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-vl ovembro acontece cm Belo Horizonte a décima edição do tradicional Festival Lixo e Cidadania. Entre 27 e 29 de outubro, pessoas de di- versos países participam do primeiro En- contro Jovem Internacional Lixo Zero, em Florianópolis (SC). Os dois eventos são motivados pelo debate em tomo de práti- cas adequadas de redução, reutilização e reciclagem de resíduos sólidos. A redução do lixo guarda relação di- reta com a diminuição do consumo. Mas. de acordo com pesquisa da Fundação Ge- túlio Vargas (FGV), divulgada em junho deste ano, do início de 2003 até maio deste UNAS F J/AGO 201

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ovembro acontececm Belo Horizonte a décima edição dojá tradicional Festival Lixo e Cidadania.Entre 27 e 29 de outubro, pessoas de di-versos países participam do primeiro En-contro Jovem Internacional Lixo Zero, emFlorianópolis (SC). Os dois eventos sãomotivados pelo debate em tomo de práti-cas adequadas de redução, reutilização ereciclagem de resíduos sólidos.

A redução do lixo guarda relação di-reta com a diminuição do consumo. Mas.de acordo com pesquisa da Fundação Ge-túlio Vargas (FGV), divulgada em junhodeste ano, do início de 2003 até maio deste

UNAS F J/AGO 201

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-5.5 milhões de brasileiros entrarampara a classe C, um aumento de 46,57%.

fazer para educar esse contingente:jmir menos? "Alguém pode pensar

csim 'Agora que tenho direito ao con-você diz para eu não consumir1.

Defendemos que no primeiro momen-iransição, a ideia é de estabelecer

•entização e não tolher o acesso aoTIO. Mas ensinar como descartaradamente", afirma Carlos Roberto

Vieira da Silva Filho, diretor-executivo daAssociação Brasileira de Empresas de Lím-

Jública e Resíduos Especiais (Abrel-pe), que compietou, em 2011, 35 anos elançou recentemente a revista científicaConexão Academia. Específica para temas

. iduos sólidos, a publicação pretendemostrar ao mercado que há projetos viá-veis na área.

Pesquisas em BH,Viçosa e Juiz deFora mostram comoa Ciência podeajudar com soluçõesinovadoras paraminimizar a geraçãode lixo e a poluiçãoambiental

A Abrelpe faz parte daqueles setoresda sociedade civil organizada que têm sepreocupado com a destinação adequadados resíduos sólidos. Mas se alguém su-gere que uma administração correia dosresíduos pode solucionar problemas so-ciais e até económicos, Carlos Vieira ad-verte: "É preciso um pouco de cautela comessa informação. Histórica e mundialmen-te o resíduo sólido dá certa sustentabilida-de para o negócio. Mas o ciclo necessário- fazer coieta, destinação e transporte doresíduo - é muito mais caro que o valor devenda desse resíduo. Ainda não se conse-guiu dar essa sustentabilidade inteiramen-te". Para o direíor-executivo da Abrelpe, ofoco deve ser o incentivo para implementaração direcionada ao Lixo Zero com vistasa reduzir quantidade de resíduo, portanto,reduzindo o gasto. "O rneio ambiente não éinimigo, é aliado", observa.

O conceito de Lixo Zero (leia maisna página 12) é novo no Brasil. "O pro-cesso de não-geração de lixo se dá com

a mudança de hábitos das pessoas epor isso, respeitando-se a particu-

laridade de cada caso, o sucessodesse programa não depen-

derá tanto dos processos,mas da conscientização

dos atores", avaliaGustavo Sabatini, da

Novociclo Ambiental, umadas organizadoras do evento em

Santa Catarina.Para Sabatini, a consciência de que

você é responsável por suas escolhas,do impacto de sua existência, da respon-sabilidade sobre os resíduos provenientede seu consumo, e a Educação para quevocê possa ter conhecimentos de métodose práticas, permitem que você chegue aolixo zero autonomamente.

Contudo, diminuindo os resíduos e apossibilidade de coteta seleiiva, o trabalhodos catadores talvez perdesse o sentido.Em outras palavras, o Lixo Zero não produ-ziria esse eleito colateral de acabar com otrabalho dos catadores? "No Brasil foi cria-da uma classe que passou a viver dessaação de catar o lixo. Isso tende a ser supe-rado e esse contingente passa a ser incluí-do no processo, passa a ser empreendedor

- não mais a catação, mas a valorização",responde Carlos Vieira, da Abrelpe.

Sabatini concorda: "O sistema quepropomos prevê a erradicação da atividadede catação de rua através da profissiona-lização da classe e da incorporação doscaíadores no sistema Lixo Zero, o qual émuito mais viável economicamente que osistema atual".

A Ciência não ííca de fora quando setrata de soluções inovadoras para minimi-zar a geração de lixo e a poluição ambientalou mesmo de abordagem dos trabalhado-res desse campo. A MINAS FAZ CIÊNCIAacompanhou quatro pesquisas em desen-volvimento ou já concluídas - em BH, Juizde Fora e Viçosa - que tratam, de diferen-tes formas, da questão. Os coordenadoresdesses projetos também opinaram sobre oconceito Lixo Zero.

O professor Cláudio Cançado, umdos pesquisadores consultados, concor-da com o fato de que a possibilidade determos uma sociedade com "lixo zero"existe. Mas, para o pesquisador, ela estálonge de ser viável, ainda. O principal fatorpara que isso demore a ocorrer é a (faltade) educação da população. "Se não mu-darmos a visão consumisía da população ea sua visão do processo de transformaçãode matéria e energia para a concepção dosnossos bens de consumo, de nada adiantaas demais ações de controle e tratamentodos resíduos sólidos urbanos", avalia.

Outro pesquisador, Alisson CarraroBorges, entende que seu projeto pode con-tribuir, a longo prazo, para uma realidadeem que todos os resíduos sejam reusados,reciclados e/ou reduzidos. "Acredito quenossa missão é dar a oportunidade paraque nossos netos vivam em um rnundoigua! ou melhor que o nosso. Uma pes-quisa é apenas uma pequena parte de umtodo, mas é assim que devemos trabalhar,entendendo melhor os fenómenos da na-tureza (com a Ciência) e agindo em escalalocal: aqueíes que trabalharam no projetocertamente selecionam sua 'Forsu' (lixomolhado), pois sabem que a outra partedeve ser reciciada/reaproveitada para nãosaturar o aterro da cidade".

tcompanhe, nas próximas páginas, areportagem completa.

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Os resíduos têm poder (energético)Os resíduos sólidos urbanos podem vir

a ser uma fonte inesgotável de energia, poisestão sendo gerados continuamente. Quantomaior o município e sua população, maiorserá o seu potencial de geração de energiapor meio desses resíduos. A decisão sobreo sistema de disposição final dos resíduosadotado para uma cidade deve ser precedi-da de uma avaliação criteriosa das opçõesdisponíveis. A partir dessas premissas, opesquisador e protessor Cláudio Cangado,da Fundação Centro Tecnológico de MinasGerais (Cetec), propôs a pesquisa "Levanta-mento do potencial energético dos resíduossólidos de Belo Horizonte".

A utilização do potencial energéticodos resíduos sólidos é possível em proces-sos como biogás (gerado em aterros sanitá-rios e composto de 40 a 55% de metano), pi-rólise (sistemas térmicos como os reatores)e arco de plasma (forma especial de materialgasoso que conduz eletricidade).

Esta pesquisa pode contribuir no estu-do de viabilidade técnica e económica, princi-palmente na avaliação do potencial energéticode cada regional e do próprio município deBH, o qual se mostra como base para se es-timar a energia a ser gerada. "É muito impor-tante avaliar se os investimentos nestas tec-nologias podem ser sustentáveis ao longo dotempo, pois requerem grande capital inicial epessoal especializado", observa Cançado. Deacordo com ele, outro ponto importante é aquestão tarifária, a qual envolve o recebimen-to dos resíduos sólidos e a geração de energiaelétrica, e o retorno destes investimentos. "Osistema deve, pelo menos, ser autossusten-tável, e, dentro deste escopo, deve-se ana-lisar também a questão da escala, isto é, aquantidade de resíduos sólidos gerada, poisquanto maior a escala, maior a viabilidade doempreendimento". Em BH são geradas diaria-mente aproximadamente 4.300 toneladas deresíduos sólidos urbanos.

Para levar a cabo o estudo, o pesquisa-dor dividiu o município em nove regionais, apartir de uma estratificação socioeconômicaem cinco classes de renda (A, B, C, D e E).A pesquisa levanta outra questão importante:é viável pensar que o potencial energético deuma região de classe alta pode diferenciar

pouco do de uma de classe C, por exemplo?"A princípio, sim", diz Cançado. De acordocom o pesquisador, o poder aquisitivo da po-pulação intertere diretamente em seu consu-mo e, consequentemente, no seu resíduo só-lido gerado. "Entretanto, observa-se, de urnamaneira geral, no lixo da população o grandedesperdício de alimentos em todas as clas-ses sociais. Para confirmar tal afirmação, doponto de vista estatístico, deve-se fazer umestudo de composição do lixo (estudo gravi-métrico) e avaliar o seu potencial energéticopara verificar se há diferença significativa en-tre eles. O esperado é que o resíduo sólidodas classes mais altas tenha uma diferençasignificativa em relação às classes mais po-bres", afirma.

O trabalho coordenado por Cançadochegou, até o momento, às seguintes con-clusões: a composição dos resíduos estádiretamente relacionada ao seu desenvolvi-mento socioeconômico. Os vaores obtidosde Potencial Calorífico Superior (PCS) de-pendem da composição dos componentespresentes nos resíduos sólidos urbanos. Nocaso de Belo Horizonte, a composição geralmédia dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU),em sua grande maioria, é formada, principal-mente, de matéria orgânica, papel e plástico(aproximadamente 85%). O valor médio doPCS obtido para o município de BH foi de4.900 kcal/kg, para uma umidade de aproxi-

madamente 7%. Como esses materiais sãoformados basicamente de carbono e hidrogé-nio, esses dois elementos é que mais contri-buem para a elevação do valor de PCS obtidopara os RSUs da capital mineira.

Q valor de PCS obtido indica que oaproveitamento energético do RSU de BHpode ser viável do ponto de vista económi-co, recomendando-se estudos técnicos eeconómicos mais aprofundados para com-provar tal viabilidade. Quanto a esse ponto,Cançado levanta outra questão: "A avaliaçãoda viabilidade deve levar em conta a cadeiada reciclagem. Algumas perguntas devemser feitas quando da opção por geração deenergia elétrica através dos RSUs: Comofica a cadeia da reciclagem? Deve-se retiraro resíduo potencialmente reciclável, o qual,geralmente, possui um PCS mais elevado?Como fica a questão do catador? Como aliara questão social, ambiental e económica?".

O poder calorífico indica a capacidadepotencial de um material desprender determi-nada quantidade de calor quando submetidoà queima completa. É dividido em Poder Ca-lorífico Superior (PCS) e Inferior (PCI).

O PCS é aquele em que a quantidadede calor é medida com a água gerada naqueima na fase gasosa. O PCI é a energia efe-tivamente disponível por unidade de massade combustível após deduzir as perdas com aevaporação de água.

FoB Fatráo Marques

Cláudio Cangado: "pergunte-se qual a última vez que você comprou alguma coisa realmente necessária"

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energia que "limpa" o lixo

É possível desenvolver um modelo detratamento de resíduos orgânicos com viabi-lidade técnica e económica de disseminaçãono Brasil, dando urn destino correto à maiorfração presente nos resíduos urbanos? LuisFelipe Cotturato, diretor executivo/CEO daMethanum Resíduo e Energia, empresa deEngenharia focada na recuperação energéti-ca de resíduos e efluentes, acredita que sim."Além disto, ao tratarmos os resíduos orgâ-nicos, estaremos favorecendo a ampliaçãoda reciclagem dos outros materiais presen-tes nos resíduos, uma vez estes não estarãocontaminados com a matéria orgânica. OBrasil está em uma posição privilegiada nabusca por uma sociedade mais sustentável, equeremos ajudá-lo a mostrar que desenvol-vemos tecnologias de grande apelo social,ambiental e económico", afirma.

O objetivo principal do projeto "Desen-volvimento e Construção de Unidade Pilotode Tecnologia Nacional de Metanização deResíduos Sólidos Urbanos Aplicável a Pe-quenos e Médios Municípios" é o desen-volvimento de uma tecnologia nacional demetanização aplicável às cidades de médioe pequeno porte - o que representa cerca de90% dos municípios de Minas Gerais, commenos de 50.000 habitantes.

Essa nova tecnologia busca reduzir osproblemas ambientais e de saúde pública,ao mesmo tempo que possibilita a geraçãode energia renovável - o biogás, considera-do o biocombustível mais limpo atualmen-te, e que pode ser aproveitado de distintasmaneiras (energia elétrica, térmica etc). Ametanização também é denominada de di-gestão anaeróbia ou biodigestão.

O propósito de Colturato e sua equi-pe é construir, operar e monitorar um di-gestor em escala piloto, com capacidadede tratamento de uma tonelada por dia,que será instalado no Campus Pampulhada Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG) para tratar os resíduos orgânicosgerados nas cantinas e nos restaurantes doCampus. O biogás gerado será convertidoem energia elétrica para iluminação da área."Temos grande expectativa neste projeto,que é resultado de uma ampla investigaçãotécnica e científica no tema", observa Coltu-

Foio Mstharxm ResiOio e Braga / Divagação

•'Oto (recipientes de 200 litros), gasómetros para medição v.(confeccionados com tubos de PVC brancos) e sistema para coleta de percolado (galões de 20 litros).

rato. A previsão é que já no primeiro semes-tre do 2012 o digestor esteja em operação.

O pesquisador diz acreditar no con-ceito de Lixo Zero. "Claro que muita coisadeve ser feita, principalmente, em nívelindustrial. A principal questão do lixo é:não gerar; e se gerar, gerar algo que sejapassível de reaproveitamento, reciclagemou tratamento", ressalta. Colturato comen-ta que o foco principal de sua pesquisa éa matéria orgânica, que representa mais de50% em peso do lixo gerado no Brasil. "Écurioso, pois vemos vários programas dereciclagem que simplesmente esquecemdesta fração e priorizam o lixo inorgânico.Vale lembrar que é a fração orgânica quegera maus odores, produz gases do efeitoestufa, gera o chorume (líquido decorrenteda decomposição da matéria orgânica) quecontamina solos e corpos hídricos, atraemmacro e microvetores e causam doenças".

Além disto, os orgânicos represen-tam mais da metade do lixo produzido e,em contato com outros materiais, comoplásticos e papéis, inviabiliza a recicla-gem deles. "O que estamos fazendo é tra-

balhar com o conceito Waste to Energy."Podemos gerar energia limpa (biogás),composto orgânico, créditos de carbono,emprego e renda para a comunidade localse direcionarmos esta matéria orgânica asistemas de tratamento via metanização. Eé este nosso principal objetivo".

Na visão de Colturato, o que era pro-blema pode virar solução: lixo vira subprodu-to de valor agregado. Vale ressaltar que con-seguindo dar um destino adequado à fraçãoorgânica, a reciclagem dos outros materiais(plásticos, papéis, vidros, metais, etc), comodito antes, é facilitada, pois o lixo estará mui-to mais "limpo", passível de reciclagem.

"É importante lembrarmos que o que élixo hoje foi um produto anteriormente. Masainda mais importante é lembrarmos queeste lixo poderá se constituir em produtonovamente. A garrafa de água que bebemosem um minuto, de repente, vira lixo. E a par-tir daí passa a ser mal vista. Isto está errado,e é neste conceito que estamos trabalhando,o lixo é matéria-prima que deve ser aprovei-tada", avalia.

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Sementes que acelerama fermentação dos resíduos

Com o esgotamento de seu aterro sa-nitário, Belo Horizonte passou a fazer uso doaterro de Sabará. Em Viçosa, há o aterro deSiriquite, mas a área disponível está se es-gotando. Os aterros, contudo, são exceção.Infelizmente, em várias cidades do Estado, os

Resíduos coleiados de restaurante universitário,sacolão e feira popular, em Viçosa

resíduos ainda são dispostos em locais ina-propriados Em Minas Gerais, a Fundação Es-tadual do Meio Ambiente (Feam) está à frentedo projeto "Minas sem lixões", que visa er-radicar a disposição de resíduos em iixões.Segundo a Feam (dados de 2010), 36,58%dos 853 municípios mineiros se utilizam deíixões, e apenas 7% fazem uso de aterro sa-nitário regularizado.

Atualmente, em vários países tem sidoobservada a tendência de imposição de re-duções nas quantidades da tração orgânicanos resíduos sólidos urbanos (Forsu) a se-rem depositados em aterro sanitário. "Issosignifica que a técnica de aterramento temum limitante que é a área. Em vários paísese cidades que não dispõem de área sufi-ciente, os órgãos ambientais tem sugeridoo tratamento e disposição da Forsu em di-gestores anaeróbios", afirma o pesquisadorAlisson Carraro Borges, do Departamentode Engenharia Agrícola da Universidade Fe-deral de Viçosa (DEA/UFV).

Borges coordenou, de 2008 a 2009, oprojeto "Recuperação energética da fraçãoorgânica de resíduos sólidos urbanos viasistemas em batelada: influência do uso dediferentes inóculos". O projeto abordou otema "co-digestão", que seria o uso de inó-culos (algo como uma semente, um cataii-zador) para tornar mais rápida a fermentaçãodos resíduos sólidos urbanos (o nosso "lixo"orgânico doméstico). Um sub-produto inte-ressante deste processo é o metano (CH4),que é combustível.

O pesquisador explica que diges-íores anaeróbios são reatores projetadospara o tratamento dos resíduos sólidos nosquais a operação se dá na ausência de oxi-génio: "Devido ao fato de não haver gastoscom a aeração e por conta da possibilidadede reaproveitamento do biogás gerado noprocesso, eles podem ser consideradoscomo plenamente viáveis economicamen-te". E completa: "a expressão 'em batela-da' significa dizer que são tratadas certasquantidades em um intervalo de tempo.sem entrada e saídas contínuas, ou seja. otratamento é feito em 'ádos"-

Segundo Borges, nos aterros sanitá-rios também ocorre a digestão anaeróbia.

.A diferença é que nos digestores se podemimplantar taxas mais elevadas, ou seja, oprocesso de tratamento pode ser mais rápi-do, e como consequência, pode ser feito commenor demanda de área física.

Existe urna relação direta entre os di-gestores e o biogás, que é um dos subpro-dutos da digestão anaeróbia e é formadopor metano, gás carbónico e outros gases."Como vantagem, você tem a possibilidadede uso energético do metano e de obtençãode créditos de carbono. Como desvantagem,dependendo da composição dos resíduos,você pode observar na composição do bio-gás, uma pequena, mas corrosiva e fétida,quantidade de gás sulfídrico", observa.

Em sua pesquisa, Borges comprovouque o uso de inócuios pode tornar maisrápida a fermentação dos resíduos sólidosurbanos. "Em nosso projeto, nós estuda-mos a co-digestão de resíduos da pecuária(estrume) junto com resíduos sólidos ur-banos. Esse material em co-digestão (ino-culo) ajudou no processo, pois forneceuumidade, tamponamenío e maior atividadebiológica nos reatores".

Para que essa estratégia se efetivasse,foram adicionadas quantidades semelhantesde inóculos em quatro digestores anaeróbiosoperados em escala piloto. Ao final do expe-rimento, foram feitas avaliações sobre o de-sempenho e estabilidade de cada um deles.

Os resíduos foram coletados de umrestaurante universitário, um mercado tiposacolão e em uma feira popular de Viçosa.Depois do processo de pesquisa relacionadocom os resíduos de cada um desses locais,quais as principais conclusões a que se che-gou? É Borges quem responde: "Na verdade,foi feita uma mistura desses resíduos, queseguiu uma 'receita' internacional. Isso foichamado então de 'Forsu simulada'. Pareceestranho você comprar resíduos e misturar

• rãs as comparações corr CL-tras pesquisas são mais precisas quando

r na'receita'"

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homem, analfabeto, mais de 40 a

"O modo de cuidar da saúde do ca-tador deve ser com a mesma atenção queé prevista na Constituição Brasileira (saúdecomo direito de todo cidadão - conceitoampliado de saúde-doença). Assim, deveriaser realizado com igualdade a todo e qual-quer cidadão brasileiro. A sua pergunta jádemonstra o quanto este trabalhador é dis-criminado e excluído da sociedade".

A fala é da professora da Faculdade deEnfermagem da Universidade Federal de Juizde Fora, Maria Cristina Pinto de Jesus. Elareagia à pergunta do repórter: "De que modocuidar da saúde do catador pode contribuirpara uma sociedade com 'Lixo Zero' (ou seja,ern que todos os resíduos sejam reusados,reciclados e ou reduzidos)?" Ao lado de maisdois professores da UFJF, Sueli Maria dosReis Santos (Enfermagem) e José GustavoFrancis Abdala (Engenharia), Maria Cristinadesenvolve atualmente a pesquisa "Qualida-de de Vida de Catadores de Materiais Reci-cláveis em Juiz de Fora, Minas Gerais".

A primeira fase do projeto já está con-cluída. Nela, foi avaliada a qualidade de vidado grupo de catadores de material reciclávelda cidade. Entre as principais doenças e sin-tomas identificados nos catadores destacam--se hipertensão, diabetes, alcoolismo, taba-gismo, dores articulares e dor de dente.

Dos 96 catadores entrevistados,71,9%, são do sexo masculino; 66,7% têm

acima de 40 anos de idade; 79,2% moramsozinhos ou com a família, isto é, não sãomoradores de rua; 58,3% dos catadoresvivem sem companheiro(a); 75% são anal-fabetos ou possuem o ensino fundamentalincompleto; 57,3% trabalham somente coma catação de materiais recicláveis e 49%possuem até três filhos.

De acordo com a pesquisa, entre osfatores que influenciaram a autopercepçãonegativa de qualidade de vida de catadoresde materiais recicláveis, alguns se destacamno elenco das variáveis sociodemográficas: aidade, a escolaridade e a situação de moradia.

"O jovem catador avaliou mal sua qua-lidade de vida e isto nos remete a pensar que,por ser jovem, pode ter a perspectiva de me-lhoria nas condições de vida. Estes se envol-vem com esta atividade laborai, contudo nãodemonstram satisfação e conformismo comas atividades de catação, até mesmo porquenão são valorizados como trabalhadores",aval ia Maria Cristina.

De acordo com a pesquisadora, omaior grau de escolaridade de alguns ca-tadores propiciou uma pior percepção daqualidade de vida, o que não aconteceu comaqueles que apresentavam menor grau deformação escolar ou analfabetismo. "Pode--se inferir que o nível de escolaridade in-fluencia o indivíduo a avaliar para melhorou pior sua condição de vida, considerando

contexto social e o enfrentamento das difi-culdades de sobrevivência", afirma.

"Apesar de estarem limitados a ummunicípio de Minas, os resultados da pes-quisa se constituem em subsídios para a re-visão e o fortalecimento de políticas públi-cas destinadas aos catadores de materiaisrecicláveis, na medida em que contribuempara reflexões acerca da necessidade degarantir seus direitos de trabalhadores e decidadania", observa.

Na segunda fase do projeto, ainda emandamento, foram realizadas dez oficinascom os catadores, de março a agosto desteano. Alguns temas discutidos nas oficinasforam "Hábitos de saúde", "Catador comoagente de saúde" e "Ergonomia e Trabalho".

Um dos objetivos do projeto é pro-mover alterações na situação de vida daclasse, a partir de uma intervenção educati-va. Dessa forma, o estudo se preocupa emconscientizar o catador sobre sua realidadee trazer soluções para melhores condiçõesde trabalho. Como isso é feito? "A questãode viabilizar mudanças de comportamento,neste caso, nos parece um projeto a longoprazo; estamos fornecendo equipamentosde proteção individual e materiais para oscatadores, porém, o contexto de vida delesnão facilita a aquisição e consolidação denovos comportamentos favoráveis a umamelhor qualidade de vida", ressalta.

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Rumo a uma cidade Lixo ZeroLixo Zero. Juntas, as duas palavras

podem soar como utopia. Mas não para Ro-drigo Sabatiní, presidente da Novociclo Am-biental, de Florianópolis. "Lixo Zero significaprojetar e gerenciar produtos e processospara evitar e eliminar sistematicamente o vo-lume e toxicidade dos resíduos e materiais,conservar e recuperar todos os recursos, enão queimá-los ou enterrá-los", explica oempresário, que, junto com o Instituto LixoZero Brasil flLZB), da mesma cidade, orga-niza o Encontra Jovem Internacional JovemLixo Zero, que ocorrerá em outubro desteano, na capital de Santa Catarina.

Na avaliação de Sabatini, Lixo Zero éuma meta que, de forma ética, económi-ca, eficiente e visionária, orienta as pes-soas a mudarem seus estilos de vida epráticas sustentáveis para emular os ciclosnaturais, em que todos os materiais descar-tados são projetados para se tornar recur-sos a fim de que outras pessoas os usem.Na definição da Aliança Internacional pelo LixoZero (Zero Waste International Aliiance), o ob-jetivo é estabelecer uma meta para o desviototal de material para aterros ou incinerado-rés. "No Brasil, o conceito básico propagadopor mim e pelo Instituto Lixo Zero é 'parar dedescartar, e passar a encaminhar' os resíduosoriundos do seu consumo", afirma Sabatini,

O presidente da Novociclo explica que oconceito Lixo Zero foi publicado pela primeiravez em nome de uma empresa, Zero WasteSystems Inc. (ZWS), fundada pelo engenheiroquímico Paul Palmer na década de 1970 emOakland, Califórnia. Naquele tempo, a ZWS

Um novo ciclo de acões

tinha como objetivo encontrar novos destinospara grande parte das substâncias químicasexcedentes da indústria eletrônica emergente.Mais tarde, com base nos ensinamentos doZWS, Paul Palmer fundou o Instituto Lixo Zero(ZWI). De acordo corn Sabatini, Paul Paimerdefende que a reciclagem é como um apêndicepara a criação de lixo e da indústria do lixo, etambém rejeita todas as tentativas de reutiliza-ção de lixo ou qualquer tipo de resíduo. Em vezdisso, ele chama a atenção para o re-desenho(do inglês, redesign, ou ecodesign) no qualtodos os produtos e processos da indústria ecomércio, sejam repensados para aumentar ociclo de vida dos produtos e minimizar o des-perdício, até que a reutilização ou reciclagemsejam desnecessárias.

Além de incentivar a economia do não--lixo, que promove o desenvolvimento de no-vos mercados e tecnologias industriais para oprocessamento de materiais, o Lixo Zero atuano início da cadeia de resíduos, preferencial-mente com a não-geração deles. "Esta açãotem consequências diretas no prolongamentoda vida útil dos aterros, que é um dos prin-cipais problemas das cidades hoje, e na ex-tinção dos impactos resultantes da disposiçãoinadequada de resíduos", observa Sabatini.

Das 67 milhões de toneladas de lixoque são geradas anualmente no Brasil, es-tima-se que somente 5% não poderiam serreaproveitados, reutilizados ou recicladosantes de serem depositados em lixões ouaterros sanitários e, portanto, os resíduosproduzidos diariamente nos municípios po-dem ser encaminhados corretamente para

Fonte: Novociclo

a reutilização ou reciclagem, aumentando ociclo de vida dos materiais e garantindo asustentabilidade dessa cadeia.

Em todo o mundo já há diversas cida-des que adotam o lixo Zero" como meta. Deacordo com a Zero Waste International AHian-cê, são municípios de países como os EstadosUnidos (especialmente a Califórnia). Canadá,Nova Zelândia, Itália, Inglaterra, África do Sul,Filipinas, índia e Japão, Na América do Sul,apenas Buenos Aires, na Argentina.

"É importante lembrar que "Lixo Zero"é uma meta e faz parte de um processo. Nin-guém vira "Lixo Zero" do dia para a noite, épreciso uma reeducação que envolva a mu-dança de hábitos da população, juntamentecom a disponibilização de infraestrutura eserviços adequados para cada um exercersua cidadania", ressalta Sabatini.

Ainda não há nenhuma cidade que te-nha adotado o "Lixo Zero" no Brasil. ExcetoFlorianópolis - por meio da ONG Floripa-manha e do Instituto Lixo Zero Brasil -, queencampou a bandeira "Rumo ao Lixo Zero".O projeto prevê a readequação dos serviçosde limpeza pública, voltada à promoção dareciclagem e da reutilização de materiais, mi-nimizando o envio de lixo ao aterro sanitárioda cidade em 30% até 2020.

"Para que se dê um destino correio aqualquer resíduo, é importante lembrar queele deve ser ou reciclável, ou reutilizável",observa o diretor executivo do ILZB, Gusta-vo Abdalía. Em sua opinião, quando falamosem reutilizável, não podemos contar com quehaja um artesão local para dar vida a um novoproduto, seja em forma de arte ou de utilida-de. Neste caso, falamos em embalagens re-tornáveis ou aquelas que podem ser reabas-tecidas com um refil, desde que a embalagemdo mesmo também seja reciclável.

"Tudo isso parte da consciência daspessoas no momento da compra. Quemcompra é que deve ter a consciência de pen-sar no encaminhamento daquela embalagemque um dia ficará vazia. Portanto, antes daCiência, precisamos trabalhar com a cons-ciência das pessoas e, aí sim, consequente-mente, a indústria e a Ciência terão que seadaptar ao meio para não perder mercado",comenta Abdalía.

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Portas abertas para o futuroÉ uma manhã de quinta-feira de mea-

dos de setembro deste ano. Dois monitoresdo programa Portas Abertas, André Rodri-gues Caldeira, 20 anos, e Davi LeonardoReis da Silva, 19 anos, orientam alguns par-ticipantes da iniciativa do Centro Mineiro deReferência em Resíduos (CMRR}, no bairroEsplanada, região Oeste de Belo Horizonte,

Nesse mês, as oficinas oferecidas eramas seguintes: Vaso Tetra Pak, Caixa de Pre-sente, Puff de garrafa PET, Papel Artesanal. Opúblico, guiado por André e Davi e formadopor jovens e alguns adultos, recebia orienta-ções sobre consumo consciente por meio deatividades práticas de educação ambiental.

Outras finalidades do Portas Abertassão, entre outras, buscar possibilidadesde não-geração, reutilização e reciclagemde resíduos; identificar as alternativastecnológicas de tratamentos e disposiçãoadequados; e conhecer as regulamenta-ções mais atuais que indicam os caminhosbásicos para a correta disposição final dosresíduos domésticos.

Recondicionamento eManutenção de Computadores

Para o curso de Recondicionamentoe Manutenção de Computadores é feitoum processo seletivo com teste de Ma-temática, Português e Noções Básicas deInformática.

Para os demais cursos, o público-alvosão profissionais das áreas de atividadesafins, estudantes de cursos técnicos e su-periores, universo académico, instituiçõespúblicas, empresariais e da comunidade.

André e Davi estão no CMRR desdeabril de 2010, e, além de atuar na monitoria,são oficineiros do CMRR, trabalhando commateriais recicláveis.

Um pouco mais à frente, o professorFernando Souza orienta alunos de 16 a 29anos, no curso "3 Rs PCs" (voltado para a reu-tilização de eletroeletrônicos, e que depois sãodestinados a escolas e entidades), um dos quesão oferecidos atualmente pelo CMRR e que jácapacitou, até julho de 2011,252 jovens.

Atualmente são oferecidos cursosrelacionados a resíduos orgânicos e dire-cionados a Associações e Cooperativas deCatadores de Materiais. Há também três cur-sos de qualificação em Gestão de ResíduosRecicláveis: Gerenciamento de Resíduos deConstrução e Demolição, Gerenciamento deResíduos de Serviços de Saúde e Curso so-bre a Política Nacional e Estadual de Geren-ciamento de Resíduos Sólidos.

De acordo com o coordenador de ca-pacitação, Daniel Lima Dias, de 2007 a 2009o CMRR ofereceu o Curso de Gestão e Ne-gócios de Resíduos, capacitando 339 alunos.Depois, este curso foi transformado em Cur-so Técnico em Meio Ambiente, realizado desetembro de 2009 a agosto de 2010, com 54participantes formados.

O Centro Mineiro de Referência em Re-síduos fCMRR) é um programa do Governo doEstado de Minas Gerais, e se apresenta oficial-mente como "núcleo irradiador de informações,projetos e parcerias com afinalidade de estimu-lar a reflexão, a ação da cidadania para os desa-fios da gestão integrada de resíduos e a articula-ção entre os setores público, privado e terceiro

setor na promoção do consumo consciente, nareutilização e na reciclagem de resíduos".

Daniel Dias. ao lado de obrareciclável, no CMRR

TIPOS DE LIXO RESPONSÁVEL

DomiciliarComercial

PúblicoServiços de saúde

IndustrialPortos, aeroportos e terminais

ferroviários e rodoviáriosAgrícola

Entulho

PrefeituraPrefeitura

PrefeituraGerador (hospitais etc.)

Gerador (indústrias)

Gerador (portos etc.)

Gerador (agricultor)Gerador

PROJETO: "Recuperação energéticada Iração orgânica de resíduos sólidosurbanos via sistemas em batelada:influência do uso de diferentes inóculos"COORDENADOR: Alisson Carraro BorgesMODALIDADE: Programa PesquisadorMineiroVALOR: R$31.080

PROJETO: "Desenvolvimento eConstrução de Unidade Piloto deTecnologia Nacional de Metanização deResíduos Sólidos Urbanos Aplicável aPequenos e Médios Municípios"COORDENADOR: Carlos Augusto deLemos ChernicharoMODALIDADE: Pesquisas sobre MudançasClimáticas no Estado de Minas GeraisVALOR: R$ 227.430

PROJETO: "Levantamento do potencialenergético dos resíduos domiciliares ecomerciais urbanos do município de BeloHorizonte"COORDENADOR: Cláudio Jorge CançadoMODALIDADE: Edital de Resíduos SólidosVALOR: R$119.402

Fonte Prefeitura de São Paulo

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2011 13