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Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 1
HERNN CORTS: A MEMRIA DO CONQUISTADOR
Marcus Vincius de Morais1
Resumo
Este artigo tem como objetivo mostrar e entender de que modo as diferentes imagens e
representaes do conquistador espanhol Hernn Corts foi construda ao longo do
tempo, a partir de relatos e da historiografia.
Palavras-chave: Espanha, Amrica, Conquista, Corts, Pizarro.
Abstract
This articles goal is to show and understand how the different images and representations of the Spanish conqueror Hernn Cortez was built throughout time from
reports and from historiography.
Keywords: Spain, America, Conquest, Cortez, Pizarro
Hernn Corts e Francisco Pizarro certamente se tornaram os mais conhecidos
protagonistas das expedies espanholas durante o perodo da expanso martima.
Conquistadores, estrategistas, heris, manipuladores, sanguinrios, piedosos, cruis,
amados ou odiados, muitos foram os adjetivos atribudos a eles ao longo dos sculos.
No entanto, as narrativas sobre suas proezas apresentam uma histria igualmente
particular. O modo como foram representados durante o tempo est totalmente
vinculado s representaes que foram feitas de seus atos, do modo como a
historiografia leu as narrativas de viagens e das representaes criadas a respeito da
chamada conquista da Amrica.
Para analisar os escritos dos conquistadores, entender as representaes que
sobre eles foram construdas e a posterior confeco de suas respectivas memrias
histricas, no se trata apenas de entender a histria como verdade absoluta ou pensar o
documento como janela aberta para a compreenso do passado, mas sim de ver e
1 Marcus Vincius de Morais mestre em Histria Cultural pela UNICAMP.
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entender a histria como texto e construo de sentido, pois qualquer histria sempre
a histria de algum, contada por algum, a partir de um ponto de vista parcial
(APPLEBY, 1995, p.11).
O conceito de memria utilizado o mesmo trabalhado pelo historiador Jacques
Le Goff em que a memria vista como a propriedade de conservar certas informaes,
graas s quais as pessoas podem atualizar impresses ou informaes passadas, ou que
representam como passadas, memria esta que confeccionada, construda, e que se
relaciona com o perodo em que ela elaborada, como se as lembranas, em si, fossem,
antes de tudo, episdios do passado (LE GOFF, 2000, p.419).
Diante disso, as figuras de Hernn Corts e Francisco Pizarro certamente foram
lidas, vistas e revisitadas de diferentes formas ao longo do tempo, em diversos lugares e
de acordo com os mais variados interesses e propsitos. As suas aes, os conflitos, as
guerras e as suas mais mltiplas e contraditrias atitudes, ou seja, suas passagens pela
histria da humanidade, tambm apresentam a sua prpria histria, o que significa dizer
que impossvel saber onde est narrado o verdadeiro Corts ou o verdadeiro Pizarro. A
representao, de um lado manifesta uma ausncia, o que supe uma clara distino
entre o que representa e o que representado; de outro, a representao a exibio de
uma presena, a apresentao pblica e simblica de uma coisa ou de uma pessoa
(CHARTIER, 2002, p.74).
Nesse sentido, h muitos Corteses e diversos Pizarros, ou seja, existem
muitas imagens diferentes a respeito dos conquistadores espanhis que quando
analisadas mais de perto, tambm nos do informaes a respeito da poca em que cada
uma delas foi construda. A partir de relatos, das crnicas de viagens e da historiografia
tradicional possvel traar uma verdadeira genealogia das imagens criadas a respeito
dos conquistadores: o essencial , portanto, compreender como os mesmos textos em
formas impressas possivelmente diferentes podem ser diversamente apreendidos,
manipulados, compreendidos (CHARTIER, 2002, p.70). Dessa maneira, a verdadeira
tarefa da Histria descrever os mecanismos pelas quais as pessoas foram constitudas
como sujeitos e o historiador, desse modo, pode contribuir para se compreender de que
maneira uma figura ou grupo foi historicamente construdo(POSTER, 1997, p.11).
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HERNN CORTS
Hernn Corts nasceu num humilde povoado espanhol chamado Medelim,
passou por Salamanca durante a juventude, tentou a sorte como escrivo e, com a ajuda
de seus pais, lanou-se Amrica. Em 1519 foi escolhido pelo governador de Cuba,
Diego Velsquez, para liderar e ser capito de um grupo formado por centenas de
soldados para dar incio a um dos episdios mais violentos da histria da Amrica.
Corts e seus homens tinham como misso estabelecer contatos com alguns grupos
indgenas e iniciar a explorao do continente americano.
Aps partir de Cuba e chegar ao litoral, Corts atravs de intrpretes soube da
existncia de outra regio, localizada mais ao interior da Amrica, que era dominada
pelas cidades de Tenochtitln, Texcoco e Tlacopan, que formavam a chamada
Confederao Mexica. Corts, por sua vez, foi para o interior do continente, com o
intuito de se aproximar das sociedades indgenas, em busca de ouro, fiel ao monarca e
em nome de Deus. A trilha do conquistador finalmente se iniciava.
Entre 1519 e 1520, Cortez estabeleceu contatos com sociedades de idioma maia,
no litoral de Vera Cruz para, em seguida, instituir alianas com as cidades de Cempoala
e Tlaxcala, ambas rivais de Tenochtitln. Antes de entrar na capital mexica, Cortez e
seus soldados ainda realizaram o famoso massacre de Cholula, passando pelos povoados
de Xochimilco e Coyoacn at atingir o Mxico para o seu encontro com Montezuma.
O primeiro contato, entre europeus e mexicas, foi amistoso, mas em pouco
tempo os espanhis criariam as condies necessrias para se justificar uma guerra
justa. Os europeus, auxiliados por milhares de indgenas, conseguiram cercar e sitiar a
cidade de Tenochtitln e em pouco tempo Cuautehmoc, o ltimo governante da cidade
de Tenochtitln, seria finalmente derrotado.
A partir de 1521, Corts viveu anos de glria. Ele recebeu ttulos de nobreza e
garantiu, junto ao rei, os mesmos privilgios aos seus filhos. Em sua honra foram
celebradas festas e em seu nome missas foram rezadas. A conquista de Tenochtitln foi
o choque e o encontro de dois continentes, de duas culturas, totalmente diversas, num
grande exerccio de alteridade. A partir disso, um Novo Mundo seria construdo, no
sendo mais possvel separar Corts da Amrica. A Histria os uniu para sempre.
O domnio espanhol e a consequente colonizao certamente esto entre os
acontecimentos que mais marcaram a histria do Novo Mundo (FLORESCANO, 2001,
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p.259). A partir desses episdios, uma nova forma de registrar as aes do homem, de
se pensar o passado e imaginar o futuro, surgiu no continente americano. Essa tradio,
contudo, foi seguida pela incluso de um novo protagonista do relato histrico: o
conquistador europeu.
As narrativas a respeito da Amrica e da invaso espanhola foram feitas a partir
da lgica e do idioma europeus e a pena do conquistador se transformou em porta voz
de verdades espanholas.
Ao lado da invaso europeia caminhou a linguagem dos espanhis que comeou
a nomear e a conferir novos significados natureza, aos homens e s culturas nativas
(FLORESCANO, 2001, p.260).
Desse modo, o povo vitorioso militarmente se transformar tambm naquele
que, por direito adquirido, ir contar de que jeito a conquista ocorreu, a partir de seu
ponto de vista particular. Assim, os dirios, as crnicas e as memrias a respeito das
guerras e dos conflitos na Amrica, envolvendo espanhis e ndios, se transformaro, ao
longo dos sculos, nas verses oficiais a respeito dos fatos.
Dessa maneira, a conquista e a derrota militar dos ndios de Tenochtitln foram
imediatamente seguidas pela reconstruo de sua memria histrica, por padres e
cronistas militares. No entanto, no caso especfico de Corts, podemos pensar que sua
memria foi construda no apenas aps a conquista de Tenochtitln, mas antes mesmo
da queda da capital mexica, na medida em que suas cartas e seus relatos so feitos
durante as campanhas militares e, portanto, antecedem o domnio espanhol. De qualquer
modo, o protagonista efetivo foi, sucessivamente, a nao ganhadora de uma nova terra
e de uma vasta humanidade pag, e os agentes dessa epopeia foram o conquistador, o
frade evangelizador e os novos povoadores espanhis das terras descobertas.
O CORTS CONQUISTADOR: POR HERNN CORTS
Durante suas campanhas e viagens, Corts escreveu uma srie de cartas
endereadas ao imperador Carlos V, as chamadas Cartas de Relao, e nelas deixou
suas impresses a respeito dos indgenas, da Amrica e, principalmente, seus atos
durante as guerras de conquista.
A primeira imagem construda a respeito de Hernn Corts foi escrita por
Hernn Corts, a partir de suas correspondncias endereadas ao monarca espanhol. A
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Corts interessava, sobretudo, o objetivo de sua empresa, as circunstncias tticas e os
aspectos sociais e polticos que se relacionavam com sua conquista. Para o capito
espanhol, era preciso descrever seus maiores feitos, em busca de reconhecimento real e
isso ele fez at seus ltimos dias de vida. O fato de ter sido protagonista e testemunha
ocular dos episdios que descreveu garante muito crdito narrativa de Corts.
Nesse sentido, os relatos de viajantes sempre trazem a ideia de observador, do
eu estive l e esse eu vi, do ponto de vista da enunciao, d crdito a um eu digo,
na medida em que digo o que vi. O invisvel, para vocs, eu torno visvel atravs do
meu discurso. Assim, o que se encontra em jogo a questo do visvel e do dizvel: eu
vejo, eu digo e eu digo o que posso ver (HARTOG, 1999, p.278). As cartas de Corts
no so, portanto, o real, mas se constituem como representaes. Elas fazem parte de
uma literatura prpria das crnicas de viagens, em que o principal objetivo enaltecer o
seu protagonista, a partir de uma forma especfica, de adjetivos e narrao de
feitos tambm prprios, voltadas para um pblico particular, estabelecendo e criando
uma verdadeira comunidade de discurso em que essa representao de Corts ir
circular (RESTALL, 2006, p. 135).
Em suas correspondncias, o capito descreveu suas proezas, as grandes atitudes
que foram tomadas, sua enorme coragem, bravura e, com isso, divulgou e construiu uma
imagem bastante positiva a respeito de si. Evidentemente Corts tinha como objetivos
mostrar-se um fiel sdito da coroa espanhola e aparecer nas epstolas como verdadeiro
cristo, ou seja, obediente e digno de confiana. Alm dessa postura, em nome do
Estado e da Igreja Catlica, as Cartas de Relao fazem parte de um contexto em que as
atitudes hericas do capito deveriam ser recompensadas com glrias e riquezas e, por
isso, no foi toa que Corts as redigiu em primeira pessoa do singular, algo prprio da
cultura renascentista, destacando, a todo o momento, sua ao individual:
Em outra relao, meu excelentssimo Prncipe, disse vossa majestade as
cidades e vilas que at ento para seu real servio eu tinha sujeitado e
conquistado [...] E certifico a vossa majestade que farei Montezuma, preso ou
morto, sdito da coroa real de vossa majestade (CORTS, 2000, p.87).
Esse primeiro Corts, que comeava a surgir dessas narrativas iniciais, dialogou
com as concepes de escrita, histria e tempo do sculo XVI, assim como com as
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aspiraes pessoais do capito espanhol. O que acontece do lado de fora do autor
certamente influencia sua narrativa, mas as questes particulares tambm. De acordo
com Dominick La Capra, em seu estudo sobre textos e construo da narrativa histrica,
[...] o problema passa a ser o de repensar os conceitos de dentro e fora
em relao com os processos de interao entre linguagem e mundo. Os
processos textuais no podem se confinar dentro dos limites fsicos do livro. O
prprio contexto ou mundo real igualmente textualizado (LA CAPRA,
1993, p.240).
Nas cartas de Corts possvel perceber, num primeiro momento, duas
influncias narrativas que podem ser identificadas respectivamente com o mundo de
fora e com o mundo de dentro do autor: a narrativa religiosa providencialista e a
cavalheiresca, mesmo que as duas no possam ser separadas, pois ambas se constituem
como parte integrante de uma mesma representao a respeito de Corts, ou seja, o
cavaleiro cristo.
A ideia crist da histria tambm apoiou a expanso imperial do poder espanhol,
colocando-lhe um sentido providencial, em que o destino dos domnios espanhis
passava pelas vontades de Deus, que tudo ento faria para que esses propsitos se
realizassem. Enfim, a vitria da Espanha se transformava na vitria do cristianismo e,
assim, as atitudes de Corts na Amrica eram, no fundo, as vontades de Deus de como
as coisas deveriam seguir. Vrios soldados e missionrios atuaram convencidos de que
eram agentes da providncia divina e transmitiram em suas obras a certeza de que os
sucessivos descobrimentos e conquistas eram parte de um plano dirigido a unificar
todos os povos do mundo sob o manto da cristandade (FLORESCANO, 2001, p.277).
Em suas cartas, Corts deixa clara a vontade de Deus para que a campanha fosse um
sucesso e, com isso, ele mesmo se colocava como o escolhido:
E parece que o Esprito Santo me dera um aviso [...] Mas quis Nosso
Senhor mostrar seu grande poder e misericrdia para conosco [...] e
quis Deus que morresse uma pessoa deles que devia ser o principal
(CORTS, 2000, p.95).
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Com isso, os soldados e os capites se tornavam os novos cruzados que tinham
vindo derrotar o mais extenso dos reinos indgenas que eram, ento, associados aos
infiis, aos muulmanos, resgatando todo o ideal de reconquista da Pennsula Ibrica. O
conquistador Hernn Corts, assim, era o principal agente da histria hispano-crist
(FLORESCANO, 2001, p.283), a partir de uma histria recente, contada pelas primeiras
crnicas. Diante disso, possvel identificar tambm a tradio das narrativas
cavalheirescas, herdadas desde o perodo medieval. Em cartas e documentos de Hernn
Corts possvel perceber o estilo e at mesmo ver passagens que fazem referncia
direta a essas narrativas.
Os romances cavaleirescos de aventura introduziram, num primeiro momento,
um ideal novo, uma moral laica: a cortesia, as boas maneiras, o servio senhora, o
amor corteso, que era naturalmente adltero, o desprezo pelo casamento e o desdm
pelo cime. No entanto, aos poucos ocorreu uma cristianizao desses heris. Surgia a
cavalaria celestial, a idealizao das Cruzadas, a histria santa da cavalaria. Apareceu,
assim, o cavaleiro cristo que colocou a espada a servio do Estado e da cristandade que
ameaada s rechaava os infiis graas bravura dos cavaleiros do Ocidente (LE
GOFF, 2006, p.197). Em seus registros, Corts narrou suas aventuras, seus amores, sua
infidelidade amorosa, seus feitos que ora mostram piedade e que ora os transforma no
cavaleiro impiedoso. De qualquer forma, sempre se constri, em sua narrativa, o
cavaleiro herico, capaz de fazer tudo, de realizar os maiores atos, em nome de Deus e
da coroa espanhola. No trecho abaixo, possvel perceber a valorizao da ao
individual do conquistador, assim como seu mpeto de conquista e maquiavelismo:
Antes que os nativos pudessem se juntar, queimei seis pequenos povoados e
prendi e levei para o acampamento quatrocentas pessoas, entre homens e
mulheres, sem que me fizessem qualquer dano. (...) simplesmente fazia de
conta que confiava em quem vinha me falar e usava a discrdia para subjug-
los mais (CORTS, 2000, p.95).
Alm das cartas de Hernn Corts, a obra do soldado cronista Bernal Daz Del
Castilho, Historia verdadera de la conquista de la Nueva Espaa, tambm exaltou a
figura do lder espanhol. Apesar de Bernal Daz tambm enaltecer a ao do grupo e dos
soldados, ou seja, do coletivo, toda a narrativa foi centrada na figura de Corts, sendo
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que o tom de aventura cavalheiresca e crist permanece em toda a obra, reforando e
ajudando a construir a representao herica a respeito dos espanhis.
importante mencionar que a obra de Bernal Daz, a princpio, se colocou como
o verdadeiro relato a respeito da conquista espanhola e que, nesse sentido, entre ele e
Corts se travou uma batalha pela memria oficial a respeito do episdio. As cartas de
relao do capito espanhol, nesse caso, de acordo com a viso de Bernal Daz,
precisavam ser completadas, com detalhes, informaes precisas, com a valorizao das
aes dos soldados, principalmente porque as suas memrias foram escritas em um
perodo que Corts j tinha se envolvido em diversos atritos com a coroa espanhola.
Esse cavaleiro cristo, cheio de valores e fidelidade, ou seja, o prprio Corts, se
tornou a primeira imagem a respeito do capito espanhol. Sua bravura, coragem e
inteligncia militar so aspectos de destaque no seu texto. Essa imagem do capito
espanhol ser resgatada nas crnicas religiosas dos franciscanos, sobretudo nas obras
Historia de Los Indios de la Nueva Espaa de 1540 e Historia Eclesiastica Indiana de
1596, respectivamente dos freis Torbio de Benavente, o Motolina e Gernimo de
Mendieta.
Para os religiosos, a chegada dos irmos menores ao Novo Mundo foi o
equivalente sada do povo judeu do Egito: significava a derrota da idolatria e o incio
da peregrinao em direo terra prometida. Nesse caso, tambm se faz uma
associao direta entre Corts e Moiss e, assim, os grandes feitos do capito espanhol
so comparados s grandes narrativas do texto sagrado. Hernn Corts e suas manobras
habilidosas se transformaram, a partir dos escritos religiosos, em parbolas bblicas.
Corts era, ento, o enviado para libertar os astecas de sua servido ao demnio e
conduzi-los, finalmente, terra prometida da Igreja Catlica. Corts, nessa primeira
imagem, simbolizava esse mundo.
A TRADIO LASCASIANA E O OUTRO CORTS
Alm da imagem de Corts como o heri da cristandade e da Espanha do sculo
XVI, outra tradio tambm se formou nesse mesmo sculo. Aps os primeiros anos de
colonizao, muitas denncias e queixas a respeito da ao espanhola na Amrica foram
feitas, a partir de cartas, livros e discursos contrrios conquista, feitos em defesa aos
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ndios. A maior parte das acusaes se tratava de referncias violncia usada pelos
conquistadores e aos maus tratos que os colonos lanavam sobre os indgenas.
O frei dominicano Bartolom de Las Casas foi o maior representante de um
novo grupo de homens que se colocou abertamente contra as prticas de Corts na
Amrica. Sua obra mais conhecida foi certamente a Brevssima relao da destruio
das ndias escrita em 1542 em que o religioso fez uma srie de denuncias a respeito da
explorao e dos abusos dos encomenderos, afirmando que os crimes dos colonizadores
seriam pagos com a condenao eterna no Inferno.
A obra de Las Casas, assim como as cartas de Corts, est contida nas
convenes e no estilo da poca, principalmente no que diz respeito ao uso de
argumentos aristotlicos para convencer o leitor a respeito de sua defesa do mundo
indgena. O dominicano certamente tinha interesses particulares nesse ataque aos
conquistadores, j que sua experincia missionria na Amrica havia sido pequena e
que, ele prprio, defendia um ndio que mal conhecia: o xito obtido atravs da forma
com que elabora sua argumentao transforma-o em heri. No pelo que ele fez de
generoso como missionrio, mas pela sua capacidade de nos comover (THEODORO,
1992, p.90).
Para isso, Las Casas utilizava argumentos religiosos para demonstrar os atos
considerados errneos dos conquistadores europeus. Sua imagem sobre o indgena
corresponde uma representao de dor e sofrimento, talvez porque estivesse mais
preocupado em vencer os debates que logo travaria a respeito do tema. Alm disso, a
imagem que constri sobre os conquistadores dialogava com toda a iconografia
produzida na Europa sobre o tema, em que a violncia dos conquistadores parecia ser o
nico ingrediente dessas narraes:
Um espanhol desembainha a espada e imediatamente os outros cem fazem o
mesmo, e comeam a estripar, rasgar e massacrar aquelas ovelhas e aqueles
cordeiros, homens, mulheres, crianas e velhos que estavam sentados,
tranquilamente, olhando espantados para os cavalos e para os espanhis. Em
pouco tempo no restaram sobreviventes de todos os ndios que ali se
encontravam (LAS CASAS, 1986, p.256).
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O frade declarou que Cristo era um libertador e, assim, o reino dos cus
anunciado no Evangelho devia ser predicado com amor e esprito de convencimento e
no com violncia ou escravido. Seguindo estas ideias, fez uma crtica aberta a respeito
das formas de conquista e colonizao e atacou tambm os religiosos que haviam
argumentado que a conquista armada era um passo necessrio entrada do Evangelho
na Amrica. Nas palavras do frade, em uma de suas obras, Histria de las ndias,
possvel perceber o tom de defesa e denncia:
[...] e tendo experincia que em nenhuma parte podiam escapar dos
espanhis, sofriam e morriam nas minas e nos outros trabalhos, quase como
pasmados, insensveis e pusilnimes, degenerados e deixando-se morrer,
calando desesperados, no vendo pessoas no mundo a quem pudessem
queixar-se nem que delas tivesse piedade (LAS CASAS, 1986, p.206).
O dominicano descreveu com drama as matanas coletivas dos ndios, a violao
de mulheres, as epidemias, os assassinatos de centenas de chefes indgenas e, para isso,
recorria a diversas cenas bblicas de cativeiro e escravido. O discurso lascasiano, em
que o indgena era visto como vtima das atrocidades dos espanhis teria enorme
repercusso na histria do continente americano e nele o indgena aparecia como fraco,
indefeso, violentado pelo massacre europeu, pela crueldade e, sobretudo, pela cobia
dos espanhis.No entanto, ao mesmo tempo em que defendeu os indgenas, Las Casas
acabou reforando a ideia de superioridade espanhola, nas armas, nas tcnicas e criando
o mito do indgena fraco, frgil, igualmente carente de ajuda externa o que fez perpetuar
ainda mais a concepo de que o indgena necessitava de ajuda, como se fosse uma
criana indefesa e de que o continente americano, vtima da cobia, vivia jorrando
sangue e de veias abertas ao domnio estrangeiro.
Ainda assim, as aes de Hernn Corts que haviam sido grandemente elogiadas
pelos cronistas anteriores, como nas cartas do prprio Corts, e nas obras de Bernal
Daz, Motolina e Mendieta, nos textos de Las Casas tomaram outra forma, pois
mostravam um Corts tirano, sem escrpulos, ladro e assassino que mediante uma
srie de crimes havia arrasado os ndios sem piedade.
As denncias de Las Casas tiveram tamanha repercusso entre setores da Igreja
e da intelectualidade europeias que na cidade de Valladolid entre 1550 e 1551, ocorreu
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um famoso debate tico e filosfico a respeito da conquista e da presena espanhola na
Amrica, travado entre Bartolom de Las Casas e o humanista Juan Gines de
Seplveda.
Para sua defesa, Seplveda utilizou as obras dos primeiros cronistas das ndias,
particularmente o texto de Gonalo Fernandes de Oviedo e sua obra Histria geral e
natural das ndias de 1535, para demonstrar a superioridade da civilizao espanhola
sobre as culturas americanas, para valorizar a ao de Corts e para reduzir os ndios
categoria de selvagens.
Las Casas, por outro lado, fez uma fervorosa defesa dos indgenas, baseado em
argumentos religiosos. De qualquer forma, essas duas imagens a respeito da conquista e
de Corts marcariam as tradies seguintes. Corts era por um lado o conquistador
herico, representante da cultura europeia, fiel sdito da coroa e da Igreja Catlica, ou
seja, um verdadeiro cavaleiro. Mas por outro lado comeava a se tornar tambm o
tirano, maquiavlico, dissimulado, violento, capaz de fazer de tudo para dominar,
vencer e enriquecer (FLORESCANO, 2002).
A TRADIO CIENTFICA EUROPEIA DO SCULO XIX
Esse tipo de viso, longe de ser uma inovao metodolgica, remete-se aos
primeiros estudos realizados pela Histria acadmica do sculo XIX. Obviamente,
quando falamos em tradio, h que se levar em considerao que as idias seguem um
fluxo ininterrupto de mudanas, apropriaes e significaes. Do XIX aos dias de hoje,
o cientificismo ganhou novas roupagens, novas cores e adereos, distanciando-se de seu
ideal imperialista para adquirir tons de defesa da pluralidade (FERNANDES, 2003).
Cercado de fontes consideradas oficiais e, mais importante, espanholas,
somente um tipo de escrita era justificvel ao ofcio do historiador: a cientfica. Dentro
dessa perspectiva de histria acadmica do sculo XIX, racional e detentora da verdade,
destaca-se a obra do norte-americano William Prescott, The Conquest of Mexico de
1843. Tanto Prescott quanto Leopold Von Ranke, em seu famoso artigo As colnias
americanas (RANKE, 1986), de 1880, analisaram as crnicas espanholas como fieis
testemunhos da realidade, principalmente as cartas de Corts e as leram de acordo com
os olhos do sculo XIX, imperialista, nacionalista, baseados em conceitos como os de
raa, civilizao, barbrie e de superioridade biolgica.
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Os autores escreveram em um momento em que os estudos arqueolgicos na
Amrica ainda no tinham se desenvolvido plenamente. Alm disso, o perodo foi
marcado pela ideia de que as grandes potncias europeias, os imprios coloniais,
levariam a civilizao para os confins do mundo, no verdadeiro fardo do homem
branco, imortalizado no poema de Kipling.
Desse modo, diferena e superioridade convivero harmoniosamente no
clssico texto de Wiliam Prescott. Por um lado, h a figura do bom selvagem, dcil,
repleto de qualidades, que , ao mesmo tempo, estranho e inferior. Por outro, existe o
discurso da razo, da civilidade e da urbanizao como elementos julgadores e
hierarquizadores. Lados opostos que se chocam, esta a marca do autor, visvel desde o
princpio. Como ele mesmo diz: [...] instituies humanas quando no conectadas com
prosperidade e progresso, devem cair. [...] pela violncia interna [...] E quem lamentaria
esta queda? (PRESCOTT, 1966, p.87).
A diferena na maneira de ver o mundo entre europeus e astecas se transfere
para a eficcia e qualidade das armas e fica ainda mais ntida na habilidade tcnica e
racional de Corts em comandar seus homens: os canhes vencero os tacapes. Na
narrativa de Prescott, que ganha tons de aventuras europeias em mundo extico e
distante, Corts certamente narrado como o heri da civilizao ocidental. Por isso, o
autor narra cenas surpreendentes: Corts agarrou e arremessou um dos ndios sobre os
muros com o seu prprio brao. A histria no improvvel, pois Corts era um homem
de agilidade e fora incomum (PRESCOTT, 1966, p.143). Aqui, vemos a
superioridade da raa, em que biologicamente o capito espanhol no apenas mais
hbil, mas, sobretudo, mais forte que os indgenas. Em outra passagem, possvel
perceber a dualidade entre civilizao e barbrie. Os ndios so brbaros no apenas
porque se defendem com armas menos desenvolvidas tecnicamente, de acordo com a
viso do autor, mas porque so supersticiosos e acreditam no sobrenatural. Corts,
astuto, tira proveito de tudo isso:
Esta foi uma inquestionvel e certeira medida de Corts, para reforar este
sentimento de superstio, tanto quanto possvel impressionar os nativos, de
incio, com um saudvel medo dos poderes sobrenaturais dos espanhis
(PRESCOTT, 1966, p.125).
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E os corpos seminus dos nativos no ofereciam proteo, os espanhis
cortavam com muita facilidade. Os cavalos, as armas de fogo e os
armamentos dos espanhis eram tudo novidade [...] (PRESCOTT, 1966,
p.97).
Naturalmente, como Prescott escreveu muitos sculos aps os episdios da
conquista, como leu as cartas de Corts sem questionar a fonte, mas sim a enxergando
como verdade absoluta e de acordo com princpios prprios e do sculo XIX, sua viso
altamente teleolgica. Corts, em sua obra, participa o tempo inteiro de todo o lento
processo de conquista, fica sem dormir, no tem fome, sono ou cansao. O lder
espanhol perfeito, audaz, corajoso, arrisca e suas decises, sempre pensadas e
meticulosas, esto evidentemente corretas. Corts corajoso e Montezuma covarde;
Corts racional e os ndios supersticiosos. A religio de um verdadeira, a dos outros
era mentirosa. Os ndios se defendiam com magia, pressgios e apelando para os seus
deuses, ao passo que os espanhis usavam armas, tcnicas, tticas, exrcito, canhes e
inteligncia. De um lado, magia e superstio, do outro lado religio crist, cincia e
racionalismo.
Ainda dentro dessas posturas de inferioridade e superioridade racial, Prescott
mostra que o prprio Montezuma sabia de sua fraqueza diante do exrcito cristo:
Montezuma sabia que os espanhis eram mortais, mas de uma raa diferente, de fato,
dos astecas, mais sbios e mais valentes (PRESCOTT, 1966, p.128). Enfim, para o
autor norte-americano, o motivo da derrota indgena foi a sua inferioridade frente
civilizao europeia. Sua verso dos fatos trata mais do sculo XIX e de que modo as
guerras eram vistas, do que do sculo XVI em si:
A invulnerabilidade da armadura espanhola, suas espadas de material
inigualvel e habilidade para us-las, lhes forneceram de as vantagens que
excediam de longe os pontos da fora fsica e vantagem numrica
(PRESCOTT, 1966, p.144).
No fim de sua obra, fazendo apologia marcha da civilizao rumo ao
progresso, Prescott questiona se algum sentiria falta ou no de uma sociedade
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desprovida de cincia, assim como ele via a asteca. A guerra se justifica pelo avano da
cincia.
O MXICO E A NAO MESTIA: O CORTS ESQUECIDO
Durante o mesmo sculo XIX, a independncia do Mxico em 1810 e a
construo do Estado Nacional na Amrica trouxeram de volta a antiga dualidade a
respeito da imagem de Corts. As posturas conservadora e liberal, no momento de
concepo do Estado mexicano, viam e enxergavam o futuro da Amrica de maneiras
distintas e, portanto, se relacionavam com o passado da conquista de maneiras
igualmente diferentes.
Nos anos que se seguiram independncia 1810 e o nascimento da Repblica, a
luta poltica entre liberais e conservadores transformou o passado colonial na poca do
atraso da histria mexicana. Era preciso de qualquer forma romper com o passado
colonial e, para isso, a independncia e, sobretudo, a Repblica, deveriam marcar um
novo momento na histria.
No entanto, no havia consenso a respeito de qual memria se ergueria para a
recm-formada nao mexicana. As disputas polticas certamente ditavam os rumos
dessa relao com o passado e, por isso, a reconstruo da memria esteve centrada nos
embates entre duas opes. Os polticos liberais queriam edificar a nova nao sobre as
antigas razes indgenas e os conservadores queriam se sustentar exclusivamente no
passado das guerras de conquistas e da glria dos espanhis. Os liberais pareciam ser
herdeiros dos escritos de Las Casas e os conservadores herdavam o discurso da crnica
militar, enaltecendo as aes dos conquistadores.
Independentemente de qual postura faria mais sucesso no momento de
concepo do Estado mexicano do sculo XIX, os dois lados, liberal e conservador,
partiam do princpio de que o Estado nacional, em vez de aceitar a diversidade da
sociedade real, deveria uniformiz-la mediante uma legislao geral, uma administrao
central e um poder nico. Mas as suas posturas de vnculo com a reconstruo do
passado teriam muitas dificuldades de lidar com a memria da nova nao, pois antes de
serem propostas integradoras, elas assumiam carter extremista. O projeto de Estado da
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segunda metade do sculo XIX, portanto, imprimia na populao a necessidade de se
criar a imagem de apenas um Mxico, nico e integrado.
Porm, no era possvel lidar com a diviso radical das diferentes posturas de
liberais e conservadores, j que no Mxico existiam milhares de pessoas que poderiam
se sentir excludas dessa histria. Por isso, era vital encontrar outra maneira de se
entender a histria mexicana e, com isso, rever a imagem de Corts, dos astecas, de
modo que cada um dos dois lados fosse contemplado. Essa nova histria tinha que lidar
com as diferenas e, por isso, comeou a se forjar um novo discurso, de uma nova nao
mexicana, que seria ento mestia, e que marcharia rumo ao progresso.
O segundo momento do governo de Porfrio Dias (1876 1911), chamado de
porfiriato, foi o articulador para a construo de um Estado na Amrica Latina e esse
mesmo perodo foi tambm o responsvel por criar uma narrativa do passado mexicano
unificadora de identidade cultural compartilhada pelos diversos grupos sociais. Era
preciso criar uma histria abarcadora de todas as pocas do passado mexicano, um
relato integrador das diversas razes da nao. Isso se tornaria realidade na coleo
enciclopdica Mxico atravs dos sculos, publicada em 1889. A partir disso, o Mxico
no era mais branco e nem ndio, mas sim fruto da mestiagem de dois povos.
Diante disso, a imagem de Corts passava a ocupar um espao intermedirio na
histria do Mxico. A conquista espanhola era vista como um momento de dor para os
mexicanos, por se tratar de um episdio violento, responsvel pela destruio de uma
antiga e maravilhosa cultura, a dos astecas, mas ao mesmo tempo essa dor era a
responsvel pelo nascimento do Mxico mestio, fruto da fuso entre espanhis e
indgenas. Desse modo, Corts oscilava entre aquele que era o responsvel pela
destruio dos indgenas e aquele que era tambm o ponto de partida para a evoluo da
nao mexicana.
A Amrica, assim, era vista quase como uma mulher virgem que foi violentada
pelo conquistador espanhol e que ali imps sua religio e suas leis. Mas dessa mesma
violncia nasceria uma nao, o Mxico mestio e independente do sculo XIX. No
entanto, Hernn Corts passava a ser, em parte, o pai dessa violncia e, portanto, se
aproximava mais do esquecimento do que da eterna lembrana.
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CORTS: REFLEXO
As representaes construdas a respeito de Hernn Corts esto situadas entre a
valorizao do guerreiro, seja nas crnicas do sculo XVI ou na historiografia cientfica
do sculo XIX e na associao entre Corts e o massacre, o genocdio e o
aniquilamento, tanto na tradio lascasiana como na construo do estado mestio
mexicano.
A imagem do capito, principalmente no Mxico, lugar de ao efetiva de
Corts, parece habitar em um silncio que se localiza exatamente entre a imagem da
destruio dos antigos astecas e o nascimento de uma nova sociedade. Corts fica no
espao vazio entre a ideia to difundida de derrota indgena e a criao do Mxico
contemporneo. Ele no foi apenas o fim, mas o comeo. Poucos personagens histricos
conseguiram reunir tantas contradies em torno de sua figura como Hernn Corts.
Em outras regies da Mesoamrica, a imagem de Corts menos negativa, como
por exemplo, na regio Maia do litoral de Iucat que ele nem mesmo chegou a visitar.
Mas em relao ao Mxico, que se v e se enxerga como nao mestia desde o
porfiriato, o silncio toma conta da imagem de Corts. Ele quase no lembrado, mas
parece haver um esforo para se lembrar que Corts deve ser esquecido.
No h monumentos em seu nome e o seu tmulo se localiza em lugar de difcil
acesso, dentro de uma pequena igreja, discreto e quase imperceptvel, no aparecendo
nem mesmo como ponto turstico a ser visitado, ao passo que a esttua de Cuautemoc,
ltimo lder dos astecas, pode ser facilmente admirada em uma das principais avenidas
da cidade com forte tradio e representao clssica. Corts, por outro lado, representa
a dor, o nascimento sofrido, a morte do passado indgena e a gestao do mundo
colonial. Essa memria cambiante de Corts pode ser exemplificada na enorme
quantidade de vezes que os seus restos foram enterrados e desenterrados, ou seja, nas
inmeras vezes em que se procurou um lugar fixo e eterno para Corts. Qual seria,
ento, o lugar de Corts? Em que local e de que modo ele ser lembrado?
Corts guarda grandes ambiguidades, mais do que a mdia de um lder. A praa
das trs culturas, em Tlatelolco, apresenta uma verso dolorosa desta memria: ali
tombou Cuautemoc, a 13 de agosto de 1521. O episdio foi definido no como uma
vitria ou derrota, mas o doloroso nascimento de um povo mestio. Destaca-se a
violncia e aparece a ambiguidade. Sem Corts o Mxico no existiria, no seria
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catlico, no falaria espanhol, no seria o pas que hoje, para o bem e para o mal.
Diante de ns ainda paira a esfinge cortesiana, insinuando decifrao ou aniquilamento
(KARNAL, 2011, p.237).
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