proteção para poderem prosseguir suas vida. Como nos mostra tais depoimentos:
“Meu marido era ótimo, conversava muito comigo, mas há
quatro meses se envolveu com drogas. E passou a me bater, me
enforcava, me arranhava, me agredia na rua, dizia que eu era
prostituta. Tive que largar o emprego de secretária, porque ele
ligava cinco vezes por dia. Ele é apaixonado pela filha de quatro
anos, mas começou a dizer que ia dar veneno para ela. Já tentei
de tudo , levei para macumba, igreja, mas não adiantou. Numa
bela madrugada, depois de ser agredida, humilhada peguei um
taxi e fugi com minha filha. Não dei parte a delegacia, pois por
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diversas vezes já tinha feito isso e , ele sempre voltava bonzinho,
mas depois tudo voltava como era antes. Deixei tudo para trás,
hoje busco minha felicidade, mas é dolorido”.( Suelen-24 anos)
“Fiquei com esse homem durante 12 anos, tivemos 2 filhos, com
o tempo começaram as agressões. Não físicas mas morais. Uma
única vez ele me bateu, me deu um tapão na rua tão forte que
desmaiei e acordei numa clínica. O mais comum eram as ameaças
e as ofensas. Ele me xingava o tempo todo, em todos os lugares.
Sempre tive medo de denunciá-lo, por medo de fazer algo pior.
Decidi fugir ,perdi meu emprego de técnica administrativa. Hoje
já não o vejo há 5 meses, estou tentando retomar minha vida mais
é difícil, tenho marcas interiores horríveis”. (Katia, 40, anos)
Observarmos que muitas dessas mulheres que viveram situações de violência,
demostraram medo em falar, visto que muitas sofreram preconceitos por parte de amigos,
familiares, que sempre procuraram ajudar, mas ao mesmo tempo se afastavam por medo de
maiores confusões. Essas mulheres perderam sua auto-estima, identidade e passaram a se
sentir inúteis, comprometendo sua vida cotidiana.
“Eu era noiva deste homem há 4 anos, no primeiro ano tudo era
maravilhoso, depois parecia uma guerra de insultos, me
humilhava de todas as maneiras, parece que tinha ódio de mim,
me chamava de velha, falava de minhas roupas, me
ridicularizava, eu terminava e ele sempre pedia para voltar, nunca
gostei de falar dos meus problemas com minha família, porque
eles falavam que eu estava nessa porque eu queria. Até que um
dia não agüentei mais, pois ele foi ao meu trabalho e arrumou o
maior barraco, fiquei muito envergonhada, pois sou
administradora de uma empresa e acabei tendo que sair. Fiquei
mal, hoje tento me recuperar, entrei para acompanhamento
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psicológico e estou tentando retomar minha vida. Esse amor me
cegou”. (Selma, 30 anos)
“Namorei este homem há 5 anos, sempre soube que ele tinha um
comportamento difícil, mas me tratava relativamente bem, no
inicio achei que era porque eu era formada em engenharia e ele
só tinha o 2º grau, mas eu nunca me importei para esse detalhe.
Mas as coisas pioraram com a minha ascensão profissional, ele
começou a me insultar, me xingava, até que um dia meus
familiares proibiram sua entrada na minha casa e terminamos,
ele sempre corria atrás, vinha com lindas histórias de amor e
voltávamos, mas numa de suas neuroses ele me insultou e chegou
a me bater dizendo que eu estaria com caso com o meu supervisor,
me deixou toda marcada, dei um basta mas sofro muito com isso,
tento levar minha vida, agora estou em tratamento, me sinto um
pouco melhor, mas é difícil demais”.( Claudia, 27 anos)
Podemos observar que essas mulheres buscaram ajuda de profissionais para se
libertarem da violência e maus tratos, visto que já não suportavam as agressões vividas com
seus companheiros. Conseguindo atravessar os preconceitos sofridos.
“Preconceitos são venenos de espírito, fatais para democracia,
que é um regime baseado na liberdade e na igualdade e, portanto
no pleno respeito aos direitos humanos. Em função do
preconceito, pessoas são excluídas, humilhadas e prejudicadas”.
(SOBEL,2000:88)
A maioria das entrevistadas, alega que perderam emprego, amigos, família, por
causa de seus companheiros e hoje se encontram com sérios problemas de saúde e não
conseguem continuar suas vidas, visto que sempre foram dominadas e não sabem retomar
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suas vidas, pois dependem financeiramente destes homens. Como nos revela tais
depoimentos:
“Sou casada há 8 anos, tenho 3 filhos desta relação, quando eu
conheci o meu marido tinha acabado de terminar o 2º grau,
trabalhava como acompanhante de uma senhora, ele me fez sair,
passei a cuidar da casa, dos filhos, e aí começou o tormento ele
sempre com insultos, falava da roupa da comida, passou a me
maltratar, arrumar mulheres, me deixava em casa sozinha com as
crianças e desaparecia dias. Até que me separei e ele foi atrás de
mim e voltamos, hoje vivo o mesmo sofrimento só não me separo
porque fiquei doente, tendo que fazer hemodiálise e dependo dele
para sobreviver. Ele não me bate mais, só me insulta me
chamando de doente e incapaz, diz que não sou mais mulher”. (
Fernanda, 43 anos)
“Sou casada há 6 anos, tenho 2 filhos, 1 do primeiro
relacionamento e o outro desse meu casamento. O primeiro ano
de casamento foi mil maravilhas, mas depois começaram as
agressões verbais, ameaças, socos, ele começou a me bater sem
motivo, chegava do trabalho e começava as ofensas. Larguei meu
trabalho de secretária e passei a depender dele. Muitas vezes me
contavam que ele estava com mulheres na rua e eu sempre ali
aguentando tudo. Em uma das brigas cheguei a dar parte, mas
nada adiantou só piorou, ele ficou pior. Até que fiquei doente tive
derrame e hoje vivo com seqüelas, não me separo, pois como eu
vou viver, tenho 2 filhos para cuidar e pelo menos ele é um bom
pai. Se vivi até hoje posso viver até a minha morte’’. (Samanta, 40
anos).
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Observamos que o processo que se desenvolve assemelha-se a um processo de
destruição. O homem violento faz da mulher sua vítima desencadeando medo. Deixando-a
em seu poder de controle, pois ele é quem manda, visto que ela depende dele para
sobreviver e, por dependência aceita a violência sofrida.
O homem no seu papel de provedor, não consegue se imaginar sem o trabalho.
Ao ficar desempregado, e se vê dependente da mulher, há uma tendência de que enfrente
problemas psicológicos, sentindo-se incapaz agredindo a mulher, visto que, ela esta arcando
com todas as despesas. Como nos revela:
“Fui casada durante 8 anos, tenho 2 filhos desta relação. Sou
relações públicas de uma empresa, meu casamento nunca foi um
mar de rosas, mas foi o que eu escolhi, sempre brigamos, ele
sempre me violentava psicologicamente, mas tudo piorou quando
perdeu o emprego, ficou louco, começou a beber muito, me
xingava, até que um dia chegou em casa quebrando tudo e
começou a bater em mim e nas crianças. Foi horrível, me deixou
toda marcada, fui hospitalizada, e aí decidi acabar com tudo. Hoje
vivo outra vida, sem sofrimento, eu já tinha esquecido o que era
paz”.( Marcia,41 anos)
“Fui casada durante 3 anos, não tive filhos, graças a Deus.
Sempre trabalhei para ajudar nas despesas da casa, trabalho com
vendas. No inicio do casamento tudo era maravilhoso, mas
quando meu ex. marido ficou desempregado minha vida virou um
inferno. Ele ia todos os dias no meu serviço me buscar, me
insultava, me ligava de hora em hora, eu tentava dialogar, mas ele
só me agredia com palavrões, e com isso ao invés de procurar
emprego ele ficava atrás de mim, até que um dia cheguei em casa
e ele tinha colocado fogo em todas as minhas roupas, fiquei
desesperada e começamos a brigar, até que ele me jogou álcool e
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queimou a metade do meu corpo. Sofro até hoje, pois tenho
vergonha da minha aparência tenho vontade de matar este
homem”. (Carolina, 27 anos)
Diante deste cenário, verificamos que o homem, sofre com a questão do
desemprego, mas este processo se agudiza, no que se refere a mulher ser polivalente,
liderando a casa a vida.
“A mulher contemporânea sabe que vive muito mais inserida em
um mundo de oportunidades diferenciadas do que num mundo
onde ser homem ou mulher ainda diz até onde as pessoas podem
ir. Assim, ser mulher na atualidade implica a reconquista de uma
possibilidade de existência enquanto indivíduo portador de um
amplo leque de escolhas sociais”.(GUIMARÃES,apud:BARROS,
2003:17).
A violência é um fenômeno universal que atinge indistintamente mulheres de
todas as classes sociais, etnias, religiões e culturas. Ocorre em populações de diferentes
níveis de desenvolvimento econômico e social, e em qualquer etapa da vida da mulher.
Como nos revela tais depoimentos:
“Fui casada durante 10 anos, durante o casamento continuei
meus estudos, me formei em Nutricionista e sempre trabalhei.
Optei em não ter filhos, pois minha vida era muito corrida. Meu
ex. marido sempre trabalhou muito, mas sempre gostou de farra,
sair com os amigos, chegava tarde em casa, era um horror.
Quando chegava das noitadas eram só insultos, agressões, com o
tempo começou a me violentar fisicamente e psicologicamente, eu
já não suportava mais. Tínhamos tudo morávamos em um belo
apartamento em Botafogo, com empregada, enfim uma boa vida,
mas um dia explodi, ele chegou em casa pediu que eu descesse
42
para ver o novo carro que tinha comprado, eu desci e quando
olhei , falei bonito! que bom. Nossa foi o bastante para ele
começar a me bater ali mesmo no estacionamento do prédio.
Fiquei no chão, algumas pessoas vieram me socorrer, fui parar
no pronto socorro, levei 6 pontos na perna e resolvi naquele
momento me separar de um animal sem escrúpulos. Hoje prossigo
minha vida com essa grande escola de um amor doente e um
casamento cego”. (Beatriz, 36 anos)
“Fui casada durante 7 anos, tive 1 filho desta relação, sempre
trabalhei, fiz o 2ºgrau e trabalhava na empresa de meu marido.
Durante 2 anos de casamento eu acho que não o conhecia direito
fechava os olhos para algumas coisa, achava que era normal
algumas atitudes. Sei que tinha tudo dinheiro, lazer, uma boa
casa, mas não tinha paz, felicidade. Esse homem me destruiu por
dentro e por fora, ele me humilhava, me insultava. Até que um dia
chegou em casa me convidando para viajar em lua de mel, e eu
acreditei. Fomos para Angra dos Reis e lá ele começou a tirar
minha roupa de uma forma violenta me bateu, bateu bateu, fiquei
toda marcada. E quando fomos embora ele falou você é
vagabunda, suas amigas, são piranhas e sua família não presta
assim como você mais infelizmente, eu te amo e quero que me
desculpas ,eu estava nervoso. Esperei dois dias, e sumi. Hoje só
vejo este mostro por causa da minha filha. Eu tenho horror da
palavra casamento”.(Sabrina ,29 anos)
Podemos observar que independente de classe social, cultura, o comportamento
padrão do agressor não modifica, isto está além de qualquer condição social. O homem
quer estar sempre dominando e comandando o que diz ser seu patrimônio a “mulher”.
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“O homem no desejo de proteger seu bem maior, fez da mulher
seu patrimônio de grande valor, transformando-a num ser
idolatrado, um objeto de prazer, uma subalterna, um alvo de
escárnio às suas frustrações, ser não pensante, um animalzinho”.(
SILVA, apud: BARROS, 2003:43)
Percebemos, que muitas mulheres hoje, estão deixando de lutar pelos seus ideais
em prol de um amor doentio, violento que só trazem cicatrizes. Mantendo um
relacionamento frustrado em suas próprias irrealizações. O amor passa ser sinônimo de
permissividade. Como nos revela tal depoimento:
“Sou noiva deste homem há quase 4 anos, sou Assistente Social
de uma empresa. Brigamos muito, ele é uma pessoa agressiva,
mulherengo, hoje conseguiu status profissional, e acha que tem
poder em tudo, me liga 3 vezes ao dia para saber o que estou
fazendo, conseguiu me afastar das minhas amizades, pois alega
que todas não prestam. Tenho consciência que é um homem
mentiroso, maquiavélico, me agride. Ultimamente até me bate.
Sofro muito com isso , sempre separo dele e ele me pede para
voltar, acabo cedendo aí começa tudo novamente. Não consigo
forças para sair deste relacionamento. Uma vez ele me levou para
jantar e começou a me insultar falando que eu dava confiança
para todos os homens. Me fez jurar por Deus que eu teria que
mudar meu jeito de tratar as pessoas e de me vestir. Tem dia que
não agüento, mais não sei como sair desta relação, pois amo
demais este homem que me faz sofrer. Sei que estou ficando
doente”. ( Paula, 33 anos).
Podemos observar, que muitas mulheres hoje perderam sua identidade, deixando
de viver suas vidas com liberdade. O amor exagerado, doentio às levam ao desequilíbrio
44
emocional e a uma incapacidade cada vez maior de lidar com suas próprias frustrações. Se
permitindo a atos violentos.
“No Brasil de hoje não existe mais lugar para parasitas
femininas, que vivem única e exclusivamente para gerar filhos,
assistir a telenovelas ou fazer crochê para passar o tempo. A hora
é de luta, de igualdade de direitos e deveres, sem mais dar ouvidos
ao tolo preconceito de que mulher não pode fazer o que quiser,
nem pode curtir a vida”. (VINHAS, apud: BARROS, 2003:39)
Conforme os depoimentos, a violência contra mulheres consiste em destruir sua
individualidade, fazendo-as esquecerem os valores que possuem como mulher, mãe, amiga,
guerreira, companheira e acima de tudo sua beleza e feminilidade.
CONCLUSÃO
O propósito deste trabalho, foi examinar a problemática vivenciada pelas
mulheres, que devido as agressões físicas e psicológicas de seus companheiros passam a
viver de forma acirrada o fenômeno violência.
Constatamos, a partir das entrevistas realizadas, que o alcoolismo, desemprego,
ciúme, estresse da vida moderna não são as causas da violência, e sim maneiras que o
homem encontra para “justificar as agressões’’.
Embora tenham sido criadas Delegacias especializadas no atendimento a
mulheres vítimas de violência, sua efetivação não é totalmente concretizada, visto que
muitas mulheres tem medo, e resistem em denunciar seus companheiros, pois não confiam
nos serviços oferecidos.
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É nesse controverso cenário que se insere a questão da cidadania, dos direitos
sociais, no qual se inclui a violência contra mulheres como polêmica não resolvida.
Embora, no decorrer dos anos as mulheres tiveram muitas conquistas, e acima de
tudo sua emancipação, ainda encontramos entraves que as permitem a atos tão absurdos
como é a violência. Atingindo sua integridade física e moral e comprometendo sua saúde.
As mulheres precisam acreditar em seu potencial, visto que a violência acontece
independente de qualquer classe social, etnia, religião. A mulher tem que acreditar que
pode reverter este quadro levantando sua auto - estima e auto-determinação.
Romper o silêncio, denunciar, buscar ajuda, sentir-se cidadã, estes são fatores
importantes que ajudam no caminho da liberdade e da não violência.
De certo, este é um processo difícil e muitas vezes desgastante, pois conforme
vimos ao longo deste trabalho, muitos são os entraves existentes, mas é possível desde que
a mulher não se permita ser violentada, recebendo passivamente o rótulo de “coitada”, logo
um ser incapaz.
Portanto a violência é uma questão ampla e complexa, merecedora de atenção,
que necessita de leis mais rígidas, e programas educacionais, principalmente de atenção a
população, através de políticas públicas eficazes.
O que pretendemos mostrar com este estudo é a gravidade de um problema que
afeta um conjunto representativo de mulheres, onde muitas se encontram em consultórios
de análise, lutando para sobreviver, não só das agressões que as acometem, mas na sua
existência como cidadã de direitos, já que só se conhece os deveres de mulher, mãe, amiga
e dona de casa.
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ANEXOS
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ROTEIRO DE ENTREVISTAS
1- Quantos anos você tem ? 2- Qual seu grau de instrução ? 3- Trabalha ? Em quê ? 4- Há quanto tempo está casada? Namorando? 5- Tem filhos? São desta relação? 6- Seu companheiro sempre foi agressivo? 7- Há quanto tempo convive com estas agressões? 8- Quando começou? 9- Já prestou queixas a delegacia ? Já procurou ajuda em algum lugar? 10- Ainda existe sentimento ? 11- Está em algum tratamento? 12- Como está se sentindo ? 13- Como você vê toda esta situação ? 14- Como está sendo a separação ?
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TRIVIÑOS, Augusto. M. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais. A pesquisa
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ÍNDICE INTRODUÇÃO 10 CAPÍTULO 1 12 UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO FENÔMENO VIOLÊNCIA 12 1.1-A Aceitação Histórica da Violência 12 1.2- Violência Contra a Mulher no Contexto Atual 15 CAPÍTULO 2 21 VIOLÊNCIA E SAÚDE COMO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO E AÇÃO 21 2.1- Abuso Emocional : A Violência Invisível 21 2.2- O medo, O estresse, A confusão, A renúncia, A dúvida, 25 A separação Interferindo na Saúde da Mulher. 2.2.1- O Medo 26 2.2.2- O Estresse 26 2.2.3- A Confusão 27 2.2.4- A Renúncia 28 2.2.5- A Dúvida 28 2.2.6- A Separação 29 CAPÍTULO 3 33 ANÁLISE COMPREENSIVA DO FENÔMENO VIOLÊNCIA VIVIDO 33 PELAS MULHERES
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3.1- Análise da Fala dos Atores 33 CONCLUSÃO 44 ANEXOS 46 BIBLIOGRAFIA 48 ÍNDICE 50
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FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
Pós Graduação “Lato Sensu” em Terapia de Família
Título: Violência Contra as Mulheres em suas Relações Afetivas
Autora: Sandra Maria de Freitas da Silva
Orientadora: Maria Poppe
Data da Entrega ____/____/2004
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Avaliado por: ____________________________________Grau_______
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Rio de Janeiro, ____de___________________ de 2004
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