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ABORDAGENS SOCIOANTROPOLÓGICAS NAS O RGANIZAÇÕES

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ABORDAGENS

SOCIOANTROPOLÓGICAS

NAS ORGANIZAÇÕES

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ABORDAGENS SOCIOANTROPOLÓGICAS

NAS ORGANIZAÇÕES

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SOCIOLOGIA E A CONTRIBUIÇÃO PARA AS ORGANIZAÇÕES 7

A SOCIOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES 7

ÉMILE DURKHEIM E O PENSAMENTO POSITIVISTA 7

KARL MARX E A CRÍTICA AO CAPITALISMO 11

MAX WEBER E A ANÁLISE DAS ORGANIZAÇÕES 15

AS ORGANIZAÇÕES SOB UM OLHAR SOCIOLÓGICO 19

AS CONTRIBUIÇÕES DE ELTON MAYO 19

O ESTADO E O PODER NAS ORGANIZAÇÕES 21

CAPITALISMO E A GLOBALIZAÇÃO 29

A ANÁLISE ANTROPOLÓGICA DAS ORGANIZAÇÕES 34

CONTRIBUIÇÕES DOS CLÁSSICOS 34

BRONISŁAW MALINOWSKI 34

CLAUDE LÉVI-STRAUSS 36

A CONTRIBUIÇÃO DE DOMENICO DI MASI PARA A ORGANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA 38

ANTROPOLOGIA E ANTROPOLOGIA CULTURAL 42

CULTURA ORGANIZACIONAL E AS RELAÇÕES DE TRABALHO 42

INDIVÍDUO / TRABALHO E SOCIEDADE 56

ROBERTO DAMATA E O JEITINHO BRASILEIRO 62

Sumário

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Caro (a) Aluno (a)

Estamos dando início à disciplina Abordagens Socioantropológicas nas Organizações, que visará aprofundar os estudos das principais correntes teóricas da Sociologia, partindo dos clássicos e desenvolvendo as contribuições dos autores contemporâneos, permitindo, assim, a atualização das abordagens sócio-antropológicas, refl etindo acerca das principais questões e dos principais conceitos envolvendo as linhas das organizações na atualidade.

Esse módulo disciplinar possui 60 horas e encontra-se dividido em quatro grandes blocos temáticos, em que cada bloco será trabalhado por semana.

O primeiro bloco temático intitula-se “Sociologia e a contribuição para as organizações” e será desenvolvido a partir dos temas que abordam a Sociologia das organizações. No segundo bloco, “A Análise Antropológica das Organizações”, trataremos dos temas que envolvem a Antropologia Cultural e seus principais teóricos.

Todo o material didático dessa disciplina foi confeccionado e estruturado para potencializar sua aprendizagem. Para tanto, solicitamos a leitura atenta e rigorosa de todos os textos, assim como a realização de todas as atividades propostas, a fi m de obter um excelente proveito de todo conhecimento disposto nesse módulo disciplinar.

Desejo discernimento para obter o melhor dos conhecimentos neste disponibilizados.

Professora Eliete Barros

Apresentação da Disciplina

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SOCIOLOGIA E A CONTRIBUIÇÃO PARA AS

ORGANIZAÇÕES

A SOCIOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES

ÉMILE DURKHEIM E O PENSAMENTO POSITIVISTA

Émile Durkheim (Epinal, França, 1858 – Paris, 15 de novembro de 1917), descendente de judeus franceses, cujo pai, avô e bisavô foram rabinos. Ainda moço decidiu não seguir o caminho dos familiares levando, pelo contrário, uma vida bastante secular. Em sua obra, por exemplo, explicava os fenômenos religiosos a partir de fatores sociais e não divinos. Tal fato não o afastou, no entanto, da comunidade judaica. Muitos de seus colaboradores foram judeus e alguns, inclusive, seus parentes.

Entrou na École Normale Supérieure em 1879, juntamente com Jean Jaurès e Henri Bergson, e durante seus estudos teve contatos com as obras de Auguste Comte e Herbert Spencer, que o infl uenciaram signifi cativamente na tentativa de buscar a cientifi cidade no estudo das humanidades.

Durkheim formou-se em Direito e Economia, porém sua obra inteira é dedicada à Sociologia. Seu principal trabalho é na refl exão e no reconhecimento da existência de uma “Consciência Coletiva”.

Ele parte do princípio que o homem seria apenas um animal selvagem que só se tornou humano porque se tornou sociável, ou seja, foi capaz de aprender hábitos e costumes característicos de seu grupo social para poder conviver no meio deste.

A este processo de aprendizagem Durkheim chamou de “Socialização”. A consciência coletiva seria, então, formada durante a nossa socialização e seria composta por tudo aquilo que habita nossas mentes e que serve para nos orientar como devemos ser, sentir e nos comportar. A esse “tudo” ele chamou de “Fatos Sociais” e disse que esses eram os verdadeiros objetos de estudo da Sociologia, com a teoria sociológica. É reconhecido amplamente como um dos melhores teóricos do conceito da coesão social.

Que ao dedicar-se a estudar Sociologia pela primeira vez muitos estudantes fi cam confusos com as diversas abordagens que encontram? Então...

O que é a Sociologia?

Você sabia?

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Abordagens Socioantropológicas

nas Organizações

Sociologia é uma ciência que estuda o comportamento humano em função do meio e os processos que interligam o indivíduo em associações, grupos e instituições. Enquanto o indivíduo, na sua singularidade, é estudado pela Psicologia, a Sociologia estuda os fenômenos que ocorrem quando vários indivíduos se encontram em grupos de tamanhos diversos e interagem no seu interior.

O termo Sociologia foi criado pelo fi losofo francês Auguste Comte, que esperava unifi car todos os estudos relativos ao homem — inclusive a

história, a Psicologia e a Economia. Seu esquema sociológico era tipicamente positivista, (corrente que teve grande força no século XIX), e ele acreditava que toda a vida humana tinha atravessado as mesmas fases históricas distintas e que, se a pessoa pudesse compreender este progresso, poderia prescrever os remédios para os problemas de ordem social.

A multiplicidade de visões sociológicas sobre a sociedade persiste ainda hoje, esta, preocupa-se em compreender o homem e o seu mundo social. Afi nal, os tempos mudam, mas a Sociologia acompanha o homem, ao longo do tempo. Homens tentando explicar os próprios homens em sociedade; talvez aí esteja a fascinação que a Sociologia exerce sobre nós.

A sociologia de Émile Durkheim

No século XVIII, Giambatista Vico dizia, em sua obra “A Nova Ciência”, que a sociedade se subordina a leis defi nidas que podem ser perfeitamente estudadas. Ele estava trazendo para a sociedade européia, dita civilizada, uma metodologia de estudo que os evolucionistas já usavam para estudar outros povos desde o incremento da colonização de outros continentes.

A idéia de se dedicar ao estudo da sociedade européia não era nova, mas tampouco era uma ciência estabelecida. Vários fi lósofos e economistas inclinavam-se cada vez mais ao estudo dos fenômenos sociais como determinantes em suas pesquisas. Entretanto, foi somente no século XIX que esta tendência se tornou reconhecida como uma condição para o Conhecimento. Auguste Comte criou o termo Sociologia para denominar o estudo da sociedade que dava ênfase aos fenômenos sociais, suas instituições e suas regras. Contudo, sua obra não era Sociologia, era mais uma ciência sociológica, feita de muita inspiração e pouco rigor metodológico.

Foi somente na segunda metade do século XIX, com Émile Durkheim, que a Sociologia realmente passou a existir, com objeto, métodos e objetivos claros e defi nidos. Mesmo que de lá para cá estes tenham mudado bastante. Podemos dizer que se Durkheim não foi o “pai” da idéia, com certeza ele foi o “pai” da ciência.

A partir do fi nal do séc. XVII e início do séc. XVIII é grande o número de pessoas, principalmente entre os mais pobres, que são forçadas a deixar seus lares no campo e rumarem para as cidades a fi m de encontrar novas formas de sobrevivência. Durante estes dois séculos o número de indústrias localizadas dentro e na periferia das cidades aumenta assustadoramente, modifi cando a paisagem urbana, bem como seu estilo de vida.

A cidade ganhou uma nova feição, caracterizada pelo modo de produção capitalista e pelo trabalho assalariado, refl etindo as suas contradições. A arrancada industrial não benefi ciou os assalariados, pois, enquanto o custo de vida nas cidades subiu em torno de 62% durante o séc. XVIII, o salário médio cresceu apenas em torno dos 26% no mesmo período, o que implica no aumento da miséria e de todos os males que ela traz.

O crescimento rápido e desordenado das cidades e a introdução das máquinas pioraram as condições de trabalho e de vida dos operários, gerando a chamada “questão social”. Ou seja, o problema de ter de lidar com uma camada da população que é um enorme contingente de trabalhadores mal pagos ou desempregados que se encontram em situação de extrema desvantagem no sistema capitalista.

O séc. XIX é, ao mesmo tempo, o apogeu e a crise da sociedade burguesa, o proletariado avança ameaçando a ordem do sistema, que tem de se proteger ao mesmo

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tempo que tenta se legitimar. Contudo, vale a pena atentar para a questão de que nascia um novo estilo de vida, baseado na vida urbana e na sociedade de consumo, que tornava a sobrevivência de cada um totalmente dependente da produção dos outros, obrigando progressivamente ao consumo para esta sobrevivência. Mesmo assim, deixava este consumo fora do alcance da maioria da população trabalhadora.

Não é de se estranhar que no meio deste contexto aparecessem homens dispostos a discutir sobre o que estava acontecendo, dispostos a tentar entender as mudanças sociais e individuais, a tentar estabelecer ordem e regras para um mundo que se modifi cava rapidamente e outros que quisessem acelerar ainda mais estas mudanças. Homens que não podiam mais se contentar com dogmas, com explicações religiosas. Todos eles herdeiros do pensamento Iluminista, críticos racionais e laicos, muitos levados pelo pensamento positivista, fi éis depositários de suas esperanças na possibilidade ilimitada da ciência. Entre eles Émile Durkheim.

Émile Durkheim era formado em Direito e Economia, porém sua obra inteira é dedicada à Sociologia. Seu trabalho principia na refl exão e no reconhecimento da existência de uma “Consciência Coletiva”. Ele parte do princípio que o homem seria apenas um animal selvagem que só se tornou humano porque se tornou sociável, ou seja, foi capaz de aprender hábitos e costumes característicos de seu grupo social para poder conviver no meio deste.

A este processo de aprendizagem Durkheim chamou de “Socialização”. A consciência coletiva seria então formada durante a nossa socialização e seria composta por tudo aquilo que habita nossas mentes e que serve para nos orientar como devemos ser, sentir e nos comportar. A esse “tudo” ele chamou de “Fatos Sociais” e disse que esses eram os verdadeiros objetos de estudo da Sociologia.

Nem tudo que uma pessoa faz é um fato social, para ser um fato social tem de atender a três características: generalidade, exterioridade e coercitividade. Isto é, o que as pessoas sentem, pensam ou fazem, independente de suas vontades individuais, é um comportamento estabelecido pela sociedade. Não é algo que seja imposto especifi camente a alguém, é algo que já estava lá antes e que continua depois e que não dá margem a escolhas.

O mérito de Durkheim aumenta ainda mais quando publica seu livro “As regras do método sociológico”, no qual defi ne uma metodologia de estudo que embora sendo em boa parte extraída das ciências naturais, dá seriedade à nova ciência. Era necessário revelar as leis que regem o comportamento social, ou seja, o que comanda os fatos sociais.

Em seus estudos, ele concluiu que os fatos sociais atingem toda a sociedade, o que só é possível se admitirmos que a sociedade é um todo integrado. Se tudo na sociedade está interligado, qualquer alteração afeta toda a sociedade, o que quer dizer que se algo não vai bem em algum setor da sociedade toda ela sentirá o efeito. Partindo deste raciocínio ele desenvolve dois dos seus principais conceitos: Instituição Social e Anomia.

A instituição social é um mecanismo de proteção da sociedade, é o conjunto de regras e procedimentos padronizados socialmente, reconhecidos, aceitos e sancionados pela sociedade cuja importância estratégica é manter a organização do grupo e satisfazer as necessidades dos indivíduos que dele participam. As instituições são, portanto, conservadoras por essência, quer seja família, escola, governo, polícia ou qualquer outra, elas agem fazendo força contra as mudanças, pela manutenção da ordem.

Durkheim deixa bem claro em sua obra o quanto acredita que essas instituições são valorosas e parte em sua defesa, o que o deixou com uma certa reputação de conservador, que durante muitos anos causou antipatia à sua obra. Mas Durkheim não pode ser meramente tachado de conservador, sua defesa das instituições se baseia num ponto fundamental: o ser humano necessita se sentir seguro, protegido e respaldado. Uma sociedade sem regras claras, sem valores, sem limites leva o ser humano ao desespero. Preocupado com esse desespero, Durkheim se dedicou ao estudo da criminalidade, do suicídio e da religião. O homem que inovou construindo uma nova ciência, inovava novamente, se preocupando com fatores psicológicos,

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Abordagens Socioantropológicas

nas Organizações

antes da existência da Psicologia. Seus estudos foram fundamentais para o desenvolvimento da obra de outro grande homem: Freud.

Basta uma rápida observação do contexto histórico do século XIX para se perceber que as instituições sociais se encontravam enfraquecidas. Havia muito questionamento, valores tradicionais eram rompidos e novos surgiam, muita gente vivendo em condições miseráveis, desempregados, doentes e marginalizados. Ora, numa sociedade integrada essa gente

não podia ser ignorada, porque de uma forma ou de outra toda a sociedade estava ou iria sofrer as conseqüências. Aos problemas que ele observou ele considerou como patologias sociais, e chamou aquela sociedade doente de “Anomana”. A anomia era a grande inimiga da sociedade, algo que devia ser vencido, e a Sociologia era o meio para isso. O papel do sociólogo seria, portanto, estudar, entender e ajudar a sociedade.

Na tentativa de “curar” a sociedade da anomia, Durkheim escreve “A divisão do trabalho social”, em que ele descreve a necessidade de se estabelecer uma solidariedade orgânica entre os membros da sociedade. A solução estaria em seguir o exemplo de um organismo biológico, no qual cada orgão tem uma função e depende dos outros para sobreviver. Se cada membro da sociedade exercer uma função na divisão do trabalho, ele será obrigado, através de um sistema de direitos e deveres, e também sentirá a necessidade de se manter coeso e solidário aos outros. O importante para ele é que o indivíduo realmente se sinta parte de um todo, que realmente precise da sociedade de forma orgânica, interiorizada e não meramente mecânica.

Refl etindo sobre a importância da dependência entre os membros da sociedade, inúmeros estudiosos que se seguiram a Durkheim desenvolveram o que fi cou conhecido como “Funcionalismo”. Creio que não é possível chegar a esse ponto sem lembrar de Marx conclamando a “união” dos trabalhadores. Uma união consciente dos indivíduos ou uma união dependente. De um jeito ou de outro, ambos se opõe ao individualismo possessivo, o que nos remete à difi culdade de convivência entre os homens. Mais de um século depois o confl ito ainda não está resolvido. Durkheim, se visse nossa sociedade, fi caria chocado com seu grau de “anomia” e talvez fi casse decepcionado ao saber que os sociólogos já não querem mais “salvar o mundo”. Contudo, a História está cheia de “durkheims” e continuará estando.

O pensamento de Émile Durkheim

Com o seu pensamento positivista e coletivista Durkheim contribuiu para o desenvolvimento da sociologia francesa. A escola sociológica da qual ele fazia parte afasta-se da fi losofi a da história e passa a explicar todos os fatos da vida humana como resultado da ação das forças sociais. Sua tese principal, De La division du travail social (1893), demonstrou que o desenvolvimento do indivíduo tem relação de dependência com o da sociedade. Defendeu seus princípios nas Règles de la méthode sociologique (1984). Em Le Suicide, étude de sociologie (1897), provou que as causas que levam alguém a querer se matar são de natureza sociológica e não individual.

Mas... O que é Positivismo?

O Positivismo é uma corrente sociológica cujo precursor foi o francês Auguste Comte (1798-1857).

Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo e das crises social e moral do fi m da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial. Teve grande repercussão na segunda metade do século XIX, mas perdeu infl uência no século XX para outras correntes de pensamento.

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O Positivismo pregava a cientifi zação do pensamento e do estudo humano, visando a obtenção de resultados claros, objetivos e completamente corretos. Os seguidores desse movimento acreditavam num ideal de neutralidade, isto é, na separação entre o pesquisador/autor e sua obra: esta, em vez de mostrar as opiniões e julgamentos de seu criador, retrataria de forma neutra e clara uma dada realidade a partir de seus fatos, mas sem os analisar.

Os positivistas crêem que o conhecimento se explica por si mesmo, necessitando apenas seu estudioso recuperá-lo e colocá-lo à mostra. Não foram poucos os que seguiram a corrente positivista: Auguste Comte, na Filosofi a; Émile Durkheim, na Sociologia; Fustel de Coulanges, na História, entre outros, contribuíram para fazer do Positivismo e da cientifi zação do saber um posicionamento poderoso no século XIX.

Pode-se, inclusive, dizer que o Positivismo reduz o papel do homem enquanto ser pensante, crítico, para um mero coletor de informações e fatos presentes nos documentos, capazes de fazer-se entender por sua conta. “Os fatos históricos falam por si mesmos”, dizia Coulanges, historiador francês. Assim, para os positivistas que estudaram a História, esta assume o caráter de ciência pura: é formada pelos fatos cronológicos e o que realmente signifi cam em si. São objetivos à medida que possuem uma verdade única em sua formação (que é o seu sentido e sua única possibilidade de compreensão) e não requerem a ação do historiador para serem entendidos: como já dito, o papel deste é coletá-los e ajeitá-los, constatando pela análise minuciosa e liberta de julgamentos pessoais sua validade ou não. O saber histórico, dessa forma, provém do que os fatos contêm e assume um valor tal qual uma lei da Física ou da Química, ciência exatas.

KARL MARX E A CRÍTICA AO CAPITALISMO

Karl Marx (Tréveris, Alemanha 1818 – Londres, 14 de março de 1883). Idealizador de uma sociedade com uma distribuição de renda justa e equilibrada, o economista, cientista social, fi lósofo e revolucionário socialista alemão Karl Heinrich Marx nasceu 5 de maio de 1818, numa família de classe média. Sua mãe (Henrietta) era judia holandesa e seu pai (Heinrich Marx), um advogado que teve de se converter ao cristianismo (quando Marx ainda tinha 6 anos) em função das restrições impostas à presença de membros de etnia judaica no serviço público. Cursou Filosofia, Direito e História nas Universidades de Bonn e Berlim e foi um dos seguidores das idéias de Hegel.

Em 1835, com dezessete anos, Marx ingressou na Universidade de Bonn para estudar Direito, mas, já no ano seguinte, transferiu-se para a Universidade de Berlim, onde a influência de Hegel ainda era bastante sentida, mesmo após a morte (em 1831) do celebrado professor e reitor daquela universidade. Ali, os interesses de Marx se voltam para a Filosofia, tendo participado ativamente do movimento dos Jovens Hegelianos. Doutorou-se em Jena, 1841, com uma tese sobre as “Diferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro”.

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Abordagens Socioantropológicas

nas Organizações

Impedido de seguir uma carreira acadêmica, tornou-se, em 1842, redator-chefe da Gazeta Renana. Com o fechamento do jornal pelos censores do governo prussiano, em 1843, Marx emigra para a França. Naquele mesmo ano, casou-se com Jenny Von Westphalen. Desse casamento, Marx teve cinco fi lhos: Franziska, Edgar, Eleanor, Laura e Guido. Franziska, Edgar e Guido morreram na infância, provavelmente pelas péssimas condições fi nanceiras a que a família estava submetida. Marx já havia sido privado

da oportunidade de seguir uma carreira acadêmica na Alemanha pelo recrudescimento do absolutismo prussiano, que tornava suas posições como hegeliano de esquerda inaceitáveis, e, com a Revolução de 1848 e o exílio que se seguiu a ela, foi obrigado a abandonar o jornalismo na Alemanha e tentar ganhar a vida na Inglaterra como um intelectual estrangeiro desconhecido com meios de subsistência precários, sofrendo, assim, a sorte comum destinada pela época às pessoas destituídas de “meios independentes de subsistência” (isto é, viver de rendas), e sua incapacidade de ter uma existência fi nanceiramente desafogada não parece ter sido maior do que a dos seus contemporâneos Balzac e Dostoievsky.

Durante a maior parte de sua vida adulta sustentou-se com artigos que publicava ocasionalmente em jornais alemães e estadunidenses, bem como por diversos auxílios fi nanceiros vindos de seu amigo e colaborador Friedrich Engels. Tentava angariar rendas publicando livros que analisassem fatos da história recente, tais como “O 18 Brumário de Luís Bonaparte “, mas obteve pouco retorno com essas empreitadas.

Marx foi herdeiro da fi losofi a alemã, considerado, ao lado de Kant e Hegel, um de seus grandes representantes. Foi um dos maiores pensadores de todos os tempos, tendo uma produção teórica com a extensão e densidade de um Aristóteles, de quem era admirador.

Dentro das duas ordens de pensamento existente na Alemanha, o racionalismo (idealismo lógico) e o romantismo (idealismo sensível), e como evolução e crítica do “materialismo contemplativo” de Ludwig Feuerbach, Marx defendia a “práxis” (ou prática) ou um materialismo ativo. Seu materialismo não pode se defi nir como meramente empirista, primeiro porque julga Marx que o empirismo é ainda muito abstrato, e segundo porque seu materialismo é dialético. Ou seja, matéria e idéia são categorias que, de forma oposta, se interelacionam, ou, em termo tradicional, trata-se de uma “unidade de opostos”. Tendo por a priori a própria matéria (realidade), o princípio é materialista, mas não é um materialismo absoluto.

Seu pensamento político criticou todas as correntes socialistas por não ter um caráter decididamente transformador, mas somente reformador.

Criticou também o anarquismo por sua visão ingênua do fi m do Estado, por querer acabar com o Estado “por decreto”, ao invés de acabar com as condições que fazem do Estado uma necessidade e realidade. Criticou o blanquismo com sua visão elitista de partido (muito parecida com a teoria de partido de Lenin), a vanguarda proletária, por ter uma tendência autoritária e superada. Se posicionou a favor do liberalismo, não como solução para o proletariado, mas como premissa para maturação das condições positivas e negativas da emancipação proletária, como a da homogenização da condição proletária internacional gerada pela “globalização” do capital. Sua visão política era profundamente marcada pelas condições que o desenvolvimento econômico ofereceria para a emancipação proletária, tanto em sentido negativo (desemprego), como em sentido positivo (em que o próprio capital centralizaria a economia, exemplo: multinacionais).

A grande obra de Marx é O Capital, que é predominantemente um livro de Economia Política, mas não só. Nesta obra monumental, Marx discorre desde a

Você sabia?

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economia até a sociedade, cultura, política, fi losofi a. É uma obra analítica, sintética, crítica, descritiva, científi ca, fi losófi ca, etc. Uma obra de difícil leitura, ainda que suas categorias não tenha a ambigüidade especulativa própria da obra de Hegel. No entanto, uma linguagem pouco atraente e nem um pouco fácil. O Capital não é apenas uma grande obra por ser a obra que Marx se dedicou com mais profundidade e extensão, ela uma extensa análise da sociedade capitalista.

Defendendo idéias igualitárias, Karl passou a sofrer perseguições do regime de Frederico Guilherme IV. No início de 1842 encontra-se como professor desempregado em Bonn, sem meios de se casar. Não podendo expressar suas idéias na universidade, resolve apresentá-las nos jornais.

Seu primeiro artigo, sobre a censura à imprensa, foi censurado, então passou a enviar seus textos para o jornal liberal A Gazeta Renana. Obteve grande sucesso e assumiu a direção do jornal em Colônia. Porém, após violento texto contra o regime czarista de Nicolau I na Rússia, o mesmo pressiona com sucesso o governo prussiano a fechar o jornal. Então, em 1844, Marx combina a criação de uma nova revista com o amigo Arnold Ruge. Publica um único número - Anais-Franco-Alemães. Muito perseguido na Prússia, muda-se para Paris logo após sua lua-de-mel. Lá se envolve no movimento dos operários franceses e reencontra seu futuro maior amigo, Friedrich Engels, depois de conhecê-lo não muito profundamente em Colônia.

Na capital francesa, passa necessidades, escassamente supridas pela retribuição recebida pelo trabalho na revista Vorwäts! Em português: Avante! Porém, por seus artigos sobre a situação política na Alemanha, é expulso da França por pressão de Guilherme IV. De lá parte para Bruxelas, onde pôde entrar mediante a assinatura de um documento comprometendo-se a não redigir artigos sobre a atualidade política nacional ou internacional. Lá se associa à Liga Socialista pela Justiça, posteriormente denominada Liga Comunista. Logicamente não cumpriu a determinação de não escrever artigos políticos e acabou sendo expulso da Bélgica, voltando para Paris. Em 1848, aproveitando a morte de Guilherme IV, pôde voltar com Engels e sua mulher para Colônia, onde iniciam a publicação da Nova Gazeta Renana, fechada no ano seguinte. Engels acabou sendo exilado em Londres devido a um mandato de prisão expedido contra ele. O mesmo aconteceu com Marx mais tarde. Exilou-se em Londres, onde permaneceu até o fi m de sua vida.

Segundo o marxismo, o capitalismo encerra uma contradição fundamental entre o caráter social da produção e o caráter privado da apropriação, que conduz a um antagonismo irredutível entre as duas classes principais da sociedade capitalista: a burguesia e o proletariado (o empresariado e os assalariados).

O caráter social da produção se expressa pela divisão técnica do trabalho, organização metódica existente no interior de cada empresa, que impõe aos trabalhadores uma atuação solidária e coordenada. Apesar dessas características da produção, os meios de produção constituem propriedade privada do capitalista. O produto do trabalho social, portanto, se incorpora a essa propriedade privada. Segundo o marxismo, o que cria valor é a parte do capital investida em força de trabalho, isto é, o capital variável. A diferença entre o capital investido na produção e o valor de venda dos produtos, a mais-valia (lucro), apropriada pelo capitalista, não é outra coisa além de valor criado pelo trabalho.

Segundo os marxistas, o sistema capitalista não garante meios de subsistência a todos os membros da sociedade. Pelo contrário, é condição do sistema a existência de uma massa de trabalhadores desempregados, que Marx chamou de exército industrial de reserva, cuja função é controlar, pela própria disponibilidade, as reivindicações operárias. O conceito de exército industrial de reserva derruba, segundo os marxistas, os mitos liberais da liberdade de trabalho e do ideal do pleno emprego.

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Abordagens Socioantropológicas

nas Organizações

A experiência marxista: Depois de setenta anos de vigência e muitas difi culdades internas decorrentes, principalmente, da instalação de burocracias autoritárias no poder, os regimes

Você sabia?

socialistas não tinham conseguido estabelecer a sociedade justa e de bem-estar que pretendiam seus primeiros ideólogos.

Já o capitalismo, apesar de duramente criticado pelos socialistas (marxistas), mostrou uma notável capacidade de adaptação a novas circunstâncias, fossem elas decorrentes do progresso tecnológico, da existência de modelos econômicos alternativos ou da crescente complexidade das relações internacionais.

A União Soviética, maior potência militar do planeta, exauriu seus recursos na corrida armamentista, mergulhou num irrecuperável atraso tecnológico e fi nalmente se dissolveu em 1991. A Iugoslávia socialista se fragmentou em sangrentas lutas étnicas e a China abriu-se, cautelosa e progressivamente, para a economia de mercado.

Para Marx os trabalhadores estariam dominados pela ideologia da classe dominante, ou seja, as idéias que eles têm do mundo e da sociedade seriam as mesmas idéias que a burguesia espalha. O capitalismo seria atingido por crises econômicas porque ele se tornou o impedimento para o desenvolvimento das forças produtivas. Seria um absurdo que a humanidade inteira se dedicasse a trabalhar e a produzir subordinada a um punhado de grandes empresários. A economia do futuro, que associaria todos os homens e povos do planeta, só poderia ser uma produção controlada por todos os homens e povos. Para Marx, quanto mais o mundo se unifi ca economicamente mais ele necessita de socialismo.

Não basta existir uma crise econômica para que haja uma revolução. O que é decisivo são as ações das classes sociais pois, para Marx e Engels, em todas as sociedades em que a propriedade é privada existem lutas de classes (senhores x escravos, nobres feudais x servos, burgueses x proletariados). A luta do proletariado do capitalismo não deveria se limitar à luta dos sindicatos por melhores salários e condições de vida. Ela deveria também ser a luta ideológica para que o socialismo fosse conhecido pelos trabalhadores e assumido como luta política pela tomada do poder. Neste campo, o proletariado deveria contar com uma arma fundamental, o partido político, o partido político revolucionário que tivesse uma estrutura democrática e que buscasse educar os trabalhadores e levá-los a se organizar para tomar o poder por meio de uma revolução socialista.

Marx tentou demonstrar que no capitalismo sempre haveria injustiça social, porque para ele o único jeito de uma pessoa fi car rica e ampliar sua fortuna seria explorando os trabalhadores.Ou seja, o capitalismo, de acordo com Marx, é selvagem, pois o operário produz mais para o seu patrão do que o seu próprio custo para a sociedade, e o capitalismo se apresenta necessariamente como um regime econômico de exploração, sendo a mais-valia a lei fundamental do sistema.

A força vendida pelo operário ao patrão vai ser utilizada não durante 6 horas, mas durante 8, 10, 12 ou mais horas. A mais-valia é constituída pela diferença entre o preço

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MAX WEBER E A ANÁLISE DAS ORGANIZAÇÕES

O principal objetivo de Weber era compreender o sentido que cada pessoa dá a sua conduta e perceber, assim, a sua estrutura inteligível e não a análise das instituições sociais, como dizia Durkheim.

Saiba mais!

Max Weber (Erfurt, Alemanha 1864 – Munique, Alemanha, 14 de junho de 1920), intelectual alemão, historiador, sociólogo, político, economista e considerado um dos fundadores da Sociologia. Seu irmão foi o também famoso sociólogo e economista Alfred Weber. Sua esposa era a socióloga e historiadora de Direito Marianne Schnitger.

Foi o mais velho dos sete fi lhos de Max Weber e sua mulher Helene Fallenstein. Seu pai, protestante, era uma fi gura autocrata. Sua mãe, uma calvinista moderada

Ele foi, juntamente com Karl Marx, Vilfredo Pareto e Émile Durkheim, um dos modernos fundadores da Sociologia,e é conhecido sobretudo pelo seu trabalho sobre a Sociologia da religião.

Para Weber, a Sociologia é uma ciência que procura compreender a ação social, por isso considerava o indivíduo e suas ações como ponto chave da investigação evidenciando o que para ele era o ponto de partida para a Sociologia, a compreensão e a percepção do sentido que a pessoa atribui à sua conduta.

Para ele, deve-se compreender, interpretar e explicar respectivamente o signifi cado, a organização e o sentido e evidenciar irregularidade das condutas.

pelo qual o empresário compra a força de trabalho (6 horas) e o preço pelo qual ele vende o resultado (10 horas, por exemplo). Desse modo, quanto menor o preço pago ao operário e quanto maior a duração da jornada de trabalho, tanto maior o lucro empresarial.

No capitalismo moderno, com a redução progressiva da jornada de trabalho, o lucro empresarial seria sustentado através do que se denomina mais-valia relativa (em oposição à primeira forma, chamada mais-valia absoluta), que consiste em aumentar a produtividade do trabalho através da racionalização e aperfeiçoamento tecnológico. Mas ainda assim não deixa de ser o sistema semi-escravista, pois “o operário cada vez se empobrece mais quando produz mais riquezas”, o que faz com que ele “se torne uma mercadoria mais vil do que as mercadorias por ele criadas”. Assim, quanto mais o mundo das coisas aumenta de valor, mais o mundo dos homens se desvaloriza. Ocorre, então, a alienação, já que todo trabalho é alienado na medida em que se manifesta como produção de um objeto que é alheio ao sujeito criador. O raciocínio de Marx é muito simples: ao criar algo fora de si, o operário se nega no objeto criado. É o processo de objetifi cação. Por isso, o trabalho que é alienado (porque cria algo alheio ao sujeito criador) permanece alienado até que o valor nele incorporado pela força de trabalho seja apropriado integralmente pelo trabalhador. Em outras palavras, a produção representa uma negação, já que o objeto se opõe ao sujeito e o nega na medida em que o pressupõe e até o defi ne. A apropriação do valor incorporado ao objeto, graças à força de trabalho do sujeito-produtor, promove a negação da negação. Ora, se a negação é alienação, a negação da negação é a desalienação. Ou seja, a partir do momento que o sujeito-produtor dá valor ao que produziu, ele já não está mais alienado.

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Com este pensamento, não possuía a idéia de negar a existência ou a importância dos fenômenos sociais, dando importância à necessidade de entender as intenções e motivações dos indivíduos que vivenciam essas situações sociais.Ou seja, a sua idéia é que no domínio dos fenômenos naturais só se podem aprender as regularidades observadas por meio de proposições de forma e natureza matemática. É preciso explicar os fenômenos por meio de proposições confi rmadas pela experiência, para poder ter o sentimento e compreendê-las.

Weber prognosticou a burocracia como forma de se ordenar as relações humanas entre si e com a organização, propiciando que objetivos explícitos sejam atingidos. A burocracia, segundo Weber, é uma forma prescritiva de delegar responsabilidades e padronizar a comunicação de acordo com normas pré-defi nidas e impessoais.

O sociólogo Max Weber inaugurou o estudo da Sociologia aplicado às organizações. Também saudava o desenvolvimento de leis de propriedade e de instituições de direito em seu tempo, criando o que seria o princípio do hoje denominado ambiente propício aos negócios e dos marcos regulatórios.

Vale notar que burocracia, para Weber, não carregava o signifi cado negativo de sua menção usual, por exemplo, em reclamações sobre fi las de bancos ou na demora no atendimento em serviços públicos. A defi nição de Weber precede a conotação presente e até mesmo a motivou, visto que esta advém de uma opinião negativa sobre o funcionamento da burocracia.

A visão de teóricos atuais das organizações, como Henry Mintzberg, destoa da weberiana por dar importância preponderante às relações interpessoais formadas no ambiente de trabalho e aos objetivos individuais dos participantes de uma organização. Para Mintzberg, a formação de grupos de interesse dentro da organização assim como subverte a ordem burocraticamente predita, também transforma a própria burocracia à sua imagem quando de posse do poder para tanto.

Anterior a Mintzberg é a visão de Michael Porter, que desdenha dos aspectos sociológicos da administração, pondo uma ênfase maior nas relações econômicas entre organizações como fatores preponderantes para sua formação e evolução.

Esta descrição sociológica das organizações, bem como todas as anteriores, sofrem fortes críticas de teóricos marxistas. São por eles consideradas uma justifi cação cientifi cista da dominação do indivíduo ou, em outras palavras, a reifi cação de um ideal burguês inconsistente. De acordo com Istvan Meszaros, as “instituições do Estado moderno” (Weber) foram construídas junto com o processo de apropriação capitalista de bens comunitários e a instituição de antes inexistentes relações de propriedade, necessárias para propiciar a expansão da produção capitalista.

Na concepção dos autores Weber e Durkheim, há uma separação entre ciência e ideologia. Para Weber também há uma separação entre política e ciência, pois a esfera da política é irracional, infl uenciada pela paixão, e a esfera da ciência é racional, imparcial e neutra. O homem político apaixona-se, luta, tem um princípio de responsabilidade, de pensar as conseqüências dos atos. O político entende por direção do Estado, correlação de força, capacidade de impor sua vontade a demais pessoas e grupos políticos. É luta pelo poder dentro do Estado. Já o cientista deve ser neutro, amante da verdade e do conhecimento científi cos, não deve emitir opiniões e sim

Saiba mais!

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pensar segundo os padrões científi cos, deve fazer ciência por vocação. Se o cientista apaixonar-se pelo objeto de sua investigação não será nem imparcial nem objetivo. Para Durkheim política é a relação entre governantes e governados.

A contribuição da Sociologia para as organizações

A compreensão do mundo atual apresenta muitos desafi os para a Sociologia. É compreensível, portanto, que num ambiente econômico em que o mercado estabelece as características fundamentais das economias nacionais as empresas se tornem alvo de atenção de sociólogos, pela sua expressiva participação no desempenho econômico de um país. Entretanto, pouco adiantaria fazer esta afi rmação se não dispuséssemos de instrumentos satisfatórios para compreender e explicar as empresas sob uma ótica sociológica.

A partir do desenvolvimento da Sociologia do Trabalho, o instrumental teórico da Sociologia da Organização não permitiu pensar a empresa apenas como local de combinação de trabalho e organização.Preenchendo este vazio, nos anos oitenta muitas pesquisas foram realizadas sobre a cultura e identidade das empresas e trouxeram à tona a existência de redes formais e informais.

A partir destas evidências, a empresa pode ser tratada como construto social e objeto sociológico. Assim, capaz de autonomia e criadora do social no sentido literal do termo, isto é, daquilo que une os indivíduos e constitui uma sociedade.

O papel da Sociologia começa a ser contestado nos anos oitenta, quando a empresa passa por transformações tão profundas que modifi cam substancialmente a relação empresa/sociedade, verifi cou-se a necessidade de outros instrumentos teóricos para explicar a mudança que está sob nossos olhos.

Segundo Bernoux, uma empresa não existe sem o reconhecimento mútuo, sem uma certa comunidade, sem relações privilegiadas entre seus membros, ainda que permeadas pelo confl ito; a violência do confl ito traduz a esperança decepcionada de uma relação privilegiada. Assim defi nida, a empresa pode ser vista como um lugar de aprendizado e de cooperação, mesmo quando é palco de ações ou atitudes confl itantes.

A contribuição da Sociologia nas organizações vai além dos modelos que defi nem o espaço fabril como espaço de relações antagônicas de classe. A empresa tem uma função identifi cadora na sociedade e constitui, portanto, verdadeira instituição social: ela instaura um conjunto de relações sociais e culturais e produz, assim, identidades novas. Nela se desenvolvem relações de oposições e de alianças e o ator vivencia as relações de trabalho de forma interativa e estratégica.

O instrumental teórico e metodológico utilizado no estudo da Sociologia nas organizações tem permitido estabelecer relações entre família, propriedade e administração com resultados muito interessantes. O avanço de pesquisas ligadas a temas como mudança da propriedade em grupos econômicos tradicionais; formação de um novo tipo de empresário; formação e trajetória de grandes dirigentes; processo sucessório em empresas familiares; reconstituição da história de grupos econômicos; papel dos empresários nas economias nacionais globalizadas, tudo isto abriu novas perspectivas no estudo de fenômenos sociais e econômicos da década de noventa . Este

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Abordagens Socioantropológicas

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estudo se estende até os dias de hoje, considerando que os indivíduos são seres humanos com infi nitas possibilidades. Logo, as relações dos indivíduos são transformadas a todo momento, abrindo, então novas possibilidades de estudos.

Sites de consulta para ampliação do conteúdo

http://www.culturabrasil.pro.br/durkheim.htm http://www.mundodosfi losofos.com.br/comte.htm http://www.administradores.com.br/noticias/a_sociologia_das_organizacoes/6142/

AtividadesComplementares

1. Quais as relações que podemos estabelecer entre o pensamento positivista e a dinâmica das organizações?

2. Explique como a ‘ferramenta’ Sociologia pode contribuir para o entendimento da dinâmica organizacional.

3. Ao defender a classe trabalhadora (proletários) e criticar a classe empresarial (donos dos meios de produção) Marx aponta a luta de classes: Em que medida o entendimento desses conceitos ajuda a entender a dinâmica organizacional?

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George Elton Mayo (Adelaide, Dezembro de 1880 — Polesden Lacey, Reino Unido, 7 de setembro de 1949) foi um sociólogo australiano, um dos fundadores e principais expoentes da sociologia industrial estadunidense.

Formou-se em Medicina na Universidade de Adelaide, trabalhou na África e lecionou na Universidade de Queensland. Ainda na Austrália, estuda as sociedades aborígenes, que o tornam sensível às múltiplas dimensões da natureza humana. Durante a Primeira Guerra Mundial, trabalha na análise psicológica de soldados em estado de choque.

George Elton Mayo chefi ou uma experiência em uma fábrica da Western Eletric Company , situada em Chicago, no bairro de Hawthorne. Foi um movimento de resposta contrária à Abordagem Clássica da Administração, considerada pelos trabalhadores e sindicatos como uma forma elegante de

explorar o trabalho dos operários para benefício do patronato. Essa alta necessidade de se humanizar e democratizar a Administração nas frentes de trabalho das indústrias, aliada ao desenvolvimento das ciências humanas – Psicologia e Sociologia, dentre outras – e as conclusões da Experiência de Hawthorne fi zeram brotar a Teoria das Relações Humanas.

4. Freqüentemente burocracia é entendida como um entrave à dinâmica organizacional: Explique o conceito de burocracia na perspectiva weberiana.

5. É notória a transformação dos modos de produção capitalista gerando conseqüentemente um processo de readaptação de gestão organizacional: Posicione a sociologia das organizações neste novo momento organizacional.

AS ORGANIZAÇÕES SOB UM OLHAR SOCIOLÓGICO

AS CONTRIBUIÇÕES DE ELTON MAYO

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A Experiência de Hawthorne tinha por objetivo inicial estudar a fadiga, os acidentes, a rotação do pessoal (turnover) e o efeito das condições físicas de trabalho sobre a produtividade dos empregados. Essa experiência também foi motivada por um fenômeno apresentado de forma severa à época na fábrica: conflitos entre empregados e empregadores, apatia, tédio, alcoolismo, dentre outros.

Na primeira fase se pretendia confi rmar a infl uência da iluminação sobre o desempenho dos operários. Os observadores não encontraram correlação direta entre as variáveis, não havendo comprovação do objetivo inicial, e sim a preponderância do fator psicológico sobre o fi siológico.

Na segunda fase ocorreu o desenvolvimento dos seguintes campos: social, gerado pelo trabalho em equipe; e de liderança, gerado pelos objetivos comuns. As condições da sala experimental permitiam que se trabalhasse com liberdade e menor ansiedade: supervisão branda (sem temor ao supervisor, desempenhando um papel mais para orientador), ambiente amistoso e sem pressões, proporcionando um desenvolvimento social e a integração do grupo entre si. Seguiu-se a terceira fase, na qual foi verifi cada, por meio do programa de entrevistas que compreendia entrevistas com os empregados para conhecer suas opiniões e sentimentos, onde foi constatada a existência de uma organização informal de operários em que existia lealdade e liderança de certos funcionários em relação ao grupo.

A punição não era formalizada, mas aplicada pelo grupo ao membro. Houve grande aprovação e, em conseqüência disso, criou-se a Divisão de Pesquisas Industriais. Conseqüentemente veio à quarta fase, tendo como foco de observação a igualdade de sentimentos entre os membros do grupo e a relação de organização formal e informal, que tinha por fi nalidade a proteção contra o que o grupo considerava ameaças da Administração.

As conclusões da experiência foram:- Nível de produção é resultante de Integração Social: é a capacidade social do

trabalhador que estabelece o seu nível de competência e efi ciência; quanto mais integrado socialmente no grupo de trabalho, tanto maior será a disposição de produzir;

- Comportamento Social dos empregados: verifi ca-se que o comportamento do indivíduo se apóia totalmente no grupo. Os trabalhadores não agem ou reagem individualmente, mas como membros de um grupo. Amizade e agrupamento social devem ser considerados aspectos relevantes para a Administração;

- Recompensas e Sanções sociais: são simbólicas e não-materiais, porém infl uenciam decisivamente a motivação e a felicidade do trabalhador. As pessoas são motivadas pela necessidade de “reconhecimento”, de “aprovação social” e “participação”.

- A motivação econômica é secundária na determinação da produção do empregado; - Grupos Informais: definem suas regras de comportamento, suas formas de

recompensas ou sanções sociais, punições, seus objetivos, sua escala de valores sociais, suas crenças e expectativas, que cada participante vai assimilando e integrando em suas atitudes e comportamento;

- As Relações Humanas: são as ações e atitudes desenvolvidas pelos contatos entre as pessoas e o grupo, permitindo uma atmosfera em que onde cada pessoa é encorajada a exprimir-se livre e sadiamente. Cada pessoa procurar se ajustar às demais pessoas do grupo para que seja compreendida e tenha participação ativa, a fi m de atender seus interesses e aspirações;

- A Importância do Conteúdo do Cargo: o conteúdo e a natureza do trabalho têm enorme infl uência sobre o moral do trabalhador, tornando-o produtivo ou desmotivado. Trabalhos repetitivos tendem a se tornar monótonos e maçantes afetando negativamente as atitudes do trabalhador e reduzindo sua efi ciência;

- Ênfase nos aspectos emocionais: é a preocupação com as emoções e sentimentos

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dos funcionários. Elementos emocionais não-planejados e até mesmo irracionais do comportamento humano devem ser considerados dentro da organização.

Após esse estudo, a empresa passou a ser visada também como um conjunto de indivíduos e de relações de interdependências que estes mantêm entre si, em função de normas, valores, crenças e objetivos comuns e de uma estrutura tecnológica subjacente. O homem social é um ser complexo, que ao mesmo tempo é condicionado pelos sistemas sociais em que se insere e motivado a agir por necessidade de ordem biológica, de ordem psicosocial.

Os valores que orientam o comportamento de cada indivíduo são, de um lado, derivados das necessidades que constituem a fonte de valores sociais; de outro, transmitidos ao indivíduo pelos sistemas sociais de que participa. Motivado pela organização, mediante a satisfação de suas necessidades, o indivíduo não focaliza o “salário ou benefícios fi nanceiros” como ponto central, mas a remuneração no ciclo motivacional é um componente integrante.

Para Elton Mayo: “O confl ito é uma chaga social, a cooperação é o bem-estar social” . Conclui-se que: comprovada a existência de uma organização informal, a Experiência de Hawthorne contrapõe o comportamento social do empregado ao comportamento do tipo máquina, proposto pela Teoria Clássica, abrindo, assim, portas para um novo campo de abordagem da Administração: as Relações Humanas.

O ESTADO E O PODER NAS ORGANIZAÇÕES

Estado é uma instituição organizada política, social e juridicamente, ocupando um território definido, normalmente onde a lei máxima é uma Constituição escrita, e dirigida por um governo que possui soberania reconhecida tanto interna como externamente. Um Estado soberano é sintetizado pela máxima “Um governo, um povo, um território”. O Estado é responsável pela organização e pelo controle social, pois detém, segundo Max Weber, o monopólio legítimo do uso da força (coerção, especialmente a legal).

Normalmente, grafa-se o vocábulo com letra maiúscula, a fi m de diferenciá-lo de seus homônimos. Há, entretanto, uma corrente de fi lólogos que defende sua escrita com minúscula, como em cidadania ou civil. Não com o objetivo de ferir a defi nição tradicional de Estado, mas a fi m de equiparar a grafi a a outros termos não menos importantes.

Saiba mais!

O reconhecimento da independência de um Estado em relação aos outros, permitindo ao primeiro fi rmar acordos internacionais, é uma condição fundamental para estabelecimento da soberania. O Estado pode também ser defi nido em termos de condições internas, especifi camente (conforme descreveu Max Weber, entre outros) no que diz respeito à instituição do monopólio do uso da violência.

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Abordagens Socioantropológicas

nas Organizações

O conceito parece ter origem nas antigas cidades-estados que se desenvolveram na Antiguidade, em várias regiões do mundo, como a Suméria, a América Central e no Extremo Oriente. Em muitos casos, estas cidades-estados foram, a certa altura da História, colocadas sob a tutela do governo de um reino ou império, seja por interesses econômicos mútuos, seja por dominação pela força. O Estado, como unidade política básica no mundo tem, em parte, evoluído no sentido de um supranacionalismo, na

forma de organizações regionais, como é o caso da União Européia.Os agrupamentos sucessivos e cada vez maiores de seres humanos procedem de tal

forma a chegarem à idéia de Estado, cujas bases foram determinadas na história mundial com a Ordem de Wetsfalia (Paz de Vestfália), em 1648. A instituição estatal, que possui uma base de prescrições jurídicas e sociais a serem seguidas, evidencia-se como “casa forte” das leis que devem regimentar e regulamentar a vida em sociedade.

Desse modo, o Estado representa a forma máxima de organização humana, somente transcendendo a ele a concepção de Comunidade Internacional.

A palavra Estado foi empregada pela primeira vez, em sentido próximo ao moderno, por Maquiavel, que a defi ne como a sociedade política organizada, o que implica a existência de uma autoridade própria e de regras defi nidas para a convivência de seus membros. O pensamento político de Maquiavel rompe com o tradicionalismo e seculariza o Estado, ou seja, torna-o laico. Assume a independência estatal em relação à religião.

Você sabia?

Teorias sobre a origem do Estado

•Origem familiar ou patriarcal Se inspira em Aristóteles. Para ele, o homem é um animal político que vive em grupo e

é naturalmente social. A própria família já é uma espécie de sociedade (sociedade doméstica), na qual já surge uma autoridade, a quem cabe estabelecer as regras.

•Origem em atos de forçaBaseia-se na imposição de regras de um grupo por meio da coerção física. É a “lei

do mais forte”, típica do estado de natureza.

•Origem em causas econômicasEncontra as origens do Estado na dominação através da acumulação primitiva de

excedentes de produção e na apropriação. Está normalmente associada à teoria marxista.

•Origem no desenvolvimento interno da sociedadeLocaliza o aparecimento do órgão estatal como efeito da complexidade de relações

sociais estabelecidas pelo homem. É formulada por Weber dentro dos conceitos de solidariedade mecânica e orgânica.

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Evolução histórica

1. Sociedade nômade: nômades e caçadores que viviam em grupo e tinham uma organização muito primitiva;

2. Estado-cidade ou cidade-estado: surge com a Grécia Antiga, onde há uma divisão do trabalho e uma sociedade bem sofi sticada;

3. Império burocrático: modelo utilizado na China, p ex., em que um grande território é controlado pela burocracia;

4. Estado feudal: a atividades essencial é a agricultura para subsistência, mas também há alguns excessos de produção que potencializaram a dinâmica de mercado. O produto mais requisitado eram os soldados.

5. Estado Moderno: O Estado Moderno serve de base à Ciência Política. Esta é uma conseqüência da própria modernização da sociedade que começa no século XVI e culmina com a Revolução Industrial. Este processo tem um elemento central, a tecnologia. Esta modernização possibilita igualmente uma maior mobilidade social. A sociedade moderna é caracterizada pela tecnologia, pelo aumento da produtividade, pela mobilidade da população e pelo aparecimento de novos grupos sociais. É a época da ascensão da burguesia. Outra novidade do Estado Moderno é a nova forma de legitimação de poder. Antes quem legitimava o poder era um Deus Absoluto, mas quem vai se tornar o novo elemento legitimador é o povo. Assim, surgem novas Instituições, como os parlamentos, onde o povo se faz representar.

Este Estado Moderno não nasceu de uma só vez, mas foi o resultado de um longo processo de mais de três séculos. A fase mais antiga é a monarquia. A monarquia acompanha o desenvolvimento do Estado Moderno e vai, pelo processo de burocratização, lançar a primeira forma de Estado Moderno. Por isso se diz que D. João II foi o primeiro monarca moderno em Portugal.

A segunda fase do Estado Moderno é o Estado Liberal, conseqüência direta das revoluções liberais na França e na Inglaterra. Este Estado é representativo e oligárquico, mas potenciou, entre outras coisas, o aparecimento do ideal dos Direitos do Homem e pela separação de poderes. No século XIX o Estado Liberal tornou-se imperial e vai dominar globalmente o mundo graças ao processo chamado imperialismo.

A terceira fase do Estado Moderno assenta na crise do Estado Liberal, que surge nos fi nais do século XIX, já que este não tem capacidade para responder às exigências sociais. Surgem assim as ideologias extremistas de direita (Fascismo) e de esquerda (Comunismo).

A quarta fase fi ca marcada pelo aparecimento do Estado Democrático Liberal, conseqüência da grande crise econômica e social de 1929.

Hoje em dia temos na Europa, no mundo ocidental, o Estado-providência, resultado da segunda metade da II Guerra Mundial, mas fi lho direto da crise de 1929.

Na atualidade, novos Estados surgem a partir de outros pré-existentes. Dois processos são típicos: o fracionamento e a união. Um caso atípico é a criação de Estados como resultado de guerras. Os principais fatores que levam à criação de Estados hoje são os interesses econômicos, as identidades culturais e o resgate da tradição.

CONCEITO: O Estado é uma organização destinada a manter, pela aplicação do Direito, as condições universais de ordem social. E o Direito é o conjunto das condições existenciais da sociedade que ao Estado cumpre assegurar.

Saiba mais!

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Poder

Poder é um conceito sociológico fundamental, com vários signifi cados, em torno dos quais há grande divergência. O mais comum entre eles é a defi nição de Max Weber, que conceitua o poder como a capacidade de controlar indivíduos, eventos ou recursos — fazer com que aconteça aquilo que a pessoa quer, a despeito de obstáculos, resistência ou oposição. Essa

defi nição às vezes é chamada, especialmente por feministas, como poder-sobre (power-over). Além de usado para controlar pessoas ou eventos, o poder pode ser também utilizado de maneiras mais sutis e indiretas, como a capacidade de não agir (quando um pai nega amor a um fi lho ou um governo nega ajuda fi nanceira aos pobres), bem como a de moldar crenças e valores de outras pessoas através de controle sobre a mídia ou instituições educacionais.

Por ser defi nido como poder-sobre aplica-se a sistemas sociais organizados hierarquicamente e o considera como uma substância ou recurso que indivíduos ou sistemas sociais podem possuir. O poder seria algo que pode ser conservado, cobiçado, capturado, retirado, perdido ou roubado; e que é usado basicamente em relações de antagonismo, envolvendo confl itos entre os que o têm e os que não o têm. Esse tipo de poder assume várias formas.

A noção de poder envolve aspectos mais amplos e complexos do que o mero exercício da autoridade sobre outrem. O poder pode ser exercido desde as formas mais sutis até aos níveis mais explícitos e comumente identifi cáveis.

Uma pessoa em situação desvantajosa que saiba identifi car em que aspectos tem poder, pode usar de artifícios abusivos para sair da posição desvantajosa. Isso pode ser facilmente identifi cado em países democráticos, nos quais os direitos das minorias são salvaguardados e os indivíduos pertencentes a estas minorias aproveitam-se do argumento do politicamente correto para neutralizar seus adversários em questões jurídicas, por exemplo. Nestes casos, o direito adquirido legitimamente e ideologicamente correto, aceito socialmente, passa a ser uma forma de poder nas mãos de quem o detém. Poder este que pode ser exercido da forma genuína ou da forma abusiva, dependendo do caso.

O poder, em determinadas situações e circunstâncias, muda de mãos e ganha nuances implícitas que difi cultam a identifi cação do abuso do mesmo. Assim sendo, caracterizar o abuso de poder deixa de ser uma tarefa de simples identifi cação da ação do forte sobre o fraco para ser um direito adquirido usado abusivamente.

Abuso de poder é o ato ou efeito de impor a vontade de um sobre a de outro, tendo por base o exercício do poder, sem considerar as leis vigentes. A democracia direta é um sistema que se opõe a este tipo de atitude. O abuso de poder pode se dar em diversos níveis de poder, desde o doméstico entre os membros de uma mesma família, até aos níveis mais abrangentes. O poder exercido pode ser o econômico, político ou qualquer outra forma a partir da qual um indivíduo ou coletividade tem infl uência direta sobre outros. O abuso caracteriza-se pelo uso ilegal ou coercivo deste poder para atingir um determinado fi m. O expoente máximo do abuso do poder é a submissão de outrem às diversas formas de escravidão.

Você sabia?

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• Econômico: Quando o indivíduo ou coletividade tira vantagem ilícita do dinheiro ou bens materiais em detrimento de outrem.

• Político: O uso da autoridade legítima ou da infl uência para sobrepujar o mais fraco de modo ilegítimo.

• No domínio da informação: Recurso utilizado por quem detém o conhecimento ou a informação e o nega aos demais como forma de proteger-se ou de tirar vantagem.

• Ideológico: Quando se utiliza ilicitamente da ideologia socialmente aceita como forma de tirar vantagens ou de vencer opositores.

• Apadrinhamento (nepotismo): Uso de notoriedade, conhecimentos ou autoridade para favorecer outrem de forma ilícita.

Você sabia?

Poder associado à Autoridade

Este é o poder associado à ocupação de um dado status social, tal como o exercido por pais sobre fi lhos, ofi ciais sobre soldados ou professores sobre estudantes. Trata-se de uma forma de poder defi nida socialmente como legítima, o que signifi ca que tende a ser apoiada pelos que a ela estão sujeitos. Em contraste, o poder de coerção carece de legitimidade social e se baseia, em vez disso, no medo e no uso da força. É o poder exercido por nações conquistadoras sobre as conquistadas ou pelo valentão da escola sobre os colegas mais fracos. Ao contrário da autoridade, o poder de coerção é muito instável, motivo pelo qual até o governo mais autoritário não pode perdurar sem algum tipo de legitimidade aos olhos daqueles que governa.

O poder relacionado às Classes

Ao contrário de Weber, Karl Marx, utilizou o conceito de poder em relação às classes socias e sistemas sociais, e não a indivíduos. Marx argumentava que o poder tem origem em uma posição de classe social nas relações de produção, como na posse e controle dos meios de produção pela classe capitalista. Dessa perspectiva, a importância do poder reside não nas relações entre indivíduos, mas na dominação e subordinação de classes sociais baseadas nas relações de produção.

O poder individual não associado à ocupação de um status social é denominado de poder pessoal. Este é a capacidade de infl uenciar ou contro¬lar outras pessoas, tendo por fundamento características individuais como força física ou habilidade de argumentar convincentemente. Entre as várias formas de poder, o pessoal é sociologicamente o menos importante, uma vez que tem menos a ver com os sistemas sociais e suas características.

Funcionalistas, como Talcott Parsons afi rmam que poder não é uma questão de coerção ou dominação social, mas sim que se origina do potencial dos sistemas sociais de coordenar atividades humanas e recursos a fi m de atingir objetivos. Dessa perspectiva, por exemplo, o poder do Estado assenta-se em um consenso de valores e interesses, em nome dos quais ele age com vistas a produzir o benefício máximo para todos.

Questões sociológicas fundamentais sobre poder focalizam-se na maneira como este é distribuído nos sistemas sociais, de pequenos grupos democráticos, baseados no consenso, a organizações formais burocráticas e sociedades organizadas em torno de autoritarismo político. Desse ponto de vista, o poder é um componente importante da estratifi cação social,

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Abordagens Socioantropológicas

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tanto como recurso quanto como recompensa, que desempenha um papel relevante na desigualdade e no confl ito.

Uma segunda maneira de pensar em poder surgiu mais recentemente com o feminismo. O conceito de poder-de (power-to) considera-o como algo baseado não em hierarquia ou dominação e subordinação, mas na capacidade de fazer coisas, de atingir metas, especialmente em colaboração com outras pessoas. Enquanto que a tese do poder-sobre tende a focalizar

a atenção na competição pelo poder e dominação, o poder-de destaca o potencial de cooperação, consenso e igualdade. Quando fazendeiros se reúnem para construir um celeiro para o vizinho, por exemplo, a colaboração entre eles gera um grande volume de poder (como é comprovado pelo resultado), sem que ninguém domine ninguém. Ao contrário o poder-sobre, um aumento do poder-de não requer que alguém o perca. Em teoria, o poder-de é infi nitamente expansível, o que não acontece com o poder-sobre.

O conceito de poder é controvertido, não só porque pode assumir diferentes formas, mas porque a maneira como o encaramos afeta profundamente o modo como pensamos em sistemas sociais e a forma como eles funcionam. A predominância do poder-sobre na maior parte do pensamento contemporâneo sobre poder torna difícil trabalhar no desenvolvimento de alternativas.

Observações de Michel Foucault sobre o Poder

Michel Foucault, em seus estudos e teorias sobre a expansão progressiva dos dispositivos de disciplina ao longo daqueles séculos, observa que sua multiplicação no corpo social determina, dessa forma, o desenvolvimento de uma “microfísica do poder”. Por que, para Foucault, o poder não se exerce de um ponto central como o indivíduo, o grupo, a classe ou qualquer instância do Estado, mas está difundido em uma rede de instituições disciplinares. São as próprias pessoas, nas suas relações recíprocas (pai, professor, vizinho, médico), que, baseando-se no discurso constituído, fazem o poder circular.

O Estado parece ser produzido como uma síntese que emana da própria articulação dos elementos do todo social. Se o poder, antes do Estado, existia difuso, distribuído mais ou menos eqüitativamente entre os membros da sociedade, depois ele se concentra numa única “agência” que adquire o monopólio desse poder. Portanto, o Estado surge da concentração de um poder já existente. Quer dizer, para que transitem e se realizem socialmente determinadas práticas de subordinação e exploração é preciso que a distribuição das possibilidades de implementá-las tenha antes sido alterada, isto é, tenha se concentrado nas mãos de uma parcela da sociedade. A grande questão é como e por que isso aconteceu. Pelo que indicam as pesquisas etnográfi cas, alguns fenômenos sociais parecem intimamente ligados ao surgimento do Estado ou, pelo menos, são quase sempre paralelos ao seu aparecimento: o crescimento demográfi co, o desenvolvimento das forças produtivas, o aumento da divisão do trabalho e da especialização de certas funções, o processo de redistribuição da produção a partir de um centro e, inevitavelmente, o nascimento das diferenciações sociais, da opressão e da exploração.

A maior difi culdade é que o Estado parece ser, tanto lógica como historicamente um resultado, e ao mesmo tempo um pressuposto do dilaceramento sofrido pela sociedade.

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E nada mais sensato, portanto, que obedecer-lhe as leis e os mandamentos básicos, naturais...

Você é feliz vivendo no Estado, com o Estado? Vamos analisar rapidamente dois fi lmes, Nell e Matrix, e então conheceremos o “Estado” em que vivemos (http://www.culturabrasil.org/nellematriz.htm#matrix#matrix)

O selvagem encontra-se com o civilizado. Expressa seu medo e sua angústia de forma nervosa, às vezes até mesmo violenta. Ninguém sabe ao certo como reagir nesse momento em que se reuniram ao acaso. O homem e a mulher se medem, palmo a palmo, como a examinar as possibilidades que teriam no caso de um confronto direto, corpo a corpo. O que você faria se estivesse na situação do personagem de Liam Neeson (Dr. Jerome Lovell) ao se encontrar com uma mulher, de aproximadamente 30 anos, que não sabe ao certo como se relacionar com outro ser humano?

E como não saber? Simples, basta se isolar no meio de uma floresta com seus filhos, ser a única referência viva próxima deles, não se preocupar em transmitir-lhes conhecimentos estabelecidos entre seres humanos (a não ser calor humano) e morrer sem dar-lhes a mínima noção de que, lá fora, para além das fronteiras que delimitam a mata por eles habitada, há toda uma vasta e complexa fauna de seres humanos...

A propósito, depois de algum tempo vivendo em isolamento, os rudimentos de cultura passados de pai (ou mãe) para filho (a) são aos poucos esquecidos ou abandonados por absoluta falta de uso, guardando-se apenas o que é elementar para a sobrevivência. Pronto, está em suas mãos a fórmula para o surgimento de Nell (Jodie Foster), a tal selvagem mencionada no início desse texto e que dá nome ao filme de Michael Apted (O mesmo de “Nas Montanhas dos Gorilas”).

A trama do filme acaba propondo uma reflexão acerca da necessidade do convívio entre seres humanos para a configuração ou caracterização humana das pessoas.

Não basta, para tal, a herança genética acumulada em nossos bancos de dados internalizados, passados dos pais para os filhos (o que, a princípio, não descarta a importância dessa informação transmitida; nos diz apenas que ela não é suficiente para que estejamos preparados para enfrentar o mundo em que viveremos).

Em “Nell”, apresenta-se uma eremita cristã que havia sido violentada na juventude, teve duas filhas gêmeas como resultado daquele seu único contato com um ser humano do sexo masculino e, logo ao início do filme, morre, sem que ninguém nunca houvesse sequer sabido da existência de outra pessoa a viver com ela.

O médico da pequena cidade (que para lá fora acompanhado do chefe de polícia) atesta o óbito da eremita em sua própria casa, ficando espantado com o fato de ser possível a alguém viver em tal isolamento, sem água corrente em casa, sem telefone, luz elétrica ou qualquer dos confortos do mundo moderno. Pior, era “afásica”, pois tinha metade do rosto paralisado por um acidente vascular cerebral em tenra idade...

Ao entrarem na choupana, surpreendentemente, encontram “Nell”, que desenvolvera

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uma linguagem própria e estava em idade estimada entre 26 e 30 anos. O interesse em caso tão pitoresco por parte da comunidade acadêmica obriga o médico humanista a – judicial e judiciosamente – conseguir o direito de fazer uma tentativa na direção de aprender-lhe o idioma e buscar saber se ela deseja sair da condição em que se encontra ou não.

Impregnado de momentos de raríssima beleza, com mensagens filosóficas tremendamente profundas, dentro do processo de ensino/aprendizagem em que se envolvem uma médica da comunidade acadêmica, o

médico humanista da cidadezinha e a “mulher selvagem”, como alguns a chamam, percebemos pérolas como: “Você está certa, Nell, viver entre as pessoas é desvantajoso: primeiro elas te confundem, depois te abandonam...”

Este é o resultado final da trama no julgamento em que se vai decidir o futuro de Nell: viver em sociedade, “aprendendo as coisas grandiosas que lhe foram negadas pela mãe” ou optar por seguir reclusa, como o foi desde o nascimento.

Outro que mexe com a cabeça da gente é “Matrix”: este mundo não é real, é “virtual”. As máquinas tomaram conta do mundo e todos seguem os esquemas por elas montado no sentido de uma vida “suave e feliz”, mas sem liberdade.

A busca da liberdade é o cerne da trama. Poucos heróis anti-aparato-estatal tomam a si a dificultosa incumbência de reencaminhar o mundo do caos em que se encontra na direção da verdadeira ordem em paz, felicidade e muita liberdade. As dificuldades de praxe no lidar com as coisas do Estado autoritário são aqui recolocadas, mas num patamar e segundo uma perspectiva totalmente diferente.

Se em “Nell” há a eterna discussão da luta por um lugar ao sol longe e à revelia do Estado, em “Matrix” vemos uma guerra declarada ao Leviatã estatal...

Este mundo não é real, é virtual. As máquinas, basicamente computadores de ponta, que atingiram “inteligência artificial”, tomam conta do planeta e tudo o que acontece é monitorado para que seja satisfatório à máquina, não ao humano.

Poucos têm acesso à realidade em computadores não submissos ao sistema. Um tremendo jogo de espelhos que tende a dificultar a mera compreensão do filme, que se precisa assistir pelo menos duas vezes para captar-lhe a essência. O mundo real somente é acessível a poucos que detêm a tecnologia necessária a simulá-lo em computadores. Fora desta realidade é o virtual eivado de realidade existente no mundo prático-pragmático.

Um jovem programador passa noites a fio procurando alguma coisa, sentindo que há algo de muito errado com o mundo (a empatia com o jovem, rebelde por definição, é imediata). Quem chega a intuir que há algo de muito errado com o mundo sente-se imediatamente em casa neste trabalho primoroso. Tanto busca que acaba sendo encontrado pelo grupo de guerrilheiros anti-estatais comandados por um ativista cognominado “Morfeu”. Alcunha perfeita, pois em sua luta, estão todos adormecendo nos braços dos computadores que resistem ao sistema para que toda a espécie humana possa despertar do sono em que se encontra.

“Sião” é novamente a terra prometida, a única cidade que resiste à nova ordem impessoal das máquinas que tomam conta do mundo. Cidadelas isoladas, distantes e livres de qualquer possibilidade de acesso a não humanos ao longo do filme. Ponto de chegada e de partida de quantos ainda são humanos neste mundo.

O jovem programador é convidado a conhecer mais (conhecer é poder, controle, domínio) e lutar pela libertação do mundo. Fica sabendo que ele, “Neo”, é O Escolhido, aquele que, por ser capaz de atuar operacionalmente contra a ordem é capaz de lutar e mostrar aos homens o caminho da libertação. Morfeu é o seu mestre, que o reconhece e que logo será superado.

Como lutar contra a escravidão se, há séculos, o homem nasce escravizado? Esta questão, é antiga como o Estado, foi excepcionalmente trabalhada pelo Renascentista Etienne de La Boétie. A sede pela liberdade já assombrava os sonhos de Espártaco no Império Romano. A atualidade desta inquietação no mundo globalizado, neoliberal e todo em rede desassossega.

Neste filme, há a reflexão em torno da luta do homem pela sua emancipação em face de um poder massacrante contra o qual não há acordo possível.

Contra toda a evidência – e até porque a alternativa para aquele que despertou é a insuportável “Servidão Voluntária” – a luta do humano para emancipar-se segue plena e eficaz. Não importa

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tanto ter sucesso na luta. Importa não capitular, pois capitular é transformar-se no próprio algoz. A atividade humana desapegada tem um potencial revolucionário raramente tão bem explicitada.

O aprendiz tem de “morrer” e “ressuscitar”, precisa dominar técnicas novas, precisa dominar, acima de tudo, o seu próprio medo e conformismo. Precisa viver e deixar viver em permanente luta contra os algozes da vida plena e real.

“Matrix” é o nome do Estado, da nova ordem mecânica a que os seres humanos devem submeter-se. Trata-se de um conjunto de máquinas capazes de fazer crer em qualquer coisa, atuando diretamente no nível neuronal das pessoas. Contra esta, somente uma outra máquina, a serviço do humano, não mais servindo-se dele.

O embate final, entre o humano imaginativo, criador, de um lado e, de outro os representantes da “ordem”, os agentes da máquina, é um primor de alegorias. Faz-nos recordar de todos os momentos históricos em que a nossa espécie avançou na direção certa, sempre sob a orientação de um líder carismático a serviço de um poder superior que por vezes nem ele entende, a princípio. Feita a harmonização entre o guerrilheiro da inovação e o poder superior a que pertence e o mundo inteiro pode ser reconduzido à paz, à verdadeira ordem e harmonia, a partir de preceitos humanos.

“Matrix” é o Capital. “Neo”, “Morfeu” e os lutadores pela emancipação são os libertadores humanos, são os guerrilheiros humanistas que restauram a ordem, a harmonia universal. Uns poucos seres humanos idealistas lutando pelo que é bom, justo, correto dobram, jugulam a autocracia dominante. Tal não tem sido assim na história da humana espécie?

CAPITALISMO E A GLOBALIZAÇÃO

UM POUCO DE HISTÓRIA...

O capitalismo teve seu início na Europa. Suas características aparecem desde a Baixa Idade Média (do século XI ao XV), com a transferência do centro da vida econômica, social e política dos feudos para a cidade. Depois de uma profunda estagnação o comércio saiu da inanição com o aparecimento de excedentes oriundos das descobertas de novas terras.

As Cruzadas (do século XI ao XII) também contribuíram muito para o reativamento comercial. Ainda no século XIV o feudalismo passava por uma grave crise decorrente da catástrofe demográfi ca causada pela Peste Negra, que dizimou 40% da população européia e pela fome que assolava o povo. Com a união de todos esses fatores a Europa passou por um intenso desenvolvimento urbano e comercial e, conseqüentemente, as relações de produção capitalistas se multiplicaram, minando, aos poucos, as bases do Feudalismo.

Os lucros dos senhores feudais reduziram-se e eles “tiveram” de aumentar os impostos sobre os servos. Estes começaram a rebelar-se e enfraqueceram o poder dos nobres. Os reis, para manterem-se no poder, apegaram-se ainda mais à idéia de que eram designados por Deus.

O Absolutismo teve defensores ideológicos, como os fi lósofos Jean Bodin (“os reis tinham o direito de impor leis aos súditos sem o consentimento deles”), Jacques Bossuet (“o

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rei está no trono por vontade de Deus”) e Niccòlo Machiavelli (“a unidade política é fundamental para a grandeza de uma nação”).

Com o Absolutismo e com o Mercantilismo o Estado passava a controlar a economia e a buscar colônias para adquirir metais através da exploração (metalismo). Isso para garantir o enriquecimento da metrópole.

Esse enriquecimento favorece a burguesia - classe que detém os meios de produção – e passa a contestar o poder do rei, resultando

na crise do sistema absolutista.Com as revoluções burguesas, como a Revolução Francesa e a Revolução Inglesa,

estava-se garantido o triunfo do capitalismo. A partir da segunda metade do século XVIII, com a Revolução Industrial, inicia-se um processo ininterrupto de produção coletiva em massa, geração de lucro e acúmulo de capital. Na Europa Ocidental, a burguesia assume o controle econômico e político. As sociedades vão superando os tradicionais critérios da aristocracia (principalmente a do privilégio de nascimento) e a força do capital se impõe. Surgem as primeiras teorias econômicas: a fi siocracia e o liberalismo. Na Inglaterra, o escocês Adam Smith (1723-1790), precurssor do liberalismo econômico, publica Uma Investigação sobre Naturezas e Causas da Riqueza das Nações, em que defende a livre-iniciativa e a não-interferência do Estado na economia.

O capitalismo é traduzido num sistema de mercado baseado na iniciativa privada, monopolização dos meios de produção e exploração de oportunidades de mercado para efeito de lucro. Exatamente no lucro concentra-se toda a crueldade e irracionalidade do capitalismo, que destina o sacrifício do trabalho de todos para o enriquecimento de uma minoria. A burguesia provoca guerras e destrói éticas para seu enriquecimento material.

Saiba mais!

O quadro no qual o capitalismo se apresenta é o de crescente deterioração social, com desemprego, fome e profunda miséria. Gera subdesenvolvimento, promove guerras por interesses fi nanceiros e por elas investe gigantesca quantidade de dinheiro na indústria bélica. Essa corrida armamentista fi nancia forças terroristas que lutam contra regimes democráticos (como os contra, na Nicarágua, e inúmeros outros golpes de Estado fi nanciados pelos maiores capitalistas, os EUA).

A militarização da sociedade é uma conseqüência cruel do capitalismo, bem como a crescente concentração de riqueza nas mãos da oligarquia fi nanceira. É a velha história de que poucos têm muito e muitos têm pouco. Esse é o legado básico do capitalismo.

O capital fi nanceiro rege nossas vidas.

GLOBALIZAÇÃO O QUE É?

É o conjunto de transformações na ordem política e econômica mundial que vem acontecendo nas últimas décadas. O ponto central da mudança é a integração dos mercados numa “aldeia-global”, explorada pelas grandes corporações internacionais. Os Estados abandonam gradativamente as barreiras tarifárias para proteger sua produção da concorrência dos produtos estrangeiros e abrem-

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se ao comércio e ao capital internacional. Esse processo tem sido acompanhado de uma intensa revolução nas tecnologias de informação - telefones, computadores e televisão.

As fontes de informação também se uniformizam devido ao alcance mundial e à crescente popularização dos canais de televisão por assinatura e da Internet. Isso faz com que os desdobramentos da globalização ultrapassem os limites da economia e comecem a provocar uma certa homogeneização cultural entre os países.

A globalização não é um acontecimento recente. Ela se iniciou já nos séculos XV e XVI, com a expansão marítimo-comercial européia, conseqüentemente a do próprio capitalismo, e continuou nos séculos seguintes. O que diferencia aquela globalização ou mundialização da atual é a velocidade e abrangência de seu processo, muito maior hoje. Mas o que chama atenção na atual é, sobretudo, o fato de generalizar-se em vista da falência do socialismo real. De repente, o mundo tornou-se capitalista e globalizado.

Um ponto importante desse processo são as mudanças signifi cativas no modo de produção das mercadorias, auxiliadas pelas facilidades na comunicação e nos transportes. As transnacionais instalam suas fábricas em qualquer lugar do mundo onde existam as melhores vantagens fi scais, mão-de-obra e matérias-primas baratas.

Essa tendência leva a uma transferência de empregos dos países ricos - que possuem altos salários e inúmeros benefícios - para as nações industriais emergentes, como os Tigres Asiáticos.

A globalização é marcada pela expansão mundial das grandes corporações internacionais dá-nos a impressão de viver de fato numa nova época, em que os parâmetros conhecidos estão sendo questionados: o papel do Estado, o emprego e a qualifi cação dos trabalhadores, assim como a diminuição de seu poder de negociação devem ser analisados sob outra ótica.

O resultado desse processo é que, atualmente, grande parte dos produtos não tem mais uma nacionalidade defi nida, pois um automóvel de marca norte-americana pode conter peças fabricadas no Japão, ter sido projetado na Alemanha, montado no Brasil e vendido no Canadá.

A crescente concorrência internacional tem obrigado as empresas a cortar custos, com o objetivo de obter preços menores e qualidade alta para os seus produtos. Nessa reestruturação estão sendo eliminados vários postos de trabalho, tendência que é chamada de desemprego estrutural.

Uma das causas desse desemprego é a automação de vários setores, em substituição à mão-de-obra humana. Caixas automáticos tomam o lugar dos caixas de bancos, fábricas robotizadas dispensam operários, escritórios informatizados prescindem de datilógrafos e contadores.

Nos países ricos, o desemprego também é causado pelo deslocamento de fábricas para os países com custos de produção mais baixos. Em contrapartida, o fi m de milhares de empregos, no entanto, é acompanhado pela criação de outros pontos de trabalho. Novas oportunidades surgem, por exemplo, na área de informática, com o surgimento de um novo tipo de empresa, as de “inteligência intensiva”, que se diferencia das indústrias de capital ou mão-de-obra intensivas. Dessa forma, o desemprego tende a se concentrar nas camadas menos favorecidas, com baixa instrução escolar e pouca qualifi cação.

RESUMINDO...

As características da globalização podem ser assim resumidas:• Internacionalização da produção;• Internacionalização ou globalização das fi nanças;• Alteração na divisão internacional do trabalho, ou, antes, criação de uma nova

divisão de trabalho dentro das próprias empresas transnacionais, e que a distribuição

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das funções produtivas não se encontra mais concentrada num único país, mas espalhada por vários países e continentes (por exemplo, um país fabrica um componente do produto, um segundo fabrica outro, um terceiro faz a montagem, enquanto o centro fi nanceiro e contábil da empresa está sediado num quarto país);

• O grande movimento migratório do hemisfério sul para o norte;• A questão ambiental e a sua importância nas discussões internacionais;• O Estado passa, de protetor das economias nacionais e provedor do bem-

estar social, a adaptar-se à economia mundial ou às transformações do mundo que ela própria e a exaltação do livre mercado provocam;

Nesse quadro de globalização, hoje, as empresas transnacionais: • Atuam em vários países ao mesmo tempo;• Compram a melhor matéria-prima por menor preço em qualquer lugar do mundo;• Instalam-se onde os governos oferecem mais vantagens (terrenos, infra-

estrutura, isenção ou redução de impostos, etc.) e a mão-de-obra é mais barata;• Com um efi ciente sistema de distribuição, enviam seus produtos para todos

os cantos do mundo;• Fazem uma intensa publicidade, convencendo-nos da necessidade de adquiri-

los, criando necessidade humanas inimagináveis, num mundo em que não foram resolvidas questões básicas de sobrevivência de centenas de milhões ou bilhões de seres humanos (fome, emprego, moradia, educação, saúde, etc.);

• Têm um faturamento gigantesco, que chega a ser superior à soma do PIB de vários países.

AtividadesComplementares

1. Explique, em linhas gerais, a percepção sociológica de Elton Mayo sobre as organizações.

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2. O capitalismo e, posteriormente, o neoliberalismo têm como uma de suas premissas a diminuição do papel do Estado na economia. Neste sentido explique qual o papel do Estado na economia do século XXI.

3. A globalização é um processo irreversível na economia global, que gere posições favoráveis ou não. Explique a infl uência da globalização nos novos modelos de gestão organizacional.

4. Globalização: ameaça ou oportunidade? Discorra sobre este questionamento.

5. Embora o socialismo represente uma alternativa ao capitalismo, é evidente a supremacia deste último na economia global, demonstrando o tamanho do seu poder, além do econômico, também no âmbito político e social, embora tenha causado extremas desigualdades econômicas. Discorra sobre a sua percepção do futuro do capitalismo.

SITES DE CONSULTA PARA AMPLIAÇÃO DO CONTEÚDO

http://catatau.informal.com.br/artigos/a01072002_001.htmhttp://www.bresserpereira.org.br/papers/1998/84PublicoNaoEstataRefEst.p.pg.pdfhttp://globalization.sites.uol.com.br/as22.htm

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A ANÁLISE ANTROPOLÓGICA DAS

ORGANIZAÇÕES

CONTRIBUIÇÕES DOS CLÁSSICOS

BRONISŁAW MALINOWSKI

Bronisław Kasper Malinowski (Cracóvia, abril de 1884 — New Haven, 16 de maio de 1942) foi um antropólogo polonês. Ele é considerado um dos fundadores da antropologia social, também conhecida como a escola funcionalista, suas grandes infl uências incluíam James Frazer e Ernst Mach.

De descendência aristocrata nasceu no seio de uma família com interesses culturais e acadêmicos que certamente, contribuíram para o êxito que este teve nas áreas em que se envolveu.

Começou por estudar matemática e física, mas ao ler “The Golden Bough”, de James Frazer, o seu interesse por antropologia despertou. Foi já em Londres, na Escola de Economia e Estudos Políticos que Malinowski procurou desenvolver o seu trabalho neste campo.

Entre 1915-1918 realizou a sua primeira monografi a etnográfi ca na Nova Guiné, em que o método (trabalho de campo e observação participante) constituiu um importante passo para o estudo antropológico. Deste trabalho surgiu, em 1922, o livro “Argonautas do pacífi co oeste”. Apesar de ser este o seu maior e mais valioso trabalho de campo, Malinowski trabalhou também com tribos da Austrália, do Arizona, da África Oriental e do México.

Dividindo-se entre o trabalho de campo e o de professor, passou pela Universidade de Londres, Universidade de Cornell, Universidade de Harvard e pela Universidade de Yale. Ainda no desenvolvimento do seu trabalho, na área da antropologia cultural, formulou uma tese sobre o Funcionalismo.

Segundo o antropólogo Ernest Gellner, Malinowski tomou uma posição original em relação aos confl itos de idéias do seu tempo. Ele não repudiou o nacionalismo, uma das ideologias nascentes e marcantes do século XIX, mas fusionou o romantismo com o positivismo de uma nova maneira, tornando possível investigar as velhas comunidades, mas, ao mesmo tempo, recusando conferir autoridade ao passado.

Bronislaw Malinowski obteve também grande infl uência nos estudos sobre mitos da segunda metade do século XX. Ele reuniu suas idéias sobre mito no ensaio Myth in Primitive Psychology, publicado pela primeira vez em 1926, do qual existe tradução para o espanhol no volume Estudios de Psicologia Primitiva (Buenos Aires: Paidos, 1949).

Malinowski inicia esse trabalho distinguindo três conjuntos de teorias referentes a mitos. Um deles seria a escola de mitologia da natureza, segundo a qual os mitos constituiriam

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tentativas de explicar os fenômenos naturais. Dentro dessa escola havia divergências, admitindo certos pesquisadores que a Lua seria o principal motivo estimulador dos mitos; entre eles se contaria Paul Ehrenreich (que no século passado esteve no alto Xingu, na ilha de Bananal e no rio Purus). Outros, entre os quais o africanista Leo Frobenius, tinham o Sol como foco da atenção dos mitos. E havia ainda os estudiosos que associavam os mitos a fenômenos meteorológicos. Esses pequisadores faziam parte da Sociedade de Estudos Comparados do Mito, fundada em Berlim em 1906.

Havia também uma escola histórica, presente na Alemanha e nos Estados Unidos, da qual Rivers seria o representante na Inglaterra, que tomava o mito como um relato sagrado equivalente a um repositório verídico do passado.

Malinowski se coloca num terceiro conjunto de pesquisadores, que faz uma íntima associação entre mito e ritual, entre a tradição sagrada e as normas da estrutura social, ao qual também pertenceriam o psicólogo Wundt, o sociólogo Durkheim, o antropólogo Mauss, o historiador Hubert, todos, de algum modo, infl uenciados por James Frazer. Porém, Malinowski quer mais, quer trazer a atenção do leitor para as contribuições do trabalho de campo, no caso o seu, nas ilhas Trobiand, para o cotidiano da vida dos nativos que contam os mitos.

Um dos trechos de grande interesse do ensaio de Malinowski é a apresentação de uma classificação das narrativas feita pelos próprios trobiandeses. Elas se distribuem em três categorias:

Kukwanebu — São contos populares (folk tales) que devem ser narrados por seus próprios “donos”, geralmente por volta de novembro, no começo da estação das chuvas. Além de servirem para entretenimento, acreditam os trobiandeses que o ato de narrá-los tem infl uxo benéfi co sobre o desenvolvimento das plantas recentemente semeadas; por isso, a narrativa deve terminar com uma cantilena que faz alusão a certas plantas silvestres muito férteis. Apreciam os narradores que demonstram habilidade para contá-los, sabendo comover, fazer rir, entoar as partes que devem ser cantadas, mudar a voz na reprodução dos diálogos. Para Malinowski não basta reproduzir apenas o conto; o etnólogo precisa estudar todos esses outros elementos que cercam a sua narração.

Libwogwo — Incluem o relato histórico, isto é, presenciado pelo narrador ou assegurado por alguém que merece fé por sua boa memória; a lenda, que, apesar da falta de testemunho, cai dentro dos acontecimentos que normalmente integram a experiência dos nativos; e o ouvir dizer, referente a lugares distantes e a acontecimentos antigos fora do âmbito da cultura atual. Não têm estação apropriada e nem modo estereotipado de narração, a qual também não produz efeitos mágicos. Geralmente acompanham as informações proporcionadas pelos mais velhos, quando solicitados pelos mais jovens nas expedições, diante de novas paisagens e costumes de comunidades estranhas.

Liliu — São os relatos sagrados ou mitos. O mito é narrado quando uma cerimônia, uma regra moral reclama a confi rmação de sua antiguidade e veracidade. Seu conhecimento fundamenta os atos morais e rituais e assinala como se deve praticá-los.

A principal contribuição de Malinowski à Antropologia foi o desenvolvimento de um novo método de investigação de campo, cuja origem remonta à sua intensa experiência de pesquisa na Austrália, inicialmente com o povo Mailu (1915) e, posteriormente, com os nativos das Ilhas Trobriand (1915-16, 1917-18).

Você sabia?

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CLAUDE LÉVI-STRAUSS

“Estruturalismo”, diz Lévi-Strauss, “é a procura por harmonias inovadoras”

Claude Lévi-Strauss (Bruxelas, 28 de novembro de 1908) é um antropólogo, professor e fi lósofo francês, Um dos grandes pensadores do século 20, Lévi-Strauss tornou-se conhecido na França, onde seus estudos foram fundamentais para o desenvolvimento da Antropologia.

Considerado o fundador da Antropologia Estruturalista, em meados da década de 1950, e um dos grandes intelectuais do século XX, estudou na Universidade de Paris, licenciando-se em Filosofia e em Direito.

No ano de 1934 foi convidado a lecionar Sociologia na Universidade de São Paulo, onde permaneceu até 1937. Durante esse período, visitou grupos indígenas no Brasil Central e estudou seus costumes, publicando em 1936, seu primeiro trabalho de natureza antropológica: um artigo de 45 páginas sobre a organização social dos índios Bororo. Após deixar a Universidade de São Paulo obteve do governo francês fi nanciamento para uma nova expedição ao interior do Brasil (1938-1939).

Trabalhou na Nova Escola de Pesquisa Social, em Nova York, e foi diretor de estudos no Laboratório de Antropologia Social da Universidade de Paris. Em 1959 assumiu a cátedra de Antropologia no College de France e, em 1968, foi agraciado com a medalha de Antropologia no College Nacional de Pesquisa Científi ca, a mais alta distinção francesa.

Lévi-Strauss é o introdutor do método estruturalista em Antropologia, no qual busca basicamente descobrir as relações mais profundas entre os elementos da cultura, ou seja, desvendar as estruturas que sustentam os valores e costumes e que explicam as semelhanças e diferenças entre as culturas.

Você sabia?

Os trabalhos de Lévi-Strauss entre os indígenas brasileiros resultaram no livro Tristes trópicos, no qual o autor resume o que observou durante vinte anos antes pelo interior do Brasil.

Estruturas elementares do parentesco foi publicado no ano seguinte e, instantaneamente, consagrou-se como um dos mais importantes estudos de família já publicados.

Apesar de bem conhecido em círculos acadêmicos, foi apenas em 1955 que Lévi-Strauss tornou-se um dos intelectuais franceses mais conhecidos ao publicar Tristes trópicos, livro autobiográfi co acerca de seu exílio na década de 1930.

Em 1959 Lévi-Strauss foi nomeado para a cadeira de Antropologia Social do Collège de France. Por volta desse período publicou Antropologia estrutural, uma coleção de ensaios em que oferece tanto exemplos como manifestos programáticos do Estruturalismo. Começou a organizar uma série de instituições confronto entre as visões existencialista e estruturalista que iria eventualmente inspirar jovens autores, como Pierre Bourdieu-Eckhart, de Filosofi a.

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Apesar de aposentado, Lévi-Strauss continua a publicar ocasionalmente volumes de meditações sobre artes, música e poesia, bem como reminiscências de seu passado.

Estudioso, jamais aceitou a visão histórica da civilização ocidental como privilegiada e única, sempre enfatizou que a mente selvagem é igual à civilizada. Sua crença de que as características humanas são as mesmas em toda parte surgiu nas incontáveis viagens que fez ao Brasil e nas visitas a tribos de indígenas das Américas do Sul e do Norte.

O antropólogo passou mais da metade de sua vida estudando o comportamento dos índios americanos e o método usado por ele para estudar a organização social dessas tribos chama-se estruturalismo. “Estruturalismo”, diz Lévi-Strauss, “é a procura por harmonias inovadoras”.

Suas pesquisas, iniciadas a partir de premissas lingüísticas, deram à ciência contemporânea a teoria de como a mente humana trabalha. O indivíduo passa do estado natural ao cultural enquanto usa a linguagem, aprende a cozinhar, produz objetos, etc. Nessa passagem, o homem obedece a leis que ele não criou: elas pertencem a um mecanismo do cérebro.

Escreveu, em “O Pensamento Selvagem”, que a língua é uma razão que tem suas razões - e estas são desconhecidas pelo ser humano.

Lévi não vê o ser humano como um habitante privilegiado do universo, mas como uma espécie passageira que deixará apenas alguns traços de sua existência quando estiver extinta.

Membro da Academia de Ciências Francesa (1973), integra também muitas academias científi cas, em especial européias e norte-americanas. Também é doutor honoris causa das universidades de Bruxelas, Oxford, Chicago, Stirling, Upsala, Montreal, México, Québec, Zaire, Visva Bharati, Yale, Harvard, Johns Hopkins e Columbia, entre outras.

Aos 97 anos, em 2005, recebeu o 17º Prêmio Internacional Catalunha, na Espanha. Declarou na ocasião: “Fico emocionado, porque estou na idade em que não se recebem nem se dão prêmios, pois sou muito velho para fazer parte de um corpo de jurados. Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente”. Atualmente mora em Paris.

O Estruturalismo - Lévi-Strauss e a antropologia estrutural

Para o antropólogo Claude Lévi-Strauss (1970:377), a etnografi a corresponde “aos primeiros estágios da pesquisa: observação e descrição, trabalho de campo”. A etnologia, com relação à etnografi a, seria um primeiro passo em direção à síntese e a antropologia uma segunda e última etapa da síntese, tomando por base as conclusões da etnografi a e da etnologia.

No campo dos estudos da antropologia e do mito, o trabalho foi levado adiante por Claude Lévi-Strauss, no período imediato à II Guerra Mundial, que divulgou e introduziu os princípios do estruturalismo para uma ampla audiência, alcançando uma infl uência quase que universal, fazendo com que o seu nome, o de Lévi-Strauss, não só se confundisse com o estruturalismo como se tornasse um sinônimo dele. O estruturalismo virou “moda” intelectual nos anos 60 e 70. Os livros dele (“O Pensamento Selvagem”, Tristes Trópicos, Antropologia Estrutural, As Estruturas Elementares do Parentesco) tiveram um alcance que transcendeu em muito os interesses dos especialistas ou curiosos da antropologia. Desde aquela época o estruturalismo de Lévi-Strauss tornou-se referência obrigatória na fi losofi a, na psicologia e na sociologia. De certo modo, ainda que respeitando a indiferença dele pela história (“o etnólogo respeita a história, mas não lhe dá um valor privilegiado”, in O Pensamento Selvagem, 1970, pag.292), pode-se entender a antropologia estrutural como um método de tentar entender a história de sociedades que não a têm, como é o caso das sociedades primitivas.

A valorização das narrativas mitológicas

Enquanto a ciência racionalista e positivista do século XIX desprezava a mitologia, a magia, o animismo e os rituais fetichistas em geral, Lévi-Strauss entendeu-as como

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Abordagens Socioantropológicas

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recursos de uma narrativa da história tribal, como expressões legitimas de manifestações de desejos e projeções ocultas, todas elas merecedoras de serem admitidas no papel de matéria-prima antropológica. Como é o caso do seus estudos sobre o mito (Mythologiques), cuja narrativa oral corria da esquerda para a direita num eixo diacrônico, num tempo não-reversível, enquanto que a estrutura do mito (por exemplo o que trata do nascimento ou da morte de um herói) sobe e desce num eixo sincrônico, num tempo que

é reversível. Se bem que eles, os mitos, nada revelavam sobre a ordem do mundo, serviam muito para entender-se o funcionamento da cultura que o gerou e perpetuou. A mesma coisa aplica-se ao o totemismo, poderoso instrumento simbólico do clã para reger o sistema de parentesco, regulando os matrimônios com a intenção de preservar o tabu do incesto (cada totem está associado a um grupo social determinado, a uma tribo ou clã, e todo o sistema de casamentos é estabelecido pelo entrecruzar dos que fi liam-se a totens diferentes). O objetivo dele era provar que a estrutura dos mitos era idêntica em qualquer canto da Terra, confi rmando, assim, que a estrutura mental da humanidade é a mesma, independentemente da raça, clima ou religião adotada ou praticada. Contrapondo o mito à história ele separou as sociedades humanas em “frias” e “quentes”, formando, então, o seguinte quadro delas:

Partindo-se das idéias de Saussure do lingüista Roman Jakobson e do antropólogo Lévi-Strauss, especifi caram-se quatro procedimentos básicos ao estruturalismo:

- Primeiro, a análise estrutural examina as infra-estruturas inconscientes dos fenômenos culturais;

- Em segundo, considera os elementos da infra-estrutura como “relacionados”, não como entidades independentes;

- Em terceiro lugar, procura entender a coerência do sistema;- E quarto, propõe a contabilidade geral das leis para os testes padrões subjacentes

no sentido da organização dos fenômenos.

A CONTRIBUIÇÃO DE DOMENICO DI MASI PARA A ORGANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA

O sociólogo italiano Domenico Di Masi enfatiza que uma escola feliz deve preparar os jovens também para o tempo livre

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Domenico Di Masi nasceu em Rotello, na província de Campobasso, no sul da Itália, no dia 1º de fevereiro de 1938. Residiu em três cidades italianas: Nápoles, Milão e Roma. Aos dezenove anos já escrevia para a revista Nord e Sud artigos de Sociologia Urbana e do Trabalho. Aos vinte e dois anos lecionava na Universidade de Nápoles. Mais recentemente assumiu o posto de professor de Sociologia do Trabalho na Universidade La Sapienza, de Roma, além de ser diretor da S3 Studium, escola de especialização em ciências organizacionais que fundou. Escreveu diversos livros, alguns deles tidos como revolucionários, entre os quais se destacam: Desenvolvimento Sem Trabalho, A Emoção e a Regra, O Ócio Criativo e O Futuro do Trabalho.

Na sociedade pós-industrial, em que a riqueza provém da arte e da ciência (mais rentáveis e menos poluentes que os bens materiais), o sociólogo italiano preconiza um estilo de vida que inclui estudo e lazer. “Esta é a única forma de produzir idéias geniais”.

Estamos falando do sociólogo italiano Domenico Di Masi, um dos mais conceituados e polêmicos teóricos das modernas relações entre o homem e o trabalho, autor de best-sellers sobre o assunto (veja quadro) e que, no Brasil, já foi chamado de “guru do ócio” por uma famosa revista, graças à interpretação geralmente equivocada que se faz das suas idéias.

Do alto de seus 63 anos de idade, quarenta dos quais dedicados ao ensino universitário, o sociólogo apregoa um tipo de ócio diferente do clichê que a palavra inspira - muita sombra, água fresca e nenhuma ocupação para o resto da vida. O ócio que defende é o “ócio criativo”, uma forma inteligente e construtiva de utilizar o tempo.

A lógica é simples: a média de vida da população, hoje, é mais do que o dobro da média de nossos avós, ao passo que o progresso tecnológico e o desenvolvimento organizacional, característicos da sociedade pós-industrial surgida na metade do século 20, permitem produzir mais com menos esforço.

“Um homem que vive 60 anos viverá cerca de 530 mil horas. Se trabalhar 40 anos, trabalhará 80 mil horas. Outras 220 mil horas serão dedicadas aos chamados cuidados com o corpo (dormir, alimentar-se, tomar banho, etc). O que fazer com as restantes 230 mil horas? Temos todo esse tempo para descansar e viver”.

Domenico Di Masi

O professor italiano, sociólogo do trabalho e escritor Domenico Di Masi tem dito em suas palestras pelo mundo afora que a escola prepara as pessoas para serem tristes. É, sem dúvida, uma fala audaciosa que tem mexido com os cânones do magistério. Como os professores podem se sentir realizados com seu trabalho, formando pessoas para a tristeza? Como fazer do exercício do magistério uma atividade de e para o prazer? São algumas das perguntas formuladas por Folha Dirigida ao autor de “O Ócio Criativo” e “Sociedade sem Trabalho”, entre outros livros que pregam a importância da preguiça e o dever do ócio a milhares de leitores espalhados pelo mundo.

Di Masi esteve no Brasil recentemente para palestras na Universidade Anhembi-Morumbi e na sede do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (SEMESP), onde conversou com a reportagem da Revista do IMAPES. Veja a entrevista.

Revista do IMAPES - Algumas pessoas confundem o ócio criativo com o dolce far niente, o não fazer nada. Além disso, muitos empresários acham que estarão sendo logrados se não tiverem a presença física dos funcionários na empresa. No meio empresarial, como é a receptividade dos administradores em relação a suas idéias?

Di Masi - Eu acredito que as resistências culturais são muito fortes e que precisamos de tempo para aceitar essas idéias. As teorias industriais de Taylor e Ford, em 1903, levaram

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Abordagens Socioantropológicas

nas Organizações

cem anos para se difundirem por toda a América e o mundo. Eu não acho que as minhas idéias serão aceitas rapidamente, mas isso deverá ocorrer.

Revista do IMAPES - O que o leva a acreditar nisso?Di Masi - Se observarmos bem, vemos que existe um interesse muito

forte em todo o mundo. Meu livro “O Futuro do Trabalho” foi muito vendido na Itália e no Brasil. Aqui no Brasil foram seis edições em trinta dias. Já o livro “O Ócio Criativo” vendeu até agora sessenta mil cópias. Então, eu acredito

que existe esse interesse em muitas partes do mundo.Revista do IMAPES - Qual a principal razão desse interesse?Di Masi - Os managers que trabalham muito estão começando a compreender que não

vale a pena trabalhar tanto e deixar de lado aspectos da vida que são tão ou mais importantes.Revista do IMAPES - A conquista do ócio criativo deve ser do funcionário ou pode-se

esperar que as empresas o adotem?Di Masi - A empresa se interessa apenas pela riqueza. Eu acredito que com o ócio criativo

os funcionários teriam mais idéias e a empresa poderia ganhar mais. Mas o que é a empresa? São outros funcionários. E estes funcionários têm a mentalidade industrial. Por isso, não compreendem que para termos mais idéias temos que ter mais liberdade. Acreditam que temos que fazer como quando queremos produzir mais parafusos: estabelecendo mais horários e controles.

“As transformações tecnológicas, culturais, psicológicas e éticas ocorrem em passos diferentes. Já passamos para a sociedade pós-industrial, mas mantemos a mentalidade da época industrial. O trabalho criativo está herdando as regras organizacionais do trabalho físico. Milhares de administradores são preparados para aplicar, na produção de idéias, os mesmos métodos e processos da indústria metal-mecânica”.

Domenico Di Masi

AtividadesComplementares

1. Explique como a ‘ferramenta’ antropologia pode auxiliar na compreensão da dinâmica organizacional.

2. Embora a antropologia, academicamente, não tenha ainda o merecido status no meio organizacional, suas contribuição são muitas. Discorra sobre as possibilidades desta relação.

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3. O teórico contemporâneo Di Masi profetiza mudanças radicais nas relações de trabalho. Discorra sobre algumas dessas posições das relações de trabalho do século XXI.

4. Que elementos podemos identifi car na obra de Lévi Strauss. que nos possibilitem maior compreensão da cultura organizacional?

5. Posicione globalmente a importância do estudo da antropologia das organizações.

SITES DE CONSULTA PARA AMPLIAÇÃO DO CONTEÚDO

http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v11n33/a09v1133.pdf http://kov.eti.br/ciencias-sociais/cienciassociais/artigos/antropologia/estruturalismo-

funcionalismo.pdf

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nas Organizações

ANTROPOLOGIA E ANTROPOLOGIA CULTURAL

CULTURA ORGANIZACIONAL E AS RELAÇÕES DE TRABALHO

Cultura

O signifi cado pessoal é uma maneira de obter conhecimentos acerca do nosso “eu”, acerca dos outros e sobre a realidade vivida por cada um. Ao serem construídos signifi cados, que irão ser atribuídos às experiências vividas, o Homem constitui a sua forma de agir, de sentir, de ver, e a sua forma de ser em relação a tudo o que seja importante para ele.

O caminho da formação de qualquer organização passa, invariavelmente, pela associação de um grupo de pessoas. Essas pessoas, por sua história e formação social, conservam traços característicos próprios e na integração desse grupo levam estes traços que ajudam a compor um novo arquétipo de comportamento característico desse grupo.

Esse arquétipo, à medida em que o tempo vai passando passa a representar uma característica própria, uma identidade do grupo. No tocante à administração científi ca em seus primórdios, não existia uma preocupação clara com essa identidade do grupo (organizações) e com as diferenças individuais. As características que essas diferenças faziam afl orar não foram objeto de análises explicitas no campo científi co como fator signifi cativo na gestão empresarial. Taylor e Ford consideravam a pessoa do funcionário como um ser passivo e inerte que seguia comandos e formatos pré-estabelecidos de trabalho. O funcionário pensado por Taylor e Ford não apresentava iniciativa própria e suas características fi cavam do lado de fora das portas das organizações.

O enfoque dado até o fi nal da década de 20 apresentava claras limitações relacionadas ao homem, ao seu trabalho e sua forma de agir. É neste momento que surge a “Experiência de Hawthorne”, com seus resultados até então perturbadores. Nesse ínterim, a Escola das Relações Humanas (ERH) surge com os incentivos sociais e humanos, além dos materiais, colocando os primeiros como motivador individual do trabalhador. A ERH permite que os gestores tenham uma visão mais sistêmica das relações trabalhadores e trabalho, fazendo com que as empresas adotassem uma “psicologização” dessas relações.

Começava aí uma abordagem do ambiente da empresa sob a forma de cultura: aquela trazida pelos funcionários e aquela criada no ambiente da empresa como um fator a ser considerado nos processos produtivos e de gestão. Os pensamentos de cultura organizacional pareciam que, tardiamente analisados cientifi camente, entrariam em confronto direto com a abordagem da globalização que uniria todo o mundo sob um mesmo “guarda-chuva” social. Entretanto o que se viu, desde então, é uma maior exposição e percepção de culturas até então desconhecidas do coletivo, isto porque a globalização, com seus meios de informação rápidos, efi cazes e baratos, criou uma necessidade de valorização do “eu sou” em todo mundo e também dentro das organizações. A demanda natural das empresas por resultados e produtividade levou os estudos sobre cultura organizacional para o caminho instrumental, ou seja, como se servir

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de uma abordagem que contemple as diferenças e fazer disso um diferencial competitivo? Em linhas gerais os estudos seguiram a linha de como ter dentro ou incutir na organização uma cultura controlável que faça com que os funcionários desempenhem entusiasticamente seu trabalho de forma a tornar a empresa competitiva também no processo produtivo.

Assim, quando hoje falamos de cultura organizacional, referimo-nos às características, aos conjuntos de valores que a equipe de gestão desta organização considera ideal para o desempenho do trabalho de forma competitiva, e não exclusivamente daquelas características e conjunto de valores que afl oram do grupo de forma instintiva. A cultura, neste sentido, passa a ter um papel instrumentalista e intervencionista. Por isso, o mais aplicável, na visão de Lívia Barbosa, em “Igualdade e Meritocracia”, é chamá-la de cultura administrativa ligada diretamente à necessidade de ter “administrabilidade” frente as relações de trabalho considerando, para isso, conjuntos de lógicas e fatores pré-contextualizados em diferentes organizações.

A cultura organizacional de uma empresa, por sua vez, manifesta-se através da resistência a mudanças, resistência conseqüente dos valores, crenças, mitos e tabus que encontram-se enraizados nessa empresa; manifesta-se, também, através de padrões de comportamento ou estilo de uma organização assumido pelos funcionários, os quais incentivam os novos colegas a seguirem.

Determinados assuntos acadêmicos marcaram épocas. A Teoria das Organizações contribui para o surgimento da discussão em cima da cultura organizacional, na década de 80; a Administração Estratégica, abordada na década de 70; a Estrutura Organizacional, enfocada nos anos 60; a Administração por Objetivos, nos anos 50; e assim por diante.

No Brasil, o tema cultura organizacional é ainda tratado de maneira secundária, sem muito enfoque. O material teórico disponível em bibliotecas se restringe a publicações estrangeiras, além de as escolas de Administração enfatizarem temas que estão sendo desenvolvidos em países avançados, do Primeiro Mundo, e que não são compatíveis com a nossa realidade.

Cultura organizacional é o conjunto de valores e crenças vigentes na organização e aos comportamentos individuais e coletivos decorrentes. A cultura está enraizada no seio da organização e não se pode mudá-la de uma hora para outra. Tal afi rmação baseia-se no fato de que muitos consultores e administradores, atualmente, defendem a idéia de que se deva “alterar” a cultura organizacional através, simplesmente, da “troca de peças” por outras mais convenientes.

A cultura compreende um conjunto de propriedades do ambiente de trabalho, percebidas pelos empregados, constituindo-se numa das forças importantes que infl uenciam o comportamento.

Compreende, além das normas formais, também o conjunto de regras não escritas, que condicionam as atitudes tomadas pelas pessoas dentro da organização: por este motivo, o processo de mudança é muito difícil, exigindo cuidado e tempo. Para se obter uma mudança duradoura, não se tenta mudar pessoas, mas as restrições organizacionais que operam sobre elas. A cultura da organização envolve um conjunto de pressupostos psicossociais como normas, valores, recompensas e poder, sendo atributo intrínseco à organização.

Em contrapartida, o clima mapeia o ambiente interno que varia segundo a motivação dos agentes. Aprende suas reações imediatas, suas satisfações e suas insatisfações pessoais: desenha um retrato dos problemas que a situação do trabalho, a identifi cação com a organização e a perspectiva de carreira eventualmente provocam na cultura organizacional, constituem sistemas de referências simbólicas e moldam as ações de seus membros segundo um certo fi gurino. Ao servir de elo entre o passado e o presente, contribuem para a permanência e a coesão da organização. E, diante das exigências que o ambiente externo provoca, formam conjunto de soluções relativas à sobrevivência, à manutenção e ao crescimento da organização.

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Abordagens Socioantropológicas

nas Organizações

Após compreensão da cultura organizacional, estuda-se o clima organizacional que refere-se ao ambiente interno que existe entre os participantes da empresa. Está intimamente relacionado com o grau de motivação de seus participantes. Em termos mais práticos, o clima organizacional depende das condições econômicas da empresa, do estilo de liderança utilizada, das políticas e valores existentes, da

estrutura organizacional, das características das pessoas que participam da empresa, da natureza do negócio e do estágio de vida da empresa.

Para tanto, são necessárias tomadas de decisões pelo núcleo da responsabilidade administrativa. O administrador deve continuamente decidir o que fazer, quem deve fazer, quando, onde e, muitas vezes, como fazer. Seja ao estabelecer objetivos ou alocar recursos ou resolver problemas que surgem pelo caminho, o administrador deve ponderar o efeito da decisão de hoje sobre as oportunidades de amanhã. Decidir é optar ou selecionar, dentre varias alternativas de cursos de ação, aquela que pareça mais adequada.

As decisões são tomadas em resposta a algum problema a ser resolvido, a alguma necessidade a ser satisfeita ou a algum objetivo a ser alcançado.

Para fazer uma empresa ou departamento produzir resultados, o administrador deve desempenhar funções ativadoras. Entre elas sobressaem a liderança e o uso adequado de incentivos para obter motivação.

A liderança é necessária em todos os tipos de organização humana. Principalmente nas empresas e em cada um de seus departamentos, ela é igualmente essencial em todas as demais funções de administração: planejamento organizacional, direção e controle.

TEXTO COMPLEMENTAR

Muitas metáforas podem ser usadas na tentativa de explicar o funcionamento das organizações. Morgan (1996) descreve algumas, a saber:

1. Organizações como máquinas: desenvolvimento da organização burocrática; máquinas feitas de partes que se interligam, cada uma desempenhando um papel claramente defi nido no funcionamento do todo;

2. Organizações como organismos: compreender e administrar as “necessidades” organizacionais e as relações com o ambiente, diferentes tipos de organizações como pertencendo a diferentes espécies;

3. Organizações como cérebros: importância do processamento de informações, aprendizagem e inteligência; cérebro como um computador, cérebro como um holograma;

4. Organizações como culturas: realidades socialmente construídas sustentadas por um conjunto de idéias, valores, normas, rituais e crenças;

5. Organizações como sistemas políticos: sistemas de governo baseados em vários princípios políticos que legitimam diferentes tipos de regras assim como os fatores específi cos que delineiam a política da vida organizacional;

6. Organizações como prisões psíquicas: as pessoas caem nas armadilhas dos seus próprios pensamentos, idéias e crenças ou preocupações que se originam na dimensão inconsciente da mente;

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7. Organizações como fl uxo e transformação: compreensão da lógica de mudança que dá forma à vida social (sistemas autoprodutores, causalidade mútua, lógica dialética);

8. Organizações como instrumentos de dominação: aspectos potencialmente exploradores das organizações; sua essência repousa sobre um processo de dominação em que certas pessoas impõem seus desejos sobre as outras.

A seguir, apresentamos o texto “Antiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho”, de autoria anônima. É recomendável a leitura pedindo a atenção do leitor para as partes grifadas para posterior análise.

Por meio deste conto será abordado o conceito de cultura e as formas que se apresentam nas organizações. Enfatizaremos também o papel do agente de mudanças, delineando algumas visões sobre a mudança organizacional e os fatores-chaves que nela intervêm.

No centro de formoso jardim havia um grande lago (1), adornado de ladrilhos azul-turquesa.

Alimentado por diminuto canal de pedra, escoava suas águas, do outro lado, através de grade muito estreita.

Nesse reduto acolhedor vivia toda uma comunidade de peixes (2) a se refestelarem, nédios e satisfeitos, em complicadas locas, frescas e sombrias. Elegeram um dos concidadãos de barbatanas para os encargos de Rei, e ali viviam, plenamente despreocupados, entre a gula e a preguiça. Junto deles, porém, havia um peixinho vermelho (4) menosprezado de todos.

Não conseguia pescar a mais leve larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos. Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvárias e ocupavam, displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso.

O peixinho vermelho que não nadasse, sofreria. Por isso mesmo era visto, em correria constante, perseguido pela canícula ou atormentado de fome.

Não encontrando repouso no vastíssimo domicílio, o pobrezinho não dispunha de tempo para muito lazer e começou a estudar com bastante interesse.

Fez o inventário de todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poço, arrolou todos os buracos nele existentes e sabia, com precisão, onde se reuniriam maior massa de lama por ocasião de aguaceiros.

Depois de muito tempo, à custa de longas perquirições, encontrou a grade do escoadouro (6).

À frente da imprevista oportunidade de aventura benéfi ca, refl etiu consigo:

– “Não será melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?” Optou pela mudança.

Apesar de macérrimo pela abstenção completa de qualquer conforto, perdeu várias escamas, com grande sofrimento, a fi m de atravessar a passagem estreitíssima.

Pronunciando votos renovadores, avançou, otimista, pelo rego d’água, encantado

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Abordagens Socioantropológicas

nas Organizações

com as novas paisagens, ricas de fl ores e sol, que o defrontavam, e seguiu embriagado de esperança...

Em breve, alcançou grande rio e fez inúmeros conhecimentos.Encontrou peixes de muitas famílias diferentes que com

ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalços da marcha e descortinando-lhe mais fácil roteiro.

Embevecido, contemplou nas margens homens e animais, embarcações e pontes, palácios e veículos, cabanas e arvoredo.

Habituado com pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e agilidade naturais.

Conseguiu, desse modo, atingir o oceano (5), ébrio de novidade e sedento de estudo.De início, porém, fascinado pela paixão de observar, aproximou-se de uma baleia (7)

para quem toda água do lago em que vivera não seria mais que diminuta ração; impressionado com o espetáculo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe constituíam a primeira refeição diária.

Em apuros, o peixinho afl ito orou ao Deus dos peixes, rogando proteção no bojo do monstro e, não obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece foi ouvida, porque o valente cetáceo começou a soluçar e vomitou, restituindo-o às correntes marinhas.

O pequeno viajante, agradecido e feliz, procurou companhias simpáticas e aprendeu a evitar os perigos e tentações.

Plenamente transformado sem suas concepções do mundo, passou a reparar as infi nitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais estranhos, estrelas móveis e fl ores diferentes no seio das águas. Sobretudo, descobriu a existência de muitos peixinhos, estudiosos e delgados tanto quanto ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz.

Vivia, agora, sorridente e calmo, no palácio de coral (9) que elegera, com centenas de amigos, para residência ditosa, quando, aos se referir ao seu começo laborioso, veio a saber que somente no mar as criaturas aquáticas dispunham de mais sólida garantia de vez que, quando o estio se fi zesse mais arrasador, as águas de outra altitude continuariam a correr para o oceano.

O peixinho pensou, pensou... e sentindo imensa compaixão daqueles com quem convivera na infância, deliberou consagrar-se à obra do progresso e salvação deles.

Não seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? Não seria nobre ampará-los, prestando-lhes a tempo valiosas informações? não hesitou.

Fortalecido pela generosidade de irmãos benfeitores que com ele viviam no palácio de coral, empreendeu comprida viagem de volta.

Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar.

Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e serviço a que se devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros. Estimulado pela proeza de amor que efetuava, supôs que o seu regresso causasse surpresa e entusiasmo gerais. Certo, a coletividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa verifi cou que ninguém se mexia.

Todos os peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos lodacentos, protegidos por fl ores de lótus, de onde saíam apenas para disputar larvas, moscas ou minhocas desprezíveis.

Gritou que voltara a casa, mas não houve quem lhe prestasse atenção, porquanto ninguém, ali, havia dado pela ausência dele. Ridicularizado, procurou, então, o Rei de guelras enormes (3) e comunicou-lhe a reveladora aventura.

O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro se explicasse.

O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu, com ênfase, que havia outro

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mundo líquido, glorioso e sem fi m. Aquele poço era uma insignifi cância que podia desaparecer de momento para outro. Além do escoadouro próximo desdobravam-se outra vida e outra experiência. Lá fora, corriam regatos ornados de fl ores, rios caudalosos repletos de seres diferentes e, por fi m, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreendente. Descreveu o serviço de tainhas e salmões, de trutas e esqualos. Deu notícias do peixe-lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar.

Contou que vira o céu repleto de astros sublimes e que descobrira árvores gigantescas, barcos imensos, cidades praieiras, monstros temíveis, jardins submersos, estrelas do oceano e ofereceu-se para conduzi-los ao palácio do coral, onde viveriam todos, prósperos e tranqüilos. Finalmente os informou de que semelhante felicidade, porém, tinha igualmente seu preço. Deveriam todos emagrecer, convenientemente, abstendo-se de devorar tanta larva e tanto verme nas locas escuras e aprendendo a trabalhar e estudar tanto quanto era necessário à aventurosa jornada.

Assim que terminou, gargalhadas estridentes coroaram-lhe a preleção. Ninguém acreditou nele. Alguns oradores tomaram a palavra e afi rmaram solenes, que o peixinho vermelho delirava, que outra vida além do poço era francamente impossível, que aquela história de riachos, rios e oceanos era mera fantasia de cérebro demente e alguns chegaram a declarar que falavam em nome do Deus dos peixes, que trazia os olhos voltados para eles unicamente.

O soberano da comunidade, para melhor ironizar o peixinho, dirigiu-se em companhia dele até à grade de escoamento e, tentando, de longe, a travessia, exclamou, borbulhante:

– “Não vês que não cabe aqui nem uma só das minhas barbatanas? Grande tolo! Vai-te daqui! Não nos perturbe o bem-estar... Nosso lago é o centro do universo... Ninguém possui vida igual a nossa!...”

Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho realizou a viagem de retorno e instalou-se, em defi nitivo, no palácio de coral, aguardando o tempo.

Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e devastadora seca (8).As águas desceram de nível. E o poço onde viviam os peixes pachorrentos e vaidosos

esvaziou-se, compelindo a comunidade inteira a aparecer, atolada na lama...Apresentada a história, faremos associações entre alguns elementos do texto e aqueles

elementos que encontramos na cultura de uma organização, notadamente a difi culdade em gerir a mudança e o papel fundamental do agente de mudança (embora, nesta história, ele não tenha conseguido “salvar” a sua comunidade “organizacional”).

Destacamos alguns personagens e símbolos que julgamos importantes para o alcance do objetivo de nosso artigo, qual seja fazer um paralelo entre a história com a cultura e transformações de uma empresa.

(1) Um grande lago e (2) uma Comunidade de Peixes: A Organização e sua Cultura

O grande lago e a comunidade de peixes representam na nossa realidade a organização e a sua cultura. Não nos esqueçamos de que o lago é apenas o locus organizacional, posto que a comunidade (indivíduos e sua cultura) é que verdadeiramente “cria” a organização. A cultura organizacional, por sua vez, é formada por políticas internas e externas, sistemas, crenças, valores e clima organizacional.

O interesse sobre cultura organizacional recrudesceu nos anos 70 devido ao fenômeno japonês. O Japão surgiu como líder do poder industrial, apesar de não ter recursos naturais, não ter energia e ser um país super povoado (mais de 110 milhões de habitantes). Entretanto, nenhum desses fatores impediu que houvesse um alto nível de crescimento, um baixo nível de

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Abordagens Socioantropológicas

nas Organizações

desemprego e a mais bem-remunerada e saudável população trabalhadora do mundo. Assim, entender a cultura desse povo tornou-se importante para compreender a sua ascensão na economia mundial.

Segundo Fleury (1991), há vários caminhos para se desvendar a cultura de uma organização. Dentre eles destacam-se:

1. O Histórico das Organizações: o momento de criação de uma organização e sua inserção no contexto político e econômico da época propiciam o pano de fundo necessário para compreensão da natureza da organização, suas metas, seus objetivos. O fundador, neste contexto, tem um papel fundamental, pois ele detém a concepção global sobre o projeto da organização e tem o poder para estruturá-la, desenvolvê-la e tecer elementos simbólicos consistentes com esta visão.

2. Os incidentes críticos por que passou a organização, tais como crises, expansões, pontos de infl exão, de fracassos ou sucessos também são formadores de sua história. Nestes momentos, o tecido simbólico se revela mais facilmente ao pesquisador, pois certos valores importantes de serem preservados ou, pelo contrário, questionados, emergem com maior nitidez;

3. O Processo de Socialização de Novos Membros: o momento de socialização é crucial para a reprodução do universo simbólico. É através das estratégias de integração do indivíduo à organização que os valores e comportamento vão sendo transmitidos e incorporados pelos novos membros. As estratégias mais usuais são os programas de treinamento e integração de novos funcionários. Os rituais de socialização desempenham ao mesmo tempo o papel de inclusão do indivíduo ao grupo e delimitação do processo de exclusão dos demais;

4. As Políticas de Recursos Humanos: as políticas de recursos humanos têm papel relevante no processo de construção de identidade da organização por serem as mediadoras da relação entre capital e trabalho. Analisando as políticas explícitas e principalmente as políticas implícitas de recursos humanos de uma organização, é possível decifrar e interpretar os padrões culturais desta organização;

5. O Processo de Comunicação: a comunicação é um dos elementos essenciais no processo de criação, transmissão e cristalização do universo simbólico de uma organização. É preciso identifi car os meios formais orais (contatos diretos, reuniões, telefonemas) e escritos (jornais, circulares, “memos”) e os meios informais, como, por exemplo, a “rádio-peão”. O mapeamento dos meios permite o desvendar das relações entre categorias, grupos e áreas da organização;

6. A Organização do Processo de Trabalho: a análise da organização do processo de trabalho em sua componente tecnológica e em sua componente social, como forma de gestão da força de trabalho, possibilita a identifi cação das categorias presentes na relação de trabalho. Assim, ela é importante para desvendar aspectos formadores da identidade organizacional, além de fornecer o referencial para se decifrar a dimensão político-construtiva do elemento simbólico. Ou seja, para se questionar como elementos simbólicos ocultam ou instrumentalizam relações de poder é preciso rebater a análise para o plano concreto das relações entre os agentes no processo de trabalho;

7. As Técnicas de Investigação: derivam das propostas teórico-metodológicas desenvolvidas pelos autores. Na ênfase quantitativa utiliza-se levantamento de opinião, através de questionários, escalas, entrevistas, etc. Na ênfase qualitativa utilizam-se dados secundários da própria organização (documentos, relatórios manuais de pessoal, organogramas, jornais, etc.). As técnicas mais utilizadas para coleta de dados primários são entrevistas, observação participante e não participante e dinâmicas de grupo, com uso de jogos e simulações.

Cultura, usualmente, é tida como o padrão de desenvolvimento refl etido nos sistemas sociais de conhecimento, ideologia, valores, leis e rituais cotidianos. Também é vista como o grau de refi namento e evidente em tais sistemas de crenças e práticas.

A antropologia serve de base para o estudo da cultura organizacional. Requer uma

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ruptura radical com a crença de que existe um centro do mundo e de que algumas culturas são mais avançadas ou evoluídas que outras. O antropólogo social ou organizacional deve ter elevado grau de relativismo cultural, de modo a neutralizar eventuais distorções provocadas por seu contexto cultural de origem. A experiência da alteridade leva a se perceber a própria cultura, através do reconhecimento de que ela nada tem de natural e sim é essencialmente formada de construções sociais, e a cultura do outro.

A cultura pode ser entendida como um sistema simbólico, tal como a arte, o mito, a linguagem, em sua qualidade de instrumento de comunicação entre as pessoas e os grupos sociais, que permite a elaboração de um conhecimento consensual sobre o signifi cado do mundo; e também como um instrumento de poder e legitimação da ordem vigente.

Na perspectiva da Antropologia, a dimensão simbólica é concebida como capaz de integrar todos os aspectos da prática social. Segundo Durhan (Fleury, 1987), os antropólogos tenderam sempre a conceber os padrões culturais não como um molde que produziria condutas estritamente idênticas, mas antes como as regras de um jogo, isto é, uma estrutura que permite atribuir signifi cado a certas ações e em função da qual se jogam infi nitas partidas. Não existe também a preocupação em estabelecer relações entre as representações e o poder.

Entre os sociólogos uma corrente importante para a análise da cultura é o interacionismo simbólico (Fleury, 1987), no qual toda atividade está sujeita ao hábito. Qualquer ação freqüentemente repetida torna-se um padrão que pode ser reproduzido, com economia de esforço e tempo. Os fenômenos estão pré-arranjados em padrões que parecem ser independentes da apreensão que cada pessoa faz deles individualmente. A realidade se impõe como objetivada, isto é, constituída por uma série de objetivos que foram designados como objetos antes da “minha” aparição (como indivíduo) em cena. Existe o compartilhar de um senso comum sobre a realidade, produzindo signos (sinais que têm signifi cação). Nas organizações, observa-se como certos símbolos são criados e os procedimentos implícitos e explícitos para legitimá-los.

Discutem-se também os processos de socialização vivenciados pelo indivíduo, quais sejam:

1. Socialização Primária: em que o indivíduo se toma membro de uma sociedade. O cunho da realidade do conhecimento é internalizado quase que automaticamente pelo indivíduo, através, principalmente, da linguagem;

2. Socialização Secundária: introduz um indivíduo já socializado a novos setores do mundo objetivo. A identifi cação acontece somente na medida necessária para a comunicação entre seres humanos. Sua extensão e seu caráter são determinados pela complexidade da divisão do trabalho e pela distribuição social do conhecimento de uma dada sociedade.

Smirchich (Fleury, 1987) propõe duas linhas de pesquisa:

1. A cultura como uma variável, como alguma coisa que a organização tem: ligada ao modelo sistêmico de organização, tem um objetivo normativo – realizar diagnósticos com análises comparativas que subsidiem a elaboração de estratégias de ação das empresas. Por sua vez, esta linha de pesquisa considera dois tipos de variáveis:

• como variável independente, externa à organização (a cultura da sociedade em que se insere a organização e que é trazida para dentro por seus membros);

• como variável interna à organização (as organizações produzem bens, serviços e produtos culturais como lendas, ritos, símbolos); é resultado do desempenho e de representações dos indivíduos nas organizações;

(2) A cultura como raiz da própria organização, algo que a organização é: esta segunda abordagem procura ir além da visão instrumental da organização para pensá-la como um fenômeno social derivado do conceito antropológico de cultura.

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Abordagens Socioantropológicas

nas Organizações

Dentro dessa abordagem, a autora coloca três correntes antropológicas que embasariam as pesquisas sobre cultura organizacional:

• Cognitivista: cultura é defi nida como um sistema de conhecimento e crenças compartilhados. É importante determinar quais as regras existentes em uma determinada cultura e como seus membros vêem o mundo;

• Estruturalista: a cultura se constitui de signos e símbolos. É convencional, arbitrária e estruturada. É constitutiva da ação social sendo,

portanto, indissociável desta; • Simbólica: defi ne cultura como um sistema de símbolos e signifi cados compartilhados

que necessita ser decifrado e interpretado. As pessoas procuram decifrar a organização em termos de pautar e adequar o seu próprio comportamento.

Nesta última corrente, Van Maanem (Fleury, 1991) identifi ca vários tipos de estratégias de socialização, que podem ser combinados em função de se adequar o mais efi cientemente possível o indivíduo aos objetivos e natureza daquela organização (tem a ver com a socialização secundária, de Berger).

Para Schein, também desta última corrente, cultura organizacional é o conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa ou integração interna e que funcionaram bem o sufi ciente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação a esses problemas. Ainda, a cultura de uma organização pode ser apreendida em vários níveis (Fleury, 1991):

1. Nível dos artefatos visíveis: fáceis de obter, mas difíceis de interpretar. É o ambiente construído da organização, arquitetura, layout, a maneira de as pessoas se vestirem, padrões de comportamento visíveis, documentos públicos;

2. Nível dos valores que governam o comportamento das pessoas: valores manifestos na cultura, ou seja, expressam o que as pessoas reportam ser a razão do seu comportamento, o que na maioria das vezes são idealizações ou racionalizações;

3. Nível dos pressupostos inconscientes: são aqueles pressupostos que determinam como os membros de um grupo percebem, pensam e sentem. À medida que um pressuposto vai se tornando cada vez mais taken for granted, vai passando para o nível do inconsciente.

O mesmo autor diz que se a organização como um todo vivenciou experiências comuns pode existir uma forte cultura organizacional que prevaleça sobre várias subculturas das unidades (cultura dos gerentes, do sindicato, etc.). Schein coloca como de maior importância o papel dos fundadores da organização no processo e moldar seus padrões culturais, que imprimem sua visão de mundo aos demais e também sua visão do papel que a organização deve desempenhar no mundo.

Schein propõe ainda categorias para se investigar o universo cultural de uma organização:

1. Analisar o teor e o processo de socialização dos novos membros; 2. Analisar as respostas a incidentes críticos da história da organização; 3. Analisar as crenças, valores e convicções dos criadores ou portadores da cultura; 4. Explorar e analisar junto a pessoas de dentro da organização as observações

surpreendentes descobertas durante as entrevistas. Esta linha de estudos assume os sistemas culturais apenas em sua capacidade de

comunicação e de expressão de uma visão consensual sobre a própria organização. Entretanto, a dimensão do poder está ausente destes estudos. Para ir além da proposta clássica, que defi ne cultura como representações simbólicas que expressam formas comuns de apreender o mundo, é necessário “politizar” o conceito de cultura, investigando como o universo simbólico expressa relações de poder, oculta-as e instrumentaliza o pólo dominante da relação.

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(3) O Rei de Guelras Enormes: O Poder nas OrganizaçõesO Rei representa, na lenda, o poder. Percebe-se na fi gura do rei um líder de

comportamento autoritário, sem a devida responsabilidade para com seus seguidores (comunidade de peixes). Nas organizações, essa faculdade de um homem determinar o comportamento de outro homem pode se dar através da manipulação, da persuasão, da ameaça de punição e até pela promessa de benefícios e vantagens.

Nesta perspectiva, Max Pagès, estudando o fenômeno do poder e suas articulações na vida de uma organização, trabalha de forma analítica (e não-antropológica) o fenômeno do poder sob diferentes matizes, aliando o referencial marxista à psicanálise freudiana (postura “sistêmico-dialética”):

1. Como fenômeno de alienação econômica (perspectiva marxista); 2. Como fenômeno político de imposição e controle sobre as decisões e

organização do trabalho; 3. No nível ideológico, como um fenômeno de apropriação de signifi cados e valores; 4. No nível psicológico, como um fenômeno de alienação psicológica. Fleury (1987) coloca a introdução do conceito de mediação como um processo

que transforma a contradição básica entre capital e trabalho em uma contradição interna às políticas da organização. A organização hipermoderna tem esta característica, identificada em quatro categorias:

1. Mediações de ordem econômica (salários, carreira, etc.); 2. Mediações de ordem política (sistema decisório); 3. Mediações de ordem ideológica (quer tornar-se um lugar de produção de

significado e valor); 4. Mediações de ordem psicológica (de vantagens / restrições para prazer / agonia,

mecanismo de reforço circular, que assegura a manutenção do sistema psicológico em consonância com a estrutura da organização e os reproduz).

O conceito de ideologia desenvolvido pelos autores aproxima-se do conceito de cultura organizacional. Para o autor, a ideologia não reside apenas no discurso dos dirigentes, mas é elaborada pelo conjunto dos empregados. A função essencial da ideologia não é apenas mascarar as relações sociais de produção, mas reforçar a dominação e conseguir a exploração dos trabalhadores. Utiliza a metáfora da “religião”, que na empresa é colocada em prática nos dispositivos da política de pessoal. Em sua pesquisa, analisa os dogmas, mandamentos da empresa, ritos (confi ssão: entrevista de avaliação; missa: reuniões; batismo: programa de treinamento, etc.).

Fleury (1989) defi ne cultura a partir da concepção de Schein, mas incorpora a dimensão política inerente a este fenômeno. Assim, cultura organizacional é concebida como: “...um conjunto de valores e pressupostos básicos expressos em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir signifi cações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação” (Fleury, 1989:22).

Há, ainda, o mito da “grande família”, que revela as duas faces presentes nas relações de trabalho: a face visível da solidariedade, de cooperação, e a face oculta da dominação e submissão.

(4) O Peixinho Vermelho: O Agente de MudançasNa lenda, o peixinho vermelho representa o agente promotor de mudança. É

considerado um líder democrático, cooperativo, aberto à mudança e, sobretudo, humano. Buscava conhecimento através do estudo e também conhecia bem a realidade em que vivia, ou seja, os problemas, a estrutura, as bases do grande lago.

Nas organizações, esse agente de mudanças é conhecido como empreendedor. Estes, por sua vez, são elementos dispostos a inovar e criar produtos, estratégias e situações que promovem o desenvolvimento organizacional.

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Abordagens Socioantropológicas

nas Organizações

Até meados da década de 70, falar em mudança organizacional era predominantemente falar em projeto ou desenho organizacional. A idéia de mudança estava centrada no conceito de alteração de organogramas, na criação, modifi cação ou extinção de cargos e funções. É somente nos anos 80 que esta abordagem vai ganhar forma. Grande parte do interesse pelo tema deve-se ao fato de que, após operar todo tipo de mudança em suas empresas, muitos administradores perceberam que ainda era necessário

mudar os valores comuns e as crenças dos grupos para que os resultados surgissem.Para Herzog (citado por Wood, 1992), mudança no contexto organizacional engloba

alterações fundamentais no comportamento humano nos padrões de trabalho e nos valores em resposta a modifi cações ou antecipando alterações estratégicas, de recursos ou de tecnologia. Ele considera também que a chave para enfrentar com sucesso o processo de mudança é o gerenciamento das pessoas, mantendo o alto nível de motivação e evitando desapontamentos. Para ele, grande desafi o não é a mudança tecnológica, mas mudar as pessoas e a cultura organizacional, renovando os valores para ganhar vantagem competitiva.

Deal e Kennedy (citados por Wood 1992) acreditam que a mudança é necessária quando ocorrem perturbações ambientais e mudar torna-se uma questão de sobrevivência. Delisi, Linder e Koch e Steinhauser (Wood, 1992) exploram a relação entre tecnologia de informação e mudança cultural e o potencial de impacto que a variável tecnológica tem sobre as organizações.

Para Morgan (1996), o processo de mudança tradicionalmente tem sido dado como um problema de mudança das tecnologias, estruturas, habilidades e motivações dos empregados. Embora seja correto, a mudança efetiva depende das mudanças de imagens que deve guiar as ações.

O’Toole (Wood, 1992) considera que os fatores-chaves em uma mudança cultural são:• Que a mudança seja construída sobre as forças e os valores da organização; • Que haja participação em todos os níveis; • Que a mudança se dê de forma holística, relacionando-se com a estrutura, estratégia,

sistemas de recompensa, sistemas de controle; • Que a alta gerência lhe dê todo apoio e que se torne um processo contínuo; • Que seja planejada no longo prazo e executada em etapas. Segundo Pettigrew (Fleury, 1991), a cultura é pensada como um conjunto complexo

de valores, crenças e pressupostos que defi nem os modos pelos quais uma empresa conduz seus negócios. Esse núcleo de crenças e pressupostos são manifestos nas estruturas, sistemas, símbolos, mitos e padrões de recompensas dentro da organização. Seria muito mais fácil ajustar as manifestações de cultura do que modifi car o núcleo de crenças e pressupostos básicos de uma organização. No entanto, qualquer estratégia para modifi car a cultura organizacional terá de envolver pensamentos e ação tanto no nível das crenças básicas como no de suas manifestações.

O ponto de partida para esta análise da mudança estratégica é a noção de que a formulação do conteúdo de qualquer nova estratégia supõe controlar ambiente social, econômico, político e competitivo. O contexto interno é a própria cultura organizacional, através da qual as idéias de mudança devem fl uir. O processo de mudança refere-se às ações, reações e interações das várias partes interessadas.

Segundo Morgan (1996), aprende-se a encarar sistemas vivos como entidades distintas caracterizadas por inúmeros padrões de interdependência, tanto internos como em relação aos seus ambientes. Caso nos coloquemos “dentro” desses sistemas percebemos que estamos dentro de um sistema fechado de interação e que o ambiente é parte da organização do sistema.

O padrão do sistema deve ser entendido como um todo. Por isso não faz sentido dizer que um sistema interage com seu ambiente, são transações dentro de si mesmas. Se as relações com o ambiente são internamente determinadas, então os sistemas só podem evoluir

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e mudar através de mudanças autogeradas na identidade. Quando uma organização deseja entender o seu ambiente, deve então entender-se a si mesma, uma vez que a compreensão do ambiente é sempre uma projeção de si própria. Muitas organizações encontram sérios problemas em lidar com o mundo exterior por não reconhecerem que são uma parte dos seus respectivos ambientes.

(5) O Oceano: o Universo de Inserção das OrganizaçõesO oceano signifi ca o universo de inserção das organizações que sobreviverão e se

adaptarão aos impactos das transformações exigidas pela dinâmica do mundo globalizado da Era da Informação. De acordo com Toledo (1997), a mutabilidade é o cenário que as pessoas e organizações vão encontrar neste fi m de milênio e no começo do próximo. Diante disso, coloca-se a necessidade de as empresas se adequarem aos novos paradigmas para que permaneçam no mercado. Muitas organizações se vêem como centros, olhando apenas para o seu próprio umbigo, fechadas ao ambiente, em si mesmas, às mudanças. Não querem se comprometer, pois tal ação exige risco.

Um novo modelo de gestão deve, então, ser criado neste cenário de competitividade crescente, tanto no nível das relações externas quanto internas. À medida que os cenários mudam os seres humanos são instados a mudar, a oferecer soluções criativas e a mobilizar novos recursos. E a transformação desse fl uxo de mudanças se encontra na sinergia, parceria e na globalização que são formas de união.

(6) A Grade de Escoadouro: Os Obstáculos à MudançaNa lenda, o escoadouro representa o caminho para a mudança, a ponte. Toda mudança

implica algum sacrifício e é sempre cercada por incertezas. É esta passagem estreitíssima que levaria a outro mundo (oceano, rios, riachos, plantas). Mas para se chegar ao outro lado através desse escoadouro era preciso que os peixes emagrecessem, renunciassem a muitos hábitos, atitudes, crenças, valores. Desse modo, não atravessar esse escoadouro signifi ca negar a necessidade de mudanças e dizer não às novas oportunidades, enfi m, signifi ca uma resistência à mudança.

As organizações, por estarem inseridas num contexto de mudanças constantes, precisam se adaptar às novas realidades com as quais se defrontam. Por exemplo, tais realidades poderiam ser a necessidade de uma nova política de recursos humanos ou uma nova forma de gestão e planejamento; ou, ainda, mudanças nas estruturas, sistemas e processos ou urgência de informatização; ou até mudanças políticas e novas tecnologias. A despeito de tais pressões, muitas organizações não procedem às atitudes necessárias para instaurarem o processo que as levaria a modificar o seu status quo. Talvez o maior foco de resistência seja o fato de que a questão não é somente mudar, e sim gerenciar a mudança, o que implica na tarefa extremamente difícil de gerenciar a própria cultura da organização.

Segundo Pettigrew (Fleury, 1991), as difi culdades de se gerenciar a cultura de uma organização são devidas aos seguintes problemas:

1. Problema dos níveis: a cultura existe em uma variedade de níveis diferentes na empresa. Refere-se às crenças e pressupostos das pessoas dentro da organização. É muito mais difícil modifi car manifestações de cultura;

2. Problema da infi ltração: a cultura refere-se também aos produtos da empresa, às estruturas, aos sistemas, à missão da empresa, recompensas, socialização;

3. Problema do implícito: é difícil modifi car coisas que são implícitas no pensamento e no comportamento das pessoas;

4. Problema do impresso: a história tem grande peso na administração presente e futura na maioria das organizações;

5. Problema do político: refere-se às conexões entre a cultura organizacional e a distribuição do poder na empresa. Esses grupos de poder não estão dispostos a abandonar tais crenças;

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Abordagens Socioantropológicas

nas Organizações

6. Problema da pluralidade: a maioria das empresas não possui uma única cultura organizacional, podendo apresentar uma série de subculturas;

7. Problema da interdependência: a cultura está interconectada não apenas com a política da empresa, mas com a estrutura, os sistemas, as pessoas e as prioridades da empresa.

Para criar e manter a cultura, a rede de concepções, normas e valores devem ser afi rmados e comunicados aos membros da organização de uma

forma tangível (Fleury, 1991), que são as formas culturais, ou seja, os ritos, rituais, mitos, histórias, gestos e artefatos.

O rito se confi gura como uma categoria analítica privilegiada para desvendar a cultura das organizações. Ao desempenhar um rito, as pessoas se expressam através de diversos símbolos: certos gestos, linguagem, comportamentos ritualizados, artefatos para salientar uma visão consensual apropriada à ocasião. Comparando os relatos antropológicos dos ritos das sociedades tribais com os da vida das organizações modernas, Beyer e Trice (Fleury, 1991) identifi caram seis tipos de ritos:

1. Ritos de passagem: o processo de introdução e treinamento básico no Exército americano;

2. Ritos de degradação: o processo de despedir e substituir um alto executivo; 3. Ritos de confi rmação: seminários para reforçar a identidade social e seu poder de

coesão; 4. Ritos de reprodução: atividades de desenvolvimento organizacional; 5. Ritos para redução de confl ito: processos de negociação coletiva; 6. Ritos de integração: festas de Natal nas organizações. Para os autores, os ritos organizacionais são facilmente identificáveis, porém

difi cilmente interpretáveis. Pode-se, então, identifi car duas posturas teóricas básicas ao se trabalhar o conceito de cultura, que não são excludentes:

a. aqueles que consideram a cultura como a interação/comunicação entre as pessoas e grupos e elaboração de um conhecimento consensual sobre signifi cado do mundo (arte, mito, linguagem => sistema simbólico);

b. aqueles que consideram a cultura como um instrumento de poder e legitimação da ordem vigente (ideologia).

(7) A Baleia: O Perigo da PrecipitaçãoNa nossa história, o encontro com a baleia representa exatamente o extremo da

organização que resiste às mudanças: é aquela que se deixa levar inconseqüentemente por qualquer “onda” que lhe acene com a promessa de solução de seus problemas, aceitando o modismo da mudança sem uma avaliação adequada de suas reais necessidades e um planejamento sério para levar a termo tais tentativas de transformação.

Podemos incluir aqui as chamadas “maquiagens”: muda-se a forma, mas o conteúdo permanece o mesmo. Ou então são os “desvios” da mudança, em que a empresa, por ignorância, falta de orientação ou por má interpretação dos fatos, não procedeu de forma a viabilizar aquilo que pretendia e acaba faceando situações danosas para as quais não tem defesa, e que podem inclusive vir a causar-lhe a extinção. A baleia também pode representar o reconhecimento do erro, quando os desvios mencionados são detectados em sua fase inicial e ainda são passíveis de serem corrigidos.

(8) A Seca: O Destino das Organizações EstanquesA Seca representa o futuro para aquelas organizações que não aceitarem os novos

paradigmas. Aquelas que não acompanharem o infl uxo dos requisitos para a sobrevivência no mercado globalizado estão destinadas a desaparecer. As mudanças globais na economia delineiam um novo cenário que traz, para as empresas, drásticas mudanças nas relações de troca: exigência dos consumidores e necessidades de qualidade de vida do trabalho. Por

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isso, é necessário que as mudanças se façam nos processos sociais internos, para que se modifi quem também as pessoas a fi m de que este modelo de gestão funcione.

Diante disso, torna-se necessário superar as barreiras dos antigos comportamentos. Em primeiro lugar, através da quebra dos paradigmas construídos sobre a realidade passada, para que um novo paradigma possa fazer emergir uma nova realidade sobre ele construída. As organizações devem se preparar para os possíveis desafi os, através de um processo contínuo de aprendizagem, mobilização de recursos adicionais para atenderem às novas demandas e adaptação ao novo ambiente; caso contrário, as organizações estão fadadas à morte (falência).

(9) O Palácio de Coral: O Futuro das OrganizaçõesEm nossa história, o palácio de coral representa o novo estado possível da

organização, ou, dito de outra forma, como serão as arquiteturas organizacionais para o século 21. Desde meados dos anos 80 têm aumentado as pressões sobre as empresas que desejam continuar no mercado com êxito. As transformações por que passa a nossa época são bastante diferenciadas daquelas trazidas no bojo da Revolução Industrial que motivou a reorganização das relações mundiais de produção e trabalho. Várias foram as forças que delinearam este novo cenário organizacional, dentre as quais pode-se citar a tecnologia, a competição, o excesso de oferta, a globalização, as expectativas do cliente, a participação governamental, as relações de propriedade e a dinâmica das forças de trabalho.

Neste contexto, é fácil perceber que as organizações para sobreviverem devem enfrentar todos estes desafi os, o que pressupõe uma capacidade de prever mudanças e administrá-las, privilegiando a adaptabilidade, a fl exibilidade, a sensibilidade, a decisão e a rapidez; daí a crucial importância do desenvolvimento antecipado de estratégias, ou, dito de outra forma, o que faz a diferença fundamental entre as empresas no mundo moderno é a qualidade do seu planejamento estratégico.

Assim, podemos inferir que no futuro as organizações provavelmente terão, entre outras, as seguintes características: organizações em redes de fornecedores, concorrentes e clientes cooperando para sobreviver, limites organizacionais imprecisos (várias lealdades); sistemas de trabalho de alto desempenho (processos e qualidade total); equipes serão a norma; subunidades serão autônomas; normas e valores dão coesão para direção e coordenação ativas; formas organizacionais fl uidas e transitórias; ênfase do aprendizado quanto ao sistema; desenvolvimento da visão estratégica e visão específi ca; e menor ênfase no desempenho fi nanceiro de curto prazo.

As características próprias de cada organização nascem das estratégias adotadas por seus dirigentes a fi m de manter a empresa. As pessoas têm que estar de acordo com estas características, e estes pressupostos vão se internalizando, formando uma posição a respeito de “como as coisas são”.

A partir de exigências para mudanças no ajustamento externo estas podem impulsionar desdobramentos internos de alteração nos sistemas de integração e coordenação. As culturas mudam pelos mesmos processos pelos quais se formam, transformam sua interpretação em ação visível, através do exemplo vivido e inteligível para o grupo como um todo, permitindo uma orientação no agir e interagir do cotidiano da empresa.

O grande dilema que parece estar no bojo de toda esta transformação é a questão do gerenciamento das contradições entre cultura e mudança organizacional. Enquanto a primeira enseja uma sedimentação lenta, mais defi nida pela passagem do tempo, a segunda pede a adaptabilidade instantânea para responder aos desafi os que este mesmo tempo lhe impõe. Faz-se mister, portanto, aprender a mudar, o que signifi ca aprender e apreender o que pode e deve ser feito com os instrumentos e técnicas disponíveis do planejamento e do controle do processo, pois, embora não possamos realmente prever o futuro, parece claro que este mesmo futuro não será alcançado a menos que tentemos ir até ele.

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Abordagens Socioantropológicas

nas Organizações

Alguns quesitos terão maior relevância sobre outros ao longo deste caminho que estamos percorrendo no sentido de aprenderemos a mudar. Um outro aspecto que merece atenção é o caráter episódico que parece estar erroneamente associado ao processo de mudança. Mudar é um processo contínuo, que deve ser incorporado ao modus operandi da empresa de forma a permitir a sua inserção na dinâmica das transformações que caracterizam o atual estágio de transformações

aceleradas do mundo moderno. Mudar é estar em sintonia com este processo social por que passa a humanidade, fi ltrando o melhor e aprendendo com o erro.

INDIVÍDUO / TRABALHO E SOCIEDADE

O ser humano, individualmente, é um dos animais mais frágeis e desprotegidos, no aspecto físico, entre todos os que existem na natureza. Conta com instintos básicos, de preservação da vida, de perpetuação da espécie e outros tantos, que se desenvolvem, todavia, apenas com um par de anos após seu nascimento. Todos precisamos de alguém, por algum motivo, em todos os estágios da nossa vida, para sobrevivermos.

Nossos sentidos são muito mais frágeis do que os da maioria (para não dizer, totalidade) dos animais. Um cavalo, um bezerro, um leão etc., por exemplo, conseguem fi car de pé, por seus próprios meios, alguns minutos após o nascimento. E dão os primeiros passos logo a seguir, acompanhando a mãe. E nós?

Um bebê precisa de cerca de dois meses somente para se virar de lado, por seus próprios meios, no berço. E assim mesmo é preciso que se fi que atento para impedir que ele sufoque. Senta-se aos quatro ou cinco meses e, só a partir daí, começa a engatinhar. Dá os primeiros e vacilantes passos, com o amparo dos pais, entre dez meses e um ano. Se nesse período fosse deixado sozinho, por sua conta e risco, certamente não sobreviveria.

Precisa ser ensinado de tudo, desde comer a falar; desde como se livrar dos pequenos e grandes perigos até sobre noções elementares, como o próximo, a família, a escola, a sociedade e o país. É um processo lento, vagaroso, de longo prazo, que exige completa atenção, paciência e amparo dos pais. Portanto, tem dependência absoluta de semelhantes que já se tenham desenvolvido.

Mesmo depois de adulto, o ser humano difi cilmente sobreviveria sem a companhia de outros indivíduos da espécie. Precisa associar-se, pois ninguém é dotado de todos os talentos, de todas as habilidades e de todas as potencialidades que garantam a satisfação de suas necessidades (materiais e espirituais) e, por extensão, sua sobrevivência.

Em qualquer aspecto que se encare, quer físico, quer psicológico, quer emocional, pessoa alguma sobreviveria se tivesse que se virar sozinha, só, por sua conta e risco. Santo Tomás de Aquino enquadrou os solitários (e ninguém o é por completo, frise-se) em três categorias: “excellentia naturae”, “corruptio naturae” e “mala fortuna”.

No primeiro caso estariam os que optam livremente por um retiro, pelo isolamento, pelo afastamento da sociedade para meditação, livrando-se dos desejos materiais para se dedicar às coisas do espírito. Os segundos seriam aqueles indivíduos tão corrompidos e daninhos que precisariam ser banidos, para não ameaçar nem prejudicar os outros. E os

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terceiros seriam frutos da má sorte, com capacidade insufi ciente para conquistar seu espaço no contexto social e que cairiam na indigência e, por isso, optariam (ou seriam forçados pelas circunstâncias) pelo isolamento.

O indivíduo é uma pequena porção da sociedade organizada, em que a socialização é feita através dos outros indivíduos que o rodeiam, e a sua identidade é moldada segundo os critérios do grupo cultural onde este se encontra inserido.

Atualmente o indivíduo dispõe da capacidade de escolher. Vivemos numa sociedade muito ampla, com um leque bastante variado de escolhas morais ou eleição de valores. Ele pode escolher com quem vai estabelecer laços sociais, pode optar também pelas relações que deseja, e pode mesmo construir a sua própria identidade. Não deverá ser a sociedade a infl uenciar as escolhas do indivíduo.

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ode smo

dade

A vida em sociedade, no entanto (e pensamos numa que seja ideal, justa e solidária, e não na real, nesta que aí está), inibe, quando não sufoca, a individualidade. Os interesses coletivos, que teoricamente ganham prevalência, não raro se chocam com os individuais. Apesar dos grupos haverem instituído regras, preceitos e leis reguladoras, a tão apregoada (e pouco praticada) igualdade de direitos e deveres, constante em todas as Constituições do mundo, é meramente retórica e há muito não passa de utopia.

Somos frutos da educação que recebemos, cujas diretrizes são determinadas pelos detentores do poder. Infelizmente, quer no lar, quer na escola, quer na sociedade, não somos educados para desenvolver e exercer plenamente nossas potencialidades físicas, mentais e espirituais, mas meramente “adestrados” para determinadas tarefas que uma entidade abstrata, chamada Estado, nos determina.

Mesmo que não venhamos a nos dar conta, somos despersonalizados. Poucos se importam com nossas sensações e emoções pessoais, com nossas carências ou necessidades, e muito menos se sentimos fome, sede, dor, saudade, alegria, tristezas, iras, etc. Somos tratados como ferramentas utilitárias de produção de bens e serviços, que podem ser descartadas a qualquer momento, tão logo percam a utilidade ou reduzam a produtividade ou quando os poderosos de plantão assim decidam.

Adam Smith alertou, no livro “A Riqueza das Nações”, que “nenhuma sociedade pode ser fl orescente e feliz se a grande maioria de seus membros for pobre ou miserável”. Poucas, todavia, pouquíssimas (diria, nenhuma) atingem esse grau de excelência. E mesmo as que conseguem se aproximar desse estágio ideal contam com imensos contingentes de miseráveis, sem lugar para morar, sem roupa adequada para se aquecer, sem alimentos fartos e nutritivos para assegurar a saúde e a força, etc.

Embora informalmente, os homens se dividem em castas. Há uma minoria que nada faz e tudo tem, em detrimento de uma imensa maioria, que tudo produz e, contudo, tem que se contentar com meras migalhas do produto do seu trabalho. Impera, na verdade, no mundo a lei da selva, a do mais forte (e não necessariamente no aspecto físico).

Teoricamente, ao nascermos todos fi rmamos um pacto tácito, tendo por procuradores os nossos pais, em que abrimos mão de parcela de nossos direitos individuais em favor do coletivo. Na teoria isso até que soa bem. Mas na prática...Funciona? Claro que não!

Urge, caso se queira, de fato, fazer justiça (e esse suposto desejo, por enquanto, se limita só a palavras) que a maioria dos pretensos “sócios” (todos nós, sem exceção nem distinção de sexo, raça, religião, posição social ou crença política)

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seja, de fato e de direito, integrada à “sociedade” e tratada como tal, conquistando cidadania plena, pois este é o único caminho real para o desenvolvimento e até para a sobrevivência do que se convencionou chamar de civilização. Colocar isso em prática, todavia, é que são elas. Será que um dia o homem conseguirá?

“Alega-se que, com a abolição da pro-

priedade privada, toda a atividade cessaria, uma

inércia geral se abateria sobre os homens. Ora,

se esta linha de raciocínio estivesse correta, há

muito que a sociedade burguesa teria sucumbido,

pois os que nela trabalham mais são aqueles que

menos lucram, enquanto os que mais lucram são

justamente os que menos trabalham”

Karl Marx

O trabalho é a fonte de toda riqueza, afi rmam os economistas, e assim é, com efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer os materiais que ele converte em riqueza. É muitíssimo mais do que isso, é a condição básica e fundamental de toda a vida humana e em tal grau que, até certo ponto, podemos afi rmar que o trabalho criou o próprio homem.

As mudanças nas formas de vida em sociedade independem do planejamento individual, bem como também ele existe só porque existe um grande número de pessoas e que ele só funciona porque muitas pessoas – individualmente – querem e fazem certas coisas.

O indivíduo não desempenha nenhum papel na sociedade. Ela é uma unidade orgânica, acima do individual, com uma vida própria. As formas culturais e as instituições econômicas possuem um papel fundamental.

Há explicações que afi rmam ser possível isolar o indivíduo das suas relações com as demais pessoas. Por outro lado, há os que afi rmam que não existe lugar apropriado às funções psicológicas do indivíduo singular.

Também nos deparamos com as mesmas dúvidas. Temos uma certa idéia de que somos indivíduos e do que é a sociedade, porém, se tentarmos, em nosso pensamento, reconstruir aquilo que vivenciamos na realidade, perceberemos que nosso fluxo de pensamento é entrecortado e falho. Isto é ocasionado pelo fato de não possuirmos modelos conceituais e tampouco uma visão global mediante os quais possamos entender como é possível que indivíduos isolados possam, sem sequer ter planejado ou pretendido, formar e transformar a sociedade.

A questão capital que permeia nossa sociedade é o fato de como tornar possível criar uma ordem social que possibilite a harmonização entre o desenvolvimento pessoal do indivíduo e, por outro lado, pelas exigências feitas pelo trabalho coletivo de muitos no tocante à manutenção do social como um todo. Por mais que tentemos separar o indivíduo da sociedade, percebemos que o desenvolvimento de um está intimamente ligado ao do outro. A dissociação é impossível. Porém, o que percebemos é o fato de que os projetos que nos são ofertados como solução para pôr termo a essa questão infelizmente sacrifi cam uma coisa à custa de outra.

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Com isto, percebemos que qualquer idéia relacionada com o tema é tida como uma tomada de posição para um dos lados, isto é, ou se fala que o indivíduo é mais importante que a sociedade ou que a sociedade é mais importante que o indivíduo. Os confl itos, portanto, são inevitáveis.

Há, então, o surgimento da dicotomia indivíduo e sociedade. Esquece-se que a questão não é saber quem é o mais importante, mas sim saber que nem o indivíduo, nem a sociedade existem um sem o outro.

A vida social dos seres humanos não é nada harmoniosa: ela é repleta de contradições, tensões e explosões. As pessoas também estão num movimento mais ou menos perceptível; os indivíduos também não se unem com cimento: a maioria das pessoas vão e vêm como lhes apraz. Porém, embora exista a liberdade individual de movimento, há também uma ordem oculta e aparentemente imperceptível. Cada pessoa nesse turbilhão, em algum lugar, em algum momento, tem uma função, um trabalho específi co, ou mesmo alguma tarefa para os outros, ou, ainda, um emprego perdido.

Com isso, como resultado de sua função, cada pessoa tem ou teve uma renda da qual sobrevive ou sobreviveu. Não é possível a qualquer uma delas pular fora disso de uma hora para outra. Cada um está preso aos “formalismos” de cada ocasião – seja do trabalho ou de desemprego, de uma festa ou de um velório. A ordem invisível dessa forma de vida em comum oferece ao indivíduo uma gama mais ou menos restrita de funções e de comportamentos possíveis. Na verdade, o indivíduo está confi nado à situação em que nasce, às funções e à situação de seus pais e à escolarização que recebe. Embora possa não conhecer ninguém no meio desse burbúrio, ele possui, em algum lugar, um círculo de relações a que pertence, mesmo que esteja só, tem conhecido perdidos ou mortos que vivem apenas em sua memória.

Cada pessoa, mesmo o monarca absolutista mais poderoso, representa uma função que só é formada e mantida em relação a outras funções, as quais somente podem ser compreendidas em termos da estrutura específi ca e do contexto em que estão.

Mas essa rede de funções existente nas associações humanas não surgiu à soma de vontades, isto é, da decisão comum das pessoas individuais. E, no entanto, esse contexto funcional é algo que existe fora dos indivíduos. Cada função é exercida de uma pessoa para outras. E cada uma destas funções está relacionada com terceiros: cada uma depende das outras. Portanto, a essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação às outras, a ela e nada mais, chamamos sociedade.

O hábito de analisarmos unidades compostas a partir de unidades menores e das suas inter-relações, quando aplicado aos diferentes tipos de experiências que temos de nós mesmos, das pessoas e das sociedades, originam anomalias específi cas.

Esses hábitos mentais originam, de um lado, os grupos que sustentam a idéia de que a sociedade é algo supra-individual (surgem os conceitos de mentalidade coletiva, organismo coletivo). Opondo-se a isto, há os grupos que concentram as idéias nos indivíduos humanos. Embora estes vejam que as estruturas e leis sociais nada mais são que estruturas e leis de relação entre as pessoas, são incapazes de perceber que as próprias relações possuem estruturas e regularidades próprias. Ambos os grupos, no entanto, enxergam o indivíduo isoladamente, gerando, com isto, um abismo entre os fenômenos sociais e individuais.

A relação indivíduo-sociedade é algo singular: não existe comparação em nenhuma outra esfera da existência. Para compreendê-la, é necessário começar a pensar em termos de relação e funções, e não em termos isolados um do outro.

Embora muitas pessoas, ao pensarem em sua origem, imaginem que descenderam de um único ser humano já adulto, sabemos que todo indivíduo nasce num grupo de pessoas que já existem antes dele e das quais ele depende.

Independentemente de sua constituição natural ao nascer, é somente no convívio com outros seres humanos que a criança se transforma num ser mais complexo. E, é claro, jamais duas histórias individuais são idênticas.

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A constituição psíquica que cada ser humano traz ao mundo dá margem a uma grande profusão de individualidades possíveis. As relações desse indivíduo com as outras pessoas, porém, terão muito mais infl uência sobre ele que sua própria constituição.

A relação entre as pessoas é tão imprevisível que, numa conversa, cada um dos interlocutores forma idéias que não existiam antes ou, até mesmo, leva adiante idéias que já estavam presentes. Não há como prever,

rigorosamente falando, o desfecho de uma conversa, nem tampouco a relação entre as pessoas, pois estas estão continuamente moldando-se e remoldando-se umas às outras.

Cada indivíduo traz consigo a marca de uma sociedade específi ca, de uma nação e de uma classe específi ca. E está é a chave para compreendermos o que é sociedade: analisar a historicidade do indivíduo e o fenômeno do seu crescimento até a idade adulta.

O atual isolamento das pessoas revela uma profunda conformação do indivíduo com relação às situações de refreamento de instintos, controle afetivo e mutação da própria personalidade. Isso tudo gera um profundo confl ito no interior do indivíduo, que passa a achar que “dentro” de si ele é algo que existe inteiramente só, e que só “depois” se relaciona com os outros “do lado de fora”. Esta é uma expressão sumamente inadequada da verdadeira relação entre os seres humanos.

Quanto mais intenso e abrangente é o controle dos instintos, quanto mais domínio o indivíduo deve ter sobre o desempenho de suas funções maior se torna a distância entre o comportamento do adulto e da criança; com isso, quanto mais difícil se torna o processo civilizador individual, mais demorado é o tempo de preparação das crianças para estas desempenharem as funções adultas.

Logo, os jovens são afastados da esfera dos adultos por um período longo de “treinamento” em institutos, escolas e universidades, antes de começarem a desempenhar suas funções propriamente ditas. E esse período tende a aumentar.

A especialização cada vez maior do trabalho em nossas sociedades restringe cada vez mais as faculdades e inclinações do indivíduo.

O jovem é, então, iludido com as promessas de uma vida adulta cheia de sonhos e de alegrias. O contraste com a realidade da vida adulta, com as limitações impostas pelos empregos, a intensidade das competições e as tensões tornam muito difícil o condicionamento do indivíduo. A probabilidade de que ele venha a sucumbir perante o rompimento de suas inclinações pessoais e as tarefas sociais impostas torna-se extremamente aguda.

Várias escolas de pensamento tentam explicar a questão da infl uência da sociedade “externa” na formação do indivíduo. Subjacente a todas elas, a concepção da antítese entre o “eu puro” e a sociedade revela-se insufi ciente. Similarmente a uma rede de tecido, os indivíduos entrelaçam-se entre si conservando sua individualidade. E essa rede está em constante movimento, como um tecer e destecer ininterrupto de ligações. É assim que cresce o indivíduo: partindo de uma rede de pessoas que existam antes dele para uma rede que ele ajuda a formar.

Imaginamos constantemente o ser humano dividido em compartimentos psíquicos, tais como: “mente” e “alma”, “razão” e “sentimento”, “consciência” e “instinto”. Mas essa diferenciação só ocorre no ser humano quando ele cresce – criança – numa sociedade de pessoas.

Esses compartimentos psíquicos são termos que dão a impressão de substâncias, em vez de funções, de algo estanque e não em movimento. São, porém, funções que se dirigem constantemente para outras pessoas e coisas.

Há no organismo humano duas áreas de funções diferentes (porém interdependentes): existem órgãos e funções destinados a manter e reproduzir constantemente o próprio organismo, e há órgãos e funções que servem às relações do organismo com outras partes do mundo e a sua auto-regulação nessas relações. Estas últimas são funções relacionais, cuja expressão e maleabilidade determinam a demora na preparação do ser humano no

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tocante à molda da sua auto-regulação por outras pessoas, que o fará assumir uma forma especifi camente humana. Portanto, deve-se partir da estrutura das relações entre os indivíduos para compreender a “psique” da pessoa singular.

Os seres humanos são parte de uma ordem natural e de uma ordem social. E esta se deve à peculiaridade da natureza humana, que consiste na mobilidade e maleabilidade especiais pelos quais o controle comportamental humano é diferente do animal. Graças a essas qualidades há ação de regularidades e processos automáticos sociais que permitem o acontecimento de processos e transformações não pré-programados na natureza humana. Com isso, os indivíduos têm uma história que não é a história natural.

A divisão das funções sociais existe até nas sociedades mais simples e, quanto maior é essa divisão, mais se acentua a dependência de uma pessoa para com as outras.

Há, então, por parte de alguns, a apropriação e uso da violência que se destina a negar aos outros aquilo de que estes precisam para garantir e efetivar sua existência social, ou até subjugá-los e explorá-los constantemente. Ocorrem, então, tensões entre os grupos e há também a geração de impulsos por mudanças estruturais na sociedade. Essas tensões não foram planejadas ou criadas por indivíduos isolados, mas alteraram a forma e a qualidade do comportamento humano, além de toda a regulação psíquica do comportamento, que impeliu os homens à civilização. Portanto, a história é sempre história de uma sociedade, de uma sociedade de indivíduos.

Elimina-se, assim, o pensamento de que as mudanças são externas ao ser humano, quando, na verdade, a única coisa que mudou foi a forma da vida comunitária, a estrutura da sociedade e, com ela, a infl uência social sobre o indivíduo e sobre a forma de suas funções psíquicas.

Quando eliminamos os desejos imediatos e as simpatias pessoais do nosso pensamento, percebemos que a história nada mais é que um sistema de pressões exercidas por pessoas vivas sobre pessoas vivas.

As características principais da sociedade são a fi xidez e a elasticidade. Ocorrem, constantemente, espaços para decisões individuais, das quais dependem os destinos pessoais e imediatos do indivíduo, ou o de uma família inteira, ou até de nações inteiras. Mas estas oportunidades, entre as quais aqueles que devem tomar as decisões se vêem forçados, não são, em si mesmas, criadas por eles. São prescritas e limitadas pela estrutura específi ca de sua sociedade e pela natureza das funções que as pessoas exercem dentro dela. Independente da atitude tomada, esta originará outra seqüência de ações, cuja direção e resultado provisório dependerá da distribuição de poder e da estrutura das tensões em toda a rede humana móvel, mas não dependerá do indivíduo.

O que caracteriza o lugar do indivíduo em sua sociedade é a extensão da margem de decisão que lhe é conferida pela estrutura e pela constelação histórica da sociedade em que ele vive e age. E aquilo que denominamos “poder” não passa da amplitude dessa margem de decisão.

Debate-se atualmente se a história é feita por grandes homens isolados ou se todas as pessoas têm igual importância para o curso da história. Ambas as opiniões são infrutíferas, pois, no primeiro caso, por mais infl uente que seja a pessoa, maior ainda foram as infl uências exercidas sobre ela pela sociedade em que ela atua. No segundo caso, a importância de certos indivíduos para o curso dos acontecimentos históricos é indiscutida. A atividade individual de uns é a limitação social de outros.

O modo como um indivíduo decide e age desenvolve-se sempre nas relações com outras pessoas, tendo uma modifi cação de sua natureza pela sociedade. Porém, não há passividade nisso, isto é, ao contrário, o centro ativo do indivíduo. Aquele que é transformado pela sociedade também a transforma.

O problema está em que o indivíduo enxerga as pessoas que o rodeiam como seres que não possuem nenhuma ligação ou infl uência sobre sua personalidade. Somente quando esta atitude for superada, e só então, é que se eliminará o seu sentimento de ser uma coisa isolada.

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Roberto DaMatta (Niterói, 29 de julho de 1936) é um importante antropólogo brasileiro

Possui graduação e licenciatura em História pela Universidade Federal Fluminense (1959 e 1962), curso de especialização em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1960); mestrado (Master in Arts) e doutorado (PhD) em 1969 e 1971, respectivamente, pela Universidade Harvard.

Foi Chefe do Dept. de Antropologia do Museu Nacional e Coordenador do seu Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (de 1972 a 1976), é Professor Emérito da Universidade de Notre Dame, USA, onde ocupou a Cátedra Rev. Edmund Joyce, c.s.c., de Antropologia de 1987 a 2004.

Atualmente é professor associado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense. Realizou pesquisas etnologicas entre os índios Gaviões e Apinayé, foi pioneiro nos estudos de rituais e festivais em sociedades industriais, tendo investigado o Brasil como sociedade e sistema cultural por meio do carnaval, do futebol, da música, da comida, da cidadania, da mulher, da morte, do jogo do bicho e das categorias de tempo e espaço.

Considerado um dos grandes nomes das Ciências Sociais brasileiras, DaMatta é autor de diversas obras de referência na Antropologia, Sociologia e Ciência Política, como Carnavais, Malandros e Heróis, A Casa e a Rua ou O que Faz o Brasil, Brasil?.

Uma de suas grandes infl uências é o antropólogo estadunidense David Maybury-Lewis

Existe muito fortemente arraigada em nossa autoconsciência a idéia de que somos os únicos transformadores de nossos pensamentos e ações. Imaginar a presença de “outros” – alheios a mim – intervindo na formação da minha individualidade é quase uma transgressão dos meus direitos. Ou ainda: parece uma desvalorização que priva de sentido minha existência. É, portanto, mais seguro creditar minha existência a Deus.

O que denominamos “individualidade” de uma pessoa é uma expressão que se refere a uma qualidade estrutural de sua auto-regulação em relação a outras pessoas e coisas. Essa diferença específi ca não seria possível se a auto-regulação das estruturas psíquicas das pessoas e coisas fosse determinada por estruturas herdadas, da mesma forma e na mesma medida em que o é a auto-regulação do organismo humano, por exemplo, na reprodução de órgãos e membros.

A “individualização” das pessoas só é possível porque o primeiro controle é mais maleável que o segundo. Mas, muitas vezes, não se leva em conta esta diferenciação, pois, pensa-se, intui-se e até deseja-se que a individualidade de uma pessoa exista de forma independente e isolada de todas as relações, em outras palavras, o ser humano nada teve, originalmente, a ver com o restante da natureza ou dos demais seres humanos.

Isto tudo é tão equivoco que somente se pode conceber a idéia de uma individualidade humana se este ser humano, com muito esforço, moldar suas maleáveis funções psíquicas na interação com outras pessoas.

ROBERTO DAMATA E O JEITINHO BRASILEIRO

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(grande especialista na etnia Xavante), a quem auxiliou durante seus estudos na Universidade de Harvard, entre as décadas de 60 e 70. Desde 1971 reside nos Estados Unidos.

Em 1974, Oswaldo Caldeira realizou para o Ministério da Educação e Cultura, com fi nalidades didáticas, o documentário de média metragem Aukê. O fi lme é uma aula de Antropologia baseada no estudo de Roberto DaMatta de 1970 chamado Mito e anti-mito entre os Timbira, que conta o surgimento do homem branco do ponto de vista indígena. O próprio Roberto DaMatta apresenta e explica seu trabalho ao longo do fi lme, que foi selecionado e exibido no Festival de Brasília de 1975.

Profi ssional de múltiplas atividades – conferencista, professor, consultor, colunista de jornal, produtor de TV – Roberto DaMatta é, acima de tudo, antropólogo.

Estudioso do Brasil, de seus dilemas e de suas contradições, mas também de seu potencial e de suas soluções, DaMatta não se afasta de seu país mesmo quando desenvolve outros temas. A comparação com o Brasil é inevitável.

DaMatta revela o Brasil, os brasileiros e sua cultura através de suas festas populares, manifestações religiosas, literatura e arte, desfi les carnavalescos e paradas militares, leis e regras (quando respeitadas e quando desobedecidas), costumes e esportes.

Daí surge um Brasil complexo, que não se submete a uma fórmula ou esquema único. Para DaMatta, o Brasil é tão diversifi cado como diversifi cados são os rituais, conjunto de práticas consagradas pelo uso ou pelas normas, a que os brasileiros se entregam.

Todos esses temas são abordados em sua relação com duas espécies de sujeito, o indivíduo e a pessoa, e situados em dois tipos de espaço social, a casa e a rua.

A distinção entre indivíduo e pessoa é bem demarcada em seu original trabalho sobre a conhecida e ameaçadora pergunta: Você sabe com quem está falando? Os seres humanos que se sentem autorizados a se dirigir dessa forma aos outros colocam-se na posição de pessoas: são titulares de direito, são alguém no contexto social. Os seres humanos a quem tal pergunta é dirigida são, para as pessoas, meros indivíduos, mais um na multidão, um número.

A rua é o espaço público. Como é de todos, não é de ninguém, logo tem-se ali um espaço hostil onde não valem as leis e os princípios éticos, a não ser sob a vigilância da autoridade. A convivência na rua depende de uma negociação constante, entre iguais e desiguais. A casa, considerada num sentido amplo, é o espaço privado por excelência, onde estão “os nossos”, que devem ser protegidos e favorecidos, e aqui DaMatta retoma e atualiza o conceito de homem cordial de Sérgio Buarque de Hollanda.

O Jeitinho brasileiro

Jeitinho é uma forma de navegação social tipicamente brasileira, onde o indivíduo utiliza-se de recursos emocionais – apelo e chantagem emocional, laços emocionais e familiares, etc. – para obter favores para si ou para outrem. Não deve ser confundido com suborno ou corrupção.

O jeitinho caracteriza-se como ferramenta típica de indivíduos de pouca infl uência social. Em nada se relaciona com um sentimento revolucionário, pois aqui não há o ânimo de se mudar o status quo. O que se busca é obter um rápido favor para si, às escondidas e sem chamar a atenção; por isso, o jeitinho pode ser também defi nido como “molejo”, “jogo de cintura”, habilidade de se “dar bem” em uma situação “apertada”. Não deve ser confundido, porém, com malandragem, que possui seus próprios fundamentos.

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Diversos personagens do imaginário popular brasileiro trazem esta característica. Um dos mais conhecidos é o Pedro Malasartes, de origem portuguesa, profundamente enraizado no folclore popular brasileiro através do livro “Malasaventuras”, escrito pelo paulistano Pedro Bandeira. João Grilo, personagem de Ariano Suassuna em o Auto da Compadecida, também carrega em si o jeitinho.

No livro Dando um jeito no jeitinho, o prof. Lourenço Stelio Rega defi ne jeitinho como uma saída para situações sem saída ou mesmo para uma situação que não se quer enfrentar. Além disso, indica que o jeitinho não é só negativo (corrupção, levar vantagem, etc.), ele também tem um lado positivo. O autor demonstra isto indicando três características do jeitinho: inventividade/criatividade, função solidária e o lado conciliador do jeitinho.

Em sua obra “O Que Faz o Brasil, Brasil?”, o antropólogo Roberto DaMatta compara a postura dos norte-americanos e a dos brasileiros em relação às leis. Explica que a atitude formalista, respeitadora e zelosa dos norte-americanos causa admiração e espanto nos brasileiros, acostumados a violar e a ver violada as próprias instituições; no entanto, afi rma que é ingênuo creditar a postura brasileira apenas à ausência de educação adequada. Pode-se creditar à pouca-vergonha do brasileiro.

Roberto DaMatta prossegue explicando que, diferente das norte-americanas, as instituições brasileiras foram desenhadas para coagir e desarticular o indivíduo. A natureza do Estado é naturalmente coercitiva; porém, no caso brasileiro, é inadequada à realidade individual. Um curioso termo – Belíndia – defi ne precisamente esta situação: leis e impostos da Bélgica, realidade social da Índia. Ora, incapacitado pelas leis, descaracterizado por uma realidade opressora, o brasileiro deverá utilizar recursos que vençam a dureza da formalidade, se quiser obter o que muitas vezes será necessário à sua mera sobrevivência. Diante de uma autoridade, utilizará termos emocionais. Tentará descobrir alguma coisa que possuam em comum – um conhecido, uma cidade da qual gostam, a “terrinha” natal onde passaram a infância. Apelará para um discurso emocional, com a certeza de que a autoridade, sendo exercida por um brasileiro, poderá muito bem se sentir tocada por esse discurso. E muitas vezes conseguirá o que precisa.

Nos Estados Unidos da América as leis não admitem permissividade alguma e possuem franca infl uência na esfera dos costumes e da vida privada. Em termos mais populares, diz-se que, lá, ou “pode” ou “não pode”. No Brasil, descobre-se que é possível um “pode-e-não-pode”. É uma contradição simples: a exceção a ser aberta em nome da cordialidade não constitui pretexto para que novas exceções sejam abertas. O jeitinho jamais gera formalidade, e esta jamais sairá ferida após o uso do jeitinho.

Ainda de acordo com Roberto DaMatta, a informalidade é também exercida por esferas de infl uência superiores. Quando uma autoridade “maior” vê-se coagida por uma “menor”, imediatamente ameaça fazer uso de sua infl uência; dessa forma, buscará dissuadir a autoridade “menor” e aplicar-lhe uma sanção.

A fórmula típica de tal atitude está contida na célebre frase “você sabe com quem está falando?”. Num exemplo clássico, um promotor público que vê o carro sendo multado por uma autoridade de trânsito imediatamente fará uso (no caso, abusivo) de sua autoridade: “Você sabe com quem está falando? Eu sou o promotor público!”. Como esclarece Roberto DaMatta, de qualquer forma um “jeito” foi dado.

No entanto, é apenas no ensaio “Você sabe com quem está falando?” que encontramos uma condensação de todos os aspectos desenvolvidos na interpretação “damattiana” da realidade brasileira. O ritual autoritário do “você sabe...”, ao contrário dos anteriores, é um ritual cotidiano, do cotidiano hostil da rua, bem entendido, e no qual qualquer brasileiro, mesmo aquele que não brinca Carnaval, não assiste a paradas militares ou acompanha procissões religiosas, se reconhece facilmente.

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Para DaMatta, o “você sabe...” põe a nu, revela à luz do dia um traço que o brasileiro não gosta e prefere esconder. Afi nal, o que viria à tona aqui não seria mais a nossa celebrada e carnavalizada cordialidade, mas, ao contrário, o verdadeiro e profundo “esqueleto hierarquizante” de nossa sociedade. Esse ponto é absolutamente fundamental tanto para o argumento do autor quanto para a crítica que iremos fazer mais adiante. É que, ao contrário da análise dos outros rituais extracotidianos, os quais permitem um tratamento que enseja uma assepsia classifi catória (entre casa, rua e outro mundo ou Estado, povo e Igreja) que parece algo arbitrária no seu esforço de fazer corresponder práticas a espaços sociais delimitados, o “você sabe...” condensa e unifi ca todos esses aspectos e lança a questão central da articulação e hierarquização específi ca de todos esses elementos.

No drama do “você sabe com quem está falando?” somos punidos pela tentativa de fazer cumprir a lei ou pela nossa idéia de que vivemos num universo realmente igualitário. Pois a identidade que surge do confl ito é que vai permitir hierarquizar. Logo, é interessante confi ar sempre em pessoas e em relações (como nos contos de fadas), nunca em regras gerais ou em leis universais. Sendo assim, tememos (e com justa razão) esbarrar a todo momento com o fi lho do rei, senão com o próprio rei.

De acordo com essa ótica, a lei geral e abstrata teria uma validade de primeira instância. Afi nal, ela pressupõe uma igualdade de “partida” que bem pode ser confi rmada como verdadeira no ponto de “chegada”, ou seja, nos casos concretos do dia-a-dia e do cotidiano de todos nós. No entanto, em caso de confl ito, o caso concreto obedeceria a outros imperativos que não àquele da lei geral. Precisamente aqui entraria o componente das relações pessoais, do “capital” que se acumula em termos de contato e infl uência. Seria como se as relações pessoais entre nós desempenhassem o papel do Judiciário nos países individualistas e igualitários. Como cabe ao Poder Judiciário dirimir confl itos a partir dos casos concretos, teríamos, no nosso caso específi co, uma resolução “informal”, sem burocracia e rápida: através da “carteirada”, do jeitinho, da ameaça velada e do “você sabe...”.

Esse tipo de solução é extremamente problemático sob o ponto de vista da fundamentação teórica do dualismo proposto por DaMatta. Afi nal, levada às suas últimas conseqüências, essa solução implica afi rmar que os brasileiros se comportam de um modo inverso aos estímulos das instituições sociais fundamentais, como Estado e mercado.

Esse nó conceitual não é de fácil solução, já que DaMatta vincula habilmente a auto-imagem folclórica do brasileiro com análises concretas de rituais facilmente observáveis na realidade cotidiana. A evidência e efi cácia desse tipo de discurso são enormes.

SITES DE BUSCA PARA AMPLIAR O CONTEÚDO

http://www.urutagua.uem.br//03magalhaes.htm http://www.coladaweb.com/admmaterial/orga.htm http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092001000100003

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Abordagens Socioantropológicas

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AtividadesComplementares

1. O conceito de cultura é muito amplo e diverso. Em que medida o entendimento deste conceito possibilita o entendimento da sua infl uência na organização?

2. Destaque algumas características do novo perfi l profi ssional do século XXI, frente à nova estrutura organizacional.

3. A tese de que o mundo se transformará em uma grande aldeia global indica mudanças radicais nas relações sociais, inclusive nas de trabalho. Sendo assim, qual deve ser a postura profi ssional frente a esta dinâmica?

4. Do ponto de vista cultural o Brasil é um país com características muitos particulares. Quais as contribuições que a obra de DaMatta pode dar à posição do Brasil frente a economia global?

5. Que analise podemos fazer do ‘jeitinho brasileiro’ identifi cada por DaMatta como característica da nossa cultura, frente à nova dinâmica organizacional que prima por comportamentos técnicos/racionais?

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Glossário

ANARQUISMO: s.m. Doutrina que prega a eliminação de toda autoridade, a substituição da soberania do Estado pelo contato livre.

ANTAGONISMO: s. m. Oposição de idéias ou de sistemas; rivalidade; incompatibilidade.

BUROCRACIA: s. f. A classe dos funcionários públicos, especialmente das secretarias do Estado; tramitação demorada de papéis nas repartições públicas.

COERÇÃO: s. f. Ato de coagir; repressão; limitação; restrição de direitos.

CONTRADIÇÃO: s. f. Incoerência.

DIRIMIR: v. t. Solucionar, resolver.

DEMOCRATIZAR: v. t. Tornar democrata ou democrático; dar feição democrática a; popularizar.

ETNOGRAFIA: s. f. Estudo e descrição dos povos, sua língua, raça, religião, etc., e manifestações materiais de sua antividade; parte ou disciplina integrante da etnologia.

ESTRUTURALISMO: s.m. Método de analisar uma língua, decompondo-a em seus elementos como se fosse uma estrutura comum.

IMPERIALISMO: s. m. Forma de governo em que a nação é um império; política de expansão de domínio de uma nação sobre outras.

INDIVIDUALIDADE: s. f. Personalidade; característica própria do indivíduo.

IDENTIDADE: s. f. Qualidade de idêntico; (mat.) equação literal em que a igualdade é satisfeita para quaisquer valores dessas letras.

MILITARIZAÇÃO: s.f. Ato ou efeito de militarizar.

MILITARIZAR: v. t. Tornar militar; dar a feição militar a; p. preparar-se militarmente.MILITAR: adj. Relativo à guerra, à milícia, às tropas. S. m. aquele que pertence ás

forças armadas. v. int. combater; seguir a carreira das armas; ser membro de um partido.

OLIGÁRQUICO: adj. Relativo à oligarquia; que tem o caráter de oligarquia.

OLIGARQUIA: s. f. Governo de poucas pessoas; (fi g) predomínio de uma facção ou grupo na direção dos negócios públicos.

POLÍTICA: s. f. Ciência do governo dos povos; arte de dirigir as relações entre os Estados; princípios políticos; astúcia; artifício; civilidade; maneira hábil de agir.

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RACIONALISMO: s. m. Maneira de ver só pela razão, independentemente de autoridade; pura atividade especulativa do espírito; concepção fi losófi ca segundo a qual as idéias universais não resultam das percepções.

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BibliográficasReferências

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BOWDITCH, James L.; BUONO, Anthony F. Elementos de comportamentoorganizacional. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1997.

DA MATTA, Roberto. (1981), Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro, Zahar. __________. (1999a), O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro, Rocco

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JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia: Guia Prático da linguagem sociológica; tradução, Ruy Jungmann; consultoria, Renato Lessa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

MARCULINO, Camargo. Fundamentos de ética geral e profi ssional; apresentação de Frei Gilberto Garcia, Vicente Keller. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

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Anotações

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