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DIONISIO JÚLIO BESKOW MÁRCIA HELENA FREDRICH DE FREITAS CONVERSANDO COM OS NOSSOS TEXTOS Primeira Edição São Paulo 2013

2013 São Paulo · um livro, com as orelhas ... Análise da modalidade por meio da reestruturação do texto ... capazes de ultrapassar e vencer os limites dos muros da

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DIONISIO JÚLIO BESKOW

MÁRCIA HELENA FREDRICH DE FREITAS

CONVERSANDO COM OS NOSSOS TEXTOS

Primeira Edição

São Paulo

2013

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CONVERSANDO COM OS NOSSOS TEXTOS

Dionisio Júlio Beskow

Márcia Helena Fredrich de Freitas

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A PAIXÃO DE BASTIÁN1

As paixões humanas são um mistério, e com as

crianças acontece a mesma coisa que com os adultos. Aqueles

que se deixam levar por elas não podem explicá-las, e os que

não as vivem não podem compreendê-las. Alguns homens

arriscam a vida para escalar uma montanha. Ninguém, nem

mesmo eles, pode explicar por que o fazem. Outros se

desgraçam para conquistar o coração de uma pessoa que não

quer nada com eles. Outros se destroem por não saber resistir

aos prazeres da mesa... ou da bebida. Alguns perdem tudo o

que têm em um jogo de azar ou sacrificam tudo a uma ideia

fixa que jamais poderá se realizar. Alguns acreditam que só

poderão ser felizes em um lugar diferente e percorrem o

mundo inteiro. E ainda outros não descansam até se tornarem

poderosos. Em resumo: existem tantas paixões quanto seres

humanos.

A paixão de Bastián Baltasar Bux eram os livros.

1ENDE, M. La historia interminable. Madri: Alfaguara, p. 12-13. Extraído

da obra de SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artes

Médicas, 1998.

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Quem não tiver passado nunca tardes inteiras diante de

um livro, com as orelhas ardendo e o cabelo caído no rosto,

lendo e lendo, esquecido do mundo e sem perceber que estava

com fome ou com frio...

Quem nunca tiver lido à luz de uma lanterna, embaixo

das cobertas, porque mamãe ou alguma outra pessoa solicita

para apagar a luz com o argumento bem intencionado de que

tem de dormir, porque amanhã precisa levantar bem cedinho...

Quem nunca tiver chorado aberta ou dissimuladamente

lágrimas amargas porque uma história maravilhosa acabou e

era preciso se despedir dos personagens com os quais tinha

corrido tantas aventuras, que amava e admirava, pelo destino

dos quais temera e rezara e sem cuja companhia a vida

pareceria vazia e sem sentido...

Quem não conhecer tudo isso por experiência própria,

provavelmente não poderá compreender o que Bastián fez

então.

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AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer a todos os professores que

colaboraram com o Projeto “Ler faz a diferença” na Escola

Estadual de Ensino Fundamental Bruno Agnes de Santa Cruz

do Sul - RS, durante o ano de 2012. Aos professores de

Língua Portuguesa que assumiram um papel importante e

determinante no desenvolvimento da Olimpíada de Língua

Portuguesa – Escrevendo o Futuro na escola, trabalhando com

os alunos, os gêneros: memórias, crônica, poema e artigo de

opinião.

Agradecimentos, em particular, ao professor da

Universidad de Buenos Aires José Antonio CASTORINA,

com quem tive a oportunidade de discutir muitos aspectos

teóricos das teorias de Piaget e Vigotsky na disciplina de

Epistemología III, desenvolvida no doutoramento na Untref,

Argentina.

Aos colegas professores, funcionários, pais e aos alunos

coautores que aceitaram o desafio de participar deste livro, o

nosso muito obrigado!

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SUMÁRIO

Agradecimentos..........................................................06

Introdução...................................................................09

1. Teorias que fundamentam a aprendizagem..........17

As contribuições de Piaget para a aprendizagem.......20

As contribuições de Vigotsky para a

aprendizagem.............................................................24

O caminho sistêmico .................................................28

As contribuições da Teoria da Autopoiese

para a aprendizagem..................................................31

2. Contextualizando a leitura e a escrita....................40

A nossa negligência produziu o analfabetismo..........46

Examinando o processo de leitura.............................49

3. O texto como objeto do fazer pedagógico

na leitura e na escrita...............................................66

A leitura e as estratégias de compreensão..................72

Práticas de linguagem na escola: o texto

como objeto de aprendizagem....................................80

Os tipos e gêneros textuais.............................80

Enfoques para a compreensão de um texto....87

Enfoque no conteúdo......................................88

Enfoque na estrutura.......................................89

Enfoque no discurso.......................................90

8

4. A produção textual e a análise linguística..............93

Análise linguística da produção escrita......................98

Análise da modalidade por meio da reestruturação

do texto – intervenção em situação.........................103

Análise da modalidade por meio

de categorias – conteúdo e forma.............................108

Análise da modalidade do agrupamento do

NARRAR – elementos da superestrutura................113

5. Conversando com os nossos textos.......................118

A vivência: oficina de gênero do agrupamento

do narrar: contos, crônicas e memórias...................123

Produção textual dos alunos - 7ª e 8ª séries – entre

contos, crônicas e memórias...................................128

6. Considerações finais..............................................184

7. Referências bibliográficas.....................................191

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INTRODUÇÃO

A leitura e a produção escrita como dispositivos de

potencialização do desenvolvimento cognitivo do sujeito e de

sua inserção social e cultural nas sociedades letradas, há

muito tem sido identificada e discutida por acadêmicos,

pesquisadores e educadores sob várias correntes teóricas. Nas

discussões que se estabelecem dentro desse cenário, o papel

do “ensino-aprendizagem” da leitura e da escrita sempre se

destaca, já que é na escola que o contato com o sistema de

escrita ocorre de forma sistematizada.

É, neste sentido, que “Conversando com os nossos

textos” tem o objetivo de apresentar uma experiência/vivência

de prática didático-pedagógica realizada em turmas de 7ª e 8ª

séries do Ensino Fundamental, especificamente no que se

refere ao ensino-aprendizagem e à avaliação da linguagem

que leve o aluno a desenvolver suas capacidades linguísticas,

alargando seus próprios limites. Também queremos, enquanto

educadores, esboçar uma prática de “saber ler” os textos dos

nossos alunos, através de uma intervenção intencional em

situação, isto é, durante o processo de vir a ser, que faz

desencadear uma reflexão sobre os próprios comportamentos,

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valores e conhecimentos objetivos construídos, provocando

no aluno a busca do aperfeiçoamento e da avaliação textual.

O livro “Conversando com os nossos textos” não terá o

intuito principal de aprofundar as temáticas e conceitos

teóricos, porque os mesmos poderão ser acessados em obras

especializadas. Vamos nos ocupar apenas dos processos que

envolveram a conversação sobre a leitura e a produção escrita

de maneira específica e prática, sem com isso deixar de fazer

uma reflexão sobre os aspectos necessários para a sua

compreensão.

Para isso, buscamos em Maturana apud Boettcher e

Pellanda (2010, p. 52) a etimologia da palavra conversar.

Conversar vem do latim: cum, que significa “com”, e

“versare”, que quer dizer “dar voltas” com o outro. Dar

‘voltas juntos’ com os outros, forma um evento dialógico, um

jogo que coloca o aluno e professor num estado de

reflexão/ação sobre o objeto – leitura/texto – criando

objetivações (objetos de conhecimento). Quer dizer,

produzindo modificações que alteram o pensar/fazer até então

existentes em ambos.

Entendendo essa conversa como um processo não-

linear, mas através de rupturas e descontinuidades que se

auto-organizam nas diferentes ações de reciprocidade e

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cumplicidade entre alunos, professores, leitura e a produção

escrita. A leitura/texto, ao se deixar transformar pela

conversação/mediação/criação de pontes, provoca também

mudanças no professor e no aluno. Depois da

reestruturação/perturbação, os três sujeitos não são mais os

mesmos, porque quando conversamos nosso linguajar e o

nosso emocionar, que estão entrelaçados ou imbricados,

mudam os rumos da ação do sujeito.

O conversar, como exercício reflexivo, modifica nossa

cognição, nossos modos de conhecer. Segundo, Boettcher e

Pellanda, (2010) a cognição, o pensar e a inteligência não

funcionam como

uma faculdade que se passa somente na

interioridade de um sujeito. Somos solicitados a

pensar conforme a Ecologia Cognitiva, ou seja,

conforme uma rede aberta que constitui um

espaço de agenciamentos resultantes de

acoplamentos (homens-coisas), que gera ou

conserva modalidades de conhecer, lógicas e

práticas de aprendizagens. (BOETTCHER.;

PELLANDA, 2010, p.56)

A partir desses pressupostos introdutórios propomos

no primeiro capítulo, uma rápida apresentação dos

fundamentos teóricos que estão ancorados em princípios do

construtivismo, cujo principal representante é Piaget, e do

interacionismo, representado por Vigotsky. Alguns estudiosos

também denominam sociointeracionismo a síntese dessas

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duas teorias. Há de se considerar também a contribuição da

Teoria da Autopoiese e da Psicolinguística que nos mostram

uma inseparabilidade entre ser/fazer/conhecer/falar. Trata-se

de um sujeito implicado que pensa sobre o seu pensar, sobre

seu processo, numa atitude metacognitiva e potencializadora,

porque vai capacitando cada vez mais esse sujeito em termos

de uma complexificação crescente em espiral. As

contribuições teóricas apresentadas neste capítulo servem à

reflexão de qualquer componente curricular.

No segundo capítulo realizamos uma contextualização

do ensino de leitura e da escrita. Vamos tecer breves

considerações acerca do objetivo original do projeto de

alfabetização nas sociedades industrializadas e suas

implicações sobre o ensino de leitura na atualidade. Também

se faz necessário examinar o processo de leitura e de como se

dá a interação leitor/texto, à luz da Psicolinguística, bem

como conhecer as influências do meio que perturbam o leitor

neste processo.

No terceiro capítulo serão abordados três pontos

essenciais que devem embasar uma proposta didático-

metodológica que vise à formação do aluno para produzir e

compreender textos: a concepção de linguagem, as

implicações da variação linguística e a questão do texto.

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Quando abordaremos a questão do texto,

denominaremos conceitualmente de tipo textual, uma espécie

de sequência teoricamente definida pela natureza linguística

de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos

verbais, relações lógicas). São as categorias conhecidas como:

narração, argumentação, exposição, descrição e injunção. Por

outro lado, vamos entender gêneros textuais como realizações

linguísticas concretas definidas por propriedades sócio-

comunicativas. Textos empiricamente realizados cumprindo

funções em situações comunicativas que abrange um conjunto

aberto e praticamente ilimitado de designações concretas

determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e

função. Dessa forma, podem ser considerados exemplos de

gêneros textuais: anúncios, convites, atas, avisos, programas

de auditórios, bulas, cartas, comédias, contos de fadas,

convênios, crônicas, editoriais, ementas, ensaios, entrevistas,

circulares, contratos, decretos, discursos políticos, histórias,

instruções de uso, letras de música, leis, mensagens, notícias.

Depois de ressaltar no capítulo anterior a preocupação

com os aspectos conceituais que se referem ao ensino-

aprendizagem da leitura. O quarto capítulo se dedicará no

aprofundamento com a produção textual e a análise

linguística. Essa ordem reflete a concepção de que o ato de ler

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só se completa quando o aluno, tendo se apropriado do

conteúdo do texto lido, o transforma em escrita. Desse modo,

segue uma direção do mais genérico e teórico para o mais

específico e prático.

Expomos, de maneira resumida, três formas de como

podemos analisar e avaliar as atividades que envolvem a

prática de produção de textos e a prática de análise linguística,

destacando que todas essas práticas devem estar calcadas na

concepção de linguagem como forma de interação.

Nessas atividades, o aluno deverá estar em contato com

diferentes textos, devendo o professor criar oportunidades

para o educando refletir, construir, considerar hipóteses a

partir da leitura e da escrita de diferentes gêneros, instância

em que poderá chegar à compreensão de como a língua

funciona e à decorrente competência textual. Assim, todo o

trabalho com a língua, como o ensino da nomenclatura, de

definições, regras a serem construídas, só deverá acontecer

após a interação do aluno com o texto.

Após refletirmos sobre as atividades linguísticas que

possibilitam ao aluno uma reflexão sobre o seu próprio texto,

tais como atividades de revisão, de reestruturação e refação,

de análise coletiva de um texto selecionado. Vamos, no quinto

capítulo, apresentar a coletânea de textos – contos, crônicas e

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memórias, uma vivência construída em sala de aula pelos

alunos das 7ª. e 8ª. séries, resultado do esforço coletivo,

realizado a partir das oficinas da Olimpíada de Língua

Portuguesa Escrevendo o Futuro e tendo o referencial teórico

acima como base.

Trata-se de um projeto coletivo de leitura e de produção

escrita implementado a partir de atividades interessantes

capazes de ultrapassar e vencer os limites dos muros da

escola. O leitor somente adquire as competências próprias do

ato de ler e escrever quando bem orientado. Assim,

acreditamos que o projeto Ler faz a diferença abre caminhos

para que cada aluno possa descobrir o verdadeiro valor da

leitura, melhorando não só o rendimento escolar, mas, acima

de tudo, adquirindo as possibilidades e oportunidades de se

posicionar criticamente diante dos enfrentamentos da

realidade em que vive.

Por último, nas considerações finais, concluímos que o

acesso ao aprendizado da leitura e da escrita apresenta-se

como um dos múltiplos desafios da escola e, talvez, como o

mais valorizado e exigido pela sociedade contemporânea.

Para isso, apontaremos a análise linguística como sendo uma

prática fundamental para que o aluno aprenda a língua

refletindo sobre seus usos, ao lado dos eixos didáticos da

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leitura e da produção de textos. Consideraremos que esses

eixos estão em constante relação e que, portanto, nenhum

deles se constitui numa atividade à parte. Isso não quer dizer

que não tenham sua especificidade, na verdade, eles se

“entrelaçam”. Desse modo, o trabalho com a produção de

textos orais e escritos, assim como o trabalho com a leitura, se

constitui como um rico objeto ou instrumento para explorar

atividades de análise e reflexão sobre a língua em sala de aula.

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TEORIAS QUE FUNDAMENTAM A

APRENDIZAGEM

“É necessário que todos os educadores

dominem e tenham conhecimento profundo das

teorias que explicam a construção da

inteligência e os processos de aprendizagem

para que possam realizar mudanças

significativas na prática pedagógica e nas suas

propostas didáticas.”

“Todo educador tem por detrás do seu fazer

pedagógico uma teoria que o suporte.”

Jean Piaget

Neste capítulo vamos refletir sobre o corpo teórico, de

forma ampla, que tenta responder as seguintes questões:

Como ajudar a criança, desde os primeiros anos de vida

escolar, a construir o mundo da leitura e da escrita? Qual é a

concepção epistemológica mais adequada? Qual é o saber

teórico que o professor precisa compartilhar para poder

interferir no conflito cognitivo da criança?

Para tentar responder a esses questionamentos, vamos

trabalhar com a proposta que se fundamenta em discussões

atuais a partir das pesquisas teóricas de Piaget, Vigotsky,

Ferreiro e Teberosky e, para avançar teoricamente,