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Guia de Avaliação Psicológica Rui Manuel Carreteiro 4 Da Psicologia Diferencial à Avaliação Psicológica 1. Desenvolvimento da Psicologia Diferencial A Psicologia Diferencial é um campo da Psicologia muito recente. No entanto, já na Grécia Antiga havia uma reflexão filosófica sobre as diferenças individuais. Platão: Constata que existem diferenças individuais, chamando à atenção para o impacto social das mesmas. No se tempo a sociedade encontrava-se rigidamente estruturada em classes sócias. É precisamente ao nível das classes sociais que se reflectem as diferenças individuais. Platão defende as classes sociais dizendo que os indivíduos que pertencem a cada classe social devem apresentar as capacidades sub- jacentes ao seu grupo de pertença, pelo que defende o controlo dos casamento para que as castas, se mantenham em cada classe social, i.e., as diferenças individuais têm impacto sobre as funções que os indivíduos socialmente desempenham. Deste modo, agricultores só deveriam casar com agricultores, assim como governantes, só se deve- riam reproduzir dentro da classe de governantes, de modo a que a capacidade neces- sária para se ser agricultor e governante só se verifique dentro da sua classe social.

1. Psicologia Diferencial

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Guia de Avaliação Psicológica

Rui Manuel Carreteiro 4

Da Psicologia Diferencial à

Avaliação Psicológica

1. Desenvolvimento da Psicologia Diferencial

A Psicologia Diferencial é um campo da Psicologia muito recente. No entanto, já na

Grécia Antiga havia uma reflexão filosófica sobre as diferenças individuais.

Platão: Constata que existem diferenças individuais, chamando à atenção para o

impacto social das mesmas. No se tempo a sociedade encontrava-se rigidamente

estruturada em classes sócias. É precisamente ao nível das classes sociais que se

reflectem as diferenças individuais. Platão defende as classes sociais dizendo que os

indivíduos que pertencem a cada classe social devem apresentar as capacidades sub-

jacentes ao seu grupo de pertença, pelo que defende o controlo dos casamento para

que as castas, se mantenham em cada classe social, i.e., as diferenças individuais têm

impacto sobre as funções que os indivíduos socialmente desempenham. Deste modo,

agricultores só deveriam casar com agricultores, assim como governantes, só se deve-

riam reproduzir dentro da classe de governantes, de modo a que a capacidade neces-

sária para se ser agricultor e governante só se verifique dentro da sua classe social.

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A imutabilidade torna-se, então, condição obrigatória da organização social. Em

suma, Platão considera que as características subjacentes às diferenças individuais

são inatas e imutáveis.

Na medicina grega, Hipócrates e Galeno propõe pela primeira vez uma classificação

das diferenças individuais, em:

• Físicas, por exemplo: indivíduos baixos, gordos e fortes

• Psicológicas (de temperamento), por ex. determinados humores: san-

guíneo, melancólico, colérico.

Na Idade Média, pouco se reflectiu sobre as diferenças individuais. Santo Agostinho

e São Tomás de Aquino, procuram classificar as diferenças individuais não em catego-

rias rígidas, mas identificando grandes dimensões; falam pela primeira vez de diferen-

tes faculdades mentais: memória, pensamento, vontade em ralação às quais os indiví-

duos diferem entre si. Neste sentido, torna-se importante localizar cerebralmente estas

faculdades. A ideia das faculdades mentais é retomada mais à frente, para fazer a

análise factorial da inteligência.

Século XVIII e Século XIX

A seguir ao Renascimento, assiste-se a uma nítida alteração de ideias. Há o nascer

de ideias de igualdade, ficando para segundo plano a concepção inatista; atribui-se

especial relevância à experiência no desenvolvimento das características do indivíduo.

As ideias empiristas defendem que as pessoas são todas iguais à nascença - tábua

rasa - e a experiência é que é responsável por inscrever o conhecimento nos indiví-

duos. Esta corrente leva a um desinteresse pelo estudo das diferenças individuais para

explicar estas assimetrias. Os empiristas basearam-se nas ideias associacionistas

(ideias complexas, resultam da junção de ideias simples).

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Coloca-se então um problema: o porquê de diferentes indivíduos apresentam ideias

diferentes. As diferenças individuais, derivam de aspectos exteriores (os diferentes

hábitos de vida, as oportunidades de vida, da experiência, de factores ocasionais e

momentâneos, …), e são estes que fazem com que os indivíduos façam associações

diferentes.

Final do Século XIX

Nasce então a Psicologia científica: a Psicologia Experimental tem o seu início com

Wundt (1879, Leipzig) que monta o primeiro laboratório de Psicologia Experimental. É

de notar que a Psicologia Diferencial não vem na linha do desenvolvimento da Psicolo-

gia Experimental, uma vez que Wundt apresentava preocupações diferentes.

Os primeiros psicólogos experimentais eram influenciados por empiristas e associa-

cionistas. Assim, propõe estudar os aspectos fisiológicos, recorrendo ao estudo da

consciência humana (e não ao comportamento, como no início do Século XX). Como o

objecto era a consciência/experiência imediata, o objectivo da Psicologia era pois o de

descrever os conteúdos da consciência. Para tal, o método utilizado era a introspecção,

onde os sujeitos eram levados a descrever esses mesmos conteúdos. Acontece que

essas descrições eram diferentes de sujeito para sujeito, o que obscurecia a Lei da

Predição. Com o objectivo de eliminar as diferenças individuais, treinava-se os sujeitos

para a introspecção de modo a se chegar a leis gerais - as diferenças individuais são

erros de avaliação - segundo a perspectiva desta época. Neste ponto podemos

facilmente compreender porque os primeiros psicólogos não são antecedentes da

Psicologia Diferencial: na realidade, as diferenças individuais não são objecto de

estudo, mas obstáculos de predição.

Também no final do século, surge a psicofísica com Weber e Fechner. Também eles

procuravam chegar a leis sobre qual a intensidade de um estímulo necessário para que

fosse percebido, i.e., sobre limiares de activação ou sobre qual que diferença de inten-

sidade entre dois estímulos necessária para que eles fossem percebidos como

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diferentes, ou seja, sobre limiares diferenciais. Também estes estudos não se debru-

çam sobre diferenças individuais; no entanto, nesta altura havia já controlo das condi-

ções experimentais.

2. Antecedentes mais próximos

Estatística e Biologia

São dois antecedentes importantes no aparecimento da Psicologia Diferencial. A

estatística desenvolveu-se ao longo do século XIX, aparecendo no campo de estudo

das probabilidades ligadas ao jogo, apresentando grande utilidade nas ciências huma-

nas. Quetelet recolhe numerosos dados antropométricos em amplas amostras euro-

peias que diferem entre si nas características físicas que apresentam. Para tratar os

seus dados recorreu à estatística e verificou que a distribuição desses dados em gran-

de amostras, seguia uma Curva Normal, inicialmente usada para descrever os erros de

medida - pequenos erros tendem a ser muito frequentes e grandes erros pouco fre-

quentes. Pela primeira vez descreveram diferenças individuais recorrendo a leis

matemáticas.

Em suma, a estatística é importante porque:

• Permite fazer a recolha de um grande número de dados da população;

• Faz a aplicação de leis matemáticas para descrever diferenças individuais;

Actualmente só estamos perante uma distribuição norma, quando esta é multide-

terminada por vários factores que entram em interacção uns com os outros.

Na evolução da Biologia do século XIX, destacam-se Darwin e Mendel. Darwin foi

determinante pela natureza das suas próprias ideias e pelos aspectos factuais. Darwin

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propõe como aspecto central da sua teoria as diferenças individuais: as diferenças

entre indivíduo de determinada população, determinam diferentes probabilidades de

adaptação ao meio - (Teoria da Evolução e da Selecção Natural). Se, dentro de uma

determinada espécie as características que possibilitam uma melhor adaptação são

hereditárias, então há uma maior probabilidade de sobrevivência, uma vez que essas

características são mais facilmente transmitidas aos seus descendentes; daí a razão

porque indivíduos com características mais adaptadas predominam num determinado

meio.

Darwin não só toma as diferenças individuais como objecto de reflexão, mas tam-

bém de observação; descreveu características morfológicas e comportamentais de

várias espécies e comparou-as entre si, i.é, introduziu o método comparativo. Darwin

faz também uma recolha ampla de observações e para as trabalhar utiliza a estatística.

Podemos mesmo afirmar que Darwin tem uma perspectiva estatística da criação, sen-

do a sua forma de trabalhar a estatística muito próxima da psicologia diferencial.

As ideias darwinianas também têm impacto na psicologia experimental. Darwin é

funcionalista e como tal não estuda os conteúdos da consciência, mas a consciência

como carácter adaptativo e função evolutiva da espécie humana.

Darwin foi importante para a psicologia diferencial porque:

• Foi o primeiro cientista que olhou para as diferenças individuais como objecto

de estudo - fenómeno observável, descritível e avaliável e não como um erro

de observação,

• Propôs um método de comparação entre várias espécies, equivalente aos

métodos que a psicologia diferencial e animal adoptam mais tarde.

• Tal como na psicologia diferencial, adoptou métodos estatísticos para trata-

mento de dados, fazendo recurso à lógica,

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• Aplicou ideias evolucionistas à espécie humana: colocou o homem ao lado

dos outros animais, verificando que alguns dos seus ancestrais eram aparen-

tados com alguns primatas (faz a transposição para a espécie humana).

Mendel a partir do seu estudo com ervilheiras defende que os indivíduos já possuem

à nascença um conjunto de características determinadas pelos seus progenitores.

Deste modo, Mendel procura explicar o mecanismo de transmissão hereditária de

informação de uma geração a outra (ideia já expressa mas não desenvolvida em ter-

mos explicativos por Darwin). Para Mendel, a maior ou menor possibilidade de adapta-

ção do indivíduo ao meio é determinada pela sua carga genética. Derruba assim, as

ideias empiristas radicais e mostra que as diferenças individuais são em muito deter-

minadas pela hereditariedade, em parte uma explicação inatista uma vez que à nas-

cença os indivíduos já possuem características diferentes uns para os outros.

3. Domínio da Psicologia diferencial

Stern, em 1900, propõe os 3 objectivos da Psicologia Diferencial:

I. Estudar a natureza e a extensão das diferenças psicológicas, inter e intra indivi-

duais (o tipo de diferenças que existem, se são ligeiras ou acentuadas; sendo a

natureza a variável psicológica);

II. Estudar os factores que determinam essas diferenças (qual a origem das diferen-

ças psicológicas, como explica-las);

III. Estudar como se manifestam essas diferenças, como avalia-las correctamente

através da observação (situa-se ao nível da medida psicológica, no campo da psi-

cometria).

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Binet & Henri, contrariando o princípio da Psicologia Geral (que procura extrair leis

gerais do comportamento), designam a Psicologia Individual, centrando-se no indiví-

duo, procurando estudar a natureza e extensão das diferenças individuais nos proces-

sos psicológicos, e as inter-relações dos processos mentais nos indivíduos, possibili-

tando uma classificação por traços (no entanto é mais nomotética que ideográfica). A

inteligência deve ser avaliada directamente através de índices práticos.

Galton e Cattell, entre outros consideravam ser possível inferir a capacidade global

intelectual dos indivíduos através da medição de aspectos moleculares do comporta-

mento - ideia associacionista.

Binet & Henri discordam, considerando que existe uma maior estabilidade das dife-

renças ao nível molar do que ao nível molecular, propondo uma avaliação holística,

dirigida a comportamentos molares e avaliando os comportamentos moleculares.

A Escala de Inteligência de Binet & Simon, a primeira grande escala métrica de

inteligência, é um instrumento de avaliação da inteligência de crianças com ‘capacida-

des normais’ vs. crianças com dificuldades de aprendizagem. Está organizada por fai-

xas etárias, e servia para medir o desempenho das crianças em tarefas típicas de

determinada idade. Procurava discriminar casos de atraso mental e casos de deficiên-

cia mental e tendo como objectivo obter a idade mental da criança, sendo necessário

referencia-la à idade cronológica, surgindo o conceito de Quociente de Inteligência (QI).

Os trabalhos de Binet viriam a lançar as bases para o desenvolvimento da psicolo-

gia, ao longo da primeira metade do sec.XX, em 2 áreas: a Psicologia Experimental,

com objectivos de generalização envolvendo trabalho laboratorial, e a Psicologia Dife-

rencial, centrada nas diferenças, preocupada em dar respostas de ordem prática.

4. Metodologia da Psicologia Diferencial

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Inicialmente o desenvolvimento da PSICOLOGIA DIFERENCIAL coincidiu com o das

Aptidões (I), das Técnicas de Observação (II) e das Técnicas Estatísticas.

Com a Escala de Inteligência de Binet & Simon, com a Stanford/Binet (revisão ame-

ricana da EI B&S) e posteriormente com a 1º Guerra Mundial, a Psicologia Diferencial

viu surgirem novos testes com aplicação, no campo da psicologia clínica, no campo da

psicologia investigacional e ainda noutros campos como o escolar, militar, civil ou

empresarial de selecção profissional (...).

4.1. Dimensão das diferenças individuais

Organização das aptidões: Aqui o problema refere-se à amostragem das

dimensões, e a abordagem é cognitivista, uma vez que consiste na aplicação de testes

que avaliam os desempenhos cognitivos.

Identificação das variáveis das diferenças: Existem basicamente duas corren-

tes: Binet procura definir os constructos como forma de operacionalizar as dimensões

que se pretende medir com instrumentos válidos e precisos. No entanto, a sua concep-

tualização era vaga e dificilmente operacionalizável em instrumentos de medida. Os

seus critérios de inteligência eram: direcção, compreensão, invenção e autocrítica.

Uma segunda corrente procura definir e identificar as dimensões das diferentes variá-

veis a partir da análise das correlações observadas entre conjuntos de medidas.

• Thorndike: Concebeu três tipos de inteligência: a) a abstracta (referente à utiliza-

ção de símbolos e nºs), b) a concreta (referente a objectos), e c) social (capacidade

para lidar com pessoas).

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• Weschler: é o agregado ou a capacidade global do indivíduo para actuar finaliza-

damente, pensar racionalmente e proceder com eficiência em relação ao meio.

• Síntese dos aspectos abrangidos pelas diferentes definições: inteligência

como capacidade para pensar abstractamente, para aprender, de adaptação, finaliza-

dora. São definições intuitivas, técnicas, que têm por objectivo a construção de instru-

mentos de medida. Esta corrente não procura definir os constructos à priori, vai procu-

rar, a partir dos estudos de medidas cognitivas e dos padrões de correlação entre elas,

os factores a elas subjacentes e deste modo chegar às dimensões das diferenças.

• Análise factorial: técnica estatístico-matemática que procura reduzir um grande

nº de observações ao menor nº possível de níveis descritivos (factores) dessas dife-

renças; isto por meio da análise das intercorrelações.

• Trabalhos de alguns funcionalistas:

Spearman: em 1904 publica o 1º artigo sobre a lógica factorial baseada no método

das equações tétradas. Numa tendência correlacional, seja ela positiva ou negativa, os

coeficientes de correlação são sempre positivos. Spearman explica isto afirmando que

todos os coeficientes exprimem a sua correlação com um factor que lhes é comum: o

factor g. Remete as excepções para a existência de factores específicos, que explicam

o que de único e individual existe no desempenho individual numa tarefa específica. g

seria inato, imutável, ineducável, possuindo-o todos os indivíduos embora em graus

diferentes, e é exigido um grau diferente pelas tarefas.

Lei da Neogénese: consistiria num processo de formação de conhecimento que

envolveria uma energia denominada neogenética que obedeceria a três leis: I - a

capacidade de aprender experiências será maior ou menor consoante o grau em que o

indivíduo é capaz de observar o seu comportamento. II - dedução de relações, referen-

te à maior ou menor capacidade para se evocar relações entre conceitos ou objectos.

III - dedução de correlatos, capacidade em que, conhecida uma relação entre termos e

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conhecido um dos termos se evoca uma 2ª forma. Spearman dá pouca atenção aos

factores s, pois considera-os educáveis, mutáveis, não inatos, sendo o motor da ope-

ração de g.

• Implicações práticas do modelo bifactorial: (método das equações tétradas,

factor g e factor s) I - fornece o quadro para a escolha dos melhores testes de inteli-

gência: serão aqueles que tiverem maior saturação em g, pois maior será a capacidade

de predição do comportamento do sujeito. II - Toda a gama de testes de inteligência

pode ser substituída por um único teste saturado em g.

• Thurstone: parte também da observação de correlações positivas. Diz que se os

testes se agrupam pela sua semelhança, as correlações podiam à mesma ser positi-

vas, sem fazer apelo à noção de g. Podiam ser todas positivas mas sem depender do

mesmo factor. pois podem-se identificar grupos de testes que se correlacionam mais

entre si do que com outros grupos de testes.

• Resultados de Thurstone: I - O desempenho num teste de aptidão depende de

um certo nº de aptidões mentais primárias (factores de grupo). II - O nº de aptidões

mentais primárias será inferior ao nº de testes aplicados. III - Um desempenho num

teste específico não envolve todas as aptidões mentais primárias necessárias para

explicar o desempenho em todos os testes.

• Metodologia de Thurstone: a) Está mais perto dos modernos processos de aná-

lise factorial do que Spearman. b) Parte de uma matriz de intercorrelações. c) Identifi-

cam-se os factores responsáveis por essas intercorrelações. d) Constrói uma matriz

factorial em que para cada variável de partida se vão ter as correlações com os facto-

res (estrutura simples, quer chegar ao mínimo de factores independentes).

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• Implicações práticas da concepção de Thurstone: 1 - O modelo nega a exis-

tência de um constructo global de inteligência, pelo que faz sentido aplicar medidas de

inteligência e índices globais que pretendem caracterizar a eficiência intelectual do su-

jeito. 2 - O indivíduo deve ser avaliado através de medidas das 7 aptidões primárias,

traduzindo-se os resultados num perfil psicológico que traduz a eficiência do sujeito

nestas 7 áreas de aptidões primárias: aptidão espacial, velocidade perceptiva, aptidão

numérica, compreensão verbal, fluência verbal, memória, raciocínio. Todas estas são

factores de grupo independentes.

• Alterações à teoria de Thurstone: mais tarde este veio a admitir que as suas

sete aptidões mentais primárias não são factores independentes, uma vez que existem

correlações entre elas. São então, passíveis de análise de 2ª ordem, já que não parte

das medidas efectuadas, mas antes dos primeiros factores isolados na análise de 1ª

ordem. Esta análise de 2ª ordem veio revelar a existência de um factor g. Thurstone

admitiu-o e construiu baterias de aptidões múltiplas para se chegar a um perfil de resul-

tados.

• Burt: Propõe um modelo hierárquico para os factores, defende que, em qualquer

estudo do comportamento cognitivo, em que se utilize a análise factorial, se vão encon-

trar 4 tipos de factores: gerais, de grupo, específicos e de erro (dependem do momen-

to). Aponta um caminho para a articulação destes factores num único modelo.

• Vernon: concebeu um modelo estrutural das aptidões representadas hierarqui-

camente (2º o seu grau de generalidade). Ao nível mais alto estaria o factor geral (g).

No nível seguinte temos os factores de grandes grupos, que envolvem tarefas de ver-

balização, e de natureza escolar (ex.: factor verbal, numérico e educacional - VED, e

factor prático, mecânico, espacial - KM). A seguir temos os factores de pequenos gru-

pos (facilidade de linguagem, factor numérico, velocidade motora e aptidão espacial).

Por último, temos os factores específicos.

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• Vernon dá um grande peso ao factor g. Este explica mais de 50% das diferenças

individuais numa bateria de testes. O VED dependeria do hemisfério esquerdo (verbal)

e o KM dependeria do hemisfério direito (aptidão mecânica, espacial). À medida que se

desce na hierarquia encontra-se factores de menor especificidade - gama restrita de

tarefas cognitivas. G encontra-se desigualmente desenvolvido nos indivíduos.

• Críticas: I - Criticam-se a amostragem das dimensões. II - Não é correcto des-

crevermos a estrutura das aptidões hierarquicamente, pois é essa a metodologia que

leva à extracção dos factores em diferentes momentos sem que isso nos diga se eles

são mais ou menos importantes.

• Vantagens: É um modelo conciliado pois engloba vários tipos de factores. A

organização hierárquica chama a atenção para o facto de que quando estamos a dife-

rentes níveis de factores, de medidas, podemos servir diferentes propósitos. Não são

incompatíveis medidas em diferentes graus de generabilidade.

• E.U.A.: Sobrepõe-se a perspectiva de tentar subdividir os factores de Thurstone.

Se se considerarem várias aptidões, maior será a capacidade discriminatória e descri-

tiva, maior o rigor. Contraria, no entanto, o objectivo da análise factorial.

• Guilford: Procura uma estrutura que possa organizar esta diversidade de facto-

res. Propõe um modelo em cubo e 3 grandes dimensões de cujo cruzamento resultam

as aptidões: I - Conteúdos: são as principais áreas de informação onde se aplicam as

operações (inputs; podem ser figurativos - informação sobre as imagens auditi-

vas/visuais -, simbólicas; comportamentais - informação não verbal sobre atitude - e

semântica - significações). II - Operações: São os processos psicológicos básicos

envolvidos no processamento de informação - cognição, memória, avaliação, produção

divergente (maior nº de respostas possíveis) e produção convergente (tirar conclusões

lógicas em relação a um coeficiente de correlação único). III - Produtos: Formas que a

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informação toma ao ser processada (unidades - elementos de informação isolada -,

relações, sistemas, transformações e implicações, classes - classificação das unida-

des).

5 operações x 4 conteúdos x 6 produtos = 120 aptidões ortogonais (as correlações

nunca se afastarão significativamente do zero). Este percurso metodológico está mais

próximo do experimental. Utiliza a análise factorial confirmatória de hipóteses de rela-

ções entre determinadas variáveis. 1º procurou operacionalizar as 120 aptidões em

instrumentos de medida (conseguiu 98). 2º provar que a relação entre elas era aproxi-

madamente zero (conseguiu-o, só que há vários factores que contribuem para isso).

• Contributos: a) utilização do modelo teórico hipotético-dedutivo; b) abre caminho

à investigação para verificar a existência dessas categorias (criatividade); c) transição

das abordagens diferenciais: passa-se da identificação à descrição de como é que se

passa.

• Críticas: I - fraco valor preditivo das aptidões. II - Contraria o objectivo inicial da

análise factorial. III - Questiona-se se algumas destas aptidões serão cognitivas ou se

dependerão de outros aspectos não cognitivos. IV - Alguns cientistas defendem que as

correlações são baixas devido ao facto de os níveis de precisão também serem muito

baixos. Isto significa que a avaliação das variáveis está mais susceptível à acção de

factores aleatórios e não se devem a diferenças sistemáticas entre os indivíduos. V -

Utilizou amostras muito homogéneas - já seleccionadas com base em critérios cogniti-

vos (ex.: cadetes). Isto leva a crer que os resultados tenham uma menor variância e,

consequentemente, menor correlação.

• Cattel: Vai propor uma abordagem conciliadora das inglesas e americanas: o

modelo enfatiza os factores de 2ª ordem e utiliza a metodologia da análise factorial. Vai

identificar uma lista (oblíqua) de factores de 1ª ordem, que são vistos como factores

relacionados. Elaborou uma lista com factores de 2ª ordem: 1- gf: inteligência fluida; 2-

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gc: inteligência cristalizada; 3- gv: capacidade de visualização; 4- gr: factor de fluência

verbal; 5- gs: factor de velocidade cognitiva - capacidade de resolução rápida de situa-

ções.

• gc - inteligência cristalizada: depende de gf, estão correlacionadas. Representa

o efeito da aculturação nas capacidades intelectuais (determinado pela interacção com

o meio). Atinge o seu desenvolvimento pleno mais tarde e não tenderá a declinar.

• gf - inteligência fluida: representa a capacidade básica de raciocínio (é biológica

- definição próxima da teoria de Spearman). Desenvolve-se rapidamente até aos 15

anos, havendo um declínio a partir daí. A quantidade e/ou qualidade de ligações neuro-

lógicas influencia a inteligência fluida. É hereditária e é medida sobretudo em testes

não verbais (free-culture).

• Adenda: Estes 5 factores de 2ª ordem estão correlacionados. Numa matriz de 3ª

ordem, Cattel vai encontrar o factor g (devido à correlação entre os factores). Nunca

apresenta um modelo hierárquico. Aproxima-se dos modelos ingleses pela importância

que deu a g.

• Carroll: Procurou responder à seguinte questão: Quais os processos cogniti-

vos/psicológicos envolvidos na resolução dos testes e das tarefas cognitivas? Utilizou

modernos meios de análise factorial para tratar 500 conjuntos de dados dos autores

que surgiram ao longo de 60 anos deste século. Foram recolhidos em diversos países.

As amostras são bastante diversificadas (ex.: idade: 6 aos 71; ambos os sexos; milita-

res; prisioneiros e indivíduos de várias profissões). Carroll quer assegurar se das várias

amostras surge algo de semelhante. A partir deste trabalho propõe a teoria dos 3

estratos: 1º estrato: constituído por aptidões mais limitadas, com baixo nível de gene-

ralidade. 2º estrato: aptidões com um nível de generalidade mais elevado (mais

amplas): inteligência fluida, cristalizada; memória; percepção visual, auditiva; fluência

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verbal; velocidade cognitiva. Estes factores foram extraídos com base no resultado da

análise do corpo de dados, em termos de consistência de resultados.

• Conclusão: Cada autor, nas suas investigações, encontraram um factor comum.

A sua natureza pode, contudo, variar com os testes, o seu significado psicológico é que

é o mesmo. O modelo de Catell é visto como o quadro referencial dos psicólogos

diferencialistas (na 2ª metade do século). Até aos anos 60 o que interessava era anali-

sar as respostas, correlacioná-las e assim identificar padrões diferenciais.

Sternberg: procurou estudar as estratégias cognitivas subjacentes ao desempenho

nos testes. Propôs a teoria triárquica da inteligência. Numa das suas subteorias, ele

considera três classes cognitivas: 1- aptidões fluidas (relacionadas ao conhecimento

tácito), 2- aptidões cristalizadas (relativas a conhecimentos adquiridos), 3- práticas e

sociais (relativas à descodificação de mensagens não verbais.