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Desconstruindo a cidade de Nova Iorque – um ponto de vista Este revelador documentário produzido pela Discovery Channel traz informações surpreendentes sobre a constituição de uma cidade que se tornou um dos centros financeiros mais importantes do mundo: Nova Iorque. Com um trabalho visual digno de apreciação, este documentário mostra, em pouco mais de cinqüenta minutos, as transformações na ilha de Manhattan, que vão desde o começo da colonização dos Estados Unidos, passando pelos planos de estruturação do local, pela construção do famoso Centra Park, pela crescente centralização econômica, até chegar no que atualmente é o nervo da economia mundial. Longe de querer fazer uma espécie de roteiro do documentário, enumerando os momentos e assuntos nele tratados, gostaria de fazer uma reflexão sobre duas construções voltadas totalmente ao uso público: o Central Park e a ponte do Brooklyn. O que me despertou curiosidade a respeito destas duas obras de arte – e aqui posso soar como Marx acerca da mercadoria – é a quantidade de trabalho humano socialmente empregado na construção de ambas. É muito provável que a maior parte daqueles que atravessam diariamente a ponte do Brooklyn não saibam a que altos custos as suas colunas de sustentação foram erguidas, ou das péssimas condições de trabalho na escavação do fundo insalubre do mar, onde grande número de pessoas – imigrantes irlandeses majoritariamente – morreu da “doença da escavadeira” ou devido a quedas durante a instalação dos cabos de sustentação da ponte. Voltando-se para o Central Park, quantos daqueles que caminham, andam de bicicleta ou apenas se esquentam ao sol no parque nele enxergam a enorme quantidade de força humana despendida na remoção de rochas – e a ilha situa-se acima de uma das rochas mais duras do mundo – para a abertura de caminhos ou confecção de lagos? Ou ainda, na manutenção contínua do parque,

2007-05-24 - Desconstruindo a Cidade de Nova Iorque

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Page 1: 2007-05-24 - Desconstruindo a Cidade de Nova Iorque

Desconstruindo a cidade de Nova Iorque – um ponto de vista

Este revelador documentário produzido pela Discovery Channel traz informações

surpreendentes sobre a constituição de uma cidade que se tornou um dos centros

financeiros mais importantes do mundo: Nova Iorque. Com um trabalho visual digno de

apreciação, este documentário mostra, em pouco mais de cinqüenta minutos, as

transformações na ilha de Manhattan, que vão desde o começo da colonização dos

Estados Unidos, passando pelos planos de estruturação do local, pela construção do

famoso Centra Park, pela crescente centralização econômica, até chegar no que

atualmente é o nervo da economia mundial.

Longe de querer fazer uma espécie de roteiro do documentário, enumerando os

momentos e assuntos nele tratados, gostaria de fazer uma reflexão sobre duas

construções voltadas totalmente ao uso público: o Central Park e a ponte do Brooklyn.

O que me despertou curiosidade a respeito destas duas obras de arte – e aqui

posso soar como Marx acerca da mercadoria – é a quantidade de trabalho humano

socialmente empregado na construção de ambas. É muito provável que a maior parte

daqueles que atravessam diariamente a ponte do Brooklyn não saibam a que altos custos

as suas colunas de sustentação foram erguidas, ou das péssimas condições de trabalho

na escavação do fundo insalubre do mar, onde grande número de pessoas – imigrantes

irlandeses majoritariamente – morreu da “doença da escavadeira” ou devido a quedas

durante a instalação dos cabos de sustentação da ponte.

Voltando-se para o Central Park, quantos daqueles que caminham, andam de

bicicleta ou apenas se esquentam ao sol no parque nele enxergam a enorme quantidade

de força humana despendida na remoção de rochas – e a ilha situa-se acima de uma das

rochas mais duras do mundo – para a abertura de caminhos ou confecção de lagos? Ou

ainda, na manutenção contínua do parque, como a abertura e fechamento do fluxo de

água para os lagos mostrados no documentário?

O meu incômodo principal é, dessa maneira, sobre o reconhecimento ou não por

parte dos usuários de tais espaços públicos acerca do esforço social que foi ou é

empregado na obtenção dos mesmos. Quantos reconhecem o esforço humano que está

cristalizado nas colunas e cabos da ponte ou nos caminhos e lagos do parque?

Ao meu ver, o passado das obras, principalmente as destinadas ao uso público, é

de extrema importância histórica na medida em que confere um grande valor simbólico

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às mesmas. Por “valor simbólico” quero evocar aqui a idéia de valorização do espaço

público, tendo em mente que esse espaço possui uma história humana que lhe é

intrínseca: ele não é uma obra de tempo presente, dotado de uma finalidade apenas

utilitária, mas traz em si todo um percurso histórico, palco de acontecimentos que

marcaram diferentes biografias. Ao atravessar a ponte do Brooklyn, ou ao caminhar pelos

caminhos cheios de folhas de árvores ao chão, os nova-iorquinos não fazem uso apenas

das obras em si, mas entram em contato com algo que vai além do concreto, seja ela, a

história desses lugares.

Nós também podemos fazer o mesmo tipo de uso com as construções de nossas

cidades (e para isso não é preciso viajar aos Estados Unidos ou a Paris). Em nossas

praças, em nossos prédios e casas, em nossas ruas e avenidas está registrada a história

das cidades e do povo que ajudou a construí-las. Basta olhar com mais atenção o estilo

das construções, os nomes, as estátuas, e lá encontraremos o passado reconstruído no

presente.

Este point de vue que procurei esboçar aqui vai ao sentido de chamar nossa

atenção para o ambiente em que estamos inseridos – a cidade, e, em especial, os

espaços públicos – buscando enxergar nele uma história que está implícita e que nos

confere o sentido da identidade de “cidadão”. Traçar um percurso histórico e cultural na

cidade pode ser de grande proveito para nós: encontraremos fatos que com certeza nos

surpreenderão e nos ajudarão a delinear nossa identidade histórico-cultural.

Walter Fonseca Junior – UFSCar - Ciências Sociais 2005 (24/05/2007)