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A CARTOGRAFIA NO PRIMEIRO ANO DA
ESCOLA AUGUSTO DOS ANJOS
Edileide Maria de [email protected]
Universidade Federal de Campina GrandeSonia Maria de Lira
Universidade Federal de Campina [email protected]
1 INTRODUÇÃO
Desde os tempos mais antigos o homem tem evoluído na construção
cartográfica, a partir da busca de sua localização e memorização dos trajetos
percorridos. Estes registros são identificados através das pinturas rupestres.
Como também, a criança a partir dos primeiros anos de vida explora o espaço da
sua casa e vai se descentrando a partir das inter-relações socioespaciais que
estabelece. Mais tarde passa também a representar este espaço através de desenhos ou
outras formas de representação.
Por isso, a educação cartográfica, nas séries iniciais, é muito importante, porque
possibilita que as crianças construam o seu próprio conhecimento sobre as relações
espaciais, trabalhando a realidade cotidiana delas e permitindo que entendam o espaço
a partir da sua compreensão, apreensão e representação.
Mas, como está se dando esse trabalho nos espaços escolares? Observações em
Campina Grande, a partir do projeto de extensão “Oficinas de Geografia para
estudantes videntes e com deficiências visuais” evidenciaram que os professores das
séries iniciais não estavam contribuindo com esta alfabetização cartográfica. Contudo,
a partir do projeto se engajaram e têm favorecido para a ampliação destes
conhecimentos nos seus alunos.
Por isso, este trabalho tem o objetivo geral de analisar como o ensino de
cartografia no 1º ano do Ensino Fundamental, da Escola Augusto dos Anjos, está
sendo trabalhado, na perspectiva da construção do conhecimento geográfico. E entre
os objetivos específicos destacamos: verificar como a cartografia se insere no
primeiro ano da escola, em tela; identificar como os conhecimentos cartográficos
aparecem nas séries iniciais na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e verificar
se os recursos cartográficos táteis estão contribuindo para a construção dos
conhecimentos geográficos para os estudantes com deficiência visual.
Nesta perspectiva, para esta investigação trabalhamos com a metodologia
qualitativa, tendo o ambiente como fonte de obtenção de dados e a reflexão como
ação permanente. Ademais, usamos a observação participante a qual conforme
Moreira (2002) usa a estratégia de campo que combina a participação ativa dos
sujeitos e a observação intensiva dos ambientes, utilizando também entrevistas abertas
informais e análise documental.
Além disso, para encaminharmos a investigação utilizamos aportes teóricos da
psicologia cognitiva e de geógrafos que trabalham com o ensino de geografia nas
séries iniciais.
2 ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DAS PESQUISAS PSICOGENÉTICAS PARA A
CARTOGRAFIA ESCOLAR
Piaget e Vygotsky estudaram os processos psicogenéticos do desenvolvimento
das crianças através de suas evoluções individuais. O segundo autor ampliou estas
investigações a partir da influência social neste contexto. Ambos trouxeram
contribuições significativas de suas pesquisas para o campo pedagógico.
Desta forma, alguns autores ligados à área geográfica, utilizando-se destes
estudos, têm desenvolvido diferentes procedimentos metodológicos que favorecem a
construção dos conhecimentos cartográficos. Entre eles destacamos Almeida, Passini
e Castrogiovanni que reverberam as análises espaciais através dos enfoques
psicossociais.
Sendo assim, é fundamental que as primeiras noções de cartografia sejam
levadas à criança ainda pequena, para que ela possa avançar em seus saberes
geográficos com mais facilidade durante seu crescimento físico e intelectual. Afinal,
ensinar o aluno a visualizar o espaço geográfico sob vários ângulos, escalas e
interpretações é um grande objetivo da Geografia (ALMEIDA E PASSINI, 2013).
Conforme estas autoras a “criança constrói a função simbólica” substituindo as
palavras pelos símbolos, imagens e/ou palavras, chegando a entender o espaço
representativo. Com isso faz-se necessário que o professor busque trabalhar com os
alunos os conceitos espontâneos que os mesmos possuem (Vygotsky, 1988).
Esse processo segundo Vygotsky (op. cit.) é longo e exige acompanhamento de
mediadores para possibilitar que o aluno construa os conhecimentos e isto acontece a
partir das evoluções das crianças nas suas diferentes faixas etárias. Piaget também
reflete sobre esta evolução conceitual e destaca os processos que o indivíduo alcança
na sua evolução, os quais reiteramos alguns deles:
Um primeiro período [referente aos estádios I e II equivale às intuições pré-operatórias e] vai até mais ou menos 7-8 anos. O estádio III estende-se de 7-8 anos [nível das operações concretas] a 11-12 anos [...]. No estádio IV (que começa ao redor de 11-12 anos) assiste-se finalmente, à liberação do pensamento formal em relação à intuição [...] (PIAGET, 1993, p. 140, 144, 145)
Neste avanço cognitivo a criança se inicia explorando os espaços a partir da
motricidade e dos sentidos, numa ação entre corpo e ambiente. Estas inter-relações
acontecem desde os primeiros anos de vida. E entre os 7-8 anos ocorrem as
representações estáticas e de reversibilidade, através das operações espaciais. Estas
são as faixas etárias da maioria das crianças com as quais estamos trabalhando.
Castrogiovanni (2000) ressalta, então, que a alfabetização cartográfica deve
ocorrer a partir da construção de noções básicas como localização, organização,
representação e compreensão da construção e da estrutura do espaço produzido pela
sociedade, trazendo a questão do ensino de geografia como fator primordial para
conduzir o aluno na construção do conhecimento a respeito do espaço.
Com o domínio desses conhecimentos poderá ampliar para outras conceituações
espaciais, como por exemplo sobre a ocupação humana, o crescimento das cidades
etc. O uso de mapas, neste processo, contribui no desenvolvimento da inteligência,
tendo em vista que o uso deles exige a compreensão, a decodificação dos signos
existentes e a interpretação da realidade representada.
Quando uma pessoa aprende a entender o significado dos mapas amplia suas
visões sobre o mundo. A partir disso Almeida e Passini (2013) sugerem “que o aluno
construa mapas para se tornar um leitor eficaz”. Por isso, é necessário que antes de
trabalhar os mapas prontos sejam produzidas representações da realidade mais
próxima dos estudantes.
Ademais, é necessário que as crianças se apropriem das questões referentes à
orientação, lateralidade e localização a partir do próprio corpo e depois avancem para
os objetos. Em seu desenvolvimento cognitivo elas vão aprendendo a se posicionar
em relação aos objetos com referenciais mais coerentes e, de forma inconsciente,
estão adquirindo noções de coordenadas e perspectivas (pontos de vista, noções de
distâncias como longe/perto, em cima/embaixo, direita/esquerda, frente/atrás etc).
De acordo com Almeida e Passini (2013, p. 28) esse processo de conscientização
do espaço ocupado pelo próprio corpo possui dois aspectos essenciais: o esquema
corporal e a lateralidade. No decorrer do tempo avançará para outros elementos do
espaço como as coordenadas. E mais tarde poderá representar este espaço de forma
mais abstrata.
Algumas destas discussões aparecem também na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), a qual faremos breve abordagem a seguir.
3 BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E AS QUESTÕES
CARTOGRÁFICAS
Analisando a BNCC de Geografia para as séries iniciais do Ensino fundamental
identificamos que no 1º ano é colocado que o aluno deve “construir referenciais
espaciais para observação e posicionamentos a partir da corporeidade” (BRASIL,
2016). Estas orientações se baseiam nos pressupostos da psicogenética discutidos
anteriormente, neste texto, e demonstram a necessidade do avanço cognitivo da
criança em relação ao seu corpo e ao espaço.
Já para o 2º ano propõe-se a elaboração e leituras cartográficas, ampliando as
noções espaciais das crianças, pois nesta fase elas já estão avançando para as
operações concretas e assim, podem fazer e interpretar as representações da realidade
socioespacial dos seus cotidianos.
No 3º ano coloca-se a necessidade de se trabalhar as noções e compreensões de
reversibilidades, fundamentais para a construção das conceituações espaciais e
cartográficas. Mas, sabemos que estas apropriações não são tão fáceis de serem
apropriadas pelas crianças e, por isso necessitam de acompanhamento individual
constante por parte dos docentes.
No 4º ano a BNCC enfatiza sobre a leitura e interpretação dos símbolos e signos
que também são muito importantes para a decodificação cartográfica. E, por último,
no 5º ano este instrumento curricular traz como proposta a possibilidade do aluno
produzir e interpretar materiais cartográficos.
Mas, será que a evolução dos conhecimentos espaciais e suas representações
deveriam acontecer de forma tão fragmentada? Será que a reversibilidade não poderia
ser trabalhada juntamente à produção de simbologias e interpretação dos materiais
cartográficos?
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Sendo assim, as atividades na escola supracitada foram desenvolvidas em três
encontros. No primeiro trabalhou-se com a música “desengonçada” de Bia Bedran (a
qual aborda questões de lateralidade, espacialidade e movimento), e dinâmicas como
a do banho de papel (em que as crianças fizeram bolinhas de papel e passaram pelos
seus corpos e de colegas, conforme proposta de CASTRIOGIOVANNI, 2000).
Neste contexto, verificamos que muitas daquelas crianças tinham dificuldades
em identificar os lados: direito e esquerdo, mas foram percebendo as diferenças e até
o final da música e da dinâmica, a maioria já encaminhava a atividade com facilidade.
Ademais, é importante ressaltar que estas atividades nas séries iniciais são
importantes, pois “as noções, relações e coordenações espaciais são construídas
inicialmente através da tomada de consciência do corpo (objeto referencial) pelo
indivíduo (sujeito). É a construção do mapa corporal” (CASTRIOGIOVANNI, 2000,
p.30).
Na continuidade foram utilizados cordões (barbantes) para que os alunos
pudessem representar o “Equador Corporal”, nos quais os seus corpos eram
comparados ao planeta Terra, passando o cordão em volta da cintura, indicando os
hemisférios. Logo após eles tocavam a cabeça referindo-se ao norte e os pés
relacionando-os ao sul, conforme figura 01.
Figura 01: Hemisferização corporal
Fonte: Rocha, 2016.
Em seguida, foi proposto que ele(a)s passassem os cordões verticalmente
sobre o nariz, umbigo, costa e parte central da coluna para que fossem estabelecidos
os outros hemisférios: oriental e ocidental. Desse modo as crianças tiveram a
oportunidade de transpor as orientações de seu próprio corpo para outras referências
do Planeta Terra. E, em seguida, fazê-lo com o globo terrestre, conforme figura nº 02.
Figura 02: Hemisferização do globo
Fonte: Rocha, 2016.
Ainda segundo Castriogiovanni (op. cit), a imagem do corpo nunca está
isolada e sempre estará rodeada pela construção de ideias do corpo do outro, pois é
necessária a compreensão da posição e do movimento dos objetos exteriores não só
partindo dele, mas também da compreensão da posição e dos objetos que estão ao seu
redor em relação a outros objetos.
Dessa forma, num terceiro momento, iniciou-se a construção dos limites do
mapa corporal, propondo o desenho do corpo de um dos alunos com os braços
abertos, em planta baixa. Em seguida, foi solicitado a outros alunos (inclusive com
cegueira) que contornassem o corpo de seu colega (Figura nº 03) para que ficasse
exposto na sala. Logo após foram colocados os pontos cardeais (inicialmente as letras
iniciais e posteriormente as palavras completas). Neste contexto, houve a referência à
decodificação das palavras escritas, relacionando com a alfabetização da língua
através dos pontos cardeais.
Figura 03: Hemisferização corporal no plano
Fonte: Rocha, 2016.
Na continuidade foi questionado sobre o lado da sala de aula que recebia o sol
durante a tarde (horário que estudavam) e as crianças foram levadas a tocar o lado
externo da parede para sentirem a temperatura. Depois, voltaram à sala e foi
ressaltado sobre os pontos cardeais a partir do movimento “aparente” do sol. Neste
momento não se avançou para os movimentos da Terra.
No segundo encontro foram levadas atividades (tanto em escrita convencional
quanto em braile) para as crianças e foi retomada a música “desengonçada”.
Verificamos que quase todas as crianças estavam muito mais seguras sobre a
laterização, demonstrando que a professora havia trabalhado novamente estes
conhecimentos do decorrer dos dias. Apenas uma criança vidente demonstrou alguma
dificuldade, a qual teve o apoio individual da docente no decorrer da atividade.
Além disso, foram usados também materiais táteis através da rosa dos ventos
somente com os pontos cardeais e um desenho de um boneco de costas em alto relevo
para as crianças com cegueira total, conforme figuras Nº 04 e nº 05. Elas também
perceberam as laterizações e colaram as tarjetas em braile sem dificuldades.
Figura 04: Rosa dos Ventos Figura 05: Boneco tátil de costas
Fonte: Alves, 2016.
Neste processo, percebemos que houve avanço considerável nas conceituações
espaciais das crianças se comparamos o primeiro e o segundo encontro. E a mediação da
professora da turma foi fundamental, pois identificamos que ela havia se preocupado em
retomar os conhecimentos geográficos desenvolvidos pelos extensionistas e isto proporcionou
mais segurança às crianças no segundo encontro com as atividades escritas e táteis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As descobertas espaciais ocorrem em todas as pessoas, desde a mais tenra idade, mas
o avanço nos conhecimentos geográficos depende da escola, pois possui simbologias
que precisam ser decodificadas tanto quanto a aprendizagem da língua escrita. Como
também, são necessários aprofundamentos quanto à localização, orientação,
proporcionalidades, entre outros conhecimentos que devem ser desenvolvidos no
espaço escolar, para que a apropriação dos elementos cartográficos aconteça.
Contudo, este trabalho depende de profissionais preparados para este fim,
além de instrumentos específicos que favoreçam estes estudos, principalmente para as
crianças que possuem necessidades especiais. Por isso, é fundamental que o poder
público oportunize momentos formativos para o(a)s docentes e ofereça instrumentos
didáticos necessários a estas aprendizagens.
Além disso, a universidade tem papel fundamental na formação inicial dos
futuros docentes e o projeto de extensão, enfatizado neste texto, tem contribuído neste
processo. Como também, tem favorecido para que a investigação ocorra
concomitante.
Sendo assim, enfatizamos que os recursos táteis utilizados proporcionaram às
crianças com deficiências visuais as oportunidades para que seus processos
compensatórios fossem ativados e todas elas tiveram aproveitamento satisfatório na
construção dos conhecimentos geográficos.
Isto demonstra que o processo educacional é complexo e demanda condições
estruturais que proporcionem aspectos materiais, mas que não se descuidem do(a)s
docentes. Por isso, os diversos entes federados deveriam envidar esforços neste
sentido. Mas, para isso são necessários recursos financeiros que no contexto atual,
com os cortes de verbas para educação, poderão ser dificultados. E esta é uma questão
muito séria para a educação básica brasileira que, historicamente, não teve o apoio
necessário para a melhora de sua qualidade. Esperamos que a sociedade civil
organizada consiga reverter esta situação.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Rosângela Doin de. O espaço geográfico: ensino e representação/ Rosângela Doin de Almeida, Elza Yasuko Passini. – 15. Ed. 6º reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2013.
ALMEIDA, Rosângela Doin de. Do desenho ao mapa: iniciação cartográfica na escola/ Rosângela Doin de Almeida. 5. Ed. 2º reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2014.
BRASIL, Ministério da Educação. Base Nacional Comum. Brasília: MEC, 2016. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/conhecaDisciplina?disciplina=AC_CIH&tipoEnsino=TE_EF> Acesso em: 13 maio 2016.
CASTELLAR, Sônia. Ensino de geografia. São Paulo: Cengaje Learning, 2011. – (coleção ideias em ação/ coordenação Anna Maria Pessoa de Carvalho)
CALLAI, Helena Copetti. Noção do espaço e tempo In: O ensino de estudos sociais / ________________ (Org.)... [et al.] 2. Ver. – Ijuí: Unijuí Ed., 2002. – 152 p.: -- (Coleção Ensino de 1. Grau. Série Biblioteca do professor; 15).
CASTROGIOVANNI, Antonio. Ensino de geografia: práticas e contextualização no cotidiano/__________ organizador. – Porto Alegre: Mediação, 2000.
PIAGET, Gean. A representação do espaço na criança. Porto Alegre Alegre: Artes Médicas, 1993.
VIGOTSKII, Lev Semenovich. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.