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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA JUDICIAL DA COMARCA DE NÃO-ME-TOQUE – RS. CONTESTAÇÃO Processo nº 112/1.10.0001416-6: MUNICÍPIO DE TIO HUGO , pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Rua Rio de Janeiro, n. 175, no município de Tio Hugo, RS, inscrito no CNPJ/MF sob n. 04.207.638/0001-59, neste ato representando pelo Prefeito Municipal, Senhor VERNO ALDAIR MÜLLER, brasileiro, casado, advogado, residente e domiciliado no município de Tio Hugo, RS, portador do CPF/MF sob n. 444.629.990-53, inscrito no RG sob n. 1029238654, SSP/RS, por seu procurador, infra- assinado, ut instrumento procuratório incluso [Doc. anexo], vem com o devido respeito e acatamento a Vossa Excelência, apresentar CONTESTAÇÃO à Ação Civil Pública, que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO, para dizer e ao final requer o que segue: I – DA SÍNTESE DO FEITO . 1

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA JUDICIAL DA COMARCA DE NÃO-ME-TOQUE – RS.

CONTESTAÇÃO

Processo nº 112/1.10.0001416-6:

MUNICÍPIO DE TIO HUGO, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Rua Rio de Janeiro, n. 175, no município de Tio Hugo, RS, inscrito no CNPJ/MF sob n. 04.207.638/0001-59, neste ato representando pelo Prefeito Municipal, Senhor VERNO ALDAIR MÜLLER, brasileiro, casado, advogado, residente e domiciliado no município de Tio Hugo, RS, portador do CPF/MF sob n. 444.629.990-53, inscrito no RG sob n. 1029238654, SSP/RS, por seu procurador, infra-assinado, ut instrumento procuratório incluso [Doc. anexo], vem com o devido respeito e acatamento a Vossa Excelência, apresentar CONTESTAÇÃO à Ação Civil Pública, que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO, para dizer e ao final requer o que segue:

I – DA SÍNTESE DO FEITO .

O Requerente ingressou com a referida Ação Civil Pública, com pedido de Antecipação de Tutela, para fornecimento de medicamentos, em face do ora Requerido e do Estado do Rio Grande do Sul, e, em favor de Enio Treher, pessoa idosa, contando atualmente com 69 anos de idade, com o intuito de receber continuamente, pelo prazo prescrito no laudo médico em anexo, o medicamento RITUXIMAB 700mg/ciclo, nos termos da exordial.

O Requerente informa que a mesmo apresenta diagnóstico de LINFOMA NÃO-HODGKI, doença registrada sob CID 10 C83.9, consoante Atestado Médico e Laudo Médico, referindo ser de extrema necessidade a utilização dos medicamentos, pelo fato desta patologia colocar em risco a sua vida.

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Suscita que a Sr. Enio Treher necessita do referido medicamento de forma contínua e não possui condições de arcar com as despesas do tratamento sem prejuízo de seu próprio sustento, em razão de o mesmo ser aposentado e receber somente o benefício previdenciário no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais).

Em sede de antecipação de tutela, o Douto Magistrado a quo determinou que o ora Requerido e o Estado do Rio Grande do Sul, devem fornecer, dentro do prazo de 15 (quinze) dias, a medicação descrita na inicial ao idoso Sr. Enio Treher, de forma contínua, regular e gratuita, sob pena de bloqueio do valor correspondente para o cumprimento da medida.

No entanto, antes de adentramos na discussão judicial, o ora contestante, vem informar que em virtude da tutela antecipada deferida por este Juízo, foi imediatamente determinada pelo Estado do Rio Grande do Sul a liberação do medicamento requerido, o que está devidamente comprovado pelas informações constantes no relatório em anexo, cujo medicamento está sendo disponibilizado no posto de saúde do Município Requerido , o que está devidamente comprovado pelos relatórios dos medicamentos fornecidos e demais documentos ora anexados, os quais está devidamente assinado pelo beneficiário (requerente).

II – DO DIREITO.

a) Das Preliminares.

a.1) Da Ilegitimidade Passiva ad causam do Município

A Lei Federal nº 8.080/90 trata da questão da saúde e estabelece quais ações competem a cada ente da Federação.

Conforme dispõe ao art. 6º, inciso I, alínea “d”, da Lei 8.080/90, a responsabilidade farmacêutica está incluída como um dos campos de atuação do SUS, e, portanto compartilhada entre as três esferas de governo.

O art. 18 da referida Lei, assim como o Anexo I da mesma, tratam acerca da competência do Município.

Compete ao Município, portanto, o fornecimento dos chamados medicamentos básicos. Percebe-se, então, que nenhum dos medicamentos solicitados pelo Requerente está entre aqueles de responsabilidade do Município, razão pela qual a antecipação de tutela concedida não merece prosperar.

No Município de Tio Hugo vige o Plano Municipal de Assistência Farmacêutica Básica, que segue as diretrizes do órgão estadual competente, e estabelece como objetivo "a garantia e disponibilidade de um elenco de medicamentos essenciais que atenda as necessidades determinadas pelas ações de atenção integral à Saúde".

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Neste Plano estão elencados os medicamentos que devem, obrigatoriamente, serem fornecidos pelo Município. Estes medicamentos, por ser dever do Executivo Municipal, são adquiridos através do competente procedimento licitatório, como assim determina a Lei Federal nº 8.666/93.

Entretanto, os medicamentos pleiteados pelo Requerente, não se enquadram no rol dos medicamentos obrigatórios que devam ser fornecidos pelo Município.

Portanto, como o medicamento “RITUXIMAB 700mg/ciclo” não integra qualquer lista de medicamentos, este deve ser fornecido pelo Estado do Rio Grande do Sul, sendo o ora contestante, neste caso, responsável subsidiariamente pelo seu fornecimento, e não solidariamente como pretende o Ministério Público.

Constitui obrigação do Estado do Rio Grande do Sul, conforme disposto na Lei Estadual nº 9.908, de 16 de junho de 1993:

"Art. 1º - O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento e de sua família.

Parágrafo Único - Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com freqüência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente." (grifamos)

Têm-se tornado regular a distribuição de liminares para fornecimento de medicamentos, de todas as espécies e para todos os gostos. Os pedidos têm-se avolumado contra os entes públicos municipais, mesmo este não tendo as mínimas condições orçamentárias e financeiras, já que os recursos estão efetivamente nas esferas de governo estadual e junto à própria União, gestores do Sistema Único de Saúde.

Medicamentos essenciais e excepcionais, que sejam a única forma de garantir a vida de alguém, estão sendo concedidos pelo Poder Judiciário. Não se discute o mérito da questão, apenas a possibilidade de quem não possui recursos para a satisfação das demandas.

Evidentemente que não pode o Poder Público Municipal assumir tais situações. A população que depende do orçamento geral do Município precisa sim ser atendida, mas dentro das possibilidades orçamentárias e das necessidades essenciais e excepcionais. Quando o país viver uma situação de fartos orçamentos e recursos em abundância, talvez assim mesmo esta situação fosse de discutível definição.

Os Municípios possuem orçamento definido e planejado, restando inconstitucional medida ou ato tendente ao aumento de despesas, sem a conseqüente previsão orçamentária. Inexiste no ordenamento a garantia da destinação de recursos públicos para situações individualizadas.

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E o que mais preocupa é a forma com que alguns julgadores tratam o orçamento municipal, como se fosse interminável e cujas despesas pudessem ser geradas de acordo com a vontade do gestor, atropelando quaisquer procedimentos legais, orçamentários, financeiros e de comando político administrativo.

Ademais, esta atribuição cabe ao Estado do Rio Grande do Sul e ao Sistema Único de Saúde, eis que assim preconiza a legislação. O art. 196 da CF/88 é claro quando prevê que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado.

A Carta Estadual, em seu art. 241, diz que “a saúde é um direito de todos e um dever do Estado e do Município, através de sua promoção, proteção e recuperação.”

Está claramente exposto na lei que a concessão de medicamentos de uso permanente e indispensáveis a vida do paciente é dever do Estado do Rio Grande do Sul.

Ademais, há entendimento de que é do Estado do Rio Grande do Sul a responsabilidade pelo fornecimento dos medicamentos:

"FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. OBRIGAÇÃO DO ESTADO. LEI 9908/93. É dever do Estado fornecer medicamentos a pessoas carentes, demonstrados os pressupostos constantes na Lei 9908/93. Ordem concedida. (Fls.04). (Mandado de Segurança nº 70004207023, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Marco Aurélio Heinz. Julgado em 06/09/02)."

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO PELO ESTADO DE MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS PARA PESSOAS NECESSITADAS, NA FORMA DA LEI ESTADUAL 9908/93. PACIENTE PORTADOR DE VÍRUS HIV. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. OBRIGAÇÃO DO ESTADO EM FORNECER MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS DE USO FREQUENTE E PERMANENTE – EPIVIR E INVIRASE - AOS NECESSITADOS.” (RE 264-269-0 – STF – Relator Min. Moreira Alves – 11.04.2000)

"CONSTITUCIONAL. DIREITO À VIDA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA MENTAL SEVERA E EPILEPSIA DE DIFÍCIL CONTROLE. POSSIBILIDADE.1. É desnecessário, para acudir a via jurisdicional, esgotar ou pleitear na instância administrativa. Preliminar rejeitada.2. Legitima-se o Estado do Rio Grande do Sul, passivamente, em demanda em que alguém pleiteia o fornecimento de medicamentos, pois se obrigou a semelhante prestação, nos termos do art.1º da Lei nº 9.908/93. Preliminar rejeitada.3. O direito à vida (CF/88, art.196), que é de todos e dever do Estado, exige prestações positivas, e, portanto, se situa dentro da "reserva do possível", ou seja, das disponibilidades orçamentárias. No entanto, é

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passível de sanção a ausência de qualquer prestação, ou seja, a negativa genérica a fornecer medicamentos.4. Apelação desprovida. (Apelação Cível nº 70000537355, 4ª Câmara Cível do TJRS, Ijuí, j. 09.02.2000)."

Portanto, considerando as disposições da Lei Estadual nº 9.908/93 e do Plano de Assistência Farmacêutica do Município, devidamente aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde e Conselho Estadual de Saúde, o Município de Tio Hugo, não pode ser considerado parte legítima na demanda ajuizada pelo Requerente.

a.2) Da Concessão de Antecipação de Tutela contra a Fazenda Pública.

Humberto Theodoro Júnior, apesar de entender ser admissível a concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, ao exarar comentário sobre o assunto, leciona:

“Mais do que um julgamento antecipado da lide, a medida autorizada pelo art. 273 do CPC vai ainda mais longe, entrando, antes da sentença de mérito, no plano da atividade executiva. Com efeito, o que a lei permite é, em caráter liminar, a execução de alguma prestação que haveria, normalmente, de ser realizada depois da sentença de mérito, e já no campo da execução forçada. Realiza-se, então, uma provisória execução, total ou parcial, daquilo que se espera venha a ser o efeito de uma sentença ainda por proferir” (Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela, coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 188).

Impõe-se ressaltar que a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública encontra óbice no artigo 475 do CPC e na Lei 9494/97. Os argumentos trazidos no julgamento do Agravo de Instrumento n. 2002.000071-0, através do seu relator, Desembargador Luiz Cézar Medeiros, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, ao tratar sobre a tutela antecipada contra a Fazenda Pública, conforme segue:

O ponto central da questão brandida pelo insurgente reside na possibilidade ou não da concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Embora as acirradas divergências registradas pela doutrina e jurisprudência, entendo viável a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública nos casos em que, além dos requisitos que a autorizam, não implique burla à regra estatuída no artigo 475 do Código de Processo Civil e não represente a antecipação de dispêndios de caráter patrimonial que somente poderiam ser obtidos após o regular processamento do precatório previsto no art. 100 da Carta Magna. Como é sabido, prevê o art. 475, inc. I, do Código de Processo Civil que as sentenças proferidas contra a União, contra o Estado e contra o Município estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição, adquirindo eficácia a decisão de primeira instância somente após o reexame pelo Tribunal. Ainda que no artigo 273

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do Código Instrumental, que dispõe sobre a antecipação da tutela, não haja expresso impedimento quanto a sua concessão nas ações contra a Fazenda Pública, verifica-se que o deferimento da tutela antecipada produz os efeitos executivos desta.

Dessa forma, a concessão da tutela antecipatória contra o Estado nos parece inexeqüível, pois estar-se-ia antecipando um efeito fático sem o preenchimento das condições para o exercício imediato, vez que não confirmado pela instância superior.

Araken de Assis, ao analisar acerca da proibição da antecipação, afirma: “Como ensina Calmon de Passos, a antecipação da tutela é problema de política processual, que o legislador pode conceder ou negar, sem que com isso incida em inconstitucionalidade. Assim, o art. 1º da Lei 8.437/92 veta a concessão de liminar contra a Fazenda Pública, em quaisquer ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que semelhante providência não puder ser obtida através de mandado de segurança (v.g., pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias: art. 1º, § 4°, da Lei 5.021/66). A proibição alcançará, em identidade de situações, a antecipação da tutela (art. 273). Rigorosamente constitucional, deste modo, o art. 1° da lei 9.494 de 10.09.97, que tornou letra explícita a proibição já subsumida na Lei 8.437/92”. (Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela, coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 28).

No que se refere à forma do pronunciamento jurisdicional para conceder ou negar a tutela antecipada, no estudo "A Fazenda Pública e a Antecipação Jurisdicional da Tutela", observa Francesco Conte:

Descabe, reitere-se, em perspectiva de interpretação sistemática, a antecipação de tutela quando, no pólo passivo, figurar a União, os Estados-membros, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, posto que, se a própria sentença proferida contra estas entidades de direito público está sujeita ao reexame necessário, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal (art. 475, II, do CPC), a medida antecipatória, concedendo o próprio direito afirmado pelo autor, consubstanciando mera decisão interlocutória, a fortiori, não tem, na espécie, aptidão para produzir qualquer efeito. A eficácia do apêndice (decisão interlocutória) não pode ser maior do que a do próprio corpo (sentença). A decisão interlocutória, na espécie, não tem o efeito de produzir os efeitos interditados, ex vi do disposto no art. 475, II, do CPC, ao pronunciamento jurisdicional mais importante que é a própria sentença’ (RT 718/20).

Portanto, a decisão interlocutória, na espécie, não tem o efeito de produzir os efeitos interditados, consoante dispõe o art. 475, I, do CPC, por ser o pronunciamento jurisdicional mais importante que é a própria sentença (RT 718/20).

Os ilustres operadores do Direito Mirna Cianci e Luiz Duarte de Oliveira, em recente estudo acerca da possibilidade de antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, aduzem: “não mais se discute a constitucionalidade das normas que restringem ou impedem a concessão de liminares contra o Poder Público”.

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Já o Prof. J.J. Calmon de Passos opina a respeito, com indiscutível clareza e juridicidade, que merece destaque: “Sempre sustentei que a garantia constitucional disciplinada no inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito) diz respeito, apenas, à tutela definitiva, aquela que se institui com a decisão transitada em julgado, sendo a execução provisória a antecipação da tutela problemas de política processual que o legislador pode conceder ou negar, sem que isso incida em inconstitucionalidade. Vetar liminares neste ou naquele processo jamais pode importar inconstitucionalidade, pois configura interferência no patrimônio ou na liberdade dos indivíduos, com preterição, mesmo que em parte, das garantias do devido processo legal, de base também constitucional. Daí sempre ter sustentado que a liminar, na cautelar, ou antecipação liminar da tutela em qualquer processo, não é direito das partes constitucionalmente assegurado”. (RT 770/99)

Nesse sentido, colacionamos os seguintes arestos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. FAZENDA PÚBLICA. INADMISSIBILIDADE. RECLAMO ACOLHIDO. Sob o prisma prático, a antecipação da tutela corresponde ao deferimento à parte, já no vestíbulo do processo, do direito por ela reclamado, direito esse que, de regra, somente poderia ser reconhecido e concedido a final, através sentença de mérito. Se as sentenças concessivas de direitos contra os organismos públicos hão que submeter-se, obrigatoriamente, ao reexame pela Instância superior, após o que, e somente então, tornar-se-ão exeqüíveis, adquirindo foro de efetividade, a medida que antecipa, na prática, o próprio direito proclamado pelo autor em detrimento da Fazenda Pública, traduzindo-se em mero provimento interlocutório, não terá, igualmente, eficácia para, de imediato, estabelecer qualquer efeito. A não se entender assim, estar-se-á emprestando, por certo, maior e mais profícua eficácia a uma decisão interlocutória do que à própria sentença’ (AI n. 96.004297-0, Des. Trindade dos Santos).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. INADMISSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ORDENAMENTO PROCESSUAL UTILIZANDO-SE DO MÉTODO LÓGICO-SISTEMÁTICO. Muito embora o art. 273, do CPC, não estabeleça a expressa vedação a respeito, não é permitida a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, pois é notório que a sentença proferida contra esta, obrigatoriamente, estará sujeita ao reexame necessário - art. 475, II, do CPC, para então, ser eficaz. Assim, não há como tornar exeqüível decisão interlocutória proferida em juízo de verossimilhança, se a própria sentença, nestes casos, só poderá ser executada quando confirmada pelo segundo grau. (AI n. 98.008247-1, Des. Silveira Lenzi).

TUTELA ANTECIPADA. MUNICÍPIO. VEDAÇÃO LEGAL. INADMISSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. Não cabe antecipação de tutela contra a Fazenda Pública porquanto a decisão concessiva, tratando do mérito, ainda que provisória, demandaria ao reexame necessário (CPC, art. 475), exigido para a sentença definitiva. (AI n. 98.008178-5, Des. Nilton Macedo Machado). A

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exeqüibilidade, pois, da tutela antecipatória contra o Estado, encontra óbice no art. 475, inciso II, do Estatuto Processual Civil.

Conforme o doutrinador Alexandre de Paula:

A natureza jurídica da antecipação da tutela é de decisão de mérito provisoriamente exeqüível, colidindo com o art. 475 do CPC, que determina o reexame necessário das decisões proferidas contra as pessoas jurídicas de direito público. A supremacia do interesse público sobrepuja o particular (PAULA. Alexandre de. Código de Processo Civil Anotado. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1998. v. 2. p. 1363).

Ainda, nesse sentido, destaca Antonio Raphael Silva Salvador:

Entendemos impossível a tutela antecipada concedida a favor do autor contra a União, o Estado e o Município, pois aí haveria, obrigatoriamente, pedido de reexame necessário se a concessão fosse em sentença final, o que mostra que não é possível, então, a tutela antecipada, que burlaria a proteção legal prevista no art. 475, II, do Código de Processo Civil. Compreenda-se que se nem a sentença definitiva, proferida após instrução da causa poderia introduzir efeitos, desde logo, se vencida pessoa jurídica de direito público, então muito menos se poderia pretender dar esse efeito em julgamento provisório e revogável. Tudo estaria sujeito ao duplo exame, ao chamado reexame necessário obrigatório para a sentença contra a União, Estados e Municípios, só produzindo efeitos após confirmação pelo tribunal competente’ (Da Ação Monitória e da Tutela Jurisdicional Antecipada, São Paulo: Malheiros, 1995, p. 56-57).

Portanto, há de ser revista a decisão em debate, tendo em vista os fatos expostos e a impossibilidade de conceder tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública.

b) No Mérito.

b.1) Do Princípio da Legalidade.

Inicialmente, no mérito, é preciso destacar que a Administração Pública, diversamente da área privada, fica integralmente submetida à norma legal. Não possui ela, o mesmo grau de liberdade da ação que os administrados, os quais podem tudo fazer desde que não exista vedação legal. Tanto a Administração Pública quanto seus agentes estão sujeitos, em toda sua atividade, aos mandamentos da lei, deles não podendo se afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor.

Qualquer ação estatal só pode ser feita se autorizada por lei, e ainda assim, quando e como autorizada. Se a lei nada dispuser, não pode a Administração Pública agir, salvo situações excepcionais. É um campo de

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ação bem menor que o do particular. (Gisele Maria Bester “in” Cadernos de Direito Constitucional, Ed. Síntese)

Em decorrência desse princípio, ensina o Mestre Roque Carraza1, convivem harmonicamente a ordem jurídica global (o Estado Brasileiro) e as ordens jurídicas parciais, central (a União) e, periféricas (os Estados-membros). Esta múltipla incidência só é possível por força da cuidadosa discriminação de competências, levada a efeito pela Constituição da República. E prossegue o Mestre:

Como, em termos estritamente jurídicos, só podemos falar em hierarquia de normas quando umas extraem de outras a validade e a legitimidade (Roberto J. Vernengo), torna-se onipotente que as leis nacionais (do Estado brasileiro), as leis federais (da União) e as leis estaduais (dos Estados - membros) ocupam o mesmo nível, vale consignar, umas não preferem às outras. Realmente, todas encontram seu fundamento de validade na própria Carta Magna, apresentando campos de atuação exclusivos e muito bem discriminados. Por se acharem igualmente subordinados à constituição, as várias ordens jurídicas são isônomas, ao contrário do que proclamam os adeptos das doutrinas ‘tradicionais’.

Existem diretrizes, leis a serem cumpridas, há uma regra orçamentária a ser respeitada. As medidas, por causarem gastos para o Município, devem observar os ditames da lei orçamentária (art. 165 e parágrafo da CF), tudo sob o manto das vedações expressas, entre as quais o início de programas não incluídos na lei orçamentária anual e a transposição ou transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa (art. 167, I e VI, da CF).

Assim, não obstante as linhas do “ideal”, traçadas pela Constituição Federal, não se pode prescindir da legislação local, onde se estará fazendo a devida previsão orçamentária para o suporte dos gastos.

Há de se mencionar, ainda, a impossibilidade de auto-aplicação do artigo 196 da Constituição Federal, eis que a garantia do direito à saúde está condicionada a políticas sociais e econômicas, devendo atender aos planos orçamentários previstos nos artigos 165 e 167 da Constituição Federal.

Ademais, é tarefa do Poder Executivo a destinação de recursos, não podendo o Poder Judiciário interferir na administração pública, diante do princípio da Separação dos Poderes, até porque não foi observada a Lei nº 8.666/93, tendo em vista a necessidade de processo licitatório para a entrega da medicação pleiteada. Sustenta a inexistência do direito pleiteado em razão da impossibilidade de canalização de recursos para situações individualizadas e da falta de previsão orçamentária, de acordo com as normas previstas na Constituição Federal, e em razão do caráter programático das normas que garantem o direito à saúde.

1 Curso de Direito Constitucional Tributário. Malheiros. 1993.p.80/81

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O fornecimento de medicamentos e a competência de cada um dos entes da federação têm sido alvo de inúmeras discussões pelo Judiciário. Segundo a maior parte da jurisprudência, de acordo com o artigo 196, da Constituição Federal, a saúde, direito de todos, é obrigação solidária de natureza indivisível. Além disso, segundo o artigo 6º da Constituição Federal, a saúde faz parte do rol dos direitos fundamentais.

Dentro desse entendimento, com vistas a não onerar excessivamente apenas um dos entes federativos, sob pena de tornar inviável a prestação de outros serviços essenciais, instituiu-se as repartições de atribuições (farmácia básica, medicamentos de alto custo, etc.), razão pela qual não pode o Poder Judiciário alterar tais atribuições, sob pena de causar prejuízo ao erário.

b.2) Do Princípio da Separação dos Poderes.

Outro aspecto que releva ser considerado diz respeito a não interferência do Poder Judiciário na Administração Municipal. Nas palavras de Seabra Fagundes2:

Ao Poder Judiciário é vedado apreciar, no exercício do controle jurisdicional, o mérito dos atos administrativos. Cabe-lhe examiná-los tão somente sob o prisma da legalidade. Esse o limite do controle quanto à extensão. O mérito compreende as questões relativas ao acerto à justiça, à equidade, etc. Ao Judiciário não se submetem os interesses que o ato administrativo contraria, mas apenas os direitos individuais acaso feridos por ele. O mérito é de atribuição exclusiva do Poder Executivo. O Poder Judiciário, nele penetrando, faria obra de administração, violando, destarte, o princípio da separação e independência entre os poderes.

Nesse intuito de indicar que cada uma das entidades políticas tem campos de ação autônoma e independente, importante transcrever, ainda, o pensamento de Dalmo de Abreu Dallari3:

O reconhecimento desse poder de fixar sua própria escala de prioridades é fundamental para a preservação da autonomia de cada governo. Se um governo puder determinar o que o outro deve fazer, ou mesmo o que deve fazer em primeiro lugar, desaparecem todas as vantagens da organização federativas. Realmente, pode ocorrer que a escala de prioridades estabelecidas pelo governo central não coincida com o julgamento de importância dos assuntos feitos pelo governo regional ou local. Pode também ocorrer que um governo pretenda que outro cuide com tal empenho de certo problema, que cabe comprometendo grande parte dos recursos financeiros deste último, deixando-o sem poder cuidar de outros problemas que, no seu julgamento, deveriam merecer preferência.

2 In “O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário”, 2ª ed., p. 173/1743 “Competências Municipais”, in Estudos de Direito Público - Revista da Associação dos Advogados da Prefeitura do Município de São Paulo, 1983, n.4, p.7.

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Oportuno, ainda, citar o não menos ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello, pela sua obra “Discricionariedade e Controle Jurisdicional”, Ed. Malheiros, 2. ed., onde aborda a matéria relativa à legalidade dos atos administrativos:

Assim, deve-se, desde logo, começar por frisar que o próprio Estado de Direito, como se sabe, é, encontra-se, em quaisquer de suas feições assujeitado aos parâmetros de legalidade. Inicialmente submisso aos termos constitucionais, em seguida, aos próprios termos propostos pelas leis, e, por último, adstrito à consonância com os atos normativos inferiores, de qualquer espécie, expedidos pelo Poder Público. Deste esquema, obviamente, não poderá fugir agente estatal algum, esteja ou não no exercício do ‘poder discricionário’.

Ora, ao administrador público é conferida a difícil e ingrata tarefa de distribuição de recursos limitados em meio a carências e necessidades ilimitadas. Detém, entretanto, o administrador, legitimidade não atribuída ao Poder Judiciário. Somente do administrador é exigido saber os recursos de que dispõe os créditos por vir e as necessidades que deverão ser atendidas segundo o seu prudente e discricionário arbítrio. Discricionário porque decide escolhendo as prioridades, o que é defeso ao Poder Judiciário.

Em sendo assim, o julgador ao impor esta ou aquela forma de divisão dos recursos públicos está agindo de forma arbitrária e irrefletida, pois não possui visão integral das questões. Dispõe apenas da terrível versão apresentada pelos que ingressam com as ações. Não lhe é dado conhecer das inúmeras carências sociais, de um sem número de pessoas que igualmente sobrevivem por conta do atendimento prestado com os recursos públicos. São essas as prioridades pelas quais o Estado desdobra-se. Deve eleger prioridades, atendendo às necessidades de todos.

b.3) Do Princípio da Reserva do Possível.

A garantia de atendimento à saúde, assim como à educação e cultura, é fruto da idéia de um Estado assistencial que tem como característica básica a intervenção nas relações privadas, suprindo as necessidades das pessoas. Todavia, embora esses direitos estejam, hoje, positivados, nem sempre conseguem ser atendidos. É que, embora a relação entre o “dever ser” e o “ser” normativo devesse ser perfeita, o Estado tem capacidades orçamentárias restritas – o que constitui um limite fático à prestação de direitos que necessariamente exigem, para sua efetivação, disponibilidade de verbas.

O conceito de reserva do possível, nesse aspecto, criado pela doutrina alemã e trazido ao Brasil por alguns doutrinadores, pretende preencher o descompasso entre os direitos constantes da Lei Maior e a difícil realidade brasileira, eis que parte do pressuposto de que uma norma só está apta a produzir efeitos quando verificada a existência dos requisitos de fato. Em sendo assim, na ausência dos recursos para que o Executivo possa disponibilizar aos particulares as prestações demandadas, face à regra “ad impossibilita nemo tenetur” (ninguém é obrigado a coisas impossíveis), estas não seriam exigíveis.

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Significa dizer que, embora haja a garantia do direito pretendido, as limitações de ordem econômica à efetivação dos direitos sociais acabam por condicionar a prestação daqueles ao que se convencionou chamar de reserva do possível.

Trata-se de um conceito oriundo da Alemanha, baseado em paradigmática decisão da Corte Constitucional Federal Alemã (BverfGE n. º33, S. 333), em que havia a pretensão de ingresso no ensino superior público, embora não existissem vagas suficientes, com espeque na garantia da Lei Federal alemã de liberdade de escolha da profissão.

No julgamento desta lide, firmou-se posicionamento no sentido de que o indivíduo só pode requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do razoável. Assim, de acordo com a jurisprudência da Corte Constitucional Alemã, os direitos sociais prestacionais "estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade". 4

Seguem, nesse sentido, as seguintes decisões:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À VIDA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PORTADOR DE DOENÇA DE PARKISSON. POSSIBILI-DADE. HONORÁRIOS DEVIDOS PELO ESTADO À DEFENSORIA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Legitima-se o Estado do Rio Grande do Sul, passiva-mente, em demanda em que alguém pleiteia o fornecimento de medica-mentos, pois se obrigou a semelhante prestação, nos termos do art. 1° da Lei 9.908/93. Legitima-se, igualmente, o Município de Santo Antônio da Patrulha. Preliminar rejeitada. 2. É desnecessário, para acudir à via jurisdicional, esgotar ou pleitear na instância administrativa. Preliminar rejeitada. 3. O direito à vida (CF/88, art. 196), que é de todos e de ver do Estado, exige prestações positivas, e, portanto, se situa dentro da reserva do possível, ou seja, das disponibilidades orçamentárias. É passível de sanção a ausência de qualquer prestação, ou seja, a negativa genérica a fornecer medicamentos. Não é possível a condenação do Estado ao pagamento de honorários advocatícios em causa patrocinada por Defensor Público, ante a existência de confusão entre credor e devedor. Precedente do STJ. O Município deve arcar com metade da verba honorária arbitrada. 4. APELAÇÃO DO ESTADO PARCIALMENTE PROVIDA E APELAÇÃO DO MUNICÍPIO DESPROVIDA. (APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO Nº 70008501298, QUARTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ARAKEN DE ASSIS, JULGADO EM 05/05/2004)

APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SAÚDE PÚBLICA. DOENÇA TIROSINEMIA HEREDITÁRIA TIPO I. LEITE XPT ANALOG DA SHS. LEITE TYR 1 MIX. OBRIGAÇÃO DO ESTADO. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. DÚVIDAS QUANTO À NECESSIDADE DO MEDICAMENTE EMDECORRÊNCIA DODECURSO DO TEMPO. PROVIMENTO DO APELO

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PARA LEVAR O PROCESSO À PROVA. Nas ações de fornecimento de medicamento, ante a necessidade de se congregar o princípio de resguardo à saúde com o princípio da reserva do possível (necessidade de previsão orçamentária do ente público), devem os demandantes comprovar a necessidade do medicamento como única solução para tratamento da moléstia acometida, bem como, nos casos de não manifesta urgência, da negativa do Estado em fornecer o remédio pleiteado, seja porque em falta no estoque de medicamentos, seja por não constar da lista oficial do Ministério da Saúde. Diante disso, estando o autor da ação com mais de dois anos nesta data, fase de evolução da criança indicativa de substituição do leite por outros alimentos, é de se determinar a colheita de prova da necessidade do Estado continuar fornecendo do leite especial. - Preliminar rejeitada. Apelação provida para levar o processo à prova, prejudicado o reexame necessário. (APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO Nº 70008157091, QUARTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: WELLINGTON PACHECO BARROS, JULGADO EM 07/04/2004)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PRETENSÃO AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. JULGAMENTO ANTECIPADO. NULIDADE. 1. É nula a sentença, decorrente de julgamento antecipado (CPC, art. 330, I), quando existia questão de fato dependente de prova. Nada tem de automático o julgamento das pretensões em que necessitado reclama do Estado, com fundamento no art. 196 da CF/88, prestações positivas na área da saúde, seja porque o acolhimento observará a chamada reserva do possível, seja porque cumpre avaliar a prescrição do seu médico assistente, cuja única lealdade é para com o paciente, e, assim, promover a salutar economia de meios, indispensável para não desamparar aos demais necessitados. 2. APELAÇÃO PROVIDA. (APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO Nº 70008117335, QUARTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ARAKEN DE ASSIS, JULGADO EM 07/04/2004).

O exposto nos remete, assim, a limitações de cunho econômico, que acarretam a falta de produção de efeitos das normas sociais, tanto as de cunho programático quanto as que já se encontram plenamente regulamentadas no âmbito constitucional e ordinário.

Destaque-se notícia veiculada no dia 04 de março de 2005, pelo site do STJ (www.stj.gov.br):

Suspensa decisão que permitia fornecimento de próteses pelo SUS: A decisão judicial que obrigava o Estado a fornecer próteses gratuitamente aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) está suspensa por determinação do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal. A medida havia sido garantida pela Justiça Federal da 4ª Região, no Sul do País, e atingia os pacientes do SUS residentes no município de Jaraguá do Sul (SC), desde que a necessidade estivesse prescrita por um médico. A questão começou a ser discutida na Justiça em decorrência de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a União, o Estado de Santa Catarina e o Município de Jaraguá do Sul, para que fosse fornecida uma prótese de esfíncter artificial

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a um paciente do Sistema Único de Saúde (SUS) com histórico de megacólon congênito e já submetido a vinte cirurgias. Segundo o MPF, o paciente, aos 27 anos, já se havia submetido a dezenas de cirurgias sem obter resultado satisfatório, encontrando-se ainda com fístula perianal, incontinência fecal, perda de tecido com exposição de tecidos profundos pré-sacal e com sérios riscos de formação de câncer. A única saída seria a utilização da prótese distribuída pela empresa American Medical, Systems, importada pelo valor estimado de US$ 7 mil. Afirma que tanto a Constituição Federal quanto as leis nacionais sobre o tema asseguram o direito à saúde, sendo dever do Estado garanti-la. (...) A União tentou, por diversas vezes, reverter a obrigação. Por último, entrou com pedido de suspensão de tutela antecipada no STJ, alegando ameaça à ordem administrativa e à saúde pública porque a medida determinou o fornecimento das próteses independentemente de constar da lista oficial do Ministério da Saúde. "O Poder Público estabelece as diretrizes de atuação com base em critérios médico-científicos que norteiam a fixação e autorização, no Brasil, de tratamentos médicos e utilização de medicamentos pela população", afirma. E completa: manter a decisão vai onerar os cofres públicos com tratamentos médicos, remédios e equipamentos não testados, não autorizados e não registrados no País.Em um primeiro momento a decisão foi mantida.

E a notícia continua, informando que:

O presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, indeferiu o pedido da União, por considerar que a decisão do TRF privilegiou a vida do paciente e de outras pessoas que necessitam da colocação de próteses, tutelando, assim, o bem jurídico mais valioso que há: a vida. Ele não identificou nenhuma ameaça de lesão à ordem ou à saúde pública pelo simples fato de não existir ainda o registro do equipamento no Ministério da Saúde. "Não há como concluir que a decisão recorrida, que apenas garante o cumprimento da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional atinente ao direito à saúde, esteja violando a discricionariedade administrativa da União, do Estado de Santa Catarina ou do Município de Jaraguá do Sul", destacou o ministro. A determinação levou a União a recorrer ao próprio STJ, pedindo a reconsideração da decisão do presidente.

Ao final, a notícia revela que:

(...) a determinação para o fornecimento de medicamentos não constantes da listagem oficial de forma genérica e indiscriminada implica invasão na esfera de competência da Administração Pública, na medida em que anula os critérios direcionadores das políticas públicas que visam à saúde de toda a população. Alega que o Estado, no exercício de seu dever constitucional, não tem em vista as necessidades clínicas isoladas, mas sim o contexto geral, atrelado às políticas sociais e econômicas.O ministro concordou com os argumentos do Governo Federal. "Com efeito, compete à Administração Pública, através da aplicação de critérios

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médico-científicos, fixar e autorizar os tratamentos e remédios que devem ser fornecidos à população no País, buscando garantir a segurança, a eficácia terapêutica e a qualidade necessárias”. "Tal atividade envolve uma gama de procedimentos técnicos e de caráter oficial inerentes à política nacional de saúde e realizados por diversos órgãos governamentais, objetivando restringir a possibilidade de riscos graves aos pacientes e, sempre que viável, uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de que seja atingido o maior número possível de beneficiários", destacou o presidente ao reconsiderar sua decisão anterior. Reconheceu, assim, que a liminar concedida pela Justiça no sul do Brasil realmente "afronta a ordem administrativa, na medida em que interfere em matéria de política nacional de saúde, de seara exclusiva da Administração Pública". (grifamos)

Ainda no que tange às dificuldades para o atendimento de todos os munícipes, cite-se trecho do artigo “Determinações Judiciais e o SUS”, escrito pelo médico José Andersen Cavalcanti, publicado no Jornal “Zero Hora”, do dia 15 de julho de 2004, p. 17, sob o ponto de vista ético da questão:

Cada vez é maior o número de determinações judiciais devido ao grande número de exames diagnósticos que os pacientes não conseguem agendar, leitos hospitalares não-disponíveis e medicamentos em falta nos nossos postos de saúde. Em conseqüência disso e em buscar dos seus direitos, as pessoas buscam o Judiciário que, via de regra, concede o pleiteado e que nem sempre será cumprido pelos gestores do SUS. Não existem recursos financeiros suficientes.

José Andersen Cavalcanti, na entrevista dada à Zero Hora, continua, afirmando que:

Não questiono, nem poderia, a esfera legal de tais determinações judiciais, mas, no mínimo, do ponto de vista ético, é injusto com os que não tiveram acesso aos meios que disponibilizam essas medidas, pois passam à frente de outros nas nossas filas de espera sem ter a gravidade de seus pleitos avaliada por um profissional médico através de perícia.

E José Andersen Cavalcanti, prossegue seu raciocínio, referindo que:

E não é só isso. É tal a falta de recursos na rede pública que se cria uma lista paralela de espera através desse novo acesso que considera todos os casos urgentes e necessários, tal o número de determinações judiciais a serem cumpridas, sendo que o SUS não consegue atender a todas. Me parece que o princípio da igualdade de acesso aos serviços de saúde deixa de existir a partir do momento em que todos que recorrem ao Judiciário tiverem atendidos seus pedidos, prejudicando, nesse momento de carência de recursos, os que não tiverem acesso ou não buscarem esse recurso. Tomem por exemplo uma UTI com lotação esgotada, onde uma

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determinação legal de internação de um outro paciente leva ao questionamento que além de técnico é ético: a quem dar alta para cumprir a determinação e internar o novo paciente? Como o profissional médico tomará essa decisão, alterando a lista de espera de pacientes que ali também precisam internar? É ético alterar a lista de espera de exames diagnósticos, transplantes ou internações, sem uma avaliação médico-pericial, se assim determinado judicialmente? Justo todos nós sabemos que não é. O Judiciário nem sempre tem condições de avaliar a real gravidade do pleito concedido. Uma verdadeira “escola de Sofia” na saúde pública vem ocorrendo no dia-a-dia, porém com o conhecimentos dos profissionais ali responsáveis, diferente do cumprimento de uma medida que vem a ser a destinação dos parcos recursos disponíveis para alguns em detrimento dos outros usuários do SUS. Não somos contra a busca dos direitos constitucionais do cidadão, daqueles que conseguem ter acesso aos meios legais, porém, fazemos ressalvas do ponto de vista ético, achando que não deva haver prejuízo a todos os demais que não buscaram esse recurso e contam apenas com a espera.

Percebe-se, ante aos fatos e fundamentos apresentados que não há razão para prosperar a presente pretensão, sob pena de estar-se ferindo o princípio da legalidade.

b.4) Do Princípio da Legalidade Orçamentária.

É o princípio da gratuidade importante princípio de justiça orçamentária, ocupa posição oposta à do princípio do custo/benefício, que sinaliza no sentido de que cada qual deve arcar com os custos administrativos dos benefícios auferidos pessoal ou coletivamente. Por este princípio, determinadas pessoas nada devem pagar pela obtenção de bens públicos, a gratuidade tem abrangência limitada na democracia financeira contemporânea.

Tal princípio informa em primeiro lugar, a entrega de prestações positivas para a defesa do mínimo existencial (v. art. 208, I da CF) ensino fundamental gratuito; assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, inciso LXXIV); a garantia de certidões aos reconhecidamente pobres na forma da lei (art. 5º, inciso LXXVI); e o fornecimento gratuito dos medicamentos essenciais previstos na RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) elaborada pelo Governo Federal consoante as diretrizes da Lei nº 8.080/90 e Portaria Federal nº 3.916/98, em atendimento, sobretudo, ao art. 6º da Constituição Federal que contempla o direito à saúde como Direito Social.

É importante salientar que a gratuidade deflui da própria natureza dos direitos: os fundamentais, que exibem o status positivus e necessitam de prestações gratuitas. Os direitos sociais e econômicos são protegidos por prestações sociais remuneradas, a não ser que as condições econômicas do Estado permitam a entrega não onerosa, portanto, tal distinção é de crucial importância para o perfeito entendimento do pensamento.

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Com base nesta idéia entende-se que nos casos dos medicamentos não essenciais, isto é, não previstos na RENAME (Relação Nacional de Medicamentos), e que não envolvam riscos à vida (direito fundamental), só poderão ser fornecidos na exata medida da reserva orçamentária, ou seja, nas condições em que a reserva do possível esteja presente na lei orçamentária.

Encontra sua base empírica no art. 167 e incisos da Constituição Federal. Toda e qualquer despesa pública há que estar de uma forma ou de outra prevista em lei orçamentária, sob pena de nulidade do gasto.

O princípio da legalidade orçamentária congraça com o sub-princípio da especificação ou especialidade, para limitar a concessão de créditos orçamentários, ou seja, os créditos não podem ser ilimitados ex vi do art. 167, VII da CF e art. 5º, § 4º da Lei de Responsabilidade Fiscal, nem podem ser transpostos de uma categoria de programação para outra sem prévia autorização legislativa.

Ainda há de se mencionar que o princípio da legalidade orçamentária é a aplicação no campo do direito financeiro, do princípio da estrita legalidade previsto no art. 5º, II, bem como, da legalidade tributária estatuída art. 150, I, ambos da Constituição Federal, dependendo, portanto, da situação econômica do país e da riqueza nacional, sendo tanto mais abrangente quanto mais rico e menos suscetível a crises seja o Estado, motivo pelo qual não tem dimensão originariamente constitucional. Ademais, este princípio, assim como os outros princípios orçamentários, dialogam entre si naquela dimensão de ponderação de interesses, sem que um revogue o outro.

Contudo, vigora neste campo uma grande confusão entre os direitos fundamentais (art. 5º da CF) e os direitos sociais (art. 6º e 7º da CF), gerando decisões judiciais que concedem liminares para garantia de direitos sociais, que estão submetidos à reserva do possível ou reserva da lei orçamentária, subvertendo assim as prioridades constitucionais. Bem diz Ricardo Lobo Torres (22):

Ademais, as políticas públicas dependem de dinheiro, e não apenas de verba. Os direitos sociais e a ação governamental vivem sob a reserva do possível, isto é, de arrecadação dos ingressos previstos nos planos anuais a plurianuais.

Os direitos sociais (arts. 6º e 7º da CF) e os direitos econômicos (art. 174 a 179 da CF), existem do ponto de vista de sua eficácia social, sob a condição da reserva do possível ou da soberania orçamentária do legislador, muito embora haja posições relevantes que defendem a efetividade destes direitos ditos originários, independentemente de lei orçamentária contemplando referidas prestações.

Citamos aqui José Joaquim Gomes Canotilho que sustenta: “O status social do cidadão pressupõe prestações sociais originárias como saúde, habitação, ensino, - originäre Leistungsanprünchen (...) O entendimento dos direitos sociais, econômicos e culturais como direitos originários implica, como já salientado, uma mudança na função dos direitos fundamentais (...) A

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efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais não se reduz a um simples ‘apelo’ ao legislador. Existe uma verdadeira imposição constitucional legitimadora, entre outras, coisas, de transformações econômicas e sociais, na medida em que estas forem necessárias para efetivação desses direitos.”

Não obstante Canotilho estender aos direitos sociais e aos direitos econômicos as mesmas garantias dos direito fundamentais, Canotilho é forçado no mesmo parágrafo, a admitir que a efetivação destes direitos se dá com a observância da "reserva do possível" e da existência de recursos econômicos, portanto, ao fim e ao cabo reconhece o limite da reserva da lei orçamentária para garantia dos direitos econômicos e sociais.

No mundo do ser, na realidade jurídica, o que vemos é uma confusão total dos conceitos acima expostos e uma ampla flexibilização da legalidade orçamentária. Decisões do Judiciário aos borbotões vêm concedendo gratuidade de remédios, independente de qualquer reserva orçamentária, e muitas das vezes tais remédios não guardam conexão direta com a proteção dos mínimos sociais porque não essenciais segundo a política nacional de medicamentos.

O Governo Federal através da Portaria nº 3.916/MS/GM, de 30 de outubro de 1998, (publicada no D.O.U. de 10/11/98), aprovou a Política Nacional de Medicamentos que tem como um de seus propósitos a promoção do uso racional dos medicamentos e máxime acesso da população àqueles considerados essenciais.

A referida portaria federal busca fundamento de validade na Lei n.º 8.080/90, em seu artigo 6º que estabelece como campo de atuação do Sistema Único de Saúde - SUS - a "formulação da política de medicamentos (...) de interesse para a saúde (...)". É dentro deste contexto que se insere a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), cuja cópia segue em anexo.

Ao falar das diretrizes da Política Nacional de Medicamentos assim se posiciona a Portaria 3.916/98:

Adoção de relação de medicamentos essenciais. Integram o elenco dos medicamentos essenciais aqueles produtos considerados básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da população. Esses produtos devem estar continuamente disponíveis aos segmentos da sociedade que deles necessitem, nas formas farmacêuticas apropriadas, e compõem uma relação nacional de referência que servirá de base para o direcionamento da produção farmacêutica e para o desenvolvimento científico e tecnológico, bem como para a definição de listas de medicamentos essenciais nos âmbitos estadual e municipal, que deverão ser estabelecidas com o apoio do gestor federal e segundo a situação epidemiológica respectiva. O Ministério da Saúde estabelecerá mecanismos que permitam a contínua atualização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais - RENAME, imprescindível instrumento de ação do SUS, na medida em que contempla um elenco de produtos necessários ao tratamento e controle da maioria das patologias prevalentes no País.

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A aludida portaria também esclarece que:

O fato de que a Relação Nacional, conforme assinalado acima, deverá ser a base para a organização das listas estaduais e municipais favorecerá o processo de descentralização da gestão, visto que estas instâncias são, com a participação financeira e técnica do Ministério da Saúde, responsáveis pelo suprimento de suas redes de serviços. Trata-se, portanto, de meio fundamental para orientar a padronização, quer da prescrição, quer do abastecimento de medicamentos, principalmente no âmbito do SUS, constituindo, assim, um mecanismo para a redução dos custos dos produtos. Visando maior veiculação, a RENAME deverá ser continuamente divulgada por diferentes meios, como a Internet, por exemplo, possibilitando, entre outros aspectos, a aquisição de medicamentos a preços menores, tanto por parte do consumidor em geral, quanto por parte dos gestores do Sistema. No processo de atualização contínua da RENAME, deverá ser dada ênfase ao conjunto dos medicamentos voltados para a assistência ambulatorial, ajustado, no nível local, às doenças mais comuns à população, definidas segundo prévio critério epidemiológico. (grifos nossos).”

É de se ponderar que qualquer liminar judicial deve avaliar estas questões que envolvem a Política Nacional de Medicamentos, ou seja, verificar no aqui-e-agora se o medicamento pleiteado pelo cidadão faz parte da RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais), ocasião em que legitimidade do pleito do cidadão acresce de valor e deve ser atendido na esfera de um justo direito social a ser protegido na forma do art. 6º da Constituição Federal. As liminares ou outras decisões que não observam estes parâmetros, a nosso ver ademais de tudo, ferem de morte o princípio da legalidade orçamentária.

Ainda é preciso ressaltar os interesses de terceiros nesta verdadeira batalha judicial que vem ocorrendo no âmbito da saúde. Existe um sem número de requerimentos referentes a medicamentos, receitados por médicos que não obedecem a normatização do Ministério da Saúde, que recomenda que o remédio seja indicado através de seu princípio ativo, e não através de marcas específicas de certos laboratórios da indústria farmacêutica. Esta prática acaba gerando gastos maiores do que o necessário, pois na maioria das vezes é possível o fornecimento de outro medicamento similar mais barato e que atinja o mesmo fim.

Nesse sentido, transcrevemos notícia veiculada na revista CONASEMS, n° 8, de 23/03/2005:

O problema mais grave, entretanto, são as demandas por remédios de alto custo ou que não constam nos protocolos clínicos do Ministério da Saúde. Boa parte das ações judiciais contra o SUS reivindica medicamentos que ainda estão em fase de testes, que não têm registro no Ministério e que custam muito mais do que os medicamentos convencionais. Os gestores atribuem a maior parcela de culpa ao marketing da indústria farmacêutica e à falta de consciência dos médicos

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que receitam esses tratamentos. “A verdade é que os grandes laboratórios perceberam na legislação uma brecha, um grande filão de vendas, do qual não temos como fugir. Afinal, demandas judiciais têm de ser cumpridas”, diz Libânio. “Tem médicos que receitam os remédios mais caros e junto com a receita já entregam um cartãozinho de algum escritório de advocacia para que o paciente consiga na Justiça”, revela. O Conselho Federal de Medicina foi procurado, mas não quis se pronunciar sobre essa questão. A assessoria de imprensa do Conselho em Brasília justificou que o assunto não foi debatido em plenária e não há consenso da categoria. Para o consultor do Ministério da Saúde Paulo Picon, a pressão dos grandes laboratórios é a principal responsável pela demanda tão alta por remédios fora dos protocolos clínicos do SUS. O especialista, que também é coordenador técnico da política de medicamentos do Rio Grande do Sul, revela que, das 450 ações judiciais que tramitam contra o Estado, 70% pedem medicamentos que não fazem parte da lista do SUS. Muitos deles, remédios recém-lançados por grandes laboratórios, ainda em fase de testes. “É um marketing secular, agressivo e quase perfeito. Os laboratórios dão agrados aos médicos, patrocinam viagens, financiam congressos e até prestam assistência jurídica a pacientes”, enumera Picon. Essa pressão, segundo ele, gera um ciclo vicioso e difícil de se quebrar: “O médico receita o remédio que o laboratório quer e o paciente nunca questiona o médico. O Ministério Público não pode mudar a receita, e a Justiça sempre decide pelo direito garantido na Constituição. Dessa forma, o Estado tem de arcar com um gasto muito maior para fornecer aquele medicamento e faltam recursos para os pacientes da atenção básica”, diz. (...) Ministérios Públicos estaduais e o Poder Judiciário iniciaram um movimento para evitar que as garantias legais de acesso a medicamentos se virem contra os próprios usuários do SUS.

E a matéria continua, mencionando que:

Há um mês, foi criada a Associação Nacional dos Ministérios Públicos de Defesa da Saúde (Ampasa). Um de seus objetivos é justamente promover uma articulação com o Judiciário para evitar equívocos e frear eventuais abusos nas ações judiciais. “Tem que ter um limite entre o direito de um paciente de alta complexidade e os de todos os outros da atenção básica”, pondera a promotora catarinense Sônia Piardi, presidente da Ampasa. Em Santa Catarina, segundo ela, os promotores de defesa da saúde adotaram uma postura inovadora quanto às demandas de medicamentos fora dos protocolos clínicos do Ministério da Saúde. “Nós fazemos a recomendação com opção para que a Secretaria ofereça o similar do medicamento pedido, desde que haja aprovação do médico que atendeu o paciente. E esse médico só pode recusar o medicamento convencional com a apresentação de um laudo técnico convincente argumentando o porquê da recusa.” (...) A quebra de patentes também foi apontada como alternativa. “Em alguns casos, ela pode trazer a solução para os dois lados: para o Ministério, que poderá produzir medicamentos de alta complexidade a custos mais baixos, e para o usuário, que terá o acesso a eles facilitado”, explica a promotora Sônia Piardi.

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Face ao mencionado, não pode o Judiciário manter-se silente a “indústria dos medicamentos excepcionais”, devendo dar uma resposta a estas questões polêmicas que vêm onerando de modo drástico o orçamento estatal, pois caso não ocorra uma resposta por parte do Judiciário, tende-se a ter um agravamento ao atual colapso estatal.

III – DOS PEDIDOS.

Ante o exposto, requer-se:

a) Seja acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do Município de Tio Hugo para ser afastado da relação processual, em face das disposições da Lei Estadual nº 9.908/93 e do Plano de Assistência Farmacêutica do Município, devidamente aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde e Conselho Estadual de Saúde, notadamente porque o medicamento RITUXIMAB 700mg/ciclo solicitado pelo Requerente não integra qualquer lista de medicamentos, devendo, pois, ser fornecido pelo Estado do Rio Grande do Sul, sendo o ora contestante, neste caso, responsável subsidiariamente pelo seu fornecimento, e não solidariamente como pretende o Ministério Público;

b) seja revogada concessão da tutela antecipada para fornecimento de medicamento, em face da impossibilidade de concessão de tal medida em desfavor da Fazenda Pública;

c) no mérito, sejam julgados totalmente improcedentes os pedidos da presente ação, pelos fundamentos apresentados acima;

d) seja deferida a produção de todos os meios de prova em direito admitidas, em especial, a prova documental, testemunhal e pericial, especialmente o depoimento pessoal do requerente, sob pena de confissão, enfim as que se fizerem necessária para o deslinde do feito.

Termos em que,P. E. Deferimento.

Tio Hugo - RS, 01 de dezembro de 2010.

ADRIANO MARCELO RAMBOOAB/RS 53.219

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