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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA Janaína Condessa A MOTIVAÇÃO DOS ALUNOS PARA CONTINUAR SEUS ESTUDOS EM MÚSICA Porto Alegre 2011

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA

    Janana Condessa

    A MOTIVAO DOS ALUNOS PARA CONTINUAR SEUS ESTUDOS EM MSICA

    Porto Alegre 2011

  • JANANA CONDESSA

    A MOTIVAO DOS ALUNOS PARA CONTINUAR SEUS ESTUDOS EM MSICA

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Msica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Msica, rea de concentrao: Educao Musical.

    Orientadora: Profa. Dra. Liane Hentschke.

    Porto Alegre 2011

  • Dedico este trabalho aos professores que no querem apenas somar na vida dos alunos, mas que pretendem fazer a diferena.

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, Rosa e Srgio, por me oferecerem a vida e as capacidades de progredir nela. Com muito amor, agradeo a voc, me, pelos momentos de acolhida e apoio, e a voc, pai, por sempre estar disponvel e aberto para conversar.

    Ao meu amor, Caco, pelo companheirismo, tolerncia e carinho.

    Profa. Liane, pelos ricos ensinamentos, pela autonomia e respeito ao meu trabalho, obrigada por compreender as minhas escolhas e estar ao meu lado, sempre.

    Profa. Jusamara, por abrir um mundo novo e desconhecido para mim, obrigada pelo carinho e pelas oportunidades de aprender a ensinar.

    Profa. Luciana, pelas lies e provaes, que s me fizeram crescer.

    Ao Prof. Celso, por acreditar nas minhas capacidades profissionais e me encorajar para as mudanas.

    querida Regina, pela amizade e fora.

    querida Miriam, pelos conselhos e ensinamentos.

    Aos meus colegas do grupo FAPROM, pelas oportunidades de crescimento.

    A todos os colegas e funcionrios deste Ps-Graduao, que participaram dessa caminhada.

    Capes, pela bolsa concedida.

    Aos professores que colaboraram na seleo dos alunos para esta pesquisa.

    Aos alunos que participaram desta pesquisa.

    minha grande amiga Carol, por acompanhar passo a passo o meu processo.

    A todos os membros da famlia Avellar, por me acolher, me escutar, me entender e por me aceitar como integrante da famlia.

    Aos amigos cariocas Carla e Lus, Michele e Lo, por participarem no to distncia do meu processo e apoiarem as minhas decises.

    querida J, pelo carinho e pelas palavras: tempo, tempo, tempo....

    minha tia Naninha, pelo orgulho e incentivo.

  • minha av, Jandira, que esteve comigo durante esta caminhada, enviando de sua nova morada foras ao meu esprito.

    A todos os amigos e colegas que realmente se sentem parte desse trabalho.

    Aos meus queridos alunos, pois para eles e por eles que junto foras para me tornar um ser humano cada vez melhor.

    A Deus, por me oferecer, a cada dia, foras e sade para enfrentar as dificuldades; por me ofertar bons frutos colhidos desta etapa; e por me oportunizar este divisor de guas na minha vida pessoal e profissional.

  • RESUMO

    Esta pesquisa foi desenvolvida dentro da temtica sobre motivao para aprender msica e teve como objetivo geral investigar a interao entre os fatores individuais e ambientais que motivam os alunos para continuar seus estudos em msica fora da escola. Segundo a literatura, os fatores individuais referem-se s crenas, s percepes e s caractersticas pessoais dos alunos, enquanto os fatores ambientais relacionam-se s experincias em determinado local e momento de vida, bem como com as interaes estabelecidas com as pessoas desse ambiente. Como objetivos especficos, esta pesquisa verificou o papel do ambiente (pais, famlia, professores, pares e contexto escolar) e investigou os fatores individuais (metas e autoconceito) que possuem relao com a motivao para continuar os estudos em msica fora da escola. O referencial terico adotado foi o modelo de motivao em msica (HALLAM, 2002, 2005, 2006), pois contempla a interao entre os dois tipos de fatores: individuais e ambientais. O mtodo utilizado foi o estudo de entrevistas, com alunos das sries finais do ensino fundamental que possuam aula de msica na escola desde as sries iniciais e que optaram por estudar msica fora da escola aps a quinta srie. Apoiada na literatura da educao e da educao musical, esta pesquisa justifica-se pela possibilidade de compreender tanto os diferentes fatores envolvidos na interao entre o indivduo e o ambiente durante a aprendizagem musical quanto a maneira pela qual esses fatores incentivam o aluno a continuar os estudos em msica. Os resultados apontaram para uma forte relao entre os fatores individuais e ambientais e para a correspondncia entre a motivao para aprender msica dentro da escola e a motivao para continuar os estudos em msica fora da escola. Esses resultados podero colaborar para o aprimoramento pedaggico dos professores de msica, alm de permitir reflexes e oferecer subsdios que possam melhorar a motivao dos alunos para aprender msica, dentro e fora da escola.

    Palavras-chave: Motivao para aprender msica. Motivao para continuar os estudos em msica. Modelo de motivao em msica. Fatores individuais e ambientais.

  • ABSTRACT

    This research is about motivation to learn music. Its general aim was to investigate the interaction between individual and environmental factors which motivate students to continue their studies in music outside school. According to literature, individual factors refer to students beliefs, perceptions and personal characteristics, whilst environmental factors are related to life experiences in some places and at some times, as well as the interaction with others. The specific aims to this research was to verify the role of environment (parents, family, teachers, peers and school context), as well as investigate individual factors (goals and self-concept about abilities) in students choice in continuing to learn music outside school. The theoretical framework adopted was the model of motivation in music (Hallam, 2002, 2005, 2006), because it considers the interactions between individual and environmental factors. The method chosen was the interview study, with middle school students who attended music classes at school since first cycle of fundamental education, and opted to study music outside school after the fifth grade. Based both on the education and the music education literature, the reason of this research is the possibility of understanding not only the different factors involved in the interaction between the individual and the environment during the musical learning, but also the way these factors motivate the student to continue studying music. The results of this research revealed a close link between individual and environmental factors. Moreover, data showed the relation between motivation to learn music inside school and motivation to continue music outside school. These results can both collaborate to improve the pedagogy of music teachers and provide reflections and tools for enhancing the students motivation to learn music, inside and outside school.

    Keywords: Motivation to learn music. Motivation to continue music studies. Model of Motivation in Music. Individual and environmental factors.

  • ndice de Figuras e Tabelas

    Figura 1. Processo motivacional do aluno............................................................... 15

    Figura 2. Modelo de motivao em msica............................................................. 35

    Figura 3. Modelo de prtica musical........................................................................ 44

    Figura 4. Modelo de processo motivacional............................................................ 45

    Figura 5. Modelo sobre a ansiedade na performance musical................................ 47

    Figura 6. Processo motivacional do aluno: interao entre os fatores individuais e ambientais................................................................................................................. 85

    Tabela 1. Anlise das teorias da motivao............................................................ 21

    Tabela 2. Caractersticas dos adolescentes entrevistados...................................... 56

  • SUMRIO

    INTRODUO.......................................................................................................... 12

    1 A MOTIVAO PARA APRENDER..................................................................... 19 1.1 A MOTIVAO PARA APRENDER MSICA.................................................... 23 1.1.1 Fatores Individuais................................................................................. 26 1.1.2 Fatores Ambientais................................................................................. 28 1.1.3 Fatores Individuais e Ambientais: Interao........................................ 30 1.2 A MOTIVAO PARA CONTINUAR OS ESTUDOS EM MSICA................... 32

    2 O MODELO DE MOTIVAO EM MSICA......................................................... 34 2.1 CONSTRUO DO MODELO DE MOTIVAO EM MSICA......................... 34 2.2 ESTUDOS RELACIONADOS AO MODELO DE MOTIVAO EM MSICA.... 43 2.3 AS PESQUISAS E O MODELO DE MOTIVAO EM MSICA....................... 48

    3 METODOLOGIA.................................................................................................... 51 3.1 MTODO E TCNICA DE PESQUISA............................................................... 51 3.2 SELEO DOS PARTICIPANTES..................................................................... 53 3.3 PROCEDIMENTOS DE ANLISE DE DADOS................................................... 56

    4 ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS............................................................... 59 4.1 OS MOTIVOS DOS ALUNOS PARA CONTINUAR SEUS ESTUDOS EM MSICA FORA DA ESCOLA.................................................................................... 62 4.2 O INCENTIVO DAS PESSOAS........................................................................... 64 4.2.1 O papel dos pais e da famlia................................................................. 64 4.2.2 O auxlio do professor de msica.......................................................... 66 4.2.3 A troca com os pares.............................................................................. 70 4.3 AS OPORTUNIDADES NA ESCOLA.................................................................. 73 4.4 A INTERAO ENTRE OS FATORES INDIVIDUAIS E AMBIENTAIS.............. 77 4.4.1 O autoconceito e as pessoas................................................................. 78 4.4.2 As metas e o ambiente............................................................................ 81

  • 4.4.3 Processo motivacional do aluno: interao entre os fatores individuais e ambientais......................................................................................... 84

    CONSIDERAES FINAIS...................................................................................... 89

    REFERNCIAS......................................................................................................... 94

    APNDICE A Roteiro de entrevista semi-estruturada.....................................108

  • [...] no havendo outro remdio seno navegar nas encrespadas guas globais, indispensvel contar com uma bssola e uma ncora. A bssola: a informao, o

    conhecimento tanto a nvel individual, como coletivo, a educao. A ncora saber quem somos para no nos perdemos (PEIXOTO, 2001, p. 200-201).

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    INTRODUO

    Tenho que admitir que, quando iniciei a flauta na quinta srie, eu a escolhi porque era leve para carregar. Mas, ao sentir que eu progredia no grupo de flautas, nas aulas de flauta, em geral, e, enfim, no campo musical, eu percebi que tinha tomado uma boa deciso. Neste momento, eu ocupo a quarta cadeira na banda sinfnica do ensino mdio e sou uma clarinetista promissora no conjunto de sopros (madeiras). Mas eu no iniciei dessa forma. Quando eu estava no ensino fundamental eu era inferior. Ento, eu simplesmente continuei. [...] (THOMAS, 1992, p. 425, traduo minha).

    O relato descrito por Thomas (1992) demonstra a trajetria de uma aluna na aprendizagem de um instrumento e sua motivao para continuar seus estudos em msica. Sua fala revela que, mesmo com as dificuldades, expressas na sua percepo de sentir-se inferior, ela no desistiu. Na medida em que acreditou e observou seu progresso, a estudante deu continuidade sua aprendizagem e a seus estudos no instrumento, tornando-se, assim, uma prspera musicista. Segundo a perspectiva do campo da motivao para aprender, possvel que essa aluna chegue a altos nveis de aprendizagem, pois ela demonstra que est motivada com seus estudos (AUSTIN; RENWICK; McPHERSON, 2006, BZUNECK, 2001, MAEHR; PINTRICH; LINNEBRINK, 2002, RENWICK; McPHERSON, 2002). As impresses positivas de seu desempenho musical e suas conquistas obtidas dentro do espao escolar contribuem para que ela se interesse e goste cada vez mais de aprender msica e, consequentemente, valorize esse tipo de ensino (VILELA, 2009).

    No entanto, esse testemunho provm de uma estudante de ensino mdio de uma escola americana, que se posicionava contra a proposta do conselho escolar da sua cidade, o qual visava a eliminar o ensino do instrumento musical a partir da quinta srie (THOMAS, 1992). Como essa a uma realidade bem distante da educao musical brasileira, o estudo da motivao em msica tambm deve considerar as particularidades do contexto nacional, pois as formas de reflexes e as necessidades de pesquisa so distintas, conforme explicitarei a seguir.

    Atualmente, o pas tambm vive um quadro educacional bastante complexo e longe de ser satisfatrio, principalmente em relao rede pblica de ensino. Como

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    reflexo dessa situao educacional, temas como violncia, evaso, repetncia, vulnerabilidade, desinteresse e baixo desempenho esto entre os mais discutidos entre os estudiosos da educao. Uma vez que a motivao um assunto ligado ao desempenho na aprendizagem (ALMEIDA; GUISANDE, 2010), ao prazer em aprender (CSIKSZENTMIHALYI, 1997) e formao da confiana em si mesmo (ECCLES, 1982), possvel que a presena de muitos alunos desmotivados nas escolas brasileiras esteja agravando a problemtica situao atual.

    A melhoria do ensino uma questo complexa, que exige mltiplas solues e ultrapassa o mbito de ao da escola (SOARES, 2007). tambm dever do Estado e da famlia o estabelecimento de condies para que crianas e adolescentes tenham a oportunidade de se desenvolver integralmente, atravs da contribuio de outras estruturas sociais alm da escola (BRASIL, 1988). Ou seja, o processo de educar perpassa por diversas instncias sociais e culturais, como a famlia, a escola e o grupo de pessoas com as quais o aluno interage. Por isso, importante verificar o papel desses grupos na motivao dos alunos para aprender ou para continuar seus estudos tambm fora da escola.

    Iniciei esta dissertao com a fala de uma aluna para ressaltar que, alm da simples escolha por continuar tocando um instrumento musical, pode haver outras questes envolvidas nessa deciso. primeira vista, o fato de continuar pode significar somente dar seguimento quilo que j iniciou, mas h muitos aspectos envolvidos nessa continuidade, que podem ser fundamentais para o entendimento do complexo fenmeno da motivao para continuar os estudos em msica fora da escola.

    Em minha experincia como professora de msica na escola, percebia que os alunos demonstravam estar motivados, devido a um conjunto de aspectos, tais como o envolvimento e o gosto pela msica, a relao com os colegas, as experincias em sala de aula, o incentivo familiar, o valor dado msica, entre outros. Observava tambm que alunos que demonstravam dificuldades em aprender msica no se sentiam, necessariamente, desmotivados em relao aula. Logo que recebiam apoio das pessoas mais prximas, expressavam maior confiana e melhor desempenho em suas aes. Paralelamente ao trabalho que eu desenvolvia no contexto escolar, as pesquisas que eu estava conhecendo atravs da participao

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    no grupo FAPROM1 conectavam a realidade da minha prtica docente com as reflexes sobre o processo motivacional dos alunos, trazidas pelo contato com as pesquisas dessa rea. O estudo aprofundado da motivao foi esclarecendo muitas das situaes que vivenciei em sala de aula, no sentido de aguar minhas percepes como docente e de aprimorar as atividades musicais propostas no currculo.

    O estudo da motivao para aprender tem conquistado um espao valioso entre as pesquisas brasileiras, no s em relao msica, mas referente a vrias disciplinas, como a matemtica, as lnguas (portuguesa e inglesa) e a educao fsica. Bzuneck (2001) defende a importncia do conhecimento da motivao discente, principalmente dentro do contexto escolar, e acredita que o assunto um problema real da educao no Brasil e que preciso o desenvolvimento de estratgias de ensino que contribuam e promovam a motivao dos alunos. medida que compreendi melhor o que estava envolvido nesse processo, minhas indagaes no se restringiram quilo que motiva o aluno a aprender msica em sala de aula, mas buscaram os fatores que levam o aluno a continuar seus estudos em msica fora dela.

    Para um melhor entendimento desses fatores, explanarei, a seguir, uma maneira de se pensar a motivao do aluno, baseada no modelo do processo motivacional de Austin, Renwick e McPherson (2006) e no modelo de motivao em msica, de Hallam (2002). importante ressaltar que existem muitas formas de se compreender a motivao de um aluno, pois esta rene interaes complexas entre mltiplos fatores, os quais resultam das relaes entre indivduo e ambiente (HALLAM, 2002).

    1 O grupo de pesquisa FAPROM (Formao e Atuao de Profissionais em Msica), coordenado pela

    Profa. Dra. Liane Hentschke, formado por estudantes de msica da UFRGS: ps-graduandos, graduandos, bolsistas de iniciao cientfica e voluntrios. O objetivo principal do grupo estudar a motivao para aprender e a motivao para ensinar msica.

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    Figura 1. Processo motivacional do aluno, baseado nas teorias de Hallam (2002, 2005, 2006) e Austin, Renwick e McPherson (2006).

    ANTES DA APRENDIZAGEM DURANTE A APRENDIZAGEM DEPOIS DA APRENDIZAGEM

    A Figura 1 mostra os momentos da aprendizagem de um aluno e o que ocorre em cada etapa do processo motivacional. As etapas do processo motivacional referem-se motivao para aprender e motivao para continuar. Os momentos da aprendizagem referem-se s ocasies temporais em que a tarefa ou a atividade musical realizada pelo aluno; por exemplo, na aula de msica ou ensaio de uma orquestra. Na parte anterior aprendizagem, propriamente dita, a interao entre vrios fatores favorece o desenvolvimento da motivao para aprender em uma determinada tarefa. Nesse estgio, as experincias prvias, as expectativas, o apoio das pessoas, entre outros, so considerados relevantes e podem contribuir ou no para a motivao para aprender. Durante a aprendizagem, tambm ocorre a interao entre esses fatores e a motivao do aluno pode modificar, dependendo das experincias que teve nessa tarefa especfica. Ao terminar a aprendizagem, o aluno poder sentir-se motivado ou no para dar continuidade quela atividade. Para os autores Austin, Renwick e McPherson (2006) e Hallam (2002), esse processo, alm de ser dinmico, pode acontecer em duraes de tempo diferenciadas, devido s particularidades da disciplina ou da atividade.

    Em relao aos fatores indicados na Figura 1, a literatura afirma que a motivao para aprender no se limita a causas familiares, pessoais ou pertencentes realidade escolar, mas uma combinao desses fatores, em um processo de interaes multideterminadas, as quais aparecem, em sua maioria, dentro da escola e da prpria classe (GUIMARES, 2001). Isso significa que os

    Motivao para

    aprender

    Motivao para

    continuar

    INTERAO entre os fatores relacionados motivao do

    aluno

    Possveis interaes

    Novas e possveis interaes

    Novas e possveis interaes

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    fatores envolvidos no processo motivacional do aluno perpassam tanto por suas emoes e percepes quanto pela interao com as situaes e com as pessoas que convive. O termo fatores refere-se s caractersticas individuais do aluno, tais como crenas, valores e autopercepes, e s relaes pessoais estabelecidas no ambiente de aprendizagem, seja com pessoas de sua convivncia familiar (pais, irmos, amigos), seja com aquelas fora desse mbito (professores, colegas de classe). Todos esses elementos, portanto, so considerados flexveis e passveis de modificao, alm de serem fundamentais para a motivao dos alunos.

    Diante dos estudos que investigam esses fatores, deparei-me com diferentes denominaes para os dois grupos, um grupo relativo s caractersticas pessoais dos alunos e outro referente s caractersticas do ambiente. De um lado, esto os fatores ligados s questes pessoais, que abrangem tanto as crenas dos alunos em relao a suas capacidades e desempenho como suas convices sobre a msica e o ensino de msica. Esses aspectos aparecem nas pesquisas como: fatores internos (SICHIVITSA, 2007), fatores individuais (HALLAM, 2002), fatores intrnsecos (ONEILL, 1999) e fatores pessoais (GHAZALI, 2006). De outro lado, esto os fatores que correspondem s relaes estabelecidas com as pessoas e com o ambiente de aprendizagem, os quais surgem na literatura como: fatores externos (SICHIVITSA, 2007), fatores ambientais (GEMBRIS; DAVIDSON, 2002) e fatores extrnsecos (ILARI, 2002).

    A motivao no decorre de hbitos ou de conhecimentos adquiridos, pois no possvel ensin-la ou trein-la para que se obtenham resultados concretos de aprendizagem (GUIMARES, 2003). A motivao o resultado das interaes do indivduo com o ambiente, o qual integra pessoas, suas relaes e suas experincias. Por isso, os estudos da rea educacional, como um todo, consideram-na um assunto to importante na atualidade. Eles alertam sobre as situaes variadas em que a motivao pode ser estudada, abordando possveis estratgias de ensino que possam beneficiar ou prejudicar o estado motivacional de um aluno (GUIMARES, 2003).

    Nessa perspectiva, os fatores que motivam a escolha do aluno por continuar seus estudos em msica um assunto que me interessei em examinar, principalmente, no que se refere s seguintes questes: quais so os fatores que motivam os alunos para continuar seus estudos em msica fora da escola? Quais so as pessoas que contribuem para que os alunos continuem seus estudos em

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    msica fora da escola? Quais so as experincias e as caractersticas do ambiente escolar que se relacionam com essa escolha? De que forma esses fatores interagem e auxiliam nessa escolha por continuar?

    Esses questionamentos levaram-me ao objetivo geral desta pesquisa: investigar a interao entre os fatores individuais e ambientais que motivam os alunos para continuar seus estudos em msica fora da escola. Os objetivos especficos so: verificar o papel dos pais, dos professores, dos pares e da famlia na motivao dos alunos para continuar seus estudos em msica fora da escola; verificar as experincias e as caractersticas do ambiente escolar que contribuem na escolha dos alunos por continuar seus estudos em msica fora da escola; investigar os fatores individuais (as metas e o autoconceito) que possuem relao com essa motivao para continuar.

    A compreenso da motivao dos alunos pode ser fundamental para enriquecer a prtica dos professores de msica, em qualquer nvel de atuao profissional. Alm disso, pesquisar as interaes estabelecidas entre os fatores individuais e ambientais na motivao para aprender pode auxiliar no aprimoramento pedaggico dos professores de msica no Brasil, principalmente neste momento, em que o ensino brasileiro est se adaptando para o cumprimento da Lei 11.769/2008 (BRASIL, 2008), que prev o contedo de msica de forma obrigatria em toda a educao bsica.

    Frente a essa realidade educacional, a reviso de literatura que apresento a seguir destaca basicamente quatro pontos sobre o assunto motivao na educao musical: motivao para aprender, fatores motivacionais, motivao do aluno em msica e motivao para continuar seus estudos em msica. No Captulo 1, apresento uma reviso bibliogrfica de estudos e de possveis significados da grande temtica motivao para aprender, dando enfoque msica como rea de conhecimento. Na primeira seo, explicito os diferentes tipos de fatores envolvidos no processo motivacional do aluno. Na segunda seo, exponho as pesquisas sobre a motivao e a continuidade dos estudos em msica fora da escola, destacando a necessidade de desenvolver estudos sobre esse tema.

    No Captulo 2, explico o percurso estrutural e a fundamentao terica do modelo de motivao em msica (Hallam, 2002, 2005, 2006), referencial escolhido para desenvolver esta dissertao. Na primeira parte, apresento e analiso o modelo, a fim de que se possam compreender os diversos elementos que o compem. Na

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    segunda parte, demonstro as caractersticas e as contribuies dos estudos relacionados ao modelo de motivao em msica. Ao final deste captulo, destaco as pesquisas que j utilizaram esse modelo como referencial terico e as diretrizes desta dissertao de mestrado.

    No terceiro captulo, descrevo a metodologia utilizada neste trabalho: a opo pelo mtodo, a trajetria da seleo dos participantes e os procedimentos de coleta e anlise de dados. Nessa parte, explico e justifico as decises metodolgicas, para que haja uma compreenso sobre o caminho metodolgico seguido.

    Na ltima parte do trabalho, realizo a anlise e a discusso dos dados sobre a motivao do aluno para continuar seus estudos em msica fora da escola. Primeiramente, apresento todos os motivos que levaram os participantes desta pesquisa a continuar seus estudos em msica fora da escola. Em seguida, estudo esses motivos separadamente, ao dividi-los em tpicos sobre os incentivos oferecidos pelas pessoas e as oportunidades musicais na escola. Na ltima seo desse captulo, analiso o objetivo principal desta pesquisa: a forma de interao entre os fatores individuais e ambientais quando o aluno se sente motivado em continuar seus estudos em msica fora da escola. Por fim, estabeleo minhas consideraes finais sobre esta pesquisa e os caminhos possveis para estudos futuros na rea.

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    1 A MOTIVAO PARA APRENDER

    Desde o incio do sculo XX, a motivao humana um assunto estudado por diversos campos do conhecimento, principalmente nas reas de administrao, sade, psicologia e educao. Na perspectiva da psicologia educacional, pesquisas a respeito da motivao como componente essencial na conduo das atividades humanas tm sido desenvolvidas com o objetivo de entender como e por que professores e alunos sentem-se motivados em relao a seu trabalho e a seus estudos. A motivao docente tambm pode ser chamada de motivao para ensinar, enquanto a que se refere ao aluno, que o foco deste trabalho, denomina-se motivao para aprender.

    Os estudos a respeito da motivao para ensinar so mais recentes e dedicam-se compreenso da atividade docente relacionada satisfao profissional e qualidade do ensino oferecido (JESUS, 2000). Segundo a literatura, o estado motivacional do professor pode interferir no comportamento motivado do aluno, pois, caso no haja motivao por parte do professor, muito difcil que os alunos sintam entusiasmo ou se interessem pelas tarefas propostas (TAPIA; FITA, 2006). Outras caractersticas do comportamento do professor podem conectar-se ao estado motivacional do aluno, tais como suas expresses faciais (de alegria, insegurana, desnimo, surpresa, etc.), suas atitudes e sua relao com os alunos.

    As pesquisas sobre a motivao do aluno abordam as autopercepes e os interesses discentes, bem como seus resultados no comportamento do aluno. Na maioria delas, o contexto escolar considerado objeto principal de estudo, apresentando questes referentes s escolhas, persistncia e ao esforo despendido pelo aluno (WIGFIELD; ECCLES; RODRIGUEZ, 1998). Em qualquer ambiente, a compreenso do processo motivacional considerada de muita relevncia, pois conhecer os fatores que levam os alunos a se motivarem pode contribuir para o alcance de altos nveis de aprendizagem. Isso significa que um aluno motivado mostra-se ativamente envolvido no processo de aprendizagem (GUIMARES; BORUCHOVITCH, 2004) e que um aluno desmotivado apresenta uma queda de investimento pessoal e de qualidade nas tarefas de aprendizagem (ZENORINI; SANTOS, 2010, p. 100). No caso da msica, a motivao para aprender pode variar de acordo com o tipo de ensino (coletivo ou individual) oferecido. As aulas de msica na escola, por exemplo, so direcionadas a uma turma composta,

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    normalmente, de vinte e cinco at quarenta alunos. Nesse sentido, as propostas tendem a ser mais tericas, principalmente nos anos finais do ensino fundamental (HIRSCH, 2007). Ao mesmo tempo, o trabalho coletivo de msica, muitas vezes, favorece o contato inicial com a msica, podendo contribuir para que o aluno escolha estudar um instrumento posteriormente. Por sua vez, o ensino individual pode facilitar a percepo sobre se um aluno est motivado ou no com a aula de msica. Assim como, a facilidade de escolher um repertrio baseado no interesse de um aluno (ou poucos alunos) pode trazer benefcios ao desenvolvimento e manuteno da motivao (TOURINHO, 1995). Em contrapartida, o feedback dado pelo aluno nem sempre aparece mais rpido em uma aula individual, pois em uma aula coletiva o aluno pode compartilhar suas experincias e dificuldades com os colegas (OLIVEIRA, 1998).

    Os estudos sobre a motivao para aprender compreendem e explicam esse estado psicolgico sob diferentes enfoques. De acordo com Eccles e Wigfield (2002), estudar a motivao significa entender o processo que envolve a ao dos indivduos, o que destaca a ideia de movimento e de dinamicidade desse fenmeno. Bzuneck (2001, p. 9) tambm defende a motivao como algo que move uma pessoa ou a que pe em ao ou faz mudar de curso. Da mesma forma, alguns pesquisadores consideram a motivao como um processo, e no como um produto da aprendizagem. Por exemplo, ao considerarem que o processo motivacional do aluno no passvel observao direta, Pintrich e Schunk (1996, p. 4, traduo minha) afirmam que podemos inferi-lo atravs de comportamentos como a escolha das tarefas, do esforo, da persistncia, e das verbalizaes [...]. No mesmo sentido, Hallam (2002) defende que a motivao do aluno um fenmeno complexo e multifacetado e, para maior esclarecimento, devem ser admitidos os fatores que esto envolvidos e inter-relacionados nesse processo.

    Independentemente das definies construdas pelos estudiosos da motivao, a funo primordial desses estudos no gerar um conceito pronto e acabado sobre o significado de motivao. O objetivo maior demonstrar que a motivao integra um processo maior, o qual pertence aprendizagem (ONEILL; McPHERSON, 2002), e que a prpria aprendizagem somente um dos indicadores da motivao do aluno (WEINER, 1990). Dessa forma, as propostas que o aluno dispe para aprender, a adequao das atividades para a sua faixa etria, a sua relao com os colegas e com o professor, entre outros, so caractersticas do

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    campo da aprendizagem que favorecem ou no a motivao discente. Alm disso, a motivao inicial que o aluno apresenta pois ele j a possui, a partir de outras experincias prvias tambm pode implicar em benefcios ou prejuzos a uma nova situao de aprendizagem.

    Dentro dessa parceria entre motivao e aprendizagem, explica-se o fato de as pesquisas sobre a motivao do aluno estarem ligadas s teorias da aprendizagem, as quais se dedicam ao estudo aprofundado sobre a maneira de pensar, de se comportar, de agir e de tomar decises pelos seres humanos, sejam eles crianas, adolescentes ou adultos. Segundo os critrios apresentados por Jesus (2000), as teorias da motivao podem ser divididas em cinco grandes grupos: as behavioristas, as psicanalticas, as humanistas, as cognitivistas e as sociocognitivas. Essas teorias so apresentadas na tabela a seguir:

    Tabela 1. Anlise das teorias da motivao.

    TEORIAS MECANICISTAS TEORIAS COGNITIVISTAS Caractersticas Behavioristas Psicanalticas Humanistas Cognitivistas Sociocognitivas Influncia Cultural Hereditria Interacional Interacional Interacional Mtodos Experimentais Clnicos Clnicos Ambos Ambos Significado dos constructos

    Fisiolgico Mentalista Mentalista Neutro Neutro

    Linguagem Comportamental Fenomenolgica Fenomenolgica Ambas Ambas Comportamento Adaptado ao meio Adaptado ao meio Realizao

    pessoal Realizao

    pessoal Realizao pessoal

    Sujeito Passivo e reativo Passivo e reativo Agente Agente Agente Educao Reforos externos Reforos externos Compromisso

    pessoal Compromisso

    pessoal Compromisso

    pessoal e social

    Com base nessa tabela, percebe-se que as teorias cognitivistas, alm de conterem especificidades, complementam as teorias mecanicistas. Por exemplo, o sujeito agente da aprendizagem ope-se ao sujeito passivo e reativo. No entanto, o fato de a influncia recebida do ambiente ser interacional significa que ambas as caractersticas, cultural e hereditria, esto presentes. Verifica-se tambm que, embora a corrente humanista tenha surgido como crtica ao behaviorismo e psicanlise, ela apresenta pontos semelhantes aos dois grandes grupos. Por

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    pertencer ao grupo da cognio, seu ponto de partida o interacionaismo e o desenvolvimento pessoal, mas tambm apresenta o rigor metodolgico e cientfico das teorias mecanicistas (JESUS, 2000).

    Segundo as correntes mecanicistas, o sujeito considerado passivo e reativo, por ser manipulado por agentes externos. Essa perspectiva foi adotada pelas primeiras teorias sobre o comportamento humano, as quais faziam generalizaes a respeito das necessidades, dos impulsos e das aes humanas (HALLAM, 2002; WEINER, 1990; DECI; RYAN, 1985), pois, quanto mais generalizvel e aplicvel fosse a teoria, melhor ela era considerada (GHAZALI, 2006, p. 61, traduo minha).

    Para as concepes cognitivistas, o indivduo considerado o agente da sua aprendizagem, capaz de se realizar com autonomia e responsabilidade. Conforme defende Jesus (2000), nos dias atuais, a corrente cognitivista considerada a mais adequada para a construo da Psicologia como cincia e para a compreenso dos problemas do cotidiano educacional. O processo cognitivo de interao entre o aluno e o objeto de aprendizagem, mediados pelo ambiente, envolve aspectos que podem contribuir para que o indivduo agente inicie e envolva-se em uma ao, bem como continue e persista nela. Portanto, as correntes cognitivistas no procuram a generalizao do comportamento humano, mas, pelo contrrio, buscam compreender a motivao em relao a uma tarefa, a uma disciplina ou a uma atividade especfica.

    Mesmo que as teorias mecanicistas de aprendizagem tenham sido utilizadas nas primeiras pesquisas sobre a motivao humana para a aprendizagem e que as correntes cognitivistas tenham sido referenciais tericos de estudos aps a dcada de 50, atualmente essas duas correntes podem ser encontradas ou estarem ligadas s novas teorias da motivao. No caso deste trabalho, o referencial adotado prope a existncia de uma estrutura que envolve as caractersticas cognitivas (fatores individuais) e sociocognitivas (fatores ambientais) no mbito do processo motivacional do aluno. Entre os estudos mais atuais sobre a motivao do aluno, a teoria mais utilizada a sociocognitiva. Essa teoria aborda no s os aspectos cognitivos do indivduo, como tambm os fatores sociais, pois considera que o pensamento e a ao humana resultam da inter-relao entre influncias pessoais, comportamentais e ambientais (PAJARES; OLAZ, 2008). A teoria sociocognitiva, portanto, prev o

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    ambiente como elemento transformador da motivao dos alunos, servindo como influncia recproca na operao do sistema do self2 (BANDURA, 2008, p. 58). Nesse sentido, Wigfield, Eccles e Rodriguez (1998) explicam que, nos ltimos vinte anos, as pesquisas tm se expandido, trazendo no s as variveis motivacionais pertencentes ao self autopercepo, autoconceito, autoestima, autodeterminao, autovalorizao, etc. , mas tambm os elementos sociais que influenciam a motivao para aprender. Isso o que revela Weiner (1990), em sua reviso histrica da pesquisa sobre motivao, afirmando que, cada vez mais, novos conceitos acerca das emoes e cognies humanas so introduzidos e novas reas esto sendo incorporadas. Para os autores Maehr, Pintrich e Linnenbrink (2002), as teorias com foco sociocognitivista permitem maior integrao entre o ambiente e os aspectos cognitivos, que crucial para a aprendizagem. A partir do desenvolvimento e da criao de teorias voltadas ao estudo da motivao para aprender, pesquisadores da rea da educao e da psicologia foram desenvolvendo seus estudos, de acordo com os contextos e situaes especficas de ensino e aprendizagem. Como o objetivo desta pesquisa est inserido na grande temtica sobre a motivao para aprender msica, na prxima parte, apresento uma reviso de literatura sobre esse tema, com destaque para as pesquisas que estudam os fatores envolvidos na motivao para aprender msica: os fatores individuais (pertencentes ao self), os fatores ambientais e a interao estabelecida entre esses dois tipos de fatores. Em seguida, sero apresentadas as pesquisas sobre a motivao para continuar os estudos em msica, realizadas no mbito nacional e internacional.

    1.1 A MOTIVAO PARA APRENDER MSICA

    Os estudos sobre a motivao para aprender msica tm considerado, em sua maioria, os aspectos relativos s crenas e valores dos indivduos, e s percepes de suas realizaes e desempenho. Nessa perspectiva, podem-se citar

    2Para a rea da psicologia cognitiva, o self significa o sujeito subjetivo, considerando seus processos cognitivos, motivacionais e afetivos (ALMEIDA; GUISANDE, 2010). Com o objetivo de serem fiis ao seu significado, os estudos impressos na lngua portuguesa mantm sua escrita em ingls: self.

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    duas grandes categorias de pesquisas: o estudo da motivao do aluno no ensino do instrumento e o estudo da motivao do aluno no contexto escolar. No cenrio internacional, as pesquisas sobre a motivao na aprendizagem musical esto voltadas, por um lado, a explicar os motivos e a forma como os alunos envolvem-se e/ou persistem no estudo da msica, principalmente no instrumento musical (McPHERSON; THOMPSON, 1998; ONEILL, 1999; McPHERSON; McCORMICK, 2000) e, por outro lado, dedicam-se analise dos fatores do contexto social do aluno que influenciam sua aprendizagem em msica (DAVIDSON et al., 1998; GEMBRIS; DAVIDSON, 2002; SCHIMDT, 2005; McPHERSON, 2009). As pesquisas internacionais, em sua maioria norte-americana, dedicam-se ao estudo sobre a motivao do aluno em relao ao grau de desempenho musical, buscando compreender, conjuntamente, a motivao e os resultados de aprendizagem. Esse tipo de estudo foi bastante comum nas dcadas de 80 e 90 (CHANDLER; CHIARELLA; AURIA, 1986) e atualmente tendem a trazer questes mais variadas sobre a motivao discente, tais como: as influncias dos pais e dos professores de msica na motivao das crianas (McPHERSON, 2009), a escolha por um instrumento musical (CHEN; HOWARD, 2004), as influncias ambientais na aprendizagem e performance musical (GEMBRIS; DAVIDSON, 2002). Por sua vez, os estudos sobre a motivao do aluno no contexto escolar (GHAZALI, 2006; WIGFIELD; ECCLES; RODRIGUEZ, 1998) e sobre a compreenso da inter-relao entre o que ocorre dentro e fora da escola ainda so minoria. Resumidamente, poder-se-ia afirmar que, no decorrer dos anos de pesquisa, houve o aumento de estudos engajados em investigar no s a motivao em relao ao estudo de um instrumento musical com foco, consequentemente, no aprofundamento dos fatores mais individuais do aluno , como tambm a motivao no contexto escolar, possibilitando a associao entre elementos da cognio pessoal e do contexto social.

    No Brasil, as pesquisas sobre motivao na rea de educao musical ainda esto no incio de uma longa trajetria, sendo que, a maioria delas, tem por objetivo a motivao do aluno nos processos de ensino e aprendizagem do instrumento individual e em grupo (ARAJO et al., 2007; ARAJO, 2008; CAVALCANTI, 2009; FUCCI AMATO, 2008; FIGUEIREDO, 2008; TOURINHO, 1995). Assim como no cenrio internacional, os estudos brasileiros tambm trazem questes mais individuais ligadas motivao do aluno. Contudo, h estudos que buscam

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    conhecer melhor esse processo motivacional sob uma anlise do contexto escolar. A pesquisa de Hentschke (2010) investigou a importncia e o significado atribudos pelos alunos s atividades musicais desenvolvidas em ambientes escolares e no escolares. Os adolescentes participantes desse estudo revelaram que aprender msica fcil e que se consideram competentes em realiz-la. A maioria desses estudantes atribuiu alto valor somente s atividades musicais desenvolvidas em ambientes no escolares, e no s desenvolvidas dentro da escola. A motivao para aprender msica na escola e em outros contextos tambm foi temtica da pesquisa de Vilela (2009). Seu foco de anlise foram as diferenas e semelhanas entre as opinies de adolescentes sobre o valor que atribuem s suas atividades musicais dentro e fora da escola. O estudo sobre a motivao de alunos em aprender msica, especificamente, na escola foi temtica da pesquisa de Pizzato (2009). Os resultados desse trabalho revelaram que, em relao s demais matrias3, a msica no est entre as que os alunos mais gostam e a menos interessante, ou seja, encontrando-se em uma posio intermediria. Segundo a autora, [...] seria importante que futuras pesquisas tambm abordassem a influncia dos professores, de familiares, da comunidade escolar, das caractersticas das escolas e de ensino na motivao do aluno em aprender msica (PIZZATO, 2009, p. 107).

    Como em qualquer rea do conhecimento, a motivao para aprender msica envolve as crenas pessoais do aluno e as interaes dele com o ambiente (GHAZALI, 2006). As crenas pessoais, ou os fatores individuais, referem-se s percepes e opinies dos alunos acerca de dois aspectos: sobre suas habilidades na aprendizagem musical e sobre estudar msica. As interaes com o ambiente fatores ambientais podem ser experienciadas dentro de um local ou de uma instituio especfica como atravs do dilogo e da troca de vivncias musicais entre amigos, colegas, famlia, etc. Como mencionado na introduo deste trabalho, a literatura traz muitas maneiras de representar e denominar os dois fatores: fatores intrnsecos e extrnsecos, internos e externos, individuais e ambientais. No entanto, essa diviso no feita no sentido de separar essas diferentes caractersticas, mas so apresentadas dessa forma, no sentido de pesquisar, de forma cuidadosa, um recorte

    3Cincias, Educao Fsica, Matemtica, Portugus, Artes e Histria.

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    daquilo que envolve o processo motivacional. A seguir, destaco as pesquisas na rea da educao e da educao musical que compreendem os fatores individuais, os fatores ambientais e a interao estabelecida entre esses dois tipos de fatores.

    1.1.1 Fatores Individuais

    Os fatores individuais4 foram bastante destacados nos primeiros estudos da motivao humana. Entre os anos de 1940 e 1960, as teorias dominantes estavam no eixo behaviorista, o qual argumentava que o comportamento humano motivado por recompensas ou por impulsos fisiolgicos (RYAN; DECI, 2000). A partir da dcada de 1970, pode-se afirmar que, de uma nfase na biologia (instintos e necessidades) e no comportamento (recompensas e punies), o foco passou para o reconhecimento da cognio pessoal e do contexto social (AUSTIN; RENWICK; McPHERSON, 2006). De acordo com Hallam (2002), as caractersticas do indivduo envolvidas na motivao incluem a personalidade, o autoconceito e as metas. A personalidade formada a partir das interaes e do feedback5 do ambiente e engloba caractersticas como temperamento (humor), gnero, idade e contexto sociocultural (HALLAM, 2005). Alguns autores admitem a personalidade como aspecto mais inflexvel de uma pessoa, pois tende a mudar pouco ou lentamente durante a vida. O autoconceito refere-se s crenas do aluno sobre as suas prprias habilidades, no sentido de perceber as competncias que possui para realizar determinada tarefa ou atividade (ECCLES, 1982). Para os estudiosos do autoconceito, h uma relao estreita entre a opinio de si mesmo e a opinio dos outros sobre suas capacidades, o que torna o autoconceito um fator individual flexvel e inter-relacionado com o ambiente (MARSH; CRAVEN, 1991). Para Sichivitsa (2007), o autoconceito tambm aparece como um importante fator que influencia o desempenho dos alunos, a satisfao com o ambiente de aprendizagem e o interesse por um assunto. A caracterstica pessoal de se autoperceber e de se

    4No h uma nomenclatura padro para designar esse tipo de fatores. Alm da definio fatores individuais, a literatura tambm traz os adjetivos pessoais, internos e intrnsecos. 5Utilizado frequentemente pela literatura da motivao, o termo em ingls feedback significa toda e qualquer resposta do ambiente acerca do comportamento do indivduo. A traduo desse termo pode ser considerada como retorno. Entretanto, neste trabalho, preferi utilizar o termo em ingls feedback, no sentido de preservar a complexidade de seu significado.

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    autoavaliar, abordada como autoconceito por Sichivitsa (2007), assemelha-se ao construto da autoeficcia, defendido por Bandura (2008). Segundo esse autor, as crenas de autoeficcia representam o julgamento de uma pessoa sobre suas prprias capacidades, em um determinado contexto. Assim como o autoconceito, as metas tambm possuem estreita relao com os fatores ambientais (HALLAM, 2005). A partir das situaes de aprendizagem que vivencia e dos resultados que obtm, o aluno direcionar suas metas com a msica para o futuro. Muitos autores defendem a distino entre dois tipos de metas: meta aprender e meta performance. Enquanto a primeira refere-se busca do conhecimento, independente da opinio e da comparao com os outros, a meta performance sugere a realizao da atividade por uma presso ou recompensa externa (ELLIOT; DWECK, 1988, HALLAM, 2002, ZENORINI; SANTOS, 2010). H outros autores que preferem elencar a antagonizar essas orientaes para o futuro. Leung, So e Lee (2008), por exemplo, destacam as possveis metas dos alunos em msica, tais como ser um msico profissional ou ser um professor de msica na escola.

    A motivao intrnseca tambm um construto pertencente s caractersticas individuais do aluno. Para Deci e Ryan (1985), o indivduo intrinsecamente motivado sente-se mais competente e autodeterminado, pois escolhe uma tarefa pela satisfao e prazer em realiz-la, sem necessitar de qualquer tipo de controle do ambiente. Enquanto esses autores se baseiam na caracterstica inata da motivao intrnseca, Massimini, Fave e Csikszentmihalyi (1992) particularizam-na como uma experincia mais subjetiva, em que o indivduo realiza uma tarefa sem a preocupao de que os desafios esto alm de suas capacidades (CSIKSZENTMIHALYI, 1997). Alm disso, a atribuio de importncia e valor aprendizagem de uma determinada tarefa ou disciplina tambm considerado relevante pelos pesquisadores, quando se pretende compreender os fatores individuais no processo motivacional dos alunos. Segundo a literatura, os alunos valorizam mais as tarefas em que se sentem mais seguros, por terem melhor desempenho e sucesso. Por essa razo, investem maior esforo para a sua realizao e atingem, consequentemente, nveis mais altos de aprendizagem (VILELA, 2009, HENTSCHKE et al., 2009, WIGFIELD; ECCLES; RODRIGUEZ, 1998, WIGFIELD et al., 1997).

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    1.1.2 Fatores Ambientais

    Dentro dos fatores ambientais6, destacam-se duas grandes categorias que possuem relao com a motivao discente: as pessoas e os contextos. A categoria das pessoas compreende os adultos (professores, pais e famlia) e os pares (amigos e colegas), enquanto os contextos sociais referem-se a qualquer espao que haja processo de ensino e aprendizagem musical (escola, igreja, orquestra, etc.). Inseridos na primeira categoria, os adultos que tm maior participao na motivao para aprender entre crianas e adolescentes so os professores e os pais (MARSH; CRAVEN, 1991). No s na rea da msica, muitas pesquisas tm sido realizadas com o objetivo de compreender o papel do professor na motivao dos alunos (BZUNECK; GUIMARES, 2007, GUIMARES, 2003, JESUS, 2008, LENS; MATOS; VANSTEENKISTE, 2008). Segundo Bzuneck (2001, p. 23-24), a compreenso do papel do professor e da escola em relao motivao dos alunos tem como elemento desencadeante a constatao de que existem problemas, potenciais ou reais. Para que esses aspectos motivadores se desenvolvam, preciso que o professor conhea e adote estratgias de ao que possibilitem a motivao do aluno para aprender. Nesse sentido, Martini e Del Prette (2002, p. 149) destacam que o papel do professor e de suas caractersticas tem sido amplamente reconhecido como um dos principais fatores que influem sobre a qualidade das relaes professor-aluno e da aprendizagem dos alunos na escola. Isso no significa que o professor determine o desempenho e as crenas dos alunos, mas, sim, que possui capacidade de influenci-los. Ainda na primeira categoria, com relao ao grupo de adultos, outro fator ambiental que contribui na motivao dos alunos para aprender o papel dos pais, pois eles so a primeira referncia de valores e de formao do indivduo (McPHERSON, 2009), os quais iro instruir e fortalecer as concepes sobre msica. Para Marsh e Craven (1991), os pais representam um referencial na autopercepo de aprendizagem de seus filhos bem mais significativo que o dos professores. Isso acontece porque os professores podem inferir autopercepes em algumas reas (por exemplo, em componentes acadmicos), enquanto os pais podem inferir em outras reas (por exemplo, nas relaes familiares) (MARSH;

    6Tambm no h uma nomenclatura padro para designar esse tipo de fatores. Alm da definio fatores ambientais, a literatura traz os adjetivos externos e, em menor proporo, extrnsecos.

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    CRAVEN, 1991, p. 394, traduo minha). Relativamente aos demais membros da famlia, Howe e Sloboda (1991) defendem-nos como importantes contribuintes para o progresso musical dos jovens instrumentistas.

    No que diz respeito s pessoas da mesma faixa etria dos alunos, destacam-se os pares (amigos e colegas). Para aprender, o indivduo perpassa, obrigatoriamente, por suas relaes interpessoais, as quais podero influenciar na modificao e no reforo do seu comportamento (LISBOA; KOLLER, 2004). A opinio dos colegas, o sentimento de pertencer a um grupo, a formao da identidade entre os amigos, a escolha de valores e os tipos de comportamentos influenciam diretamente a motivao para aprender em diferentes contextos de aprendizagem. Nessa perspectiva, Guimares (2004) destaca que, nos anos escolares iniciais, a figura do professor fundamental para que as crianas sintam que so aceitas e que pertencem ao grupo. Diferentemente do incio da adolescncia, em que os alunos compartilham suas experincias com outros vnculos estabelecidos, como seu grupo de amigos e colegas.

    Dentro dos ambientes de aprendizagem, a escola considerada um fator determinante na motivao dos alunos, na medida em que representa o contexto social que integra alunos, professores e colegas. Nesse sentido, a escola representa um dos contextos de interao mais importantes na vida de crianas e adolescentes, podendo fortalec-los ou enfraquec-los perante as dificuldades inerentes a essa etapa de desenvolvimento (GUIMARES, 2004, p. 179).

    Alm da escola, Gembris e Davidson (2002) apontam os sistemas socioculturais, compostos pela mdia e pela cultura musical disponvel, como elementos importantes na motivao dos alunos. Do mesmo modo, Hallam (2002) inclui a cultura nos fatores ambientais, ampliando-os, ainda, para os espaos (instituies) de estudo e as exigncias sociais vigentes.

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    1.1.3 Fatores Individuais e Ambientais: Interao

    Como citado anteriormente, as teorias e estudos da motivao que envolvem as caractersticas individuais (pertencentes ao self) e as suas variadas formas de interao com o ambiente constituem o conjunto de estudos mais atual sobre a motivao para aprender (HALLAM, 2002). Essas pesquisas buscam compreender a capacidade que o ser humano possui de determinar seu prprio comportamento, embora reconheam a importante funo do ambiente, quando este gera as recompensas ou punies sobre determinados comportamentos, e, assim, pode influenciar os pensamentos e as aes subsequentes dos indivduos.

    Na rea da msica, alguns trabalhos dedicaram-se a conjugar os aspectos individuais e os ambientais como objetos cientficos. O estudo realizado por Austin, Renwick e McPherson (2006), por exemplo, defende que a motivao para aprender msica pode ser considerada um processo dinmico que envolve o autossistema (percepes, pensamentos, crenas e emoes do aluno), o sistema social (professores, pais, pares e o ambiente de sala de aula), as aes (comportamentos motivados e regulao da aprendizagem) e os resultados (desempenho, aprendizagem). Nesse caso, os fatores individuais podem constituir componentes do autossistema, e os ambientais podem significar os aspectos do sistema social.

    Outra pesquisa que considera esses dois tipos de fatores foi feita por Sichivitsa (2007). Seu objetivo foi investigar os fatores internos como o autoconceito e o valor dado msica e externos como o apoio dos pais e a interao social nas aulas de msica , para justificar a sua influncia no interesse e na persistncia de alunos de graduao no-msicos em participar de um coro. Para essa investigao, Sichivitsa (2007) adotou, entre seus referenciais, o modelo de motivao em msica (Hallam, 2002), que considera, como fatores individuais, a personalidade, o autoconceito e as metas do aluno; e, como os fatores ambientais, a cultura, a sociedade, o tempo, o espao, as instituies, a famlia e os pares.

    Ghazali (2006) preferiu adotar os termos pessoais e ambientais, ao investigar como esses fatores auxiliam a maneira que as crianas malasianas valorizam o ensino formal de msica dentro e fora da escola. De acordo com seu estudo, os fatores pessoais referem-se s crenas dos alunos sobre msica e sobre seu desenvolvimento musical; os fatores ambientais relacionam-se famlia, ao ambiente de casa, aos pais, escola e aos professores; e outros fatores sociais

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    esto ligados influncia da cultura e da religio e a importncia dada educao musical.

    Diferentemente desses enfoques, MacKenzie (1991) dividiu os fatores que motivam as crianas em aprender um instrumento musical, dividindo-os nos seguintes determinantes: sociais e pessoais. Os determinantes sociais, que podem ser considerados como fatores ambientais, so representados pelos pares, pela escola que incluem as condies oferecidas e os professores e pelo lar, que abrangem os pais e os irmos. Por sua vez, os determinantes pessoais, que podem ser considerados fatores individuais, incluem apenas o estudo do interesse dos alunos.

    Em busca da compreenso dos fatores ambientais, mas com o foco especfico na interao entre pais e filhos, McPherson (2009) criou um modelo que explica como os objetivos, estilos e prticas dos pais so mediados pelas caractersticas da criana e por outros fatores socioculturais. Esse modelo o primeiro a traar as influncias que os pais podem ter na motivao para aprender dos seus filhos, juntamente com as caractersticas da criana (motivacionais, autoconceituais e autorregulacionais) e com as caractersticas do contexto sociocultural, que se restringe quele em que ocorre a interao entre pais e filhos. Os estudos mencionados que se referem aos fatores individuais no negligenciam os fatores ambientais, nem estes negligenciam aqueles. Isso significa que o estudo sobre a importncia da aula de msica na escola, no corresponde apenas s percepes pessoais, mas, tambm, s caractersticas e oportunidades do ambiente de aprendizagem. Isso acontece, principalmente, na adolescncia, perodo em que os alunos, por terem maior conscincia em relao aos seus valores, metas e expectativas, adquirem mais maturidade e tornam-se capazes de entender e de colocar em prtica as sugestes de pais, professores, pares e outros membros do sistema social (AUSTIN; RENWICK; McPHERSON, 2006). Assim como esses fatores se relacionam com a motivao para aprender, tambm aparecem na motivao dos alunos para continuar seus estudos em msica, conforme apresentarei a seguir, na prxima seo.

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    1.2 A MOTIVAO PARA CONTINUAR OS ESTUDOS EM MSICA

    Embora existam muitos estudos sobre a motivao para aprender msica, ainda h poucos que se dedicam motivao para continuar os estudos em msica. Nessas pesquisas, a continuidade investigada a partir da motivao do aluno em prosseguir seus estudos em um mesmo grupo ou local (CORENBLUM; MARSHALL, 1998, KLONOWSKI, 2005) ou em perseverar no estudo de seu instrumento musical (GHAZALI, 2006, HURLEY, 1995). Nesses casos, a motivao para continuar surge da deciso deliberada do aluno de, inicialmente, escolher uma atividade, para, em uma etapa posterior, optar por continu-la. Para os autores Maehr, Pintrich e Linnenbrink (2002), a escolha ou a preferncia por uma tarefa indicam a motivao do aluno. Da mesma forma, a persistncia e o investimento a longo prazo nessa atividade podem demonstrar uma estabilidade nessa motivao, o que traz benefcios para a aprendizagem e satisfaes duradouras para o aluno.

    Dessa forma, apresento os estudos que investigam a motivao dos alunos tanto na escolha inicial por um instrumento musical, que tambm pode representar a continuidade dos estudos em msica, como na deciso por continuar uma atividade musical. Sobre a escolha inicial, os autores afirmam que a opo por aprender um instrumento musical pode estar associada preferncia por um estilo musical (HO, 2003) ou ao gosto pelo timbre do instrumento e influncia de pessoas, como professores, pais e amigos (FORTNEY; BOYLE; DECARBO, 1993). Nesse sentido, ao optar por algo, o indivduo direciona e investe energia para realizar a ao. No processo de aprendizagem musical, portanto, o aluno j emite sinais verbais, gestuais ou em suas atitudes sobre sua motivao por determinada tarefa ou atividade. O fato de o aluno escolher inicialmente uma atividade musical especfica e optar pela sua continuidade indica que sua motivao se manteve e que muitos fatores podem estar envolvidos nessa escolha.

    No que tange escolha por continuar os estudos em msica, a pesquisa de Chen e Howard (2004) demonstra que a satisfao em tocar o instrumento foi o principal fator apontado pelos msicos entrevistados. No mesmo sentido, Leung, So e Lee (2008) identificaram, como determinante na motivao dos alunos em prosseguir seus estudos, o interesse prprio, seguido das influncias do professor de msica da escola e dos membros da famlia. Da mesma forma, Ilari (2002) encontrou resultados parecidos na anlise das opinies de instrumentistas

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    profissionais brasileiros e canadenses , mas em relao sua vontade em desistir da profisso. Nesse trabalho, a autora concluiu que os motivos intrnsecos como o interesse pela msica garantiram a continuidade das carreiras desses profissionais. Por sua vez, o papel dos professores e da famlia apareceu como os motivos externos que auxiliaram no desenvolvimento dessa motivao intrnseca. Alm disso, Ilari (2002) defende que o fato de o aluno escolher pela carreira de instrumentista indica que ele j est motivado.

    As reflexes trazidas sobre os dois tipos de fatores individuais e ambientais , que motivam os alunos para aprender msica e contribuem para a continuidade dos seus estudos, constituem a moldura desta dissertao de mestrado. Nesse caso, o estabelecimento dos objetivos partiu do princpio de que, ao continuar seus estudos em msica, o aluno demonstra o comportamento motivado. Na existncia da motivao para aprender, o foco desta pesquisa est na interao estabelecida entre os fatores individuais dos alunos e os aspectos ambientais oferecidos em suas experincias com msica, os quais podem estar presentes na motivao para continuar seus estudos em msica. Como o objetivo fundamental analisar a interao entre esses fatores, optei por um referencial terico que tivesse uma perspectiva construtivista do desenvolvimento cognitivo e motivacional do indivduo e que abrangesse equilibradamente os aspectos mais individuais do aluno e as caractersticas do ambiente de aprendizagem. Essa perspectiva assemelha-se muito com o pensamento atual da psicologia educacional, o qual tem encontrado, cada vez mais, modelos multidimensionais para descrever as complexidades da aprendizagem humana (HALLAM, 1997).

    O modelo de motivao em msica pareceu-me o mais adequado para a anlise da interao entre esses fatores, pois ele apresenta muitos aspectos envolvidos na motivao para aprender e para continuar os estudos em msica, alm de estabelecer possveis interaes durante todo o processo de aprendizagem musical. Esta pesquisa, portanto, tem o objetivo no s de elencar os fatores do indivduo e do ambiente que contribuem para a motivao do aluno, mas o de investigar a interao entre esses fatores na motivao para continuar os estudos em msica fora da escola. No prximo captulo, apresentarei o modelo de motivao em msica (HALLAM, 2002, 2005, 2006) e a maneira pela qual foi construdo, dando destaque explicao de seus construtos e, por fim, demonstrando as pesquisas que o utilizaram como referencial.

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    2 O MODELO DE MOTIVAO EM MSICA

    2.1 CONSTRUO DO MODELO DE MOTIVAO EM MSICA

    O modelo de motivao em msica recente, comparado a outros referenciais tericos sobre a motivao para aprender, tais como as teorias de expectativa e valor (WIGFIELD; ECCLES, 2000), da autodeterminao (RYAN; DECI, 2000), de metas (ELLIOT; DWECK, 1988), da atribuio de sucesso e fracasso (WEINER, 1985) e da autoeficcia (BANDURA, 1995). Criado pela pesquisadora Susan Hallam (2002), esse modelo demonstra as possveis interaes entre as caractersticas do indivduo e do ambiente, as quais podem influenciar a motivao do aluno para aprender msica. Conforme descrito pela autora, essas caractersticas representam dois tipos de fatores, individuais e ambientais, que podem se inter-relacionar em qualquer nvel da estrutura do modelo, em perodo longo ou curto.

    Os fatores individuais equivalem aos traos da personalidade de uma pessoa, s manifestaes de suas emoes durante as experincias musicais, aos seus motivos e expectativas de ser msico, s interpretaes de sua aprendizagem e, ainda, s percepes sobre suas habilidades musicais. Todas essas particularidades pessoais so dinmicas e passveis de modificao, pois, ao interagirem com o ambiente, elas so captadas e internalizadas pelo indivduo e chegam a intervir no seu comportamento (HALLAM, 2002). Os fatores ambientais correspondem ao tipo de cultura e de sociedade, ao ambiente de ensino ou de trabalho, s referncias da figura do professor, s relaes estabelecidas com os pais e os pares (amigos e colegas) e ao envolvimento e suporte familiar. Esses fatores tambm se transformam, dependendo das geraes e dos grupos que compem uma sociedade, e podem originar, consequentemente, diferentes valores ao longo do tempo. O modelo motivacional construdo por Hallam (2002, 2005, 2006) segue o pensamento atual da maioria das pesquisas na rea da psicologia. Sob as perspectivas construtivistas e sociocognitivas da aprendizagem humana, essas pesquisas defendem que o conhecimento construdo pela interao entre o indivduo e suas experincias, dentro de um momento histrico e cultural no qual aquela atividade est inserida (HALLAM, 1997). Nesse sentido, o modelo de

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    motivao em msica (HALLAM, 2002, 2005, 2006) sintetiza o que tem sido discutido e encontrado como resultado nas pesquisas sobre a motivao do aluno para aprender e para continuar seus estudos em msica. Conforme demonstrado na figura a seguir, o modelo sustenta que a motivao depende das interaes entre suas caractersticas individuais tais como seu autoconceito, suas metas e suas crenas e as caractersticas do ambiente incluindo os fatores histricos e culturais, o ambiente educacional e o suporte que o aluno recebe de sua famlia e de seus pares.

    Figura 2. Modelo de motivao em msica (HALLAM, 2002, 2005, 2006, traduo minha)

    CaracterCaracterCaracterCaractersticas sticas sticas sticas estestestestveis do veis do veis do veis do comportamento do comportamento do comportamento do comportamento do indivindivindivindivduo:duo:duo:duo: - Temperamento - Personalidade - Gnero - (Idade) - (Meio sociocultural)

    Aspectos flexAspectos flexAspectos flexAspectos flexveis veis veis veis da personalidade e da personalidade e da personalidade e da personalidade e do autoconceito:do autoconceito:do autoconceito:do autoconceito: - Self ideal - Selves possveis - Autoestima - Autoeficcia - (Identidade)

    Objetivos eObjetivos eObjetivos eObjetivos e metas:metas:metas:metas: - Aspiraes - Expectativas

    MotivaMotivaMotivaMotivao direcionada o direcionada o direcionada o direcionada para situapara situapara situapara situaes es es es particulares ou particulares ou particulares ou particulares ou

    comprometida com comprometida com comprometida com comprometida com tarefas espectarefas espectarefas espectarefas especficasficasficasficas

    Processo Processo Processo Processo cognitivo:cognitivo:cognitivo:cognitivo:

    Interpretao da contribuio do

    ambiente

    Atribuies de sucesso e fracasso

    Ambiente:Ambiente:Ambiente:Ambiente: - Espao - Tempo - Exigncias sociais - Culturas e subculturas - Famlia - Amigos - Ambiente de trabalho ou de estudo

    Influncias diretas de recompensas e de punies

    geradas pelo ambiente

    CaracterCaracterCaracterCaractersticas cognitivas do sticas cognitivas do sticas cognitivas do sticas cognitivas do indivindivindivindivduo:duo:duo:duo: - Inteligncia - Estilos cognitivos - Habilidades metacognitivas - Crenas sobre sua aprendizagem e habilidade - (Conhecimento prvio)

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    O modelo de motivao em msica explica o processo das interaes que ocorrem entre o indivduo e o ambiente ao qual ele est exposto, mediado pela cognio. Em um determinado contexto musical, as caractersticas individuais de um aluno, como a sua personalidade e a sua autoestima, so determinadas, em parte, pelo feedback dado pelo ambiente. Segundo Hallam (2002), o indivduo motivado pelo desejo de aceitao social, principalmente, daqueles que o admiram e respeitam. Isso no significa que o ambiente tenha total poder sobre as decises e as aes de um aluno, ou que as influncias provenientes das interaes determinem o seu comportamento final. Em qualquer etapa, o aluno tem a possibilidade de agir e de transformar o contexto, de buscar novas experincias em outros ambientes, que contribuam mais s suas reais necessidades.

    Os modelos divulgados pela autora Susan Hallam em 2002 e 2006 so idnticos, enquanto, em 2005, ela traz alguns aspectos modificados. O modelo de 2002 apresentado em um artigo, em que a autora faz um levantamento de pesquisas e teorias dentro da rea de motivao em msica. Esse modelo reaparece na publicao de um livro de Susan Hallam (2006) acerca de assuntos ligados psicologia da msica. Entretanto, em 2005, a autora j havia feito uma reviso deste modelo, ampliando alguns conceitos e reavaliando outros. Portanto, para uma melhor compreenso e visualizao do modelo de motivao em msica nesta dissertao, optei por apresentar os conceitos adicionados em 2005 entre parnteses.

    Dos sete quadros que compem a Figura 2, cinco deles referem-se aos tipos de fatores: individuais e ambientais. Os outros dois demonstram o resumo dos processos cognitivo e motivacional do aluno. Os fatores individuais esto subdivididos em quatro quadros (na cor amarela): as caractersticas estveis, que se dividem em caractersticas do comportamento e da cognio; os aspectos flexveis, que se referem personalidade e autoconceito, e aos objetivos e metas do indivduo. As caractersticas estveis do comportamento referem-se origem e s particularidades do comportamento do aluno, as quais fazem parte da sua vida e no possuem relao direta com as experincias de aprendizagem. Por outro lado, esto as caractersticas cognitivas, que se formam e se desenvolvem a partir do conhecimento e das emoes experienciadas nos momentos de aprendizagem. As outras duas categorias merecem um maior aprofundamento, pois foram escolhidas como parte dos fatores individuais a serem analisados nesta pesquisa.

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    O autoconceito e a personalidade compreendem os aspectos mais flexveis do indivduo, pelo fato de se relacionarem diretamente com as crenas sobre si mesmo e com o que os outros pensam sobre ele. Portanto, so fatores passveis de modificao, que podem ser desenvolvidos, em parte, pelo feedback recebido do ambiente. As metas, ou objetivos, possuem uma forte ligao com essas caractersticas flexveis e tambm com o ambiente. Dessa forma, com base nas oportunidades e resultados da aprendizagem musical, os alunos redirecionam suas metas.

    Os fatores ambientais esto elencados no quadro de cor verde da Figura 2 e podem ser divididos em trs grupos: pessoas, contextos e situao histrica. As pessoas que contribuem para o surgimento e a manuteno da motivao do aluno em msica so os membros da famlia, seus professores e pares (amigos e colegas). Os contextos referem-se ao espao de estudo (por exemplo, a escola) ou de trabalho no caso de msicos profissionais. O momento histrico tambm importante, pois abrange aspectos como a cultura, a subcultura, as exigncias sociais, o espao e o tempo em que se situam as experincias de aprendizagem musical.

    De acordo com o modelo em questo, o foco central de todo o processo cognitivo (cor cinza) a interpretao do indivduo sobre as situaes experienciadas no ambiente de aprendizagem e sobre as atribuies de sucesso e fracasso, decorrentes dos resultados das tarefas musicais que ele realizou. Esses dois aspectos juntos correspondem ao trmino de um processo reflexivo feito pelo aluno, que inclui as percepes sobre as interaes que estabeleceu no contexto e sobre o seu desenvolvimento musical. As concluses do aluno sobre esse processo cognitivo determinaro o seu comportamento futuro nos estudos em msica.

    Segundo Hallam (2002, 2006), o caminho traado pelo aluno, durante o processo cognitivo, perpassa por muitas interaes entre as suas caractersticas individuais e os fatores ambientais. O ponto de partida pode ser, por exemplo, os elogios dados por uma pessoa que o aluno goste ou por que admire. O fato de ser aprovado socialmente por algum pode aumentar a autoestima e a autoconfiana desse aluno. De acordo com suas caractersticas individuais e seus ideais, o aluno ir traar seus objetivos e metas dentro do processo. Todas essas mltiplas interaes determinaro o comportamento do aluno, o que no significa o fim de

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    uma etapa, pois, mesmo no momento de sua ao, o ambiente pode influenciar sua motivao (HALLAM, 2006).

    Nesse sentido, o modelo em questo est de acordo com a maioria dos estudos sobre a motivao, embora no se limite aos paradigmas tericos da maioria dessas pesquisas. Esse modelo pertence ao grupo das pesquisas psicolgicas, voltadas ao estudo da motivao em msica, dentro da perspectiva da psicologia do desenvolvimento cognitivo. Segundo Hallam (2002, p. 232, traduo minha), essas pesquisas tm considerado, exclusivamente, a motivao para aprender e para continuar tocando um instrumento musical. Esse foco de estudo revela o interesse recente da psicologia no desenvolvimento nas habilidades musicais e nos fatores que as afetam.

    Outra diferena fundamental entre o modelo de motivao em msica e outros referenciais que ele no adota apenas uma perspectiva terica para a sua construo. O fato do modelo de Hallam (2002) no ter apenas uma teoria da motivao como base fundamental no significa que a autora tenha negado as perspectivas tericas j validadas no estudo sobre a motivao do aluno. A autora optou por mais de uma teoria motivacional na construo do modelo de motivao em msica. Para elabor-lo, Hallam (2002) utilizou a combinao dos seguintes construtos motivacionais: motivao intrnseca e extrnseca; orientaes para as metas de realizao; atribuies de sucesso e fracasso; autoconceito e autoeficcia; e valor da tarefa. Esses aspectos derivam de algumas teorias sociocognitivas que foram desenvolvidas por outros autores renomados no campo da motivao para aprender, as quais integram caractersticas da personalidade, do self e da motivao (HALLAM, 2002).

    Os principais pesquisadores sobre a motivao intrnseca e extrnseca foram Deci e Ryan (1985). Com o objetivo de explicar as razes que motivam as pessoas a fazerem determinada atividade, eles criaram a teoria da autodeterminao, que tem como ponto de partida as necessidades psicolgicas, que compreendem a competncia, autonomia e vnculo (RYAN; DECI, 2000). A teoria da autodeterminao defende que o indivduo age conforme dois tipos de orientao motivacional: a motivao intrnseca e a extrnseca. A grande diferena entre ambas que a motivao intrnseca refere-se ao momento de escolha e realizao de uma atividade por sua prpria causa (GUIMARES, 2001), enquanto a motivao extrnseca refere-se ao tipo de motivao externa que tem o objetivo de dar resposta

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    a algo que est fora da tarefa. Atualmente, a teoria da autodeterminao compreende vrios nveis de motivao, resultando no mais pela oposio entre motivao intrnseca e motivao extrnseca. Recentes estudos propem um caminho motivacional entre esses plos, que denominaram de continuum de autodeterminao: amotivao ou desmotivao, motivao extrnseca (nveis de regulao: externa, introjetada, identificada e integrada) e motivao intrnseca (FIGUEIREDO, 2010). De acordo com Deci e Ryan (1985), o desenvolvimento da motivao intrnseca favorvel para que uma pessoa chegue ao comportamento autodeterminado, o qual envolve a experincia de sua prpria escolha, em outras palavras, a experincia de uma percepo interna do locus da causalidade. O fato de estar intrinsecamente motivado, portanto, eleva a sensao de competncia e de autodeterminao, pois o indivduo no necessita de recompensas externas ou de qualquer tipo de controle do ambiente. Diferentemente de Deci e Ryan (1985), Massimini, Fave e Csikszentmihalyi (1992) explicam que a motivao intrnseca representa o interesse ou uma atrao particular por determinada atividade. Nesse caso, o indivduo percebe-se altamente engajado na tarefa durante a sua realizao, experienciando a sensao de flow (fluxo). Segundo Csikszentmihalyi (1997), num momento de flow, a pessoa sente que est agindo de maneira fcil e natural sem a preocupao de que os desafios esto alm das suas capacidades.

    Enquanto Deci e Ryan (1985) se baseiam na caracterizao inata da motivao intrnseca, Massimini, Fave e Csikszentmihalyi (1992) particularizam-na como uma experincia subjetiva (ECCLES; WIGFIELD, 2002). Ou seja, enquanto Deci e Ryan (1985) admitem as razes definitivas do comportamento, os outros trs autores se concentram nas causas imediatas de estar intrinsecamente motivado. De uma forma ou outra, o importante considerar que, se uma atividade favoravelmente desafiadora, ela pode gerar a motivao intrnseca, pois ela oportuniza a expanso de suas capacidades (HALLAM, 2002).

    Alm da abordagem sobre motivao extrnseca e intrnseca, possvel identificar no modelo de motivao em msica as diferentes orientaes que os alunos utilizam para as metas de realizao de uma tarefa. As metas, ou os objetivos de realizao, podem ser divididos em duas categorias: meta aprender e meta performance. Quando um aluno realiza uma tarefa em busca de crescimento

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    intelectual, enfrentando os desafios e valorizando o esforo despendido, a meta aprender predomina nesse processo. Entretanto, quando um aluno realiza uma atividade em que o foco demonstrar aos outros as suas capacidades, preocupando-se somente com os elogios e a aprovao externa, a meta performance a mais relevante (ZENORINI; SANTOS, 2010).

    De acordo com a literatura, os alunos que adotam a meta aprender costumam expandir as suas estratgias de aprendizagem quando enfrentam os obstculos, ampliando, tambm, as suas habilidades. Ao contrrio, aqueles que tm como objetivo a performance, procuram evitar tarefas muito desafiadoras, ou seja, aquelas que julgam estar alm das suas capacidades de realiz-las com sucesso (ELLIOTT; DWECK, 1988).

    Outras caractersticas que afetam a motivao para aprender, e que tambm foram utilizadas para compor o modelo de motivao em msica, so as causas de sucesso ou de fracasso que o aluno atribui s suas experincias musicais. Essas atribuies procuram explicar o desempenho do aluno em relao s atividades que realizou, as quais podem antecipar os prximos acontecimentos. Oriunda da perspectiva cognitiva da motivao de Bernard Weiner (1979, 1985), a teoria da atribuio de causalidade utilizada por muitas pesquisas sobre a motivao do aluno, pois ela prev uma relao entre a motivao, o desempenho acadmico e as emoes discentes (MARTINI; BORUCHOVITCH, 2004).

    Conforme Weiner (1979), as atribuies causais podem ser distribudas em trs dimenses: a localizao (locus), que pode ser vista sob a perspectiva interna ou externa ao indivduo; a estabilidade, que define as causas como estveis (invariveis) ou instveis (variveis); e a controlabilidade, que representa o grau de controle (controlvel ou incontrolvel) que a pessoa exerce sobre a causa. Isso significa que, ao explicar o sucesso ou o fracasso obtido, uma pessoa atribuir tal desempenho atravs da interao dessas trs dimenses (HALLAM, 2002).

    A explicao que o indivduo confere s causas de um evento, segundo as dimenses de causalidade, muito mais importante na determinao de um comportamento posterior do que a causa em si mesma (WEINER, 1979, 1985). Nesse sentido, as causas percebidas por uma pessoa no so passveis de serem elencadas, pois dependem preponderantemente da interpretao dos fatos (ALMEIDA; GUISANDE, 2010). Segundo Chandler, Chiarella e Auria (1986), ao obter tanto um sucesso como um fracasso, um aluno que assume o acontecimento

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    devido a fatores internos, acreditando que o resultado est sob seu controle e que capaz de ser alterado, demonstra estar inteiramente engajado na aprendizagem, o que pode favorecer a sua motivao para aprender.

    Alm da motivao intrnseca e extrnseca, das diferentes metas de realizao e das atribuies de causalidade sobre o sucesso ou o fracasso de certo desempenho, os outros construtos utilizados de outras teorias por Hallam (2002) na concepo do modelo de motivao em msica foram a autoeficcia e o valor da tarefa. Entre todos os pensamentos e crenas que influenciam o comportamento motivado, destaca-se a autoeficcia. Representantes principais da teoria social cognitiva, as crenas de autoeficcia so as percepes que os indivduos possuem sobre sua competncia ou capacidade de realizar algo (PAJARES; OLAZ, 2008), as quais proporcionam a base para a motivao, para o bem-estar e para as experincias de sucesso dos indivduos. Essas percepes podem influenciar as fases bsicas de transformao de um comportamento, que so o esforo despendido para alterar alguns hbitos, a mobilizao de fatores internos necessria para essas mudanas e a manuteno da conquista dos novos hbitos (BANDURA, 1995). Alm disso, o conceito de autoeficcia assemelha-se muito ao de autoconceito, que tambm representa as crenas do indivduo sobre suas habilidades (ECCLES, 1982). Mesmo no havendo uma diferenciao explcita pela literatura, o autoconceito parece ser mais analisado comparativamente entre as crenas do aluno e a reflexo sobre a opinio dos outros, o que parece no acontecer com as pesquisas sobre a autoeficcia.

    Hallam (2002) trata esse construto de duas maneiras: as crenas sobre a autoeficcia e a autoeficcia propriamente dita. As crenas dependem de como so explicados os sucessos e falhas obtidos nas experincias prvias, enquanto a autoeficcia ocorre quando o indivduo acredita ou no que ter xito numa tarefa. Na prtica musical, por exemplo, Nielsen (2004) defende que esse alto nvel de confiana sobre as habilidades em aprender um fator fundamental para se ter sucesso, pois, em geral, os alunos que tm um alto nvel de autoeficcia envolvem-se mais cognitiva e metacognitivamente na sua aprendizagem. Do mesmo modo, Bandura (1995) tambm afirma que uma forte sensao de eficcia pode compreender trs aspectos: as experincias de maestria, nas quais se obtm sucesso; as experincias vicrias, provindas da observao e imitao de modelos

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    sociais; e a persuaso social, que significa o investimento de esforo e sustentao de um objetivo frente aos desafios e s dificuldades.

    Sobre o construto do valor, Hallam (2002) adotou os modelos de expectativa e valor que abordam os seguintes aspectos: valor da tarefa, expectativas de sucesso em uma atividade e as emoes envolvidas nessas experincias. Os principais componentes7 que formam o valor de realizao de uma tarefa so: a importncia, o valor intrnseco e a utilidade (WIGFIELD; ECCLES, 2000, ECCLES, 2005). A importncia est relacionada ao grau de relevncia que uma atividade possui para o aluno, podendo variar de acordo com seus objetivos pessoais e com o que acredita ser benfico para ele (McPHERSON, 2009). O interesse intrnseco corresponde satisfao pessoal conquistada na aprendizagem musical. Segundo Eccles e Wigfield (2002), esse componente assemelha-se aos construtos da motivao intrnseca, definido por Deci e Ryan (1985), do estado de fluxo, defendido por Csikszentmihalyi (1992), e do interesse, explicado por Hidi e Renninger (2006). Como terceiro componente que forma o valor da tarefa, a utilidade est relacionada com sua funo construtiva, na medida em que se refere quilo que o aluno deseja fazer agora ou no futuro.

    O segundo aspecto adotado por Hallam (2002) foi o construto expectativas de sucesso. Sobre os componentes que formam as expectativas, Hallam (2002) explica que eles se vinculam s crenas dos alunos sobre suas habilidades, sobre seus julgamentos de autoeficcia e controle e sobre sua expectativa de ter xito em uma tarefa. Isso significa que, possivelmente, um aluno ir envolver-se em atividades que ele confia realizar de maneira satisfatria, ou seja, concernente quelas que possuem expectativa de sucesso.

    Como ltimo aspecto, as emoes envolvidas nas experincias musicais referem-se aos sentimentos e reaes de um aluno sobre determinada atividade. A sensao de ansiedade, por exemplo, um tipo de emoo que, em demasia, pode comprometer a execuo (performance musical), alm de ter um impacto negativo em sua qualidade (PAPAGEORGI; HALLAM; WELCH, 2007). Outro exemplo o alto nvel de sensibilidade em relao s opinies dos outros, que, tambm, pode causar

    7Alm desses trs componentes, o modelo de expectativa e valor de Eccles e Wigfield prev um quarto aspecto: o custo, que corresponde ao gasto, energia ou o esforo despendido em uma tarefa. Entretanto, nesta investigao, ele no foi citado, pois o modelo de motivao em msica (Hallam, 2002) no menciona esse componente.

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    desconforto ao aluno, causando alteraes em seu estado psicolgico, incluindo seus julgamentos de autoeficcia (PAPAGEORGI; HALLAM; WELCH, 2007).

    Como pode ser observado, o modelo de motivao em msica agrupa vrios construtos de diferentes perspectivas tericas sobre a motivao para aprender. Isso revela que, ao construir o modelo, Hallam (2002) optou pela integrao terica, a qual procura conjugar os contributos de diversas teorias relevantes, comparveis e complementares (JESUS, 2000, p. 140). Muitos dos construtos escolhidos pela autora possuem significados, aparentemente, antagnicos, fazendo-se a distino entre intrnsecos e extrnsecos. O emprego dos dois tipos de orientao motivacional (motivao intrnseca e extrnseca), o foco nas diferentes metas (meta aprender e meta performance), e as formas opostas de atribuir causas ao sucesso e ao fracasso (externa e interna, invarivel e varivel, incontrolvel e controlvel) representam as polarizaes de um nico construto. No entanto, essas representaes, que podem parecer unilaterais, prevem a flexibilidade do comportamento humano, pois todas as pessoas so motivadas por uma complexa combinao de fatores, intrnsecos e extrnsecos. Por isso, Hallam (2002) defende a interao dos fatores individuais e ambientais, sem qualquer pretenso de induzir o comportamento e a motivao do aluno para um polo ou para outro, revelando que nas situaes reais da vida, os humanos esto sendo, constantemente, recompensados tanto de forma intrnseca como extrnseca durante as atividades (HALLAM, 2002, p. 231, traduo minha).

    Alm de compactuar com ideias de diferentes perspectivas, outros estudos da pesquisadora Susan Hallam contriburam para a confeco final do modelo de motivao em msica. A seguir, apresento esses estudos e outras pesquisas que se assemelham com o modelo em questo.

    2.2 ESTUDOS RELACIONADOS AO MODELO DE MOTIVAO EM MSICA

    Antes de chegar construo do modelo de motivao em msica, a pesquisadora Susan Hallam desenvolveu, em 1997, um modelo relacionado pratica instrumental que j continha as caractersticas do indivduo e do ambiente como aspectos relacionados motivao para aprender. Entre os modelos multidimensionais que foram desenvolvidos para descrever as complexidades da

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    aprendizagem humana, Hallam (1997) criou o modelo de prtica, como uma forma de ampliar o modelo de aprendizagem proposto por Biggs e Moore (1993) para a rea da msica. Em sua macroestrutura, o modelo de prtica musical abrange os seguintes aspectos: o que ao aluno traz para a situao prtica, as caractersticas do ambiente de aprendizagem, as exigncias de uma tarefa, os processos envolvidos na prtica instrumental, os resultados da aprendizagem e as interaes entre todos esses aspectos (HALLAM, 1997).

    Esses elementos esto distribudos nas trs partes que dividem o modelo. A primeira parte constituda pelos fatores prvios, os quais incluem as caractersticas do aprendiz e do ambiente de aprendizagem musical. Na segunda parte, ocorre o processo de aprendizagem, que significa a situao imediata de aprendizagem. Na terceira parte, chega-se ao produto, que agrupa os resultados do que aprendido. A seguir, a figura mostra todos os fatores que constituem o modelo de prtica musical.

    Figura 3. Modelo de prtica musical (HALLAM, 1997, p. 183, traduo minha).

    FATORES PRVIOSFATORES PRVIOSFATORES PRVIOSFATORES PRVIOS PROCESSO DE APRENDIZAGEMPROCESSO DE APRENDIZAGEMPROCESSO DE APRENDIZAGEMPROCESSO DE APRENDIZAGEM PRODUTOPRODUTOPRODUTOPRODUTO

    FeedbackFeedbackFeedbackFeedback: crenas de autoeficcia,: crenas de autoeficcia,: crenas de autoeficcia,: crenas de autoeficcia, atribuies de sucesso e fracassoatribuies de sucesso e fracassoatribuies de sucesso e fracassoatribuies de sucesso e fracasso

    Efeitos diretos Efeitos diretos Efeitos diretos Efeitos diretos (habilidade) (habilidade) (habilidade) (habilidade)

    MetaMetaMetaMeta----aprendizagemaprendizagemaprendizagemaprendizagem

    Percepes do Percepes do Percepes do Percepes do aluno,do professoraluno,do professoraluno,do professoraluno,do professor e do pblico e do pblico e do pblico e do pblico

    Metaensino Metaensino Metaensino Metaensino (autoensino) (autoensino) (autoensino) (autoensino)

    Efeitos diretos Efeitos diretos Efeitos diretos Efeitos diretos (tempo) (tempo) (tempo) (tempo)

    Caractersticas do aprendiz Caractersticas do aprendiz Caractersticas do aprendiz Caractersticas do aprendiz Nvel de competncia Estilos de Aprendizagem Aproximao com a prtica Motivao Aut