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21 receitas para pôr regras no seu filho Eduardo Sá 1. As crianças necessitam de regras − coerentes, constantes e claras − sejam elas trazidas pela mãe ou pelo pai. 2. As regras da mãe e do pai, para serem saudáveis, não podem ser (milimetricamente) iguais. Precisam de zonas de tensão, climas duma certa aragenzinha do género: “Querem lá ver que me está a desautorizar...” e de muita manha das crianças: quer quando falam para dentro e, duma forma angélica, presumem que se o pai não disse que não (mesmo que não tenha conseguido discernir a pergunta) é porque está de acordo com ela, quer quando dizem à mãe (tipo cachorro abandonado): “Eu queria uma coisa... mas tu não vais deixar...” (que, depois de repetida três vezes, faz com que qualquer mãe diga “Sim!!!!!!” seja ao que for). Para serem saudáveis, as regras da mãe e do pai não têm que ser um exemplo de unicidade. Precisamente, unicamente, de encontrar nos gestos de um e do outro um mínimo denominador comum. 3. As regras dos pais, ao pé das dos avós, têm sempre “voto de qualidade”. Que as regras dos avós sejam açucaradas é bom; até porque traz contraditório a alguns excessos dos pais. Que em presença de um dos pais, valham as regras dos avós, não há melhor incentivo à confusão. 4. Para as regras dos pais serem apuradas, eles precisam de esgotar, de vez em quando, as quotas de parvoíce a que todas as pessoas têm direito. Pais que nunca se enganam podem ter como aspiração ser bons governantes... Mas são maus pais. 1

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21 receitas para pôr regras no seu filho

Eduardo Sá

1. As crianças necessitam de regras − coerentes, constantes e claras − sejam elas trazidas pela mãe ou pelo

pai.

2. As regras da mãe e do pai, para serem saudáveis, não podem ser (milimetricamente) iguais. Precisam de

zonas de tensão, climas duma certa aragenzinha do género: “Querem lá ver que me está a desautorizar...”

e de muita manha das crianças: quer quando falam para dentro e, duma forma angélica, presumem que se

o pai não disse que não (mesmo que não tenha conseguido discernir a pergunta) é porque está de acordo

com ela, quer quando dizem à mãe (tipo cachorro abandonado): “Eu queria uma coisa... mas tu não vais

deixar...” (que, depois de repetida três vezes, faz com que qualquer mãe diga “Sim!!!!!!” seja ao que for).

Para serem saudáveis, as regras da mãe e do pai não têm que ser um exemplo de unicidade. Precisamente,

unicamente, de encontrar nos gestos de um e do outro um mínimo denominador comum.

3. As regras dos pais, ao pé das dos avós, têm sempre “voto de qualidade”. Que as regras dos avós sejam

açucaradas é bom; até porque traz contraditório a alguns excessos dos pais. Que em presença de um dos

pais, valham as regras dos avós, não há melhor incentivo à confusão.

4. Para as regras dos pais serem apuradas, eles precisam de esgotar, de vez em quando, as quotas de

parvoíce a que todas as pessoas têm direito. Pais que nunca se enganam podem ter como aspiração ser

bons governantes... Mas são maus pais.

5. Todos os pais, de coração grande, têm (por isso mesmo) a cabeça quente. Exageram, portanto, algumas

vezes. Mesmo quando, duma forma ternurenta, mandam as crianças de quarentena para o quarto para

pensarem nas asneiras que fizeram (que, à escala do crime económico, vale tanto como desterrar um

infrator nas Ilhas Caimão para reconsiderar sobre tudo aquilo que subtraiu à margem da Lei).

6. As regras não se explicam, não se negoceiam nem se justificam. Muito menos, constantemente.

Explicação será exceção. A baliza de referência para todas as regras serão os comportamentos dos pais: não

é credível que os pais exijam aquilo que eles próprios, um com o outro ou com terceiros, não façam,

regularmente.

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7. As regras exigem-se. Não se solicitam. E essa exigência deve fazer-se de forma firme e serena.

8. Às regras não se pode chegar depois de muitas ameaças, admoestações ou avisos. E, muito menos, com

decibéis em excesso ou na companhia dum olhar assustado por parte dos pais. Se fosse assim, os pais

exigiriam serenidade e bom senso com a boca e alarmismo, inflamação e ira, com o seu olhar (ora hostil ora

assustado). E, num caso desses, as crianças assustar-se-iam e, em função disso, tenderiam a reagir como

um animal encurralado...

9. Autoridade é um exercício de bondade. Exercê-la a medo é pedir desculpa por ser bondoso.

10. Depois duma criança ser avisada duas vezes, as regras dos pais têm de se cumprir. Isto é, têm mesmo

de ser levadas a efeito. Ora, se os pais avisam e não cumprem, se avisam e reagem a uma falha com mais

avisos, ou se avisam e, de seguida, são desmedidos no exercício da sua justiça, tudo fica confuso e

inconsequente.

11. Os pais não podem zangar-se como quem promove pagamentos por conta. Na versão do velho Oeste

isso significaria: dispara primeiro e pergunta depois. Isto é: não podem zangar-se por antecipação, na

esperança de que isso promova a justiça. E não podem, diante duma mesma infração, hoje, zangarem-se e,

amanhã, nem por isso. Porque, ao acumularem zanga, deixam passar situações que precisariam de ser

claramente repreendidas para que reajam, mais tarde, diante doutras quase insignificantes. À escala da

política tributária, isso significaria zangas com juros de mora. E ninguém consegue ser justo cobrando juros

sobre juros a quem quer que seja...

12. Sempre que os pais se sentem muito magoados diante dum qualquer ato dum filho, estão proibidos de

reagir num impulso. É melhor parecerem vacilar em tempo real e, depois da mãe e do pai conferenciarem,

mais logo, ao jantar, a coima ser clara e inequívoca.

13. A regra será: sempre que o comportamento dos filhos magoe os pais eles estão obrigados a reagir.

Sempre! Magoar os pais e não ter − numa repreensão, num castigo, ou numa palmada no rabo, excecional

− uma forma de sinalizar o mal que se faz aos pais, através, da dor, como um interdito, é acarinhá-lo, por

omissão. No entanto, nenhuma criança se torna má sem que os pais - por aflição, por exemplo - não

promovam, sem querer, várias maldades.

14. Atribuir-se a culpa dos atos duma criança ao outro dos pais ou aos avós, por exemplo, é uma forma de

fugir à responsabilidade. Em caso de dúvida em relação às regras da mãe e do pai, ou dos pais e dos avós,

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todas as crianças elevam a fasquia das asneiras, na ânsia de verem os pais, sempre que elas passam por um

nível seguinte, a conseguirem ser justos.

15. Diante das asneiras das crianças, vale pouco que os pais abusem nos castigos. Se os castigos forem

ocasionais e adequados à infração, nada se perde. Se forem desmedidos ou repetidos são insensatos. Na

verdade, sempre que os pais dominam a situação, em tempo real, os castigos deixam de ser precisos logo

que os pais passam de verde para amarelo.

16. Se os pais exercem a autoridade a medo, assustam. Pais assustados, tornam as crianças assustadiças.

Isto é, capazes de reagir de forma desafiante sempre que se sentem encurraladas entre os seus medos e os

medos dos pais.

17. Se os pais exercem a autoridade de forma pesada e deprimida, assustam, também. Porque à tristeza

contida dos pais chama-se hostilidade. E essa hostilidade, associada a um ralhete, onera uma repreensão

com sobretaxas que se tornam enigmáticas (e injustas) para as crianças.

18. Se os pais, em vez de se zangarem, ameaçam que ficam tristes, estão a dizer às crianças que elas os

magoam (e isso, regra geral, elas já sabem). E, claro, que são de porcelana, quando se trata de as proteger e

reagir. Pais deprimidos são, por isso mesmo, mais abandónicos do que parecem. São amigos do queixume,

mas pouco pais, portanto.

19. Se os pais não se zangam mas amuam, estão a fazer duma família uma escola de rancores. Rancor é

ressentimento e ira, numa relação de dois em um. E isso torna os pais mais assustadores do que quando se

esganiçam e exageram.

20. Por tudo isto, é claro que por trás duma criança difícil está um adulto em dificuldades. Mas por trás

duma outra exemplar estão pais mais ou menos tirânicos. Da mesma forma, por trás duma criança certinha

está alguém mais ou menos assustado que, por exigências exageradas, ainda não pôde experimentar que a

função fundamental dum filho é pôr problemas aos pais.

21. A autoridade é um exercício de bondade. Aceita-se quando nos chega pela mão de quem nos ama ou

das pessoas que admiramos. Mesmo que as crianças, num primeiro momento, a desafiem, que é uma

forma de, por cada não (“não me doeu”, “não ouvi”, e assim sucessivamente) afirmarem (que ela só tem

sentido) duas vezes. Seja como for, a autoridade pressupõe sabedoria, bondade e sentido de justiça. E

nenhuma criança, nenhuma mesmo, a rejeita. Mesmo que ela chegue mediada por alguma dor. Ninguém

aprende sem alguma dor. Como eu gosto dizer, a dor é o sal da sabedoria.

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