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O ADN traz resultados 50 anos de progresso vistos pelos olhos dos doentes e dos seus médicos

50 anos de e dos seus médicos - apifarma.pt · ou pôr termo às mesmas, para um aconselhamento mais preciso. A questão de ponderar qual é a melhor decisão no seu caso concreto

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O ADN

traz resultados

50 anos de

progresso vistos

pelos olhos dos doentes

e dos seus médicos

A descoberta do ADN há 50 anos constituiu um dos maiores avanços científicos de

todos os tempos e criou enormes expectativas. Desde essa data, novas investigações

propiciaram-nos continuamente uma nova visão da trama da vida humana por dentro.

A celebração das bodas de ouro do ADN levanta a seguinte questão: “Como é que esta

descoberta nos ajudou a compreender as doenças e cuidar dos doentes duma forma mais

eficaz?”

O Genetic Interest Group falou com médicos e doentes para recolher as suas opiniões

sobre a forma como a tecnologia tem beneficiado os doentes e os seus prestadores de

cuidados - permitindo-nos reflectir sobre as suas experiências pessoais, bem como olhar

para o futuro e encorajar os novos desenvolvimentos que se perfilam no horizonte.

“Com os nossos especiais agradecimentos à Roche Diagnostics e à GlaxoSmithKline

por terem patrocinado este projecto. E, acima de tudo, um muito obrigado a todas as

pessoas que participaram contando a sua história” - o Genetic Interest Group

Concepção: Margaret Wall

Edição: Fran Broady

ÍNDICE:

Introdução: James Watson, em colaboração com Francis Crick, descreveu a dupla

estrutura helicoidal do ADN, que constitui a trama de todas as formas de vida, na revista

Nature em 25 de Abril de 20031. Este artigo veio culminar a investigação desenvolvida

por Maurice Wilkins e Rosalind Franklin em Londres e James Watson e Francis Crick

em Cambridge e é um dos marcos mais importantes da ciência do século XX.

ACONSELHAMENTO:

Ajudar os doentes a tomarem decisões esclarecidas

pelo Professor Marcus Pembrey

O contributo da tecnologia do ADN para o aconselhamento genético

pela Professora Shirley Hodgson

A reacção em cadeia da polimerase - um avanço no diagnóstico

pelo Professor Marcus Pembrey / Dra. Sybil Simon

A DOENÇA DE TAY SACHS (TSD)

Médica: Dra. Sybil Simon

A DOENÇA DE GAUCHER

Médico: Professor Tim Cox

Doentes: Melanie e Emily

A EPIDERMÓLISE BOLHOSA (EB)

Médico: Professor Eady

Doentes: Murray Clifford

O ponto de vista da mãe: Norah Simpson, mãe de Ian Simpson

A HEMOCROMATOSE

Médico: Dr. Adrian Bomford

Doentes: Peter Thompson e um doente anónimo

O CANCRO GENÉTICO (MEN2)

Médico: Professor Bruce Ponder

Doente: Jean Ward

A HEMOFILIA

Médico: Professor Paul Giangrande

Doentes: Chris Hodgson, Dan Jolley

O Genetic Interest Group (GIS) é uma aliança nacional de organizações de que fazem

parte mais de 150 instituições sem fins lucrativos que apoiam as crianças, as famílias e

as pessoas afectadas por doenças genéticas. O nosso principal objectivo é promover o

conhecimento e compreensão das doenças genéticas de forma a que sejam

1 NT: Sic.

desenvolvidos serviços de alta qualidade para as pessoas afectadas e que estes serviços

sejam disponibilizados a todas as pessoas que deles necessitem.

INTRODUÇÃO POR JAMES WATSON

Ao longo da história, inúmeras doenças genéticas infernizaram a vida de famílias,

causando doenças crónicas, incapacidades progressivas e muitas vezes levando à morte

prematura. Há cinquenta anos atrás sabíamos pouco ou quase nada sobre a biologia

destas doenças e as famílias pouco podiam fazer, a não ser vê-las impor a sua lei às

pessoas que atingiam.

O ADN e o nosso conhecimento em rápido e contínuo crescimento de como é que o

ADN funciona alteraram drasticamente esta situação. Como é demonstrado pelas

histórias que se seguem, a situação das famílias e dos médicos que as apoiam são hoje

muito diferentes. A investigação faz o nosso conhecimento avançar tão depressa que

cada vez existem mais perspectivas de desenvolvimento de meios de prevenção,

tratamento e cura eficaz dum número cada vez maior de doenças genéticas.

Em Abril de 1953, quando escrevemos a nossa carta à revista científica Nature, não

tínhamos a mais pequena ideia da dimensão do progresso em tão curto espaço de tempo

que viria a resultar da compreensão das mensagens contidas na hélice dupla que é o

ADN. Hoje, meio século depois, estamos prestes a ser capazes de eliminar a ameaça de

doenças genéticas que paira sobre milhões de famílias. O progresso é cada vez mais

rápido. O desafio para os próximos cinquenta anos será utilizar o conhecimento que

resulta dos nossos esforços em benefício de todos os que precisam e têm esperanças de

tratamento e cura.

[assinatura]

ACONSELHAMENTO: AJUDAR OS DOENTES A TOMAR DECISÕES

ESCLARECIDAS

“Um ponto de que nos devemos sempre lembrar é que apesar da facilidade com que

fazemos hoje análises do ADN, as decisões que resultam da análise do ADN continuam

a ser muito difíceis de tomar”.

Professor Marcus Pembrey

Um antigo Professor de Cuidados Maternos no The Institute of Child Health em

Londres, Marcus Pembrey exerceu genética clínica no Guy’s Hospital, combinando a

investigação com o aconselhamento a famílias com doenças genéticas nos anos setenta.

Em 1979, foi promovido a director da unidade de Great Ormond Street e do The

Institute of Child Health.

Quando cheguei a Great Ormond Street, não havia análises de ADN para nos apoiar no

nosso aconselhamento genético. Um distúrbio ligado ao cromossoma X, tal como a

distrofia muscular de Duchenne, ilustra a dificuldade desta situação. Mesmo hoje em

dia, trata-se dum doença grave e sem tratamento e é a forma mais comum de distrofia

muscular, afectando cerca de 1 rapaz em 3.000 a 4.000 rapazes. Aos onze anos estão

numa cadeira de rodas e aos vinte e cinco normalmente já faleceram.

Uma mulher que via o seu irmão crescer e morrer perguntava a si própria se era

portadora deste gene mutado - e se os seus próprios filhos viriam a sofrer o mesmo

destino.

O máximo que lhe podíamos dizer era que se outro membro da família tivesse sido

afectado (por exemplo, um tio), tal significava que a sua mãe era portadora do gene, o

que significava que ela tinha 50% de probabilidades de ser portadora e que qualquer

filho teria 25% de probabilidades de ser afectado. Era muito difícil, uma vez que éramos

incapazes de dizer quais eram os 50% em causa.

Nos finais dos anos setenta, já conseguíamos identificar alguns portadores do gene da

distrofia muscular de Duchenne. O doente tinha de vir três vezes ao hospital para serem

retiradas amostras de sangue. A partir destas amostras, conseguíamos medir os enzimas

que tinham sido derramados dos músculos. Se encontrássemos níveis significativos de

enzimas derramados, podíamos dizer que era altamente provável que essa pessoa fosse

portadora do gene. No entanto, esta análise não funcionava no caso da gravidez. Se uma

mulher estava à espera dum filho, não havia qualquer análise à nossa disposição para

saber antes do nascimento se o filho iria desenvolver uma distrofia muscular.

Uma alternativa era seleccionar as gravidezes de acordo com o sexo e fazer abortar

todos os fetos masculinos. Quando cheguei a Great Ormond Street em 1979, só

podíamos analisar o sexo da gravidez às 16 semanas e os resultados só eram conhecidos

às 18 semanas, o que atrasava tudo e era muito penoso para todas as pessoas envolvidas.

DESCOBRIR A PISTA DOS GENES

No início dos anos oitenta, quando o gene da distrofia muscular foi localizado numa

região do cromossoma X, passámos a poder utilizar uma técnica chamada “descobrir a

pista dos genes” para analisar os portadores. Na investigação inicial da cartografia dos

genes, podia-se utilizar o que chamámos “marcadores” no cromossoma para descobrir a

região em que se encontrava o gene responsável pela doença. Uma vez colocados no

mapa, os mesmos marcadores podiam ser utilizados em análises de “descoberta da pista

dos genes” relativos à doença em causa no seio das famílias.

Esta investigação estava intimamente ligada ao nosso trabalho com os doentes.

Contactávamos as famílias que tínhamos visto para aconselhamento e perguntávamos-

lhes se estavam dispostas a participar na investigação. Estas famílias prestaram-nos uma

colaboração preciosa na investigação e, podendo estudar grandes famílias alargadas

com uma história de hemofilia, por exemplo, conseguíamos localizar o gene e

desenvolver a análise.

OS MARCADORES GENÉTICOS

Em 1985, o Ministério da Saúde aceitou financiar desenvolvimentos especiais em três

centros: Londres, Cardiff e Manchester. A nossa missão era desenvolver, analisar e

avaliar a utilização destes marcadores do ADN no aconselhamento genético. As análises

ao nosso dispor nessa altura eram a identificação dos portadores, a exclusão dos

portadores e o diagnóstico pré-natal.

Existiam muitas variedades diferentes de marcadores e estes variavam de uma família

para outra, o que significava que tínhamos de envolver muitos outros membros da

família para identificar os marcadores específicos dessa família.

Existiam dois inconvenientes na abordagem através de marcadores genéticos. Um era

que o marcador nem sempre era exacto e havia uma pequena percentagem de erro (1% a

2%). Talvez o mais importante, eram as famílias “sem historial”. Se, por exemplo, o

rapaz com distrofia muscular de Duchenne era o primeiro na família e já não tinha pai, a

análise só podia ser efectuada à criança. Para ajudar a irmã a saber se era portadora,

tinha de se analisar o sangue doutros membros da família para descobrir qual era o

cromossoma que o gene acompanhava para definir o marcador apropriado. O

envolvimento doutros membros da família era por vezes muito difícil ou mesmo

impossível.

IDENTIFICAR OS GENES RESPONSÁVEIS PELAS DOENÇAS

Quando passámos do saber vagamente onde o gene se encontrava no cromossoma para

descobrir a sequência do próprio gene, passámos a estar numa situação muito mais

vantajosa. Podíamos comparar a sequência do gene normal com a duma pessoa afectada

e descobrir a anomalia.

Neste ponto, o ADN permitiu-nos dizer se uma determinada pessoa era portadora, e

também dizer que não era portadora, duma forma bem mais confiante. Pela primeira

vez, podíamos verdadeiramente excluir pessoas de terem ou serem portadoras da

doença. O ADN também nos permitiu desenvolver análises que podiam ser realizadas às

10-11 semanas de gravidez em vez das 18-20 semanas de gestação.

Quando fomos capazes de detectar a mutação propriamente dita, especialmente a

mutação comum da fibrose cística, passámos a poder oferecer despistagem,

particularmente a pessoas que se iam casar com membros duma família com um

historial dessa doença. Podíamos então analisar apenas uma pessoa e não toda a família.

A análise também era bastante mais precisa do que a descoberta das pistas do gene.

DECISÕES DIFÍCEIS

Mesmo quando se dão informações muito claras e precisas a uma pessoa, há decisões

muito difíceis e penosas a serem tomadas. Uma grande parte da incerteza médica tinha

sido eliminada.

Este facto afectou profundamente as pessoas a quem tinham dito nos anos setenta que

tinham uma probabilidade elevada de serem portadoras dum distúrbio ligado ao

cromossoma X e tinham decidido pôr termo a gravidezes do sexo masculino. Depois,

chegaram os novos testes e descobriram que afinal não eram portadoras.

Um ponto de que nos devemos sempre lembrar é que apesar da facilidade com que

fazemos hoje análises do ADN, as decisões que resultam da análise do ADN continuam

a ser muito difíceis de tomar. Julgo que temos sido capazes de ajudar as famílias, que

partiram dum ponto em que não tinham outra opção a não ser arriscar em cada gravidez

ou pôr termo às mesmas, para um aconselhamento mais preciso. A questão de ponderar

qual é a melhor decisão no seu caso concreto continua a ser tão difícil hoje como era

então.

ANÁLISE PRECOCE

As análises do ADN tiveram um impacto imenso sobre as famílias e também sobre as

pessoas que as aconselham. No passado, por vezes era muito triste e frustrante para nós.

Lembro-me que tínhamos de nos socorrer duma biopsia do fígado às 20 semanas de

gestação para despistar um distúrbio metabólico. Uma doente que era portadora dum

distúrbio relacionado com o cromossoma X já tinha perdido dois bebés do sexo

masculino. Veio fazer o teste pela terceira vez e teve de esperar até às 21 semanas de

gravidez, uma vez que tinha sabido por volta das 18 semanas que este bebé também era

um rapaz. Quando fui ao laboratório de bioquímica para buscar os resultados, estava

toda a gente a chorar - os resultados eram idênticos aos anteriores.

Embora fazer as análises num estádio precoce da gravidez também tenha os seus

inconvenientes, os casais beneficiam da possibilidade de tomar uma decisão privada,

uma vez que as análises podem ser efectuadas suficientemente cedo, antes que a

gravidez se torne evidente para toda a gente. Este facto alivia a pressão dos familiares

ou das pessoas que pensam duma forma diferente e podem tomar uma decisão que é

verdadeiramente pessoal sobre o que querem fazer. Hoje em dia, as análises são

normalmente efectuadas às 10 semanas e os resultados são normalmente conhecidos

dentro de 2 semanas. Ocasionalmente, mas apenas devido a razões muito ponderosas, as

pessoas podem recorrer a um diagnóstico pré-implantação.

ALIVIAR O FARDO

A exclusão do estatuto de portador fez uma enorme diferença. No passado, todos os

membros da família tinham de carregar o fardo desta incerteza durante toda a vida. Se

as mulheres com um historial de distrofia muscular de Duchenne na família, por

exemplo, pusessem alguma vez a hipótese de ter filhos, tinham de tomar em

consideração que tinham uma probabilidade elevada de serem portadoras. Agora, que

somos capazes de dizer quem é e quem não é portador, os que não são podem

basicamente despedir-se do seu médico. Deixam de ter de pensar sobre esta questão ou

preocupar-se com o facto de ter filhos. Em alguns tipos de doenças, o fardo de algumas

pessoas deixou efectivamente de existir.

O CONTRIBUTO DA TECNOLOGIA DO ADN PARA O

ACONSELHAMENTO GENÉTICO Professora Shirley Hodgson

A tecnologia do ADN revolucionou a nossa capacidade de diagnosticar as doenças

genéticas e oferecer aconselhamento genérico aos familiares dum doente com uma

doença hereditária.

Em muitas doenças hereditárias, somos hoje capazes de fazer um diagnóstico exacto por

meio dum teste genético que identifica a falha no gene que é causadora de tais doenças.

Este facto permite ao doente e à sua família próxima serem informados duma forma

precisa sobre a natureza da doença, como é que se irá provavelmente desenvolver, como

é que deve ser tratada e como é que voltará provavelmente a ocorrer na família.

Podem ser feitas análises aos familiares desse doente para ver se são eles próprios

portadores do gene e se o podem transmitir à sua descendência.

Muitas vezes, a descoberta da causa genética subjacente duma determinada doença traz

novas informações sobre a forma como esta doença se desenvolve e melhorias no

tratamento. A terapia genética começa a ser uma realidade no tratamento de algumas

doenças genéticas.

O diagnóstico pré-implantação de algumas doenças genéticas - que já existe para muitas

doenças genéticas - começa a ser disponibilizado a casais que não estão na disposição

de recorrer apenas ao diagnóstico pré-natal.

O nosso conhecimento da genética do cancro permitiu-nos identificar pessoas com um

grande historial familiar de cancro, que podem ter herdado uma predisposição genética

para um tipo específico de cancro. Pode ser possível efectuar análises genéticas em

algumas famílias, permitindo-nos identificar as pessoas que apresentam um risco

elevado de contrair cancro e proceder à sua despistagem, recorrendo depois a cirurgia

preventiva se tal for apropriado.

O nosso conhecimento sobre o papel dos factores herdados em muitas doenças comuns

vai ajudar-nos a compreender como é que podemos preveni-las e tratá-las. Para além

disso, o nosso conhecimento dos factores genéticos que controlam a forma como

respondemos aos medicamentos terá um grande impacto na nossa capacidade de

adequar a medicação a cada doente.

Algumas alterações genéticas são mais comuns nas pessoas duma determinada região

do mundo. A despistagem de mutações genéticas específicas em tais populações pode

identificar os portadores destas mutações, a quem pode depois ser disponibilizado

aconselhamento genético em relação aos riscos para si próprio e para os seus

descendentes.

A REACÇÃO EM CADEIA DA POLIMERASE - UM AVANÇO NO

DIAGNÓSTICO

«Lembro-me duma famosa reunião numa quinta-feira de Novembro de 1986. Um

pequeno grupo tinha-se reunido para discutir o diagnóstico genético pré-implantação.

Bob Edwards, que tinha desenvolvido a fertilização in vitro (FIV), estava a dizer que

não era possível porque precisaríamos de demasiadas células do embrião num estádio

precoce para analisar o ADN. Falei-lhe da nova tecnologia da reacção em cadeia da

polimerase e lembro-me de que o Bob se pôs aos saltos à volta da sala a dizer

“conseguimos, conseguimos!” Esta técnica é agora sempre utilizada na análise do

ADN.»

Marcus Pembrey

Os primeiros testes pré-natais e a FIV foram desenvolvidos ao mesmo tempo como

progressos nas análises do ADN e estas duas áreas convergiram ocasionalmente. A

reacção em cadeia da polimerase abriu caminho para que os cientistas recolhessem

apenas algumas tiras de só uma ou duas células e ampliassem a parte relevante do ADN

para milhões de cópias.

Este facto significou, pela primeira vez, que era possível desenvolver análises para

diagnóstico pré-implantação, que podiam ser utilizadas no âmbito dum programa de

tratamento de FIV antes da gravidez se ter estabelecido. Retira-se uma única célula dos

embriões criados através de FIV e utiliza-se uma análise de 24 horas para verificar se

está afectado ou não. Os embriões que não estão afectados são então implantados.

“Muitos casais que eram portadores de distúrbios genéticos tinham pedido este tipo de

análise” comentou Marcus Pembrey. “É um bom exemplo de como as necessidades das

famílias orientam a investigação. Aprendemos com os doentes e as famílias e depois

ajudamo-los.”

A Dra. Sybil Simon explica como é que esta análise funciona: “A reacção em cadeia da

polimerase (polymerase chain reaction ou PCR, em inglês) foi utilizada pela primeira

vez em meados dos anos oitenta e desempenha agora um papel regular em muitas

análises de diagnóstico e investigação médica. Se os cientistas conhecem a sequência

dum determinado gene que pode provavelmente causar um problema médico, pode-se

utilizar esta análise para identificar esse gene nos doentes e nos seus filhos ainda por

nascer - mesmo nos primeiros estádios da gravidez.”

A técnica é utilizada para fazer cópias múltiplas - ou “ampliar” parte do ADN de genes.

Existem três fases principais a serem seguidas:

A Uma fita dupla de ADN é separada em duas fitas simples através do calor

B Em seguida, duas filas de nucleótidos são mascarados ou “preparados” através

de duas fitas curtas (oligonucleótidos) desenhados para se ligarem à secção que

nos interessa no gene

C Terceiro, uma enzima polimerase sintetiza uma cópia da sequência do

nucleótido, entre a primeira, constituindo uma nova fita dupla.

Este processo é repetido. Em cada estádio, o número de cópias duplica. Estas reacções

são controladas através da alteração da temperatura, levando cada ciclo apenas alguns

minutos. Podem ser produzidas milhões de cópias do ADN em apenas algumas horas.

Antes de utilizar este método para detectar a ocorrência dum gene com uma

determinada sequência, tem de se saber alguma coisa sobre a sequência do gene em

causa. Pequenas quantidades de tecido fetal , obtidas nos primeiros estádios da gravidez

(10 semanas) através duma biopsia das vilosidades coriónicas, podem ser analisadas

para identificar a presença de genes anormais. Se um dos pais é portador duma mutação

conhecida, esta análise pode ser efectuada utilizando a PCR em laboratórios

especializados em análises do ADN.

“Os resultados ficam prontos em 2-3 dias, permitindo aos pais tomarem as decisões

mais difíceis sabendo que estas se baseiam em informação exacta”, acrescentou a Dra.

Simon.

Ilustração de Rebecca Kent

A DOENÇA DE TAY SACHS (Tay Sachs Disorder ou TSD, em inglês)

pela Dra. Sybil Simon

Como sucede com a doença de Gaucher, a rara e fatal doença de Tay Sachs é uma

doença genética recessiva. As análises genéticas podem hoje identificar os portadores,

bem como diagnosticar correctamente a TSD nos primeiros estádios da gravidez.

HISTÓRIA

A Tay Sachs é um distúrbio genético fatal que afecta o cérebro das crianças, causando

cegueira, surdez e muitas vezes ataques. Mesmo na presença dos melhores cuidados de

saúde causa fraqueza dos músculos, incapacidade de movimento ou de tossir e

vulnerabilidade a infecções do peito, levando à morte aos 4 ou 5 anos.

A primeira descrição das alterações da cabeça do nervo óptico causadas por esta doença

foi publicada pelo oftalmologista britânico, Dr. Warren Tay, em 1881. Pouco depois,

em Nova Iorque e em 1887, Bernard Sachs estudou famílias com crianças afectadas e

aplicou o seu especial interesse pela patologia para descrever a acumulação de

substâncias gordas no cérebro causada pela TSD.

ESTUDOS GENÉTICOS

Em 1970, a enzima vital Hexosaminidase A (Hex. A) foi reconhecida e identificada

como estando ausente nas crianças afectadas. Sem a Hex. A, a camada de gordura à

volta das células nervosas não era removida quando terminava a sua vida útil. Novas

camadas gordurosas vinham-se juntar às anteriores e, por fim, o aumento da pressão

reduzia as actividades efectivas das células.

A TSD é um distúrbio recessivo autónomico. Ambos os progenitores têm de ser

portadores do gene inactivo para estarem em risco (um risco de 25% para cada

gravidez). Ser portador não afecta o pai nem a mãe de nenhum modo e os portadores

adultos não têm quaisquer sinais de serem portadores dum gene inactivo. Quando

ambos os progenitores são portadores, existe uma probabilidade de 50% de cada

gravidez produzir uma criança que é portadora do gene, como os pais,

independentemente do sexo, e uma probabilidade de 25% de não ser portadora.

Os distúrbios genéticos recessivos, como a Tay Sachs, verificam-se muitas vezes em

grupos definidos. A TSD foi encontrada pela primeira vez em doentes de ascendência

judia da Europa do Leste (ashkenazi) e depois em canadianos franceses não judeus.

Desde então, tem sido descoberta em pessoas de todas as origens étnicas.

ACONSELHAR PARA PREVENIR

O gene mutado da TSD pode ser portado durante muitas gerações. Antes de se

introduzir a análise dos portadores, as pessoas só sabiam que eram portadoras quando se

tornavam pais de um bebé com a doença de Tay Sachs.

Em 1968, a Universidade da Califórnia anunciou a descoberta duma análise eficaz para

medir o nível da Hex. A no soro, nível esse que é inferior ao normal nos progenitores de

crianças com a doença de Tay Sachs. Em 1970, a amniocentese (retirar fluído do saco

que envolve a criança dentro do útero) foi utilizada pela primeira vez para diagnosticar a

TSD em Brooklyn, Nova Iorque. Durante os últimos dez anos, esta análise foi

substituída pela colheita de vilosidades coriónicas (do lado fetal da placenta) às 10-11

semanas de gravidez. Frequentemente, são apenas necessárias 24-36 horas para se

saberem os resultados desta análise, permitindo assim aos pais tomarem decisões

informadas num estádio muito precoce.

DESENVOLVIMENTOS CIENTÍFICOS

Os resultados dos primeiros estudos sobre as enzimas nem sempre eram satisfatórios

porque mediam níveis no soro - sem nenhuns leucócitos - e depois descobria-se a

enzima armazenada em pacotes nos leucócitos. O estudo dos níveis das enzimas nos

leucócitos produziu resultados mais consistentes e precisos e as enzimas dos leucócitos

foram posteriormente estudadas em muitas doenças.

Em 1953, Watson e Crick descobriram que a informação genética contida nos núcleos

das células era levada nos cromossomas, que tinham a forma duma hélice dupla.

Essencialmente, a fita normal simples do ADN segue uma sequência reconhecível, tal

como CAT-CAT-CAT. Se se verificar um pequeno erro, tal como apagar um T e um C,

a sequência de CA/ATC-ATC, não faria sentido. Esta eliminação seria copiada sempre

que o cromossoma (que o levasse) se replicasse. O gene mutado não permitiria que

fosse produzida a proteína que normalmente codifica duma forma activa. O gene

mutante é muitas vezes chamado um gene “inactivo”.

O gene da Hex. A foi isolado e caracterizado em 1987. Tem um comprimento de 35.000

bases.

ENCONTRAR AS MUTAÇÕES

Na doença de Tay Sachs, a pesquisa de mutações concentrou-se originalmente nas

populações de judeus ashkenazi e de canadianos franceses, que mostravam ambas taxas

de portadores e de TSD infantil mais elevadas. Suspeitava-se há muito tempo que uma

mutação tinha subsistido da Europa de Leste porque as famílias em causa só se podiam

casar dentro das populações muito restritas de algumas cidades ou aldeias. Sem o saber,

podem ter-se casado com parentes distantes, permitindo aos genes recessivos subsistir.

A isto chamou-se um efeito de fundação.

Quando se efectuou a análise do ADN para detectar a primeira mutação conhecida em

1988, a teoria do efeito de fundação não ficou provada. Surpreendentemente, só era

responsável por 20-30% dos casos de TSD infantil entre as famílias ashkenazi

estudadas. Em estudos posteriores, só 18% tinham esta mutação.

No mesmo ano, foi comunicada uma segunda grande mutação, que era responsável por

70% da ocorrência nas famílias estudadas nos últimos 10 anos. Desde essa data, foi

ainda descoberta uma terceira mutação associada à forma menos grave da TSD que se

declara na idade adulta.

Desde os estudos originais, foram identificadas famílias de muitos grupos étnicos como

tendo mutações com um grau variável de actividade da enzima e idades variáveis em

que a doença se declara.

A DOENÇA DE GAUCHER

Há trinta anos, não havia cura para a doença de Gaucher. Uma esplenoctomia salvava a

vida dos doentes, mas causava outros problemas de saúde, tais como desintegração

precoce dos ossos e das articulações.

Nos anos noventa, graças à investigação genética, foi introduzida a terapia de

substituição enzimática. Deixou de ser necessário proceder à ablação do baço e os

doentes podem ter uma boa qualidade de vida com perfusões regulares. Mas serão

necessários ainda muitos anos - e mais investigação genética - para encontrar uma cura.

COMO ERAM AS COISAS: A HISTÓRIA DE MELANIE

UMA VIAGEM AO PASSADO

Quando Melanie, que hoje tem 44 anos, foi diagnosticada em 1971, disseram-lhe que

tinha uma doença rara e que não havia cura. Fez uma ablação do baço (esplenoctomia)

aos 26 anos, logo três meses a seguir ao nascimento do seu filho. Partilhou a sua história

de 30 anos de dor e esperança com os delegados da Conferência da Gaucher’s Disease

Association que se realizou em 11 de Novembro de 2001.

Em 1971, quando tinha catorze anos, voltei da escola a sentir-me mal. Duas semanas

mais tarde voltei a ficar doente. Suspeitaram da doença de Gaucher e depois duma

análise do tutano do osso, o diagnóstico tão temido foi confirmado.

Nunca ninguém tinha ouvido falar de tal doença. Disseram-nos: “Oh! É uma doença

muito rara devida a uma deficiência da enzima e temos muita pena mas não há cura de

momento, portanto vão-se embora e não se preocupem muito, só temos que vos manter

sob vigilância”.

Os pobres dos meus pais ficaram muito abalados com esta notícia. Disseram-lhes que o

meu baço tinha alargado, mas que provavelmente não teria de ser retirado antes de

chegar aos quarenta e cinco anos, de forma que eu teria de levar as coisas com calma e

não me esforçar demasiado. Durante a minha adolescência, os meus estudos foram

arruinados por incontáveis ausências e a minha carreira também sofreu por causa da

minha falta de saúde.

ABLAÇÃO DO BAÇO

Quando fiquei grávida do meu primeiro filho, notava-se que a minha barriga era um

pouco maior do que deveria e um mês depois do nascimento ainda parecia estar grávida

de seis meses. Descobri que o meu baço tinha crescido tanto que sobressaía do meu lado

esquerdo. No mês seguinte, fui consultar um cirurgião que me aconselhou a retirá-lo

logo que possível. Assim, em Março de 1984, três meses depois do nascimento do meu

filho, fiz uma esplenoctomia. O meu baço pesava 4,5 kg quando foi retirado. Fui para o

hospital sem ter a menor ideia do que me esperava com esta operação, depois da qual

sofri horrores, mas lembrava-me do meu filho com três meses e apercebi-me que tinha

de lutar por causa dele.

NOVAMENTE GRÁVIDA

Oito meses mais tarde, voltei a engravidar, o que não foi uma boa notícia porque a

minha cicatriz ainda não tinha tido tempo para sarar convenientemente, mas depois

duma gravidez saudável, em Junho de 1985 dei à luz uma menina através duma

cesariana.

Duas grandes operações no espaço de 16 meses e dois bebés em casa não era nada fácil.

Levou alguns anos até que a minha saúde voltasse a estar sob controlo, desde que

descansasse sempre que precisava, mas não sabia que a doença estava a afectar o meu

fígado e os meus ossos em consequência da ablação do baço. Quando precisei de fazer

uma operação para retirar a cartilagem do meu joelho direito, uma ressonância

magnética mostrou que os ossos das minhas pernas não eram normais. Alguns anos

mais tarde, tive ainda de ser operada à vesícula biliar para proceder à sua ablação.

NÃO ESTOU SOZINHA

Há quase dez anos, a minha mãe viu um artigo num jornal escrito por uma pessoa da

Gaucher’s Association. Foi quase como chegar a casa. Finalmente, havia alguém que

podia compreender o meu problema. Susan Lewis, fundadora da Gaucher’s Association,

disse-me que ia haver uma conferência em Amesterdão dentro de algumas semanas em

que iriam discutir a doença de Gaucher e um novo medicamento inovador. Quase que

não consegui acreditar! Depois de visitar Amesterdão e ter visto pessoas de todo o

mundo com o mesmo problema, apercebi-me de que não estava sozinha e que haveria

de ser ajudada. Discuti o meu caso com um médico que se encontrava na conferência,

que me aconselhou a obter uma carta do meu médico de família para ir ao

Addenbrookes Hospital em Cambridge e ser vista pelo Professor Cox para ser avaliada

para tomar o novo medicamento, o que aconteceu três meses mais tarde.

PERFUSÕES

Levei a minha primeira perfusão no Addenbrookes algumas semanas depois. Estava um

bocadinho assustada, mas também muito grata porque finalmente estava a ser feita

alguma coisa. Depois de um ano a deslocar-me ao meu hospital local em Manchester

três vezes por semana para levar perfusões, decidi aprender a fazê-lo em casa e passados

seis meses comecei a administrar as perfusões a mim mesma.

Em oito anos, o meu estado melhorou tanto que já não me preocupo com as perfusões;

seria provavelmente capaz de as administrar com os olhos fechados.

DE VOLTA AO FUTURO

Assim, cá estamos de volta ao futuro. Tenho agora 44 anos, estou feliz e com saúde e

tenho dois filhos adolescentes, que estão ambos bem. Vou à universidade duas vezes

para semana para aprender informática e espanhol e faço os possíveis para ter o que

quero.

Dou o seu devido valor a cada dia com saúde. Sem a Gaucher’s Association e muitas

outras pessoas, nada disto teria sido possível. Há tantas pessoas que encontrei e que

ajudaram e gostaria de agradecer a todas elas.

COMO SÃO HOJE AS COISAS: A HISTÓRIA DE EMILY

CRESCER COM A DOENÇA DE GAUCHER

Emily foi diagnosticada quando tinha 13 anos e deu início ao tratamento Cerezyme

pouco depois. É hoje uma bonita jovem de 18 anos e a sua história, que contou na

Conferência da Gaucher’s Disease Association, descreve como é que a terapia de

substituição enzimática lhe permitiu atingir todo o seu potencial - e contrasta com o

relato feito por Melanie do seu tratamento após o diagnóstico.

Felizmente, não tinha a mais pequena ideia que tinha a doença de Gaucher até pouco

antes de fazer catorze anos. Quando olho para trás, tinham havido muitos pequenos

sinais durante a minha infância, o sangue a correr do nariz e nódoas negras nas pernas,

mas todos acabavam por desaparecer e não é verdade que todas as crianças têm estas

coisas?

Era o Dia da Mãe e eu tinha comprado uma planta com flores que nunca tínhamos tido

em casa. Algumas semanas mais tarde, apareceram-me inchaços nas pernas e por

debaixo dos pés. Julgando tratar-se duma reacção alérgica causada pela planta, a minha

mãe levou-me ao médico. O médico, em vez de olhar para as minhas pernas, examinou-

me o estômago e, para meu terror, anunciou que eu tinha um tumor e tinha de ir para o

hospital. Depois de levantar a minha mãe que tinha caído para o chão, lá conseguimos

chegar ao hospital, onde me levaram ao director da Pediatria. Depois dum breve exame,

também me anunciou que tinha um tumor e mandou-me fazer um exame.

O exame revelou não um tumor, mas sim um baço e um fígado inchados. Nos dois dias

seguintes fiz imensos exames e o resultado foi que eu podia ter uma coisa chamada

doença de Gaucher de que tinham ouvido falar, mas nunca tinham visto. Fui despachada

para o Great Ormond Street Hospital para mais exames, incluindo a tão receada biopsia

ao tutano do osso. O estranho é que os inchaços nas minhas pernas e nos meus pés

nunca mais voltaram a aparecer e nunca se encontrou uma explicação.

TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO ENZIMÁTICA

No Great Ormond Street Hospital vimos o Dr. Ashok Vellodi que nos explicou a custo a

doença de Gaucher. Apercebi-me de súbito que não podia tomar só alguns comprimidos

e ir para casa. Fiquei em estado de choque e incapaz de reagir.

As semanas seguintes foram cheias de ansiedade, à espera de saber se conseguiria

arranjar fundos para fazer o tratamento, mas o Dr. Vellodi tinha-nos dado o telefone da

Gaucher’s Association e a Susan Lewis tornou-se a nossa guia. Disse à minha mãe que

eu iria ter o tratamento de que precisava, que o meu baço iria desinchar e eu iria levar

uma vida normal. Quase que não conseguíamos acreditar no que ela nos estava a dizer.

Descobri um mundo novo. Seguiram-se visitas frequentes ao hospital para receber as

novas perfusões de enzimas, com mais visitas a Great Ormond Street para consultas

relativas ao meu crescimento. Gradualmente, eu e a minha mãe aprendemos a preparar e

administrar nós próprias as perfusões em casa, embora tivesse havido muitas vezes em

que não fomos capazes e acabámos por ter de ir ao hospital local! Quatro anos mais

tarde, cheguei a um ponto em que já era capaz de administrar eu própria o tratamento.

OLHANDO PARA TRÁS

Quando o choque inicial foi ultrapassado, seguiu-se uma espera longa e cheia de

ansiedade para ver se o tratamento teria o efeito desejado. Quase que tínhamos medo de

ter esperança, mas, fazendo jus a tudo o que nos tinham dito, funcionou.

Pouco a pouco, todos os meus sintomas desapareceram e cheguei agora a um ponto em

que a doença quase não tem impacto na minha vida e quase que não penso nela entre as

minhas perfusões quinzenais.

Sem o apoio da Genzyme, da Healhcare at Home, do Dr. Vellodi e da Gaucher’s

Association eu não teria podido viajar, ir à universidade ou levar uma vida normal.

Naturalmente, estou determinada a não deixar que a doença de Gaucher me impeça de

fazer seja o que for e desde o diagnóstico já estive em Israel durante um mês, passei dez

semanas nos Estados Unidos e tomei perfusões fora de casa, encaixando-as na minha

vida universitária.

PARTE DA MINHA VIDA DIÁRIA

Enquanto estive nos Estados Unidos, fui vista pelo Dr. Greg Pastores do New York

University Hospital em Manhattan. Foi aqui que vi pela primeira vez várias pessoas

com a doença de Gaucher a tomarem as suas perfusões em conjunto. Fiquei espantada!

Enquanto tomavam as perfusões, a vida continuava normalmente e até ouvi sem querer

uma pessoa a falar ao telefone com o seu corretor de bolsa sobre acções e preços de

acções, ao melhor estilo de Nova Iorque.

Isso fez-me perceber que ter a doença de Gaucher não era nada do outro mundo e que as

perfusões deveriam tanto quanto possível ser encaixadas na vida normal. Aí, as questões

principais eram saber em que ponto da relação é que se devia dizer ao namorado que se

tinha a doença e as escolhas que têm de ser enfrentadas quando se pensa em ter filhos.

Senti-me como se estivesse a olhar para o futuro hoje e agora. Naquela clínica

especializada na doença de Gaucher tudo era positivo e encorajador.

EXCITAÇÃO

Em conclusão, não só as minhas experiências recentes foram positivas, mas fico muito

excitada sempre que leio notícias sobre ensaios de terapias alternativas. Fui a terceira

pessoa no Reino Unido a receber a forma sintética de glucocerebrosidase (Cerezyme),

que demonstrou ser um sucesso total. Quando penso que foi só em 1991 que a terapia de

substituição enzimática ficou disponível, fico com muitas esperanças quanto ao futuro.

A DOENÇA DE GAUCHER: O PONTO DE VISTA DO MÉDICO Professor Timothy Cox

A DOENÇA

A doença de Gaucher é uma doença genética recessiva autosomal. Ambos os

progenitores têm de ser portadores desta doença para que exista uma probabilidade em

quatro de a transmitirem aos seus filhos. É causada por uma deficiência em um dos

genes do corpo que produz uma enzima chamada glucocerebrosidase. Esta enzima está

implicada na decomposição e reciclagem das células gordas nas membranas das células.

Se o corpo não conseguir decompor estas moléculas gordas e reciclá-las, tal causa uma

acumulação das moléculas parcialmente digeridas nas células que metabolizam - tais

como o baço ou o fígado.

A doença de Gaucher ocorre em todos os grupos étnicos, mas é especialmente comum

na população judia ashkenazi (1 em 450 para a doença de Gaucher do tipo 1, comparado

com 1 em 100.000 na população em geral).

DIAGNÓSTICO

A fatiga é um dos primeiros sinais desta doença, bem como a facilidade em ter nódoas

negras, sangrar depois de tirar um dente, o crescimento do baço e do fígado e dores nos

ossos.

TRATAMENTO PRECOCE

Quando comecei a trabalhar com esta doença, o único tratamento que havia era retirar o

baço, o que não era propriamente uma cura, mas mais exactamente um remendo.

Devido a terem ficado sem o baço, as pessoas sofriam de doenças precoces dos ossos

das articulações e nós continuávamos a remendá-las, por exemplo, quando as

articulações da anca se desintegravam.

A ABORDAGEM ACTUAL

Hoje em dia, já não procedemos à ablação do baço. Temos centros nacionais em que

administramos aos pacientes uma terapia de substituição enzimática e estes podem levar

uma vida relativamente normal. O tratamento é administrado por meio de perfusões,

duas vezes por semana para uma pessoa gravemente doente, mas normalmente semanal

ou quinzenalmente. Os doentes podem fazer o tratamento em casa depois de terem

recebido formação inicial no hospital.

A Cerezyme é um dos medicamentos mais caros do mundo e só está disponível em

alguns países. No Reino Unido, o custo desta terapia de substituição enzimática é

superior a 20 milhões de libras por ano para tratar cerca de 190 doentes. Estão a ser

desenvolvidos tratamentos alternativos por causa do custo.

O FUTURO

Julgo que a doença de Gaucher será claramente um alvo da terapia genética no futuro,

mas os primeiros ensaios mostraram algumas dificuldades, pelo que irá levar ainda

algum tempo. Também gostaria que houvesse mais concorrência na terapia de

substituição enzimática. É muito importante desenvolver mecanismos alternativos para

compreender a doença.

Ainda não possuímos uma compreensão molecular total desta doença e são necessários

estudos incessantes, caso queiramos compreender o efeito dos micrófagos (que se

encontram dentro dos compartimentos da célula nos liposomas, que contêm

glucocerebrosidase) e qual é o seu papel.

O tratamento, embora seja actualmente excelente, não afasta completamente o risco de

desenvolver uma doença óssea, assim como não consegue remediar uma doença óssea

estabelecida, e obriga a tratamento durante toda a vida.

A única maneira de saber é arranjar ferramentas moleculares e é inquestionável que tal

obriga a recorrer à genética.

A EPIDERMÓLISE BOLHOSA (EB)

A empidermólise bolhosa é uma doença com um vasto campo de incidência, em que as

bolhas na pele são o sintoma comum. Na sua forma mais grave, é fatal. Até à data, as

análises do ADN têm sido importantes para permitir aos médicos fazer um diagnóstico

correcto. Através da definição do tipo de doença que o doente tem, é possível fazer um

prognóstico exacto para o futuro. Também possibilitaram a realização de muitos

diagnósticos pré-natais precoces. Mas não há cura. Os projectos de investigação estão

presentemente a orientar-se para a terapia genética para ajudar a aliviar alguns dos

sintomas mais debilitantes.

EB: O PONTO DE VISTA DO DOENTE

Murray Clifford sofreu da forma distrófica dominante de EB durante todos os seus 77

anos de vida. Ignorando os conselhos de se embrulhar em rama de algodão, a sua atitude

mental positiva permitiu-lhe viver uma vida activa e plena.

Nasci em 1925. Quando tinha seis anos, os meus pais aperceberam-se de que eu tinha

um problema de pele. Só tinha duas unhas nas minhas mãos, não tinha unhas nos pés e a

minha pele ficava cheia de bolhas à mais pequena pancada. Sabia que existia um

problema na família que remontava ao século XIX, ao meu bisavô, mas ninguém sabia

o que era.

O nosso médico local não reconheceu os meus sintomas, de forma que os meus pais

levaram-me a um dos maiores dermatologistas de Inglaterra, na Harley Street. Nessa

altura, os seus honorários ascendiam a cinco guinéus e meio (o que correspondia a duas

semanas de ordenado em 1931!) por meia hora de consulta. Tinha escrito um livro

pioneiro sobre a EB e era uma autoridade mundial - e disse aos meus pais que eu tinha

EB. Toda a correspondência entre este médico e os meus pais está guardada nos

arquivos do St Thomas Hospital em Londres.

INFORMAÇÃO DEPRIMENTE

A informação que foi dada aos meus pais nessa altura era muito deprimente.

Efectivamente, o tratamento era embrulhar o doente em ligaduras e protegê-lo de

pancadas e riscos. Tal significava que era impossível levar uma vida normal, por

exemplo, na escola não poderia jogar nenhuns jogos mais violentos. Este tratamento

draconiano devia-se à ausência de antibióticos para contrariar as infecções. Nessa altura,

as infecções eram virtualmente letais, enquanto hoje em dia, graças aos antibióticos, o

tratamento não tem de ser tão drástico. Desobedeci a todas as instruções e joguei sempre

que pude! Como não havia tratamento na altura, tudo o que podíamos fazer era pôr

pensos e ligaduras secas nas minhas pernas.

Quando saí da escola fui para a tropa. Nesse tempo, os médicos da tropa não percebiam

nada da minha doença, de modo que os consegui iludir para entrar! Durante a guerra,

em 1951, lembro-me de furar as minhas bolhas com uma baioneta quando estava na

selva na Malásia! Durante os catorze anos que estive nas forças armadas continuei a

sofrer com bolhas, especialmente quando caía a jogar hóquei. A septicemia estava

sempre à espreita, à espera duma oportunidade, mas o Bom Deus poupou-me!

Muito simplesmente, não deixei que esta doença me afectasse. Enquanto era criança,

podia-me ter embrulhado em algodão e tornar-me um inválido, mas não o fiz. Na minha

ficha no hospital está escrito AMP, o que significa atitude mental positiva, o que é

muito importante em qualquer doença.

RISCO PARA OS FILHOS

Quando a minha mulher e eu decidimos ter filhos, foi um risco, porque não sabíamos se

a minha doença de pele seria transmitida. Felizmente, o meu filho não parece ter EB e

temos duas filhas que não sofrem desta doença. A minha filha tem dois filhos, mas estes

não correm riscos porque ela não sofre desta doença nem é portadora.

ALTERAÇÕES AO LONGO DOS ANOS

Ao longo dos anos, testemunhei pequenas alterações de sinal positivo; o que se deve à

minha idade. As bolhas das pernas melhoraram, os meus pensos são mudados uma vez

por semana. Mas o meu sangue ficou ligeiramente mais fino nas veias, o que significa

que sou mais vulnerável a úlceras. Estive no St Thomas Hospital durante um mês inteiro

em 1998, mas por fim a úlcera acabou por sarar. Uma das coisas que mais ajudou foi

um penso seco que não arranca a pele nova. A cicatrização também melhorou através de

ligaduras de compressão fortes e firmes, que estimulam o fornecimento sanguíneo, o

que por sua vez ajuda o processo de cicatrização.

Ainda fico com bolhas de sangue e de água quando me magoo, especialmente na parte

da frente das pernas, onde a pele é muito fina. Se fosse uma pessoa normal e me

magoasse, ficava com uma pequena cicatriz, mas como tenho EB fico com uma bolha.

Só há cerca de dez anos é que os médicos conseguiram descobrir qual era o tipo de EB

que eu tinha através duma biopsia da pele e do sangue.

EDUCAÇÃO E APOIO

Um problema que eu vejo é que ainda são só os especialistas em doenças da pele que

percebem esta doença e fornecem informações e tratamento actualizados.

Vou ao St Thomas, em que sirvo de cobaia aos médicos e enfermeiros estagiários.

Muitos deles nunca viram um caso de EB, de forma que é muito importante que

aprendam a reconhecer a doença. Quando era miúdo, não conhecia mais ninguém que

tivesse esta doença. Não existiam grupos de apoio quando fui diagnosticado nos anos

trinta. Sei que sou uma das pessoas mais velhas de Inglaterra que tem esta doença, já

tenho quase 78 anos, e vou a todas as conferências da DEBRA.

A minha esperança é que com a ajuda da investigação do ADN que está em curso, seja

possível uma melhoria efectiva do tratamento que leve a uma cura desta doença num

futuro próximo.

EB: O PONTO DE VISTA DE UMA MÃE

O filho de Norah Simpson, Ian, sofria de epidermólise bolhosa. Morreu quatro dias

antes de fazer 39 anos, em 4 de Junho de 2000. Ian sofria da forma distrófica recessiva

da doença - que é um dos tipos mais graves.

O Ian foi diagnosticado nos primeiros meses de vida, o que eu julgo era

excepcionalmente bom em 1961. Eu nunca tinha ouvido falar da EB e não havia

historial desta doença na minha família, de forma que não tínhamos a mais pequena

ideia do que fazer. Quando o Ian nasceu, não tinha pele nos pés. Parecia que tinha meias

vermelhas até ao tornozelo e também tinha uma bolhinha no nariz.

Nas 24 horas seguintes, ficou com bolhas por todo o corpo e ninguém sabia de onde é

que elas vinham ou porque é que se estavam a desenvolver. Fomos enviados para o

hospital local de isolamento porque os médicos e as enfermeiras não sabiam o que fazer.

Foi horrível para mim, mas foi melhor para o Ian. Esteve no hospital até perto dos dois

anos. Levámo-lo para casa uma semana antes do seu segundo aniversário.

POUCA INFORMAÇÃO

Na altura do nascimento do Ian, na verdade não tínhamos qualquer informação ao nosso

dispor. Eu fiquei horrivelmente preocupada, mas quando o Ian foi devidamente

diagnosticado, era uma coisa que eu tinha de aceitar.

Enquanto o Ian esteve no Children’s Hospital em Manchester, tentaram todo o tipo de

coisas esquisitas e maravilhosas para o ajudar com as bolhas. Trabalharam imenso, mas

nada fazia a mais pequena diferença.

Quando pudemos levá-lo para casa permanentemente, o seu estado não tinha tido

qualquer melhora, mas pude ir ao hospital e aprender como é que se aplicavam os seus

pensos. Tinha pensos à volta das pernas e dos braços que tinham de ser mudados todos

os dias. Nos primeiros tempos, o tratamento era efectivamente cobri-lo para evitar que

se magoasse a si mesmo. Tinha bolhas em todo o corpo e o mais pequeno toque fazia

nascer logo uma bolha. Foi extremamente difícil enquanto esteve a aprender a andar. Se

caía, é claro que punha as mãos à frente para se proteger e, evidentemente, ficava com

duas bolhas de sangue, uma em cada mão. Quando era pequeno e lhe dávamos banho,

não podíamos servir-nos da toalha, de modo que tínhamos de o secar com o secador do

cabelo.

A VIDA NO DIA A DIA

Quando ficou um pouco mais crescido, eu costumava pôr as coisas no armário por uma

determinada ordem e com espaço de ambos os lados para que o Ian as pudesse tirar sem

bater com a mão em nada. Comer foi sempre um grande problema para o Ian. Nunca

comeu uma refeição que não tivesse sido passada na picadora. Se comesse alguma coisa

ligeiramente mais dura ou encaroçada, ficava logo com uma bolha e nós não podíamos

fazer nada. Por vezes, se era muito mau, não conseguia engolir de todo, nem mesmo a

saliva e isto podia durar horas. O Ian costumava ficar muito chateado porque adorava

comer!

Quando o Ian era criança não havia nenhuma rede de apoio. Estávamos por nossa

própria conta. Quando ele tinha 14 ou 15 anos, em 1978, ouvi falar de Phyllis Hilton,

que é a fundadora da DEBRA. Esta instituição sem fins lucrativos tem o nome da sua

filha Debra que também tinha EB e morreu com cerca de 17 anos. O tratamento do Ian

não sofreu nenhuma alteração drástica ao longo dos anos, mas uma das grandes

vantagens de nos reunirmos com outras famílias da DEBRA é que podemos partilhar

informações. Conhecemos outras pessoas e ouvimos falar de novos cremes ou coisas

que outras pessoas experimentaram.

CIRURGIA PLÁSTICA

As coisas começaram a mudar para o Ian quando as suas mãos se começaram a retrair

quando ele tinha cerca de 12 anos. As pontas dos dedos tinham literalmente rodado para

dentro, para a palma da mão. Teve de fazer uma cirurgia plástica para abrir as mãos,

para que pudesse usá-las. No entanto, esta cirurgia não era definitiva e teria de voltar

dentro de cerca de cinco anos. Depois de passar por isto três vezes, ficou tão farto, que

só quis que lhe libertassem o primeiro dedo e o polegar para poder agarrar uma colher

ou uma caneta.

Antes disso acontecer, guiava o carro com um anel de adaptação do travão de mão para

que pudesse pôr todo o braço dentro do anel em vez de puxar o travão com a mão. E

também conseguia escrever à máquina!

Por volta dos 30 anos, também lhe apareceu um cancro de pele no joelho. Ao princípio,

as zonas cancerosas eram retiradas, mas voltavam sempre a aparecer.

TRABALHO E EVENTOS DE CARIDADE

Depois do Ian terminar a escola, trabalhou principalmente em tarefas administrativas.

Esteve sempre envolvido em acontecimentos locais, peças ou para arranjar fundos para

fins caritativos. Gostava imenso de estar com pessoas e tinha muito talento para que as

pessoas fizessem o impossível! Organizou uma maratona desportiva em que fez todas as

provas desportivas que conseguiu em 24 horas, e conseguiu fazer 72! Esteve no

Guinness durante imenso tempo! Não tinha dito nada à organização sobre a sua doença

e quando terminou os seus braços estavam em carne viva, sem nenhuma pele, nos sítios

em que as pessoas o tinham puxado duma prova para outra. Nunca se queixou desse

facto e conseguiu obter mais de 13.000 libras para fins caritativos

A EB não afecta outros membros da minha família, já que o meu marido e eu somos

filhos únicos e o nosso único parente vivo era o meu pai, que não vivia na mesma

cidade. Na verdade, não tínhamos família imediata.

O FUTURO

Primeiro e antes de tudo gostaria que houvesse cura para esta doença e, se isso não for

possível, queria que as pessoas com EB pudessam ter uma vida mais confortável. É uma

doença extremamente dolorosa que impede as pessoas de viverem normalmente.

EPIDERMÓLISE BOLHOSA: O PONTO DE VISTA DO MÉDICO Professor Robin Eady. St Thomas Hospital, Londres

O Professor Eady é um dos principais especialistas em epidermólise bolhosa e trabalha

nesta área há mais de 20 anos.

A DOENÇA

A epidermólise bolhosa (EB) abrange um conjunto muito vasto de distúrbios, que vão

desde a EB simplex, que normalmente se limita à formação de bolhas nas mãos e nos

pés com tempo quente, à forma de contacto mais grave, em que um bebé irá morrer

quase de certeza nos primeiros 18 meses de vida. A doença está classificada em três

tipos principais:

1. A EB simplex geralmente não é uma forma muito grave da doença, em que as

bolhas surgem na parte mais superficial da pele, na epiderme.

2. O nível de bolhas da EB de contacto é apenas um pouco mais profundo, mas

pode por vezes ser fatal. Alguns doentes podem ter uma duração de vida normal,

dependendo do tipo de mutações de que são portadores. É necessário um

microscópio electrónico para ver o nível de empolamento ou fissuras da pele.

3. O nível das bolhas EB distrófica ainda é mais profundo. Na sua forma

dominante, é usualmente menos grave, mas na sua forma recessiva é muitas

vezes duma gravidade bastante superior. Estas são as formas que tendem a reter

a atenção do público porque os doentes chegam muitas vezes à idade adulta, mas

têm grandes dificuldades resultantes de incapacidades e podem mesmo

desenvolver cancros.

DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL

Comecei a interessar-me pela epidermólise bolhosa em 1979, quando fui contactado por

um colega que tinha uma doente que já tinha uma criança com a forma mais grave de

EB. Tinha voltado a engravidar e perguntou-me se podíamos fazer análises à criança

ainda por nascer para ver se a gravidez estava afectada. O meu colega queria

experimentar um processo novo - fazer uma biopsia da pele no feto no útero por volta

das 18 semanas - e pediu-me para utilizar a minha experiência com o microscópio

electrónico para examinar a biopsia e determinar se o feto estava afectado. Tentámos

este processo - e descobrimos que o feto estava afectado - e a mãe decidiu não levar a

gravidez adiante. Foi a primeira vez que pudemos oferecer aos doentes o diagnóstico

pré-natal da EB. Desde então, utilizámos estas técnicas para analisar um grande número

de gravidezes. Nos primeiros tempos, analisávamos a pele, mas hoje em dia procuramos

defeitos no ADN, o que significa que se pode detectar a falha num estádio muito mais

precoce da gravidez.

INVESTIGAÇÃO

Quis depois saber mais sobre a EB. Contactei a DEBRA, que ficou muito interessada no

nosso trabalho e decidimos dar início a um projecto de investigação, sendo assim que

tudo começou.

Foi só nos últimos 10 anos que a investigação começou a identificar a verdadeira causa

genética da doença. Sabemos agora que existem pelo menos 10 genes distintos

subjacentes a diferentes formas de EB. Julgo que serão descobertos ainda mais e que

algumas doenças muito semelhantes que ainda não foram agrupadas com a EB passarão

a fazer parte desta categoria, à medida que tenhamos uma melhor compreensão da base

genética destes distúrbios.

ANÁLISE DO ADN

A análise do ADN tornou-se dum valor inestimável pela precisão com que podemos

informar o doente ou a família sobre a natureza da doença. Este facto é de especial

importância nas formas distróficas da doença que, quando herdadas como distúrbios

recessivos, podem ser muito mutiladoras e devastadoras, enquanto que a sua forma

predominantemente herdada é raramente duma gravidade tão elevada. De forma que a

análise do ADN é duma importância extrema não apenas no diagnóstico, mas também

no prognóstico.

Uma outra grande aplicação do ADN é no diagnóstico pré-natal precoce.

MODIFICAÇÕES DO DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

Num certo sentido, o método utilizado para diagnosticar a EB não se alterou ao longo

dos anos. Ainda analisamos biopsias da pele utilizando o microscópio electrónico,

olhando para as coisas através dum microscópio que usa electrões em vez da luz como

um primeiro recurso de diagnóstico. Também recorremos à microscopia de

imunofluorescência, utilizando luz fluorescente para ver se determinadas moléculas

pegajosas estão presentes na pele, como deveriam estar, para chegar a um diagnóstico

mais exacto a partir da biopsia.

Para algumas pessoas com a forma menos grave da doença, não precisamos de recorrer

a uma biopsia. Normalmente, podemos fazer o diagnóstico confidencialmente com base

no historial médico da pessoa e da família e na aparência das lesões.

Também tomámos mais consciência da utilização de tratamento de apoio. A EB é uma

doença muito dolorosa e o tratamento das bolhas e das úlceras pode melhorar

substancialmente a vida dos doentes. É importante ajudar os doentes a evitar situações

que os predisponham a criar bolhas. A forma mais comum de EB é uma forma de EB

simplex que afecta as mãos e os pés durante o tempo quente, de forma que conselhos

sobre a forma como se podem manter frescos e recorrer a calçado adequado, tudo isso

ajuda.

Os doentes com a forma mais grave de EB recessiva distrófica têm um risco muito

elevado de desenvolver um cancro da pele maligno. Hoje em dia, recorremos a uma

despistagem regular do cancro, em que estes doentes são examinados

aprofundadamente. Tentamos identificar todas as primeiras alterações que possam

indicar um cancro para que tais lesões sejam objecto duma biopsia e dum tratamento

imediatos.

PAPEL DO ADN

Até à data, a investigação sobre o ADN possibilitou diagnósticos mais precisos e o

diagnóstico pré-natal.

Actualmente, temos projectos de colaboração internacional que trabalham na terapia

genética das formas mais graves de EB, o que vai provavelmente ser um dos

desenvolvimentos mais palpáveis decorrentes das novas descobertas da tecnologia do

ADN e o passo seguinte pode ser dado já nos próximos cinco anos.

Eu não gostaria que as pessoas interpretassem esta frase como significando “Oh! Vai

haver uma cura!” porque uma cura significa uma reversão total para algo que é normal,

e eu não acredito verdadeiramente que tal venha a acontecer.

O que eu julgo que vai acontecer é que vão haver melhores maneiras de tratar

determinados problemas com uma terapia específica.

HEMOCROMATOSE

A hemocromatose é causada pela absorção excessiva de ferro, que danifica os tecidos

do corpo. É tratada através dum processo chamado flebotomia, tal como dar sangue.

O tratamento não se alterou, mas a identificação do gene em 1996 levou ao

desenvolvimento dum teste genético, o que possibilita um diagnóstico precoce para que

os doentes possam ser tratados antes que a doença se tenha instalado e causado danos

irreparáveis a órgãos vitais.

HEMOCROMATOSE: O PONTO DE VISTA DO DOENTE

A vida de Peter Thompson mudou radicalmente quando lhe diagnosticaram uma

hemocromatose quando ele tinha 39 anos. A flebotomia periódica mantém as coisas sob

controlo, mas não pode reverter os problemas de longo prazo já causados pela doença

antes da aplicação deste tratamento.

Até aos meus 39 anos, estava relativamente de boa saúde. Se tinha algum problema, era

sempre algo substancial, não as constipações que a maioria das pessoas apanha. Quando

tinha cerca de 19, 20 anos descobri que era alérgico ao álcool. Há cerca de 10 anos,

disseram-me que era diabético. Também tenho osteo-artrite desde os meus 30 anos.

Entretanto, os médicos disseram-me que tal se devia à hemocromatose, mas eu não

sabia nessa altura. Tinha cerca de 42, 43 anos quando comecei a ter problemas graves

com a artrite. Estava sempre a aparecer e tinha muita dificuldade fazer movimentos,

especialmente com as mãos. Hoje em dia, tenho muitas dores nos pulsos e de vez em

quando também nos cotovelos. Tenho artrite em quase todas as articulações do meu

corpo, com excepção dos ombros e das ancas.

LETARGIA

Chegou a um ponto em que me sentia muito doente. Tornei-me letárgico e tudo era uma

luta. Esta situação prolongou-se por alguns anos até que um médico com quem eu me

estava a consultar por causa do colesterol no Guys Hospital me perguntou o que é que

se passava. Disse-lhe: “Não sei, só sei que não me sinto bem. Não consigo explicar

porquê, mas sinto-me sempre cansado”. Ele reparou que as minhas mãos estavam

inchadas, entumecidas e deformadas. Tirou-me sangue para despistar a hemocromatose

e o resultado foi positivo.

Os meus níveis de ferritina no soro eram de cerca de 3.900, comparados com 50 num

homem normal. Depois de diagnosticado, fui enviado para uma unidade de hematologia

já que tinha de ser sangrado, uma vez por semana durante os primeiros 6 meses, depois

de quinze em quinze dias, seguidamente uma vez por mês e, actualmente, de 6 em 6

meses.

DAR AS NOTÍCIAS

Quando fui diagnosticado, tive de dizer a toda a minha família para fazer análises. Uma

vez que se trata duma doença genética, eles também podiam estar em risco ou ser

portadores da doença. O meu irmão é hematologista, de forma que foi muito

compreensivo! Mas a minha mãe é uma daquelas pessoas que se não percebe do que se

trata, tem tendência a fazer de conta que não se passa nada. Não percebia a necessidade

de fazer as análises, sentia que já era demasiado velha e que tudo tinha corrido bem até

à data. Depois de chegarem os resultados, descobri que o meu irmão e a minha irmã

eram portadores da doença, mas que sou o único membro da família que tem

efectivamente a doença.

Foram tempos muito difíceis. Não conseguia ver mais nada para além do facto de ter de

ser sangrado para o resto da minha vida. Fiquei muito deprimido e comecei a sair menos

com os amigos, que começaram a ficar fartos de eu me sentir sempre doente e de terem

de cancelar as saídas combinadas. Nesta altura dos acontecimentos, tinha deixado de

trabalhar porque sentia muitas dificuldades de concentração.

AJUDA

O hospital falou-me da Haemochromatosis Society e puseram-me em contacto com

outra pessoa que tinha a doença. Julgo que falámos ao telefone mais de 6 horas! Foi

incrível. Estava a falar com uma pessoa que tinha passado por tudo aquilo e tinha

conseguido superar as dificuldades. Sabia exactamente como é que eu me sentia e deu-

me pistas sobre a forma de fazer as coisas, o que me ajudou imenso.

EFEITOS DE LONGO PRAZO

Ainda tenho dias bons e dias maus. Felizmente, os dias maus não aparecem com tanta

frequência como antigamente. Tirar sangue não cura a doença, os danos que foram

feitos, estão feitos e são irreparáveis. O que significa é que as coisas não pioram, de

forma que uma pessoa se habitua, sabendo que se passa algo de anormal connosco.

Fiquei quase sem amigos. Ainda mantenho os contactos com três ou quatro pessoas do

tempo em que trabalhava na música, como promotor de discos. Alguns deles pura e

simplesmente não quiseram saber, o que é muito difícil de aceitar. Eu costumava ser um

viciado em trabalho, trabalhava sete dias por semana, às vezes 18 ou 20 horas por dia.

Passei deste ritmo para não trabalhar de todo, o que foi um verdadeiro choque cultural.

Já não trabalho há quase 7 anos e ainda não me consegui habituar.

HEMOCROMATOSE: O PONTO DE VISTA DO DOENTE

Esta doente, que prefere ficar no anonimato, descobriu que tinha hemocromatose depois

do seu irmão ter adoecido gravemente com a doença. Devido ao facto de ter sido

diagnosticada precocemente, tinha esperança de não vir a sofrer danos de longo prazo.

Eu não sabia o que era a hemocromatose até o meu irmão ser diagnosticado há um ano.

Antes disso, tanto quanto sabemos, não tinha havido qualquer caso na família.

O meu irmão, que tem 52 anos, estava muito doente e foi admitido no hospital com as

articulações inchadas. Os médicos não sabiam o que se passava. Para dizer a verdade,

achámos que ele não se ia safar. Depois de cerca de seis semanas, o diagnóstico foi

confirmado como uma hemocromatose. Depois de ser diagnosticado, começou a ser

tratado e começou a recuperar lentamente, mas ainda estava muito mal. Teve

literalmente de voltar a aprender a andar. Os seus níveis de ferritina eram de cerca de

4.000 quando começou a fazer o tratamento (o nível normal é de cerca de 50 para os

homens).

PORTADORES NA FAMÍLIA

Nessa altura, a família foi aconselhada a fazer análises para despistar a doença. Fui a

primeira a ser analisada e, infelizmente, descobri que também tinha a doença. Não tinha

tido nenhuns sintomas antes da análise, mas julgo que tal se deve ao facto de ter sido

diagnosticada muito cedo. Alguns dos primeiros sinais incluem fadiga e dores nas

articulações, mas antes do diagnóstico a maior parte das pessoas atribuem essas dores à

idade! Tive muita sorte porque o meu irmão efectivamente acabou por me salvar a vida.

Ainda nem todos os membros da família fizeram as análises. Sei que uma das minhas

irmãs foi diagnosticada com a doença e um dos meus outros irmãos é portador. O meu

marido fez a análise e não está afectado, mas ambos os meus filhos podem ser

portadores. Ainda não fizemos as análises porque são muito novos. O meu irmão esteve

tão doente que não os quero assustar sem necessidade.

A HAEMOCHROMATOSIS SOCIETY

Hoje em dia, só sócia da Haemochromatosis Society. A informação que eles me

enviaram foi de grande utilidade. Embora tenha recolhido muita informação na Internet,

a que recebi da Haemochromatosis Society ajudou a esclarecer muitos aspectos.

DIAGNÓSTICO

O meu médico de família fez-me a análise logo que o meu irmão foi diagnosticado.

Quando chegaram os resultados, fui logo enviada para um especialista porque os meus

níveis de ferritina eram extremamente altos, 1.288 quando deveriam estar nos 150 ou

200 para uma mulher normal. Fui diagnosticada em Julho último com base nos níveis de

ferritina e depois fui ao especalista em Outubro com os resultados do meu teste

genético. Comecei a fazer flebotomias em Janeiro deste ano e, actualmente, faço-as

quinzenalmente. Como devem calcular, depois de ter visto o meu irmão tão doente,

estou extremamente impaciente para que os meus níveis de ferritina desçam para os

níveis normais.

A minha principal preocupação é agora descobrir se soube a tempo. Tenho receio que já

haja alguma cirrose do fígado, uma vez que é irreparável. Por causa disso, vou fazer

uma biopsia ao fígado dentro de duas semanas.

Também fiz exames a todos os órgãos principais, uma vez que quando se tem

hemocromatose tem-se mais probabilidade de vir a sofrer de cancro no fígado. Julgo

que agora vou passar a fazer exames de 6 em 6 meses.

CHOQUE FAMILIAR

Foi um grande choque para a minha família e julgo que é por isso que alguns ainda não

fizeram as análises, quase que não querem saber, o que me parece uma estupidez. Se se

tem a doença, tem-se mesmo e a doença não desaparece só pelo facto de não se fazerem

as análises. Além do mais, a doença pode ser tratada.

IMPACTO NO ESTILO DE VIDA

Deixei de beber de todo. Ao fim de semana, costumava ir sair com os amigos e eu é que

normalmente guiava o carro. Costumava beber um copo de vinho com a comida, mas

desde que fui diagnosticada li que se se vai beber, é melhor beber sem comida, uma vez

que tal potencia o ferro absorvido. De forma que agora, como a refeição com um copo

de leite, o que bem vistas as coisas, é bem melhor para mim!

O FUTURO

Gostaria que fosse disponibilizada bastante mais informação ao público em geral sobre

esta doença. Das pessoas com quem falei (com excepção das que têm a doença),

ninguém tinha ouvido falar nem sabia nada sobre o assunto. Também deveria haver

mais informação para os profissionais de saúde, bem como protocolos de tratamento

normalizados. A hemocromatose não é rara, por isso tudo isto é estranho. É muito

comum e pode ser fatal se não for tratada.

HEMOCROMATOSE: O PONTO DE VISTA DO MÉDICO Dr. Adrian Bomford

Adian Bomford é um especialista em doenças hepáticas que trabalha no Kings College

Hospital, tendo-se especializado na investigação da hemocromatose.

A DOENÇA

A hemocromatose é um termo médico que significa ferro nos tecidos, o que causa

lesões nesses tecidos. Trata-se duma doença da maturidade, que ocorre na idade adulta e

na parte final da idade adulta. Os doentes acumulam ferro em excesso no corpo porque

absorvem demasiado ferro da sua alimentação, embora a sua dieta seja uma dieta

normal.

Os especialistas em doenças hepáticas interessam-se pela hemocromatose porque o

fígado é um dos principais órgãos afectados pela doença. O ferro em excesso no fígado

causa a cirrose. Os outros órgãos que podem ser danificados são o pâncreas, a glândula

pituitária, as articulações e o coração, o que significa que os doentes com uma

hemocromatose totalmente estabelecida podem sofrer de cirrose, falência cardíaca,

falência da glândula pituitária, artrite e disfunção sexual.

TRATAMENTO

Para curar a doença, há que retirar o ferro, o que pode ser feito através dum processo

chamado flebotomia, que é como dar sangue. Pode ter de ser retirado ao doente até meio

litro de sangue por semana. A sangria regular remove o ferro durante dois ou talvez três

anos, dependendo da quantidade presente no sangue. Depois, pode-se recorrer à

flebotomia cerca de quatro vezes por ano, uma vez que a lesão metabólica não

desaparece. Primeiro trata-se a sobrecarga de ferro e depois previne-se a sua

acumulação ulterior.

Começou-se a sangrar os doentes nos anos cinquenta e o tratamento teve muito sucesso.

Antes disso, as perspectivas eram muito desanimadoras. A diabetes podia ser tratada, de

forma que esse aspecto melhorava, mas tudo o resto tinha vindo para ficar e as pessoas

normalmente morriam de cancro no fígado ou de hepatoma. Um dos factores mais

importantes no desenvolvimento dum hepatoma é a presença da cirrose, que é o que

agora tentamos evitar a todo o custo. Agora que os doentes são sangrados, a sua

esperança de vida é virtualmente normal, especialmente se forem diagnosticados antes

da cirrose se ter desenvolvido. As pessoas podem vir tirar sangue depois do trabalho, de

modo que em teoria deveriam ser capazes de levar uma vida normal. Recomendamos

que bebam menos álcool e que bebam chá porque a tanina dificulta a absorção do ferro.

ENCONTRAR O GENE

Esperava-se que o gene da hemocromatose fosse encontrado muito mais cedo que

aquilo que aconteceu. Nos anos setenta, um geneticista populacional descreveu o elo

entre a hemocromatose e o gene HLA3. As pessoas julgaram que uma vez que tínhamos

o elo, o gene seria descoberto logo a seguir. Infelizmente, passaram-se 25 anos até que o

gene fosse finalmente identificado.

O gene da hemocromatose hereditária foi agora identificado como estando situado no

cromossoma 6 e é chamado HFE. A clonagem do gene em 1996 permitiu-nos dizer com

uma certeza absoluta se a hemocromatose estava presente num doente. Antes disto

acontecer, fazíamos um diagnóstico com base nos sintomas do doente, de modo que

tínhamos muita informação sobre o doente e o bioquímico acabava só por confirmar a

presença da mutação genética.

UM DIAGNÓSTICO SEGURO

O real valor da genética foi que, graças às análises genéticas, podemos iniciar o

tratamento dos doentes antes dos tecidos serem danificados, antes de ter ocorrido uma

cirrose ou uma diabetes, o que é extremamente importante. O tratamento em si mesmo

não sofreu grandes alterações.

No passado, os médicos só podiam apoiar-se na análise bioquímica do ferro para

verificar se as pessoas tinham uma predisposição para esta doença. Este ainda é o

primeiro passo, mas agora também podemos fazer análises do ADN para confirmar se

as pessoas são portadoras dum gene defeituoso, caso em que podem ser acompanhadas

mais de perto.

INVESTIGAÇÃO EM CURSO

A descoberta do gene também levou a identificação de formas mais raras de

hemocromatose que não são causadas por um defeito no gene da hemocromatose. Cerca

de 10% dos casos são causados por defeitos noutros genes, alguns dos quais

conhecemos, mas outros não.

Em qualquer caso, mesmo que se seja portador de um dos defeitos genéticos, não é

totalmente garantido que se apresentem sintomas. Algumas pessoas têm os genes, mas a

doença não tem expressão, enquanto que outras têm níveis de ferro elevadíssimos.

Os cientistas estão actualmente a investigar outros genes ou modificadores genéticos

que poderiam causar esta variabilidade da doença. Descobriram-se até à data quatro ou

cinco outros tipos de mutações noutros genes. Também temos de levar em consideração

os factores ambientais, tais como o nível de ferro presente na alimentação.

UMA NOVA DOENÇA

Sabe-se agora que uma doença conhecida por hemocromatose juvenil que já tinha sido

identificada há algum tempo é causada por um defeito num gene, no cromossoma 1.

Agora que sabemos a localização do gene, estamos à procura do gene propriamente dito

no cromossoma 1. A descoberta deste gene será muito excitante porque pode acontecer

que doentes que padecem duma forma particularmente grave de hemocromatose adulta

tenham mutações do gene juvenil que ainda não identificámos. Quando encontrarmos o

gene juvenil, vamos logo tentar saber se as coisas se passam assim.

Os profissionais de saúde evoluíram face à teoria de que o gene da hemocromatose é o

gene mais importante para o equilíbrio do ferro. Foi possível fazer progressos muito

rápidos na identificação de novos genes por causa dos esforços para sequenciar todos os

genes do homem, do rato e de muitas outras variedades de animais e plantas. Na área do

metabolismo do ferro, foram identificados muitos genes e as suas funções foram

descobertas. Investigadores do King’s College Hospital descobriram recentemente dois

genes que reduzem e transportam o ferro da alimentação no intestino.

Mais e mais informação genética irá permitir-nos perceber as variações das doenças das

pessoas. Seremos capazes de fazer um diagnóstico mais exacto e preparar as pessoas

para o tratamento. Uma consciencialização crescente e um diagnóstico precoce são

extremamente importantes.

MEN2A: O PONTO DE VISTA DO DOENTE

FICAR SEM O MOTOR!

Jean Ward sentia-se bem até que descobriu que tinha herdado um cancro transmitido

geneticamente, o MEN2A (neoplasia endócrina múltipla do tipo 2A ou multiple

endocrine neoplasia type 2A, MEN2A, em inglês), do pai. Primeiro, teve de retirar a

tiróide e a seguir foi a vez da glândula supra-renal. O cancro está curado, mas os

sintomas persistem e o seu sistema imunitário está enfraquecido. Levar uma vida de

família normal é uma luta diária.

O MEN2A é um tipo de cancro que afecta as glândulas endócrinas, a tiróide e as

glândulas supra-renais. O tratamento passa efectivamente por retirar estas glândulas, o

que é como ficar sem o motor!

DOIS INCIDENTES

No final dos anos cinquenta, o meu pai adoeceu com um tumor num rim. Pensámos

sempre que era verdade. A minha tia também tinha um problema semelhante e os

médicos disseram que era muito raro ocorrerem dois incidentes desse tipo numa única

família, mas as coisas ficaram por aqui. O meu pai acabou por cair de cama em 1976 e

foram feitas muitas análises nessa altura. Descobriram que tinha um tumor na tiróide,

que pensaram que já existia desde os anos cinquenta, e também um tumor numa

glândula supra-renal. Ambas as glândulas foram retiradas, mas ele estava muito doente,

ligado a uma máquina que lhe sustentava a vida. Acreditem ou não, acabou por

sobreviver a tudo isto.

ANÁLISES E OPERAÇÕES

Foi só nessa altura que fiz análises, quando se aperceberam de que se tratava dum

problema hereditário. Tomei um belo copo de uísque (como o Professor Ponder tinha

dito) para ver se a minha tiróide tinha reagido e continuámos a partir deste ponto.

Disseram-me que tinha de tirar a glândula tiróide. Ao contrário do que aconteceu com o

meu pai, nunca me tinha sentido doente antes desta operação, de forma que foi um

grande choque. Na altura, eu ainda não sabia exactamente o que estava em jogo ou qual

era o significado de tudo isto. Tinha 3 filhos com menos de 4 anos, um dos quais tinha

apenas 10 meses. Depois da operação, tive de fazer radioterapia diariamente durante

seis semanas.

Em 1985, quando estava grávida da minha última filha, fiz um exame às glândulas

supra-renais e descobri que tinha um tumor num estádio inicial. Esta situação era

diferente da do meu pai, uma vez que tinha um tumor plenamente desenvolvido quando

foi removido, ao passo que o meu era muito pequeno e foi despistado muito mais cedo.

As coisas eram um bocado mais complicadas devido ao facto de eu estar grávida pela

quarta vez nessa altura e tal significava que não poderia dar à luz naturalmente. Fiz uma

cesariana e as supra-renais foram retiradas logo a seguir. Fiquei no hospital bastante

tempo, de maneira que o meu marido teve de ficar em casa a tomar conta das três

crianças, bem como vir a Londres visitar-me.

Retirar as glândulas supra-renais deitou-me completamente abaixo. David, o meu

marido, deixou de trabalhar desde então para ajudar a tomar conta de nós todos. Não era

capaz de levar a Jeanne, a minha filha mais nova, à escola porque quase que não

conseguia andar. Mesmo hoje em dia só consigo andar até ao fim da rua e voltar para

trás e, às vezes, nem disso sou capaz. Alterou completamente a forma como me

relacionei com a Genine porque não era capaz de fazer a maior parte das coisas que

tinha feito com os outros, lições de violoncelo, lições de arte, cerâmica, simplesmente

não tinha forças. Assim, num certo sentido, a sua infância foi completamente diferente.

FILHOS

Em 1987, o ano em que o gene foi descoberto, as minhas três filhas foram analisadas e

descobriu-se que não tinham nada, mas descobriu-se também que eu tinha transmitido o

gene ao meu filho. Os médicos já tinham identificado problemas e tinham-lhe retirado a

glândula tiróide (antes da descoberta do gene) quando o Kieran tinha sete anos. O facto

de Kieran ter o gene confirmou o que já sabíamos. Fez outra operação quando tinha 16

anos para retirar mais alguns tecidos cancerosos da garganta e em 1998 teve de retirar

uma glândula supra-renal.

IMPACTO A LONGO PRAZO

Já há 17 anos que não tenho problemas e faço exames uma vez por ano. No entanto,

ainda continuo à espera de me sentir melhor porque os sintomas são os mesmos há 17

anos. O meu sistema imunitário já não funciona muito bem. Se as pessoas estão doentes,

não deixo que venham cá a casa porque fico logo muito doente. Ainda tenho de tomar

comprimidos. As doses podem ter mudado, mas a medicação continua a ser a mesma.

FALTA DE INFORMAÇÃO

O meu marido e eu temos vindo a descobrir as coisas à medida que o tempo passa. A

doença é tão rara que existem muito poucos médicos que nos podem fornecer

informações. Fora da família, não conhecemos mais ninguém que tenha esta doença. Só

existiam 3 famílias identificadas no país quando fiz a minha primeira operação.

Não é só a doença que afecta a nossa família, é também tudo o que a acompanha. Pode

haver muita pressão subjacente. O facto de não saber se os meus filhos teriam a doença

foi uma fonte de enorme preocupação para mim.

As pessoas conseguem ser muito ignorantes e temos de perder imenso tempo a explicar-

lhes tudo. Uma vez que não aparento estar muito doente, as pessoas julgam que não

estou, o que me custa muito. A minha família é muito compreensiva, mas os estranhos

geralmente não são.

Tivemos muita sorte pelo facto do nosso cancro ter sido detectado precocemente. Tenho

uma prima na Canadá que perdeu um filho devido a esta doença e o filho dela só tinha

20 anos. Foi para o hospital com pneumonia e só descobriram o cancro depois dele ter

morrido.

O FUTURO

Esperamos que a genética ajude e que seja encontrada uma cura. Testemunhámos

progressos impressionantes desde que o meu pai adoeceu. As análises são agora muito

melhores, uma mera análise ao sangue, enquanto que o meu pai teve de fazer uma série

de exames horríveis. Existe muita informação, especialmente agora com a Internet.

Tentamos obter toda a informação possível, continuamos a fazer perguntas e a

pressionar para obter respostas. O FUTURO.

MEN2A

A identificação do gene da MEN2A, o cancro hereditário das glândulas tiróides,

endócrinas e supra-renais, levou a análises mais precisas para identificar a doença.

Através da identificação precoce das pessoas afectadas, salvaram-se muitas vidas. A

investigação orienta-se agora no sentido de encontrar um tratamento melhor que a actual

abordagem de proceder à ablação cirúrgica da totalidade do tecido para prevenir o

tumor e dos problemas que tal implica a longo prazo para os doentes que ficam a lutar

para viver sem as hormonas perdidas.

NEOPLASIA ENDÓCRINA MÚLTIPLA TIPO 2 (MEN2): O PONTO DE

VISTA DO MÉDICO Professor Bruce Ponder

Bruce Ponder é um especialista em cancro que se interessou pela MEN2 por acaso...

A DOENÇA

A MEN2 é uma doença hereditária rara, identificada pela primeira vez nos anos

sessenta. Um gene defeituoso causa um tipo especial de cancro da tiróide e tumores nas

glândulas supra-renais. Os cancros da tiróide podem ser tratados através da ablação

cirúrgica da tiróide, se forem identificados suficientemente cedo, mas quando já se

espalharam para fora da tiróide o tratamento é difícil. Os tumores das supra-renais

normalmente não são cancerosos, mas produzem grandes quantidades de adrenalina que

se forem libertadas de repente na corrente sanguínea - por exemplo, ao dar à luz -

podem levar à morte súbita devido a uma tensão sanguínea alta.

Um filho duma pessoa com MEN2 tem 50% de probabilidades de herdar o gene

defeituoso e pode desenvolver tumores na tiróide ou nas supra-renais em qualquer

momento desde a infância até à maturidade.

ENVOLVIMENTO POR ACASO

Em 1981, estava a trabalhar no Royal Marsden Hospital na investigação do cancro da

bexiga. Uma tarde, como o meu serviço estava calmo, resolvi ir ajudar nos serviços da

tiróide. Para minha surpresa, descobri dois doentes com cancro da tiróide que tinham

ambos irmãos, irmãs e um parente afectados pelo mesmo tipo de cancro.

A principal preocupação era com os irmãos, as irmãs e as crianças que ainda estavam

com saúde porque podiam ter herdado o gene e estar prestes a desenvolver um cancro.

Diversos familiares dos meus doentes já tinham morrido de cancro da tiróide, com 20

ou 30 anos.

Felizmente, os cancros da tiróide podiam normalmente ser detectados num estádio

precoce porque as suas células produzem uma hormona, a calcitonina, que pode ser

medida através duma análise ao sangue.

O TESTE DO UÍSQUE

Para tornar este teste sensível era dado um “estímulo” para obrigar as células a libertar a

sua calcitonina: uma dose dupla de uísque, que tinha de ser bebida em 30 segundos e

com o estômago vazio, sendo a amostra de sangue recolhida logo a seguir. O problema

era que o teste nem sempre era fiável e, naturalmente, as crianças e mesmo os adultos

muitas vezes não tinham vontade de beber um uísque duplo às dez da manhã sem ter

tomado o pequeno almoço! Além disso, a maior parte dos médicos não conheciam a

doença, de forma que muitas vezes era preciso haver dois ou mesmo três casos de

cancro da tiróide ou morte súbita causada por tensão alta na família antes que alguém se

apercebesse da verdadeira natureza do problema e se desse início à despistagem de toda

a família. Com uma maior consciência desta doença, estas mortes podiam ser evitadas.

NOVAS TÉCNICAS

No princípio dos anos oitenta, técnicas novas permitiriam primeiro reconhecer

diferenças subtis no ADN entre as diversas pessoas. Estas diferenças podiam ser

utilizadas para construir mapas genéticos para encontrar os genes defeituosos que

ocorriam nas famílias e causavam doenças. Sabia que tinha começado a investigação

para encontrar o gene que está na origem da doença de Huntington e pensei que talvez

pudesse fazer uma investigação semelhante para o gene do cancro da tiróide. Se

encontrássemos o gene, podíamos prever rapidamente e com precisão quais eram os

membros da família que iriam ter cancro e quais não iriam. Se soubéssemos como o

gene trabalhava, esse facto podia indicar-nos como o cancro se desenvolvia.

À PROCURA DO GENE

Assim, comecei a coleccionar famílias para a pesquisa genética. A minha mulher

Maggie saía de casa antes do dia nascer para estar presente em operações à tiróide em

hospitais em toda a Inglaterra. Com a ajuda do Institute of Heraldic amd Genealogical

Studies de Canterbury ligámos pequenas famílias com cancro da tiróide a ascendentes

comuns no século XIX. A nossa grande sorte foi quando encontrámos a Dra.

Margaretha Telenius-Berg, uma médica sueca que tinha seguido a pista duma única

família sueca até 1617. Por acaso, ouvimos que uma pequena parte do mapa do gene,

quase totalmente vazio nessa altura, tinha sido preenchida por um investigador de

doenças oculares do Texas e conseguimos provar que o gene da tiróide também lá

estava. Depois de mais seis anos de trabalho por uma equipa laboratorial que chegou a

ter 10 pessoas (investigação essa que hoje em dia, com a sequência dos genes humanos

e tecnologia mais rápida, podia ser feita por duas pessoas em algumas semanas),

conseguimos isolar o gene.

Logo que vimos o gene ficamos a saber por alto como trabalhava. Pertencia a uma

família de genes - os receptores dos activadores da tirosina - que já era bem conhecida,

apesar de nunca ter sido relacionada com o cancro familiar. O gene, chamado ret, faz

uma proteína que actua como uma “antena de televisão” para receber sinais na

superfície das células da tiróide. Quando o sinal é recebido, é passado para o interior da

célula, fazendo com que esta cresça, se divida e me mexa, mas quando não existe sinal,

as células ficam paradas. O problema nas famílias com cancro da tiróide é um erro

herdado nas instruções do ADN contidas no gene, que tem como consequência uma

proteína defeituosa que produz um “receptor” que está permanentemente ligado. Assim,

as células da tiróide crescem quando não o deviam fazer, acabando por causar um

cancro.

ANÁLISES MELHORADAS

Conforme esperávamos, a descoberta do gene melhorou significativamente a assistência

que podemos dar às famílias. As crianças podem ser analisadas a partir duma pequena

amostra de sangue logo a seguir ao nascimento. Se não tiverem herdado a versão

defeituosa do gene, os pais podem ficar tranquilos. Se o tiverem herdado, podem ser

feitos planos no sentido de tratamento preventivo através duma cirurgia quando

atingirem a idade adequada.

Os membros mais velhos da família já não precisam de fazer exames anuais com o

“teste do vodka” (ou a sua versão mais recente, em que o vodka é substituído por um

estímulo diferente administrado por meio duma injecção), mas podem fazer o teste

genético e ficar descansados ou então fazer planos para proceder à ablação da tiróide.

Anteriormente, as novas famílias não eram identificadas até que se tivesse verificado

pelo menos um segundo caso, que muitas vezes só era detectado quando já não era

possível tratar o cancro com sucesso. Hoje em dia, a análise genética de todos os novos

casos de cancro da tiróide que se verifica na MEN2 é prática corrente. Os familiares dos

casos com resultados positivos também podem fazer uma despistagem.

A descoberta do gene da MEN2 e a informação dos médicos sobre as possibilidades de

efectuar análises evita pelo menos 20 ou mais mortes prematuras no Reino Unido e

evita que um número bem maior de membros da família vivam o desconforto, a

ansiedade e a incerteza das análises de despistagem anual que eram anteriormente

utilizadas.

PROBLEMAS QUE SE MANTÊM

Ainda se mantêm dois problemas. O primeiro é encontrar uma alternativa melhor que a

ablação cirúrgica de todo o tecido para prevenir os tumores. A ablação das supra-renais

coloca dificuldades ainda maiores que a ablação da tiróide em termos de substituição

das hormonas perdidas.

A segunda é traduzir o conhecimento da forma como os tumores se desenvolvem num

tratamento eficaz. Tal é especialmente importante para os casos isolados, ou seja, não

hereditários do cancro da tiróide. São mais comuns que a forma herdada e de difícil

tratamento, mas partilham o mesmo problema fundamental causado um gene ret

defeituoso.

A investigação recente sugere que o nosso conhecimento da forma como o gene ret

defeituoso envia sinais enganadores às células para crescer é agora suficientemente

preciso para permitir o desenvolvimento dum tratamento específico a breve trecho.

HEMOFILIA

Nos anos trinta, 70% dos hemofílicos morriam antes dos 20 anos. A introdução do

tratamento com concentrados do factor foi um enorme progresso - seguido por efeitos

devastadores quando muitos hemofílicos foram infectados com os vírus da hepatite e o

HIV contidos nesses concentrados nos anos setenta e oitenta. A tecnologia da

engenharia do ADN trouxe o tratamento com o factor sem risco de infecção, um

diagnóstico precoce e eficaz dos doentes e dos portadores e uma esperança de vida

normal. Existem muitas esperanças de que no futuro novos tratamentos venham a

resultar da investigação genética.

HEMOFILIA: O PONTO DE VISTA DO DOENTE

“A HEMOFILIA RARAMENTE ME FAZ PARAR”

Dan Jolley é um adolescente que tem uma hemofilia grave do tipo A.

Diagnosticaram-me quando tinha oito meses, depois dos meus pais terem tentado

perceber porque é que estava sempre cheio de nódoas negras. Comecei o meu

tratamento em casa quando tinha oito anos e não era nada fácil injectar-me. Tive sempre

acesso a um produto duma grande pureza. Entre os 9 e os 10 anos comecei a ter

problemas com as veias e acabei por ter de andar com um cateter durante um ano.

Depois das minhas veias recuperarem, progredi para a auto-perfusão e agora sou

totalmente auto-suficiente e consigo injectar-me em ambos os braços.

DESPORTOS

Durante todo este tempo, tenho estado sempre muito activo e sou bastante desportista. A

atitude dos meus pais nunca foi fecharem-me em casa. Quando tinha cinco anos, fui

identificado por um treinador local de ténis e comecei a jogar mini-ténis. Joguei num

clube local e ganhei alguns torneios, progredindo rapidamente para o ténis normal. Hoje

em dia, jogo em pares e singulares para dois clubes e ganhei torneios locais e nacionais

em ambas as categorias. Sempre joguei futebol e agora que estou no secundário também

jogo basquetebol, badmington e críquete. Comecei recentemente a atirar e entrei num

clube para dar algum descanso ao meu tornozelo!

Tentei tocar trompete e ainda cheguei ao terceiro ano, mas o controlo da respiração e os

serviços do ténis levavam a hemorragias repetidas dos músculos do estômago, a que se

seguiam períodos de inactividade, descanso na cama, doses enormes de tratamento e

dores. Como não é disso que eu gosto, desisti de tocar trompete e agora tenho muito

cuidado quando sou eu a servir no ténis!

TRATAMENTO

Todas estas actividades só foram possíveis com um bom tratamento - é suposto que seja

feita a profilaxia três vezes por semana.

Quando tinha oito anos, o meu tornozelo estava sempre a sangrar e não havia meio de

sarar - foi assim que descobriram que eu tinha inibidores, que causaram lesões e artrite.

Recebi um tratamento de alto regime e foi assim que me vi livre dos inibidores. Hoje

em dia, faço tratamento com um factor geneticamente modificado. Fiz uma reacção

alérgica ao primeiro, mas o que uso actualmente é óptimo.

O director da minha escola aprendeu a injectar-me e é quem me apoia durante muitas

das viagens da escola ao estrangeiro. Com a escola e a minha família, já visitei dez

países e em Julho fui à Malásia com a escola e com o meu grande saco de factor VIII.

ÓPTIMO FUTURO

O futuro parece-me óptimo. A minha vida é muito cheia e activa. Espero conseguir

quatro notas máximas e entrar em medicina. Tenho uma vida social activa na igreja e na

escola e passei recentemente o exame de condução.

A hemofilia raramente me faz parar. Tenho plena consciência da diferença que fazem as

injecções regulares de produto duma elevada pureza e o apoio do centro e dos médicos

para o tipo de vida que posso levar, comparado com o que ela seria se tivesse nascido 10

ou 20 anos mais cedo. Assim, vou tentar aproveitar a minha vida ao máximo e, se

chegar a ser médico, vou ser compreensivo para as pessoas que têm de tomar muitas

injecções e têm dores.

HEMOFILIA: O PONTO DE VISTA DO DOENTE

O TRATAMENTO DENTRO DUMA CAIXA

Por Chris Hodgson, Presidente da Haemophilia Society do Reino Unido, que vive com a

hemofilia há 62 anos.

Quando me ponho a pensar na minha vida, apercebo-me de que houve enormes

mudanças no tratamento, com muitas das quais eu não teria sido capaz de sonhar

quando era novo. Nos anos quarenta e cinquenta, a vida duma pessoa com hemofilia não

era muito diferente da vivida por Alexei, o filho do Czar da Rússia, ou o Príncipe

Leopoldo, filho da Rainha Vitória. Para os proteger, a maior parte das mães não os

deixava fazer rigorosamente nada.

Quando nasci em 1941, a esperança de vida era de cerca de 16 anos. O Dr. Charles

Rizza costumava dizer às mães de crianças a quem a hemofilia tinha sido recentemente

diagnosticada que provavelmente não chegariam aos 12 anos, mas felizmente muitos de

nós sobreviveram, essencialmente talvez devido a sorte ou ao apoio das nossas famílias.

A DOR

O que por vezes é esquecido por uma geração que cresceu com os concentrados do

factor era o enorme medo da dor causada pelas hemorragias nas articulações e nos

músculos. Noites sem dormir, sem analgésicos eficazes, e os médicos por ignorância

costumavam receitar aspirina. Não havia agulhas pequenas como as que temos hoje,

tendo-se por vezes de cortar as veias de um bebé para fazer uma transfusão de sangue,

que então era de plasma fresco congelado. A juntar a tudo isto, ainda havia as longas

horas que se passavam no hospital. Demorava eternidades a fazer o tratamento e ainda

tínhamos sorte se encontrássemos um médico que soubesse alguma coisa acerca da

hemofilia.

E depois havia dias e dias perdidos na escola. A necessidade de descansar na cama e de

ir ao St Mary’s Hospital em Paddignton para fazer tracções para endireitar as

articulações e pôr talas para que os joelhos não ficassem permanentemente dobrados.

Havia muito poucas possibilidades de fazer desporto. Ainda consegui jogar um bocadito

de ténis, mas o futebol estava fora de questão e quando pedi para jogar críquete, a minha

mãe disse à escola que era demasiado perigoso. Muitos de nós, evidentemente,

morreram de hemorragia cerebral, facilmente causada por uma bola de críquete.

ESPECIALISTA EM HEMOFILIA

Quando entrei no meu primeiro emprego em North Devon, era seguido pelo hospital

local, mas também era visto regularmente por um director dum centro de Exeter. O Dr.

Edgcumbe foi o primeiro médico que encontrei, com excepção das visitas que fiz a

Oxford, que se especializou na hemofilia. Para as hemorragias graves, concebeu um

sistema em que um saco de plasma fresco congelado era posto numa arca térmica e

depois enviado do seu hospital em Exeter por comboio para Barnstaple, onde era

recolhido para ser injectado logo que possível. Quando penso nisso, não consigo

imaginar como é que tal poderia ser feito agora, com o comboio a levar o dobro do

tempo para fazer a mesma viagem e com comboios só algumas vezes por dia! Também

me lembro duma hemorragia terrível no antebraço em que por causa da dor e do perigo

de lesão nos nervos fui levado de ambulância para Exeter e depois de noite para Oxford,

onde a Dra. Rosemary Biggs ponderou a possibilidade de me amputar o braço direito

com medo da gangrena. Felizmente, quando ela me disse que havia essa possibilidade,

produzi adrenalina suficiente para fazer parar a hemorragia.

TRATAMENTO EXTERNO

Depois de North Devon, voltei para o nosso negócio na indústria automóvel em

Petersfield e um cirurgião amigo do meu pai, Harry Haysom, disse-me que podia ir ao

Centro de Hemofilia do Treloar College como doente externo. Deu-se assim início ao

tratamento que ainda faço hoje em dia. Tínhamos o nosso próprio guardião, um médico

especializado em hemofilia e uma freira também especializada. Nessa altura, Treloar

estava a adquiri uma enorme experiência no campo dos cuidados a hemofílicos porque

cerca de 80% dos rapazes que andavam no colégio sofriam de formas graves desta

doença. Dessa forma, podiam ter uma boa educação sem terem de ir constantemente ao

hospital para serem tratados. Hoje em dia, naturalmente, podem ir às escolas normais.

HEPATITE E HIV

Em 1973, recebi o meu primeiro concentrado de factor VIII e, como sucedeu com os

rapazes, ensinaram-me a levar o tratamento para casa. Para mim, tal significou uma

enorme transformação. Tinha controlo sobre as hemorragias, mas infelizmente, sem o

sabermos, seguiu-se a devastação causada pelo vírus da hepatite e pelo HIV que foi

descrita como um dos maiores desastres sanitários da nossa geração.

É muito doloroso para muitos de nós lembrarmo-nos de que tantos desses rapazes já

morreram devido ao concentrado infectado que nessa altura transformou as nossas

vidas.

ASPECTOS PSICOLÓGICOS

Posso abordar os aspectos psicológicos de viver com hemofilia, um assunto que me

interessa particularmente, em especial as dificuldades por que passa toda a família, não

apenas o doente. Sinto uma grande necessidade de manter uma atitude positiva, levar

uma vida tão normal quanto possível, bem como testar os limites da minha incapacidade

e a partir destes sentimentos tentar e ser normal.

Consegui levar uma vida bastante activa. Consegui gerir um negócio, guiar um carro em

ralis, voar num planador e convencer os meus instrutores de que era capaz de ensinar

outros quando ganhei experiência suficiente.

Uma estranha coincidência é que um dos meus alunos teve um filho que nasceu

hemofílico. Quando lhe disse que tinha a mesma doença, ele respondeu “Não acredito!

Está a gozar comigo!”. O seu filho casou-se recentemente e trabalha num escritório de

advogados, depois de ter feito uma licenciatura em Direito em Oxford. Quando ele

nasceu, os médicos tinham dito aos pais que o filho teria de levar uma vida muito

protegida.

Ainda faço tratamento no mesmo centro de cuidados gerais, agora em Basignstoke, que

estava anteriormente situado no Treloar College, em Alton, no Hampshire. Hoje em dia,

a minha principal preocupação é uma especificação nacional da hemofilia que está a ser

produzida pela Haemophilia Alliance. Tem sido um privilégio trabalhar com todos os

seus membros na produção deste documento nacional.

HEMOFILIA: O PONTO DE VISTA DO MÉDICO Professor Paul Giangrande, Oxford Haemophilia Centre

Paul Giangrande trabalhou como médico de clínica geral antes de decidir especializar-se

em hematologia nos anos oitenta.

A DOENÇA

A hemofilia é uma doença congénita que causa hemorragias. É um distúrbio no

cromossoma X ligado ao sexo. As mulheres são portadoras, uma vez que têm dois

cromossomas X (os homens tem um X e um Y), sendo o cromossoma defeituoso

compensado pelo outro. Uma vez que os homens só têm um cromossoma X, se

receberem o gene defeituoso, não têm nada para compensar e é por isso que são

afectados pela doença. Uma sintoma típico é a hemorragia espontânea nas articulações.

O doente é capaz de dizer que tem uma hemorragia muito antes de haver quaisquer

sinais externos. Em geral, queixa-se duma ligeira dor ou rigidez na articulação e duma

sensação de calor. Pode causar hemorragias internas graves e, se não for tratada, as

crianças não costumam chegar à adolescência.

TRATAMENTOS

Nos anos trinta, as pessoas descobriram que a hemofilia era causada pela falta duma

proteína no sangue. Havia então que descobrir essa proteína e chamaram ao seu coalho

factor VIII. O tratamento era bastante básico mas muito eficaz - administrar sangue

fresco ou, melhor ainda, plasma fresco. Isto pode parecer muito fácil, mas nessa altura

não havia serviços de transfusão de sangue desenvolvidos. O outro problema era que só

se encontrava uma quantidade limitada de factor VIII no plasma cru, de forma que era

necessária uma grande quantidade de plasma para tratar uma hemorragia grave.

Em 1965, a Dra. Judith Poole descobriu que se congelasse um saco de plasma até cerca

de 30 graus negativos e depois o aquecesse lentamente até cerca 4 graus positivos se

formava uma substância chamada crioprecipitado que era muito rica em factor VIII. Isto

significou um grande progresso porque significava que se podia concentrar o factor VIII

em volumes relativamente pequenos e guardá-lo nos frigoríficos domésticos. Pela

primeira vez, os doentes podiam tratar-se a si próprios em casa e tal transformou

totalmente as suas vidas.

Até essa altura, as pessoas eram tratadas quando tinham hemorragias, mas este novo

tratamento veio significar que podíamos fazer um tratamento profiláctico, tratando os

doentes duas ou três vezes por semana para ajudar a prevenir as hemorragias. Este

método também interrompe o desenvolvimento de incapacidades. No passado,

conseguíamos tratar as hemorragias, mas o sangue permanecia nas articulações, o que

causava à sua destruição e levava a artrites.

INFECÇÕES

Foi um grande retrocesso quando os hemofílicos começaram a ser diagnosticados com

HIV e hepatite C, o que levou as pessoas a prestarem mais atenção à origem do plasma.

Uma forma de proceder à despistagem dos doadores foi implementada muito

rapidamente e as pessoas trabalharam arduamente para descobrir uma forma de tratar os

produtos sanguíneos recebidos pelos doentes para se ter a certeza de que todos os vírus

tinham sido inactivados. Hoje em dia, as pessoas são tratadas com o factor VIII de 1994

e o factor IX de 1997 recombinantes. Dado que estes produtos foram modificados

geneticamente, eliminou-se o risco de doenças. Estes produtos são muito caros e só

recentemente é que o governo do Reino Unido anunciou que todos os doentes seriam

passados para os produtos recombinantes ao longo dum período de três anos.

PAPEL DO ADN

O ADN ajudou-nos a perceber a causa da hemofilia a um nível genético, o que é

importante porque nos permite identificar quais são as pessoas da família que correm o

risco de ter hemofilia. Também nos permitiu produzir tratamentos eficazes, tais como os

factores VIII e IX recombinantes. A esperança de vida dum doente sem hepatite C e

sem HIV é hoje normal.

INVESTIGAÇÃO FUTURA

O nosso objectivo último é encontrar uma terapia genética para curar a hemofilia, mas

este desiderato ainda está longe de ser atingido. Gostaria de ver a engenharia genética

aplicada à produção de moléculas com propriedades modificadas de forma que em vez

de termos de dar uma injecção a um doente que fizesse efeito durante, digamos, 12

horas, fizesse efeito durante vários dias. Julgo que este será o próximo passo.

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