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    UNIVERSIDADE DESOPAULO USPFACULDADE DEFILOSOFIA, LETRAS ECINCIASHUMANAS FFLCH

    DEPARTAMENTO DEGEOGRAFIA DGPROGRAMA DEPS-GRADUAO EMGEOGRAFIAHUMANA

    LUCIANARIAMOUROBORGES

    POLTICASTERRITORIAIS NAFRONTEIRA: O PROGRAMA DEACELERAO DOCRESCIMENTO E AS TRANSFORMAES EMRONDNIA NO INCIO DO SC. XXI

    VERSO CORRIGIDA

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    LUCIANARIAMOUROBORGES

    POLTICASTERRITORIAIS NAFRONTEIRA: O PROGRAMA DEACELERAO DOCRESCIMENTO E AS TRANSFORMAES EMRONDNIA NO INCIO DO SC. XXI

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana, doDepartamento de Geografia da Faculdade deFilosofia, Letras e Cincias Humanas daUniversidade de So Paulo, como requisito para obteno do ttulo de Mestre.

    rea de Concentrao:

    Geopoltica, Planejamento e Gesto do Territrio.Orientadora:Profa. Dra. Neli Aparecida de Mello-Thry.

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    FOLHA DE APROVAO

    Candidata: BORGES, Luciana Ria Mouro.

    Ttulo: Polticas Territoriais na Fronteira: O Programa de Acelerao do Crescimento e astransformaes em Rondnia no incio do sc. XXI

    rea de Concentrao: Geopoltica, Planejamento e Gesto do Territrio.

    Data de aprovao: _____/_____/_____.

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana, doDepartamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas daUniversidade de So Paulo, como requisito para obteno do ttulo de Mestre, sob aorientao da Profa. Dra. Neli Aparecida de Mello-Thry, avaliada pela seguinte bancaexaminadora:

    Banca Examinadora

    Profa. Dra. (orientadora): Instituio:

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    AGRADECIMENTOS

    De um modo que no poderia ser diferente, este trabalho aqui apresentado em forma de dissertaode mestrado teve incio em um momento crucial de minha vida pessoal e acadmica. Certamente, nofoi idealizado, sonhado, construdo, executado e finalizado apenas por mim, sozinha. Na realidade, elesignifica muito mais a participao de tantas pessoas que somente minha. Direta ou indiretamente,vrias pessoas foram responsveis por pelo menos uma vrgula, pequena que seja, nessa construo.H trs anos eu conclua minha monografia de bacharelado do curso de Geografia da UniversidadeFederal de Rondnia, e aqui neste espao dedicado a essas pessoas eu dei incio da mesma formacomo darei neste momento.

    A maior responsabilidade por tudo o que poderia ser possvel, ou que me fizera parecer possvel oque para mim no era, so aqueles por quem devo minha infinitamente eterna gratido, sem os quaiseu realmente jamais poderia sequer ter dado incio a este projeto, quem dir finaliz-lo. Trata-se deClio Borges, Maria Helena e Henrique Borges. Pai, me e mano, a vocs eu dedico e agradeo daforma mais sincera que meu corao permitir. Agradeo por cada pedacinho mnimo de absolutamentetudo o que foi feito por mim, e por tudo que pude fazer junto com vocs. Vocs so minha equipe, esem vocs nada disso teria sido realizado. Obrigada e obrigada!

    Agradeo profa. dra. Neli Mello por cada ateno dada a cada detalhe, em cada situao seja de

    orientao, aula, reunio ou mesmo encontros informais. Agradeo-lhe pela confiana, desde o primeiro email enviado para um primeiro contato e uma primeira leitura da proposta inicial, at ocorrente momento em que consigo perceber o meu amadurecimento diante de suas duras e ao mesmotempo benevolentes observaes e consideraes. Creio que o trabalho realizado em conjunto permitiua criao de um lao que se baseia (de minha parte) em admirao, respeito e um carinho imenso quetenho. Agradeo-lhe imensa e profundamente!

    Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, ao Programa de Ps-Graduao emGeografia Humana, ao Departamento de Geografia, bem como Universidade de So Paulo peloacolhimento e por proporcionar seu mbito e suas estruturas fsicas e intelectuais, sem as quais eu noconseguiria realizar este trabalho. Agradeo ao Programa de Aperfeioamento de Ensino (PAE) daFFLCH, pela concesso das bolsas e pela experincia obtida com a preparao pedaggica e osestgios docentes realizados junto a essa instituio. Tambm fao meu agradecimento CAPES pelofinanciamento da pesquisa com a concesso de bolsa integral, cujo apoio me permitiu a realizao das

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    RESUMO

    BORGES, Luciana Ria Mouro.Polticas Territoriais na Fronteira: O Programa deAcelerao do Crescimento e as transformaes em Rondnia no incio do sc. XXI. Dissertao de Mestrado. So Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas,Universidade de So Paulo, 2012.

    Tendo como base a reflexo sobre como o Estado brasileiro formula sua estratgia poltica e

    econmica para a ocupao, explorao, desenvolvimento e incorporao de territrios no pas, objetivamos com este estudo compreender qual a nova configurao territorial emRondnia a partir do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC). Para tanto, pretendemos analisar a importncia desse programa na transformao do territrio desseestado, que recebe atualmente duas das maiores obras de infraestrutura do Governo Federal:as hidreltricas de Santo Antnio e Jirau. Partimos do pressuposto de que, a partir da dcadade 2000 se inicia um novo perodo de ascenso econmica em Rondnia modificando profundamente as relaes entre os diversos agentes, tanto em mbito local quanto regional.

    Definimos como recorte temporal do estudo o perodo entre 1990 (aps os projetos decolonizao das dcadas de 1970 e 1980) e 2010 (PAC-1). Em nossa anlise, porm,focalizamos o PAC-1 (2007 a 2010), no eixo Infraestrutura Logstica e Energtica, quecorresponde ao Plano Plurianual (PPA) 2008-2011 referente ao segundo mandato do presidente Lula, assim como as transformaes territoriais consequentes de seus projetos.Com nfase no estado de Rondnia, investigamos desde as formas de incorporao daAmaznia ao contexto econmico e poltico do pas, passando pelas polticas ambientais dadcada de 1990, at chegarmos ao atual cenrio de megaempreendimentos e grandes obras.Algumas hipteses nos nortearam: a) a ideia de que os projetos de infraestrutura at o final dadcada de 1980 serviram de base para a atual configurao territorial que se forma no estado, b) a poltica ambiental, aps os programas de colonizao, teve um efeito de conservao dereas com floresta, sendo um obstculo ao grande avano do capital produtivo, restando hojeapenas as unidades de conservao e demais reas protegidas c) o PAC d continuidade a um

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    ABSTRACT

    BORGES, Luciana Ria Mouro.Territorial Politics at the Border: The Program ofAccelerated Growth and changes in Rondnia at the beginning of the XXI century.Dissertao de Mestrado. So Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas,Universidade de So Paulo, 2012.

    Based on the thought of how the Brazilian government formulates its strategy and economic

    policy for the occupation, exploitation, development and incorporation of territories in thecountry, this study aimed to understand what the new territorial configuration in Rondniafrom the Program for Accelerated Growth (PAC). To this end, we intend to analyze theimportance of this program in the transformation of that states territory, which currentlyreceives two major infrastructure works of the Federal Government: the Santo Antonio andJirau hydroelectrics. We assume that from the 2000s begins a new period of economicupswing in Rondnia modifying deeply the relationships between various actors, both locallyand regionally. We defined as the time frame of the study the period between 1990 (after the

    colonization projects of the 1970s and 1980s) and 2010 (PAC-1). In our analysis, however,we focused on PAC-1 (2007-2010), in the Logistics and Energy Infrastructure axis, whichcorresponds to the Multiyear Plan (PPA) from 2008 to 2011 for the second President Lulasterm of office, as well as the territorial changes resulting from their projects. With emphasison the state of Rondnia, we investigated since the ways of incorporating the Amazon to theeconomic and political country context, through the environmental policies of the 1990s, untilwe reach the current scenario of megaprojects and great works. Some hypotheses have guidedus: a) the idea that the infrastructure projects by the end of the 1980s served as the basis forthe current territorial configuration that is formed in the state, b) environmental policy, afterthe colonization programs, had a effect of conservation areas with forest and a great obstacleto the advancement of productive capital, leaving today only conservation areas and other protected areas, c) the PAC continues a new period of government programs initiated byFernando Henrique Cardoso in the second half the 1990s repeating infrastructure projects that

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    LISTA DEILUSTRAES

    Figura 1: Localizao da rea de estudo (estado de Rondnia RO, Brasil) 24Figura 2: Nmero de estabelecimentos agropecurios por unidades entre 1970 e2006 em Rondnia

    52

    Figura 3: Projeo das futuras e principais linhas de transmisso de energiahidreltrica no Brasil em 2010

    57

    Figura 4: Mapa das rodovias projetadas para Rondnia na dcada de 1980 58

    Figura 5: Primeira aproximao do Zoneamento Scio-Econmico Ecolgico deRondnia em 1990

    90

    Figura 6: Segunda aproximao do Zoneamento Scio-Econmico Ecolgico deRondnia em 2002

    91

    Figura 7: Taxas de desmatamento anual em Rondnia entre 1988 e 2010 93Figura 8: Efeitos do Complexo do Madeira na sociedade local 105

    Figura 9: Indstrias de construo civil instaladas em Porto Velho-RO 111Figura 10: Implantao da logstica de transportes em Rondnia durante o perodoentre 1995 e 2002

    118

    Figura 11: Implantao da malha energtica de Rondnia durante o perodo entre1995 e 2002

    119

    Figura 12: Ligaes intermodais e previso de investimento em transportes peloPAC na regio Norte

    123

    Figura 13: Gerao e transmisso de energia eltrica pelo PAC na regio Norte 124Figura 14: Obras das linhas de transmisso Madeira-RO-Araraquara-SP emRondnia

    125

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    Figura 27: Obras em Mutum-Paran 153

    Figura 28: Vila de Nova Mutum-Paran 153Figura 29: Transformaes espao-temporais no entorno da usina de Jirau elocalidades de Mutum-Paran e Jacy-Paran

    154

    Figura 30: Obras do terminal porturios do Cai ngua em Porto Velho-RO 158Figura 31: Populao residente entre 1990 e 2010 em Rondnia 166Figura 32: Plano Decenal 2011-2020 da Distribuio Rondnia de Energia 168

    Figura 33: Conjunto de Regionais do Estado de Rondnia 171Figura 34: Mdia de participao do PIB a preos correntes da unidade dafederao entre 1999 e 2009 em Rondnia

    172

    Figura 35: Mdia do Produto Interno Bruto a preos correntes de 1999 a 2009 emRondnia

    173

    Figura 36: Produto Interno Bruto a preos correntes entre 1999 e 2009 emRondnia

    174

    Figura 37: Lavoura temporria de soja entre 1990 e 2009 em Rondnia 176Figura 38: Produo de Milho em Rondnia 177Figura 39: Efetivo bovino da pecuria entre 1990 e 2009 em Rondnia 178Figura 40: Distribuio das atividades econmicas agroindustriais em 2011 emRondnia

    179

    Figura 41: Construo de novos prdios em Porto Velho 186

    Figura 42: Cartaz de divulgao da construo do Loteamento Bosques doMadeira na cidade de Porto Velho-RO 188

    Figura 43: Localizao do Loteamento Bosques do madeira prximo s futurasi t l d hid lt i d S t A t i P t lh RO

    188

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    FI-FGTS Fundo de Investimento do Fundo de Garantia por Tempo de Servio

    FIERO Federao das Indstrias de RondniaFIESP Federao das Indstrias do Estado de So PauloFIP Fundo de Investimentos e Participaes Amaznia EnergiaFMI Fundo Monetrio InternacionalFNO Fundo Constitucional de Financiamento do NorteFUNAI Fundao Nacional do ndio

    FURNAS Furnas Centrais Eltricas SAGDF Suez Gaz de France e SuezGICOM Grupo Industrial do Complexo Rio MadeiraIBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenovveisIBGE Instituto Brasileiro de Geografia e EstatsticaICMBio Instituto Chico MendesIHU Instituto Humanitas UnisinosIIRSA Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional Sul-AmericanaIMMA Indstria Metalrgica e Mecnica da AmazniaIMV Instituto Madeira VivoINCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma AgrriaINPE Instituto Nacional de Pesquisas EspaciaisIPEA Instituto de Pesquisa Econmica AplicadaIPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional

    d b

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    PIN Programa de Integrao Nacional

    PLANAFLORO Plano Agropecurio e Florestal de RondniaPOLAMAZNIA Plos Agropecurios e Agrominerais da AmazniaPOLONOROESTE Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do BrasilPPA Plano PlurianualPPG7 Programa Piloto para a Proteo das Florestas Tropicais do BrasilPRODES Programa de Clculo do Desflorestamento da Amaznia

    SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da CinciaSEAGRI Secretaria de Estado da AgriculturaSEBRAE Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas EmpresasSEDAM Secretaria de Estado do Desenvolvimento AmbientalSEDES Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econmico e SocialSEMA Secretaria do Meio Ambiente

    SENAI Servio Nacional de Aprendizagem IndustrialSEPLAN Secretaria de Estado do PlanejamentoSETUR Secretaria de Estado de TurismoSFA/RO Superintendncia Federal de AgriculturaSIDRA Sistema IBGE de Recuperao AutomticaSIMPI Sindicato das Micro e Pequenas Empresas de RondniaSIN Sistema Interligado NacionalSINE Site Nacional de Empregos

    d d

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    SUMRIO

    AGRADECIMENTOS vRESUMO ixABSTRACT xLista de Quadros xiLista de Ilustraes xiiLista de Siglas xiv

    INTRODUO 18CAPTULOI RONDNIA, TERRITRIO EFRONTEIRA: AS DINMICASTERRITORIAIS EMRONDNIA NOSC. XX

    42

    1.1. As polticas territoriais para Rondnia no sculo XX 421.2. A linha do telgrafo, a BR-364 e o novo Eldorado 471.3. O Estado enquanto agente modernizador da fronteira 591.4. As redes tcnicas e a configurao territorial 651.5. As dinmicas e as transformaes territoriais em Rondnia 70CAPTULOII O CONTEXTO DA PS-COLONIZAO E O ORDENAMENTOTERRITORIAL EMRONDNIA NA VIRADA DO SC. XX PARA OXXI

    76

    2.1. O Banco Mundial e a criao do Planafloro 802.2. Novo ordenamento territorial em Rondnia: o ZSEE-RO 882.3. As novas polticas territoriais e o avano do Brasil 942.4. As novas polticas territoriais II: Rondnia e a acelerao do crescimento 99CAPTULOIII O INCIO DO SC. XXI E A NOVA FRONTEIRA DO PROGRESSO EMRONDNIA

    108

    3.1. As aes federais para Rondnia 1153.2. O Programa de Acelerao do Crescimento 121

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    Em nosso recorte analtico, selecionamos o PAC-1 (2007 a 2010)1 que corresponde ao

    Plano Plurianual (PPA) 2008-2011, referentes ao segundo mandato do presidente Luiz IncioLula da Silva, assim como as transformaes territoriais consequentes de seus projetos, o quecorrobora com nosso recorte espacial.

    Para a temporalidade definida no estudo, embora tenhamos mencionado ser nosso focoo PAC-1 anteriormente, optamos por adotar desde a dcada de 1990 at a execuo do programa citado (foco maior de nosso estudo). Aps a execuo de programas de colonizaoe demais polticas territoriais, em especfico a partir do final da dcada de 1980, houve umaletargia econmica e poltica em Rondnia quanto a investimentos em polticas territoriais.Assim, para que pudssemos entender o que antecedeu diretamente o PAC, selecionamos o perodo entre 1990-2010 para nossa anlise. Estreitando nosso enfoque, visamos entenderqual a nova configurao territorial de Rondnia na virada do sc. XXI, em funo do PAC2.

    Em seu discurso, proferido por ocasio da visitao s obras da usina hidreltrica deJirau, obra inclusa no conjunto de projetos do PAC, em 13 de agosto de 2010, o ento presidente Lula refere-se a essa obra como sendo parte de um conjunto de projetosextraordinrios que o Brasil no tinha h muitos anos, onde se empregaram milhares dedesempregados, e proporciona o crescimento acelerado e o desenvolvimento econmico do pas. Alm disso, o referido discurso mostra que o Brasil um dos pases do mundo a ter o

    maior potencial hidroeltrico, alm de possuir 85% de energia eltrica limpa, em relao aos pases do primeiro mundo3.

    Vi d d t i h l t fi d h d d l i t4 t

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    realidades locais das obras especficas dos projetos. Ao nos determos a analisar o eixo

    Infraestrutura Energtica e Logstica, tambm parte de nosso recorte analtico, veremos que odiscurso oficial, tendo como base o desenvolvimento econmico nacional5, no contempla,necessariamente, as complexidades que envolvem o PAC em escala local, mascarando seusefeitos, sobretudo sociais.

    Ancorando a anlise no conceito de configurao territorial, procuramos compreendercomo as polticas territoriais governamentais influenciam o lugar com a criao de novosobjetos no espao, novas empresas, novos agentes e sujeitos, alm de desestruturar ereestruturar toda a dinmica local. Podemos observar a um paradoxo, pois quando seconstroem novas relaes determinadas a partir de grandes empresas e corporaesconsideradas modernas, relaes antigas, vivncias, hbitos e razes so amplamentemodificados.

    Os aspectos norteadores da reflexo sero as obras (estas sendo principalmente derodovias e hidreltricas), a configurao territorial decorrente desses grandesempreendimentos e a origem de seus projetos que envolvem os interesses dos diversosagentes e sujeitos.

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    POR QUE1990-2010?

    O recorte temporal aqui estabelecido remete a um perodo que caracteriza um novoboom de crescimento no estado de Rondnia, diante, principalmente, de investimentosfederais e internacionais, na produo da soja, em modais virios (como hidrovia e rodovia) e projetos de gerao de energia. Todavia, esses investimentos ressurgem somente na segundametade da dcada de 1990, sucedendo um perodo de recesso econmica tambm apsgrandes projetos das dcadas de 1970 e 1980.

    POR QUERONDNIA?

    Estudar Rondnia possui diversos significados. Apesar de no nascerem nesse estado,

    muitos de seus moradores puderam assistir s diversas transformaes territoriais queocorreram durante um tempo recente, processos que foram se acumulando e tendo novasfunes a cada perodo. Muitos filhos de migrantes, nascidos ou no nesse territrio,conhecem a fundo a histria daqueles que viajaram do Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul brasileiros em busca de oportunidades, fosse para ter uma terra ou trabalhar na cidade, masque rapidamente criaram os costumes rondonianos6.

    Logo, possvel a partir da o estabelecimento da relao com omeu lugar 7 , conceitoeste trabalhado dentro da Geografia como um espao onde o homem estabelece suas razes e

    d lt E it h d t t b lh i h i

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    Na margem direita desse rio se localiza a capital Porto Velho e possui um importante

    significado geogrfico por ser o maior afluente do rio Amazonas, abastecer as localidades noseu entorno, e pelo papel geomorfolgico que desempenha em toda a bacia amaznicaconsiderando a quantidade de sedimentos e biodiversidade que carrega consigo.

    Porm, mais que isso, o significado cultural que o rio Madeira possui, considerando oimaginrio da populao que dele depende para a retirada de sua subsistncia e para ofortalecimento ainda maior de suas razes com o seulugar . E essa relao com o rio Madeira, pelo menos para alguns desses viventes ainda mais profunda. Nesselugar teve incio basicamente toda a histria de Rondnia com a chegada dos primeiros bandeirantes logo nosculo XVI. Na sequncia dos eventos houve a construo da Estrada de Ferro Madeira-Mamor (EFMM), os ciclos da borracha, o surgimento de atividades garimpeiras e dos ciclosagrcolas de colonizao, embora alguns sculos mais tarde.

    Sendo o programa mais recente da poltica brasileira (segunda metade da dcada de2000, se estendendo pela dcada de 2010 atravs do PAC-2), contempla-se o estado deRondnia com as obras de um grande complexo hidreltrico, linha de transmisso de energiaeltrica, ampliao da malha viria, pontes e outras pequenas obras. Essas, por sua vez,contribuem para o aumento da arrecadao estadual, ampliao do comrcio, surgimento daindstria e servios do setor da construo civil, crescimento demogrfico acelerado,

    empregos temporrios, especulao imobiliria, encarecimento de produtos e servios, entreoutros fenmenos.

    R d i t b i di dif i i i it l

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    E considerando o perodo recente, estudar Rondnia significa responder a questes

    como Por que esto construindo um prdio naquele quarteiro? ou Por que esto chegando cidade tantas pessoas diferentes?. A princpio, parecem questes simples, com umcontedo previsvel para suas respostas.

    Essas primeiras inquietaes, mesmo com um tom simplrio, nos levaram a fazerquestionamentos mais complexos e a verificar que estudar Rondnia implica compreender aformao de sua sociedade. Transferindo para uma escala geogrfica nacional e considerando

    as diversas aes estatais sobre esse territrio, implica tambm entender como funciona boa parte do sistema poltico e econmico brasileiro. Leva-nos a estudar omeu lugar , onde em pouco menos de dez anos (2000-2010) surgiram novas obras, pessoas, empresas, muitosautomveis, dinheiro em montantes elevadssimos, sobretudo criou novoslugares.

    Certamente j houve outras transformaes de envergadura semelhante, tais como

    programas de colonizao, obras para exportao de produtos, construo de ferrovias,atividades de minerao, todas com um impacto territorial e populacional muito grande.Porm, aps cerca de vinte anos, uma nova onda de investimentos ainda maiores que esses oracitados se mostra no estado, com impactos mais imediatos que anteriormente, equipamentosterritoriais ainda mais complexos e grandes corporaes se instalando de fato nesse lugar.Contudo, esses novos elementos no espao nos instigaram a querer compreender de onde

    migraram e o que na cidade fazem.Assim, dentro de nossa proposta de pesquisa, tendo como principal questo as

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    s/

    LegendaDelimitaoestadualDelimitaomunicipalRodoviasfederais

    Sedesmunicipaisrea de florestareaurbanizada,desmatadaoucomagropecuria

    s/ escala.

    Localizao do Estado de Rondnia-R

    Figura 1: Localizao da rea de estudo (estado de Rondnia RO, Brasil).Criado com ArcGIS, Base Cartogrfica da Sedam, Sistema de Coordenadas Geogrficas DATUM SAD69.Organizado por Luciana Ria Mouro Borges.

    Para tanto, tendo definido o recorte temporal entre 1990 e 2010, e tendo o pressupostode que Rondnia passou por diversas transformaes ao longo do tempo de maneira

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    O Governo Federal, sob os dois mandatos do presidente Luiz Incio Lula da Silva

    (2003-2010), extraiu do PPA parte dos investimentos e, a partir disso, foram selecionados projetos para comporem o PAC Infraestrutura, este por sua vez subdividido nas categorias deenergia, logstica, social e urbano.

    Sero considerados aqui os projetos que antecederam os atuais e os que esto emimplantao, levando em conta tambm as estruturas que esto surgindo que no pertencemao conjunto de obras do PAC, tais como a pavimentao de rodovias em Rondnia (no caso

    da sada para o Pacfico, estradas vicinais estaduais, etc.). H tambm o projeto de um novo porto em Porto Velho a fim de dinamizar o escoamento atravs da hidrovia do Madeira, bemcomo o surgimento de pequenas centrais hidreltricas no interior do estado (alm de muitasempresas e a indstria da construo civil, que esto se estabelecendo em decorrncia desseconjunto de obras).

    Considerando a amplitude dessas intervenes em sua totalidade e a demasiadacomplexidade que esse momento representa para o estado (alm de serem novos, esto em processo de transformao), os referenciais bibliogrficos e o estado da arte dos registrosacerca dessas questes, ainda se fazem restritos. H poucos livros, teses e dissertaes sobre otema, ao passo que h a existncia de artigos cientficos, no-cientficos e captulos de livrosdesde 2010. H muitos registros em meios de comunicao da mdia, eletrnica ou impressa,

    que tm divulgado, tambm dentro de limitaes, os acontecimentos acerca das obras do PACem Rondnia.

    R h d i di li it i t t d i t

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    foram elencadas e analisadas a partir dos censos do IBGE para a anlise de quais delas se

    desenvolveram mais nesse perodo;- Sistematizar informaes advindas das anlises visando destacar as principais redes tcnicase seus conflitos atuais para auxiliar no planejamento e na gesto do territrio de Rondnia.

    Para tanto, buscamos compreender que a nova configurao territorial em Rondniasurge com um conjunto de novos sujeitos, estes representados pelo setor do comrcio e da

    indstria, aliados a agentes econmicos com mais fora no mercado (leiam-se comrcio,indstria e agropecuria), impulsionados pelas obras (leiam-se hidreltricas, linhas detransmisso, ampliao de rodovias e pontes). So criadas novas redes tcnicas territoriais quese retroalimentam, com interesses que se materializam territorialmente e geram novosinteresses, criando cada vez mais novas complexidades de objetos e equipamentos no

    territrio. So novos investimentos, principalmente para o setor energtico e de transporte, e,devido a isso, os demais setores da economia do estado esto se potencializando e seguindo omesmo ritmo de crescimento.

    Selecionamos alguns referenciais tericos, conceituais e metodolgicos para auxlioem nosso recorte analtico. Diante da necessidade investigativa do trabalho, foram elencadosalguns conceitos bsicos e imprescindveis para o auxlio fundamentao de questes

    envolvendo Rondnia neste trabalho. Procuramos entender a relao do Estado brasileiro comas Polticas Territoriais e estabelecer um dilogo com os conceitos principais de Territrio,F t i R d T i Di i T it i i C fi T it i l E t bj t

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    concreto. Na realidade local estudada, as redes so estruturadas em funo dessas Obras e

    correlacionadas enquanto elementos territoriais estruturantes.Entendemos as Dinmicas Territoriais como sendo, por meio das Redes Tcnicas e das

    Obras, basicamente estimativas de mobilizao, crescimento e decrescimento populacionais,atividades econmicas e fluxos territoriais a partir do escoamento de produtos e em funo dosurgimento de novos agentes econmicos8.

    Finalmente, o conceito de Configurao Territorial aqui entendido como

    fundamental no estudo, visto que se intentou compreender a nova configurao territorial deRondnia, tendo como variveis as polticas, os agentes e sujeitos, as obras, as redes e asdinmicas territoriais.

    UMA QUESTO METODOLGICA

    Antes de se pensar em um elenco de procedimentos de pesquisa, foram necessriasalgumas investigaes acerca do mtodo e das tcnicas de pesquisa que compem nossos procedimentos metodolgicos. Isso permitiu a reflexo de que para a execuo do estudo aqui proposto so necessrias ferramentas que transitem do mtodo, este tido como a viso demundo do pesquisador, s tcnicas de pesquisa, ferramentas que auxiliam o pesquisador em

    sua leitura da realidade, neste caso a estudada.Existem dentro da prpria Geografia, sobretudo a brasileira, vises distintas quanto

    f d b d t d d d t i tili d i M

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    Especialmente para as cincias que trabalham com os mais diferentesaspectos do mundo real, como a Geografia, a Biologia, a Sociologia, entre

    tantas outras, as tcnicas exercem um importante papel no processo de produo cientfica, auxiliando o pesquisador na obteno e sistematizaode informaes que iro subsidiar os argumentos, atribuindo-lhesconsistncia e objetividade. Em outras palavras, o uso das tcnicas possibilita obter dados sobre a realidade que embasaro os caminhos percorridos pelo mtodo. Se o mtodo, que dispe de fundamentao terica,auxilia o sujeito na organizao do raciocnio, as tcnicas, por sua vez, oauxiliam na organizao das informaes que o subsidiaro. Se teoria e omtodo so processos desenvolvidos no plano do pensar, a tcnica

    desenvolve-se no plano do fazer.

    Observando as necessidades da pesquisa e os caminhos a serem seguidos pelo pesquisador, optamos por diferenciar mtodo de pesquisa e tcnica, como dois elementosfundamentais para a construo, e da mesma forma fundamentais um para o outro. Assim,durante o trabalho de dissertao, direcionamos a questo metodolgica da pesquisa de

    modos: i) o mtodo; ii) as tcnicas; iii) as etapas da pesquisa; iv) o trabalho de campo.

    i) O mtodo

    Entendemos que o mtodo do pesquisador comporta toda a sua bagagem terica,filosfica, emprica e mesmo poltica (claro que todas nos seus devidos nveis e propores).Existem diversos mtodos de anlise da realidade. Contudo, verificamos que, neste estudo, aviso de mundo que tem conduzido a observao e a investigao permeia por uma viso

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    Ao retratar uma realidade que est em constante transformao e movimento, como no

    caso de Rondnia, selecionamos e consideramos essa leitura pertinente, uma vez que se buscam as principais contradies, sendo esses os produtos desse prprio movimento aomesmo tempo em que o produzem o movimento.

    Decorrente dos estudos de Marx e Engels a partir de uma crtica dialtica de Hegel9,essa perspectiva surge de forma imprescindvel para o entendimento do capitalismo. ParaOctavio Ianni (1982, p. 9), "A teoria marxista da sociedade comea por ser,

    fundamentalmente, uma teoria crtica radical da sociedade capitalista. Do mesmo modo,

    (...) todos os trabalhos de Marx so, fundamentalmente, a interpretao decomo o modo capitalista de produo mercantiliza as relaes, as coisas e as pessoas, em mbito nacional e mundial; ao mesmo tempo que desenvolve assuas contradies. (...) Da mesma forma que o modo capitalista de produo,a dialtica marxista funda-se nas relaes de antagonismo. O princpio dacontradio governa o modo de pensar e o modo de ser. (...) Em essncia, ocapitalismo (...) mercantiliza as relaes, as pessoas e as coisas (IANNI,1982, p. 17).

    A viso dialtica da realidade permite compreend-la em sua totalidade, embora estaseja de grande complexidade, e reconhecer que, devido a essa complexidade, necessrio eimportante saber que (...) a modificao do todo s se realiza, de fato, aps um acmulo de

    mudanas nas partes que o compem (...). A totalidade mais que a soma das partes que aconstituem (KONDER, 1986, p. 37-39). A concepo da dialtica consiste na compreensoda realidade enquanto essencialmente contraditria e em permanente transformao

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    relao de movimento, determinado pelos agentes em funo dessas interaes, sobretudo

    pela dinmica e pela lgica estabelecidas nas relaes capitalistas.Tambm no h a pretenso de se apreender todo o sistema que existe em Rondnia,

    mas de compreender partes selecionadas, concordando com os recortes feitos para o estudo,sendo possvel estabelecer uma aproximao da totalidade, e, mais que tudo, reconhecendoexistir uma complexidade dialtica. Ainda seguindo esse raciocnio, Santos (2009, p. 116) do seguinte exemplo:

    Cada coisa nada mais que parte da unidade, do todo, mas a totalidade no uma simples soma das partes. As partes que formam a Totalidade no bastam para explic-la. Ao contrrio, a Totalidade que explica as partes. ATotalidade B, ou seja, o resultado do movimento de transformao daTotalidade A, divide-se novamente em partes. As partes correspondentes Totalidade B j no so as mesmas correspondentes Totalidade A. Sodiferentes. As partes de A (a a a... an) deixam de existir na Totalidade B; a Totalidade B, e apenas ela, que explica suas prprias partes, as partes de B(b b b... bn). E no so as partes a a a ... que se transformam em b b b..., mas a Totalidade A que se transforma em Totalidade B.

    Uma das leis da dialtica estabelece a transformao da quantidade em qualidade, emque (...) processam-se alteraes setoriais, quantitativas, at que se alcana um ponto crticoque assinala a transformao qualitativa da totalidade (KONDER, 1986, p. 39)10.

    Trazendo para o plano do real-concreto e atual, onde se enquadra o objeto investigadoneste estudo, as leituras aqui apresentadas permitem enxergar de que forma os elementos esujeitos se interrelacionam no espao em questo.

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    partes, nem pensa as partes abstradas do todo. Ela pensa tanto ascontradies entre as partes (...) como a unio entre elas.

    Entender a realidade de forma dialtica no significa ter as suas leis como receitas ouregras a serem seguidas, por exemplo, em um trabalho de campo. A questo est num mbitosuperior a essa simplificao, sendo possvel enxergar que existe uma complexidade sob,sobre e entre todas as possveis relaes sociais.

    Essa viso se pretende plena durante toda a investigao, quando do elenco deinstituies e agentes envolvidos no processo de nova configurao territorial em Rondnia,nas suas relaes, no estabelecimento de novas redes tcnicas e objetos fixos no espao(caracterizados pelas obras de infraestrutura).

    A bagagem terica aqui apontada nos municia de elementos auxiliares e fundamentais forma como pode ser realizada uma leitura da sociedade e, portanto, da realidade, muito

    embora, conforme j dito antes, ainda assim seja uma viso limitada diante de toda acomplexidade da realidade aqui tratada.

    ii) As tcnicas

    Como um trabalho cientfico possui a necessidade de um mtodo que norteie asreflexes do pesquisador acerca da realidade, tambm requer a utilizao de tcnicas de pesquisa associadas ao mtodo escolhido as quais auxiliam a reflexo emprica da

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    aprimoramento de todos os seus sentidos. Ajudam-no a ouvir o inaudvel,enxergar o invisvel; permitem-lhe acessar o inatingvel e comunicar-se entre

    distncias e a velocidades inimaginveis. Sobretudo, o uso de tcnicas einstrumentos permite ao Homem prever o imprevisvel e medir o que amente humana percebe apenas de forma intuitiva.

    Para tanto, as tcnicas de pesquisa utilizadas neste estudo foram selecionadas a partirde nossa necessidade investigativa, e manuseadas tanto em gabinete quanto em trabalho decampo. Essas ferramentas se fizeram importantes, em se considerando a natureza e o tipo da

    pesquisa (VENTURI, 2005).Adotamos em nossa pesquisa tanto o carter qualitativo, por se tratar de reviso

    bibliogrfica e reflexes acerca das variveis, dos dados selecionados, interpretaes e anlisedas relaes entre sujeito e realidade, quanto quantitativo, por se utilizar dados primrios esecundrios durante a anlise, onde surge a necessidade de ferramentas como softwares que

    processam dados estatsticos. Nossa pesquisa tambm tem o carter exploratrio porconsiderar o levantamento bibliogrfico e ser um estudo de caso, em comparao comfenmenos semelhantes ocorridos em outras situaes e localidades, no estando restritaapenas descrio.

    O levantamento bibliogrfico constituiu a primeira etapa da pesquisa, tanto paraaspectos tericos e conceituais, quanto para a coleta de informaes imprescindveis acerca

    das variveis selecionadas como contextualizao do tema e do objeto. A pesquisa histrica serefere realizao do estudo de documentos oficiais, de legislaes e em sua sistematizao

    ib i j d i f bibli fi li fl

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    os roteiros de campo foram elaborados de acordo com as necessidades de observao da

    pesquisa e de forma condizente tanto com o mtodo quanto com o intuito de se poder captar omximo do emprico.As fotografias se fizeram necessrias tanto para complementar uma informao quanto

    para dizer aquilo que no possvel descrever em um simples texto, embora teoricamenteaprofundado. A fotografia registra situaes que podem ser tidas comoinsights durante otrabalho de campo. Para tanto, tambm podem ser registradas de forma aleatria e/ou

    sistemtica. A sistemtica implica um roteiro, assim como a utilizao de materiais como planilha de registro, GPS para coleta das coordenadas estas podem georreferenciar afotografia , blocos de anotao e caneta ou lpis. No caso do nosso estudo, optamos pelafotografia aleatria, porm com um roteiro semi-estruturado para ordenao dos temasfotogrficos. Logo, se estabeleceram momentos e lugares para a realizao dos registros.

    Enquanto tcnicas de interlocuo foram realizadas entrevistas semi-estruturadas comalguns agentes locais. Utilizamos essas tcnicas em trabalho de campo, quando danecessidade de obtermos informaes e dados primrios acerca dos problemas encontrados naanlise bibliogrfica em gabinete. Foi elaborado um elenco de pontos especficos a seremvisitados para verificarmos a possibilidade de realizao de entrevistas. Estas tiveram umcarter de roteiros de uma conversa, preferencialmente com agentes especficos, como

    gestores.Tambm coletamos entrevistas concedidas ao Instituto Humanitas Unisinos (IHU), a

    ti d i d t t d i t i i C i P t l

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    - Levantamento e reviso bibliogrfica terico-metodolgicos e histrico-documentais para a

    insero da rea de estudo e do tema proposto num contexto geral, bem como scio-econmico, de modo a se introduzir a discusso dos dados;

    - Levantamento de dados secundrios em instituies pblicas governamentais, para aoperacionalizao das variveis (populao, atividades econmicas, ndices de desmatamento)inseridas no recorte temporal de 1990 a 2010 (utilizando ferramentas como as pesquisasestatsticas produzidas por instituies pblicas e privadas, tais como os censos do IBGE e osmonitoramentos ambientais do SIPAM e do INPE). Esses dados referem-se situao scio-econmica e ambiental da rea de estudo;

    - Realizao do trabalho de campo;

    - Sistematizao dos dados obtidos com a base terico-metodolgica, elaborao dos produtosda pesquisa (mapas, grficos, quadros, tabelas, etc.), e a interpretao dessas informaes paraa elaborao do cenrio-diagnstico scio-econmico e ambiental da rea de estudo, com basena problemtica apresentada.

    Variveis selecionadas para o recorte analtico

    - Populao entre 1996 e 2010;

    - Crescimento urbano a partir do aumento de prdios e loteamentos habitacionais em Porto

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    iv) Descrio do trabalho de campo

    Trazendo alguns aspectos relacionados a esse momento da pesquisa, conforme citaAlentenjano e Rocha-Leo (2006, p. 56), o trabalho de campo no pode ser mero exercciode observao da paisagem, mas partir desta para compreender a dinmica do espaogeogrfico, num processo mediado pelos conceitos geogrficos.

    Entendemos o territrio construdo, antes de tudo, a partir das relaes sociais que se

    encontram em um sistema complexo de poder e de mercado dentro de escalas, aspectos quedeterminam as aes humanas. A anlise dessas relaes parte da viso dialtica sobre aforma como se estrutura o territrio, objeto de estudo em questo, sob a tica geogrfica dastransformaes territoriais (levando-se em considerao, assim, o tempo e o espao).

    Pela prpria natureza contraditria das aes que transformam o espao, estas por suavez mediadas pelas relaes entre os diversos sujeitos, optamos por direcionar o trabalho decampo para o entendimento dos principais conflitos existentes no territrio em estudo. Osresultados obtidos contribuem com elementos que sirvam para o entendimento maior darealidade estudada.

    Durante o trabalho de campo, utilizamos as tcnicas j anteriormente descritas.Visitamos quatro cidades de Rondnia: Porto Velho, Ji-Paran, Jacy-Paran e Mutum-

    Paran11. Realizamos visitas a instituies governamentais, no-governamentais e privadas(nesse caso os agentes econmicos envolvidos diretamente no processo), e procuramosid tifi di i i flit d t t t it l P t V lh

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    a) Nas instituies

    Instituio visitada* Localidade Dados, informaes e documentos coletados

    Departamento dePlanejamento (Deplan) Ji-Paran-RO

    - Fotos da ponte do anel virio de Ji-Paran- Mapas do plano diretor do municpio- Perfil socioeconmico

    Departamento deTrnsito de Rondnia Porto Velho-RO

    - Anurio de Trnsito de Porto Velho e deRondnia

    Eletrobras-Eletronorte Porto Velho-RO

    - Documentos institucionais e burocrticos- Mapas da distribuio de energia eltrica- Plano de expanso da malha energtica- Relao do consumo de energia no estado e pormunicpio

    Federao do Comrciode Rondnia(Fecomrcio)

    Porto Velho-RO- Cenrios de Rondnia- Situao empresarial- Dados e indicadores de crescimento econmico

    Federao da Indstria deRondnia (Fiero) Porto Velho-RO

    - Informaes de empregos- Atividades industriais de Rondnia e pormunicpio- Quantitativos referentes indstria- Perfil dos setores produtivos de Rondnia

    IBGE RO Porto Velho RO- Domiclios recenseados

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    Porto Graneleiro daHermasa Porto Velho-RO

    - Cartilhas contendo informaes sobre produtos eexportaes

    * Instituies visitadas em trabalho de campo.

    b) Nas estradas

    Rodoviavisitada Localidade Descrio

    BR-364Porto Velho-ROJacy-Paran-RO

    Mutum-Paran-RO

    Principal eixo de ligao do estado de Rondnia com asdemais regies do pas. Dentro do PAC, as obras acercadesta rodovia compem: a) construo de uma ponte sobreo rio Candeias prxima a Porto Velho-RO (j concluda), b)construo da travessia da capital com viadutos, c)recuperao e duplicao de trechos. No eixo sentido Acre,as obras mais significativas so as hidreltricas de Jirau eSanto Antnio. E, em todo o estado, as linhas detransmisso de energia das hidreltricas.

    BR-319 Porto Velho-RORodovia que liga Porto Velho-RO a Manaus-AM. Dentrodo PAC, esta obra consiste na construo da ponte sobre orio Madeira e na pavimentao dos trechos no permetro deRondnia.

    c) Nas demais obras

    Obra* Localidade Descrio

    Hidreltrica de Porto Velho-ROHidreltrica em fase de construo pertencente ao PAC.Localiza-se na Vila de Santo Antnio, municpio de

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    Outros momentos de coleta de dados

    Internet

    - IBGE (para coleta de dados estatsticos);

    - Pginas oficiais, para acesso a documentos oficiais do Governo, relatrios de programas e planos governamentais, e banco de dados estatsticos;

    - Pginas de jornais eletrnicos, para o acesso a matrias e reportagens relacionadas s obras;- Pginas dos movimentos sociais, para o acesso a entrevistas, matrias e reportagens tambmcom relao s obras e s aes governamentais por meio de seus programas;

    - Participao de eventos em So Paulo, para o acesso a informaes acerca do recorteanaltico do estudo, tais como o seminrio Abrindo Fronteiras e Fechando Negcios,

    realizado em 2010 pela Federao das Indstrias de Rondnia (Fiero) em conjunto com aFederao das Indstrias de So Paulo (Fiesp), e outros eventos sobre a temtica deAmaznia, com a participao de movimentos sociais, gestores governamentais, pesquisadores e professores acadmicos;

    - Multimdia audiovisual produzida enquanto matria jornalstica ou documentrios;

    - Fotografias retiradas desites com fins jornalsticos.

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    como Rondnia surgiu e se configurou no decorrer desse tempo, dando base para a nova

    configurao territorial existente hoje. Nesse caso, retornar ao perodo de Rondon implicacompreender as primeiras configuraes territoriais no ento Territrio Federal do Guapor,onde se criou com a linha de telgrafo o primeiro traado do que seria posteriormente a principal rodovia do estado, e mesmo em escala regional: a BR-36412.

    Pretendemos discorrer sobre as dinmicas territoriais em Rondnia a partir da aberturada rodovia BR-364, surgida do traado j existente da linha de telgrafo, um elemento

    importante na histria rondoniense. Buscamos compreender as tendncias de ocupao doterritrio que se seguiram na Amaznia, numa anlise macro, para ento partir para oespecfico, elaborando uma espcie de linha do tempo.

    Evidentemente, muitos trabalhos acadmicos e cientficos j discutiram esse assunto, principalmente autores conceituados como Jos de Souza Martins, Ariovaldo Umbelino deOliveira, Bertha Becker, Philip Fearnside, Herv Thry, Martin Coy, Gerd Kohlhepp, NeliMello, entre outros. Entretanto, nosso intuito de resgatar o contexto histrico amaznico deimplantao de polticas territoriais consiste justamente em no tornar o dilogo maante erepetitivo, mas em trazer um momento importante de Rondnia enquanto configuraoterritorial, e as tendncias de ocupao e utilizao do territrio, para ento chegar ao perodorecente quando se verifica uma nova configurao com a insero de novos e modernos

    agentes e objetos.Feita essa breve contextualizao, o raciocnio rapidamente segue para o segundo

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    o perodo em que se definiu como seria a nova concepo socioambiental do estado. Atravs

    de financiamentos internacionais mediados pelo Banco Mundial, o Planafloro foi o programaque definiu o Zoneamento Scio-Econmico e Ecolgico de Rondnia (ZSEE-RO), asUnidades de Conservao e a demarcao de algumas das Terras Indgenas existentes hoje.

    Fazemos referncia ao momento em que uma nova configurao territorial seestabelece, as reas de produo agropecuria comeam a se consolidar e os antigos ncleosde apoio aos assentamentos rurais dos programas anteriores passam a se transformar em

    cidades e municpios.O comeo da dcada de 1990 um marco na histria dos programas governamentais

    do pas, quando da criao e estabelecimento dos PPAs13. Os programas definidos peloEstado brasileiro se vinculam diretamente ao oramento da Unio, definido atravs da LeiOramentria, a cada 4 anos, coincidentes com os mandatos presidenciais. Entretanto, somente com o Programa Avana Brasil, do segundo mandato do governo FernandoHenrique, que novas transformaes fsicas e logsticas recomeam em Rondnia, com aampliao da BR-364 e do modal hidrovirio para o escoamento da produo agropecuria doBrasil. Esses projetos se vinculam aos Eixos Nacionais de Integrao e Desenvolvimento(Enids), atrelados ao Programa Avana Brasil.

    So as principais polticas territoriais no perodo recortado para Rondnia os PPAs e

    seus programas (Brasil em Ao, Avana Brasil, Brasil de Todos e Acelerao doCrescimento). As obras em questo, os agentes e sujeitos identificados nesse processo (tais

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    analtico de nossa investigao. Nessa parte do trabalho utilizamos a descrio como

    ferramenta para ento seguir a anlise aprofundada dos elementos encontrados, uma vez que propusemos sobreposies analticas para a identificao dos conflitos. No quarto captulo, aprofundamos os dados coletados durante todo o perodo de

    estudo, seja em trabalho de campo, seja em gabinete. Para tanto, nos atemos s variveisselecionadas para nosso recorte analtico, e tambm em conflitar dados e informaes demovimentos sociais com argumentos oficiais do governo e empresas. Realizamos uma anlise

    de modo a contemplar os seguintes aspectos (conforme as variveis do recorte analticoapresentadas anteriormente): populao, energia, PIB, atividades econmicas e aspectosurbanos e agrrios.

    Assim, procuramos mostrar com esses elementos por meio da realidade local qual ,ento, a nova configurao territorial de Rondnia a partir das obras, dentro do recorte de2007 a 2010, que se refere ao PAC-1.

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    CAPTULOI RONDNIA, TERRITRIO EFRONTEIRA: AS DINMICASTERRITORIAIS EMRONDNIA NOSC. XX

    1.1. AS POLTICAS TERRITORIAIS PARARONDNIA NO SCULOXX

    As polticas territoriais para Rondnia esto diretamente relacionadas com asimplantadas em toda a regio amaznica, uma vez que as iniciativas governamentais visavamexpandir sua atuao, dominar o territrio tido como vazio e ampliar o campo econmicodo pas. Para tanto, Rondnia entra, junto com o estado do Par e o sul do Amazonas, no focode implantao dessas polticas. So projetos de minerao, construo de ferrovias,implantao de estradas e hidreltricas, alm dos projetos de colonizao.

    Por haver nesse estado caractersticas de ocupao e polticas territoriais semelhantes

    aos que ocorreram na Amaznia como um todo, a colonizao e a explorao dos recursosnaturais constituem objetivos especficos dessas polticas, que na realidade pretendiamabastecer economicamente o pas e desenvolver socialmente a regio. Porm, os fracassosda maioria desses projetos configuraram um modelo amaznico sobre o qual se materializamdiversos conflitos territoriais. Referimo-nos dessa forma devido a essas aes terem geradouma grande degradao social e ambiental, e no terem permanecido de maneira sustentadacomo propostas eficazes para um real desenvolvimento regional. Dentro desse contexto,surgem as infraestruturas, as quais ao mesmo tempo em que permitem a colonizao,

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    da integridade do territrio, valor supremo da geopoltica nacional e pressuposto geral de todas as demais funes enumeradas. A ao

    governamental pensada como geogrfica por excelncia.

    Na Amaznia, a atuao do Estado , sobretudo, marcante no perodo que compreendeo sc. XX, e est condicionada s questes geopolticas mundiais. Nesse tempo-espao soimplantadas as primeiras polticas territoriais, as quais, em hiptese, foram a base para a atualconfigurao territorial existente nessa regio. Para isso, trazemos aqui um breve elenco

    desses principais projetos com suas respectivas cronologias (quadro 1):

    Quadro 1: Grandes projetos territoriais e obras na Amazniaentre os scs. XX e XXI

    Principais obras e projetos territoriais Data de construo*

    Estrada de Ferro Madeira-Mamor 1907-1912Linha de Telgrafo (Comisso Rondon) 1908-1915

    Rodovia Belm-Braslia 1958

    BR-364 (Cuiab-Porto Velho) 1960

    Zona Franca de Manaus 1967

    Programa de Integrao Nacional (PIN) 1970

    BR-163 (Cuiab-Santarm) 1971

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    Programa Calha Norte 1985

    Hidreltrica de Balbina 1988

    Hidreltrica de Samuel 1989

    Gasoduto de Urucu (Manaus-Coari-Urucu) 2009

    Rodovia Interocenica (Sada para o Pacfico) 2011

    Ponte sobre o Rio Negro (Manaus-Iranduba) 2011

    Hidreltricas de Santo Antnio e Jirau 2011 (em andamento)

    Ponte sobre o rio Madeira (Extenso da BR-319) 2011 (em andamento)* Datas aproximadas, extradas desites de internet , e das demais fontes bibliogrficas.Fonte: Adaptado de Becker (1990), Gutberlet (2002), Fearnside (2004), Monteiro e Coelho (2004).

    Buscamos mencionar os principais empreendimentos de grande porte implantados naAmaznia, recortando em seguida os projetos localizados em Rondnia. Seus impactos soconsiderveis, atingindo as populaes locais, bem como pelas condies difceis de trabalho para aqueles que fizeram desses projetos sua nova fonte de renda, uma vez que migraram emodificaram completamente seus hbitos de vida. Em vrias das reas de entorno das obras

    ora relacionadas e na sua instalao fsica, em muitos casos, houve a expulso de moradoreslocais. Em Rondnia, o que deu origem ao atual Movimento de Atingidos por Barragens(MAB-RO) foi a desapropriao de camponeses da rea da construo da usina de Samuel,

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    pode caracterizar essa lgica, a exemplo, so os discursos, tais como Rondnia: A novafronteira do progresso15, este divulgado em um momento oportuno, o da construo dasobras do PAC.

    Entendemos que esse programa uma nova tentativa de ocupao da Amaznia, poisas formas de atrao da populao do Centro-Sul brasileiro e do Norte-Nordeste so asapelativas promessas de emprego e melhoria de condies de vida. Podemos afirmar queesses recursos apelativos de atrao trabalhista visam atrair a mo-de-obra, minimamente

    especializada, o que no garante necessariamente condies de vida desses operrios.Da mesma forma como ocorreu com a EFMM, a construo da linha de telgrafo de

    Marechal Rondon e os programas Polamaznia e Polonoroeste vimos nessas propostas deatrao populacional e de poltica governamental muitas semelhanas, muito embora sejammomentos distintos e formas de governo distintas. Alm disso, o processo de migrao ocorreda mesma forma, com os operrios para as obras , os demais sujeitos que migram buscando tambm novas oportunidades, os agentes econmicos e polticos das empresasrelacionadas s construes, os prprios empresrios, os agentes da especulao imobiliria eda construo civil, os industririos e comerciantes, etc.

    Dentro do conjunto das polticas territoriais mencionadas no quadro 1, o mesmoocorreu, mas os processos se deram de forma diferente, uma vez que existia a explorao

    mineral ou colonizao agrcola at finais da dcada de 1990. Nesse caso h o surgimento dasempresas agrcolas e os agentes governamentais do Incra, e consequentemente o surgimentod t d d t j t t d l i i fi i d

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    constituiu no Brasil nos ltimos 50 anos, baseou-se numa forma deinterveno pblica destinada a propiciar uma ao relativamente integrada

    do capital estatal associado a capitais privados - ora nacionais oraestrangeiros. Do ponto de vista econmico, ocorriam periodicamente doismovimentos alternados: ora de crescimento econmico, ora crise e deendividamento (interno e externo).

    Assim, surgem algumas questes pertinentes, sendo possvel transitar sobre oentendimento de como essas relaes sociais determinam as aes no territrio a partir de

    interesses e projetos, e quais os agentes que fazem parte da tomada de decises polticas.A partir desse momento, a ateno se volta para a seguinte pergunta: o que motiva a

    estratgia formulada em nvel estatal/governamental para a implantao de polticasterritoriais na regio de fronteira? Partindo para uma anlise mais especfica acerca dosconceitos previamente elencados, trazemos algumas questes bsicas.

    1.2. A LINHA DE TELGRAFO, ABR-364 E ONOVOELDORADO

    Desde a chegada dos primeiros bandeirantes (no sc. XVI), a Amaznia tem sido palco de grandes transformaes territoriais. Todavia, em perodos mais recentes (sc. XX eincio do sc. XXI) as dinmicas territoriais tm se dado a partir de projetos pensados para a

    regio amaznica, como a abertura de vias de acesso, implantao de obras de infraestrutura eo estabelecimento de programas de ocupao. Nesse caso, a implantao de empreendimentosi i i i d di i i d l bili

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    era bem delimitar suas fronteiras e abrir caminhos colonizao e defesa do prprio territrio.Isso consiste num perodo ps-imprio com resqucios de um longo perodo colonial, emborao Brasil j tenha se transformado em uma repblica. As relaes polticas e econmicastambm eram outras, uma vez que o Brasil se submeteu ao Tratado de Petrpolis17 com aBolvia, derivando da a construo da EFMM para escoamento da produo boliviana viaterritrios brasileiros at o oceano Atlntico. As tentativas de integrao sul-americanasdaquela poca tambm nos levam a investigar as tentativas de hoje, tal como o surgimento da

    Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), com seuseixos rodovirios, hidrovirios e ferrovirios.

    Trazemos essa contextualizao com o intuito de resgatar o primeiro momento maisimportante da geohistria de Rondnia. Da mesma forma que esse perodo nos faz pensarsobre as aes do Estado nacional sobre aquele territrio o de Rondnia.

    poca da ferrovia Madeira-Mamor, simultnea implantao das linhastelegrficas de Rondon, imprimiam-se prticas e discursos muito semelhantes aos que temoshoje, um sculo mais tarde, num contexto econmico neoliberal de Estado moderno edemocrtico amplamente diferenciado do daquela poca. Kohlhepp (2001, p. 27) nosexemplifica, dizendo que ao nominar o Avana Brasil por eixos de integrao ou corredoreseconmicos e promover a ideia de um progresso do pas a partir de concepes do

    crescimento econmico, o Governo atual se assemelha ao do perodo militar em que seavanou para a Amaznia com a explorao de seus recursos nas dcadas de 1970 e 1980,d t P d I t N i l (PIN)

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    A partir do governo Kubitschek, foram implantadas iniciativas tais como o Plano deIntegrao da Amaznia ao longo do territrio nacional pelo Plano de Metas, bem como aconstruo de estradas e, consequentemente, escoamento de minrios como o ouro e acassiterita (NUNES, 2004; COSTA, 2000).

    Em 1956 foi decretado o Territrio Federal de Rondnia, apresentando-se como umarea completamente estagnada economicamente, apesar dos incentivos para o incremento deatividades de agropecuria e subsistncia para as poucas famlias que viviam no local, alm da

    atividade garimpeira que se iniciara em alguns pontos da regio (TEIXEIRA e FONSECA,2001; KOHLHEPP, 2002). Nesse sentido, Moraes (2008, p. 100) acrescenta que

    A regio-problema dos anos 50 desfocada ao mesmo tempo que serevalorizam os espaos de fronteira com forte incentivo ao avano dasfrentes pioneiras no Centro-Oeste e na Amaznia (...). Pode-se dizer que aocupao e ordenamento do espao atuaram como eixo estruturador do planejamento governamental no perodo militar, um planejamento autoritrioe profundamente centralizado. fcil realizar uma leitura geogrfica dosPlanos Nacionais de Desenvolvimento, assim como forte o contedo degeografia presente em outros documentos oficiais da poca como o Plano deIntegrao Nacional ou o Plano de Desenvolvimento da Amaznia, todostendo na espacializao das aes previstas o elemento de articulaointersetorial. Essa viso centrada no territrio fica bem evidente na estruturainstitucional do aparelho de Estado adotada pela ditadura, com oagrupamento de todas as polticas territoriais pela primeira e nica vez nahistria brasileira num nico rgo executor, no caso o Ministrio doInterior, que englobava agncias to distintas (como o INCRA, a FUNAI, oBNH, a SEMA, as Superintendncias de Desenvolvimento Regional, entreoutras), sendo o nexo entre tais instituies o fato de todas operarempolticas de prod o e organi ao do espao ( )

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    Empresas agropecurias e fazendeiros individuais exercem conjuntamente omonoplio da terra, dominando em termos de apropriao da terra. Na

    medida em que esto, sobretudo, interessados na realizao futura da renda,a produo agropecuria nfima em relao terra apropriada. Por sua vez,a pequena produo extremamente instvel, pois na Amaznia rpido o processo de atrao de migrantes, posse eventual da terra e contnuaexpropriao.

    Em Rondnia, verificamos que isso ocorre, sobretudo, pela expropriao e pelas terras

    com pouca fertilidade concedidas aos colonos, fatores esses que posteriormente ocasionaramemigraes, seja para retorno terra natal ou migraes internas. Isso pode ser visto a partirdo grfico a seguir (figura 2), onde observamos o aumento de estabelecimentos agropecurios(leia-se propriedades rurais) entre 1970 e 2006 em Rondnia. Podemos notar que as propriedades com menos de mil hectares tiveram seu crescimento relativamente estabilizado a partir da metade da dcada de 1980, e, ao contrrio disso, as propriedades com mais de mil

    hectares aumentaram bastante desde esse mesmo perodo. A partir dessa anlise, podemosdeter a hiptese que, de alguns dos migrantes colonos, mas principalmente os empresriosagropecurios que desembarcaram em Rondnia durante a colonizao promovida peloGoverno, muitos atuam hoje com o agronegcio em larga escala, sobretudo a agroindstria dasoja, do milho, da carne e do leite.

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    Na realidade, embora o grfico apresente que h mais propriedades pequenas quegrandes, a curva das propriedades com mais de 1000h continuou crescendo, obtendo um saltode 1985 a 2006. J as propriedades menores que esse valor obtiveram uma desacelerao emesmo estagnao de seu crescimento. Podemos entender, assim, que mesmo com umaquantidade maior de pequenas propriedades, segundo demonstra o grfico, as propriedadesmaiores continuaram a subir, o que denota uma relao direta com o latifndio e a produomonocultora agroindustrial. Para o perodo de intensa colonizao da Amaznia pelo Estado,

    Becker (1990, p. 24-25) tambm prope uma classificao a partir de dois tipos de produo eocupao da terra:

    (1) A apropriao por outros agentes pertencentes a diversas fraes docapital: (a) o capital comercial-especulativo de grande escala, a quem oEstado delegou a iniciativa do povoamento atravs da colonizao particular;(b) os fazendeiros individuais; (c) os colonos e pequenos produtoresagrcolas capitalizados.

    (2) A apropriao da terra direta pelo Estado, vinculada tanto aofortalecimento de seu poder como necessidade de legitimao, atravs: (a)da colonizao oficial; (b) da criao de territrios para sua gesto direta emreas de conflitos de terra; (c) da gesto associada empresa privada, em

    joint ventures , seja com o grande capital, seja orientado para o sentidodistributivo.

    Para tanto, segundo a mesma autora (p. 25-31), surgem os seguintes agentes: a) asempresas agropecurias, b) os fazendeiros individuais, c) os pequenos produtores, d) grileiros.Partimos da ideia de que a construo da sociedade local de Rondnia comea a partir do

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    Havia relatrios de migrao que eram produzidos diariamente pelas instituieslocais em forma de boletins, com relatos sobre todas as pessoas que chegavam de outraslocalidades. Hoje no temos mais os boletins dirios, mas tambm chega gente o tempotodo19, espontaneamente, e de todas as demais regies do pas.

    Nessa mesma poca, iniciou-se a construo da hidreltrica de Samuel. Essa, que foraconcluda em mais de 10 anos, foi projetada para, inicialmente, abastecer o estado deRondnia, este em grande ascendncia populacional e econmica, e tambm algumas

    localidades do Acre (FEARNSIDE, 2004). Esse projeto hidreltrico fazia parte de umconjunto de outras grandes obras previstas para Rondnia e para a Amaznia, dentro do Plano201020. Foram previstas barragens na Amaznia, sendo as em andamento ou j construdas,conforme tambm apresentado por Becker (1990, p. 88):

    O Plano 2010 da Eletrobras prev a construo de 79 usinas at o ano 2010,

    a maioria na Amaznia, onde esto planejadas usinas para todos os grandesafluentes do rio Amazonas. A justificativa oficial a produo de energia para abastecer o pas no prximo sculo. Na verdade, como visto, trata-se deenergia para produo de alumnio e para estimular a industrializao daregio; trata-se tambm da expanso e possvel transnacionalizao daEletrobras, na medida em que poder estender sua atuao aos pasesvizinhos da Amrica do Sul atravs de sua subsidiria, a Eletronorte.

    De acordo com o Plano, as perspectivas governamentais para a construo dehidreltricas durante o perodo entre 1987 e 2010 implicavam em: a) maior atratividadeeconmica, b) necessidade de equacionamento de problemas ambientais, sociais e

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    Balbina, em Manaus-AM. Dados dos movimentos sociais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens, divulgados por Perdigo e Bassegio (1987, p. 198), mostram que, apesar dolago da usina de Samuel ser menor que de Itaipu, sua gerao de energia 59 vezes menorque esta ltima. J a usina de Balbina, considerada como um dos piores desastres ambientaiscausados por barragens, possui um lago 4 vezes maior e produz 48 vezes menos energia queItaipu. As usinas de Samuel, Balbina e Tucuru, as principais (de grande porte) na Amazniano chegam a 3.000 MW se somadas. Seus lagos, somados, so mais de oito vezes maiores

    que Itaipu, que produz cerca de 135.000 MW (FEARNSIDE, 2004, PERDIGO eBASSEGIO, 1992). Dados como esses tambm so demonstrados por Becker (1990, p. 88):

    A experincia da implantao de usinas hidreltricas indica efeitos perniciosos para o meio ambiente, decorrentes da criao de grandes lagos pelas barragens. Eles tm levado eliminao substancial de florestas porsubmerso. A construo de reservatrios como o de Balbina (Amazonas) eo de Samuel (Rondnia) demonstra que os impactos so superiores produo de energia. Calcula-se que estas barragens produziro doze vezesmenos quilowatts por rea inundada do que Tucuru, onde foram perdidos2.430 km (sic) de florestas virgens e em nenhuma destas foi feito oaproveitamento da madeira. Alm do que, tm efeitos danosos sobre a faunados rios, incapaz de viver em espaos restritos. Finalmente, no menosimportante o alagamento de terras de colonos, que so realocados, e deindgenas, o que explica sua resistncia construo das usinas de Kara eBabaquara, em Altamira, com repercusso nacional.

    O relato anterior no est distante da atual realidade amaznica e brasileira atual,embora seja de 1990. Tambm expressado no texto de Perdigo e Bassegio (1992, p. 191), o

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    que (...) as regies Sudeste e Nordeste sero grandes importadoras de energia da regio Norte, permanecendo a regio Sul como exportadora para a regio Sudeste (BRASIL, 1987, p. 40). A regio Sul j se encontrava abastecida pela hidreltrica de Itaipu, logo estava comsuprimento de energia para exportar ao Sudeste. Por sua vez, ficou a encargo da regio Norteabastecer o Sudeste, o Centro-Oeste e o Nordeste.

    O atual Programa de Acelerao do Crescimento prev a integrao de toda a malhaenergtica do pas. Est prevista a consolidao das obras de usinas projetadas desde a dcada

    de 1970, com estudos realizados poca pela empresa SONDOTCNICA/SA, incluindo-se aas usinas do Madeira e a de Belo Monte, e que posteriormente foram inseridas no Plano 2010.Aproximadamente vinte anos aps a implementao do Plano, vemos as obras que no foramexecutadas naquele momento serem construdas hoje.

    O que foi projetado no Plano 2010 est representado na figura 3 a seguir, com uma projeo da rede de transmisso em sistema de Corrente Contnua (CC), em que a regio Norte se interliga com as demais regies, exportando energia eltrica. A figura 3 foioportunamente adaptada do relatrio executivo, uma vez que aqui se compara (e se assemelhacom a atual proposta de insero das novas usinas na malha energtica do pas) com as atuaisintervenes governamentais acerca da construo de hidreltricas, como o caso do PAC:

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    Figura 3: Projeo das futuras e principais linhas de transmisso deenergia hidreltrica no Brasil em 2010.

    Fonte: Retirada e adaptada do Relatrio Executivo do Plano Nacional deEnergia Eltrica 1987/2010 Plano 2010 (BRASIL, 1987, p. 51).Organizado por Luciana Ria Mouro Borges.

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    setor primrio e tercirio da economia (leiam-se comrcio e agricultura familiar). Grande parte da populao tambm pertencia ao quadro de funcionrios pblicos.

    Essa configurao territorial se deu mesmo apesar da implantao de projetos deinfraestrutura como a hidreltrica de Samuel e a pavimentao da Rodovia BR-364. Sob esseaspecto, Fearnside e Ferreira (1985) apresentam um croqui das rodovias existentes e das planejadas para Rondnia desde o incio da dcada de 1980 (figura 4), o que poderamoschamar de uma representao da configurao territorial da poca21:

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    predatrias que geram presses ao ambiente tambm se constituem, analogamente ao passado,em procura incessante pelas drogas da natureza.

    Outro fator a se considerar est no grande Eldorado, viso esta que se tinha a cadagrande campanha acerca dos projetos que surgiram no mbito da Amaznia durante o sc.XX. Podemos considerar ento as inmeras atenes voltadas para a Amaznia atualmentecomo sendo o Novo Eldorado ou o Eldorado do Sculo XXI.

    Contudo, os programas de colonizao da poca trouxeram diversos problemas

    ambientais, o que forou o governo brasileiro, vigiado pelo Banco Mundial, a tomar providncias acerca do grande desmatamento provocado pela quantidade de colonosestabelecidos ao longo da BR-364. No se coloca aqui o pequeno campons como um viloresponsvel por destruir a floresta, mas como vtima de uma lgica de incorporao de novasreas, imposta pelo prprio sistema poltico e econmico, nacional e internacional.

    1.3. O ESTADO ENQUANTO AGENTE MODERNIZADOR DA FRONTEIRA

    Para Bertha Becker, o debate sobre a fronteira se desenvolve em torno do significadoda participao de pequenos produtores e grandes empreendimentos capitalistas, e dasconseqncias dessa participao (sic) (1990, p. 09).

    No caso de Rondnia, em especfico, temos ainda sujeitos locais, populaestradicionais e remanescentes (tais como os indgenas, os caboclos, os ribeirinhos, quilombolas

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    1990 As mesmas populaes, remanescentes migrantes, sobretudo da dcada de 1980, egarimpeiros frente ampliao da BR-364, ao crescimento das cidades, construo dahidreltrica de Samuel, ao surgimento do agronegcio e institucionalizao da hidrovia doMadeira.

    2000 Aquelas relacionadas indstria do agronegcio. Segmentos da populao que sedesenvolveram nas atividades de agropecuria e hoje detm uma grande produo nesse ramo.H tambm intensa urbanizao e crescimento urbano desordenados, populaes relacionadass hidreltricas do Madeira, que moram no entorno da hidrovia do mesmo rio, das estradas, eas que sofrem desenfreada expulso (sobretudo os ribeirinhos e populaes tradicionais), almdas que se estabeleceram nas cidades e centros urbanos.

    Somam-se, em Rondnia, quatro dcadas de entrada do capital nacional einternacional por meio de mdias e grandes empresas e de grandes empreendimentos

    (sobretudo do agronegcio e da construo civil inseridos de forma ascendente e cada vezmais acelerada). Forma-se uma fronteira que antes se caracterizava pela ao territorial doEstado, pela identificao de limites polticos e jurdicos e pelo chamado vaziodemogrfico, sendo tido como um lugar inabitado ou estagnado economicamente, e agora, porm, com uma caracterstica de desenvolvimento econmico.

    Bertha Becker faz ainda uma pertinente referncia sobre a transformao espacial queocorre na fronteira amaznica ou em um territrio tido como fronteira. No h como dissociaras relaes territoriais em uma fronteira e as escalas de atuao de diversos agentes. Sendo a

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    Associando isso ao do Governo Federal, e ainda ao estado de Rondnia como umagrande fronteira de recursos e de possibilidades, podemos compreender que os projetos deinfraestrutura consistem justamente na integrao regional, com vistas ao desenvolvimentoeconmico em escala nacional. Institui-se a criao de uma nova fronteira, sendo esta umafronteira econmica na qual se implantam projetos modernizadores, tornando-a aberta para ainsero do capital de grandes empresrios e a ampliao da malha e das redes territoriais comvistas produo econmica e acumulao, o que representa as relaes de mercado,

    produo e exportao.Por sua vez, o socilogo Jos de Souza Martins (2009) nos explica, a esse respeito,

    que se trata de uma frente pioneira, quando menciona o referencial tido pelos gegrafos. Emnossa interpretao, remetendo ao nosso recorte analtico, a frente pioneira retratada porMartins no implica apenas a incorporao de novos territrios pela atuao de novossujeitos, mas a redinamizao desses territrios j incorporados para a expanso e reproduodo capital, pela utilizao de novas tcnicas e, consequentemente, sua modernizao. O queestamos aqui chamando de fronteira econmica bem conceituado por Martins como frente pioneira, que sucede a frente de expanso, esta que remete a uma primeira ocupao. A saber,

    A concepo de frente pioneira compreende implicitamente a ideia de que nafronteira se cria o novo, nova sociabilidade, fundada no mercado e na

    contratualidade das relaes sociais. No fundo, portanto, a frente pioneira mais do que o deslocamento da populao sobre os territrios novos, mais doque supunham os que empregaram essa concepo no Brasil. A frente pioneira tambm a situao espacial e social que convida ou induz

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    Ao propor uma alternativa, o autor traz uma noo da situao de fronteira. Para ele, asituao de fronteira pressupe o conflito, sua dialtica e toda a profunda complexidade a quese remete uma fronteira. Podemos pensar dessa forma ao compreender que em Rondniaexiste uma fronteira de ressignificao, onde h o indgena com nova roupagem, h o brancolocal, campons ou ribeirinho atingido por uma obra, h os empresariados determinandonovas normas sob a hegemonia capitalista e do Estado, assim como h o negro e o brancooperrio no conjunto de relaes capitalistas e no-capitalistas, protagonistas de conflitos

    trabalhistas dentro do prprio conjunto de obras, tidas pelo discurso oficial (aqui trazido)enquanto modernizadoras.

    Concordamos com o autor e entendemos que em nosso estudo h uma situao defronteira, tal como a explicada por Martins. Entretanto, fazemos a opo de referindo-nos aessas obras atualmente em construo em Rondnia, e mesmo da expanso da indstria doagronegcio considerar a frente pioneira ou a fronteira econmica caracterizada pelaretomada de territrios, constituindo uma rea de fronteira com potencial fortalecimento dasredes econmicas e polticas, nocivas ou construtivas, que ora se estabelecem ou sereestabelecem. Forma-se uma lente selecionada para se enxergar o processo em mbitoinstitucional, identificando como se do essas relaes. Feito esse prognstico, realizamos,ento, o esforo de entender que em mbito local o conflito existe, e que a situao de

    fronteira caracterizada por tais fatores que se tornam um agravante e que qualificam essacondio de existncia conflituosa, porm no mais do contato do branco com o ndio, mas de

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    implantar rapidamente novas estruturas e como reserva mundial de energia.A potencialidade econmica e poltica da fronteira, por sua vez, tornam-nauma regio estratgica para o Estado, que se empenha em sua rpidaestruturao e controle.

    Podendo ser considerada como uma fonte global de recursos, a Amaznia constitui justamente um espao em incorporao ao territrio global/fragmentado. A fronteiraamaznica oferece amplas possibilidades expanso territorial do capital, considerando suavasta extenso, seu amplo e vasto espao. Nesse caso, o Estado pode servir como exemplo para essa questo em sua atuao variante no tempo, diante de uma conjuntura internacional eda correlao de foras sociais, repercutindo no fortalecimento de ora uma ora outra forma deorganizao na fronteira (BECKER, 1982, p. 215-217).

    fronteira no se impe a existncia de uma s forma de apropriao da terra. Aapropriao do espao se d por diversas fraes do capital e estimulada pelo prprio

    Estado, conforme exemplificado, a partir da rpida implementao de projetos de integraoregional ou atravs das polticas territoriais. Inclumos tambm a apropriao direta peloEstado, diante de seu carter social e a necessidade de legitimao, incorporando a acolonizao oficial ou nacionalizao da terra (distribuio social da terra). Da mesma forma,a criao de territrios que est direcionada para a sua gesto direta em reas de conflitos deterras, e a gesto associada empresa privada uma forma mais recente de atuao nafronteira, a qual cria territrios para a explorao econmica do (pelo) grande capital ou nosentido distributivo, no caso dos projetos de colonizao (BECKER, 1982).

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    participantes de um mesmo sistema produtivo (...), e que em geral (...) [soatribudas] aos atores e aos empreendimentos que deles participam direta ouindiretamente. Tais so os casos j mencionados dos sistemasagroindustriais, nos quais formas diversas de integrao envolvem pequenos produtores familiares independentes (...) ou (...) organizados em associaesou cooperativas , grandes propriedades pertencentes s empresas lderes(...) e (...) outros segmentos empresariais (...) que atuam no fornecimento de(...) equipamentos (...), alm dos mercados de consumo final.

    Esse exemplo caracteriza bem alguns dos aspectos que compem o cenrio territorial

    dinmico em Rondnia. A questo est em compreender como se d esse processo e qual amudana ocorrida com a acelerao do surgimento dessas corporaes, a partir da dcada de1990.

    Em contrapartida, para Coy (1988), houve, no incio da ocupao e colonizao deRondnia incentivada tambm pelo Governo Federal, alguns aspectos relevantes para aorganizao do espao. Todavia, o que ocorreu foi o que o autor chamou de incapacidade dese estruturar o desenvolvimento, acarretando o processo de diferenciao territorial, deacelerao da urbanizao e o agravamento dos conflitos fundirios, tidas comoconsequncias negativas. Com os projetos implantados ao longo da BR-429 (at entosomente uma linha estreita de acesso aos lotes rurais, alm daqueles ao longo da BR-364),conflitos surgiram com a abertura de uma nova frente pioneira (MARTINS, 2009) no interior

    do estado, e sendo considerada como uma fronteira capitalista. O que se chama deincapacidade, podemos tambm interpretar por direcionamento de recursos e aes polticas

    para determinados segmentos de classe que no aquelas menos abastadas econmica e

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    recursos criados: estradas de ferro e de rodagem, condutos de toda ordem, barragens, audes, cidades, o que for. nesse conjunto de todas as coisas,arranjadas em sistema, que forma a configurao territorial cuja realidade eextenso se confundem com o prprio territrio de um pas. Tipos defloresta, de solo, de clima, de escoamento so interdependentes, comotambm o so as coisas que o homem superpe natureza. Alis, ainterdependncia se complica e completa-se justamente porque ela se dentre as coisas que chamamos de naturais e as que chamamos de artificiais.

    Entre as transformaes em Rondnia que caracterizam o perodo destacado em

    termos de infraestrutura, esto as decorrentes da ampliao da rodovia BR-364 e sua ligaocom demais rodovias vicinais, e da materializao da hidrovia do Madeira jusante de PortoVelho. Essa hidrovia visa o escoamento da produo para o Oceano Atlntico e ofortalecimento do agronegcio, tendo a produo da soja como principal destaque com suaexpanso no sul do estado (NUNES, 2004).

    A BR-364 a principal via de ligao entre Rondnia e os demais estados do pas, e,estando ligada hidrovia do Madeira, torna-se um eixo fundamental para o escoamento da produo e a integrao intercontinental no Norte do Brasil e na Amrica do Sul (com a BR-319 e a sada para a Venezuela e Caribe).

    J na primeira dcada do sc. XXI, h uma intensificao dessa dinmica territorial pela perspectiva das hidreltricas do Madeira, perodo em que esses empreendimentos

    comeam a se materializar de fato. Essas polticas so pensadas em mbito nacional por umademanda econmica global em decorrncia, tambm, do avano tecnolgico, do aumento do

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    como o surgimento de novas corporaes do ramo da construo civil, segundo dados daSecretaria de Estado do Desenvolvimento Econmico e Social de Rondnia (SEDES-RO)22.

    Dessa forma, nossa discusso caminha para a reflexo, de acordo com os processoshistricos de ocupao, sobre como se constroi a relao da sociedade com o surgimentodestas redes tcnicas inseridas no territrio, criando uma configurao territorial com aexistncia de agentes diversos. Focando a anlise no estabelecimento de redes tcnicas sob aforma de infraestruturas, podemos explorar algumas definies j estabelecidas, que nos

    permitem compreender sua dialtica.Para um melhor entendimento, as redes so compostas de toda infraestrutura,

    permitindo o transporte de matria, de energia ou de informao, e que se inscreve sobre umterritrio (...), seus arcos de transmisso, seus ns de bifurcao ou de comunicao(CURIEN, N.apud SANTOS, 2009, p. 262). Num outro aspecto, (...) as redes so formadas por troos, instalados em diversos momentos, diferentemente datados, muitos dos quais j noesto presentes na configurao atual (...) (SANTOS, 2009, p. 263).

    Encontramos em Costa (2000, p. 75) outra percepo das redes, estas relacionadasdiretamente s polticas governamentais brasileiras:

    (...) Ocorre que o resultado dessa combinao [entre determinaeseconmico-sociais e polticas territoriais], a nvel da estrutura territorial,expressa-se atravs deobjetos fixos e redes hierarquizadas, que podem serconsideradas, para fins de anlise, como redes especificamente produtivas (produo, circulao e consumo) e redesinstitucionais geografizadas,criadas ou fomentadas pelo Estado.

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    consumo. Desse modo, as categorias clssicas isto , a produo propriamente dita, a circulao, a distribuio e o consumo podem serestudadas atravs desses dois elementos: fixos e fluxos.

    Da mesma forma como percebido em Rondnia, verificamos na explicao deSantos (2009, p. 274) que so criados objetos, e, somados aos lugares, tm como funo aviabilizao da fluidez. Da a existncia de infraestruturas de transporte, comunicaes eenergia, a partir dos quais so criados polos empresariais e industriais urbanos, onde (...)

    Esses objetos transmitem valor s atividades que deles se utilizam. Nesse caso, podemos dizerque eles circulam. como se, tambm, fossem fluxos.

    Assim, podemos entender que em conjunto com esses fluxos e objetos fixos noterritrio, so criadas redes de forma sucessiva para que se possa produzir cada vez mais,gerando desse modo novas configuraes territoriais, como veremos no item a seguir.

    1.5. AS DINMICAS E ASTRANSFORMAESTERRITORIAIS EMRONDNIA

    Notamos em Rondnia a intensificao de dinmicas territoriais, sobretudoeconmicas e populacionais, no momento de transio entre dois sculos (XX e XXI), umavez que predomina a a globalizao, a tecnicizao, a produo, a circulao e o consumo

    (SANTOS, 2008, 2009).Tais dinmicas territoriais so intensificadas principalmente com o advento de

    estratgias pensadas e materializadas pelo Poder Pblico em conjunto com o setor privado na

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    escoamento da produo agrcola, integrando cada eixo aos mercadosinternacionais decommodities (grifos da autora).

    Antes de existirem essas redes tcnicas dinamizadas, em Rondnia predominavam ato final da dcada de 1980 atividades bsicas de garimpo e agricultura familiar com poucaexpresso no mercado externo.

    Contudo, com o surgimento de grandes produtores de soja em regies prximas ao suldo estado de Rondnia e no Mato Grosso, os gestores pblicos puderam vislumbrar a

    definio de uma rota de escoamento atravs do rio Madeira, em Porto Velho, at o Par, deonde segue para outros pases. Inserem-se cadeias produtivas nesse contexto e novos agentesse estabelecem no territrio. A soja, que at ento era pouco produzida, alimenta a indstriado agronegcio. J no incio dos anos 2000, nos deparamos com novas estruturas projetadas:as hidreltricas do Madeira.

    Sabemos que uma das justificativas para se construir os barramentos est na produode energia, em escala nacional, e na anexao de eclusas para a ampliao do modalhidrovirio no rio Madeira. Atualmente, as discusses sobre o setor energtico tm sidoconstantes e o fornecimento energtico frequentemente associado, pelo discurso oficial, garantia do crescimento econmico.

    Todavia, essas dinmicas ora mencionadas repercutem em transformaes no

    territrio, sobre o qual surgem novos projetos territoriais, abarcando e otimizando aquelas que j existiam anteriormente. So a continuidade da BR-364 e a implantao da hidrovia do

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    estradas de rodagem. (...) O mundo todo o campo de ao dos fluxos que seexpandem com o suporte dos novos sistemas de engenharia. O interesse dasgrandes naes pela criao de grandes complexos hidrulicos, nos pases pobres naturalmente financiados pelo Banco Mundial (que o gestor dosistema em escala internacional), justifica-se na medida em que os sistemasde engenharia tm tendncia a se universalizar, pelo menos quanto a seu uso.

    Isso exemplifica o trip Territrio-Estado-Mercado, onde todas as relaeseconmicas, sociais e de poder transformam o espao e configuram o territrio. Nessecontexto atua outro trip de agentes: Poder Pblico Setor Privado Sociedade Civil25.Contexto esse em que o ciclo do capital de produo, distribuio, comercializao e consumo participa ativamente.

    Assim, o estabelecimento das redes tcnicas se torna imprescindvel para a integraodo territrio e a circulao. So redes que criam territorialidades e se apropriam do territrio.Fazem parte/pertencem a territrios e operam numa lgica no se desprendendo da

    continuidade, da contiguidade. Essas redes s existem por causa do territrio e as pessoas queas utilizam possuem tambm uma territorialidade, possuem dinmicas em seu entorno.

    As territorialidades criadas constituem o campo de ao dos agentes e sujeitos, queformam relaes dialticas entre si e com o territrio. Para Haesbaert (2004, p. 97),

    Territorializar-se (...) significa criar mediaes espaciais que nos

    proporcionem efetivo poder sobre nossa reproduo enquanto grupossociais (para alguns tambm enquanto indivduos), poder este que sempremultiescalar e multidimensional, material e imaterial, de dominao eapropriao ao mesmo tempo. O que seria fundamental controlar em

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    As obras, sobretudo as hidreltricas, trazem consigo um apanhado de novas redestcnicas, como, por exemplo, a implantao da linha de transmisso de energia e a possibilidade da navegao montante de Porto Velho, facilitando tambm o escoamento e barateamento da p