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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress(Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X
VIOLÊNCIA DE GÊNERO ATRAVÉS DE CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS -
PERCEPÇÕES DE JOVENS DO ENSINO MÉDIO
Livian Lino Netto1
Beatriz Helena Castro2
Cristhianny Bento Barreiro 3
Resumo: Este texto é um relato de experiência de um trabalho realizado com alunos de Ensino Médio Integrado de uma
escola da Rede Federal de Educação do Rio Grande do Sul, em que os alunos criaram campanhas publicitárias sobre
violência de gênero nas aulas de Sociologia. Gênero e sexualidade fazem parte do programa da disciplina de Sociologia
e é um tema que ainda parece causar estranheza em alguns estudantes. Dessa forma, foi proposta uma avaliação em que
os alunos pudessem expressar suas percepções através de campanhas publicitárias em que o tema foi Violência de
Gênero. Para a criação das imagens, o tema foi amplamente debatido em sala de aula e os estudantes realizaram
pesquisas sobre as questões de gênero e sexualidade, ficando livres para se manifestar, a partir de suas compreensões,
na produção do trabalho. Dessa forma, os trabalhos foram criados em grupo, e nos auxiliarão a identificar a percepção
destes estudantes, já que partir das imagens pode-se compreender como estes jovens sentem e produzem as questões de
gênero e sexualidade na sua vida e como essas relações de dão no interior da escola.
Palavras-chave: Juventudes. Gênero. Ensino Médio.
Introdução
Este trabalho relata a experiência acerca das discussões sobre gênero e sexualidade durante
as aulas de Sociologia com alunos dos segundos anos de três cursos técnicos integrados ao ensino
médio no Campus Caxias do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Sul.
Gênero e Sexualidade fazem parte do currículo da disciplina de Sociologia desta escola, e
com as atuais discussões sobre a reforma do Ensino Médio, Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de
2017, Projeto Escola sem Partido, pelos projetos de lei 1411/2015 e 867/2015, e pelo projeto de lei
do senado 193/2016, que visa eliminar a discussão ideológica dentro da escola, incluindo a
discussão de gênero, a curiosidade dos jovens estudantes faz com que diversas questões sejam
trazidas para o debate em sala de aula. Ao anunciar a temática de gênero e sexualidade, discursos
das redes sociais e de discussões familiares, bem como a experiência dos próprios jovens.
Pode-se perceber que a escola constitui-se como lugar importante para a socialização e de
produção de identidades e de culturas, e por vezes parece distante dos interesses dos alunos, o que
cria a ideia de jovens desinteressados das constantes mudanças que caracterizam nosso tempo
1Mestre em Educação pelo Instituto Federal Sul-rio-grandense – Campus Pelotas, IFSul, Pelotas, Brasil. 2Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da PUCRS, Professora no Instituto Federal Sul-rio-
grandense- Campus Visconde da Graça, IFSul, Pelotas, Brasil. 3Professora do Programa de Pós-graduação em Educação do Instituto Federal Sul-rio-grandense, IFSul, Pelotas, Brasil.
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(BAUMAN, 2001). No entanto, apesar de parecer muitas vezes parada no tempo, a escola se
constitui num importante espaço de convivência e de produção social em que podemos observar
diferentes formas de se perceber e experimentar o mundo.Sendo assim, este texto pretende
descrever como se deu a realização da produção dos trabalhos que tinham como proposta a criação
de campanhas que tratassem da violência de gênero nos dias atuais.
(Re) configurações do Ensino Médio
Sabe-se que o sistema educacional é uma construção histórica criada e recriada em cada
tempo, assim como o conhecimento que precisa ser construído e reconstruído, fazendo um
movimento de constante reflexão. Nesse processo o Ensino Médio provoca debates em que diversas
opiniões divergem (KRAWCZYK, 2014).
Segundo Krawczyk (2014), os índices de evasão e fracasso escolar são associados à falta de
interesse dos jovens, já que o Ensino Médio nunca teve uma identidade clara, o que não é apenas
um problema brasileiro, já que muitos países distintos, tanto na Europa quanto nas Américas,
compartilham problemas e desafios semelhantes quando se trata deste nível de ensino.
Historicamente, durante a primeira metade do século XX, o Ensino Médio surge e expande-
se com uma dupla função: de um lado a formação de mão de obra qualificada e de outro, a
formação de elites profissionais e políticas, mantendo assim, a apropriação diferenciada do
conhecimento socialmente construído, para uns com a ideia de desenvolver habilidades
profissionais e para outros a preparação para ascender ao saber.
Várias reformas educacionais resultaram em um movimento de avanço e retrocesso em
direção a um modelo mais democrático de Ensino Médio.
Para Krawczyk (2014), a identidade do Ensino Médio é discutida a partir dos seus objetivos
e os constantes movimentos de reforma na sua estrutura, além das demandas constantes de
mudanças de conteúdos no seu currículo são exemplos das tensões em torno desse nível de ensino
em diferentes países.
Na década de 1990, o Brasil teve uma significativa expansão do Ensino Médio, através do
aumento de vagas e de matrículas nas escolas públicas, tendência que sofre vários altos e baixos
desde então. No entanto, essa expansão da matrícula é apenas um dos dados a se considerar na
análise da escolarização juvenil, já que o aumento da procura pela escola média está acontecendo a
partir de uma dinâmica escolar engessada e desenvolvida em outra realidade, com diferentes
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demandas e necessidades, além de uma cultura escolar incipiente para o atendimento dos
adolescentes de hoje (KRAWCZYK, 2014).
Pode-se dizer que um dos desafios da educação é oferecer uma escola que permita
dinâmicas de aprendizagens que estejam sintonizadas com o mundo contemporâneo para toda a
população.
Sobre os jovens, as representações, imagens e estereótipos são criados a partir da ideia de
falta de perspectiva, de um ser incompleto, irresponsável, faz com que se desconfie deles tornando
mais difícil ainda perceber quem eles são, o que pensam e o que são capazes de fazer, e dessa forma
não se reconhece o jovem que existe no aluno e menos ainda se compreende a diversidade, seja
étnica, de gênero ou de orientação sexual, entre outras expressões, com a qual a condição juvenil se
apresenta (DAYRELL, 2007).
O Ensino Médio para além de uma etapa de formação é um momento de construção de
identidades e de pertencimentos a grupos distintos, além de um período de múltiplos
questionamentos, de constituição de um saber sobre si, de busca de sentidos, que precisam ser
considerados (WELLER, 2014).
Segundo Dayrell (2007, p.1116-1117),
[...] a escola tende a não reconhecer o “jovem” existente no “aluno”, muito menos
compreender a diversidade, seja étnica, de gênero ou de orientação sexual, entre outras
expressões, com a qual a condição juvenil se apresenta.
Para Arroyo (2014), existe uma prática de ressignificação e reinvenção que acontece dentro
da escola, e a transformação do Ensino Médio passa pela reinvenção dos currículos, da concepção e
da prática da educação, interessando o reconhecimento de que os jovens estudantes que vão
chegando ao Ensino Médio são outros, de outras origens sociais, raciais, étnicas, dos campos e das
periferias.
Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, de 2012, apontam
para a centralidade dos jovens estudantes como sujeitos do processo educativo (DAYRELL,
CARRANO, 2014). Para os autores, pôr em prática as determinações das Diretrizes Curriculares
significa, de fato, desenvolver um trabalho de formação humana que contemple a totalidade dos
nossos jovens estudantes.
Atualmente, discute-se o Ensino Médio, a partir principalmente da meta três do Plano
Nacional de Educação (PNE), do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, instituído
pela Portaria nº 1.140, de 22 de novembro de 2013, do Programa Ensino Médio Inovador- ProEMI,
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estabelecido pela Portaria nº 971, de 9 de outubro de 2009 e da PL 6840/2013. Vive-se um
momento em que se discute uma reestruturação do Ensino Médio, a partir do Pacto Nacional pelo
Fortalecimento do Ensino Médio, do Programa Ensino Médio Inovador e da PL 6840/2013, já que
esta etapa é considerada a mais problemática da escolarização, e tem se mostrado com maior
dificuldade em cumprir suas atribuições e garantir o direito à educação básica, tal como prevê a
Constituição.
Além disso, o Plano de reestruturação do Ensino Médio sugere como objetivos o
compromisso de atender a diversidade nacional em sua heterogeneidade cultural, bem como a
consideração dos anseios das diversas juventudes e da expressiva fração de população adulta que
acorrem à escola, que ainda é vista como instituição que reproduz as desigualdades e as culturas
hegemônicas da sociedade. Porém, é preciso considerar a diversidade cultural da qual se faz parte,
atravessadas por questões de gênero, etnia, classe social, mas também a cultura do trabalho.
É nesse contexto que vem se configurando o Ensino Médio, que gênero e sexualidade estão
cada vez mais no centro das pesquisas e discussões que tratam tanto do Ensino Médio, e apesar de
sofrer com vários ataques sobre sua presença na educação e na escola, percebe-se que cada vez mais
se faz necessário, principalmente no que diz respeito aos estudantes jovens, que estão
experimentando sua sexualidade.
Sociologia, sala de aula, gênero e sexualidade
No processo de formação como professora de Sociologia, pude perceber algumas
transformações nas questões levantadas pelos jovens estudantes de Ensino Médio. Desde 2012,
trabalho com esse nível de ensino da educação básica e ao longo desses cinco anos percebi que
apesar das questões sobre gênero e sexualidade sempre estar presente, no último ano,
especialmente, parece ter se tornado uns dos temas centrais das aulas de Sociologia.
Quando me formei na graduação, a Sociologia como disciplina do Ensino Médio ainda não
figurava como obrigatória, sendo, somente em 2008, que a lei que garantia seu ensino com caráter
de obrigatoriedade foi promulgada. De lá para cá, muitas discussões sobre o seu seus conteúdos, sua
função, e formação dos professores foram realizadas e apesar das orientações dos PCN’s e OCN’s,
cada escola ou professor formula seu próprio plano de ensino.
Sabe-se quedisciplina de Sociologia engloba um conjunto disciplinado de práticas, mas
também representa considerável corpo de conhecimento acumulado ao longo da história. Essa
ciência configura-se em uma via de fluxo onde se acrescentam ideias e estudos da vida social. A
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Sociologia, assim é um espaço de atividade contínua que compara o aprendizado com novas
experiências e amplia o conhecimento, mudando, nesse processo, a forma do conteúdo da própria
disciplina (BAUMAN, 2010).
Aprender a pensar sociologicamente é uma atividade que se distingue, mas também se
relaciona com o chamado senso comum. A Sociologia e o senso comum se diferem quanto ao
sentido que cada um atribui á vida humana em termos de como entendem e explicam eventos e
circunstancias(BAUMAN, 2010).
Essa relação entre ciência e senso comum é de mútua fertilidade segundo Boaventura de
Sousa Santos (1988). Para ele existe um paradigma emergente de um conhecimento prudente para
uma vida decente, em que um paradigma para emergir não pode ser apenas científico, tem também
que ser um paradigma social. Ele apresenta esse paradigma através de quatro teses. Aqui cabe a tese
de que todo conhecimento científico visa constituir-se em senso comum.
Com essa diferença, mas também por essa relação que a Sociologia possui com o senso
comum podemos pensar em um corpo de conteúdos que sejam próprios de estudo sociológicos, mas
que também façam parte da realidade das alunas e alunospara compormos os currículos escolares
para a disciplina de Sociologia.
Nesse sentido que Gênero e Sexualidade podem (e devem) fazer parte do currículo da
disciplina, já que, muitas vezes é apenas nessa disciplina que esses temas são tratados na escola.
Das Instituições das quais trabalhei, o relato dos alunos é de que somente nessas aulas eles têm
espaço para fazer essas discussões.
No ano de 2015, a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) trouxe a seguinte
questão:
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico
define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da
civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que
qualificam o feminino.BEAUVOIR, S. O segundo sexo Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
1980.
Na década de 1960, a proposição de Simone de Beauvoir contribuiu para estruturar um
movimento social que teve como marca o(a)
A) ação do Poder Judiciário para criminalizar a violência sexual.
B) pressão do Poder Legislativo para impedir a dupla jornada de trabalho.
C) organização de protestos públicos para garantir a igualdade de gênero.
D) oposição de grupos religiosos para impedir os casamentos homoafetivos.
E) estabelecimento de políticas governamentais para promover ações afirmativas. (ENEM,
2015)
Essa questão trouxe para o centro do debate, dessa vez apoiado por uma grande mídia e as
redes sociais as discussões sobre gênero e sexualidade na escola. Ainda, parece que vivemos um
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momento muito delicado em que uma “onda conservadora” vem ganhando força. Nesse sentido, o
Projeto Escola sem Partido se destaca e se apresenta como uma proposta neutra contra o que eles
chamam de “doutrinação”, levantando a ideia de escola sem “ideologia” e que seja “contra o abuso
da liberdade de ensinar”. Essas propostas influenciam diretamente no ensino de maneira geral,
visto que os alunos chegam à sala de aula com inúmeras questões das quais a mídia e o senso
comum já tem construídos seus posicionamentos e traz para a sala de aula, mais um desafio para os
professores, que muitas vezes não estão preparados (por diversas razões) para receber as demandas
vindas dos jovens que cursam o Ensino Médio.
Para a Sociologia no Ensino Médio, os desafios se dão justamente no sentido de fazer com
que a disciplina possa ser relacionada à realidade dos alunos de uma forma que os envolva e
partindo das vivências dos jovens.
Como lembra Dayrell (2007, p.16),
[...] a escola é invadida pela vida juvenil, com seus looks, pelas grifes, pelo comércio de
artigos juvenis, constituindo-se como um espaço também para os amores, as amizades,
gostos e distinções de todo tipo. O “tornar-se aluno” já não significa tanto a submissão a
modelos prévios, ao contrário, consiste em construir sua experiência como tal.
Essa cultura juvenil traz para a escola e para a sala de aula as experimentações dos jovens e
Gênero e sexualidade também fazem parte desse contexto.
Assim, a escola e a sala de aula tornam-se espaços cada vez mais de questionamento,
trazendo para o debate os temas que fazem parte do cotidiano dos estudantes. É nesse contexto que
se apresenta que o trabalho aqui apresentado foi proposto e realizado.
O contexto do trabalho
Em agosto de 2016 assumi como professora substituta a disciplina de Sociologia,dos
primeiros e segundos anos do Ensino Médio Integrado ao Técnico do IFRS- Campus Caxias. Neste
campus, o ano é dividido em três trimestres e, entrei na metade do segundo trimestre, em que só
finalizei as atividades iniciadas pela professora titular, ao mesmo tempo em que iniciava uma
“recuperação” de conteúdos já que os estudantes ficaram um mês sem aulas de Sociologia em
virtude do afastamento da professora. Esse tempo também foi de conhecer os estudantes e o plano
de ensino da disciplina, já que devido ao contexto utilizei o plano que a professora havia preparado.
Para os segundos anos, no segundo trimestre, estava previsto os seguintes conteúdos:
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- Grupos étnicos e etnicidades. Sociedades indígenas e o mundo contemporâneo. Culturas
afro-brasileiras e africanas no Brasil. Racismo, discriminação e preconceito. As lutas por
direitos e reconhecimento.
- Gênero e sexualidade: a construção social do gênero e do sexo. Feminilidades,
masculinidades e relações de gênero. Sexualidade: entre biologia, cultura e influências
sociais. Os movimentos sociais e as lutas por direitos e reconhecimento.
- As Ciências Sociais e o trabalho de sociólogos, antropólogos e cientistas políticos:
métodos e técnicas de pesquisa (pesquisa de opinião e análise de dados quantitativos) no
processo de construção do conhecimento. [Grifos da autora] (Plano de Ensino da Disciplina
de Sociologia, IFRS, Campus Caxias do Sul, 2016).
Então, este trabalho foi proposto e realizado com turmas de segundos anos da escola, visto
que o conteúdo que traz as temáticas de gênero e sexualidade está previsto para este ano. Nesta
escola, são seis turmas de segundos anos dos cursos técnicos integrados em Química, Plásticos e
Fabricação Mecânica. As turmas do curso Técnico Integrado em Química eram predominantemente
femininas, enquanto as turmas do curso Técnico Integrado em Fabricação Mecânica eram formadas
por mais meninos, sendo que somada as duas turmas deste curso, apenas quatro meninas do total de
mais ou menos 60 estudantes. Já o curso técnico integrado em Plásticos, era formado de maneira
equilibrada. Essa percepção é importante para o contexto das discussões que foram realizadas
durante as aulas. Num total das seis turmas de segundos anos do Ensino Médio Integrado, eram em
torno de 100 estudantes.
Ao iniciar as aulas de Sociologia, pude perceber que as questões de gênero e sexualidade
despertavam o interesse dos estudantes de diversas maneiras: uns não conseguiam compreender “a
construção social do gênero”, trazendo os mais diversos argumentos para as discussões em sala de
aula e outros ultrapassavam muitas vezes as discussões trazendo suas experiências de vida para dar
exemplos em sala de aula, entrando em um embate de ideias, na tentativa de fazer com que os
colegas que não aceitavam as referências tanto sociológicas como dos estudos de gênero que eram
utilizadas em sala de aula, para mostrar as possibilidades de se estar no mundo e experimentar a
sexualidade.
Percebia-se que os discursos dos estudantes traziam muito de senso comum, falas de redes
sociais e apesar de estarmos em um tempo em que se tem certa visibilidade sobre o assunto, ainda
na escola, segundo os estudantes, esse tema é pouco discutido, sendo muitas vezes apenas em aulas
das quais os professores dão espaço, em aulas de Sociologia ou entre os estudantes nos seus espaços
de convivência. Os debates acerca de gênero e sexualidade muitas vezes trazem argumentações que
precisam ser desnaturalizadas pelos estudantes, e muitas vezes por nós professores, se
considerarmos nossas próprias experiências de formação. Nesse sentido, segundo Costa Novo
(2015), os estudos sobre gênero e sexualidade mostram que,
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(...) o cenário de precariedade começa a se configurar já na formação de professoras/es,
pois tanto os cursos de pedagogia quanto as diferentes licenciaturas carecem de formação
teórica na área de gênero e sexualidades. Esta, quando não inexistente, é insuficiente,
secundária e limitada a uma ou outra disciplina isolada e não obrigatória. Como
consequência, as pesquisas identificavam que nas escolas prevalecem professoras/es com
despreparo teórico, divergências de posicionamento e resistência a determinados temas. É
grande o desconforto para intervir e dialogar sobre sexualidade com os/as alunos/as, de
modo que as discussões são marginalizadas e, quando ocorrem, trazem uma abordagem de
gênero de uma perspectiva binária simplista e limitadora. Haveria também uma dificuldade
de intervenção diante de comentários e piadas racistas, sexistas e homofóbicas de alunas/os,
observando que, na maioria das ocorrências, as/os professoras/es optam por silenciar.
(COSTA NOVO, 2015, p. 71)
É nesse sentido que como proposta de fazer parte do conteúdo específico da disciplina de
Sociologia, as questões de gênero e sexualidade pretendem ter um papel que rompa com a
naturalização das concepções dominantes de pensamento, as quais muitas vezes são embasadas e
reproduzidas por discursos religiosos e que não dão conta da diversidade da qual presenciamos nas
escolas, nas salas de aula e nas sociedades de maneira geral. Nesse sentido, Louro (1997) diz que:
O olhar passa a ser pelo processo, para a construção, e não mais por proposições
essencialistas e fixas. [...] o que importa aqui considerar é que – tanto na dinâmica do
gênero como na dinâmica da sexualidade – as identidades são sempre construídas, elas não
são dadas e acabadas num determinado momento, [...] elas são instáveis e, portanto,
passíveis de transformação. (LOURO, 1997, p. 27).
Pensando nesses contextos, a partir dos conteúdos abordados em sala de aula, nas
experiências trazidas pelas alunas e alunos, para realizar a avaliação da disciplina de Sociologia foi
proposto um trabalho no qual os estudantes pudessem pesquisar e construir propostas que tratassem
da violência de gênero, já que, nas discussões em sala de aula alguns discursos considerados de
ódios foram utilizados para argumentar alguns pontos de vista. Dessa forma a ideia é que os
estudantes pudessem criar campanhas que seriam utilizadas por eles para conscientizar, difundir e
propor um debate com os demais membros da comunidade escolar.
As campanhas publicitárias sobre violência de gênero: percepções de jovens
O trabalho foi proposto como parte da avaliação da disciplina de Sociologia para as alunas e
alunos dos segundos anos do Ensino Médio Integrado. A proposta foi construída coletivamente, em
sala de aula com cada turma. Iniciei a ideia de realizarmos um trabalho que fosse pensado a partir
da criação deles, e com as sugestões realizadas pelos estudantes nas aulas, propus que cada turma,
dividida em grupos de no máximo seis componentes, realizaria uma pesquisa e criaria uma peça
publicitária, uma espécie de campanha que tratasse do tema de violência de gênero. A ideia de
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realizar um trabalho que trouxesse a questão da violência se deu pelas experiências dos estudantes
que vivenciam sua sexualidade, mas também relatam diversas formas de violência, que entende-se,
segundo Sardenberg (2001),
Por “violência de gênero”, refiro-me a toda e qualquer forma de agressão ou
constrangimento físico, moral, psicológico, emocional, institucional, cultural ou
patrimonial, que tenha por base a organização social dos sexos e que seja impetrada contra
determinados indivíduos, explícita ou implicitamente, devido à sua condição de sexo ou
orientação sexual (SARDENBERG, 2011, p. 1).
Além disso, os relatos trazem principalmente violência simbólica (BOURDIEU, 1989), e
também acontece dentro da escola.
De fato, a violência de gênero se expressa com força nas nossas instituições sociais
(falamos então de violência institucional de gênero) e, de maneira mais sutil, embora não
menos constrangedora, na nossa vida cultural, nos atacando (ou mesmo nos bombardeando)
por todos os lados, sem que tenhamos plena consciência disso. (...) Isso tudo se constitui no
que chamamos de violência simbólica de gênero, uma forma de violência que é,
indubitavelmente, uma das violências de gênero mais difíceis de detectarmos, analisarmos
e, por isso mesmo, combatermos (SARDENBERG, 2011, p. 2).
Nesse contexto, as alunas e alunos se organizaram em grupos e criaram as campanhas.Ao
total foram de trinta e dois trabalhos e as imagens que trouxeram a percepção dos estudantes sobre
como a violência de gênero acontece. Das 32 imagens, apenas quatro não trazem diretamente a
violência contra a mulher.
Essa percepção de gênero pode ter a ver com as experiências que os jovens trazem das suas
histórias de vida. Nos debates em sala de aula, as meninas muitas vezes colocavam as violências
cotidianas em pauta, e geralmente eram questionadas tanto pelos colegas meninos, como pelas
outras meninas que tinham o discurso do vitimismo feminino e do “mimimi”. Conforme Sardenberg
(2011),
Diariamente, ouvimos piadinhas, canções, poemas, ou vemo-nos diante de contos, novelas,
comerciais, anúncios, ou mesmo livros didáticos (ditos científicos!), de toda uma produção
cultural que dissemina imagens e representações degradantes, ou que, de uma forma ou de
outra, nos diminuem enquanto mulheres. Essas imagens acabam sendo interiorizadas por
nós (até mesmo as feministas “de carteirinha”), muitas vezes sem que nos demos conta
disso. Elas contribuem sobremaneira na construção de nossas identidades/subjetividades,
diminuindo, inclusive, nossa autoestima.(SARDENBERG, 2011, p. 2).
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Imagem 1: Trabalho A
Os discursos sobre o feminismo acendiam os debates em sala de aula. Conforme Hudson
(apud Máirtín Mac anGhaill, 1994) certa forma,
(...) se a adolescência é caracterizada por constructos masculinos, então, qualquer tentativa
feita pelas garotas de satisfazer as demandas da sociedade ligadas à adolescência implica,
para elas, apresentar não apenas falta de maturidade (já que a adolescência é dicotomizada
com maturidade), mas também falta de feminilidade (Hudson, apud Mac anGhaill, 1994, p.
122).
Percebia-se durante as aulas, que mesmo as meninas que rompiam com os padrões de gênero
socialmente construídos, ainda traziam essas construções muito fortes em seus discursos. Ora, se
nós professores temos dificuldades em romper com muitas das construções sociais que se
constituíram historicamente nos modos dominantes de construção tanto social quando das nossas
próprias identidades, os jovens que participaram dessa atividade, mesmo que aos poucos tentam
romper com essas lógicas instituídas.
Nesse sentido, as alunas e alunos que experimentam a sexualidade a partir das suas
percepções de mundo, trazem suas experiências para os trabalhos.
Imagem 2: Trabalho B
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Pode ser esse o motivo de apenas quatro trabalhos trazerem outros gêneros e não só o
feminino. Nesse sentido, principalmente como mostra a imagem 2, o estudante mostra a violência
que ele sente por se expressar. Na imagem ele utiliza os comentários que as pessoas fazem nas suas
fotos doFacebookdependendo da forma como ele expressa sua sexualidade e gênero.
O que pode-se perceber nos trabalhos de maneira geral, são as representações que os jovens
estudantes tem sobre gênero e sexualidade, as formas como vivenciam, como se percebem e
percebem tais questões no seu cotidiano, podendo assim ser um campo a ser pensado e observado
para que se possa, a partir dai, refletir estas questões na sala de aula e na escola, deixando que as
experiências das juventudes possibilidades de abordagens a respeito de gênero e sexualidade em
que os jovens se sintam potencializados nas suas formas de ser, atentando para as culturas juvenis e
para as construções de si nas relações sociais tanto na escola quanto no mundo.
Cabe ressaltar que apesar do atual cenário político social brasileiro, cada vez mais se
reforçam as necessidades tanto de se (re)pensar o Ensino Médio, quanto a importância da
Sociologia, em como das discussões de gênero e sexualidade trazendo para a escola um mundo
plural, que valorize as diferenças, considerando os diretos humanos e a livre expressão das pessoas.
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Gender violence through advertising campaigns - perceptions of high school youth
Astract: This article is a experience report about a paper by high school students from a Federal
Education Institution of Rio Grande do Sul. The students created an advertising campaign gender
violence for sociology class. Gender and sexuality are part of the sociology grade and is a theme
that still cause weirdness on some students. Was proposal a test that the students could express their
opinions through advertising campaigns about gender violence. For the campaign creation, the
theme was deeply debated in class and the students realize researches about gender and sexuality
issues, being free to manifest themselves through their understanding. The campaigns were created
in groups and through those, we will be able to identify the perception and feelings of gender and
sexuality in their lifes and how this relationships work in school.
Keywords: Youth; Genre; High school.
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